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A COBERTURA PROIBIDA O Suicídio, o jornalismo e o caso Pátio Brasil

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A CoberturA ProibidAO Suicídio, o jornalismo

e o caso Pátio Brasil

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A CoberturA ProibidAO Suicídio, o jornalismo

e o caso Pátio Brasil

Ailim Oliveira Braz Silva

Brasília, dezembro de 2008

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Revisão de TextoLiliane Maria Macedo Machado

Editoração EletrônicaSiula Soares Valentim Almeida

CapaRafiza Varão

Ficha catalográfica

Silva, Ailim Oliveira Braz. A cobertura proibida: o suicídio, o jornalismo e o caso Pátio Brasil Shopping / Ailim Oliveira Braz Silva. – Brasília, 2008.146p.: il.; 24 cm.

Orientadora: Prof. Dra. Liliane Maria Macedo MachadoLivro (graduação) – Universidade Católica de Brasília, 2008.

1. Comunicação. 2. Jornalismo. 3. Suicídio. Machado, Lilia-ne Maria Macedo, orient. II. Título.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser armazenada

ou reproduzida por qualquer meio sem a autorização por escrito do autor.

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À minha irmã Adelina, pelo esforço e apoio du-

rante todos esses anos; aos meus pais, por fazerem

da educação uma prioridade em minha vida, e à

minha amiga “Louis”, por este trabalho que inicia-

mos juntos.

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AGRADECIMENTOS

À prof.ª Liliane Machado, pelo exemplo, empenho e pelo voto de confiança, mesmo aos “45 minutos do segundo tempo”. E por ter con-seguido, de fato, dar sentido à palavra orientação.

À minha avó, por acreditar em meu futuro e estar sempre ao meu lado para dizer: “meu filho, faz o que for preciso que a gente e Deus vamos estar aqui para ajudar!”.

Aos meus amigos-irmãos Geyzon, Sanches, Lu e Mila, pelo conforto e incentivo nos momentos de desesperança e que, assim como Diândria, a quem também agradeço, tiveram participação nesse produto.

À Adelina, ao Adamson e à minha nova irmã Elaine Daniele, que sempre fizeram de tudo para ajudar e tornar possível esse momento.

À professora Liliana Ribeiro, “mãezona” que um dia mostrou-me as ferramentas e, hoje, relembra o menino “quietinho” de um primeiro semestre distante.

À prof.ª Rafiza, pelo amor que nos ensina ter à profissão e por nunca deixar-me esquecer dos “remedinhos”.

Às professoras e amigas Nádia Gadelha e Maria Cecília, pelas contri-buições ao livro e conversas que certamente aumentarão a saudade dos tempos da faculdade.

E a todos os demais professores que, certamente, fizeram a diferença em minha vida nesses anos de universidade: Elen Geraldes, Janara Sou-sa, Ana Lúcia Medeiros, André Carvalho, Iasbeck, Paulo Marcelo, Mau-ro Giuntini, Ana Galluf, Florence Dravet, Lunde Braghini, Aylê-Salassiê, Cynthia Rosa, Sérgio de Sá, Fred, Milton Cabral, Newton Scheufler, Gustavo de Castro, Ivany Neiva, Bernadete Brasiliense e Ana Beatriz.

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SuMáRIO

Introdução ................................................................................ 11

Por que falar sobre o suicídio? .................................................... 11

Parte I – O suIcídIO

1. Para começo de conversa ..................................................... 19

1.1 Aspectos gerais sobre o suicídio ....................................... 19

1.2 Reflexos sobre a economia ............................................... 24

2. Definições para o tema ........................................................ 25

2.1 A classificação durkheiminiana .......................................... 29

3. O Ministério da Saúde e as ações anti-suicídios ................. 36

3.1 Ações práticas e resultados ............................................... 39

3.2 Grupos de risco e próximas etapas ................................... 41

Parte II – O jOrnalIsmO

1. O que pensam os jornalistas ................................................ 47

2. Jornalismo: quem manda, por que manda, como manda .... 56

3. O suicídio na imprensa ........................................................ 62

3.1 Quando a imprensa fala, tem muito a ensinar ................... 68

4. O suicídio no Correio Braziliense ....................................... 70

5. Manual para jornalistas: a cobertura é possível .................. 79

Parte III – casO PátIO BrasIl

1. Pátio Brasil: dê um pulinho aqui! ........................................ 85

1.1 Shopping: um conceito da vida moderna ......................... 86

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2. Mortes no shopping ............................................................. 89

2.1 Ponto de partida .............................................................. 91

2.2 A busca continua ............................................................. 93

2.3 Um caso oculto ................................................................ 97

2.4 Uma última tentativa ....................................................... 99

3. “Estamos dentro das normas” ........................................... 101

3.1 Números inexpressíveis.................................................. 105

4. Informações distorcidas .................................................... 106

5. Orkut: onde o caso repercute ............................................ 111

Considerações finais .............................................................. 121

Referências ............................................................................. 127

Anexo I ................................................................................... 131

Anexo II ................................................................................. 134

Anexo III ................................................................................ 138

Anexo Iv ................................................................................ 139

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INTRODuÇÃO

Por que falar sobre o suicídio?

A idéia surgiu por acaso, como sugestão de pauta, para uma ami-ga matriculada na disciplina de Jornalismo Público e Investigativo. Na época, eu estava inscrito em Metodologia de Pesquisa em Comunicação. E, a cada semana, fazia o professor se descabelar, tamanha era a minha indecisão em relação ao meu futuro tema de pesquisa. Toda segunda-feira, dia em que cursava a disciplina, fazia-o ler um artigo diferente, apresentando as mais diversas propostas de estudo.

Se me sobravam alternativas, Bianca Fragoso vivia a situação inversa: procurava, apreensiva, um assunto que lhe rendesse uma ótima repor-tagem investigativa.

Estávamos por volta do mês de março de 2007. E no primeiro dia daquele mês, mais um suicídio aconteceu no Pátio Brasil Shopping. Para variar, os comentários corriam à solta, enquanto na grande imprensa nada se noticiava a respeito. Todos sabiam que aquele não era o pri-meiro caso, mas ninguém se arriscava a dizer quantas mortes, de fato, teriam acontecido no estabelecimento desde a inauguração, em 1997.

Diante daquele fato, imaginei que seria interessante descobrir algo mais aprofundado. Entrevistar testemunhas, identificar o número de vítimas, levantar hipóteses para as causas das mortes. Tentar enten-der os motivos que levam alguém a tirar a própria vida e, quem sabe, conscientizar as pessoas para interferirem na possibilidade de novas ocorrências.

Apresentei a idéia à Bianca. Mas não imaginava que o assunto daria “tanto pano pra manga”. Ela empolgou-se e, em contrapartida à suges-tão, propôs uma parceria. Poderíamos transformar a investigação em nosso tema de trabalho de conclusão de curso (TCC), um livro-reporta-gem talvez, tamanha era a complexidade.

Aceitei a sociedade. Ao mesmo tempo em que a ajudaria na apura-ção, começaríamos a escrever nosso pré-projeto de TCC. E foi o que

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fizemos. Fomos a campo e, a cada fonte consultada, o assunto demons-trava maior relevância social e acadêmica.

Em todo o mundo, as estimativas de suicídio evoluíam a cada ano. No Brasil, embora os números fossem relativamente baixos em relação aos padrões internacionais (16 suicídios a cada 100 mil habitantes), em algumas regiões os índices ultrapassavam 30 casos em determinadas faixas etárias.

Durante as primeiras investigações, descobrimos que tão graves quanto o elevado número de suicídios, eram os impactos psicológicos e sociais sofridos pela família e pessoas próximas da vítima. Por isso mesmo, um grande silêncio pairava sobre a questão.

No Shopping, nem a segurança nem a administração podiam ou queriam falar sobre o assunto. Na delegacia, os agentes e os delegados só divulgavam alguma informação depois de muita insistência. E até em meio aos colegas de profissão (repórteres ou jornalistas professo-res) encontrávamos resistência para discutir sobre o suicídio. Quando apresentávamos nosso tema de pesquisa, automaticamente quase todos diziam: “falar sobre o suicídio é antiético”, “o código dos jornalistas proíbe reportagens sobre isso”, “se aparecer na mídia, vai ser uma onda de suicídios por aí”.

As histórias que ouvíamos sobre o suicídio eram tão variadas e, em alguns casos, tão absurdas, que sentíamos mais curiosidade e interesse em estudá-lo do ponto de vista da comunicação.

Sabíamos que a imprensa, de fato, evitava o assunto. Mas por quê? Matérias sobre o suicídio não influenciariam da mesma forma que re-portagens de crimes passionais?

A partir desses questionamentos, mantivemos nossa linha de pesqui-sa. Defendíamos a idéia de que a cobertura consciente, ética e não sen-sacionalista poderia contribuir para conscientizar a população e evitar novos registros de mortes voluntárias. Com o tempo, descobrimos que o Ministério da Saúde, por meio da Estratégia Nacional para Prevenção do Suicídio, mantinha o mesmo posicionamento. Desse modo, assu-mimos o objetivo de estudar a possibilidade de veiculação de notícias sobre o suicídio e reunir os resultados em um livro-reportagem. O foco

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de nosso trabalho seriam os casos registrados no Pátio Brasil Shopping e suas vítimas. Queríamos usá-los como exemplos de ocorrências não noticiadas e propor um modelo de cobertura para o assunto em uma grande reportagem.

Assim, eu e Bianca continuamos juntos na pesquisa até o final de 2007, quando a dificuldade em conciliar nossos horários de trabalho nos obrigou a desfazer a parceria. “Louis” retomou um estudo que co-meçara anteriormente, enquanto eu me comprometi a finalizar A cober-

tura proibida, nome que desde o primeiro momento estava definido para o livro.

A separação, no entanto, me levou a repensar o formato do produto. Depois de apresentar meu projeto à banca de qualificação, no primeiro semestre de 2008, percebi que preferia fazer algo mais teórico e frag-mentado, apresentando vários aspectos do suicídio. Portanto, um livro-reportagem não seria o meio mais adequado.

Resolvi, então, fazer um livro, mas direcionado a estudantes e pro-fissionais de comunicação, e que servisse para diminuir os preconceitos que rodeiam a relação jornalismo versus suicídio. Os casos registrados no shopping não deixariam de ser relatados, porém, encaixariam-se no produto de uma forma diferente. Às histórias dessas ocorrências espe-cíficas, acrescentei a abordagem teórica sobre a definição e as possíveis causas do suicídio. Apresentei os diferentes tratamentos dedicados ao assunto ao longo da história, e mostrei, em números, a situação das mortes voluntárias em nossa sociedade atual.

Meus objetivos passaram a ser produzir uma ferramenta pela qual as pessoas e, principalmente, os jornalistas, pudessem aprender e entender um pouco mais sobre as mortes voluntárias. E desmistificar a idéia de que o suicídio deve, inquestionavelmente, ser abolido das páginas dos jornais. Para isso, analisaria como o suicídio é abordado no Correio Brasiliense e se os registros acontecidos no shopping foram noticiados. Pesquisaria para saber até que ponto as ações e recomendações do Mi-nistério da Saúde estão sendo implementadas, ao mesmo tempo em que investigaria se há, de fato, alguma orientação, dentre as regras que re-gem o jornalismo, para se evitar matérias sobre o assunto. Meu trabalho

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também teria um tom de denúncia, afinal, o shopping não estaria sendo omisso diante de tantas ocorrências no estabelecimento? Que medidas estariam sendo tomadas para evitar novos casos?

Em relação ao jornalismo, a desinformação causada por não se noti-ciar o suicídio não seria pior do que esclarecer as dúvidas e conscientizar a população sobre um problema que só faz crescer? E caso a imprensa decida se abrir mais ao assunto, haveria uma forma correta, socialmente responsável e não sensacionalista de abordagem?

No intuito de responder a essas e outras perguntas, debrucei-me sobre obras da sociologia, psicologia e comunicação. Entrevistei fun-cionários e freqüentadores do Pátio Brasil Shopping. Analisei a temática em publicações diversas. E cheguei a um produto no qual reúno, sob diferentes focos narrativos e linhas de abordagem, algumas verdades sobre o suicídio e, em especial, sobre os casos ocorridos no Pátio Brasil Shopping.

Para facilitar a compreensão, optei por dividir o livro em três partes temáticas. A primeira é dedicada exclusivamente ao estudo e definição do suicídio. No capítulo inicial, “Para começo de conversa”, apresento a temática contextualizada à nossa realidade atual, onde as mortes volun-tárias são encaradas como uma questão de saúde pública. No segundo, recupero conceitos teóricos sobre o suicídio com base em ensinamentos deixados ao longo da história por diferentes estudiosos, entre os quais destacam-se Émile Durkheim, Albert Camus e Roosevelt Cassorla, reu-nidos sob o título “Definições para o tema”.

Finalmente, em um novo capítulo, mas ainda na primeira parte do livro, apresento a Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, empre-endida pelo Ministério da Saúde, e as ações que têm sido desenvolvidas junto às comunidades em todo o país.

Já o segundo trecho do livro é dedicado ao jornalismo. Nele, expo-nho a forma como o suicídio tem sido encarado pelos jornalistas e as dúvidas que grande parte dos profissionais de comunicação possui a respeito da relação imprensa versus suicídio.

Para tentar explicar aonde teria surgido a idéia ou o posicionamento de se barrar a cobertura de mortes voluntárias, passeio por algumas

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histórias e teorias da comunicação. E antes de chegar às dicas para co-bertura de suicídio, recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e apresentadas no capítulo 2.5, analiso como o jornal Correio Braziliense se referiu à temática nas semanas em que foram registradas mortes no Pátio Brasil Shopping.

Mas é a terceira parte do livro que talvez desperte mais a curiosidade do leitor. É lá que as mortes voluntárias ocorridas naquele shopping ganham voz. São descritas as vítimas e parte dos relatos sobre as mor-tes. É nesse espaço que apresento a repercussão do assunto na internet, converso com um representante do Pátio Brasil, revelo a opinião das pessoas sobre os casos e, ainda, o número de suicídios ocorridos dentro e fora do estabelecimento, conforme pudemos comprovar ao longo do estudo.

É a terceira parte, também, onde mantenho um discurso mais aproxi-mado da linguagem jornalística. Na tentativa de buscar uma identifica-ção com o leitor, opto por escrever na primeira pessoa. Assim, descrevo cada passo dado, cada detalhe percebido, cada dificuldade enfrentada. Não por achar que o modelo de apuração realizado por mim deva ser seguido como exemplo. Mas por apresentar-me como um interlocutor que, a cada etapa, tinha acesso a informações variadas e deparava-se com situações múltiplas.

Dessa forma, evito ser o dono de uma verdade única e absoluta. E ao deixar algumas questões em aberto, permito a liberdade do leitor para refletir e chegar às suas próprias conclusões.

Espero que gostem e aproveitem ao máximo os resultados desse estudo.

Boa leitura!

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1. Para começo de conversa

Brasília, 02 de março de 2007. O Correio Braziliense, principal jornal da cidade, traz como manchete: “Lula jura que não vai disputar 3º man-dato”. Todos os outros periódicos também parecem indiferentes, alheios a mais um suicídio ocorrido no dia anterior, no Pátio Brasil Shopping. Nenhum registro, nenhuma foto, nenhuma informação oficial sobre o caso divulgada. Sigilo? Posição da mídia para se evitar o incentivo à re-tirada da própria vida? Atitude para se preservar a imagem do estabele-cimento e os interesses dos proprietários do shopping? Ou posição para resguardar a intimidade da família da vítima? O que, afinal, estaria por trás da não veiculação, pela mídia, de uma morte voluntária ocorrida em um local público, um dos mais freqüentados da capital?

O suicídio é apontado como uma das dez maiores causas de morte em todos os países, e uma das três principais na faixa etária de 15 a 35 anos, segundo levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicado em 20001. O mesmo estudo revelou que, naquele ano, apro-ximadamente hum milhão de pessoas no mundo puseram fim à pró-pria vida, ao passo que as estimativas indicavam um aumento de 60% nas taxas de suicídio, desde 1962, em todo o planeta. Isso representa a ocorrência de um caso a cada 40 segundos, sem considerar as tentativas. Nesse caso, os números seriam 20 vezes maiores.

Os dados assustam. E considerando-se a complexidade do assunto, antes de chegarmos aos casos específicos de suicídio registrados no Pátio Brasil Shopping, é importante atentarmos para a definição do tema em questão e sobre a situação geral das mortes voluntárias na atualidade.

1.1 Aspectos gerais sobre o suicídio

O crescimento do número de suicídios é um fato concreto. Em 15 anos, de 1990 a 2004, o número de casos cresceu 59% no Brasil, superan-

1 Disponível em: <http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/en/suicideprev_media_port.pdf>. Acesso em: 30 mai. 2008.

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do o aumento do número de mortes no trânsito (17%) e até o de homicí-dios (55%), segundo revelou estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).2

Gráfico 1 – Homicídios, acidentes de transporte e suicídios no Brasil

Fonte: SIM/DATASUS. Grupo de Estudo de Violência, Ipea.

Em nosso país, a taxa de suicídios gira em torno de 4,5 casos por 100 mil habitantes. O percentual é considerado baixo em relação aos padrões internacionais. Há países onde são registrados cerca de 16 sui-cídios a cada 100 mil habitantes.

A Ásia, por exemplo, é apontada como responsável por aproxima-damente 60% dos casos de morte voluntária de todo o mundo. Sendo a maioria dos registros (40%) realizados na China, na Índia e no Japão, onde mais da metade das mortes acontecem por envenenamento com pesticidas.3

Mesmo assim, existem lugares no Brasil, como o Rio Grande do Sul, onde os índices chegam a 30,2 casos em determinadas faixas etárias.4

2 Estudo citado na revista Época, edição n.468, de 7 de maio de 2007.3 FLEISCHMANN, Alexandra. World Suicide Prevention Day 2008. Genebra: WHO Sta-

tement, 2008. Disponível em: <http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/wspd_2008_statement.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2008.

4 MINISTÉRIO da Saúde. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/cidadao/visualizar_texto.cfm?idtxt=25605>. Acesso em: 30 mai. 2008.

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Ailim Oliveira Braz Silva 21Parte I – O suicídio

A região que o estado integra, juntamente com Santa Catarina e Paraná, é onde observam-se os maiores índices de mortes voluntárias no Bra-sil. No período de 1996 a 2002, enquanto as regiões Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste oscilaram na faixa de 2 a 6,5 casos por 100 mil habitantes, a região Sul manteve-se acima dos 85.

Tanto no Sul como em todo o país, a maior incidência de suicídios acontece entre os homens. Em 2002, a média nacional masculina era de aproximadamente sete suicídios em cada 100 mil habitantes. Sendo os estados da Bahia e do Maranhão os de menor número de registros: cerca de apenas três casos.

Já entre as mulheres, no mesmo período, a média de suicídios em âmbito nacional foi de aproximadamente dois casos. O Rio Grande do Sul caiu para o quarto lugar no ranking, em comparação com os nú-meros masculinos. Enquanto o Mato Grosso, o Amapá e o Mato Grosso do Sul, respectivamente, ocuparam os primeiros lugares na lista, com o registro de três a quatro mortes voluntárias por 100 mil habitantes. A Bahia manteve-se na lanterna, com o registro de um caso. O Distrito Federal, tanto na relação masculina como na feminina, registrou entre dois e sete suicídios por 100 mil habitantes. Embora os números pare-çam inexpressíveis quando apresentados dessa forma, se considerados em amostras isoladas revelam a gravidade da situação.

Segundo dados da Polícia Civil, entre os anos de 2000 e 2007, só na 1ª Delegacia de Polícia (DP) da Asa Sul foram registrados 77 suicídios. Considerando-se toda a região do Distrito Federal, o número sobe para 100 mortes quando observadas apenas em 2007, conforme indicou a Divisão de Estatística e Planejamento Operacional (Depo) da Polícia Ci-vil6 (ver tabela 1). Enquanto que, de janeiro a março de 2008, vinte e três novos casos de morte voluntária já haviam sido registradas em 12

5 D’OLIVEIRA, Carlos Felipe Almeida. Perfil epidemiológico dos Suicídios: Brasil e Regiões. Brasília: MS - Secretaria de Vigilância em Saúde, 2005. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Suicidios.pdf>. Acesso em: 30 out. 2008.

6 Dados obtidos diretamente da Divisão de Comunicação (Divicom) da Polícia Civil do Distrito Federal, em 11/04/2008.

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de 19 regiões administrativas do DF. Se o mesmo índice de ocorrência se mantivesse até o final do ano, chegar-se-ia ao total de 92 suicídios.

Tabela 1 – Número de suicídios segundo as cidades do Distrito Federal, em 2007

REGIÃO ADMINISTRATIVA

jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez TOTAL

Brasília 1 2 2 2 3 2 2 1 1 16

Gama 1 1 1 1 1 1 6

Taguatinga 1 1 1 1 3 1 1 1 1 11

Brazlândia 2 1 1 4

Sobradinho I 1 1 1 1 1 5

Planaltina 1 1 1 3

Paranoá 1 1

Ceilândia 2 2 2 1 6 1 1 15

Guará 1 1 2

Cruzeiro 1 1

Samambaia 1 1 1 2 5

Santa Maria 1 1 1 2 1 2 1 9

São Sebastião 1 1 1 3

Recanto das Emas 1 1 1 1 1 1 6

Lago Sul 1 1 2

Riacho Fundo I 1 1

Lago Norte 1 1 1 3

Águas Claras 1 1 2

Riacho Fundo II 1 1 2

Sudoeste 1 1

Estrutural 1 1

Sobradinho II 1 1

TOTAL 9 5 3 8 10 13 10 7 5 11 10 9 100

Fonte: DEPO - Bco Millenium 583871

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Ailim Oliveira Braz Silva 23Parte I – O suicídio

Se considerada a faixa etária dos suicidas, o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM)7 do Ministério da Saúde indica que, no ano de 2002, situava-se em dois pontos principais a maior incidência das mortes masculinas: dos 40 aos 54 anos e dos 70 aos 75. No caso das mulheres, era na faixa a partir dos 75.

As taxas refletem a predominância de suicídios entre idosos do sexo masculino. Mas entre os jovens os números têm aumentado de tal forma que, agora, em um terço dos países, são eles o grupo em maior risco. E embora o ato suicida resulte de uma série de fatores socioculturais e tenha maiores chances de ocorrer durante períodos de crise (socioeco-nômico, familiar ou individual), os distúrbios mentais estão associados a mais de 90% do total de casos8.

Porém, como veremos mais à frente, na maioria das vezes os suicí-dios acontecem depois de várias tentativas, deixando seqüelas graves no indivíduo. Dentre as pessoas que viveram essa experiência em 2003, houve mais de 750 internações masculinas, na faixa etária dos 20 aos 24 e dos 35 aos 39 anos (considerando-se os dois grupos separadamente), e pouco mais de 600 femininas, de jovens entre 15 e 19 anos.

Além de manter um banco de dados sobre o número de mortes e quais delas foram realizadas por meio de suicídio, o Ministério da Saú-de monitora, dentre as mortes voluntárias, o método usado pela pessoa para tirar a própria vida. O gráfico abaixo apresenta a diferença, por sexo, identificada entre os anos de 1996 e 2002. Naquele período, foi predominante entre os homens o uso da arma de fogo. Enquanto o en-forcamento e o estrangulamento foram os métodos mais freqüentes nos casos envolvendo mulheres.

7 D’OLIVEIRA, 2005.8 World Health Organization WHO. Disponível em: <http://www.who.int/mental_health/

prevention/suicide/suicideprevent/en/>. Acesso em: 03 nov. 2008.

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Gráfico 2

1.2 Reflexos sobre a economia

Além dos impactos sociais e psicológicos, as mortes voluntárias pro-vocam impactos também sobre a economia do país. Ao investigarem os Custos das mortes por causas externas no Brasil,9 um grupo de pesqui-sadores do Ipea constatou que “a perda de vidas humanas representa [...] enorme perda de investimentos em capital humano e, portanto, de capacidade produtiva”. O estudo considerou as bases de dados de renda dos trabalhadores do IBGE e da de óbitos do Ministério da Saúde e con-cluiu que a perda de produção devido aos suicídios, em 2001, chegou a R$ 1,3 bilhão.

Para obterem esse resultado, os pesquisadores mapearam o perfil das vítimas de mortes por causas violentas. E cruzaram informações do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do MS – idade, gênero, município de residência e grau de escolaridade – com as curvas médias

9 CARVALHO, Alexandre X. et al. Custos das mortes por causas externas no Brasil. Brasília: Ipea, 2007. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1268.pdf >. Acesso em: 30 out. 2008.

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Ailim Oliveira Braz Silva 25Parte I – O suicídio

de rendimentos, encontradas a partir da Pesquisa Nacional por Amos-tras de Domicílios (Pnad).

Para cada indivíduo morto foi atribuída a renda de trabalho média possuída caso permanecesse vivo em todo o seu período produtivo (dos 15 aos 65 anos). Para evitar distorções, a pesquisa considerou que nem todos viveriam até a idade delimitada. E estimou os rendimentos de acordo com o sexo e com a área geográfica do país, a partir dos micro-dados da Pnad.

Postas em tabelas, as estimativas de rendimento médio versus a ida-de do indivíduo, o gênero e o estado de residência da vítima revelaram ter havido perda em torno de R$ 20,1 bilhões na produção brasileira em 2001.

Desse total, separado por categoria, os homicídios foram respon-sáveis por R$ 9,1 bilhões. Os acidentes de trânsito, R$ 5,4 bilhões. Enquanto a perda apresentada pelos suicídios foi de R$ 1,3 bilhão, o que representa R$ 163 mil perdidos ao ano, para cada vítima de morte voluntária.

2. Definições para o tema

Ao longo da história, vários estudiosos dedicaram-se à pesquisa so-bre o suicídio e, na maioria das vezes, divergiam na forma de entender e tratar o assunto. A complexidade do problema começava já em sua definição. Entendido por Albert Camus como o único “problema filosó-fico realmente sério”10, o suicídio ganhou reconhecimento por meio do trabalho do sociólogo francês, Émile Durkheim. Considerado um dos precursores na abordagem do tema, ele defendia a idéia de que as cau-sas das mortes voluntárias são de natureza social, mas admitia ser difícil especificar o que é, de fato, o suicídio.

Para Durkheim, o soldado atingido por um tiro por estar à frente do pelotão, e pelo pelotão, estaria cometendo um suicídio da mesma forma

10 CAMUS, Albert. O mito de sísifo: Ensaio sobre o absurdo. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989, p.23.

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que o comerciante que atirou-se pela janela para fugir da humilhação da falência. As causas, no entanto, são diferentes.

Embora de uma maneira geral o suicídio seja pensado como uma acção

positiva e violenta que implica um investimento de força muscular, pode

acontecer que uma atitude puramente negativa ou uma simples abstenção

tenham a mesma conseqüência. As pessoas tanto se matam pela recusa

de se alimentarem como pela destruição pelo ferro e pelo fogo.11

Émile Durkheim, no entanto, destaca para o fato de que, indepen-dentemente da forma escolhida para se suicidar, a natureza do fenôme-no não se altera, já que, direta ou indiretamente, o sujeito é autor de sua própria morte.

Em Do Suicídio, Cassorla também apresenta uma discussão ampla sobre o assunto, e o relaciona a “teorizações e derivações dos concei-tos freudianos de pulsão de morte”.12 Ele explica que essa pulsão está presente em todos nós e manifesta-se individualmente ou em grupos, havendo sempre “uma luta constante entre vida e morte. No ser huma-no individual, essa última acaba sempre vencendo. Mas, em termos de espécie, a vida continua”.13

Segundo Cassorla, as variáveis do que leva alguém a tirar a pró-pria vida são tantas que não há uma causa específica para o suicídio.

Trata-se de um evento que ocorre como culminância de uma série de

fatores que vão se acumulando na biografia do indivíduo, em que entram

em jogo desde fatores constitucionais até fatores ambientais, culturais,

biológicos, psicológicos, etc. O que se chama ‘causa’ é, geralmente, o elo

final dessa cadeia.14

11 DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de Sociologia. Genebra, S/D, p. 9.12 CASSORLA, Roosevelt Moises Smeke. Do suicídio: estudos brasileiros. 2.ed São Paulo:

Papirus, 1998, p. 18.13 Ibid., p. 19.14 Ibid., p. 20.

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Ailim Oliveira Braz Silva 27Parte I – O suicídio

De forma generalista, Durkheim também assimila as causas de suicí-dio a fatores diversos e, em muitos casos, inidentificáveis. Segundo ele, o que se obtém, na maioria das vezes, são especulações, possíveis causas levantadas por pessoas próximas à vítima. E apesar de viverem em uma mesma sociedade, um suicida agricultor e um suicida advogado, por exemplo, não se matam necessariamente pelo mesmo motivo.

Não há suicídio, mas sim suicídios. Sem dúvida que o suicídio é sempre

o acto de um homem que prefere a morte à vida. Mas nem sempre as

causas que o determinam são da mesma natureza: por vezes, opõem-se

mesmo. Ora, é impossível que a diferença das causas não incida sobre

os efeitos. Podemos, portanto, estar certos de que há várias espécies de

suicídios que se distinguem qualitativamente uma das outras15.

Se a falta de um consenso sobre o suicídio existe até mesmo entre os especialistas, a indefinição do tema e suas causas acabam por refletirem-se negativamente na sociedade. O fato de ser um autor contemporâneo permite a Cassorla comparar e situar seus estudos à realidade atual. E, segundo ele, ainda hoje o indivíduo que opta por tirar a própria vida é tratado de forma inadequada. É “menosprezado e maltratado pelos seus próximos e por equipes de saúde despreparadas”, e “em mais de 50% dos casos dos suicídios, não encontraremos doenças mentais identificá-veis clinicamente, segundo os padrões da psiquiatria tradicional”.16

A resposta para essa última questão, encontramos em Camus. Para ele, “um gesto como este [o suicídio] se prepara no silêncio do coração, da mesma forma que uma grande obra. O próprio homem o ignora. Uma tarde, ele dá um tiro ou um mergulho”.17 E por mais que se acre-dite conhecer a pessoa, a ponto de se poder evitar o pior, “é provavel-mente certo que um homem permanece para sempre desconhecido de nós e que para sempre haverá nele alguma coisa de irredutível que nos

15 DURKHEIM, S/D, p. 325.16 CASSORLA, 1998, p. 24.17 CAMUS, 1989, p. 24.

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escapa”.18 Até porque, em muitas das vezes, esse “tiro” ou “mergulho” pode ter sido motivado por algum tipo de influência.

Os jornais falam freqüentemente de “profundos desgostos” ou de “doença

incurável”. Essas explicações são válidas. Mas seria preciso saber se no

mesmo dia um amigo do desesperado não lhe falou em tom diferente.

Este é o culpado. Pois isso pode ser o suficiente para precipitar todos os

rancores e todos os aborrecimentos ainda em suspensão.19

Também pode acontecer de os mesmos fatores que levam alguém a se matar poderem despertar a consciência da pessoa para a necessidade de mudança. Essa percepção, porém, nem sempre implica na busca por novos objetivos e práticas na vida. E podem resultar na pura e simples desistência do indivíduo.

A rotina pode ser um desses fatores. Ela, conforme explica Camus, tanto pode contribuir para um “despertar definitivo” e resultar no resta-belecimento de determinada vivencia cotidiana, como pode acabar por induzir ao suicídio.

Levantar-se, bonde, quatro horas de escritório ou fábrica, refeição, bonde,

quatro horas de trabalho, refeição, sono, e segunda, terça, quarta, quinta,

sexta e sábado no mesmo ritmo, essa estrada se sucede facilmente a maior

parte do tempo. Um dia apenas o “porquê” desponta e tudo começa

com esse cansaço tingido de espanto. “Começa”, isso é importante. O

cansaço está no final dos atos de uma vida mecânica, mas inaugura ao

mesmo tempo o movimento da consciência. Ele a desperta e desafia a

continuação. A continuação é o retorno inconsciente à mesma trama ou

o despertar definitivo. No extremo do despertar vem, com o tempo, a

conseqüência: suicídio ou restabelecimento.20

18 Ibid., p.30.19 Ibid., p.25.20 CAMUS, 1989, p.30.

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Ailim Oliveira Braz Silva 29Parte I – O suicídio

Muitas vezes, diante de situações de sofrimento, “a morte é vista como a solução – não porque se deseja a morte, mas porque a vida se torna insuportável”21. E nas sociedades capitalistas, sentimentos opos-tos a esses, como a satisfação plena das necessidades e as conquistas, também podem levar o indivíduo ao mesmo fim, conforme observa Durkheim22.

Isso porque, no capitalismo, a vida na sociedade torna-se desigual. Enquanto uns nascem com muitas de suas necessidades e vaidades capi-tais garantidas por herança, outros nascem desprovidos dessa garantia. Isso os leva à necessidade de buscar a satisfação com o próprio esforço. Mas, diante das inúmeras crises e perturbações econômicas, inevitáveis na economia de mercado, o suicídio torna-se, também, uma realida-de. Ao perceber-se distante da realização de suas vontades, ou mesmo quando sente-se satisfeito o bastante a ponto de não haver mais nada a conquistar, a pessoa passa a considerar a morte a única saída para o seu problema.

A esse respeito, Albert Camus acrescenta o exemplo das pessoas que “paradoxalmente se fazem matar pelas idéias ou as ilusões que lhes pro-porcionam uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver é, ao mesmo tempo, uma excelente razão de morrer)”23, como acontece, acredito, no caso dos homens-bomba.

Diferenciações causais para o suicídio, como as apresentadas acima, foram analisadas por Durkheim em O Suicídio, e classificadas em grupos distintos, conforme apresentaremos a seguir.

2.1 A classificação durkheiminiana

Com base em registros de mortes voluntárias ocorridas na Europa do século XIX, Durkheim confrontou as estatísticas da época com as várias hipóteses aceitas para o suicídio até então. E concluiu ser impossível

21 CASSORLA, 1998, p. 22.22 DURKHEIM, S/D, p. 290.23 CAMUS, 1989, p. 24.

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relacionar as ocorrências, conforme acreditavam os estudiosos, a fatores raciais, hereditários, cósmicos e psicopatológicos.

Para descartar a possibilidade de hereditariedade do suicídio, por exemplo, Durkheim cita um exemplo dado por Luys24. Segundo esse autor, depois de vivenciar o suicídio de um tio, seguido do de seu pai, uma menina ficou abalada. Diante dos fatos, ela convence-se de que teria o mesmo destino e, como não poderia evitá-lo, tenta matar-se. ten-tativa, no entanto, falha. Mas a idéia de suicídio só escapa-lhe da mente quando a mãe revela que o pai da garota não é o suicidado.

Quando se diz do suicídio que é hereditário, pretende-se apenas dizer

que os filhos dos suicidas são inclinos a conduzir-se como eles nas mes-

mas circunstâncias? Nestes termos a proposição é incontestável mas sem

qualquer interesse, visto que não é o suicídio que é hereditário; o que se

transmite de pai para filhos é apenas um certo temperamento que pode

predispor os sujeitos para o suicídio mas que não pode constituir uma

explicação da determinação destes.25

A influência do clima na ocorrência de suicídios também era forte-mente defendida pelos pesquisadores da época. Eles observaram que a incidência desse tipo de morte aumentava durante o verão europeu (de janeiro a junho), enquanto diminuía no inverno (de julho a dezembro). A tese, porém, foi desmentida por Durkheim. Para o sociólogo, se a temperatura fosse a causa das mortes, os índices variariam simultanea-mente. E, além disso, o suicídio atingia o nível mais alto de incidência no mês de junho (considerado mais ameno), e não nos períodos mais quentes do ano.

Mas se, por um lado, Durkheim descarta a influência do clima nas ocorrências de suicídio, de outro, ele reconhece a intensificação das re-lações humanas durante os dias mais quentes.

24 DURKHEIM, S/D, p.83.25 Ibid., p.76.

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Ailim Oliveira Braz Silva 31Parte I – O suicídio

Se as mortes voluntárias se tornam mais numerosas de Janeiro a Junho,

não é porque o calor exerce uma influência perturbadora nos organismos,

é porque a vida social é mais intensa. É claro que, se adquire esta intensi-

dade, é porque a posição do sol na eclíptica, o estado da atmosfera, etc.

lhe permitem desenvolver-se mais à vontade que durante o Inverno. Mas

não é o meio físico que a estimula directamente; sobretudo não é ele que

afecta o andamento dos suicídios. Este depende de condições sociais.26

Dessa forma, também seria esse o motivo do descompasso entre o número de mortes por suicídio na zona rural e na zona urbana. No campo, as atividades sociais acabam com o por do sol e as atividades agrícolas cessam durante o inverno. Na cidade, porém, apesar das re-lações humanas também diminuírem nos períodos frios, a luz artificial substitui a solar, prolongando as horas de atividades humanas e, portan-to, aumentando as possibilidades de suicídio.

A preponderância dos suicídios diurnos é evidente. Se portanto o dia é

mais fecundo em suicídios que a noite, é natural que estes se tornem mais

numerosos à medida que os dias crescem. [...] O dia favorece o suicídio

porque é o momento em que se desenvolve uma actividade maior, em

que as relações humanas se cruzam e entrecruzam, em que a vida social é

mais intensa. As poucas informações que temos sobre a maneira como o

suicídio se reparte entre as diferentes horas do dia ou entre os diferentes

dias da semana confirmam esta interpretação.27

Convicto de que a inclinação para o suicídio se daria por fatores sociais, Durkheim desdobra- se ao longo de seu livro para apresentar, debater e desqualificar as teorias até então defendidas. Dessa forma, analisa possíveis fatores de influência como família, religião e política. Conclui haver maior incidência de mortes voluntárias entre os católicos que entre os protestantes, ser menos freqüente entre os solteiros e mais

26 DURKHEIM, S/D, p.112-113.27 Ibid., p.106.

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entre os casados, além de afirmar que as pessoas com filhos também estão mais propensas se comparadas às pessoas sem filhos.

Inclusive dentre os soldados de guerra, onde acreditava-se existir uma maior predisposição para o suicídio, Durkheim defende acontecer o inverso. Tendo em vista que a causa do suicídio, segundo o sociólogo francês, está na quebra de vínculos e laços de solidariedade entre os indivíduos, as chances de um combatente tirar a própria vida são bem inferiores comparadas às de civis.

Os grandes abalos sociais assim como as grandes guerras populares exci-

tam os sentimentos colectivos, estimulam o espírito de partido. [...] Como

obrigam os homens a unirem-se para enfrentarem o perigo comum, o

indivíduo pensa menos em si e mais no objectivo comum28.

Desse modo, a busca pela vitória ou pela conquista torna-se um fator de integração entre os soldados, fortalece vínculos, e inspira o senti-mento de dependência de uns para com os outros, enquanto sentem-se responsáveis pela sociedade que defendem.

Quando a sociedade está fortemente integrada, mantém os indivíduos na

sua dependência, considera que estão ao seu serviço e, por consequência,

não lhes permite dispor deles próprios a seu bel-prazer... Com efeito,

quando se sentem com responsabilidades perante um grupo que amam,

para respeitarem interesses que se sobrepõem aos próprios, vivem com

mais obstinação29.

Quando acontece o processo oposto e a pessoa é atingida pelo “indi-vidualismo excessivo”, conforme define Durkheim, as “ações suicidogê-neas” são favorecidas. Isso porque

28 DURKHEIM, S/D, p. 233.29 Ibid., p. 234-235.

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Ailim Oliveira Braz Silva 33Parte I – O suicídio

Quanto mais estão enfraquecidos os grupos aos quais pertence, quanto menos dependerá deles, tanto mais, por conseguinte, dependerá só dele e passará a reconhecer unicamente as regras de comportamento que se baseiam nos seus interesses particulares. Se assentarmos portan-to em chamar egoísmo a este estado em que o eu individual se sobrepõe exageradamente ao eu social e o prejudica, poderemos dar o nome de egoísta ao tipo particular de suicídio que resulta de uma individualiza-ção excessiva30.

Assim, Durkheim atenta para o fato de a vida do ser humano se “de-sabrochar” e “desenvolver” a partir de ações da sociedade. Dessa forma, os credos religiosos, políticos e morais que dirigem nosso comporta-mento, a cultura, o conhecimento e os hábitos da vida cotidiana são assimilados, por todos nós, por meio das interações sociais. E quando participar dos grupos da comunidade (família, igreja, trabalho, escola) já não faz mais sentido para o indivíduo, a vida para ele, da mesma for-ma, perde o valor.

Segundo o sociólogo francês31, “a vida só é tolerável se tiver uma razão de ser”. Sozinho e sem identificar, em si próprio, algum motivo que o desperte para a vida, o egoísta entrega-se à morte. O que o leva a cometer o suicídio é a certeza de sua existência estar limitada no tempo e no espaço. E sendo o seu fim inevitável, por que não antecipá-lo?

Na medida em que se sente menos solidário do grupo religioso a que

pertence e se emancipa dele, na medida em que o indivíduo se alheia da

família e da sociedade, torna-se um mistério para si próprio, não conse-

guindo assim escapar à irritante e angustiante pergunta: para quê?32

Do “suicídio egoísta” Durkheim separa outro tipo de suicídio: o al-truísta. Se naquele o indivíduo era tomado pelo individualismo excessi-vo, nesse ocorre uma individualização insuficiente da pessoa em relação

30 DURKHEIM, S/D, p. 234..31 Ibid., p. 235.32 Ibid., p.238.

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à sociedade. Dessa forma, o desprendimento e a renúncia, indicados pelo termo “altruísmo”, referem-se ao indivíduo em relação a si mesmo. E são os fatores externos que, diretamente, levam a pessoa a dar fim à própria vida.

Ao apresentar essa classificação no livro Morreu na Contramão, Ar-thur Dapieve questiona se a morte de Jesus Cristo não teria sido um ato suicida altruísta: “ao caminhar para a morte certa, consciente de ser ela sua missão na Terra, seria o abençoado Jesus tão suicida como o amal-diçoado Judas?”.33.

Como a crucificação de Cristo foi motivada por sua relação com a humanidade, a resposta para o questionamento de Dapieve poderia ser positiva. Afinal, “o termo altruísmo exprime bastante bem o estado [...] em que o eu não pertence a si próprio, em que se identifica com outra coisa que lhe é exterior, em que o pólo da conduta reside fora dele e se atua num dos grupos a que pertence”34.

Acontece, porém, de a classificação como altruísta não abranger ade-quadamente todos os suicídios derivados da individualização insuficien-te do indivíduo. As motivações podem possuir intensidades e objetivos diferentes. Tanto que contribuíram para a subdivisão dessa categoria de morte voluntária em três subgrupos:

– Quando executado como dever, o suicídio é especificado como “al-truísta obrigatório”. É o caso, por exemplo, de comunidades euro-péias do século XVIII, nas quais considerava-se “uma vergonha o facto de morrer na cama, de velhice ou de doença”35, levando as pes-soas enfermas a suicidarem-se para fugir dessa situação. Nesse caso, as pessoas matavam-se, de certa forma, por uma imposição social.

– Quando não são impostos pela sociedade, mas apoiados, os sui-cídios altruístas classificam-se como “facultativos”. Nesse caso, matar-se não é uma obrigação. Mas “louva-se todo aquele que ao

33 DAPIEVE, Arthur. Morreu na contramão: o suicídio como notícia. São Paulo: Jorge Zahar, 2007, p. 35.

34 DURKHEIM, S/D, p.234.35 Ibid., p.244.

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mínimo pretexto, ou inclusive, por simples exibicionismo, se re-cusa a viver”.36 A morte é encarada socialmente como uma vir-tude por acreditar-se em “melhores perspectivas para além desta vida”.37

– Já na terceira classificação do suicídio altruísta, o “agudo”, situa-se o suicídio mítico e os praticados por fiéis ou mártires.

O tipo de suicídio mais comum, no entanto, é o “suicídio anômico”. A anomia é “a ausência de lei ou de regra, uma desregulamentação da rotina na vida do cidadão”38, que acaba por atrair o indivíduo para a morte. Engana-se, porém, quem imagina ser o suicídio anômico causa-do apenas por abalos ou transformações negativas.

Se [...] as crises industriais ou financeiras fazem aumentar os suicídios,

não é porque elas façam empobrecer, dado que as crises de prosperidade

têm o mesmo resultado; é porque se tratam de crises, isto é, perturbações

da ordem colectiva. Qualquer ruptura de equilíbrio, ainda mesmo que

dela resulte um bem-estar maior e uma maior vitalidade geral, incita à

morte voluntária. Todas as vezes que se produzem no corpo social graves

modificações, sejam elas devidas a um súbito movimento de crescimento

ou a um cataclismo inesperado, o homem mata-se mais facilmente.39

Em seus estudos, Durkheim comprovou que o aumento da miséria e o aumento de situações felizes agem sobre o suicídio da mesma forma que os desastres na economia. Mas além da desregulamentação econô-mica, ele apresenta outros tipos de anomia, como a doméstica. Nessa classificação enquadra-se, por exemplo, os suicídios cometidos no iní-cio da viuvez, quando a desestruturação familiar eleva a predisposição do cônjuge sobrevivente à morte. Isso porque, desacostumado à nova situação, sente-se desmotivado pela vida.

36 DURKHEIM, S/D, p. 250-251.37 Ibid., p.254.38 DAPIEVE, 2007, p. 3539 DURKHEIM, op. cit., p. 282..

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Como percebe-se, direta ou indiretamente, todas as classificações dadas por Durkheim ao suicídio relacionam-se a fatores sociais. E, em-bora esta relação nem sempre se apresente claramente, o sociólogo faz questão de explicitar a diferença entre cada uma delas:

Nas nossas sociedades modernas, a anomia é um factor regular e especí-

fico de suicídios [...] Distingue-se (dos outros tipos de suicídio), não pela

maneira como os indivíduos estão ligados à sociedade, mas pelo modo

como esta os regula. O suicídio egoísta provém do facto de os homens

não encontrarem uma justificação para a vida; o suicídio altruísta do

facto de esta justificação lhes parecer estar para além da vida; o terceiro

tipo de suicídio, cuja existência acabámos de constatar, provém do facto

de a actividade dos homens estar desregrada e do facto de eles sofrerem

com isso.40

Dessa forma, o suicídio egoísta é apontado como o mais freqüente “no seio das profissões intelectuais, no mundo pensante”, enquanto o suicídio anômico “no mundo industrial ou comercial”. Ambos caracte-rizam-se pela ausência da sociedade no espírito dos indivíduos. No caso do suicídio egoísta ela “está ausente em relação à actividade propria-mente coletiva, deixando-a deste mo do sem objectivo nem significado”. Já no suicídio anômico, “é em relação às paixões propriamente indivi-duais que se sente a sua falta [da sociedade], deixando-as incapazes de se controlarem”.41

3. O Ministério da Saúde e as ações anti-suicídios

Mais de cem anos se passaram desde a publicação de O Suicídio, mas, de forma geral, pouco mudou o tratamento dedicado ao assunto. De crime e pecado mortal, depois do aumento do número de registros, as mortes voluntárias passaram a ser encaradas como um problema de

40 DURKHEIM, S/D, p. 299.41 DURKHEIM, S/D, loc. cit..

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Ailim Oliveira Braz Silva 37Parte I – O suicídio

saúde pública. Mesmo assim, ainda hoje há quem assimile o suicídio apenas a pessoas loucas, e considere o tema um assunto delicado e proi-bido. Sem contar o despreparo existente, inclusive, dentre as equipes médicas. Tudo isso, aliado à falta de especificações para o preenchimen-to dos atestados de óbito, acabam por prejudicar o controle e estudo do suicídio e por reforçar o seu entendimento como um tabu.

Com o objetivo de mudar essa situação, o Ministério da Saúde (MS) brasileiro tem se empenhado, nos últimos anos, para promover uma série de medidas preventivas e conscientizadoras. Essas ações tiveram início em 2004, quando o governo federal percebeu a necessidade de intervir na situação e colocar em prática acordos internacionais em de-fesa e valorização à vida. Para isso, encarregou a Área Técnica de Saúde Mental do MS de criar um Grupo de Trabalho (GT) para implementar medidas de controle das mortes voluntárias.

A escolha por esse departamento não foi aleatória. Grande parte dos casos de morte por suicídio, e também das tentativas, estão associados a pessoas com transtornos mentais ou que apresentam problemas em decorrência do uso de álcool e drogas. Além disso, embora o suicídio seja um problema evitável42, segundo a Organização Mundial da Saúde, estima-se que uma única morte voluntária afete, pelo menos, outras seis pessoas. E, considerando-se os impactos sociais e psicológicos sofridos pela família e pessoas próximas da vítima, a Área Técnica de Saúde Mental era a mais indicada para gerenciar a implantação de uma política específica.

Por quase um ano, o Ministério da Saúde mapeou instituições e or-ganizações de todo o Brasil que já vinham realizando pesquisas e ações de atenção ao suicídio. Desse modo, chegou-se à definição de um gru-po43 que reúne:

42 De acordo com a OMS, grande parte das pessoas que cometem suicídio procuram, nas semanas anteriores ao ato, algum atendimento médico ou psicológico. Se as equipes de saúde estivessem preparadas, esse poderia ser um momento adequado para intervenção. Disponível em: <http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/en/suicideprev_gp_port.pdf>. Acesso em: 30 mai. 2008.

43 BRASIL. Portaria n. 2542/GM, de 22 de dezembro de 2005. Institui Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar e implantar a Estratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio

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três representantes da Secretária de Atenção à Saúde;•um representante da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação •na Saúde (Segets);um representante da Secretaria de Vigilância na Saúde (SVS);•um representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária •(Anvisa);um representante do Suicide Prevetion Program• 44 (Supre) da Organi-zação Mundial da Saúde (OMS);um representante da Universidade de Brasília (UnB);•um representante do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva (Nesc), •da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);um representante da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande •do Sul (PUC/RS);um representante do Núcleo de Epidemiologia do Instituto Phillipe •Pinel, do Rio de Janeiro; e um representante do Centro de Valorização da Vida (CVV).•

O Grupo de Trabalho foi instituído pela portaria 2542/GM, de 22 de dezembro de 2005. Com base nas experiências individuais de cada instituição representada, teria como objetivo elaborar e implantar a Es-tratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio e definir as diretrizes de atu-ação. As regras e objetivos do GT seriam instituídos no ano seguinte, pela portaria45 1876, de 14 de agosto de 2006.

Desde então, o grupo se comprometeu a promover a capacitação dos profissionais de saúde, melhorar a notificação dos casos de ten-tativa de suicídio, organizar uma rede de atenção que atenda de for-

Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2005/GM/GM-2542.htm> Acesso em: 12 nov. 2008.

44 O programa foi lançado em 1999, como uma iniciativa mundial para a prevenção do suicídio. Disponível em: <http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/en/suici-deprev_gp_port.pdf>. Acesso em: 30 mai. 2008.

45 Ver anexo II. BRASIL. Portaria n. 1876, de 14 de agosto de 2006. Institui Diretrizes Na-cionais de Prevenção do Suicídio, a ser implantada em todas as unidades federativas, respeitadas as competências das três esferas de gestão. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2006/GM/GM-1876.htm>. Acesso em: 12 nov. 2008.

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Ailim Oliveira Braz Silva 39Parte I – O suicídio

ma preventiva, publicar46 manuais e cartilhas. Tudo isso orientado por uma “linha de cuidados integrais de promoção, prevenção, tratamento, e recuperação”.

Definido o grupo e as diretrizes de atuação, os membros têm reali-zado entre uma e duas reuniões anuais. Mas as discussões acontecem durante todo o ano, por meio da internet e de contatos telefônicos. Os membros ainda participam de encontros regionais com instituições di-versas, além de seminários e congressos temáticos sobre o suicídio.

Como se vê, a Estratégia se mantém sempre em construção, base-ando-se nas experiências de entidades e grupos de todas as regiões do Brasil, além de outros países. Em 2009, entidades de todo o mundo se reunirão no Congresso Internacional de Prevenção do Suicídio, em Montevidéu, no Uruguai.

3.1 Ações práticas e resultados

Embora ainda seja cedo para avaliar os resultados, a Área Técnica de Saúde Mental do Ministério da Saúde já comemora algumas conquistas. A desmistificação do assunto é uma delas. Tirar o suicídio das sombras sempre foi considerado um dos maiores desafios. Mas a partir do mo-mento em que o governo assumiu o problema como um caso de saúde pública, o diálogo com a sociedade tem se tornado mais fácil.

Foi como avaliou a assessora técnica da Área de Saúde Mental do MS, Milena Leal Pacheco, durante uma entrevista exclusiva realizada na sede do Ministério da Saúde, em Brasília.47 Segundo ela, o suicídio sempre foi “entendido como um assunto que não poderia ser falado” e isso preci-sava mudar. “Temos de apresentá-lo para a sociedade de uma forma que

46 São exemplos dessas publicações o Manual de Prevenção do Suicídio para Profissionais das Equipes de Saúde Mental, e as Referências Bibliográficas Comentadas sobre Suicídio, Sobrevi-ventes e Família, além de várias outras cartilhas temáticas, incluindo uma dirigida especial-mente a profissionais da mídia. As edições foram desenvolvidas pela OMS, em Genebra, como parte do Suicide Prevetion Program (Supre), sendo traduzidas e adaptadas às con-dições locais de cada país onde foram adotadas.

47 A entrevista foi concedida no dia 04/11/2008, nas dependências da Área Técnica de Saúde Mental do Ministério da Saúde, em Brasília.

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permita às pessoas se informarem, não ficarem chocadas e paralisadas. O problema é que muita gente se depara com o assunto e pensa que não há nada a se fazer”, comenta, defendendo a idéia oposta.

Diante desse fato e com o objetivo de dar maior visibilidade ao tema, o GT buscou, primeiramente, discutir a temática entre si. Só depois de traçar os passos a serem trilhados, é que partiram para a abordagem com a sociedad e. “Percebemos que, para implantar uma estratégia, era necessário, antes, qualificar os profissionais da área de saúde. E era para isso que a Segets fazia parte do grupo”, afirma Milena Pacheco.

A Segets é a secretaria do Ministério responsável pelo desenvolvi-mento de cursos e capacitações em saúde. Como integrante do GT, o departamento inseriu o tema nos módulos dos cursos e especializações oferecidos em âmbito nacional. Desse modo, além das cartilhas e ma-nuais desenvolvidos, intensificou-se a comunicação entre o MS e as se-cretarias municipais e estaduais de saúde para a realização de oficinas e cursos capacitadores.

O diálogo entre o Ministério da Saúde e os departamentos regionais foi favorecido ainda mais com a atuação da Secretaria de Vigilância na Saúde. A SVS administra os dados sobre mortalidade no país, mas sem-pre deparou-se com problemas em relação aos registros de suicídio. Na maioria das vezes, os casos de morte voluntária são sub-notificados, ou seja, confundidos com homicídios ou acidentes, ou ainda definidos como de causas não identificadas.

Segundo a Área Técnica de Saúde Mental do MS, essa falha é comum durante o preenchimento dos atestados de óbito48 e, caso continuasse

48 A observação é comprovada pelo Departamento de População e Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No ano 2000, ao analisarem-se infor-mações referentes à mortalidade daquele ano, constatou-se a ocorrência de erros nos ates-tados de óbitos. Devido à precariedade dos recursos médico-assistenciais nos municípios brasileiros, grande parte das mortes estaria sendo tipificada como sendo de “causa mal de-finida”. Essa prática poderia impossibilitar a identificação das verdadeiras causas mortis e, também, qualquer estudo sobre o suicídio. O levantamento destacou que a distorção dos atentados de óbito ocorria na seguinte proporção, em relação às regiões brasileiras: 28,4% no Nordeste, 24% no Norte, enquanto nas demais regiões, os índices estavam abaixo de 10%. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevi-da/indicadoresminimos/indic_sociais2002.pdf>. Acesso em: 30 out. 2008.

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a acontecer, poderia prejudicar a ação do GT, que precisava orientar-se por dados concretos. Por isso a SVS intensificou o contato com os esta-dos e municípios, determinando a necessidade de referência direta ao suicídio, quando fosse esse o motivo da morte do indivíduo.

A participação da ANVISA no Grupo de Trabalho também foi defi-nida por problemas, mas, dessa vez, identificados no meio rural. A uti-lização de produtos tóxicos nas lavouras pode desenvolver a depressão no agricultor. E como pessoas depressivas são consideradas população de risco de suicídio, a ANVISA poderia contribuir quanto à orientação e restrição do uso de algumas substâncias.

3.2 Grupos de risco e próximas etapas

Embora o suicídio seja entendido como uma questão relacionada á saúde, a Estratégia Nacional se fundamenta na idéia de que só se alcan-çará maiores resultados no controle das mortes quando toda a sociedade e o governo estiverem integrados. A intenção é mobilizar as secretarias de esporte, cultura, educação, e todos os seguimentos da sociedade que, de alguma forma, podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população. Segundo a Área Técnica de Saúde Mental do MS, está aí o melhor remédio para combater o suicídio.

Atualmente, no Brasil, a população indígena é considerada uma das mais expostas a fatores de risco. O motivo são as inúmeras questões de conflito social, como a briga por terras e a dificuldade de adaptação a outra cultura. Do mesmo modo, tem crescido o número de mortes voluntárias entre os jovens das grandes cidades e, também, como visto anteriormente, entre as populações rurais.

Percebe-se aqui, diante da variedade cultural e econômica brasileira, a dificuldade de se trabalhar o suicídio em um país tão grande como o nosso. A complexidade aumenta quando incluímos na lista outros fatores e populações de risco, como pessoas que sofrem de algum tipo de transtorno mental, como a depressão; internados de instituições, presídios, clínicas e hospitais psiquiátricos; vítimas de violência sexual;

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usuários de álcool e outras drogas; bem como pessoas que já tentaram se matar49.

Em 2007, autoridades sanitárias norte-americanas de-terminarem que os antidepressivos trouxessem na embala-gem “um alerta sobre o risco de suicídio em consumidores entre 18 e 24 anos. Ainda não está claro se os remédios podem ser culpados por tentativas de se matar dos jo-vens. Mas análises estatísticas sugerem que a ocorrência de pensamentos suicidas e suicídio propriamente dito é ligeiramente mais elevada entre os jovens que tomam an-tidepressivos que entre os tratados com pílulas sem efeito terapêutico (placebo). É possível que a própria depressão e outras desordens psiquiátricas que acometem os consu-midores dos remédios sejam a causa dos suicídios. [...] No grupo de pacientes com mais de 65 anos, o efeito é oposto. Os estudos demonstram que o uso de antidepressivos re-duz o risco de comportamento suicida”.

(Trecho extraído da reportagem “Por que evitamos falar em

suicídio”, de Isabel Clemente e Nelito Fernandes)50

Por esse motivo, embora a Estratégia Nacional possua diretrizes bá-sicas para orientar a prevenção e o atendimento às vítimas, ela deve ser aplicada de acordo com a realidade específica de cada localidade. Daí a importância dos convênios firmados com instituições regionais. Elas têm permitido a implementação de medidas considerando-se as carac-terísticas sociais e culturais de cada grupo de risco.

49 As Diretrizes Nacionais de Prevenção do Suicídio apresentam uma relação dos grupos e fatores de risco. Ver anexo II.

50 CLEMENTE, Isabel; FERNANDES, Nelito. Por que evitamos falar em suicídio?. Revista Época, São Paulo: Editora Globo, n.468, p. 86-89, 7 mai. 2007.

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É o caso, por exemplo, dos projetos “Comviver” e “De volta pra casa”, realizados por meio de parcerias. O primeiro foi implementado no Rio de Janeiro e oferecia assistência às famílias das vítimas e aos sobreviventes da tentativa de suicídio. Enquanto o segundo tem tirado das instituições psiquiátricas pessoas que estavam internadas há muito tempo.

Há alguns anos, o que se tinha como recurso de assistência a defi-cientes mentais eram apenas os hospitais psiquiátricos. E, ao segregar esses pacientes, isso tornava-se um fator de risco. “Após a tentativa de suicídio, a pessoa passa por um processo muito difícil. A tendência é ela se isolar e, depois, vir a tentar se matar novamente. Na medida em que se tem uma rede de saúde mental extra-hospitalar, que está lá, à disposição das pessoas, as taxas de suicídio podem ser reduzidas signi-ficativamente”, afirma a assessora técnica Milena Pacheco.

Ela se refere aos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), onde os antigos internados passam a receber assistência. Os Caps têm sido o principal dispositivo da reforma psiquiátrica brasileira, substituindo as antigas clínicas de internação. Atualmente existem mais de 1300 es-palhados pelo Brasil, onde uma equipe formada por multiprofissionais (psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais e enfermeiros) oferece atendimento diário a crianças, adolescentes, adultos e idosos. Na lista de atendimentos, incluem-se indivíduos que apresentam quadro de transtornos mentais, usuários de álcool e outras drogas.

Levando-se em consideração a necessidade de melhorar a qualida-de de vida das populações de risco, tem sido implementado, também, programas de inclusão social pelo trabalho. Desse modo, pessoas com transtornos mentais, que normalmente têm dificuldade de inserção no mercado, vêm sendo favorecidas pela criação de uma política específica para isso.

Depois de publicadas as cartilhas e manuais da OMS, implementar políticas e compartilhar informações com entidades regionais, o Grupo de Trabalho organiza, agora, sua própria coleção de publicações. Para 2009, estão previstos três manuais: um voltado para a mídia, outro para

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as equipes de atenção básica, e o terceiro sobre a relação suicídio versus

agrotóxico. De acordo com a Área Técnica da área de Saúde Mental do MS, eles agora serão mais específicos. Elaborados a partir das experi-ências obtidas nos três primeiros anos do Grupo de Trabalho, servirão exclusivamente para os brasileiros.

Mas a Estratégia Nacional não pára por aí. A idéia é fortalecer uma rede virtual de prevenção ao suicídio. Isso porque pessoas de vários mu-nicípios têm demonstrado interesse em participar e promover, em suas localidades, ações com o mesmo objetivo. A implantação dessa rede vir-tual também permitirá conhecer e expandir as ações isoladas – mas de resultados expressivos – que têm sido desenvolvidas ao longo do país.

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1. O que pensam os jornalistas

A desinformação sempre foi apontada como um empecilho para o de-senvolvimento da humanidade. A falta de esclarecimento da população levou Oswaldo Cruz, por exemplo, a enfrentar a Revolta das Vacinas,1 no início do século XX, quando coordenou a campanha de extermínio de ratos e de focos do mosquito transmissor da febre amarela, no Rio de Janeiro, além de empreender a vacinação contra a varíola. Hoje, é o medo ou a vergonha de se falar sobre o suicídio um dos responsáveis pelos preconceitos que o rondam.

Além da aparente omissão da imprensa em relação às mortes volun-tárias, o silêncio dos pais, que muitas vezes preferem não mencionar a real causa da morte do filho suicidado, prejudica o estudo e o levanta-mento dos casos. É o que assegura Marilisia B.A. Barros. Segundo ela, “no Brasil, devido a falta de cobertura e qualidade dos dados, não é possível avaliar com segurança as tendências dos riscos de mortalidade do país como um todo”.2

Como vimos no capítulo anterior, as dificuldades partem de possí-veis erros durante o preenchimento dos atestados de óbito. Mas ganham dimensão quando a sociedade, de forma geral, não ignora, mas se man-tém alheia às ocorrências. E considerando que “a mídia não é apenas uma cronista da realidade; ela se torna, cada dia mais, a protagonista da realidade, influindo, modificando e construindo os fatos, interagindo com os autores da vida real a ponto de constituir uma outra realidade”,3

1 “Em outubro de 1904, o Congresso aprovou uma lei que tornava obrigatória a vacinação contra a varíola. A medida despertou a ira da população, primeiro porque desrespeitava os costumes da época, principalmente ligados às mulheres, de não expor partes do cor-po a estranhos; depois, porque a vacinação era feita de casa em casa, o que configurava ‘invasão do lar’, até então preservado pela família. Além disso, havia a crença de que a própria vacina poderia fazer com que a pessoa desenvolvesse a doença.” (FIGUEIRA, Divalte Garcia. História. Série Novo Ensino Médio. Vol. Único. 1 ed. São Paulo: Editora Ática. 2002. p. 314)

2 BARROS, Marilisia B. A. As mortes por suicídio no Brasil. In: Do suicídio: estudos brasilei-ros. Org.: CARSOLA, Roosevelt M.S. 2.ed São Paulo: Papirus, 1998. p. 48.

3 BASTOS apud TORON, Alberto Zacharias. Imprensa instigativa ou investigativa? Revista CEJ, Brasília, n. 20, p. 9-16, jan./mar. 2003. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br/revis-ta/numero20/artigo2.pdf>. Acesso em: 30 mai. 2008. p.12.

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os profissionais da imprensa poderiam assumir um papel bem mais ati-vo na prevenção do suicídio.

De fato, não podemos negar que existe uma abertura bem maior dos meios de comunicação atuais, se comparados aos de alguns anos atrás. Talvez até em decorrência da campanha empreendida pelo Ministério da Saúde. Porém, quando não sensacionalistas, as reportagens ainda se apresentam de forma tímida, escondidas em “pés de página, de modo diferente dos mortos pelas mãos alheias ou por causas naturais”, confor-me observa Arthur Dapieve.4

Mas haveria uma “receita” de abordagem para o suicídio? A não noti-ciabilidade do tema, ou a omissão de casos como os ocorridos no Pátio Brasil Shopping não contribuiria para a especulação por parte da popu-lação e, conseqüentemente, para a distorção dos fatos? Matérias sobre o assunto não poderiam servir para conscientizar as pessoas acerca do tema, e contribuir para a diminuição do número de mortes?

Talvez sim, se entre os jornalistas e os veículos de comunicação não fosse comum a idéia de que a divulgação de suicídios poderia desenca-dear uma série de novos casos, numa espécie de “efeito Werther”. O ter-mo refere-se à publicação alemã Os Sofrimentos de Werther, de Goethe, na qual um rapaz suicida-se depois de apaixonar-se platonicamente.

O livro abriu o romantismo na literatura européia, no fim do século XVIII, e chegou a influenciar muitos jovens na mesma situação do ga-roto, a ponto de ser citado em cartas de despedida encontradas junto aos corpos das vítimas. Diante dos fatos, o livro foi proibido em alguns países, na tentativa de evitar novas ocorrências.

Desde então, pouca coisa mudou em relação à forma como o assunto é tratado. Ainda hoje o suicídio é considerado um tabu. A sociedade o vê como resultado de uma anomalia psíquica e a mídia, questionando-se sobre o papel instigador ou preventivo que a imprensa pode assumir, prefere evitar a discussão.

4 DAPIEVE, Arthur. Morreu na contramão: o suicídio como notícia. São Paulo: Jorge Zahar, 2007. p. 14.

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É curioso, no entanto, o fato de casos de homicídio, estupro e ou-tros crimes passionais terem espaço garantido nos jornais, enquanto o suicídio mantém-se “proibido”. As matérias jornalísticas da editoria de polícia, independente do crime, não teriam o mesmo poder de influ-ência sobre o comportamento dos leitores? Se o marido traído lesse, momentos depois de descobrir o adultério de sua esposa, uma reporta-gem sobre um homem que, na mesma situação, assassinou a mulher a facadas, não se sentiria ele influenciado a fazer o mesmo?

Exemplos de possíveis influências midiáticas no comportamento das pessoas não faltam. No mês de outubro de 2008, por exemplo, vivemos a repercussão do caso Eloá Cristina Pimentel. Por mais de 100 horas, a garota de 15 anos foi feita refém pelo ex-namorado, dentro de sua pró-pria casa. O crime acabou em tragédia. Durante a invasão da polícia ao apartamento da vítima, Eloá foi morta pelo seqüestrador.

Talvez a cobertura realizada pela imprensa de todo o país tenha mo-tivado atos parecidos. Mas o que pretendo mostrar com esse exemplo, é a influência positiva que a mídia pode empreender. Com a morte de Eloá, os órgãos da menina foram doados. E, nos dias seguintes ao desfe-cho do caso, o que se via nos jornais eram notícias sobre a importância da doação e sobre a felicidade dos receptores dos órgãos. Pode ser que o novo foco das reportagens tenha sido assumido por um desencargo de consciência, mas isso não nos importa questionar no momento.

Em decorrência de fatos como o descrito acima e da visível banali-zação da violência em nossa sociedade atual, dias depois da morte da menina Eloá, o senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG) levantou, no ple-nário, questionamentos parecidos com esses que estou formulando. Se-gundo ele, a imprensa, de modo geral, fez uma “auto-regulamentação” em relação ao suicídio e, da mesma forma, a imprensa deveria fazer também com as notícias sobre crimes.

Não se noticia suicídio no Brasil, e não é por lei, não. É porque a im-

prensa chegou à conclusão de que o noticiário de suicídios gera novos

suicídios. Será que não é o momento de se fazer o mesmo em relação à

violência como um todo? Será que o noticiário da violência exacerbada

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não faz com que novos crimes aconteçam? Será que essa divulgação, a

todo o momento, a todo minuto, até mesmo com cenas de helicóptero,

não vai fazer com que novos reféns possam surgir? [...] Não estou, evi-

dentemente, defendendo nenhuma legislação de “pode”, “não pode”. A

imprensa é livre, e é bom que seja, mas estou comentando que a auto-

regulamentação em relação ao suicídio deve ser uma auto-regulamentação

perseguida também em relação a outros tipos de violência que acontecem

no País. [...] Assim como eu estou aqui colocando uma indagação em

relação à divulgação excessiva da violência e dos crimes, [...] é muito

bom nós vermos que, nesse caso de São Paulo, tivemos este lado huma-

no, em que, junto à tragédia, houve o aumento da utilização de órgãos

transplantados.5

Aproveitei o “gancho” para meu estudo e recorri a uma repórter do jornal Tribuna do Brasil para saber a opinião dela sobre o assunto. Pa-trícia Veloso foi repórter policial por seis anos e estudou, na faculdade, como tema para a monografia, a influência dos jornais impressos no aumento do número de seqüestros-relâmpagos. Em seu estudo, Veloso concluiu haver manipulação e certo incentivo, por parte da imprensa, na ocorrência de novos crimes. Segundo ela, toda e qualquer notícia tende a influenciar o comportamento humano.

“Assim como assaltos, seqüestros e estelionatos, que a imprensa peca ao passar os modus operandi dos criminosos e da Polícia, o suicídio di-vulgado pela mídia pode, também, ter o mesmo resultado. Deve-se ter cuidado na forma como se divulga”, afirma. E Veloso explica o porquê de seu posicionamento: “Durante os seis anos em que fui repórter poli-cial, percebi, nas entrevistas que fiz com os acusados de delitos, que eles procuravam novidades sobre os crimes por meio de jornais. Acredito que a divulgação de suicídios teria o mesmo efeito”.

Quando não se apóiam na justificativa da “possível influência”, mui-tos profissionais da comunicação se baseiam em leis que, simplesmente,

5 Disponível em: <http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Plenario/sessao/disc/getTexto.asp?s=195.2.53.O&disc=93/2/S>. Acesso em: 12 nov. 2008.

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não existem. Karina Dantas, jornalista recém-formada e funcionária de uma agência de viagens no Pátio Brasil Shopping lembra-se de ter ou-vido falar em vários casos de suicídio ocorridos no estabelecimento, mas sempre aceitou a não divulgação por acreditar na existência de um código proibitivo a esse tipo de cobertura.

A regra é mencionada pela maioria das pessoas. Mas poucos se arris-cam a dizer que lei é esta e muito menos onde ela estaria regulamentada. Quase todos a aceitam e, sem nenhum questionamento, perpetuam-na em sua prática profissional.

Pelo fato de a suposta norma referir-se a uma conduta jornalística a ser seguida, pensei que pudesse ser o Código de Ética do Jornalista ou a Lei de Imprensa, as responsáveis por aquela conduta de aversão ao suicídio. E foi a eles que recorri em busca de respostas.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) disponibiliza, em sua página na internet, todos os códigos e normas referentes aos profissionais de jornalismo. E, de todas as regras, as úni-cas que se aproximam da cobertura de suicídios – e, mesmo assim, de forma muito subjetiva – são os artigos 6º e 11º do Código de Ética.6 O primeiro apresenta como dever do jornalista respeitar o direito à in-timidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão. Direito este que poderia ser violado durante uma investigação/apuração incorreta. Já o segundo artigo mencionado veta a divulgação de informações “de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, es-pecialmente em cobertura de crimes e acidentes”.

Portanto, o Código de Ética do Jornalista não censura a noticiabili-dade das mortes voluntárias. Apenas alerta para a necessidade de sem-pre se atentar para a forma de apuração e divulgação da notícia. Ao passo que as dimensões atingidas pelo suicídio e o seu entendimento como uma questão de saúde pública nos obriga a considerar uma outra garantia fundamental assegurada pela Constituição brasileira: o direito à vida e à informação.

6 FENAJ. Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Disponível em: <http://www.sjpdf.org.br/internas/in_details.cfm?id_conteudo=84>. Acesso em: 13 nov. 2008.

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De todo modo, ainda há quem pense ser o suicídio um crime. Para essas pessoas, alguns artigos da Lei de Imprensa7 poderiam servir de apoio à reprovação da cobertura jornalística. É o caso do artigo 19, que condena reportagens que incitem “à prática de qualquer infração às leis penais” e façam “apologia de fato criminoso ou de autor de crime”.

A mesma Lei, no artigo 49, impõe a obrigação de reparação àquele que, no “exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de in-formação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem”. Ao mesmo passo em que o artigo 51 define penalidades para crimes de responsabilidade civil ao jornalista profissional que comete negligência, imperícia ou imprudência na publicação ou transmissão de notícias8.

Mas, por acaso, o suicídio é crime?A resposta para essa questão eu tive logo na primeira visita à de-

legacia responsável pelas ocorrências registradas na Asa Sul. Naquela ocasião, por volta do mês de abril de 2007, fui atendido por um dos agentes. Apresentamo-nos (eu e minha antiga parceira Bianca Fragoso) como estudantes de comunicação e dissemos que fazíamos um trabalho sobre os suicídios do Pátio Brasil.

Depois de consultar à delegada, o agente imprimiu o boletim de ocorrência (B.O.) do último caso registrado no shopping e dirigiu-se em nossa direção com um volume do Código Penal. Abriu o livro no Título 1: Dos crimes contra a pessoa, Capítulo 1: Dos crimes contra a vida

e, depois de localizar o artigo referente ao suicídio, fez questão de ler e explicar cada linha da lei sobre aquele tema.

7 BRASIL. Lei de Imprensa - Lei nº 5.250de 9 de fevereiro de 1967. Regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação. Disponível em: <http://www.sjpdf.org.br/internas/in_details.cfm?id_conteudo=79>. Acesso em: 13 nov. 2008.

8 BRASIL. Lei de Imprensa - Lei nº 5.250de 9 de fevereiro de 1967. Regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação. Disponível em: <http://www.sjpdf.org.br/internas/in_details.cfm?id_conteudo=79>. Acesso em: 13 nov. 2008.

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De acordo com o agente9 e conforme pudemos verificar no artigo 122 do Código10, o suicídio não é tipificado como crime. Já o induzimento, a instigação ou o auxílio a este ato estão sujeitos à reclusão de dois a seis anos, caso o suicídio se consuma, e de um a três anos, caso a tentativa resulte em lesão corporal grave. A penalidade é duplicada, no entanto, se o crime for praticado por motivo egoístico e se a vítima for menor ou tiver, por algum motivo, a capacidade de resistência diminuída.

As mortes voluntárias voltam a ganhar espaço no Capítulo VI do Código Penal11, quando, na Seção I, aborda-se os crimes contra a liber-dade pessoal. Segundo o artigo 146, constranger alguém a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda, é crime. E dessa regra exclui-se apenas a coação exercida para impedir o suicídio e a inter-venção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente, quando depender disso para salvar-lhe a vida.

Se não é crime e não há, nas leis que regem o jornalismo, nenhum impedimento à cobertura de suicídio, por que os profissionais de co-municação temem abordar o assunto? A justificativa do efeito Werther parece plausível. Mas todos os jornalistas estariam se guiando por essa regra? Se sim, desde quando? E como teria se firmado esse consenso?

Quando Durkheim estudou e defendeu a influência dos fatores so-ciais sobre os suicídios, a idéia de mortes voluntárias por imitação já existia. O sociólogo francês chegou até a confirmar a possibilidade do “efeito Werther”, mas com efeitos muito menos devastadores do que se acreditava. Segundo ele, um suicídio poderia “dar lugar a casos indi-

9 Naquele dia, além da aula de Direito Penal, tudo o que conseguimos na delegacia foi um único boletim de ocorrência e uma desculpa da delegada. Quando dissemos que preci-sávamos dos registros de todos os casos ocorridos no shopping, ela afirmou que os do-cumentos eram arquivados, periodicamente, em algum outro lugar ao qual já não teriam mais acesso. O B.O. fornecido pelo agente foi impresso em questão de segundos, depois de uma rápida pesquisa na Intranet da Polícia Civil.

10 BRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Dispo-nível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 13 nov. 2008.

11 Ibid., Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 13 nov. 2008.

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viduais mais ou menos numerosos”, mas nada significativo o bastante para afetar a taxa social12 dos suicídios.

Durkheim13 caracteriza a imitação como “um reflexo automático” que “resulta imediatamente da observação do acto, sem qualquer outro intermédio mental”. De outro modo, caso a atitude suicida seja precedi-da de reflexão sobre a morte anterior, a nova ocorrência não se classifi-caria como uma cópia.

Pode acontecer que reproduzamos um acto que se passou diante de nós

ou que é do nosso conhecimento, unicamente porque se passou na nossa

frente ou porque ouvimos falar dele. Em si mesmo, o acto não possui qual-

quer carácter intrínseco que constitua para nós uma razão de o reeditar.

Copiamo-lo, não porque o julgamos útil, não porque sigamos um modelo,

mas simplesmente por copiar. A representação que temos dele determina

automaticamente os movimentos que de novo o realizam... É também

assim que a idéia homicida passa de uma consciência para outra.14

Nesse processo, a existência de um ato anterior a ser imitado é obri-gatória. Sem que, necessariamente, haja qualquer relação de aproxima-ção entre as vítimas.

Um homem pode imitar outro sem que seja solidário dele ou de um

mesmo grupo de que dependa igualmente, e a propagação imitativa não

tem, por si só, o poder de os solidarizar. Um movimento coreiforme,

uma impulsão homicida, podem transferir-se de um sujeito para outro

sem que haja entre eles mais que uma aproximação fortuita e passageira.

Não é necessário que haja entre eles qualquer comunidade intelectual ou

moral, como também não é necessário que troquem serviços ou que falem

12 “Taxa social” era como Durkheim chamava o número mais ou menos estável de suicídios de cada sociedade. (Durkheim, Émile. O suicídio – Estudo de Sociologia. Genebra, S/D.)

13 Ibid., p. 121.14 Ibid., 117-118.

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a mesma língua, e não se encontram mais ligados depois da transferência

do que o estavam antes.15

Seguindo por essa linha de raciocínio, Durkheim se aproxima de um ponto crucial para o nosso estudo: o da possível influência dos meios de comunicação sobre os casos de morte voluntária.

Um fenómeno de contágio moral só pode produzir-se de duas maneiras:

ou o facto que serve de modelo se espalha de boca em boca por meio

daquilo a que se chama a voz pública, ou são os jornais que o propagam.

Neste caso, geralmente consideram-se mais estes últimos e não há duvida

que de facto constituem [os jornais] um poderoso instrumento de difusão.

Se portanto a imitação tivesse alguma influência no desenvolvimento do

suicídio, dever-se-ia vê-los variar segundo a importância que os jornais

ocupam na atenção pública [...] Não é o número dos periódicos, mas o

dos seus leitores, que permite medir o alcance na acção daqueles.16

Ao tratar desse aspecto, Durkheim menciona a existência, já naquela época, de autores defensores da proibição de notícias sobre crimes e sui-cídios nos jornais. E defende, assim com a OMS faz hoje, a idéia de que é “a maneira como se fala” e não “o facto de se falar deles” o que pode contribuir para o desenvolvimento do suicídio ou do crime.17

Quando estudou suicídios por imitação, David Phillips18 encontrou um aumento de 12% nos casos dos EUA, em agosto de 1962. O período refere-se ao mês do suicídio da atriz Marilyn Monroe. E, “naquele mo-mento, 303 pessoas além da taxa mensal norte-americana decidiram-se, então, pela morte voluntária. Um ‘fator Marilyn’, portanto, parece ter assolado o país”.

15 DURKHEIM, S/D, p. 115-116.16 Ibid., p. 138.17 Ibid., p. 143.18 PHILLIPS, D. apud DAPIEVE, 2007, p. 16.

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Segundo Dapieve, em geral, casos bastante noticiados como o da atriz, ou como foi o do presidente Getúlio Vargas19, aumentam a taxa de suicídio em apenas 2,51%. Se considerarmos, no entanto, o veícu-lo utilizado para a divulgação das reportagens, a influência dos meios impressos seria 82% maior se comparada à dos meios eletrônicos. Isso porque:

Na tevê, notícias sobre suicídios duram em média menos de 20 segun-

dos e podem ser esquecidas ou até passar despercebidas. Já as histórias

impressas podem ser ‘guardadas, relidas, postas na parede ou no espelho

das pessoas, estudadas’. Cópias de tais notícias são, frequentemente, en-

contradas junto aos corpos de outros suicidas20.

2. Jornalismo: quem manda, por que manda, como manda

Na obra Política: quem manda, por que manda, como manda, de João Ubaldo Ribeiro, o autor aborda a política e questiona o poder e os su-jeitos envolvidos não apenas na democracia, mas, também, em todas as formas de governo. Desse modo, Ribeiro define21 o poder como a capa-

cidade de influenciar o comportamento das pessoas que, muitas vezes, prefe-

rem viver à margem da sociedade, deixando que pensem e ajam por elas.

O poder, por sua vez, conforme defende Foucault, tem relação com o discurso. Não o discurso simplista do modo como conhecemos, mas o discurso empregado para o fim da dominação, organização e, paralela-mente, para o poder. Segundo ele, em toda a sociedade a produção des-se discurso seria ao mesmo tempo “controlada, selecionada, organizada

19 Horas após o suicídio, rádios e jornais começaram a reproduzir a carta-testamento de Ge-túlio Vargas, onde se lia a célebre frase: “Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”. Só a gráfica do Jornal Última Hora “im-primiu, em sucessivas edições, 800 mil exemplares, recorde brasileiro na ocasião. Elas se esgotaram, sem nem serem distribuídas às bancas: o povo as tirava direto dos caminhões, jogando o dinheiro para dentro das caçambas” (DAPIEVE, 2007, p.100).

20 STACK, S. apud DAPIEVE, 2007, p. 16.21 RIBEIRO, João Ubaldo. Política: Quem manda, por que manda, como manda. 3. ed. rev. Rio

de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

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e redistribuída por certo número de procedimentos” ,22 com o objetivo de limitar a propriedade do discurso, ou seja, de evitar que todos te-nham voz e, conseqüentemente, ninguém seja ouvido.

Em outras palavras, Foucault afirma que toda sociedade é funda-mentada em um discurso. E todo discurso provem de quem detém o poder, uma vez que ambos estão obrigatoriamente atrelados.

Mas nenhum discurso é imutável. Ele pode se alterar de tempos e tempos e de uma sociedade para outra. Assim, Foucault chama a aten-ção para o fato de que, “em uma sociedade como a nossa”, a interdição é o “mais evidente” e familiar “procedimento de exclusão” do discurso. Nem todos podem falar e ninguém tem o direito de dizer tudo, em qual-quer circunstância. Dessa forma,

Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdi-

ções que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e

com o poder. Nisto não há nada de espantoso, visto que o discurso – como

a psicanálise nos mostrou – não é simplesmente aquilo que manifesta (ou

oculta) o desejo; é, também, aquilo que é o objeto do desejo; e visto que

– isto a história não cessa de nos ensinar – o discurso não é simplesmente

aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por

que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.23

Alterações do discurso teriam acontecido, por exemplo, por volta do século IV, quando a sociedade era orientada pelo discurso do impé-rio e, acima do rei, pelo Catolicismo. Naquela época, as condições de vida não eram fáceis para a maioria da população. E, por influência da Igreja, as pessoas acreditavam que teriam uma existência plena e feliz ao lado de Deus, depois de suas mortes. Por esse motivo, questionavam-se: para que sofrer em vida se, depois da morte, o paraíso me espera?. Então, para fugir do sofrimento e antecipar a felicidade, optavam por se matar. Essa atitude, no entanto, resultou em uma espécie de surto

22 FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: Aula inaugural no collège de france, pronuncia-da em 2 de dezembro de 1970. 12. ed. São Paulo: Loyola, 2005. p. 08.

23 Ibid., p. 10.

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de mortes voluntárias. E como as mortes representavam prejuízo para a igreja e para a coroa, as autoridades religiosas decidiram condenar a prática suicida, instituindo sua proibição e transformando-a em um pecado mortal.

A partir dessa época, a condenação tanto religiosa quanto civil do sui-

cida vai se tornando mais severa, até atingir as sádicas penas impostas

aos corpos dos suicidas durante a idade média, quando, para a Igreja,

matar-se por desespero era desprezar o poder da penitência, isto é, o seu

poder; e, para o Estado, matar-se era privar o império de novos súditos

e soldados numa época em que a baixa natalidade romana favorecia a

expansão bárbara24.

Como se percebe, a Igreja transformou o seu discurso ao introduzir, a partir de fatos observados na realidade, uma ordem que não existia an-teriormente. E a alteração do discurso se deu para benefício próprio da instituição detentora do poder, do mesmo modo que favoreceu o Estado.

Hoje, nossas vidas também são regidas por discursos. Muitos deles são indispensáveis para tornar possível a vida em sociedade – o discurso político, o econômico, o religioso, por exemplo. E alguns deles, tam-bém, são o que determina a não-cobertura de suicídios pela mídia. Mas quem detém esse discurso?

Para Dapieve, as constantes mudanças de tratamento em relação ao suicídio, ao longo da história, inspiraram uma aversão natural ao tema por parte da população. Seria isso o motivo pelo qual as pessoas se recu-sam a falar sobre o assunto: as famílias das vítimas, por envergonharem-se ou mesmo por medo de especulações sobre a intimidade familiar; a sociedade, de modo geral, por respeito à dor dos parentes e amigos do suicidado; e, por fim, a imprensa, que teria assimilado essa atitude e interiorizado em sua rotina de trabalho o sentimento demonstrado pela população.

24 DAPIEVE, 2007, p.36.

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Percebi [...] que muito mais do que ser determinante do modo como os

leitores encaram o suicídio, a imprensa, sim, é determinada pela visão

que os leitores têm da morte voluntária. Dentro dessa perspectiva, a

imprensa se colocaria não como vetor do ‘contágio’, mas como instancia

social solidária ao tabu que a suplanta.25

A opinião de Dapieve exemplifica a Teoria do Espelho,26 segundo a qual o “jornalismo reflete a realidade. Ou seja, as notícias são do jeito que as conhecemos porque a realidade assim as determina. A imprensa funciona como um espelho do real, apresentando um reflexo claro dos acontecimentos do cotidiano”. Dessa forma, o trabalho jornalístico es-taria livre da subjetividade do repórter e apresentaria somente os fatos conforme eles são.

Acontece, porém, de essa teoria estar sendo rebatida há bastante tempo. Não há reflexo perfeito. As imagens refletidas por um espelho sempre são carregadas de distorção. E, conforme destaca Pena, dada a materialidade limitada dos jornais, seria impossível refletir (noticiar) todos os acontecimentos da realidade.

Se é verdade que o jornalismo reflete os acontecimentos da realidade,

também não seria falso concluir que a própria realidade acaba por se pro-

pagar pelas páginas dos jornais, toma novos rumos, e seu reflexo retorna

ao meio sob novas formas. É a famosa repercussão do caso na imprensa.

E, por último, o fenômeno mais recorrente é o da absorção da luz, pois

se o número de acontecimentos é muito maior do que o espaço que a

imprensa tem para divulgá-los, a maioria deles acaba nem retornando,

nem se propagando no meio. Ou seja, a luz da maior parte dos fatos fica

retida nas redações. É absorvida, não retorna ao meio.27

Desse modo, a idéia de Dapieve – de que a não divulgação de suicí-dios pela imprensa é um reflexo do sentimento da sociedade – esbarra

25 DAPIEVE, 2007, p. 20.26 PENA, Felipe. Teoria do Jornalismo. São Paulo: Editora Contexto. 2005. p. 125.27 Ibid., p. 127.

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em algumas teorias contemporâneas. É o caso do Newsmaking, do Ga-

tekeeper, da Teoria Organizacional, e da agenda setting, por exemplo. Se na teoria do espelho o jornalismo é influenciado pela “realidade”, nessas o processo é complexificado: a imprensa ajuda a construí-la.

Isso porque, segundo os teóricos do Newsmaking, a produção de no-tícias na atualidade acontece seguindo uma rotina industrial. E a es-colha das pautas e das matérias a serem veiculadas se daria a partir da sistematização28 de “critérios como noticiabilidade, valores-notícia, constrangimentos organizacionais, construção da audiência e rotinas de produção”.

Pela Teoria do Gatekeeper, a seleção das notícias também seria em-preendida, mas, dessa vez, levando-se em consideração critérios sub-jetivos e arbitrários dos chamados gatekeepers.29 Eles, a partir de suas experiências, expectativas e atitudes teriam “o poder de decidir se deixa passar a informação ou se a bloqueia”.30

Mais do que a interferência do jornalista e das sistematizações, na Teoria Organizacional é o tratamento do jornalismo como um negócio que determina a escolha de uma reportagem em detrimento de outra para ocupar o espaço no jornal. Nessa vertente,

O jornalismo é um negócio. E como tal, busca o lucro. Por isso, a organi-

zação está fundamentalmente voltada para o balanço contábil. As receitas

devem superar as despesas. Do contrário, haverá a falência da empresa e

seus funcionários ficarão desempregados. Então, qual será o setor mais

importante de uma empresa jornalística? Fácil: é o comercial. Esse é o

responsável pela captação de anúncios para sustentar o jornal. E eles

interferem diretamente na produção das notícias [...] A lógica do veículo

prioriza reportagens que atinjam o maior número de telespectadores, pois

quanto maior a audiência, maiores as receitas publicitárias.

28 PENA, 2005, p. 128.29 Segundo a Teoria do Gatekeeper, “que privilegia a ação pessoal [...] Diante de um grande

número de acontecimentos, só viram notícia aqueles que passam por uma cancela ou portão (gate em inglês). E quem decide isso é uma espécie de porteiro ou selecionador (o gatekeeper), que é o próprio jornalista” (PENA, 2005, p. 129.

30 LEWIN apud WOLF, 2005, p. 162.

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Poderíamos citar ainda a teoria agnóstica, segundo a qual um con-junto de conhecimentos é compartilhado, de forma própria, entre os in-tegrantes de um grupo; a teoria do agendamento31, que “defende a idéia de que os consumidores de notícias tendem a considerar mais impor-tantes os assuntos que são veiculados na imprensa”; a instrumentalis-ta, conforme a qual as notícias atenderiam32 a “determinados interesses políticos”. Essas e várias outras teorias da comunicação seriam capazes de suscitar discussões intermináveis. Mas creio que a não cobertura de suicídios esteja ligada à união de vários conjuntos de idéias, e não a uma linha específica de raciocínio.

Poderíamos aceitar, então, tanto a influência da imprensa na vida da sociedade como, também, o processo inverso. Não que essa variação de sentidos ocorra periodicamente. Mas é possível que ela tenha aconteci-do ao longo de diferentes períodos na história. Um exemplo teria sido a instituição do suicídio como pecado, pela igreja, depois de observar fatores de risco na sociedade. Nota-se nesse fato, que bastou o discurso de alguém de poder para influenciar as pessoas a não mais se matarem.

Mais tarde, no século XV, veríamos que a invenção de Gutenberg também exerceria influência, de modo inverso, sobre o número de sui-cídios dentre a população letrada. Se por um lado o desenvolvimento da imprensa permitiu a democratização do conhecimento e da informação, de outro, “involuntariamente também abriu caminho para a publica-ção de livros que fizeram circular as visões greco-romanas sobre, entre outras coisas, a morte voluntária – sem falar na publicação de jornais, que um dia ampliariam o boca-a-boca da comunidade, relatando casos de suicídio”33. Teria sido o caso da publicação de livros como “Os so-frimentos de Werther” e das cartas-testamento deixadas por vítimas ao longo da história e que foram divulgadas pelos periódicos.

Hoje, anos depois de defendida uma mesma idéia – a de que a divul-gação de suicídios motiva novos casos e que esse assunto não deve ser

31 PENA, 2005, p. 142.32 Ibid., p. 146.33 DAPIEVE, 2007, p.65.

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discutido – o discurso atingiu todas as esferas da sociedade. Alcançou tal grau de veracidade que poucos se questionam sobre a temática. Acei-tam a hipótese como regra e – como vimos, em relação aos jornalistas – a aplicam em sua prática profissional. Estaria aí, acredito, a influência da sociedade sobre o jornalismo, mencionada por Dapieve.

3. O suicídio na imprensa

Talvez estejamos errados ao afirmar não haver cobertura de sui-cídios pela imprensa. De fato, não podemos generalizar. As reportagens sobre o assunto existem. Mas não tantas quanto as de homicídios, estu-pros e roubos. A diferença percebemos logo ao folhear as páginas de ci-dades de um impresso. Porém, se pararmos para analisar os telejornais, aí sim vai ser difícil encontrar referência ao tema. Ao contrário do que acontece na Internet. Lá, o suicídio é abordado sem pudor. E, em alguns casos, é desse meio que os suicidas tiram inspiração para suas mortes.

É o que Eliane Brum e Solange Azevedo afirmam na reportagem34 especial “Suicídio.com”, publicada na Revista Época, de 11 de fevereiro de 2008. Ao longo de 11 páginas, as jornalistas apresentam “a história dramática do menino que transmitiu o próprio suicídio na internet”, conforme definem na capa daquela edição.

Filho único do casamento de um professor universitário com uma psicanalista, Vinícius Gageiro Marques, 16 anos, era descrito35 como “extraordinariamente inteligente” e “extremamente sensível”, ao passo que buscava na internet o refúgio que lhe faltava na vida real. Se no ambiente virtual ele assumia uma nova identidade – Yoñlu –, para os amigos ele demonstrava seguir a rotina comum de qualquer adolescen-te. E foi essa impressão que fez os pais do garoto saírem de casa naquele dia.

Vinícius apresentava quadro depressivo e cumpria internação domi-ciliar, por recomendação médica. Disse que faria um churrasco para os

34 BRUM, Eliane; AZEVEDO, Solange. Suicídio.com. Revista Época, São Paulo: Editora Glo-bo, n. 508, p. 82-92, 11 fev. 2008.

35 Ibid., p. 84.

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amigos e preferia estar sem os pais por perto, para sentir-se mais à von-tade. Mal sabiam eles que o “churrasco” era, na verdade, o “melhor mé-todo de suicídio” escolhido36 pelo garoto. Depois de escrever uma carta de despedida, pendurou-a do lado externo da porta do banheiro. Acima dela, um cartaz advertia: “Não entre. Concentrações letais de monóxido de carbono”. Lá dentro, duas churrasqueiras em chamas o esperavam.

Por volta de 11h15, os pais saíram do apartamento que ocupa três andares de um prédio da família, num bairro de classe média de Porto Alegre. Por volta das 12 horas Viní-cius ligou para o celular da mãe, avisando que os amigos tinham chegado e que estava “tudo bem”. Às 13 horas, os pais deixaram o violão, que estava no conserto, na portaria do prédio. Vinícius foi buscá-lo. Três horas depois, os pais leriam: “Para garantir uma margem segura de tempo, in-ventei a história do churrasco, pedindo para que vocês sa-íssem de casa durante todo o dia. (...) Essa medida fez com que o churrasco de hoje parecesse um grande progresso no que tange a minha condição psíquica, quando na verdade era justamente o contrário”.

O que aconteceu depois foi gravado por Yoñlu no com-putador. Às 14h28, ele postou num grupo de discussão, sempre em inglês: “Estou fazendo esse método CO (sui-

cídio por inalação de monóxido de carbono) neste momento e tenho duas grelhas queimando no banheiro. Aqui está a foto. Alguém pode me dizer se há carvão suficiente e quando eu posso entrar no banheiro e me deitar? Por fa-vor, por favor, me ajudem! Eu não tenho muito tempo”.

A foto mostra duas churrasqueiras portáteis com cha-mas, uma ao lado da outra, num banheiro. Às 14h42, al-guém diz: “Como você está se virando? Espero que você

36 Ibid., p. 86.

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consiga o que quer. Talvez você volte daqui a pouco tos-sindo”. Dois minutos depois, Yoñlu escreve: “Ah, meu Deus. Eu não consigo suportar o calor, está tremendamen-te quente naquele banheiro. O que eu devo vestir para se tornar mais suportável? Eu tomei uma ducha antes, mas não adiantou nada. O que eu posso fazer? E o que eu devo fazer para desmaiar, por Deus?”.

Um bombeiro aposentado de Chicago, segundo o in-quérito policial, orientou Yoñlu a retirar as roupas, enchar-car algum pano e se enrolar nele para suportar o calor até o momento de desmaiar. O último post de Yoñlu, de Gay Harbour, como ele chamava causticamente Porto Alegre, foi às 15h02. Muito tempo depois, alguém escreveu: “Acho que funcionou, já que ele não entrou mais em contato”.

Às 15h45, o policial federal Enrico Canali, de Porto Alegre, foi chamado ao telefone porque era fluente em in-glês. No outro lado da linha estava o policial Ken Moore, de Toronto, no Canadá. Lindsey, uma universitária cana-dense, amiga virtual de Yoñlu, procurou a polícia de sua cidade para avisar que alguém no sul do Brasil estava se suicidando. Deu o endereço de Vinícius, obtido com outro amigo virtual. Canali acionou a Polícia Militar.

Os PMs Volmir da Silva Ramos, sargento, e Fernando Hermann Heck, soldado, tentavam conter uma mulher em surto psicótico debaixo de um viaduto quando foram chamados pela central. Eram 16h10. A zeladora do prédio demorou 15 minutos para deixá-los entrar, assustada com a presença da polícia narrando uma história que soava ab-surda. Chamou o avô de Vinícius, que morava em outro apartamento do mesmo prédio. “Não é possível. Só meu neto está aqui, e ele está com os amigos, numa festa”, ele teria dito aos policiais. A cena que encontraram não pre-cisa ser descrita.

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Durante cerca de uma hora, o serviço médico tentou reanimar Vinícius. Ele explicou aos pais na carta: “O méto-do que escolhi foi intoxicação por monóxido de carbono, é indolor e preserva o corpo intacto, mas demora, e se a pessoa é resgatada antes de morrer fica com graves lesões cerebrais e torna-se um vegetal”.

Quando o sargento constatou que estava tudo acabado, puxou o pai e a mãe do menino para que ficassem juntos – “porque agora só teriam um ao outro” – e foi embora. Os pais nem precisariam ter lido a carta para entender: “Não houve churrasco, não havia colegas nem guria que eu goste. Peço desculpas pela maneira trapaceira com que arranjei meu suicídio. Peço desculpas também pela ma-neira assustadora com que a notícia chegará a vocês. Foi a maneira que encontrei de garantir um dia inteiro sozinho a fim de conduzir o procedimento da maneira mais segura”.

(Trecho extraído da reportagem “Suicídio.com”)

Apesar do enfoque da matéria estar voltado para a morte de Vinícius, acontecida em julho de 2006, a intenção das repórteres é chamar a aten-ção para o crescimento do número de suicídios estimulados e auxilia-dos por pessoas anônimas na internet. Segundo Eliane Brum e Solange Azevedo, Yoñlu foi a “primeira vítima conhecida no Brasil de um crime que tem arrancado a vida de jovens de diferentes cantos do mundo”. E a falta de uma divisão especializada em crimes cibernéticos em nosso país agrava a situação.

No mundo todo [...] adolescentes têm sido incentivados na internet a

morrer sem que ninguém seja punido. No Japão, desde 2005, quando os

suicídios ligados à rede aumentaram em 70%, os provedores passaram a

ser obrigados a informar qualquer suspeita à polícia. Os casos diminuí-

ram. No Brasil, 39 milhões de pessoas usam a internet, mas os provedores

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não têm obrigação de preservar provas. Sua responsabilidade só começa

depois de receberem a notificação de que um crime está ocorrendo. Na

lista dos dez países com maior número de internautas, o Brasil é o único

que não tem uma divisão especializada em crimes cibernéticos. O pro-

jeto acumula poeira em Brasília desde 2005. A Unidade de Repressão a

Crimes Cibernéticos da Polícia Federal é informal. Tem apenas quatro

pessoas. A falta de estrutura somada ao caráter transnacional da rede

garante a impunidade.37

Ao exemplo de Vinícius, a reportagem apresenta outros três casos, dentre os quais o de um adolescente inglês, o de uma norte-americana e de outro brasileiro, suicidado em 2007. E, apesar do interesse da ma-téria em mobilizar as autoridades, o texto, por vezes, é sensacionalista. Além de detalhar os procedimentos e sites consultados por vítimas sui-cidadas, por meio de um personagem fictício Época “entra” em grupos de suicídio na internet, freqüentados por Yoñlu, e descreve parte dos diálogos mórbidos realizados com outros internautas.38

Não podemos negar, no entanto, a riqueza de informações contidas na matéria. Além de um quadro39 onde se aborda o aspecto filosófico do suicídio, a reportagem é encerrada com uma entrevista do psicanalista de Vinícius, Mário Corso. Para ele, se na vida real podemos contar com o Centro de Valorização da Vida40 (CVV), na internet temos um CVM, o Centro de Valorização da Morte, cuja influência sobre a decisão de alguém se matar pode ser muito maior do que qualquer reportagem pu-blicada em um jornal. Segundo Corso, Vinícius precisou de ajuda para suicidar-se. “E essa voz [da internet] foi muito sedutora”.41

37 BRUM, Eliane; AZEVEDO, Solange, 2008, p. 88-89.38 Ibid., p. 85.39 Ver anexo III.40 “O CVV é um trabalho humanitário que tem por objetivo a valorização da vida e a con-

seqüente prevenção do suicídio, em que voluntários se dispõe 24 horas todos os dias a conversar com as pessoas que precisam.” Disponível em: <http://cvv.org.br>. Acesso em: 16 nov. 2008.

41 Mário Corso em entrevista a Eliane Brum. In: BRUM, Eliane; AZEVEDO, Solange, 2008, p. 91.

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O que a internet faz é dar suporte a uma idéia. Namorar a idéia do suicí-

dio é uma coisa que muita gente faz, é fantasia comum na adolescência.

Chegar à beira de se matar também ocorre mais do que se admite publi-

camente. Mas poucos chegam a se matar. Na hora, falta uma energia extra.

Há uma força vital que nos segura no último momento. Essa força que

nos prende ao grupo, ao quanto os outros gostam da gente e ao quanto

nós gostamos dos outros. Isso tece uma rede que nos suporta na vida.

Muitas vezes, quando o sangue aparece nos pulsos cortados, as pessoas

acordam do seu transe mortífero e pedem ajuda. Para dar esse último

passo – suicidar-se –, é preciso um desespero muito forte ou alguém

que nos puxe para baixo.42

Vinícius já havia tentado se suicidar outras vezes. Em uma delas, sentou-se na beira da cobertura do prédio e ligou para o psicanalista. Conversaram por “um bocado de tempo”43, até Corso convencer o me-nino de que valia a pena continuar a viver. Ao contrário daquela vez, agora, no banheiro, não houve outra voz dizendo para ele não pular. Isso, segundo o especialista, fez toda a diferença. E, considerando-se a importância da internet nos dias atuais e o fato da maioria dos jovens passarem o dia longe dos pais, Mário Corso adverte estar no diálogo e na aproximação a receita para se frear a motivação do suicídio na rede.

Se você quer cuidar de seus filhos, fique perto deles, tenha consciência do

abismo que separa as gerações na forma de se relacionar com a internet.

Procure dialogar com eles sobre o que ocorre também em seu mundo

virtual. Para a nossa geração não está ocorrendo nada sério ali, mas,

para os mais jovens, amores, destinos e até a vida e a morte podem estar

sendo decididos. Essa diferença entre o real e o virtual não é tão radical

para eles. Há um portal em que eles transitam, lá onde somente vemos

uma parede. Quem vai ficar mais exposto à internet é quem tem menos

laços reais com o mundo. O Vinícius estava num momento de muita

42 Mário Corso em entrevista a Eliane Brum. In: BRUM, Eliane; AZEVEDO, Solange, 2008, p. 90.

43 Mário Corso em entrevista a Eliane Brum. loc. cit..

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fragilização com o mundo. Então ele se voltou para a internet. Para ele,

a vida também não era fácil no mundo virtual. Mas a internet é um bom

mundo para quem tem problemas com o corpo. O corpo não está ali, ali

é só a palavra. Para quem é só corpo, a internet não funciona.44

3.1 Quando a imprensa fala, tem muito a ensinar

A leitura, na íntegra, da reportagem descrita anteriormente, me dei-xou chocado. Não tanto pela gravidade dos casos de suicídios incitados pela internet, nem pela descrição detalhada da morte de Vinícius. Mas pelo fato de um garoto jovem, inteligente, e talentoso45 desistir do fu-turo e antecipar a morte. Pareço estar sendo simplista, mas, de fato, o suicídio nem sempre revela sua face. Isto é, pode acontecer de quem menos desconfiarmos optar por dar fim à própria vida.

Como apresentamos no início deste livro, não existe um motivo es-pecífico para as mortes voluntárias, mas, talvez, a soma de uma série de fatores. Mesmo assim, devemos estar atentos aos “sinais emitidos por potenciais suicidas antes de cometer o ato”, conforme afirma o médico Carlos Felipe Almeida D’Oliveira, coordenador da Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio. Foi ele quem, quase um ano antes da publi-cação da matéria “Suicídio.com”, apresentou o plano do Ministério da Saúde à Revista Época.

Na ocasião, sob o título Por que evitamos falar em suicídio?,46 dos jor-nalistas Isabel Clemente e Nelito Fernandes, D’Oliveira, descreveu o fato das tentativas de suicídio serem vistas pelas pessoas como uma for-ma de chamar a atenção. Por isso, muitas vezes, as tentativas acabam sendo menosprezadas quando deveriam ser percebidas como um aviso.

44 Mário Corso em entrevista a Eliane Brum. In: BRUM, Eliane; AZEVEDO, Solange, 2008, p. 90.

45 Vinícius deixou um legado de cerca de 60 músicas, desenhos e fotografias produzidos por ele mesmo. Todo o material usado para ilustrar a matéria “Suicídio.com” fazem parte do encarte do CD Yoñlu, disco lançado pelo Allegro Discos, em fevereiro de 2008. Parte das 23 canções que compõem o álbum podem ser conferidas no site http://letras.terra.com.br/yolu

46 CLEMENTE, Isabel; FERNANDES, Nelito. Por que evitamos falar em suicídio?. Revista Época, São Paulo: Editora Globo, n.468, p. 86-89, 7 mai. 2007.

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“Ninguém se mata se não estiver sofrendo. Se a pessoa tenta chamar a atenção, e não a recebe, o risco de ela se matar aumenta”, afirma o médico.

Na mesma reportagem, a psicóloga Ana Maria Ferrara, uma das co-ordenadoras do Projeto ComViver47, no Rio de Janeiro, apresenta opi-nião parecida com a de D’Oliveira. Segundo ela, é preciso levar a sério qualquer ameaça de suicídio. “Se uma pessoa está dizendo que quer se matar é porque está precisando de ajuda. É preciso ouvir e ajudá-la a resolver seus problemas”, afirma. Como precaução mínima, Ferrara aconselha impedir o acesso da pessoa a objetos e remédios que podem ser usados para se matar.

Informações simples como essas, lidas nos jornais ou vistas na tele-visão, podem ser decisivas para impedir a morte voluntária de alguém. Ao falar sobre o assunto, a imprensa informa, educa, e conscientiza. Não que devamos sair por aí como salva-vidas e psicanalistas, tentando mapear o perfil psicológico das pessoas, depois de ler algo a respeito na mídia. Mas informações desse tipo, uma vez repassadas pela imprensa, poderiam ajudar a identificar pessoas próximas a nós, com característi-cas de inclinação para o suicídio. Ou, pelo menos, a entender melhor o assunto e evitar transtornos como os descritos por Isabel Quental, na re-portagem de Clemente e Fernandes. Segundo a também coordenadora do ComViver, o suicídio ainda é muito estigmatizado por grande parte da sociedade, que é capaz de apontar para a família de uma vítima na rua e dizer: “Aquela é a mãe do suicida”, ou ainda, “Não é possível que eles não perceberam nada diferente”, referindo-se aos possíveis sinais apresentados pela vítima dias antes da morte.

Poucos sabem que essas palavras podem atingir a família como se fossem flechas em seus corações. Isso porque, como afirma Isabel Quel-tal48, “a família se envergonha e se recolhe, porque acredita que falhou em sua missão de cuidar dos seus”.

47 Ver página 43.48 QUENTAL apud CLEMENTE, Isabel; FERNANDES, Nelito. 2007, p. 89.

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E é em defesa dessa possibilidade, a de mobilizar a imprensa na pre-venção do suicídio e na conscientização da população, que o Ministério da Saúde tem se empenhado para mudar a idéia de que o assunto não merece espaço nas coberturas jornalísticas.

4. O suicídio no Correio Braziliense

Muitos veículos de comunicação possuem o seu próprio manual de redação e estilo, como forma de manter um padrão de cobertura e de produção dos textos das reportagens. Nesses volumes, são apresentados desde a forma correta de conjugar os verbos e utilizar os pronomes de tratamento, até aspectos sócio-histórico-demográficos das mais diversas regiões do mundo. Alguns são amplos e complexos. Outros, mais sinté-ticos. E em alguns deles, é possível encontrar até referência ao suicídio e à forma de tratar o assunto nos jornais.

É o caso do manual de O Estado de S. Paulo. No capítulo onde apre-senta as “Instruções Específicas”, o termo “suicídio” ganha espaço no tópico 11, local onde se discute a ética interna daquele jornal.

Tópico 11 — Suicídios. Se uma pessoa conhecida se suicidou, a notícia

deve revelá-lo ao leitor, também para que este não receba a informação

pela metade. Em qualquer relato de morte, o mínimo que se quer saber é

de que maneira ou em que circunstâncias ela ocorreu: Doença? Acidente?

Suicídio? Por mais doloroso que seja o fato, evite disfarçá-lo.49

Mais à frente, a recomendação é reforçada no trecho onde se aborda a forma como tratar das mortes. Além de especificar a importância de se dizer sempre a verdade, menciona que “particularidades da vida íntima da pessoa” só devem ser descritas na reportagem “se estiverem direta-mente relacionados com a causa ou as circunstâncias da morte”50.

49 MARTINS, Eduardo. Manual de Redação e Estilo de O Estado de S. Paulo. 3 ed., revista e ampliada. São Paulo: O Estado de S. Paulo, 1997, p.120.

50 Ibid., 181-182.

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Sem fazer estardalhaço ou sensacionalismo, diga efetivamente de que

uma pessoa morreu. Não há motivo para preconceito e o leitor merece a

informação correta, seja a morte decorrente de suicídio, seja de doenças

como a aids, o câncer, a leucemia ou outras. As circunstâncias da morte

também deverão sempre ser devidamente esclarecidas. Poupe o leitor,

porém, de detalhes escabrosos, que pouco ou nada acrescentem ao no-

ticiário, no caso de crimes violentos.51

Nos manuais da Folha de São Paulo e dos Diários Associados, no entanto, a referência à cobertura de mortes voluntárias é bem mais li-mitada. No primeiro, diz-se apenas para não omitir “o suicídio quando ele for a causa da morte de alguém”.52 Já no segundo, a especificação não é sobre como abordar o assunto, mas como se “conjugar o verbo ‘suicídio’”,53 na página 126.

O manual dos Diários Associados é o que orienta o trabalho dos jor-nalistas do jornal Correio Braziliense. Diante da mínima referência feita à cobertura de suicídios, como seria a abordagem desse assunto pelo veículo de comunicação?

A fim de verificar a existência de reportagens impressas sobre as mortes voluntárias ocorridas no Pátio Brasil Shopping, empreendi a análise do Correio Braziliense, por ser esse o jornal de maior destaque do Distrito Federal. Delimitamos para isso, cinco semanas específicas localizadas entre os anos de 2004 e 2007.

Cada uma dessas semanas refere-se aos sete dias subseqüentes à ocorrência das cinco mortes voluntárias realizadas no referido estabe-lecimento comercial e comprovadas por meio de boletins de ocorrên-cia da Polícia Civil. Nesses documentos constam os dias e horários das mortes, além de detalhes sobre a vítima e o relato das testemunhas. Essas informações poderiam ser confrontadas, eventualmente, com as possíveis matérias publicadas.

51 Ibid., 181-182. 52 MANUAL da redação: Folha de S. Paulo. São Paulo: Publifolha, 2001. p. 99.53 SQUARISI, Dad. Manual de redação e estilo dos Associados. Brasília: Fundação Assis Chate-

aubriand, 2005. p. 126.

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A pesquisa, no entanto, não se delimitou apenas aos casos do sho-pping, mas, também, a quaisquer outros registrados no Brasil e no mundo. A intenção era analisar o teor das reportagens, as imagens, os títulos, as fontes consideradas pelo repórter, a localização da notícia no jornal (se em local de destaque, ou não), e a presença de elementos que auxiliem o leitor na prevenção do suicídio e na busca de tratamento para problemas psicológicos (telefones de hospitais, clínicas, núcleos de apoio, disque-denúncia, estudos científicos, etc), conforme sugerido pelo Ministério da Saúde.

Dessa forma, chegamos à delimitação das seguintes datas, apresen-tadas abaixo com a respectiva quantidade de notícias54 identificadas no período:

Tabela 2

De 13/06 a 19/06/2004 10 notícias

De 01/11 a 07/11/2006 7 notícias

De 02/03 a 08/03/2007 8 notícias

De 09/06 a 15/06/2007 7 notícias

De 24/10 a 30/10/2007 4 notícias

TOTAL 36 notícias

Das 36 notícias analisadas, nenhuma referia-se aos casos registra-dos no Pátio Brasil Shopping. Em sua maioria, mencionava ataques terroristas/suicidas. E era a editoria Mundo o local onde estava loca-lizada a maior parte delas – 16 reportagens. Desse modo, as matérias distribuíam-se ao longo das seguintes editorias/cadernos do Correio Braziliense:

54 Como notícias, defini todas as notas, textos, artigos e sinopses publicadas no período de análise.

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Tabela 3

DISTRIBUIÇÃO DAS MATÉRIAS POR EDITORIAS/CADERNO

Mundo 16

Cultura 4

Política/Opinião 4

Brasil 3

Cidades 2

Capa 2

Caderno Fim de Semana 2

Caderno Super! 1

Caderno Pensar 1

Economia 1

Para facilitar o estudo, optei por agrupar os conjuntos por apro-ximação dos conteúdos. Assim, os cadernos Cultura, Fim de Semana, Super! e Pensar foram reunidos no grupo Cultura/Educação, totalizan-do oito notícias. A reportagem de economia foi agrupada à de política, somando agora cinco publicações sob esse título. Considerando-se que as matérias mencionadas na capa do periódico referiam-se à editoria Mundo, elas também passaram a ser entendidas como tal. As demais divisões observadas no jornal continuaram como antes. A partir da nova classificação, as editorias assumiram a seguinte ordem, de acordo com o número de menções ao suicídio: Mundo (18), Cultura/Educação (8), Política/Economia (5), Brasil (3) e Cidades (2).

A primeira referência ao termo “suicídio” aparece na reportagem Ar-

senal escondido, capa da editoria “Brasil”, em 13 de junho de 2006. A data refere-se ao dia posterior à morte de uma mulher no Pátio Brasil.

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A matéria aborda a situação dos índios xacriabás como detentores de armas de fogo e como responsáveis por uma série de conflitos armados com a polícia e outras tribos. A notícia ocupa uma página inteira, po-rém, a menção às mortes voluntárias aparece apenas no final do texto, como aspas do secretário-geral da Prefeitura de Missões, José Carlos do Nascimento: “Segundo ele, a miséria que toma conta da aldeia, agravada pela falta de água por causa da seca que atinge a região, aliada à falta de meios de sustentação, ‘vem transformando a reserva em palco de violên-cia’, com registro inclusive de suicídio. (AM)”.

A editoria volta a mencionar os suicídios seis dias depois, na edição de 19 de junho. A referência às mortes voluntárias é feita sob o enfo-que do jornalismo público, na reportagem Caso de saúde, não de polícia,

página 18. A matéria trás como novidade o fato de o atendimento a pacientes com transtornos mentais passar a ser feito pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Segundo o texto, até aquele momento, quando uma pessoa tentava suicídio ou passava “por crises de epilepsia, alucinação, depressão e delírio”, era “socorrida pelo Cor-po de Bombeiros ou pela Polícia Militar”. Mas, até o final do ano, uma ambulância hospitalar daria lugar às viaturas, e os problemas de saúde mental passariam a ser caso de saúde pública, em vez de ocorrência policial.

A decisão foi uma das normas e diretrizes estabelecidas pela I Oficina

Nacional de Atenção às Urgências e Saúde Mental, realizada naquela sema-na em Aracaju, no Sergipe. A reportagem ocupa três quartos da página. E para ilustrar a novidade, uma foto, centralizada, mostra três socorris-tas a atender uma vítima deitada sobre uma maca, no chão, enquanto a ambulância os aguarda, de portas abertas, ao fundo da imagem. Segun-do a legenda, “As ambulâncias do serviço de atendimento emergencial são usadas atualmente para socorrer pacientes que sofrem infartos ou derrames”.

Além de apresentar, em um box, os números relativos à situação das pessoas com crises nervosas e psicológicas no Brasil, faz menção a servi-ços de apoio, e informa o número de atendimento do Samu.

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A terceira menção da editoria ao suicídio acontece três anos depois, no dia 13 de junho de 2007. Dessa vez bem mais reduzida, uma nota de 14 linhas, localizada no canto superior direito da página 12, anuncia como título “Garoto morre por veneno. Pai é suspeito”. O fato aconte-ceu em Minas Gerais. Segundo consta, o pai de uma criança de quatro anos “teria dado mamadeira para o filho com o veneno de rato conheci-do como chumbinho” e, em seguida, tentado suicídio. “De acordo com a polícia, ele deixou uma mensagem no celular da namorada pedindo desculpa e dizendo que queria morrer ao lado das pessoas que mais amava.”

Por tratar de assuntos cotidianos, mais próximos à realidade das pessoas, poderíamos supor que a editoria de Cidades seria a de maior influência sobre o comportamento dos brasilienses e, por que não, das vítimas suicidadas no Pátio Brasil Shopping. Mas ao analisar o conteúdo publicado sob essa divisão, logo descartei a possibilidade. Se, como afir-ma Durkheim, a imitação se daria pelo método utilizado para se matar, as semelhanças entre o caso noticiado e os fatos realizados no centro de compras eram nulas.

Do material selecionado para análise, a primeira publicação em Ci-dades acontece no dia 7 de novembro de 2006. Acima dos quadros de obituário, no meio da página 24, e em cujo centro uma foto apresenta “curiosos” se aglomerando em frente a uma casa, noticia-se: “Ex-marido assassina jovem e depois se mata”. O crime aconteceu em Sobradinho e foi relatado em detalhes pela reportagem. A vítima suicida teria se enforcado na frente da irmã, depois de esfaquear a companheira e mãe de suas duas filhas.

Testemunhas disseram ter ouvido o casal conversando dentro de casa e que, em determinado momento, o acusado saiu no portão pe-dindo que chamassem a irmã dele, na casa vizinha. Quando ela chegou, viu pela janela o corpo da cunhada caído e ensangüentado, enquanto ele se preparava para se matar. A irmã tentou arrombar a janela para evitar o suicídio, mas não conseguiu. E teve de ser medicada depois de presenciar a cena.

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Já a segunda referência ao suicídio nas páginas de cidades indica a realização de uma palestra na Universidade de Brasília (UnB). A jorna-lista Barbara Walsh, ganhadora do Pulitzer em 1988, visitaria a cidade para apresentar os “Desafios na cobertura de segurança pública: como o jornalismo pode contribuir para reduzir a criminalidade”. Segundo a nota, no centro de uma coluna do canto direito da página 26, a pales-trante se destacava “com matérias sobre prisões, pobreza, alcoolismo e suicídio [esta é a única aparição do termo naquela edição]”.

Curioso é o fato do grupo de matérias sobre Política/Economia ocu-par o terceiro lugar no ranking de referência ao termo “suicídio”. Nossos governantes se matariam tanto assim? Considerando-se a existência de tantos corruptos no parlamento, essa, talvez, seria a vontade de muitos eleitores. Mas a utilização dessa palavra em seu sentido restrito, o de tirar a própria vida, raramente é observada. Na maioria das vezes, é usa-da como metáfora para definir alguma atitude do, ou contra o governo, conforme exemplificava quatro, das cinco reportagens reunidas sob essa divisão do Correio Braziliense, no referido período de estudo.

Já nos cadernos de cultura não é de se estranhar a freqüência do suicídio em sinopses de filmes, peças teatrais e resumos de livros. E, ao contrário da situação anterior, quase sempre referem-se às mortes propriamente ditas.

É o caso, por exemplo, do curta-metragem de Sylvio Back, Lost Zweig, apresentado na edição do Correio de 15 de junho de 2004, página cin-co. A história é inspirada em fatos reais e gira em torno do suicídio do escritor judeu austríaco Stefan Zweig. Na ocasião da matéria, o filme de Back concorria ao prêmio de 10 mil reais, no Festival do Minuto de Brasília.

Do mesmo festival participava o jornalista e diretor Iberê Carvalho, com o curta A diferença de Tati. Mas a reportagem que anuncia, também naquele dia, a participação do cineasta na disputa prefere enfocar Suicí-

dio Cidadão, um outro filme dele, premiado no ano anterior.Em sentido metafórico o suicídio volta a ganhar espaço no jornal

no caderno Fim de Semana de 18 de junho de 2004. Na página 35, Rota Suicida é o nome escolhido para intitular a história de um “poli-

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cial honesto e beberrão que é designado para escoltar prostituta de Las Vegas até Phoenix, para que ela deponha no julgamento de um chefão mafioso. No caminho, ele acaba descobrindo que seu chefe é corrupto e tem planos para que nem ele nem sua protegida cheguem inteiros ao final da viagem”.

Na mesma data, em referência à re-exibição do longa Desejo Humano, de Fritz Lang, o Correio Braziliense apresenta o filme como constituído por “temas adultos e fortes para a época, como adultério e suicídio”.

Isso quando Dad Squarisi não resolve dar à palavra um toque didá-tico e lúdico, como acontece no box “Na ponta da língua”, no caderno “Super!”, do dia 19 de junho de 2004. No espaço, a professora relembra a história mitológica de Antígona, que preferiu suicida-se a ser enterra-da viva pelo tio.

Mas é na editoria “Mundo” que acontece, com maior freqüência, destaque para o suicídio, mesmo que de forma sutil. Na reportagem Caminhão-bomba atinge comboio e mata 16, por exemplo, do dia 15 de junho de 2004, a ocorrência da morte voluntária é apresentada de for-ma ainda indefinida.

Trata-se de um atentado em Bagdá, no qual ainda não se confirmara “se o carro-bomba estava sendo dirigido por um suicida ou se foi ativa-do a distância”. A reportagem localiza-se na página 21, considerada de maior visibilidade por se tratar de uma página ímpar, e desenvolve-se ao longo de quatro colunas de texto. Como ilustração, trás o momento exato da explosão. Enquanto um clarão de fogo, em cores vivas, ocupa a região central da foto, localizada sobre as três últimas colunas, a po-pulação, no canto inferior da imagem, se aproxima das chamas. Como legenda, lê-se: “Iraquianos se aproximam do local da explosão em Bag-dá: alvos eram trabalhadores estrangeiros”.

Três dias depois, atentados terroristas voltam a invocar o suicídio nas páginas do Correio Braziliense. Logo na capa da edição de sexta-feira, no canto inferior direito, a retranca “Guerra sem fim”, seguida da chamada “Carros-bomba matam mais 41 no Iraque”, introduz o assunto tratado na página 22. No terceiro parágrafo de uma matéria que ocu-pa o espaço de cinco colunas, apresenta-se a informação de que “Em

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Bagdá, um suicida, com as mãos amarradas ao volante” teria jogado o carro-bomba contra a base militar, onde mais de 100 iraquianos se enfileiravam “para incorporar-se ao novo exército ou para receber seu primeiro salário”.

Além de uma foto na qual um cadáver é recolhido para cima de um caminhão e cuja legenda informa “Policiais iraquianos removem o corpo de um dos 35 mortos na explosão de carro-bomba em Bagdá”, a reportagem é enriquecida com a infografia detalhada do carro utilizado no atentado.

Embora a predominância das referências a suicídios na editoria Mun-do aconteça em matérias sobre ataques terroristas/suicidas (9 das 18 analisadas), também é possível notar outras situações bastante distintas. Alguns exemplos encontrados seriam os casos advindos a partir de cri-mes passionais (um na edição de 02/03 e outro na de 08/03/2007), e o de personalidades, cujos exemplos seriam o suicídio de Hitler (men-cionado em uma matéria de 06/11/2006, sobre a execução de Saddam Hussein) e a tentativa de Britney Spears (relatada em 06/03/2007).

O brasileiro Jean Charles, morto pela polícia britânica no metrô de Londres, em 2005, também aparece em duas reportagens (uma de 03/11/2006 e outra de 27/10/2007). Além dessas especificações, pode-ríamos acrescentar ainda as notícias que levantam a suspeita e a possibi-lidade do suicídio de civis (uma em referência a um caso nos EUA, em 11/06/2007, e outra referente ao caso da menina desaparecida Made-leine McCann, em 30/10/2007) e a utilização como metáfora, em uma matéria sobre o governo de Cristina Kirchner, publicada em 28 de ou-tubro de 2007.

A seguir, apresento a classificação das notícias conforme a abordagem realizada pelo Correio Braziliense, em todas as editorias analisadas.

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Gráfico 3 – Classificação das notícias conforme a abordagem

5. Manual para jornalistas: a cobertura é possível

A Organização Mundial da Saúde (OMS) entende55 que “a disseminação apropriada da informação e o aumento da conscientização são elementos essenciais para o sucesso de programas de prevenção do suicídio”. E reco-nhece que a imprensa, por ocupar “um lugar central nas práticas políti-cas, econômicas e sociais” e influenciar56 “fortemente as atitudes, crenças e comportamentos da comunidade”, pode ter um papel ativo nesse trabalho preventivo. No entanto, nem sempre o repórter opta pela melhor aborda-gem do assunto em sua reportagem e, ao invés de conscientizar, acaba por provocar novas mortes, mesmo que não seja essa a intenção.

Em Prevenção do Suicídio: um manual para profissionais da mídia, a OMS investiga o impacto da “cobertura midiática” perante os suicídios, ao mesmo tempo em que indica “fontes de informação confiáveis” e

55 OMS. Prevenção do Suicídio: um manual para profissionais da mídia. Genebra: Departamento se Saúde Mental Transtornos Mentais e comportamentais, 2000. Disponível em: <http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/en/suicideprev_media_port.pdf>. Acesso em: 30 mai. 2008. p. 2.

56 Ibid., p. 3.

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sugere formas de como se abordar as mortes voluntárias, sem que as matérias caiam em “armadilhas”.

Uma dessas emboscadas, segundo a publicação, são as comparações fei-tas entre casos de suicídio registrados em países distintos. Por mais que os dados mencionados pelo repórter na matéria provenham de fontes legíti-mas, “estigmas, fatores políticos e sociais e regulações de agências segura-doras” podem fazer com que o número de suicídios seja subestimado. Isso porque57 “alguns suicídios podem ser registrados como acidentes ou mor-tes por causa indeterminada”, e “não existem registros mundiais oficiais de comportamentos suicidas não-fatais (tentativas de suicídio)”. Além disso, os números podem estar desatualizados, uma vez que os dados mais recen-tes das agências oficiais referem-se, normalmente, a um período anterior, variável entre 18 e 36 meses, dependendo do país em questão.

Dentre as fontes confiáveis, a OMS destaca: o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Fundo de Desenvolvimento das Na-ções Unidas para a Mulher (Unifem), o Instituto Inter-Regional das Na-ções Unidas para Investigações sobre Criminalidade e Justiça (Unicri), a Rede Clínico-Epidemiológica Internacional (inclen), a Sociedade Inter-nacional para a Prevenção da Negligência e Abuso Infantis (ISPCAN), a Interpol, o Departamento Estatístico da Comunidade Européia (Euros-tat) e o Banco Mundial.

Também são consideradas idôneas várias agências governamentais, associações nacionais e organizações voluntárias como, por exemplo, o Centro Nacional para a Pesquisa e Prevenção do Suicídio da Suécia, o De-partamento Australiano de Estatística, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (Estados Unidos), e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Brasil). Além da Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (www.who.int/inango/ngo/ngo027.htm), a Associação Americana de Suici-dologia (www.suicidology.org), a Rede Australiana de Intervenção Precoce para Transtornos Mentais na Juventude (http://auseinet.flinders.edu.au), e a Academia Internacional para Pesquisa sobre Suicídio (www.uni-wuerz-burg.de/IASR/), que podem ser acessadas facilmente pela Internet.

57 Ibid., p. 6.

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Porém, mais importante do que selecionar as fontes é saber escolher quais informações divulgar e como estruturar a reportagem. Deve-se evitar exageros. Segundo o manual da OMS, fotografias do falecido, da cena do suicídio, do método utilizado e reprodução de cartas de despe-dida servem apenas para acentuar o caráter sensacionalista da matéria e motivar a imitação da técnica usada.

Manchetes de primeira página nunca são o local ideal para uma chamada

de reportagem sobre suicídio. Devem ser evitadas descrições detalhadas

do método usado e de como ele foi obtido. As pesquisas mostraram

que a cobertura dos suicídios pelos meios de comunicação tem impacto

maior nos métodos de suicídio usados do que na freqüência de suicí-

dios. Alguns locais – pontes, penhascos, estradas de ferro, edifícios altos,

etc – tradicionalmente associam-se com suicídios. Publicidade adicional

acerca destes locais pode fazer com que mais pessoas os procurem com

esta finalidade58.

Mostrar o suicídio como solução para os problemas, a dor e o so-frimento também deve ser evitado. Ao contrário, deve-se59 enfocar “o impacto do suicídio nos familiares da vítima e nos sobreviventes”, enfa-tizar o luto pela pessoa falecida e descrever as “conseqüências físicas de tentativas de suicídio não fatais”, como forma “de dissuasão”.

O suicídio não deve ser mostrado como inexplicável ou de uma ma-

neira simplista. Ele nunca é o resultado de um evento ou fator único.

Normalmente sua causa é uma interação complexa de vários fatores,

como transtornos mentais e doenças físicas, abuso de substâncias, pro-

blemas familiares, conflitos interpessoais e situações de vida estressantes.

O reconhecimento de que uma variedade de fatores contribuem para o

suicídio pode ser útil60.

58 OMS, 2000, p.7.59 OMS, loc. cit.60 Ibid., p. 8.

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Para ampliar o poder da mídia como agente “proativo” na prevenção do suicídio, a Organização Mundial da Saúde propõe, ainda, a divulga-ção, junto à matéria, da lista de serviços de saúde mental disponíveis61 e a descrição dos sinais de alerta de comportamento suicida, conforme apresentados abaixo. Também é importante que se esclareça, quando for o caso, a relação do suicídio com a depressão, já que este problema pode ser tratado.

COMO IDENTIFICAR UMA PESSOA SOB RISCO DE SUICÍDIO62

Sinais a serem observados na história de vida

e no comportamento das pessoas:

1. Comportamento retraído, inabilidade para se relacionar com a família e amigos

2. Doença psiquiátrica

3. Alcoolismo

4. Ansiedade ou pânico

5. Mudança na personalidade, irritabilidade, pessimismo, depressão ou apatia

6. Mudança no hábito alimentar e de sono

7. Tentativa de suicídio anterior

8. Odiar-se, sentimento de culpa, de se sentir sem valor ou com vergonha

9. Uma perda recente importante – morte, divórcio, separação, etc.

10. História familiar de suicídio

11. Desejo súbito de concluir os afazeres pessoais, organizar documentos, escrever

um testamento, etc.

12. Sentimentos de solidão, impotência, desesperança.

13. Cartas de despedida

14. Doença física

15. Menção repetida de morte ou suicídio

61 Ver anexo V.62 OMS. Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da saúde em atenção primária.

Genebra: Departamento se Saúde Mental Transtornos Mentais e comportamentais, 2000.Disponível em: <http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/en/suicideprev_phc_port.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2008.

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1. Pátio Brasil: dê um pulinho aqui!

Pode até parecer propaganda ou, quem sabe, o convite para um pas-seio. Mas a frase que escolhi para intitular esse capítulo não faz parte de nenhum anúncio publicitário. Pelo menos não da forma como es-tamos acostumados a ver. Ela, ao lado de outras como “Proteja-se no Pátio Brasil!” e “A maldição do Pátio Brasil”, tem chamado a atenção na internet, mas por motivos nada comerciais. Usadas como nomes de comunidades virtuais no Orkut, referem-se, de forma irônica, aos casos de suicídio registrados no Pátio Brasil Shopping, desde a inauguração do estabelecimento.

Aberto em outubro de 1997, o Pátio Brasil Shopping ocupa, hoje, lugar de destaque entre os demais centros de compras do Distrito Fe-deral. Localizado na avenida W3 Sul, próximo ao Setor Hoteleiro e na área de maior concentração de prédios de escritórios e estabelecimentos comerciais da cidade, mantém-se entre os três maiores e mais populares shoppings do DF.

São mais de 200 lojas de diferentes especialidades, além de seis salas de cinema, um centro de diversão e jogos eletrônicos, uma ala de servi-ços com 10 lojas e uma praça de alimentação com três restaurantes, 23 fast-foods, e 550 mesas.

A estrutura geral do shopping compreende, ainda, uma torre de es-critórios com 280 salas e uma garagem 24 horas, com capacidade para cerca de 1.800 veículos, além de mil vagas públicas externas. O espaço conta com 12 elevadores, sendo um panorâmico, localizado na praça central, e 14 escadas rolantes. Tudo isso distribuído em cinco pavimen-tos, em uma área total construída de 65.500m².

Os aspectos arquitetônicos e comerciais destacam o estabelecimento no cenário local. Mas é a realização de shows, exposições, apresentações teatrais e da Feira do Livro – evento anual que proporciona o contato de autores e livrarias com o público – que garantem o diferencial do centro de compras. A parceria com empresas, ONGs e outras instituições tam-bém possibilita ao shopping desenvolver uma estratégia de marketing

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baseada na “valorização humana e cultural”1, por meio de eventos que promovem “o bem-estar da população”2.

Dentre as atividades já desenvolvidas, destacaram-se as Campanhas do Sono, de vacinação, da Melhor Idade e de Combate à Infecção Hos-pitalar; o Dia de Combate à Gagueira e o Dia de Fazer a Diferença.

Mas se a preocupação social se mostra por um lado, em relação à pre-venção e conscientização sobre o suicídio, o shopping deixa a desejar.

Desde a inauguração do estabelecimento, estima-se que tenha havi-do cerca de oito mortes a partir das dependências do centro comercial. Isso porque, além de jogarem-se da praça de alimentação, no quarto piso, sobre a praça central, há vítimas que aproveitam a cobertura do shopping para lançarem-se na área externa.

Apesar de ser um local público e as mortes terem ocorrido no ho-rário de funcionamento do shopping, localizado no Setor de Rádio e TV Sul, próximo a emissoras e redações, nada se noticiou na grande imprensa. Mesmo assim, as pessoas tomaram conhecimento e as espe-culações foram inevitáveis.

1.1 Shopping: um conceito da vida moderna

Criado na década de 1950, nos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial, o conceito de shopping centers representou um marco na história do capitalismo. Seu surgimento teve ligação com o “aumento do poder aquisitivo da população; o desenvolvimento da indústria auto-mobilística; a descentralização para as zonas periféricas, além de outros fatores”3. O novo estilo de departamento de compras logo despertou a simpatia do consumidor. Principalmente, por permitir o acesso, em um só lugar, a diferentes produtos e serviços.

1 PÁTIO BRASIL SHOPPING. Disponível em: <http://patiobrasilshopping.com.br>. Acesso em: 12 jul. 2008.

2 Ibid.3 PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center. 3.ed. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2001,

p. 01.

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Ailim Oliveira Braz Silva 87Parte III – Caso Pátio Brasil

Definido pela Associação Brasileira de Shopping Centers (Abras-ce) como “um centro comercial planejado sob administração única e centralizada” e que assegura “a convivência integrada”4 das pessoas, os shoppings têm perdido, no entanto, esse caráter predominantemente mercantilista. Agora, ele assume uma funcionalidade mais ampla, de “ponto de encontro de consumidores, de produtos, de sistemas de pro-dutos e [...] de fluxos comunicativos”5, no que a psicóloga e consultora italiana Egeria di Nallo chama de meeting points (ponto de encontro).

Compreendendo o shopping center como um espaço privilegiado de

interações e fluxos comunicacionais, nele as trocas transcendem o mero

caráter econômico: ‘definido o mercado como arena de trocas potenciais,

pode-se admitir que o conceito de troca [...] compreenda também valores

simbólicos, sociais e culturais’. Nessa arena, o consumidor comunica e é

comunicado de sentidos do mundo em que vive.6

A definição apresentada por Casaqui é enriquecida pelo antropólogo Massimo Canevacci. Segundo ele, “a troca de mercadorias envolve a tro-ca de imagens e de experiências corpo rais em um nível qualitativamente dife rente em relação ao passado”7. E faz com que, por meio do ato de comprar e, conseqüentemente, de trocar “decodificações” em um shop-ping, os indivíduos descontrolem suas “emoções, embora ainda dentro de uma moldura bem controlada”. Seria então, o suicídio, o exemplo de um escape à essa “moldura”?

Ao conceito de “meeting points” que Egeria di Nallo associa aos sho-pping centers, Casaqui acrescenta o de “lugar”, para definir a relação que os freqüentadores têm mantido com esses centros de compras.

4 PINTO, loc, cit.5 NALLO apud CASAQUI, Vander. Meeting points: shopping centers de São Paulo. Commu-

nicare: revista de pesquisa / Centro Interdisciplinar de Pesquisa, Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, v. 6, n1, p. 37-46, 1º semestre 2006, p. 38.

6 CASAQUI, 2006, p.38.7 CAVENACCI apud CASAQUI, loc. cit.

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Tendo como ponto de partida o entendimento dos shoppings centers

como meeting points, compreendemos a maneira como estes espaços se

transformam em ‘lugares’. Um ‘lugar’ se define como um espaço iden-

titário, relacional e histórico. Por oposição, um “não-lugar” seria um

espaço não-identitário, não-relacional, e não-histórico; seria o espaço da

passagem, do provisório e do efêmero. No “não-lugar” seria experimen-

tada e vivenciada a solidão na supermodernidade, pois o “não-lugar” não

cria nem identidade nem relação, mas solidão; a solidão na multidão.

(Casaqui, 2006, p.38)

Como se percebe, os shoppings, idealizados para exercerem a função de “não-lugares”, acabaram por assumir características opostas às pre-vistas inicialmente. É lá que os jovens, principalmente, passam os dias, marcam encontros, concretizam a vida social. Mas, ao mesmo tempo, é em ambientes como esse que pessoas têm antecipado suas mortes. Como se o sentimento de “solidão na multidão” prevalecesse sobre o de identidade relacional, motivando o suicídio.

E Casaqui deixa brechas para esse questionamento ao reconhecer que o shopping “tem posição privilegiada” ao traduzir a tensão cotidia-na da vida moderna.

A tensão entre sonho e realidade, o prazer e a necessidade caracterizam o

espírito do consumismo de nossa época. Diante desse quadro, o Shopping

Center tem posição privilegiada, ao traduzir essa tensão, encravando-se

no imaginário cotidiano, servindo ao entretenimento do fim de semana

e ao escape da rotina semanal, quando abriga os trabalhadores da região

em seu horário de almoço; presta-se ao atendimento de utilidades, e

ao encontro e lazer das pessoas. Apresenta-se como lugar idealizado,

como uma espécie de oásis em meio ao caos urbano, ao mesmo tempo

em que inevitavelmente sofre situações derivadas desse cenário caótico

da metrópole – as disputas por vagas nos estacionamentos; a lotação de

corredores e lojas na proximidade de datas comemorativas como o Natal,

o Dia das Mães etc. Insere-se no ambiente urbano como local público,

de livre acesso, ao mesmo tempo em que possui normas internas e prá-

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ticas de exclusão (simbólica e “real”) que o caracterizam como ambiente

privado8.

Desse modo, dada a relação mantida pelo indivíduo com esse am-biente, não seria de se estranhar a escolha dele para a consumação das mortes voluntárias. Mas além das recomendações da Estratégia Nacio-nal de Prevenção do Suicídio, haveria algo mais a se fazer? No caso do Pátio Brasil Shopping, o estabelecimento deveria ser responsabilizado pelas mortes? Que medidas poderiam ser adotadas para impedir novas ocorrências, sem interferir na estética do lugar e na relação que as pes-soas têm com o ambiente? E, mais do que isso, como o shopping conse-gue seguir normalmente suas atividades, nos dias de ocorrência, como se nada tivesse acontecido?

Foram questionamentos como esses que nortearam o meu estudo de mais de 12 meses sobre o assunto. Embora todos comentem, nin-guém sabe ao certo quantos suicídios foram cometidos no shopping. Os números nunca foram confirmados. Os seguranças do estabeleci-mento, bem como a administração, desconversam quando questiona-dos. E mesmo depois de investigar junto à Polícia Civil, à Secretaria de Segurança Pública, da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, não obtive dados comprobatórios de todas as ocorrências.

Quando, enfim, fui atendido pela gerência de marketing do shop-ping, restava-me ainda uma última esperança. Mas, em pouco mais de 20 minutos de entrevista, tudo o que ouvi foi a garantia do shopping es-tar “seguindo todas as normas de segurança recomendadas pelos órgãos competentes”. E, também, de o estabelecimento não possuir nenhum registro pelo qual fosse possível contabilizar o número de mortes.

2. Mortes no shopping

Já estava no trabalho quando, por volta das 14h do dia 23 de outu-bro de 2007, uma terça-feira, recebi o telefonema de Bianca Fragoso. Ela

8 CASAQUI, 2006, p.39.

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acabara de saber sobre a ocorrência de mais um suicídio no Pátio Brasil Shopping e obtivera informações “preciosas”, como ela mesma definiu.

Entre as 11h15 e 11h30 daquela manhã, um adolescente de 15 anos havia pulado da área externa, no quarto piso, caindo na via pública entre o estabelecimento e o edifício Venâncio 2000. Com a queda, o garoto teria sofrido traumatismo craniano, além de várias fraturas nos membros inferiores.

Após a assistência do Corpo de Bombeiros, o garoto foi levado para o Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF). Mas, devido ao estado em que se encontrava, era pouco provável que sobrevivesse.

A partir daquelas informações, partimos em busca de maiores de-talhes. Por telefone, contatamos o hospital. Porém, informações sobre pacientes poderiam ser fornecidas apenas a parentes e, mesmo assim, só depois de informar à atendente o setor onde a pessoa estaria internada.

Recorremos, então, aos bombeiros. Mais uma vez fomos infelizes na busca. Adiantaram-nos apenas o nome: Jiuliano Santos Dias. Segundo eles, esse era o único dado que possuíam, já que a corporação encarre-gava-se apenas do socorro à vítima, enquanto o registro era de respon-sabilidade da Polícia Civil.

Apesar de pouca, a informação foi importantíssima. Voltamos a ligar para o HBDF e, em contato com a assessoria de comunicação, recebe-mos a confirmação da morte do jovem, registrada às 14h30.

Jiuliano Dias era solteiro e morava em Sobradinho com os pais e os irmãos. Cursava o Ensino Médio e sempre demonstrou ser uma pessoa tranqüila, de muitos amigos e sem problemas aparentes. Tanto que a notícia de sua morte, por suicídio, surpreendeu a todos que o conhe-ciam. Principalmente sua mãe. Clevoneide Bertolino dos Santos chegou a acreditar na hipótese de homicídio. O motivo para isso, segundo a senhora, era o fato de Jiuliano ter sido ameaçado pelo namorado de Morgana, uma amiga da catequese.

Diante da possibilidade de crime, a polícia prolongou as investiga-ções. Agentes da 1ª Delegacia de Polícia, da Asa Sul, deslocaram-se até a cidade onde Jiuliano morava e, em contato com pessoas de convívio do garoto, descartaram a suposição.

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Morgana confirmou ser amiga de Jiuliano e disse nunca ter se rela-cionado com o rapaz fora da sala de aula, quando freqüentavam a cate-quese. Dessa forma, não haveria motivos para o ciúme de seu namorado e, muito menos, para ele ameaçar Jiuliano. Já Renan, melhor amigo da vítima, contou não ter notado variação no comportamento dele e afir-mou desconhecer a suposta ameaça sofrida pelo colega.

No quarto da vítima, os pais encontraram duas cartas de despedida escritas pelo jovem: uma manuscrita, e outra digitada no computador.

Hoje, pouco mais de um ano depois da morte de Jiuliano, os fami-liares ainda evitam comentar o assunto. Procurados por mim no mês de outubro de 2008, a justificativa dada por uma das tias do garoto foi: “É tudo muito triste para a gente. Não é bom ficar relembrando”.

O suicídio de Jiuliano não foi o primeiro a acontecer no Pátio Brasil. Talvez não seja o último. Mas de outubro de 2007 até a data de publica-ção deste livro, passava-se mais de um ano sem qualquer outra ocorrên-cia registrada no estabelecimento.

2.1 Ponto de partida

Referenciais teóricos sobre o suicídio não faltam. Seja na área da sociologia, da psicologia e, até mesmo, da comunicação. Por vezes, o difícil é escolher qual das fontes utilizar. Porém, quando a necessidade é encontrar algum documento, registro, ou testemunha de algum caso real, a dificuldade se torna preocupante. E foi esse o grande obstáculo que tive de enfrentar ao longo de toda a pesquisa. No início, pareceu que seria fácil. Só depois nos demos conta da complexidade do problema.

Tudo começou seis meses antes da morte de Jiuliano, em abril de 2007. Naquele dia, marquei de encontrar-me com Bianca, depois da fa-culdade, para irmos juntos à 1ª DP da Asa Sul, em busca dos boletins de ocorrência dos suicídios do shopping. Estávamos inseguros, com medo do que estava por vir. Pegamos um ônibus e, no caminho, fomos pen-sando no que diríamos. Nos apresentaríamos como repórteres – ambos já trabalhávamos na área – ou estudantes? Gravaríamos a conversa ou apenas faríamos anotações?

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Éramos verdadeiros “focas”. Tanto que acabamos descendo na pa-rada errada e tivemos de caminhar quase um quilômetro e meio para chegar ao lugar certo. Quando, enfim, entramos na delegacia, nos sentí-amos praticamente “Louis e Clark”. Bianca, com o bloquinho em mãos, e eu, com um gravador MP3, observávamos tudo atentamente, para não deixar nenhum detalhe passar despercebido. Era como se estivéssemos em uma grande missão.

Liguei o gravador discretamente, enquanto caminhamos em direção ao balcão de atendimento. Decidimos nos apresentar como estudantes e essa atitude, naquele momento, além de ter sido ética, nos garantiu al-guma atenção especial9. Dissemos o que queríamos e pretendíamos com os boletins de ocorrência (BO). Mesmo assim, o agente que nos atendeu não sabia se poderia nos repassar os documentos.

Por sorte, outra agente facilitou o diálogo com a delegada e, então, tivemos acesso àquela que era a primeira confirmação de suicídio rea-lizado no Pátio Brasil. O caso relatado no BO referia-se ao do dia 01 de março de 2007, aquele que despertou nosso interesse pelo assunto.

A vítima, Leonardo Alves Neves, tinha 27 anos e morava no Núcleo Bandeirante. Naquela manhã, conforme registraram as câmeras do cir-cuito interno de segurança, ele estacionou o carro no subsolo do sho-pping, às 10h19, e, cinco minutos depois, suicidou-se do quarto piso, jogando-se sobre a praça central.

O fato foi comunicado à Central Integrada de Atendimento e Des-pacho (Ciade) da Polícia Civil que, imediatamente, informou à 1ª DP, responsável pelas ocorrências da Asa Sul. Quando os agentes chega-ram ao estabelecimento, os brigadistas já haviam constatado a morte da vítima.

Segundo o pai de Leonardo, o filho, recentemente, passava por acompanhamento médico. Ele apresentava quando depressivo e tomava medicação controlada.

9 Diante da possibilidade de divulgação, nem sempre as fontes querem contribuir com os jornalistas. Outras vezes, porém, acontece o inverso: as informações só são repassadas por causa dessa garantia.

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2.2 A busca continua

Aquele BO nos encheu de expectativas. Já tínhamos como provar pelo menos um caso de suicídio ocorrido no Pátio Brasil Shopping. Mas se eram, possivelmente, oito casos, ainda tínhamos um longo caminho pela frente. E apesar da disponibilidade em ajudar demonstrada pelos agentes na delegacia, a impressão que tivemos foi a de que não conse-guiríamos mais nada ali.

Partimos em uma busca desenfreada por algum policial civil conhe-cido – os famosos QI (quem indica) –, para facilitar na obtenção dos documentos. Um tio apresentou-me um amigo. Ele fazia plantão em um posto policial e ficava sozinho na maioria das vezes. Depois de combi-narmos por telefone, fui até a unidade verificar o que ele podia fazer por mim. Preocupado com a situação – eu estava lidando com informações pessoais e confidenciais –, ele me advertiu sobre possíveis processos que eu poderia enfrentar com aquela pesquisa, e pediu off para repassar os boletins de ocorrência. “Não fale onde, nem com quem conseguiu esses dados”, disse.

Por quase 30 minutos, ele verificou o sistema da intranet e, em se-guida, mandou imprimir uma cópia do arquivo localizado. Por fim, entregou-me apenas um BO, impresso com os últimos mililitros de tinta contidos na impressora. Em letras apagadas, quase ilegíveis, o registro referia-se ao caso mais antigo ao qual teria acesso: a morte de Tânia Re-gina Novelli, em 12 de junho de 2004.

Ela morreu por volta das 17h35 de um sábado, que tinha tudo para ter sido romântico para Dimas Ferreira. Namorado de Tânia, ele a espe-rava em um restaurante, para um jantar de dia dos namorados, quando recebeu a notícia do suicídio. Divorciada e aos 45 anos, a aposentada do Banco do Brasil teria pulado da varanda externa do shopping, no quarto piso, e caído na via pública entre o Pátio Brasil e o Venâncio 2000.

O fato foi informado pela Central Integrada de Atendimento e Des-pacho (CIADE) ao delegado da 1ª DP, que deslocou-se para o local e solicitou a perícia ao Instituto de Criminalística.

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Em depoimento à polícia, testemunhas confirmaram ter visto o mo-mento em que a senhora saltou o parapeito da varanda, mas que foi tudo muito rápido, sem possibilidade de intervenção. Ao cair, Tânia Novelli atingiu um automóvel, estacionado na via por onde é feito o serviço de carga e descarga de mercadorias do shopping.

Segundo os familiares da vítima, Tânia sofria de problemas mentais progressivos e fazia tratamento desde os 15 anos de idade. No boletim de ocorrência, consta que a carioca tinha crises constantes de depressão e violência, razão pela qual foi aposentada do Banco do Brasil.

Até então, dois casos já estavam comprovados: o de Leonardo, den-tro do shopping, e o de Tânia, na área externa. Aparentemente, sem nenhuma relação entre si além de terem sido realizados a partir de um mesmo local. Mas era preciso saber mais. As outras seis mortes teriam sido inventadas pelas pessoas?

Se nas delegacias era impossível conseguir outras informações além daquelas, decidi recorrer a alguma instância superior da Polícia Civil. Para isso, antes, teria de contatar a assessoria de comunicação. E foi o que fiz. Liguei para a Divisão de Comunicação da Polícia Civil do Dis-trito Federal (Divicom/PCDF) e disseram-me ser preciso formalizar o pedido por email.

Na mensagem que enviei, apresentei-me como de costume e expli-quei o objetivo do meu trabalho. Para reforçar o pedido, mencionei a iniciativa do Ministério da Saúde e a importância da imprensa na cons-cientização da população e, conseqüentemente, na prevenção do suicí-dio. Dispus-me, inclusive, a apresentar pessoalmente o meu projeto ao responsável pelos boletins de ocorrência, para deixar clara a seriedade dedicada por mim ao assunto.

Além de enviar o email, a atendente me aconselhou a ligar periodi-camente para o departamento, a fim de acompanhar o trâmite da solici-tação. O primeiro contato aconteceu em 24 de março de 2008. E só três semanas depois obtive alguma resposta.

Ligaram-me dizendo ser impossível ter acesso aos boletins de ocor-rência. Alegaram ser antiético divulgar os dados pessoais e familiares das vítimas, mesmo para fins acadêmicos. Em contrapartida, respondi

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que essas informações não me importavam desde que pudesse verificar o relato dos casos e saber quantos tinham sido no total. Mas não teve jeito. Pediram-me um número de fax e, na tarde de 11 de maio, trans-mitiram-me três tabelas: uma com o número de suicídios cometidos no Pátio Brasil Shopping, entre 2004 e 2008 (ver tabela 2); uma com os da-dos gerais do DF, referentes às mortes voluntárias de 2007, e outra onde constavam os casos ocorridos de janeiro a março de 2008 (23 mortes).

Tabela 4 – Suicídios ocorridos no Pátio Brasil Shopping (2004-2008)

ANO jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez TOTAL

2004 1 1

2005

2006 1 1

2007 1 1 2

2008

Total 1 1 1 1 4

Fonte: DEPO - Bco Millenium 583871

Ao confrontar os dados da tabela referente ao shopping com os bole-tins de ocorrência até então conseguidos, observei que o caso de Tânia Novelli havia sido o único registrado em 2004. Porém, em relação aos suicídios de 2007, as informações apresentavam-se distorcidas. A morte de Leonardo estava lá, no mês de março. Em fevereiro, a tabela indicava a ocorrência de um suicídio anterior naquele ano. Mas o que despertou minha atenção foi o fato da morte de Jiuliano, ocorrida em outubro, não estar situada na célula relativa àquele mês. Ainda não tínhamos posse do BO, mas, por acompanhar o desenrolar daquele caso em específico, tínhamos certeza de sua ocorrência.

Passei a cogitar a idéia de que, talvez, a morte de Jiuliano não esti-vesse representada na tabela por ter sido efetuada do lado externo do estabelecimento. Mas esse não era o caso. Da mesma forma havia sido com Tânia Novelli e seu suicídio estava registrado no respectivo mês de

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ocorrência. Onde estava o erro, então? Na pior das hipóteses, os dados da Divisão de Estatística e Planejamento Operacional (DEPO/PCDF), fornecidos pela Divicom, já me asseguravam a confirmação de quatro suicídios ocorridos no shopping. Dois dos quais ainda precisariam ser identificados.

Com essa intenção, decidi fazer mais uma tentativa na 1ª Delegacia de Polícia. Se nas outras unidades e departamentos da Polícia Civil não era possível conseguir as comprovações, imaginei que somente na dele-gacia responsável pelas ocorrências da Asa Sul, onde localiza-se o Pátio Brasil Shopping, poderia obter o que queria.

Quando cheguei, fui reconhecido e atendido pelo mesmo agente da visita anterior. Mas, dessa vez, ele não pode ajudar. Me encaminhou para o departamento de requerimentos. A responsável pelo setor pediu que eu preenchesse um formulário a ser analisado pelo delegado-chefe. Prometeram entrar em contato comigo depois, para informarem se mi-nha solicitação havia sido deferida.

Passaram-se dias e mais dias sem nenhuma resposta. E quando tentei contato com o setor, não sabiam sequer onde estava o formulário que preenchi.

Enfim, por sorte ou insistência, obtive outros três boletins de ocor-rência, sendo que apenas um deles referia-se às mortes constantes na tabela fornecida pela Divicom. Era o de outubro de 2006, identificado como sendo de Georgina Diogo. Além do dela, somaram-se à lista de ca-sos confirmados o suicídio de David Ayres de Paula, em junho de 2007, e o do já mencionado Jiuliano Dias, em outubro do mesmo ano.

Porém, o caso de fevereiro de 2007, imediatamente anterior ao de Leonardo Neves, continuava desconhecido. Meses depois, saberia que aquela tinha sido a morte voluntária com mais repercussão dentre as realizadas no Pátio Brasil Shopping. Isso porque um freqüentador do estabelecimento filmou a situação e, momentos depois, publicou o con-teúdo na internet10.

10 Menos de um mês após o suicídio, o vídeo já havia sido retirado do You Tube, sítio que per-mite aos seus usuários carregarem, assistirem e compartilharem vídeos em formato digital. Agora, o link de acesso à filmagem (http://www.youtube.com/watch?v=4iGPwgYIEus) nos

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Devido à má definição da imagem e considerando-se a data de pos-tagem do vídeo (março de 2007), acreditava referir-se ao suicídio de Le-onardo. Só ao final da pesquisa, depois de confrontar os dados, conclui ser do caso anterior.

De acordo com a filmagem publicada na rede, o rapaz manteve-se pendurado, por alguns segundos, no parapeito da praça de alimenta-ção. A menos de dois metros, um brigadista tentava dialogar e impedir que ele se jogasse. A intervenção, no entanto, foi em vão. Enquanto a multidão se amontoava, em todos os andares do prédio, para ver o que acontecia, o jovem soltou as mãos e deixou-se cair.

O vídeo não chega a mostrar o momento exato da queda, realizada enquanto o cinegrafista tentava mostrar a aglomeração dos curiosos. Ao se dar conta de que o rapaz havia mesmo pulado, a pessoa que manuse-ava a câmera parece se descontrolar. A imagem, em meio a movimentos inconstantes, passa a focalizar uma superfície vermelha estática. Ouve-se apenas os gritos dos espectadores que, apesar de esperarem pelo sal-to, parecem não acreditar no que vêem. Quando, enfim, a imagem é estabilizada, mostra o corpo já caído no térreo, na praça central.

Imediatamente, brigadistas se aproximam da vítima. E tentam reani-mar os seus sinais vitais enquanto a aproximação da multidão é impe-dida pelos seguranças.

2.3 Um caso oculto

Embora estivesse atento a qualquer boato sobre suicídio ocorrido no Pátio Brasil Shopping, a morte de David Ayres de Paula, no dia 08 de junho de 2007, me pegou de surpresa. Não imaginava ter havido outro caso entre o de Jiuliano, em outubro, e o de Leonardo, em março. E aquilo demonstrava a possibilidade de muitos outros registros terem ocorrido antes de 2004, sem que tivessem chegado ao conhecimento do

remete apenas a uma página com a seguinte mensagem: “This video has been removed by the user” (Este vídeo foi removido pelo usuário). Somente em novembro de 2008 consegui uma cópia do material, disponibilizado por email, depois de localizar, em uma comunidade do Orkut, um internauta que divulgava possuir o vídeo.

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público. Mas, como revelaram os dados da Divicom confrontados com os boletins de ocorrência, só podíamos assegurar a confirmação de seis casos e não oito, como supúnhamos. Não seria essa a prova de que a não divulgação só aumenta a especulação e, conseqüentemente, a distorção dos fatos?

A morte de David, por si só, é repleta de incertezas. O corpo dele foi encontrado na via pública entre os shoppings Pátio Brasil e Venâncio 2000, por volta das 19h45 de uma sexta-feira. Ele estava deitado de bruços, sem vestígios de sangue, mas a presença de manchas arroxeadas ao longo de toda a lateral esquerda do corpo e em algumas regiões da perna direita, segundo os bombeiros, denunciava a ocorrência de forte impacto.

A suspeita de atropelamento, no entanto, logo foi descartada, com base na declaração da atendente de uma lanchonete do edifício Venân-cio 2000. Ela teria ouvido o barulho do impacto de algo caindo no chão. E quando foi verificar, percebeu o corpo de um homem estirado na avenida.

Segundo testemunhas, momentos antes do ocorrido, o rapaz foi vis-to chorando na praça de alimentação. Em seguida, ele teria pulado o parapeito próximo a um restaurante e se jogado em direção ao Pátio Brasil.

O ato foi acompanhado dos gritos de um grupo de jovens que passa-va por ali naquele instante e assustou-se com o que viu. “O rapaz pulou, pulou!”, gritavam.

Em depoimento à polícia, a companheira da vítima, Cristina Bugs, contou que estava à procura de David desde as 9h daquele dia. Na noite anterior, eles haviam combinado de se encontrar em uma agência da Caixa Econômica Federal, no Sudoeste, onde sacariam uma quantia em dinheiro, por volta do horário do almoço.

Como ele não compareceu ao encontro, Cristina passou o resto do dia tentando ligar, sem sucesso, para o celular do namorado. Somente às 20h10 sua ligação foi atendida, porém, por um enfermeiro do Hospital de Base que a surpreendeu com a notícia do falecimento de David.

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Segundo consta no boletim de ocorrência, Cristina negou que ela ou o namorado passassem por problemas financeiros. David tinha 30 anos e trabalhava como técnico orçamentário em uma gráfica em Brasília.

2.4 Uma última tentativa

Naquela manhã de 31 de outubro de 2006 – uma terça-feira –, tudo parecia estar resolvido depois que a ambulância do Serviço de Atendi-mento Móvel de Urgência (Samu) deixou a casa de Georgina Diogo de Assis. A viatura havia sido chamada depois de a senhora de 36 anos ingerir medicamentos em excesso, na tentativa de cometer suicídio. Não era a primeira vez. E talvez sua família soubesse que não seria a última. O que ninguém podia imaginar era que a próxima tentativa se daria na-quele mesmo dia, tão breve se recuperasse do efeito dos remédios.

Sem avisar a ninguém, Georgina saiu de casa, na 114 Norte, em dire-ção à Asa Sul. Levava consigo apenas uma bolsa de tecido. Nela, guarda-va os óculos, um aparelho MP3, os documentos pessoais e vários outros papeis, entre os quais três receitas médicas para antidepressivos.

Por volta das 15h, os brigadistas do Pátio Brasil Shopping tentavam reanimar, sem êxito, os sinais vitais de Georgina. Ela havia pulado do lado norte do sexto andar do prédio, de frente para o Setor Hoteleiro Sul.

Desde o momento em que decidi estudar a não cobertura de mortes voluntárias pela imprensa, sabia que seria uma tarefa difícil me aproxi-mar das pessoas comuns às vítimas. E, desde o início, se fosse o caso, minha intenção era tentar a aproximação, de preferência, pessoalmente. Até pelo objetivo de explicar o propósito de meu trabalho e convencer as pessoas sobre a importância de se discutir o assunto, da forma como fiz para obter os boletins de ocorrência.

Como teste, resolvi tentar pelo menos uma aproximação por tele-fone. E, conforme imaginava, a experiência demonstrou-se um tanto quanto ineficaz. Liguei para a antiga casa de Georgina e tive o telefone desligado na minha cara. Mas aquilo me serviu para entender – ou me acovardar – que nem todos querem falar sobre uma experiência de dor ou de perda.

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Embora mais de dois anos separem a data do suicídio de Georgina Diogo da produção deste livro, a conversa transcrita abaixo demonstra que sua morte ainda pesa sobre os familiares:

Mulher: Alô!

Ailim: Boa noite, com quem eu falo?

Mulher: Quer falar com quem?

Ailim: Meu nome é Ailim Braz, sou da Universidade Católica de Brasília. Não tenho certeza se liguei no número certo, mas...

Mulher: Ah! Você trabalha com o Maurício? – pergunta, entusiasmada, uma voz que aparenta ser de uma jovem por volta dos 17 anos.

Ailim: Não, não...

Mulher: Ah... então é sobre o vestibular?

Ailim:

Não. Também não. Como eu disse, sou da Universidade Católica de Brasília, mas estou ligando para confirmar se esse número é de al-gum parente ou alguém que era ligado à senhora Georgina Diogo.

Mulher: É sim. É da casa de minha tia e minha avó - responde menos em-polgada, mas ainda curiosa em saber o porquê da ligação.

Ailim:

Eu estou ligando porque nós estamos realizando um estudo sobre os suicídios ocorridos no Pátio Brasil, de modo a conscientizar as famílias e evitar novos casos. Quem poderia conversar comigo sobre isso?

Mulher:

Olha, tem milhares de outras pessoas com quem você pode falar. É só você ir à delegacia e pedir para um dos agentes, que eles te dão o boletim de ocorrência com os contatos das pessoas – res-ponde, agora apreensiva.

Ailim:

Sim. Na verdade nós estamos contatando os familiares de todas as vítimas. Inclusive a da Georgina. Alguém aí poderia falar sobre isso?

Mulher: Não. Minha vó não se sente bem e, também, não gosta que a gente fale sobre isso.

Ailim: Mas, além dela, não teria alguma outra pessoa?

Mulher: Não. A gente não quer se envolver com esse tipo de coisa, não.

Telefone: Tum, tum, tum, tum...

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Ailim Oliveira Braz Silva 101Parte III – Caso Pátio Brasil

A partir aquele diálogo, passei a questionar se valeria a pena insistir para falar com as famílias das vítimas. Talvez devesse, para atender às necessidades de meu estudo. Talvez não, por realmente estar invadin-do a particularidade dos outros. E, ao refletir sobre o tipo de jornalis-mo que gostaria de fazer na vida, optei por respeitar a vontade de não quererem pronunciar-se. A maioria das informações apresentadas aqui, sobre as vítimas de suicídios ocorridos no Pátio Brasil Shopping, foram baseadas nas declarações fornecidas pelos boletins de ocorrência.

3. “Estamos dentro das normas”

Uma das maiores expectativas ao longo da pesquisa era conseguir entrevistar algum representante do Pátio Brasil Shopping. Nas poucas reportagens veiculadas sobre o suicídio e nas quais os casos do estabe-lecimento eram citados, nunca a administração tinha se pronunciado. Na matéria Prevenir é o melhor remédio, de Karina Gomes Barbosa11, por exemplo, o shopping teria se limitado a dizer que os “casos isolados [...] são impossíveis de serem previstos e difíceis de ser impedidos”, mas que estavam tomando “todas as iniciativas cabíveis para restringir situações de risco pessoal ou coletivo”.

Segundo a reportagem, uma sétima morte, além das que já men-cionamos, teria sido registrada em novembro de 2006, sendo os dois suicídios posteriores – o de fevereiro e março de 2007 – resultados de imitação, conforme definiu o psicólogo Marcelo Tavares. Ele, que co-ordena um grupo de apoio na Universidade de Brasília (UnB) acusa o shopping de estar sendo um “coadjuvante omisso”, quando “deveria ter tido o comportamento exemplar de criar uma barreira [...] capaz de, se não impedir, desestimular o suicida”.

Marcelo refere-se à recomendação feita pela Defesa Civil, durante uma consulta informal ao estabelecimento. Naquela ocasião, segundo a jornalista Karina Gomes Barbosa, os técnicos do órgão sugeriram a

11 BARBOSA, Karina Gomes. Prevenir é o melhor remédio. Jornal Hoje em Dia: Caderno Brasília. DF Nº 524, p. 10 e 11, 20 a 26 mai 2007.

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construção de uma parede de vidro sobre os parapeitos do vão central do shopping. A proteção teria “cerca de 1,80m e curva na ponta, capaz de impedir novas tentativas e, ao mesmo tempo, sem agredir a estética do Pátio. A administração pediu um mês para analisar o estudo e cha-mar novamente os técnicos”12. Porém, até o momento, nada foi feito.

Embora achasse pouco provável ser atendido pelo shopping em rela-ção àquele assunto, não desisti. Vinha tentado contato desde o início da pesquisa, mas só consegui uma entrevista depois de meses de espera.

Na última tentativa, voltei ao Pátio Brasil e dirigi-me à administração. Perguntei onde funcionava a assessoria de comunicação, mas a atenden-te informou não ser ali e que o atendimento só poderia ser realizado por telefone. Sorridente, ela pegou um pedaço de papel reciclado onde anotou o número telefônico. Sobre ele, escreveu “acessoria”. “Você vai falar com o Cláudio”, disse, acrescentando o nome ao papel.

Liguei para a assessoria no mesmo dia. Mas a imprecisão da atenden-te não era apenas no português. Cláudio, na verdade, não existia. Fui atendido por Cláudia, a quem, mais uma vez, apresentei-me e expliquei meus objetivos. Na verdade, ocultei a parte de que o Pátio Brasil era o foco dos meus estudos sobre suicídio. Disse apenas que analisava casos registrados em lugares públicos, o que não deixava de ser verdade.

Depois de ouvir-me, a assessora falou aquele velho discurso: “divul-gar suicídios é antiético. Tem uma lei que proíbe isso”. Concordei com ela, tentando uma aproximação, ao mesmo tempo em que afirmei ser justamente esse o meu objetivo: concluir porque seria impróprio tratar do assunto.

No começo, ela tentou dar sugestões para minha pesquisa. “Por que você não aborda os suicídios da rodoviária? Também tem os da Torre de TV13, você sabe, não é?”, disse. De certo, sabia. Mas não me interessava.

12 Ibid., p. 10.13 Segundo a reportagem Prevenir é o melhor remédio, de Karina Gomes Barbosa, “A Torre de

TV gradeou o mirante depois de mais de 20 casos em 30 anos. Há outros locais públicos atingidos, mas segundo Luiz Villas, coordenador de divulgação do CVV [Centro de Valo-rização da Vida], ‘o mais vulnerável é mesmo o Pátio’”.

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A assessora também duvidava que alguém pudesse me atender para falar sobre os suicídios, mas se comprometeu a fazer o possível para ajudar. Antes, tive de formalizar o pedido por email. Em 20 linhas, resu-mi os objetivos de minha pesquisa, adiantei algumas perguntas e ainda apresentei um panorama da relação da imprensa com o suicídio e a necessidade de se conscientizar a população sobre o tema. Segundo a assessoria, a solicitação seria repassada para a administração do shop-ping. Em seguida, seria analisada pelo grupo proprietário da rede, em São Paulo, e só então, me dariam alguma resposta.

Quinze dias depois – ligava todas as manhãs para saber se havia alguma novidade –, enfim, recebi um telefonema da assessoria agen-dando, para a manhã seguinte, uma entrevista por telefone com o ge-rente de marketing do shopping. Ele havia sido a pessoa indicada para atender-me.

Liguei pontualmente às 11h, conforme combinado, sendo atendido por Renato Horne. Ele desculpou-se pela demora em agendar a conver-sa e negou a possibilidade de nos falarmos por outro meio. O ideal seria pessoalmente, no próprio Pátio, mas o gerente disse estar tomando as providências para o shopping receber uma certificação14 e que, por isso, não teria muito tempo.

Funcionário desde a inauguração do centro de compras, em 1997, Horne afirmou desconhecer o número exato de mortes ocorridas no Pátio Brasil. Segundo ele, o assunto é “febre” na internet, entre os ado-lescentes, e, na maioria das vezes, é transformado em lendas urbanas. Não que ele quisesse desmentir os suicídios, mas afirmar que a reper-cussão na web acaba por multiplicar o número de casos que realmente aconteceram. “As pessoas passam a impressão de que existe um número absurdo de suicídios. Mas isso não é verdade. E em termos percentuais, comparado ao fluxo de freqüentadores do shopping, o número de ocor-rências é uma coisa ínfima”, disse.

14 Segundo Horne, tratava-se da certificação ISO 14001, referente a ações de consciência ecológica promovidas pelo shopping.

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Embora a distorção dos fatos possa ser encarada como uma con-seqüência da não divulgação oficial das mortes, o gerente dá “graças a Deus” pelo assunto não ser abordado pela imprensa. Segundo Horne, a estimativa de público visitante é de 50 mil pessoas por dia. E isso, por si só, já descarta qualquer necessidade de cobertura jornalística. “Esse número é maior que a audiência de muitas rádios e do que a tiragem de muitos jornais por aí. Querendo ou não, os comentários se espalham. E todas as autoridades que consultamos disseram para não levantar-mos esse assunto mais do que já é levantado. Tem pessoas perturbadas que podem ser sensibilizadas a seguir o exemplo das outras”, afirmou, exemplificando com o que chamou de “efeito da Marilyn Monroe”.

Para Horne, o fato de o estabelecimento estar localizado em uma das regiões centrais e mais movimentadas de Brasília, acentua a possibilida-de de suicídios por imitação e, conseqüentemente, a responsabilidade do estabelecimento em relação à segurança das pessoas. “Os shoppings, hoje, podem ser entendidos como as praças públicas da vida moderna. E são em lugares como esse que as pessoas tentam tornar públicas as suas decepções, as suas frustrações. Supostamente, elas querem reper-cussão para os seus sentimentos”, afirma o gerente, tentando explicar o motivo da escolha do Pátio Brasil como palco de suicídios.

Durante toda a entrevista, Horne fazia questão de frisar que o sho-pping estava de acordo com as normas de segurança e seguia todas as orientações fornecidas por especialistas e departamentos, como a polí-cia e o corpo de bombeiros. A atitude de não se falar sobre o assunto, te-ria sido uma delas. Porém, quando questionado sobre a recomendação da Defesa Civil, de se erguer a parede de vidro sobre os parapeitos, ele não soube responder direito. “Já foi tudo pensado, tudo estudado. Nós seguimos quem entende e quem manda no assunto. Eu não sei dizer se tem previsão. O que eu posso dizer é que tudo é feito de acordo com o que tem de ser feito”, disse.

Embora tenha insistido na afirmação de que o shopping segue todas as normas técnicas, estruturais e de segurança, Horne não soube espe-cificar que normas seriam essas, nem detalhar as atitudes que estariam sendo adotadas para impedir novas ocorrências. Perguntado sobre o

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número efetivo de brigadistas, vigias e câmeras do centro de compras, e se a quantidade de seguranças havia sido ampliada depois dos primeiros suicídios, o gerente não respondeu. Alegou não poder dizer, justamen-te, por colocar em risco a seguridade do shopping e de seus freqüenta-dores. Disse apenas que os homens foram remanejados para os pontos mais críticos, como forma de fiscalizar e identificar pessoas com com-portamento suspeito de inclinação ao suicídio.

3.1 Números inexpressíveis

Como forma de descentralizar o foco do Pátio Brasil para outros sho-ppings onde o suicídio também é realizado, Horne mencionou o Eldora-do, em São Paulo, como sede do último caso que tivera conhecimento.

De fato, mortes em centros comerciais têm sido cada vez mais fre-qüentes. Em cinco anos, o shopping Aldeota Expansão, no Ceará, regis-trou quatro casos. E em resposta ao jornalista Plínio Bortolotti, do jornal cearense O Povo, em 2005, a assessoria de imprensa do estabelecimento afirmou: “‘A estrutura física está de acordo com a legislação aplicável. Além disso, o shopping Aldeota realiza, periodicamente, treinamento de seus fiscais de piso, que estão orientados a abordar pessoas que demons-trem algum sinal de transtorno, contrariedade, choro ou mesmo triste-za, identificação feita com auxílio de um sistema interno de TV’”15.

Em contato com a Associação Brasileira de Shopping Centers16 (Abrasce), em novembro de 2008, questionei sobre os números de sui-cídios ocorridos nesse tipo de estabelecimento. Recorri à entidade por ela trabalhar com o “levantamento e análise de informações referentes ao setor”17 e monitorar “os grandes números da indústria de shopping

15 BORTOLOTTI, Plínio.Voz dos ouvidores. In: Observatório da Imprensa. 22 nov. 2005. Dis-ponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=356VOZ003>. Acesso em: 20 nov. 2008.

16 A Abrasce é a entidade que representa oficialmente o setor no País, reunindo 367 centros de compras associados.

17 VIANNA, Mônica. Pedido de entrevista [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 23 out. 2008.

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centers”18. Em resposta enviada por e-mail, a gerente de relacionamento da Abrasce, Mônica Vianna, disse que o tema de minha pesquisa tinha “números inexpressíveis” e que, por isso, não eram do conhecimento da organização.

4. Informações distorcidas

Embora os suicídios do Pátio Brasil Shopping sejam bastante aborda-dos na internet, é por meio dos comentários informais, conforme afirma o gerente de marketing Renato Horne, que o assunto chega ao conhe-cimento da população. A confirmação eu obtive de depois de aplicar questionários de opinião junto aos freqüentadores do centro de com-pras. A pesquisa ouviu cem pessoas (58 mulheres e 42 homens), e mais da metade disse ter sabido das ocorrências por meio de amigos. Mas nem por isso a repercussão do assunto na web deve ser desconsiderada. Em segundo lugar na pesquisa, vídeos e comunidades do Orkut e do You Tube foram mencionados em 19% das respostas válidas.

A pesquisa foi realizada entre os dias 10 e 24 de outubro de 2008, no Pátio Brasil Shopping e na Universidade Católica de Brasília, com pessoas de idade entre 13 e 59 anos, na seguinte proporção:

Gráfico 4 – Faixa etária dos entrevistados

18 Ibid.

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Para a coleta das informações, foi utilizado um questionário de 17 perguntas, das quais 15 consideravam respostas objetivas e de múlti-pla escolha. As demais eram abertas, permitindo ao entrevistado ex-por a opinião da forma que melhor entendesse. Dos entrevistados, 48% possuíam ensino superior completo ou em curso, 42% o ensino inter-mediário (Ensino Médio completo ou em andamento) e apenas 10% enquadravam-se no nível básico, referente ao ensino fundamental.

A análise dos dados revelou a participação de entrevistados das di-ferentes regiões administrativas do Distrito Federal. E embora se acre-ditasse ser do Plano Piloto e regiões vizinhas os freqüentadores mais constantes do estabelecimento, a pesquisa mostrou que as cidades de Águas Claras, Brazlândia, Ceilândia e Taguatinga, juntas, eram respon-sáveis por 30% da amostra. Enquanto isso, os Lagos e Asas Norte e Sul, o Sudoeste e o Cruzeiro correspondiam a 20% dos entrevistados, segui-dos dos moradores do Recanto das Emas, Riacho Fundo e Samambaia, com 15% de representação.

Gráfico 5 – Distribuição por cidades

De todos eles, 42% disseram ir ao Pátio Brasil Shopping com muita freqüência (pelo menos uma vez por semana), 36% afirmaram ir de uma

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a duas vezes por mês, e os outros 22% contaram freqüentar o estabele-cimento raramente, de uma a duas vezes por ano.

Mas o objetivo principal da pesquisa era identificar o que os fre-qüentadores do shopping sabem e pensam sobre os suicídios cometi-dos no estabelecimento, e de que forma eles tiveram conhecimento das ocorrências.

Conforme esperávamos, apenas 7% dos entrevistados não sabiam da ocorrência das mortes e ficaram surpresos com o estudo. Entre os 93% restantes, as formas de acesso à informação sobre os suicídios variavam. Como para esta questão era permitido selecionar mais de uma opção de resposta, chegamos ao total de 140 válidas. Dessas, 11% alegaram ter visto pessoalmente a vítima suicidando-se ou, pelo menos, a movimen-tação dos bombeiros e brigadistas em socorro aos suicidados.

A mídia impressa e audiovisual também foi mencionada em 12% das marcações. Segundo os relatos, notas rápidas em telejornais locais, no dia de algumas ocorrências, teriam informado apenas que “por volta de certo horário, determinada pessoa havia se suicidado do Pátio Brasil Sho-pping”, sem apresentar os detalhes ou mencionar qualquer serviço de apoio às populações de risco. Nos jornais não teria sido diferente. Já a in-ternet, com 19%, só perdeu para os comentários informais, citados como a principal fonte de divulgação dos suicídios por 52% das respostas.

Os resultados tornam-se curiosos quando analisamos o que as pes-soas sabem ou imaginam sobre as pessoas suicidadas no shopping. Não há consenso. Para 35% dos entrevistados, o Pátio Brasil teria sediado até duas mortes voluntárias. Trinta por cento acreditavam estar entre três e quatro o número total de vítimas. E somente 35% dos ouvidos chega-ram perto do número real de casos, ao estimarem em mais de quatro o número de registros suicidas.

Quanto aos prováveis motivos que teriam levado as pessoas a sui-cidarem-se no centro de compras, a depressão e os distúrbios mentais foram apontados por 38% do total de respostas, seguidos dos pro-blemas amorosos, com 28% dos votos. As demais opiniões sobre as causas das mortes voluntárias dividiram-se conforme apresentado do gráfico a seguir.

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Gráfico 6 – Motivos pelos quais as pessoas suicidaram-se

A pesquisa também levantou o perfil das vítimas imaginado pelo pú-blico freqüentador do Pátio Brasil Shopping. Em relação à faixa etária, a maioria das opiniões (54%) situou em menos de 20 a idade das pessoas suicidadas, ao passo que seriam os homens (com 41%) os responsáveis por grande parte das ocorrências. As demais respostas dividiram-se en-tre os 22% que citaram as mulheres como protagonistas dos casos e os 28% que afirmaram haver um equilíbrio de sexo entre as mortes, além dos 9% que preferiram não opinar.

A distorção do que as pessoas sabem em relação ao que realmente aconteceu também é percebida na definição do local de onde as pessoas teriam se jogado. Enquanto apenas duas das seis mortes comprovadas ocorreram dentro do Pátio Brasil Shopping, este local foi indicado por 66% das respostas19, sendo que apenas 26% dos entrevistados20 consi-deraram a hipótese de ter havido suicídios tanto dentro como fora do estabelecimento.

19 Das 100 respostas pesquisadas, 71 dividiram-se entre as opções “apenas dentro do shop-ping” ou “apenas fora do shopping”, sendo que 47 delas (ou 66%) optaram pela primeira alternativa. Nesse caso, consideramos o total 71 como hum inteiro (100%).

20 Considerando-se o total de 100 entrevistados.

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As perguntas subjetivas, por sua vez, questionavam como teriam ocorrido os suicídios no shopping, e por que a veiculação de notícias relacionadas ao assunto deveria ou não ser proibida. As respostas foram das mais variadas. Segundo os depoimentos, uma pessoa teria caído sobre a pista de patinação no gelo. Outra teria se jogado, mas, caindo sobre o toldo de uma tenda instalada no hall de entrada do estabeleci-mento, sofreu apenas ferimentos leves. Alguns relatos afirmaram, ain-da, ter ouvido comentários sobre “suicídios acidentais”, no qual algum funcionário do shopping teria se desequilibrado durante a manutenção das escadas rolantes. Enquanto outros descreveram os casos de morte voluntária no shopping como sendo uma “prática comum” dos emos.

E as versões para as mortes não param por aí. Uma das vítimas teria caído sobre a fonte próxima do elevador panorâmico, e a água, verme-lha de sangue, continuou sendo jorrada durante boa parte do dia. Mas é em torno do suposto suicídio de uma mulher grávida e com câncer que as histórias assumem variações, por vezes, surpreendentes. Ela teria se jogado da área externa do shopping e, além da gravidez e da doença, sua morte teria sido motivada por uma briga com o namorado.

Alguns completam, dizendo que o desentendimento da vítima com o namorado teria sido pelo fato do rapaz ser casado e não querer assumir a paternidade. E ainda há quem distorce ainda mais a versão, afirmando que a garota se jogou depois de encontrar o namorado com outro ho-mem. Isso quando, segundo os depoimentos, não foi o pai da criança que teria se jogado após comprovar a traição da companheira.

Mas se tem um aspecto no qual as opiniões sobre as mortes foram quase um consenso, é em relação ao tempo de socorro às vítimas. A maioria dos entrevistados situou entre cinco e 30 minutos o tempo de atendimento dos brigadistas e bombeiros, sendo que o final da tarde e o início da noite foram citados como o período do dia de maior incidência das mortes.

Já em relação aos casos registrados no interior do Pátio Brasil, a maioria dos relatos praticamente descreve o vídeo publicado no You Tube. Depois da vítima pendurar-se do lado de fora do parapeito e des-pertar a atenção do público, um brigadista teria tentado dissuadi-la.

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Como a tentativa teria fracassado, o corpo, já caído no térreo, foi cober-to pelos seguranças que, ao mesmo tempo, fazia o possível para afastar os curiosos.

Sobre a proibição da veiculação de notícias sobre as mortes voluntá-rias, 76% dos entrevistados demonstraram-se contrários à idéia, embora 54% afirmem que a divulgação do suicídio pode motivar a ocorrência de novos casos. A justificativa, segundo eles, é que a informação é pu-blica e qualquer proibição à imprensa seria uma demonstração de cen-sura. Além disso, a noticiabilidade do assunto é entendida, pela maioria das pessoas ouvidas, como uma forma de conscientizar a população.

A seguir apresento, resumidamente, alguns dados sobre os casos de suicídio registrados no Pátio Brasil Shopping, confirmados pelos bo-letins de ocorrência confrontados ao vídeo postado na internet e aos relatos obtidos ao longo da pesquisa:

Tabela 5

Número de casos confirmados de 2004 a 2007: 6

Sexo

Hom

ens

4

Idad

e

Abaixo de 20 anos: 1

Entre 20 e 40 anos: 3

Mul

here

s

2Acima de 40 anos: 1

Idade não identificada: 1

Local da ocorrência em relação ao estabelecimento:

Área externa: 4 Área interna: 2

5. Orkut: onde o caso repercute

Não poderia terminar o livro sem antes voltar a discutir a reper-cussão dos suicídios do Pátio Brasil Shopping na Internet. É lá que, em meio a comunidades virtuais como as mencionadas no início do capítulo 3.1, a distorção das informações é ampliada, bem como muitos dos preconceitos que rondam o assunto. E não é difícil encontrar algum

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exemplo. Basta digitar “suicídio no Pátio Brasil” em qualquer sítio de busca ou de relacionamento, que uma lista enorme de citações aparece na tela do computador.

Foi o que fiz no Google, no Orkut e no You Tube. E em todos eles, além das hipóteses mais surpreendentes levantadas para relatar os sui-cídios, era comum identificar referências discriminatórias aos Emos21, como sendo eles as únicas vítimas suicidadas naquele shopping.

A palavra “emo” é usada atualmente para denominar a tribo de ado-lescentes entre 11 e 20 anos, que “misturam roupas pretas com estam-pas de desenho animado, botas punk, tênis rosa, colar de bolas, camisas justas, possuem longas franjas e pintam os olhos”22. Eles também têm como diferencial a linguagem. “Esses adolescentes falam sempre no di-minutivo, trocam letras em conversas via Internet e chamam as amigas de ‘maridas’”23. Além de não se importarem de ser emotivos, darem “de-monstrações explícitas de carinho”24, aceitarem a “opção sexual do ou-tro sem preconceitos”25 e agirem sem diferenciação de comportamento por sexo, ou seja, meninos e meninas agem e comportam-se de forma parecida.

Os emos choram ouvindo músicas que falam de amores perdidos e rejei-

ção dos pais [...] Meninos e meninas se beijam, se abraçam em público,

seja com pessoas do sexo oposto, seja com as do mesmo sexo [...] Bater

é altamente reprovável entre os emos. Meninas e meninos usam rosa [...],

21 “O nome vem de emotional hardcore, vertente do punk que mescla som pesado com le-tras românticas. Esse gênero intitulado de emocore surgiu em Washington, nos Estados Unidos, na década de 80, para denominar bandas com batidas pesadas, mas com letras introspectivas que falavam de sentimentos.” (FERREIRA, Aletéia; RIGO, Paula; VIEIRA, Josiany F.. Emos: o Resgate da Moda Romântica através dos Blogs. In: CONGRESSO DE ESTUDANTES DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO DO RIO DE JANEIRO, 1., 2006, Rio de Janeiro: UFRJ. Disponível em: <http://www.tamanduadesign.com.br/publi-cados/emos.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2008. p. 4.)

22 FERREIRA, Aletéia; RIGO, Paula; VIEIRA, Josiany F. loc. cit.23 FERREIRA, Aletéia; RIGO, Paula; VIEIRA, Josiany F. loc. cit.24 COTES, Paloma. Ser emo é... Revista Época, São Paulo: Editora Globo. Disponível em:

<http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT1124406-1664-3,00.html>. Acesso em: 24 nov. 2008.

25 Ibid.

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cabelos lisos com enormes franjas no rosto. Usadas somente de um lado,

denotam certa ambigüidade sexual26.

Desse modo e por constituírem parte do público freqüentador do shopping, logo os emos passaram a ser “metralhados” em vários de-poimentos divulgados na internet. E embora o perfil das vítimas – pelo menos as identificadas na pesquisa – seja completamente diferente do assimilado aos emos, são eles que continuam a receber a má fama de “suicidas”.

Só no Orkut, existem 46 comunidades virtuais dedicadas ao Pátio Brasil Shopping. Dessas, oito fazem referência aos suicídios em seus nomes, sendo que duas delas mencionam os emos em sua descrição. É o caso da comunidade “Patio Brasil, Emos e SuicidasXD”27 e da “Emo Jump Pátio Brasil”28. Juntas elas reúnem 55 membros. A primeira chega a afirmar a ocorrência de uma morte por dia no estabelecimento. En-quanto a outra, ironiza os saltos realizados a partir do quarto piso como sendo uma versão do bungee jump29. A descrição define a prática como “geralmente” realizada “por EMOS” e adverte para o fato de poder ser feita uma única vez, mas com a possibilidade da pessoa ficar famosa e ganhar “varios [sic] videos [sic] na net”.

26 Ibid.27 ORKUT. Patio Brasil, Emos e SuicidasXD. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main

#Community.aspx?cmm=29804931>. Acesso em: 24 nov. 2008.28 ORKUT. Emo Jump Pátio Brasil. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Community.

aspx?cmm=32386583>. Acesso em: 24 nov. 2008.29 Ato de saltar de um lugar elevado preso por um cabo elástico de segurança.

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Em um dos comentários publicados na página, uma internauta res-ponde à outra:

Devido ao anonimato permitido na internet, em meio a verdades e mentiras, todos dizem o que querem. E entre o cômico e o dramático, os comentários são os mais variados, dando a impressão de que os sui-cídios são uma banalidade.

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Embora a maioria das comunidades e dos depoimentos seja irônica, é possível encontrar quem defenda os fóruns de discussão como uma forma de chamar a atenção para o problema e para conscientizar a po-pulação. É o caso da estudante Juliana Ferreira, de 19 anos. Dona da “Proteja-se no Pátio Brasil30”, comunidade de maior número de partici-pantes no Orkut, ela alega ter criado o espaço por estar indignada com a situação. “Foi uma forma de protesto com um pouquinho de humor negro, admito. Mas acho que por uma boa causa. Quero mostrar a quem quer se suicidar que isso é uma idiotice. Há maneiras melhores de resol-ver os problemas”, afirma.

Para isso, desenvolveu uma comunidade baseada em anúncio publi-citário, onde é colocado à venda um “super guarda-chuva” denominado “ultra plus mega advance guarda-chuva anti suicidas pationais”. Trata-se de um guarda-chuva em cuja estampa aparece os dizeres: “Por favor, não pule aqui”. Para completar a “brincadeira”, ela lança as enquetes:

30 ORKUT. Proteja-se no Pátio Brasil. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=29764405>. Acesso em: 24 nov. 2008.

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A estudante acredita que a divulgação pode influenciar na decisão da pessoa em se matar, mas nem por isso é a favor da proibição de no-tícias sobre o assunto. Segundo ela, o que se deve fazer é tratar o tema com seriedade e colocar em práticas ações concretas de prevenção às mortes no shopping. “A administração deveria se sentir mais preocupa-da com o assunto. Nada foi feito para promover a segurança lá. Nada, que eu digo, é esteticamente falando. Porque só colocar seguranças que ficam olhando para as meninas passando não adianta muita coisa”, indigna-se.

Tanto quanto a suposta omissão do estabelecimento, as especula-ções também incomodam a criadora da comunidade. “Muita gente fala de um jeito muito preconceituoso e sempre relacionando os suicídios aos emos. Isso é um equívoco. Ninguém sabe como eram as pessoas que pularam. O que a gente sabe é sempre fofoca, especulação. Para quem presencia o fato deve ser traumatizante. Mas para quem não es-tava lá, vira piada”, desabafa.

Juliana Ferreira encontra apoio na comunidade “Pátio Brasil – Basta de Suicídio!”. Dedicada a quem “não agüenta mais a notícia de que mais um se suicidou” 31 e diz “temos que lutar para q tomem providencias”32. Em meio a tantas hipóteses fantasiosas, um depoimento anônimo che-ga próximo à verdade de um dos casos33:

31 ORKUT. Pátio Brasil – Basta de Suicídio!. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main #Community.aspx?cmm=28513117>. Acesso em: 24 nov. 2008.

32 Ibid.33 Seria esse o suicídio de Leonardo Alves Neves, em março de 2007?

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Ailim Oliveira Braz Silva 117Considerações finais

Para o estudante Emanuel Santos, 21 anos, dono da comunidade “A maldição do Pátio Brasil”34, mais do que ser motivado por problemas mentais e depressão, os suicídios ocorridos no shopping estão relacio-nadas a uma vontade da vítima em aparecer ou, pelo menos, de ser ouvida. A irmã de Emanuel presenciou uma das ocorrências e, segundo ela, a vítima teria gritado, repetidas vezes, que iria se matar. Em deter-minado momento, pareceu até ter se arrependido de pular o corrimão. Mas ao ver a multidão se amontoando, soltou-se.

“Acho que muitas das vítimas chegam a pensar em voltar atrás. Mas ficam envergonhadas pelo alarde que provocam e acabam se jogando. Em minha opinião, quem quer se matar mesmo não vai para o meio de um shopping”, afirma Emanuel Santos. Ao contrário de Juliana Ferreira, a curiosidade em saber mais sobre os casos foi o único motivo que o levou a criar a comunidade.

34 ORKUT. A maldição do Pátio Brasil. Disponível em: <http://www.orkut.com.br/Main# Community.aspx?cmm=27839118>. Acesso em: 24 nov. 2008.

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Amor e gosto pela vida. É com esses sentimentos que chego ao final deste livro. E se algum dia, por acaso, eu pensei em parar de respirar, em fechar os olhos para nunca mais abrir, em desistir dos sonhos, de tudo e de todos, agora, mais do nunca, sei que nada se compara a poder viver. A acordar pela manhã e saber que eu existo. Que o mundo existe. E que, por mais que os problemas me sobrecarreguem, todos me virem as costas, ou todos me batam à porta para cobrar, assim como a vida, tudo é passageiro. Passageiros somos nós nessa vida. Passageira como pode ser a felicidade, mas, também, como podem ser as tristezas.

Para que desistir se posso enfrentar? Para que dar fim, se posso reco-meçar? Para que me fechar, se me abrindo posso abraçar? Abraçar e ser abraçado por pessoas que antes não faziam parte de minha vida vazia, mas que, agora, e justamente por poder ter vivido e não desistido, as pude encontrar. E ao encontrá-las, dei sentido ao viver.

Estaria sendo simplista e de nada teria me valido este estudo se enca-rasse o viver e o morrer basicamente como uma decisão livre da pessoa. Como vimos, as causas do suicídio podem ser entendidas como a jun-ção de uma série de fatores, sejam psicológicos, emocionais, econômi-cos, sociais. Somos todos iguais e, ao mesmo tempo, todos diferentes. E essa diferença aumenta ainda mais quando consideramos a nossa mente, a nossa imaginação, os nossos pensamentos. Dificilmente sabe-mos o que se passa na cabeça das pessoas, mas podemos fazer o possível para tentar entendê-las.

O suicídio pode ser evitado. As pessoas, por vezes, apresentam si-nais. E nada pode ser mais eficiente para evitar a morte de alguém do que dar-lhe atenção. Ouvir suas angústias. Seus problemas. Ouvir o que a pessoa tem e quer nos dizer. Mostrar-nos não como intrusos, mas como parceiros. Fazer a pessoa sentir-se importante para ela, para nós, para o mundo.

E não é deixando de ler ou escrever sobre o suicídio nos jornais que iremos reduzir as taxas de mortes voluntárias. Pelo contrário, é dando voz ao assunto. Quebrando as barreiras do silêncio. Fazendo as pessoas se atentarem aos sinais. Apresentando alternativas para o tratamento. Divulgando os centros e serviços de apoio. É preciso entender, mas não

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aceitar que os suicídios existem e são inevitáveis. Devemos, sim, aceitar que eles têm prevenção.

Quantos casos de violência contra a mulher e contra as crianças já vimos noticiados nos jornais? Quantos homicídios, estupros roubos dei-xaram de ser veiculados pela mídia? Crimes como esses não envergo-nham e revoltam a sociedade? Então por que eles continuam a ocupar espaço nos noticiários, nas novelas, nos filmes, nas músicas?

Reportagens sobre roubos são acompanhadas de dicas de segurança e do número da polícia. Reportagens sobre abuso sexual apresentam, pelo menos, o telefone do disque denúncia. O que faz do suicídio, en-tão, um assunto não noticiável, se as pessoas também precisam saber a quem recorrer em situações de risco?

O suicídio, assim como uma morte por acidente, ou talvez mais, é doloroso para quem fica. Mas essa dor pode ser usada pela imprensa para conscientizar as pessoas com inclinação à morte voluntária. Ao ver o sofrimento deixado por uma vítima suicida à sua família e aos seus amigos, a vida pode falar-lhe mais alto e fazê-lo desistir da morte.

Mas para isso, é preciso evitar exageros. A descrição detalhada do suicídio deve ser evitada. As cartas de despedida só aumentam o sensa-cionalismo. Já a referência aos serviços de apoio, essa sim é fundamental e obrigatória.

Motivos suficientemente concretos que proíbam a noticiabilidade de sui-cídios, não existem. Ao contrário do que muitas pessoas alegam, não há lei ou código de conduta que impeça a abordagem do assunto pelo jornalista.

Agora, se a justificativa é o fato de reportagens sobre o suicídio po-derem resultar na ocorrência de mortes voluntárias por imitação, até Durkheim estaria de acordo. Mesmo assim, o que a pessoa copiaria seria o método utilizado no suicídio anterior. Mas, conforme o sociólogo afir-ma, a influência ocorre apenas sobre quem já está decidido a se matar, sem que as taxas de suicídio sejam alteradas. Ou seja, sem que se possa temer uma espécie de “surto ou epidemia”1 de mortes voluntárias.

1 Os termos apresentam-se entre aspas por serem considerados impróprios pela Organiza-ção Mundial da Saúde (OMS).

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Ailim Oliveira Braz Silva 123Considerações finais

Desse modo, diante do número de casos registrados no shopping, entenderíamos o cuidado da administração ao evitar levantar o assunto. Medidas estruturais, de fato, não foram implementadas para evitar os suicídios. Mas percebemos uma maior fiscalização por parte dos segu-ranças que, agora, abordam as pessoas quando elas permanecem próxi-mas e inclinadas sobre os parapeitos. O acesso à área externa do Pátio Brasil, porém, continua fácil. Sendo possível sair para a varanda do esta-belecimento sem ser percebido pelos homens e câmeras da segurança.

Por outro lado, a desinformação continua sendo um problema. Nada justifica a omissão da imprensa. Afinal, o problema não é noticiar, e sim, a forma como se noticia.

A informação é livre, conscientiza e também educa.

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Ailim Oliveira Braz Silva 131Referências e anexos

ANEXO I

PORTARIA Nº 2.542/GM DE 22 DE DEZEMBRO DE 2005.

Institui Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar e

implantar a Estratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio.

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições, e

Considerando que o fenômeno do suicídio é um grave problema de saúde pública, que afeta toda a sociedade e que pode ser prevenido;

Considerando a importância epidemiológica do registro do suicídio e das tentativas de suicídio em estados, capitais e municípios brasileiros;

Considerando a importância epidemiológica do suicídio em popula-ções vulneráveis, tais como: indivíduos que já realizaram tentativas de suicídio, sem distinção de faixa etária ou gênero; usuários de álcool e outras drogas; populações residentes e internadas em instituições espe-cíficas (clínicas, hospitais, presídios e outros); adolescentes moradores de rua, gestantes e/ou vítimas de violência sexual; trabalhadores rurais expostos a determinados agentes tóxicos e/ou com precárias condições de vida; indivíduos portadores de doenças crônico-degenerativas (neo-plasias, transtornos mentais e outros); indivíduos portadores de HIV e Aids, e populações jovens de etnias indígenas e de descendência negra, entre outras;

Considerando o aumento observado na freqüência no comporta-mento suicida entre jovens entre 15 e 25 anos, de ambos os sexos, esco-laridades diversas e em todas as camadas sociais;

Considerando o impacto e os danos causados pelo suicídio e tenta-tivas nos indivíduos, nas famílias, nos locais de trabalho, nas escolas, outras instituições e na sociedade brasileira;

Considerando a relevância do quadro de co-morbidade e transtor-nos associados ao suicídio e suas tentativas, como a depressão e o uso indevido de álcool e outras drogas;

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Considerando a possibilidade de intervenção nos casos de tentativas de suicídio e que as mortes por suicídio podem ser mortes evitáveis por meio de ações de promoção e prevenção em todos os níveis de atenção à saúde;

Considerando a necessidade de organizar uma rede de atenção à saúde que garanta uma linha de cuidados integrais no manejo dos ca-sos de tentativas de suicídio, com vistas a reduzir o dano do agravo e melhorar o acesso dos pacientes ao atendimento especializado, quando necessário;

Considerando a importância do suporte oferecido pelas organizações da sociedade civil na área de prevenção do suicídio, como os Centros de Crise e outros; e

Considerando a necessidade de desenvolver a Estratégia Nacional de Prevenção do Suicídio, no âmbito do Ministério da Saúde, com a parti-cipação de outras instituições,

R E S O L V E:

Art. 1º Instituir, no âmbito do Ministério da Saúde, Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar e implantar a Estratégia Nacional de Preven-ção ao Suicídio.

Art. 2º Definir que o Grupo de Trabalho de que trata o artigo 1º desta Portaria será representado pelas instituições/órgãos a seguir relacio-nados e atuará sob a coordenação da Secretaria de Atenção à Saúde/Departamento de Ações Programáticas Estratégicas - Área Técnica de Saúde Mental:

I - três representantes da Secretaria de Atenção à Saúde - SAS/MS;II - um representante da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde - SEGETS/MS;III - um representante da Secretaria de Vigilância na Saúde - SVS/MS;IV - um representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA;

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Ailim Oliveira Braz Silva 133Referências e anexos

V - um representante do Programa SUPRE-OMS;VI - um representante da Universidade de Brasília - UnB;VII - um representante do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - NESC/UFRJ;VIII - um representante da Pontifícia Universidade Católica, do Rio Grande do Sul - PUC-RS;IX - um representante do Núcleo de Epidemiologia do Instituto Phillipe Pinel, do Rio de Janeiro;X - um representante do Centro de Valorização da Vida - CVV.

Art. 3º Estabelecer que o Grupo de Trabalho terá 60 (sessenta) dias, a contar da publicação desta Portaria, para apresentar proposta para im-plantação da Estratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio.

Art. 4º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

SARAIVA FELIPE

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ANEXO II

PORTARIA Nº 1.876 DE 14 DE AGOSTO DE 2006.

Institui Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio, a ser

implantadas em todas as unidades federadas, respeitadas as

competências das três esferas de gestão.

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso de suas atribuições, e Considerando a Constituição Federal, no capítulo saúde, em seus

artigos 196 a 200 e as Leis Orgânicas da Saúde nº 8.080, de 19 de se-tembro de 1990, e nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990;

Considerando que o fenômeno do suicídio é um grave problema de saúde pública, que afeta toda a sociedade e que pode ser prevenido;

Considerando a importância epidemiológica do registro do suicí-dio e das tentativas de suicídio em todo o território nacional;

Considerando a importância epidemiológica e a relevância do quadro de co-morbidade e transtornos associados ao suicídio e suas tentativas, em populações vulneráveis, tais como: indivíduos com transtornos psíquicos, especialmente as depressões; indivíduos que já tentaram suicídio; usuários de álcool e outras drogas; populações residentes e internadas em instituições específicas (clínicas, hospitais, presídios e outros); adolescentes moradores de rua, gestantes e/ou víti-mas de violência sexual; trabalhadores rurais expostos a determinados agentes tóxicos e/ou a precárias condições de vida; indivíduos por-tadores de doenças crônico-degenerativas; indivíduos que convivem com o HIV/AIDS e populações de etnias indígenas, entre outras;

Considerando o aumento observado na freqüência do comporta-mento suicida entre jovens entre 15 e 25 anos, de ambos os sexos, escolaridades diversas e em todas as camadas sociais;

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Ailim Oliveira Braz Silva 135Referências e anexos

Considerando o impacto e os danos causados pelo suicídio e as ten-tativas nos indivíduos, nas famílias, nos locais de trabalho, nas escolas e em outras instituições;

Considerando a possibilidade de intervenção nos casos de tentativas de suicídio e que as mortes por suicídio podem ser evitadas por meio de ações de promoção e prevenção em todos os níveis de atenção à saúde;

Considerando a necessidade de organizar uma rede de atenção à saú-de que garanta linha de cuidados integrais no manejo dos casos de ten-tativas de suicídio, com vistas a reduzir o dano do agravo e melhorar o acesso dos pacientes ao atendimento especializado, quando necessário;

Considerando a importância do suporte oferecido pelas organizações da sociedade civil na área de Prevenção do Suicídio, como os Centros de Crise e outros;

Considerando os custos elevados dos procedimentos necessários às intervenções após as tentativas de suicídio;

Considerando a necessidade de promover estudos e pesquisas na área de Prevenção do Suicídio;

Considerando o papel importante dos meios de comunicação de massa por intermédio das diversas mídias no apoio à prevenção e no tratamento humanizado dos casos de tentativas;

Considerando os Pactos pela Saúde, em suas três dimensões: Pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão, estabelecidos pela Portaria nº 399/GM/MS, de 2006 e a recomendação da Organização Mundial da Saúde de que os Estados-Membros desenvolvam diretrizes e estratégias nacio-nais de prevenção do suicídio; e

Considerando a Portaria nº 2.542/GM, de 22 de dezembro de 2005, que instituiu Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar e implantar a Estratégia Nacional de Prevenção ao Suicídio,

R E S O L V E:

Art. 1° Instituir as Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio, a ser implantadas em todas as unidades federadas, respeitadas as compe-tências das três esferas de gestão.

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Art. 2° Estabelecer que as Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicí-dio sejam organizadas de forma articulada entre o Ministério da Saúde, as Secretarias de Estado de Saúde, as Secretarias Municipais de Saúde, as instituições acadêmicas, as organizações da sociedade civil, os orga-nismos governamentais e os não-governamentais, nacionais e interna-cionais, permitindo:

I - desenvolver estratégias de promoção de qualidade de vida, de educa-ção, de proteção e de recuperação da saúde e de prevenção de danos;II - desenvolver estratégias de informação, de comunicação e de sensibi-lização da sociedade de que o suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido;III - organizar linha de cuidados integrais (promoção, prevenção, tra-tamento e recuperação) em todos os níveis de atenção, garantindo o acesso às diferentes modalidades terapêuticas;IV - identificar a prevalência dos determinantes e condicionantes do suicídio e tentativas, assim como os fatores protetores e o desenvolvi-mento de ações intersetoriais de responsabilidade pública, sem excluir a responsabilidade de toda a sociedade;V - fomentar e executar projetos estratégicos fundamentados em estu-dos de custo-efetividade, eficácia e qualidade, bem como em processos de organização da rede de atenção e intervenções nos casos de tentativas de suicídio;VI - contribuir para o desenvolvimento de métodos de coleta e análise de dados, permitindo a qualificação da gestão, a disseminação das infor-mações e dos conhecimentos;VII - promover intercâmbio entre o Sistema de Informações do SUS e outros sistemas de informações setoriais afins, implementando e aper-feiçoando permanentemente a produção de dados e garantindo a demo-cratização das informações; eVIII - promover a educação permanente dos profissionais de saúde das unidades de atenção básica, inclusive do Programa Saúde da Família, dos serviços de saúde mental, das unidades de urgência e emergência, de acordo com os princípios da integralidade e da humanização.

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Ailim Oliveira Braz Silva 137Referências e anexos

Art. 3° Determinar à Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde (SAS/MS), em conjunto com outras áreas e agências do Ministé-rio da Saúde, que adote as providências necessárias para a estruturação das Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio instituídas por esta Portaria.

Art. 4° Determinar à Secretaria de Atenção à Saúde que constitua um Grupo de Trabalho, a ser instituído por portaria específica, para propor a regulamentação dessas diretrizes no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias.

Art. 5° Determinar que a regulamentação dessas diretrizes seja apresen-tada e pactuada no âmbito da Comissão Intergestores Tripartite - CIT.

Art. 6º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

JOSÉ AGENOR ÁLVARES DA SILVA

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ANEXO III

Suicídio – Fato e ficção1

FICÇÃO FATO

Pessoas que ficam ameaçandosuicídio não se matam.

A maioria das pessoas que se matam deram avisos de sua intenção.

Quem quer se matar, se matamesmo.

A maioria dos que pensam em se matar, têm sentimentos ambivalentes.

Suicídios ocorrem sem avisos.Suicidas freqüentemente dão ampla indicação de sua intenção.

Melhora após a crise significa que o risco de suicídio acabou.

Muitos suicídios ocorrem num período de melhora, quando a pessoa tem a energia e a vontade de transformar pensamentos desesperados em ação auto-destrutiva.

Nem todos os suicídios podem ser prevenidos.

Verdade, mas a maioria pode-se prevenir.

Uma vez suicida, sempre suicida.

Pensamentos suicidas podem retornar, mas eles não são permanentes e em algumas pessoas eles podem nunca mais retornar.

1 Disponível em: <http://www.who.int/mental_health/prevention/suicide/en/suicideprev_phc_port.pdf>. Acesso em: 17 nov. 2008.

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Ailim Oliveira Braz Silva 139Referências e anexos

ANEXO IV

SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL

Centro de valorização da vida – 141Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),

de algumas capitais brasileiras

ACRE (Rio Branco)•

Rua Luiz Z. da Silva , 364, Conj. Manoel JuliãoBairro: Estação ExperimentalCEP: 69912-000Telefone: (68) 3227-5134

CEARÁ (Fortaleza)•

Rua Capitão Francisco Pedro, 1269Bairro: Rodolfo TeófiloCEP: 60430-370Telefone: (85) 3443-2568

Avenida Borges de Melo, 201Bairro: Jardim AméricaCEP: 60345-020

Rua Paulo Setúbal, 297Bairro: MassejanaCEP: 60864-600Telefone: (88)03488-3312

BRASÍLIA (DF)•

EPNB, Km 04, Área Especial, S/NºBairro: Riacho Fundo ICEP: 71800-000Telefone: (61) 3399-3453/3359-3388SMHN, Quadra 501, Conjunto 01, Bloco A, Ed. ComppBairro: Asa Norte

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CEP: 70710-100Telefone: (61) [email protected]

Área Especial SIN, QE 23, Bloco C, SubsoloBairro: Guará IICEP: 71010-006

ESPIRITO SANTO (vitória)•

Rua João Caetano, 33, Ed. Presidente Vargas, 2º AndarBairro: CentroCEP: 29016-200Telefone: (27) 3381-3320

Rua José Carvalho, 404Bairro: Ilha de Santa MariaCEP: 29040-530Telefone: (27) 3132-5111

Rua Álvaro SarloBairro: Ilha de Santa MariaCEP: 29051-100Telefone: (27) 3132-5104

MARANHÃO (São Luiz)•

Rua Raimundo Corrêa, 107Bairro: Monte CasteloCEP: 65031-510

RIO DE JANEIRO (Rio de Janeiro)•

Estrada Rodrigues Caldas, 3400Bairro: JacarepaguáCEP: 22713-370Telefone: (21) 2446-5177, ramal 241/2446-7437

Av. Paranapuã, 435Bairro: Freguesia, Ilha do Governador

Page 141: A Cobertura Proibida - Ailim Oliveira 03-12-2008

Ailim Oliveira Braz Silva 141Referências e anexos

CEP: 21910-001Telefone: (21) [email protected]

Av. Ribeiro Dantas, 571Bairro: BanguCEP: 21870-170Telefone: (21) 3331-8500/3331-0556 – ramal [email protected]

Praça Major Vieira de Melo, S/Nº - Vila ComariBairro: Campo GrandeCEP: 23045-400Telefone: (21) [email protected]

Rua Capitão Aliatar Martins, 231Bairro: IrajáCEP: 21220-660Telefone: (21) 2481-4936

Rua Senador Camará, 224Bairro: Santa CruzCEP: 23520-020Telefone: (21) [email protected]

Rua Sampaio Corrêa S/Nº - TaquaraBairro: JacarepaguáCEP: 22713-560Telefone: (21) 2446-5731Fax: (21) [email protected]

Rua Dirceu, 42, FundosBairro: Jardim SulacapCEP: 21740-440Telefone: (21) 3357-7299

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Av. Venceslau Brás, 71, FundosBairro: BotafogoCEP: 22290-140Telefone: (21) 2275-1166

Estrada de Inhoaiba, 849Bairro: InhoaibaCEP: 23063-90Telefone: (21) [email protected]

RONDÔNIA (Porto velho)•

Av. Governador Jorge Teixeira, 3822Bairro: IndustrialCEP: 78905-160Telefone: (69) 3216-5771

SÃO PAULO (São Paulo)•

Rua Oscar Pinheiro Coelho, 287Bairro: CaxinguiCEP: 05516-050Telefone: (11) 3727-1819

Rua Paula Cruz, 71Bairro: Jardim Dom BoscoCEP: 04757-120Telefone: (11) 5686-6076

Praça Santa Helena, 56Bairro: Vila PrudenteCEP: 03138-030Telefone: (11) 6347-0886

Rua Clovis Monteiro de Carvalho Júnior, 22Bairro: Jardim TietêCEP: 03946-060Telefone: (11) 6962-3464

Page 143: A Cobertura Proibida - Ailim Oliveira 03-12-2008

Ailim Oliveira Braz Silva 143Referências e anexos

Rua Frederico Alvarenga, 259, 5° Andar, Anexo BBairro: Parque D. Pedro IICEP: 01020-030Telefone: (11) 3241-0901Fax: (11) [email protected]

Praça Barão de Japura, 01Bairro: Vila GuaraniCEP: 04313-160Telefone: (11) 5011-1583

Rua São Benedito, 2400Bairro: Santo AmaroCEP: 04735-005Telefone: (11) 5523-2864

Rua Professor Francisco de Castro, 92Bairro: Vila ClementinoCEP: 04020-050Telefone: (11) 5571-9476Fax: (11) [email protected]

Rua Sampei Sato, 444Bairro: Ermelino MatarazzoCEP: 03814-000Telefone: (11) 6943-9276

Av. Ivirapema, 41Bairro: Parque BologneCEP: 04941-010Telefone: (11) 5833-2838

Rua Domingos Mertins Pacheco, 1910Bairro: Jardim NéliaCEP: 08142-180Telefone: (11) 6572-1948

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Rua Lino Pinto dos Santos, 203Bairro: Jardim FelicidadeCEP: 05143-000Telefone: (11) 3835-2903

Av. Zelina, 322Bairro: Vila ZelinaCEP: 03143-000Telefone: (11) 6341-9570

Rua Dr. Augusto do Amaral, 222Bairro: BrasilândiaCEP: 02831-030Telefone: (11) 3921-8924Fax: (11) 3921-8676

Av. Horacio Lafer, 590Bairro: Itaim BibiCEP: 04538-082Telefone: (11) 3078-6886

Rua Gutemberg José Ferreira, 50Bairro: Jardim LídiaCEP: 05860-070Telefone: (11) 5513-9560

Rua Paulo Lincoln Valle Pontin, 323Bairro: JaçanãCEP: 02273-010Telefone: (11) 6242-9399

Rua Roma, 446Bairro: LapaCEP: 05050-090Telefone: (11) 3675-5648

Rua Dr. Luis Lustosa da Silva, 369Bairro: MandaquiCEP: 02406-040Telefone: (11) 6979-0923

Page 145: A Cobertura Proibida - Ailim Oliveira 03-12-2008

Ailim Oliveira Braz Silva 145Referências e anexos

Rua Cândido Espinheira, 616Bairro: PerdizesCEP: 05004-000Telefone: (11) 3672-2000

Rua Urutinga, 90Bairro: PiritubaCEP: 02933-140Telefone: (11) 3976-7581

Rua São João Lopes de Lima, 1151, ABairro: Jardim SapopembaCEP: 03976-020Telefone: (11) 6119-7080

Rua Ken Sugaya, 87Bairro: ItaqueraCEP: 08210-100Telefone: (11) 6205-0460

Praça Br Japura, 01Bairro: Vila GuaraniCEP: 03413-000Telefone: (11) 50111583

Rua Senador Miltom Campos, 149Bairro: Santo AmaroCEP: 04708-040Telefone: (11) 5181-1122

Rua Bernardino Prudente, 86Bairro: ItaqueraCEP: 08255-020Telefone: (11) 6521-1162

Rua Taquari, 549Bairro: Mooca – CEP: 03166-000Telefone: (11) 6694-4628

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Rua Conselheiro Saraiva, 411Bairro: SantanaCEP: 02037-020Telefone: (11) 6973-9434

Rua Heitor Penteado, 1448Bairro: SumaréCEP: 05438-100Telefone: (11) 3862-1385

Rua Pauloeiró, 23, 3° AndarBairro: Santo AmaroCEP: 04752-010Telefone: (11) 5687-4511

Rua Itapeva, 700Bairro: Cerqueira CesarCEP: 01332-000Telefone: (11) 3289-2555Fax: (11) 3289-2585

Rua Morcote, 76Telefone: (11) [email protected]

Rua Prates, 165Bairro: Bom RetiroCEP: 01121-000Telefone: (11) 3227-3871

Rua 11 de Fevereiro, 318Bairro: Cidade VargasCEP: 04319-020Telefone: (11) 5021-8005