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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018 1 A cobertura jornalística das Paralimpíadas Rio-2016 O caso do Jornal Paralímpico 1 Guilherme Gonçales LONGO 2 Valci Regina Mousquer ZUCULOTO 3 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC RESUMO Este artigo analisa a cobertura das Paralimpíadas Rio-2016 pelo Jornal Paralímpico, um caderno especial de O Globo. O JP é a versão do Paralympics Zeitung, criado durante Atenas-2004 pelo jornal alemão Tagesspiegel. Realizado nos Jogos de Verão e Inverno, o projeto consiste na produção de cadernos em alemão, no idioma do país sede e outros. Um dos diferenciais é a cobertura do desporto paralímpico para além do factual, com reportagens que explicam o esporte, questões políticas e econômicas. Com a observação participante como metodologia, este artigo objetiva compreender diferenças na produção e no conteúdo do JP, em relação às pautas, repórteres, editoriais e ao online. Reflete-se, entre outras observações, que apresentou conteúdos e visões pouco presentes na imprensa brasileira e significou aprendizado múltiplo aos estudantes participantes. PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo; Jornalismo esportivo; Paralimpíadas; Rio-2016; Megaeventos esportivos 1. INTRODUÇÃO Desde a realização da sua primeira edição, em 1960, os Jogos Paralímpicos têm se consolidado como o principal evento esportivo para atletas com deficiência. Ao longo de seus quase 60 anos, as Paralimpíadas cresceram em número de modalidades disputadas, atletas participantes, audiência, entre outros, tornando-se, junto à Copa do Mundo e as Olimpíadas, um megaevento esportivo. E até o momento, as Paralimpíadas Rio-2016 se mostraram uma das mais importantes e controversas edições dos Jogos na história. __________ ¹ Trabalho apresentado no GP Comunicação e Esporte, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGJor/UFSC). Bolsista CAPES. Formado em Jornalismo pela UFSC, é membro do GIRAFA (Grupo de Investigação em Rádio, Fonografia e Áudio) e do GIPTele (Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Telejornalismo), ambos certificados no CNPq. Contato: [email protected]. 3 Professora do Curso de graduação e Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutora em Comunicação (PUCRS), Pós-Doutora (ECO-UFRJ), Coordenadora do GP Rádio e Mídia Sonora da Intercom e da Rádio Ponto UFSC. Lider do Grupo de Investigação em Rádio, Fonografia e Áudio (Girafa), certificado no CNPq. Autora de “No Ar - A história da notícia de rádio no Brasil” e “A programação de rádios públicas brasileiras”, entre outras produções sobre rádio e jornalismo. E-mail: [email protected]

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Page 1: A cobertura jornalística das Paralimpíadas Rio-2016 O caso ... · (Girafa), certificado no CNPq. Autora de “No Ar - A história da notícia de rádio no Brasil” e “A programação

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Joinville - SC – 2 a 8/09/2018

1

A cobertura jornalística das Paralimpíadas Rio-2016 – O caso do Jornal

Paralímpico1

Guilherme Gonçales LONGO2

Valci Regina Mousquer ZUCULOTO3

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC

RESUMO

Este artigo analisa a cobertura das Paralimpíadas Rio-2016 pelo Jornal Paralímpico, um

caderno especial de O Globo. O JP é a versão do Paralympics Zeitung, criado durante

Atenas-2004 pelo jornal alemão Tagesspiegel. Realizado nos Jogos de Verão e Inverno,

o projeto consiste na produção de cadernos em alemão, no idioma do país sede e outros.

Um dos diferenciais é a cobertura do desporto paralímpico para além do factual, com

reportagens que explicam o esporte, questões políticas e econômicas. Com a observação

participante como metodologia, este artigo objetiva compreender diferenças na

produção e no conteúdo do JP, em relação às pautas, repórteres, editoriais e ao online.

Reflete-se, entre outras observações, que apresentou conteúdos e visões pouco presentes

na imprensa brasileira e significou aprendizado múltiplo aos estudantes participantes.

PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo; Jornalismo esportivo; Paralimpíadas; Rio-2016;

Megaeventos esportivos

1. INTRODUÇÃO

Desde a realização da sua primeira edição, em 1960, os Jogos Paralímpicos têm

se consolidado como o principal evento esportivo para atletas com deficiência. Ao

longo de seus quase 60 anos, as Paralimpíadas cresceram em número de modalidades

disputadas, atletas participantes, audiência, entre outros, tornando-se, junto à Copa do

Mundo e as Olimpíadas, um megaevento esportivo. E até o momento, as Paralimpíadas

Rio-2016 se mostraram uma das mais importantes e controversas edições dos Jogos na

história.

__________

¹ Trabalho apresentado no GP Comunicação e Esporte, XVIII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação,

evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina

(PPGJor/UFSC). Bolsista CAPES. Formado em Jornalismo pela UFSC, é membro do GIRAFA (Grupo de

Investigação em Rádio, Fonografia e Áudio) e do GIPTele (Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Telejornalismo),

ambos certificados no CNPq. Contato: [email protected]. 3 Professora do Curso de graduação e Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa

Catarina (UFSC), Doutora em Comunicação (PUCRS), Pós-Doutora (ECO-UFRJ), Coordenadora do GP Rádio e

Mídia Sonora da Intercom e da Rádio Ponto UFSC. Lider do Grupo de Investigação em Rádio, Fonografia e Áudio

(Girafa), certificado no CNPq. Autora de “No Ar - A história da notícia de rádio no Brasil” e “A programação de

rádios públicas brasileiras”, entre outras produções sobre rádio e jornalismo. E-mail: [email protected]

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Em meio à grave crise econômica e política que passava o país, milhares de

horas foram dedicadas à cobertura dos primeiros jogos olímpicos em solo brasileiro e

sul-americano. Representou um marco na cobertura jornalística esportiva do Brasil. Por

outro lado, as Paralimpíadas receberam atenção consideravelmente menor da mídia

brasileira, com pouco ou nenhum espaço dedicado ao evento em alguns dos principais

veículos do país, mesmo com críticas à essa ausência nas redes sociais e tendo sido

considerado um sucesso pelos atletas e a imprensa internacional. Um contraste, ao

considerar a força da delegação paralímpica brasileira, que nos Jogos do Rio terminou

na oitava colocação, com um total de 72 medalhas, o maior número já obtido pelos

atletas do país em uma única edição. Além do pouco espaço, profissionais da área

também criticam a forma e a linguagem da cobertura dos esportes paralímpicos. Isso

inclusive levou os Comitês Nacionais e Internacional a criarem guias de mídia sobre

como cobrir esse tipo de desporto.

Entre os veículos que realizaram a cobertura das Paralimpíadas do Rio estava o

projeto Jornal Paralímpico, que foi veiculado pelo país como um caderno especial

dentro de O Globo. O jornal é a versão brasileira do Paralympics Zeitung, criado

durante os Jogos de Atenas-2004, pelo diário alemão Tagesspiegel. Com circulação nos

Jogos de Verão e Inverno, o projeto consiste na produção de conteúdo em alemão, no

idioma do país-sede e em diversos idiomas, dependendo do local de competição. Um de

seus diferenciais é a cobertura do esporte paralímpico fugindo do factual, sem apenas

trazer os resultados das competições, focando mais em reportagens que expliquem o

esporte para o público e as questões além do esporte, como as políticas, econômicas e

sociais.

Este artigo analisa a produção do Jornal Paralímpico durante a Rio-2016.

Utilizando como metodologia a observação participante (MÓNICO et al., 2017) o

objetivo é compreender as diferenças no modo de produção e no conteúdo final a partir

de quatro categorias: as pautas, os repórteres, os editoriais e a produção para mídias

sociais e plataformas online.

2. AS PARALIMPÍADAS E OS JOGOS RIO-2016

A gênese dos Jogos Paralímpicos está na Segunda Guerra Mundial. Por mais que

existam registros da prática de esporte adaptado para pessoas com deficiência desde o

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final do século XIX, foi apenas na década de 40 que teve início o movimento que levou

à criação dos Jogos. O idealizador do Movimento Paralímpico e das Paralimpíadas foi o

médico Ludwig Guttmann, um médico alemão, que fugiu de seu país durante a Segunda

Guerra por ser judeu, se refugiando na Inglaterra. Lá, foi designado para a direção do

Centro de Tratamento de Stoke Mandeville, especializado na reabilitação de soldados

feridos em combate. Guttmann passou a introduzir o esporte como forma de reabilitação

dos soldados, com modalidades como basquete, tiro com arco e bilhar.

Em 1948, quando Londres sediou os Jogos Olímpicos, Guttmann decidiu

promover um evento esportivo para as pessoas com deficiência. Era a primeira edição

dos Jogos de Stoke Mandeville, que com poucos anos cresceu e se tornou um evento

internacional. Doze anos depois, em 1960, os Jogos foram realizados pela primeira vez

fora da Inglaterra. Roma, a sede das Olimpíadas daquele ano, recebeu os Jogos e assim

surgia as Paralimpíadas, termo utilizado pela primeira vez nos Jogos de Tóquio, em

1964 e que passou a ser adotado oficialmente nos anos 1980. A partir da edição de

Seul, em 1988, as Paralimpíadas passaram a ser realizadas na mesma cidade-sede das

Olimpíadas, o que representou um fortalecimento do Movimento Paralímpico. Essa

relação continua até hoje, tanto para os Jogos de Verão quanto para os de Inverno.

Em 2 de outubro de 2009, na cidade de Copenhague, na Dinamarca, o Rio de

Janeiro foi escolhido como sede dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016. A cidade

carioca desbancou as candidaturas de Chicago (Estados Unidos), Tóquio (Japão) e

Madrid (Espanha), pelo direito de sediar os primeiros jogos sul-americanos da história.

A vitória foi vista como uma grande conquista do governo do então Presidente Luiz

Inácio Lula da Silva, em sua proposta de projetar para o mundo o crescimento político,

social e econômico do país, junto com a escolha para sediar a Copa do Mundo de 2014.

Os sete anos que separaram a eleição do Rio como sede da Cerimônia de

Abertura das Olimpíadas em 5 de agosto de 2016 foram marcados por uma modificação

profunda das condições brasileiras e do apoio da população aos jogos. A catarse vista na

época se tornou um profundo descontentamento com a realização da Rio-2016, devido à

diversas denúncias de desvio de verbas, superfaturamento e polêmicas envolvendo a

construção das arenas e obras pelo Rio de Janeiro. No início dos Jogos, o Brasil estava

afundado em uma grave crise política, com o processo de impeachment da Presidente

Dilma Rousseff, além da crise econômica que atingiu o país. Diversas manifestações

eram feitas ao redor do país contra a realização das Olimpíadas e Paralimpíadas e o

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clima era de desconfiança na capacidade do país em sediar dois dos maiores eventos

esportivos do planeta.

Após as Olimpíadas, que foram consideradas um sucesso pela imprensa

internacional e os atletas, as Paralimpíadas passaram a ser o centro das atenções e

preocupações. Principalmente pela pouca quantidade de ingressos vendidos até pouco

mais de três semanas da Cerimônia de Abertura. Mas a boa repercussão dos Jogos

Olímpicos animaram o público, que acabaram colocando as Paralimpíadas Rio-2016

como a segunda maior em público da história, perdendo apenas para Londres-2012.

Outros recordes também foram atingidos pelas Paralimpíadas Rio-2016. Entre

eles a audiência. No total, 4,1 bilhões de espectadores acompanharam os 11 dias de

Jogos, um crescimento de 7% em comparação com os de Londres-2012. A cobertura

internacional também teve um aumento. De 115 países que transmitiram as competições

em 2012, esse número cresceu para 154.

A participação brasileira em Paralimpíadas se iniciou apenas na quarta edição

dos Jogos, em Heidelberg, 1972. Naquela ocasião, a delegação nacional foi composta

por 20 atletas, que voltaram sem medalhas. Nos jogos seguintes, em Toronto-1976, o

Brasil subiu pela primeira vez no pódio em Paralimpíadas. No lawn bowls, uma

modalidade similar à bocha só que disputada na grama, veio a medalha de prata,

iniciando uma forte trajetória dos atletas brasileiros em Paralimpíadas. O primeiro ouro

veio apenas em 1984, nas Paralimpíadas realizadas em Nova York e Stoke Mandeville.

Foi a melhor campanha brasileira em Paralimpíadas até os jogos de Atenas, em 2004.

No total, a delegação de 29 atletas conquistou 28 medalhas, sendo 7 ouros, 17 pratas e 4

bronzes. As conquistas vieram do atletismo (21 medalhas) e da natação (8).

A partir dos anos 2000, o Brasil tem se colocado como uma potência

paralímpica, com performances cada vez melhor nos Jogos, além de um crescente

número de atletas participantes. Em Londres, o país conseguiu sua melhor colocação no

quadro de medalhas, terminando em 7º, com 21 ouros, 14 pratas e 8 bronzes. Mas foi

em casa que conseguiu o maior número de medalhas da história. Na Rio-2016, os atletas

brasileiros subiram ao pódio 72 vezes. Foram 14 medalhas de ouro, 29 de prata e 29 de

bronze entre os 278 participantes. Mas acabou em 8º no quadro de medalhas, fora do

Top 5 almejado inicialmente pelo Comitê Paralímpico Brasileiro.

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Os atletas paralímpicos têm ganhado maior atenção da imprensa e alguns já são

bastante conhecidos pelo público devido às suas conquistas, como os nadadores Daniel

Dias e Clodoaldo Silva e os atletas Alan Fonteles e Terezinha Guilhermina.

3. OS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS E OS DESAFIOS DA COBERTURA

Para se compreender a problemática por trás da realização da cobertura de um

evento como as Paralimpíadas, primeiro é preciso debater a sua classificação como um

megaevento esportivo. Concorda-se com a definição de Hall (1992), que trata os

megaeventos, esportivos ou não, como algo que vai muito além da sua realização

propriamente dita:

Megaeventos tais como as Feiras Mundiais e Exposições, a Copa do

Mundo ou as Olimpíadas são eventos especificamente direcionados

para o mercado de turismo internacional e podem ser adequadamente

descritos como “mega” em virtude de sua grandiosidade em termos de

público, mercado alvo, nível de envolvimento financeiro, do setor

público, efeitos políticos, extensão de cobertura televisiva, construção

de instalações e impacto sobre o sistema econômico e social da

comunidade anfitriã (HALL, 1992 apud DACOSTA, 2007, p. 1)

Os megaeventos também estão atrelados a atividades paralelas, que tem relação

ao evento principal. No caso dos megaeventos esportivos, isso é notável através de uma

série de ações, como os eventos-teste, como é o caso da Copa das Confederações para a

Copa do Mundo e as atividades em função do evento, como as casas de diversos países

que foram abertas durante a Rio-2016, a criação do Museu do Amanhã e o Boulevard

Olímpico com toda sua agenda (GURGEL, 2012, p. 3).

A mídia possui um papel muito importante na divulgação dos megaeventos

esportivos, principalmente com a transmissão das disputas, já que a maior parte das

pessoas não consegue acessar os locais, seja pela distância ou pelo valor dos ingressos.

Mas o jornalismo esportivo possui um grande desafio com relação a esse tipo de evento.

Não é mais possível se limitar apenas à cobertura dos acontecimentos esportivos. Aqui,

as editorias se misturam e matérias de viés econômico, político e social se tornam

bastante presente no noticiário esportivo diário. Algo que ainda é bastante diferente da

realidade diária, onde apenas algumas questões de modalidades específicas como o

futebol recebem atenção, em detrimento de outras, do esporte amador e do esporte para

além da competição. Por isso, concorda-se com a visão de Gurgel (2012, p. 13) sobre

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como o jornalismo esportivo deve se posicionar, seja dentro da cobertura dos

megaeventos, seja na produção diária.

O caminho que defendemos como uma forma de atualizar o

jornalismo esportivo é o da ampliação da ênfase nos aspectos

socioeconômicos do esporte na cobertura dos eventos e do cotidiano

das modalidades desportivas. Mesmo que inicialmente soe como

contraditório, o fato é que para se produzir um bom jornalismo

esportivo, cada vez mais, é fundamental entender os aspectos sociais,

políticos e fundamentalmente econômicos envolvidos no contexto da

prática esportiva dos megaeventos esportivos em observação

jornalística

4. PARALYMPICS ZEITUNG

O Paralympics Zeitung surgiu em 2004, nas Paralimpíadas de Atenas, através de

uma parceria entre o jornal de Berlim Tagesspiegel e a empresa de seguros alemã

DGUV (Deutsche Gesetzliche Unfallversicherung) com a intenção de divulgar o esporte

paralímpico dentro da Alemanha e da Europa. Em Atenas, foi realizado em formato de

testes, com uma impressão limitada em 10 mil exemplares, que foram distribuídos

apenas para membros do parlamento alemão e os visitantes da Casa da Alemanha na

cidade-sede. A partir dos Jogos de Inverno de 2006 em Turim, o jornal começou a ter

mais visibilidade, chegando em Vancouver, 2010, com uma tiragem de 1,8 milhão de

exemplares, totalizando quase 4 milhões de leitores dentro da Alemanha.

A cada edição dos Jogos, são selecionados dez estudantes alemães e mais dez do

país sede, que produzem as edições do Paralympics Zeitung e do produto no idioma

local, no caso do Brasil em 2016, Jornal Paralímpico. Em outras edições das

Paralimpíadas, as equipes chegaram a produzir conteúdo em outros idiomas, como em

Turim 2006, com material em inglês, francês, alemão e italiano e Pequim 2008, com os

mesmos idiomas, com a adição de espanhol e mandarim. Os repórteres estudantes,

como eles denominam os participantes do projeto, recebem credenciais de imprensa das

Paralimpíadas, com o mesmo acesso dos repórteres de qualquer veículo do planeta.

5. O JORNAL PARALÍMPICO NA RIO-2016

Para este estudo, a metodologia escolhida foi a observação participante. Essa

opção se deu pela presença do autor como um dos repórteres selecionados para compor

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a equipe do projeto, sendo assim um dos próprios instrumentos de pesquisa. Justifica-se,

através da explicação de Mónico et al. (2017, p.727):

Na aplicação da técnica utilizada, o investigador procura atender a um

dos pressupostos fundamentais da Observação Participante, a saber: a

convivência do investigador com a pessoa ou grupo em estudo

proporciona condições privilegiadas para que o processo de

observação seja conduzido de modo a possibilitar um entendimento

genuíno doas fator, que de outra forma não nos seria possível

O processo de seleção para a equipe que integraria a cobertura dos Jogos de

2016 iniciou ainda em 2015. Para os repórteres brasileiros, foi em novembro de 2015,

onde os interessados precisaram submeter uma carta de motivação, escrita em inglês e

uma matéria sobre esportes paralímpicos, escrita em português. A partir dessa primeira

etapa, os mais de 5 mil inscritos foram avaliados e selecionados para a segunda fase,

que consistiu em uma entrevista em inglês, por telefone, com uma das responsáveis pelo

projeto. O resultado final foi anunciado em março, dando início ao trabalho que

culminaria nos Jogos em setembro.

A equipe final contou com 22 repórteres estudantes, denominação dada pela

coordenação do projeto, sendo 10 brasileiros, 10 alemães e 2 britânicas, que haviam

integrado a equipe de 2012 e foram convidadas a voltar para a produção da versão em

inglês, chamada Athletes and Abilities. Os dez brasileiros selecionados foram: Fernanda

Lagoeiro, Gustavo Altman, Hugo L’Abbate, João Pedro Soares, Jorge Salhani,

Leonardo Levatti, Letícia Paiva, Natália Belizário, Thaís Contarin, além de Guilherme

Longo, o autor.

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Imagem 1: Equipe do projeto Rio-2016, com os repórteres brasileiros, britânicos e alemães no Parque

Olímpico da Barra. Fonte: arquivo pessoal

Antes do início dos Jogos, em 7 de setembro de 2016, houve uma preocupação

muito grande da equipe do Tagesspiegel na preparação dos repórteres. Após a

divulgação dos selecionados, foi realizado em maio um workshop no Rio de Janeiro,

com a presença das equipes brasileira, alemã e britânica para uma aclimatação. Ao

longo de 5 dias, os estudantes passaram por palestras e conversas com jornalistas,

atletas e pessoas ligadas aos comitês paralímpicos, além da cobertura de um evento-

teste de atletismo no Estádio Olímpico.

Houve, desde o início, uma preocupação muito grande por parte da coordenação

do projeto com a questão da linguagem e do tratamento do esporte paralímpico e dos

atletas. Esse é um dos pontos de maior dedicação dos Comitês Paralímpicos ao redor do

mundo, mas ainda não existe um consenso sobre os modos ideais de tratamento, como

comenta Hilgemberg (2017, p. 164):

Vários esforços têm sido empreendidos para fornecer aos jornalistas e

pesquisadores guias e manuais com a terminologia mais adequada a

ser utilizada. Entretanto, as próprias organizações, associações e

instituições têm dificuldades em encontrar um consenso relativamente

a este tipo de terminologia.

Por isso, foram realizadas diversas apresentações e palestras sobre a questão.

Inclusive houve uma roda de conversa com a paratleta Verônica Hipólito, que falou

sobre a sua carreira e sua visão sobre o esporte paralímpico, como ele é visto pela

imprensa e pelas pessoas. Os repórteres também receberam materiais sobre como cobrir

o esporte paralímpico, como o guia de mídia produzido pelo IPC e o CPB. Além disso,

o workshop contou também com momentos de planejamento da cobertura, onde foram

realizadas reuniões de pauta, instruções e a divisão das modalidades entre cada repórter.

Em média, cada pessoa ficou responsável por três ou quatro modalidades diferentes para

cobrir, com a solicitação de que se tornassem especialistas nas que haviam recebido.

Entre maio e setembro, os repórteres tiveram como responsabilidade pensar pautas para

a primeira edição, além da apuração e redação das matérias e a produção de conteúdo

para as redes sociais, acompanhando um calendário pré-determinado.

A chegada da equipe ao Rio se deu em 05 de setembro, dois dias antes da

cerimônia de abertura. Foi um momento de planejamento dos dias dos Jogos, retirada da

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credencial, reconhecimento dos locais de competição e instruções gerais sobre como

seria a dinâmica. Durante os Jogos, os repórteres passavam o tempo nos esportes que

haviam sido designados, mas com a possibilidade de ir a outras arenas e competições, já

que muitas vezes suas pautas necessitavam de entrevistas com atletas de diversas

modalidades. Na maioria das vezes, a redação das matérias ficava para a noite, após a

volta do Parque Olímpico e com o fim da agenda do dia.

Um ponto importante foi a integração com jornalistas, atletas e pessoas de

diferentes países e culturas, trazendo diferentes perspectivas sobre o esporte

paralímpico. Em vários dias, os repórteres cumpriram agenda na Casa da Alemanha, por

exigência da equipe da DGUV e do Tagesspiegel. Ali, houve uma proximidade muito

grande principalmente com os atletas alemães, criando a possibilidade de integração

além do jornalismo, entendendo melhor suas histórias e suas visões sobre o mundo na

qual estão inseridos. Assim, podendo evitar a produção de conteúdo que caísse nos

cinco conceitos recorrentes na representação de atletas estigmatizados pela mídia

segundo Léséleuc (2012): trivialização, infantilização, feminilização, esportivização ou

marginalização.

Imagens 2 e 3: Edições nº 1 (à esquerda) e nº 2 (à direita) do Jornal Paralímpico, veiculados em

07/09/2016 e 20/09/2016. Fonte: acervo pessoal

A produção do Jornal Paralímpico teve, no total, duas edições como cadernos

especiais encartados em O Globo. A primeira edição foi veiculada em 07 de setembro

de 2016, dia da cerimônia de abertura, enquanto a segunda saiu dois dias após a

cerimônia de encerramento, em 20 de setembro. Enquanto as edições alemãs e britânica

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foram impressas no formato tabloide, o Jornal Paralímpico manteve o tamanho

standard, igual aos demais cadernos de O Globo.

Ambas as capas seguiram o mesmo formato: uma foto de página inteira

destacando um atleta e duas chamadas para matérias presentes na edição, algo comum

em cadernos especiais. No primeiro jornal, o destaque foi Alan Fonteles, do atletismo,

que era visto como uma das grandes promessas de medalha da delegação brasileira na

Rio-2016. Mesmo com sua performance abaixo da média no ciclo paralímpico, sua

vitória em Londres contra Oscar Pistorius ainda colocava ele como favorito. Já a

segunda edição trouxe o nadador Daniel Dias, que foi o maior nome brasileiro nos

Jogos. Daniel conquistou quatro ouros, três pratas e dois bronzes, se tornando o maior

paratleta brasileiro da história, além de o maior medalhista masculino da história das

Paralimpíadas.

Em cada edição foram produzidas 13 matérias, de tamanhos variados,

totalizando 26 pautas veiculadas no Jornal Paralímpico. Para esta análise, houve a

catalogação de cada uma, com a divisão em cinco categorias. “Atletas” se referem à

matérias sobre a história de vida de paratletas que competiram na Rio-2016. Em

“Panorama”, estão as pautas que tratam de explicar o funcionamento dos Jogos, as

modalidades, objetivos da delegação brasileira e a classificação funcional dos atletas.

“Rio-2016” são matérias específicas sobre os Jogos e seus acontecimentos, como a

cerimônia de encerramento. “Além do Esporte” se refere às questões políticas,

econômicas e sociais do esporte. E para fechar, “Outros” se refere a uma pauta

específica da primeira edição que aborda o documentário “Paratodos”.

Tipo de Pauta 07/09/2016 20/09/2016

Atletas 4 5

Panorama 7 2

Rio-2016 - 2

Além do Esporte 1 4

Outros 1 -

Total 13 13

Tabela 1: Levantamento das matérias do Jornal Paralímpico. Fonte: pesquisa feita pelo autor

No geral, todas as modalidades que fazem parte das Paralimpíadas tiveram

espaço no jornal, mesmo que apenas no panorama geral da primeira edição. Mas isso é

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algo importante, já que existem esportes que dentro dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos

recebem ainda menos visibilidade.

Das categorias, a única que manteve a média de matérias em ambas as edições

foi a de atletas, que trouxeram histórias de participantes de diversos países, como Alan

Fonteles, Clodoaldo Silva e o atleta-guia Adalto Gaudino. Porém, o destaque fica com a

matéria da segunda edição sobre a ex-atleta Márcia Malsar. Ela ficou conhecida

mundialmente após sua aparição na cerimônia de abertura, onde caiu com a tocha no

final do revezamento, mas se levantou e terminou seu trajeto aplaudida pelo público

presente no Maracanã.

As matérias sobre os atletas trouxeram um equilíbrio entre a história por trás do

competidor e a sua performance nas arenas. Esse equilíbrio se evidencia, já que entre os

próprios atletas não existe consenso sobre como eles preferem ser representados na

imprensa, como reflete Hilgemberg (2017) por meio de entrevistas com paratletas de

diversas modalidades.

Entre as de “Além do Esporte”, houve uma grande diversidade de matérias que

trouxeram questões importantes para o esporte paralímpico, mas também observou-se

pautas que abordaram a acessibilidade do Parque Olímpico, algo que esteve muito em

voga durante os Jogos. Nesse quesito, a segunda edição apresentou matérias sobre o

serviço de audiodescrição nas arenas para pessoas com deficiência visual e o relato de

jornalistas sobre a acessibilidade nas arenas. Além dessas, houve um foco na questão

econômica do esporte paralímpico, principalmente sobre a relação entre o governo

federal e os atletas paralímpicos, que em sua maioria dependem do programa Bolsa

Atleta para se manterem no esporte. Essa era uma área de grande preocupação na época

porque não se sabia como o Governo Federal iria proceder com os investimentos após o

ciclo de 8 anos que culminou com os Jogos do Rio.

Esta categoria de “Além do Esporte” é um dos pontos fortes da produção do

Jornal Paralímpico, ao trazer pautas importantes sobre os Jogos e o esporte paralímpico

que nem sempre são abordadas pela imprensa. Assim, corrobora com pesquisadores

como Schantz e Gilbert (2001), que defendem que a cobertura desse tipo de desporto

deve ser similar às demais modalidades que aparecem no noticiário esportivo.

Na primeira edição, o foco da maior parte das matérias foram as matérias de

“Panorama”, o que faz sentido. São matérias que explicam o funcionamento de algumas

modalidades, como o futebol de 5, uma visão geral de todos os esportes que integram as

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Paralimpíadas, além de atletas para o público ficar de olho durante as competições. Na

segunda edição, essa categoria esteve presente em outras duas pautas. A primeira, sobre

o goalball, e outra já projetando Tóquio-2020, falando sobre a inclusão de novas

modalidades.

Isso constitui-se importante e necessário, principalmente pelo momento da

veiculação do primeiro jornal, quando os Jogos ainda estavam começando e os

ingressos à venda. De acordo com Berger (2008), a pouca divulgação do desporto

paralímpico faz com que o público tenha pouco conhecimento sobre, o que pode

dificultar a criação de interesse no esporte.

Os jornais não eram compostos apenas por reportagens. Em ambas as edições,

outros três tipos de textos também estiveram presentes. Primeiro, os de “serviço”. Na

primeira edição, metade da página 2 foi reservada para uma agenda com os principais

eventos esportivos das Paralimpíadas, destacando pelo menos uma prova de 20 das

modalidades em disputa nos Jogos. Segundo, textos que destacavam o projeto. Uma

nota com foto no primeiro, explicando a história do Jornal Paralímpico e a sua

proposta, enquanto na seguinte, uma matéria de pouco mais de meia página reservada

para os depoimentos dos repórteres falando sobre o aprendizado, melhores momentos e

impressões.

Por último, o jornal também contou com editoriais, localizados na página 3 em

ambas as edições. Cada um foi formado por três textos de pessoas de diferentes ligações

com o esporte paralímpico. Foram eles: o editor de esportes de O Globo, Márvio dos

Anjos, o editor-chefe do Tagesspiegel, Lorenz Maroldt e a gerente de integração

paralímpica do Comitê Rio-2016 Mariana Vieira de Mello na publicação de 07 de

setembro e Joachim Breuler, diretor-geral da DGUV, Andrew Parsons, então Presidente

do Comitê Paralímpico Brasileiro, e o professor Fernando Ewerton, da UFRJ, que

também atuou no projeto do Jornal Paralímpico como orientador.

A edição brasileira do Jornal Paralímpico trouxe o mesmo formato de editoriais

utilizado nas versões em alemão e em inglês e nas edições anteriores do projeto. O

Athletes and Abilities, versão em inglês produzida durante a Rio-2016, inclusive, contou

com um texto assinado pelo Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon.

Os textos dos editoriais tiveram algumas características em comum. Primeiro, a

ênfase no diferencial do projeto, sempre destacando a importância de um produto como

esse, focado especificamente no esporte paralímpico e com uma visão diferente do que

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circula convencionalmente na mídia. Muitos dos textos também reforçavam a questão

de se ver o atleta paralímpico como um atleta de alto rendimento, tirando a ênfase na

história de superação e na questão do herói. Exemplo disso pode-se observar no texto de

Mariana de Mello que trouxe comparação entre marcas de atletas olímpicos e

paralímpicos, mostrando que os paratletas conseguem atingir marcas suficientes para

ganhar provas nas Olimpíadas.

Em ambas as edições, os recordes e marcas das Paralimpíadas do Rio também

estiveram muito presentes, mas por motivos distintos. Na primeira edição, que destacou

o número de modalidades, atletas, profissionais que iriam trabalhar na cobertura e

outros dados, nota-se uma ênfase maior em criar um clima de celebração dos Jogos,

possivelmente ainda motivada pelas notícias da baixa venda de ingressos das

Paralimpíadas após o fim das Olimpíadas. Já na segunda edição, o tom dos primeiros

dados, por ter sido veiculado poucos dias após o encerramento, tendem a ressaltar o

sucesso dos Jogos Paralímpicos.

Os repórteres e o trabalho da cobertura também estão presentes nos textos dos

editoriais, principalmente nos das pessoas mais ligadas ao projeto. Em sua maioria,

destacam as dificuldades e os desafios de se trabalhar na cobertura de um megaevento

esportivo com as complexidades de uma Paralimpíadas. Mas, ao mesmo tempo, ressalta

também se tratar de um momento de diversão e aprendizado, por constituir uma

oportunidade única, para o grupo de estudantes, de cobrir um evento deste porte no

próprio país. Em seu editorial, o professor Fernando Ewerton fala sobre essas

complexidades:

No caso dos Jogos Paralímpicos, o desafio é ainda maior. Não apenas

pelas particularidades de modalidades com as quais os jornalistas não

estão familiarizados, mesmo os acostumados a cobrir os esportes

convencionais. Além das dificuldades comuns, é preciso abordar a

competição de um modo mais amplo, em que nem todas as conquistas

estão no pódio e a vitória muitas vezes ocorre no momento da largada,

e não apenas no fim da prova. Não basta entender as regras, conhecer

os craques, destrinchar os resultados. É preciso ir além para contar a

história de seres humanos que fazem sacrifícios pessoais em busca de

pódios que nem sempre vêm. E compreender que a expectativa do

atleta, com ou sem deficiência, é ainda maior que a do torcedor, para

quem o esporte é um evento ocasional, distante da dedicação diária

daqueles que se arriscam a representar seu país. (EWERTON, 2016, p.

3)

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Além do trabalho nas edições impressas, a equipe de reportagem também

produziu para sites e redes sociais do Paralympics Zeitung. Em ambas as plataformas,

os conteúdos giraram em torno de três eixos: 1. os bastidores do projeto, com fotos e

vídeos dos repórteres realizando entrevistas, escrevendo matérias no hotel ou em

reuniões; 2. o desenvolvimento de uma pauta, com os repórteres falando um pouco

sobre o que estavam escrevendo ou curiosidades; 3. depoimentos, estes mais presentes

no site do Tagesspiegel em forma de diário, com as visões e histórias do dia-a-dia da

cobertura.

Diferente do conteúdo da versão impressa, o material online foi produzido

somente em alemão e inglês. Isso acabou sendo uma falha que impediu uma divulgação

maior do projeto no Brasil. Mesmo dentro de O Globo, o projeto teve pouca

visibilidade, com somente algumas notas divulgando a existência do Jornal

Paralímpico.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo com toda a crise política e econômica que o Brasil atravessava, os Jogos

do Rio foram considerados bem sucedidos pelos atletas e a imprensa internacional,

surpreendendo até o próprio país. Para a imprensa brasileira, a Rio-2016 representou um

marco no jornalismo esportivo, ganhando uma importância e uma diversidade de pautas

pouco vistas antes. Mas a situação acabou sendo muito diferente nas Paralimpíadas,

com o pouco espaço na imprensa, tanto para as transmissões ao vivo dos eventos,

quanto para a repercussão dos acontecimentos e resultados.

Esta reduzida cobertura também acaba sendo alvo de críticas por expressar uma

visão do esporte paralímpico e seus atletas que foge do que é almejado pelo Movimento

Paralímpico. Na contramão desse enfoque, o projeto Paralympics Zeitung e a sua versão

brasileira, o Jornal Paralímpico, vêm para contribuir com a visibilidade do esporte

adaptado e das Paralimpíadas como um todo. Apostando na produção de reportagens

mais aprofundadas ao invés da cobertura do factual, o projeto se mostra bem sucedido

ao trazer matérias que fogem do que normalmente é noticiado, ao explicar como

funcionam as modalidades, que possuem complexidades específicas, contar histórias

dos atletas com um viés diferenciado e falar sobre os lados político, econômico e social.

Para os estudantes da equipe de reportagem, o trabalho representou, sobretudo,

aprendizado múltiplo. Destaca-se, primeiro, a possibilidade de participarem da

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cobertura de um dos maiores eventos esportivos do planeta. Também puderam entender

melhor questões relativas ao esporte paraolímpico e à própria cobertura jornalística

específica que exige. Por fim, é de ressaltar a oportunidade de convivência com

repórteres e atletas de diversas culturas, dentro e fora das arenas cariocas, como vários

mencionaram nos depoimentos publicados na segunda edição do Jornal Paralímpico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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