a china e o brasil na nova ordem internacional · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº...

23
9 RESUMO A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 9-29, nov. 2011 Recebido em 20 de janeiro de 2011. Aprovado em 20 de fevereiro de 2011. André Moreira Cunha A ascensão chinesa à condição de potência econômica e política em nível global tem estado no centro dos debates acadêmicos e políticos. Neste trabalho analisamos alguns impactos desse evento marcante sobre o Brasil. Investigamos o comércio bilateral e os padrões de convergência cíclica entre as duas economias, considerando uma análise mais ampla da competitividade externa da economia brasileira. A partir deste pano de fundo, objetiva-se mapear alguns dos possíveis impactos para o Brasil da ascensão da China à condição de potência global. A ênfase recai sobre a dimensão econômica, especialmente o comércio internacional. Parte-se da perspectiva de que o processo de crescimento e internacionalização da economia chinesa está gerando estímulos capazes de condicionar as possibilidades de desenvolvimento do Brasil ao longo das próximas décadas. Os argumentos estão estruturados em três seções: (i) procura-se apresentar uma visão panorâmica da ascensão chinesa, tomando-se como pano de fundo a dinâmica da "grande divergência"; (ii) faz-se um apanhado da situação contemporânea da economia chinesa; (iii) a análise dos efeitos de sua crescente internacionalização sobre a economia mundial, com ênfase para os casos da América do Sul e Brasil. Concluímos explorando algumas implicações normativas dos nossos resultados. PALAVRAS-CHAVE: Brasil; China; comércio internacional; ciclos de negócios. I. INTRODUÇÃO 1 O sistema capitalista e a ordem internacional que lhe dá sustentação são fenômenos gestados na Europa e espraiados a partir dela. Em um pri- meiro momento, a liderança da Grã-Bretanha foi exercida a partir de base econômica industrial, do seu poder naval e mercantil e da sua capaci- dade de criar instituições emuladas internacio- nalmente, especialmente o padrão monetário-cam- bial centrado no ouro. As demais potências eu- ropéias, especialmente a Alemanha, e países de fora da Europa, como os Estados Unidos da América (EUA) e o Japão, viam na industrializa- ção o meio de reduzir seu atraso relativo (LANDES, 1969; REINHERT, 2007). A disputa por mercados, tecnologias e “espaço vital” de expansão acelerou a dinâmica de inovações tecnológicas e de incorporação da periferia do sistema. A “revolução industrial” e o “imperialis- mo” tornaram-se duas faces de uma mesma moeda (HOBSBAWM, 1989). Nesse contexto, as novas nações independentes da América Lati- na conheceram uma relativa prosperidade como exportadoras de recursos naturais para o “cen- tro”, especialmente a Grã-Bretanha, que era, de fato, uma economia liberal, importadora de ma- térias-primas e exportadora de capitais. Essa ca- racterística reforçou o padrão de concentração de poder, renda e riqueza na classe proprietária rural, algo que já era típico do período colonial. Esse tipo de economia, primário-exportadora, foi a base do modelo social e político latino-ameri- cano, universalmente reconhecido como ainda incapaz de produzir sociedades plenamente de- mocráticas e afluentes. Esse modelo começa a entrar em crise no pe- ríodo entre a I e a II guerras mundiais, quando a própria ordem internacional liberal liderada pela Grã-Bretanha desmoronou. Assim, a primeira metade do século XX assiste a transição de hegemonias, do antigo colonizador para a jovem e ambiciosa ex-colônia, agora guindada à condição de nova potência global. Diferentemente dos bri- 1 Os argumentos aqui delineados atualizam observações já realizadas em outros trabalhos: Cunha e Acioly (2009), Cunha, Monsueto e Bichara (2010) e Lélis, Cunha e Lima (2010). O presente estudo foi apresentados no “I Seminá- rio Sino-Brasileiro – Desenvolvimento Econômico e Segu- rança Internacional”, promovido pelo Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Nerint-Ufrgs), Porto Alegre, nos dias 12 e 13 de abril de 2010. DOSSIÊ “CHINA: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SEGURANÇA INTERNACIONAL”

Upload: dangque

Post on 10-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

9

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

RESUMO

A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEMINTERNACIONAL

Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. suplementar, p. 9-29, nov. 2011Recebido em 20 de janeiro de 2011.Aprovado em 20 de fevereiro de 2011.

André Moreira Cunha

A ascensão chinesa à condição de potência econômica e política em nível global tem estado no centro dos debatesacadêmicos e políticos. Neste trabalho analisamos alguns impactos desse evento marcante sobre o Brasil. Investigamos ocomércio bilateral e os padrões de convergência cíclica entre as duas economias, considerando uma análise mais amplada competitividade externa da economia brasileira. A partir deste pano de fundo, objetiva-se mapear alguns dos possíveisimpactos para o Brasil da ascensão da China à condição de potência global. A ênfase recai sobre a dimensão econômica,especialmente o comércio internacional. Parte-se da perspectiva de que o processo de crescimento e internacionalizaçãoda economia chinesa está gerando estímulos capazes de condicionar as possibilidades de desenvolvimento do Brasil aolongo das próximas décadas. Os argumentos estão estruturados em três seções: (i) procura-se apresentar uma visãopanorâmica da ascensão chinesa, tomando-se como pano de fundo a dinâmica da "grande divergência"; (ii) faz-se umapanhado da situação contemporânea da economia chinesa; (iii) a análise dos efeitos de sua crescente internacionalizaçãosobre a economia mundial, com ênfase para os casos da América do Sul e Brasil. Concluímos explorando algumasimplicações normativas dos nossos resultados.

PALAVRAS-CHAVE: Brasil; China; comércio internacional; ciclos de negócios.

I. INTRODUÇÃO1

O sistema capitalista e a ordem internacionalque lhe dá sustentação são fenômenos gestadosna Europa e espraiados a partir dela. Em um pri-meiro momento, a liderança da Grã-Bretanha foiexercida a partir de base econômica industrial,do seu poder naval e mercantil e da sua capaci-dade de criar instituições emuladas internacio-nalmente, especialmente o padrão monetário-cam-bial centrado no ouro. As demais potências eu-ropéias, especialmente a Alemanha, e países defora da Europa, como os Estados Unidos daAmérica (EUA) e o Japão, viam na industrializa-ção o meio de reduzir seu atraso relativo(LANDES, 1969; REINHERT, 2007). A disputapor mercados, tecnologias e “espaço vital” deexpansão acelerou a dinâmica de inovações

tecnológicas e de incorporação da periferia dosistema. A “revolução industrial” e o “imperialis-mo” tornaram-se duas faces de uma mesmamoeda (HOBSBAWM, 1989). Nesse contexto,as novas nações independentes da América Lati-na conheceram uma relativa prosperidade comoexportadoras de recursos naturais para o “cen-tro”, especialmente a Grã-Bretanha, que era, defato, uma economia liberal, importadora de ma-térias-primas e exportadora de capitais. Essa ca-racterística reforçou o padrão de concentraçãode poder, renda e riqueza na classe proprietáriarural, algo que já era típico do período colonial.Esse tipo de economia, primário-exportadora, foia base do modelo social e político latino-ameri-cano, universalmente reconhecido como aindaincapaz de produzir sociedades plenamente de-mocráticas e afluentes.

Esse modelo começa a entrar em crise no pe-ríodo entre a I e a II guerras mundiais, quando aprópria ordem internacional liberal liderada pelaGrã-Bretanha desmoronou. Assim, a primeirametade do século XX assiste a transição dehegemonias, do antigo colonizador para a jovem eambiciosa ex-colônia, agora guindada à condiçãode nova potência global. Diferentemente dos bri-

1 Os argumentos aqui delineados atualizam observações járealizadas em outros trabalhos: Cunha e Acioly (2009),Cunha, Monsueto e Bichara (2010) e Lélis, Cunha e Lima(2010). O presente estudo foi apresentados no “I Seminá-rio Sino-Brasileiro – Desenvolvimento Econômico e Segu-rança Internacional”, promovido pelo Núcleo de Estratégiae Relações Internacionais da Universidade Federal do RioGrande do Sul (Nerint-Ufrgs), Porto Alegre, nos dias 12 e13 de abril de 2010.

DOSSIÊ “CHINA: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SEGURANÇAINTERNACIONAL”

Page 2: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

10

A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

tânicos, os estadunidenses também eram grandesprodutores de alimentos, minérios e energia, sen-do a economia dos EUA mais autocentrada e pro-tecionista. Como Prebisch (1950; 1984) já haviaobservado, esse deslocamento do eixo-dinâmicoda economia mundial seria decisivo para o futurodos países latino-americanos. Para ilustrar doisexemplos paradigmáticos, basta lembrar os desti-nos de Argentina e Brasil. A Argentina era uma dasnações mais ricas do mundo no período de suasimbiose com a Grã-Bretanha. Como exportado-ra de recursos naturais para o mundo industriali-zado esse país viveu sua belle époque. O Brasil,por outro lado, assimilou a crise hegemônica, es-pecialmente depois de 1930, como sendo a senhapara a mudança do seu modelo de desenvolvimentoe, conseqüentemente, de estrutura social. O“desenvolvimentismo” baseado na industrializaçãopassa a ser uma ideologia comungada por váriosgovernos, do nacionalista Vargas ao liberal Jusce-lino, passando pelos militares, particularmenteGeisel.

O ideário desenvolvimentista via na especiali-zação produtiva em produtos intensivos em re-cursos naturais uma fonte de atraso e estagna-ção. A diversificação produtiva rumo às ativida-des manufatureiras e o setor de serviços e a ur-banização eram os objetivos centrais da moder-nização periférica brasileira. Tal padrão entrouem crise no começo dos anos 1980, dada a difi-culdade de equacionar o problema da dívida ex-terna. As décadas que se seguiram forammarcadas pela busca da estabilidademacroeconômica e por reformas estruturaisliberalizantes, que prometiam garantir a retoma-da do crescimento, mas que só produziram tra-jetórias instáveis com pequenos surtos de expan-são alimentados por crédito externo seguidos denovas crises financeiras. Os países latino-ame-ricanos, particularmente os sul-americanos, sóirão acelerar seu crescimento na primeira déca-da do século XXI sob os auspícios da crescentedemanda chinesa por matérias-primas, abundan-tes na região.

Portanto, a despeito das expectativas criadascom o final da Guerra Fria, de que o mundo enca-minhava-se para uma ordem unipolar centrada nosEUA, a primeira década do século XXI parece tercristalizado a percepção de que há uma novamultipolaridade em gestão. A “emergência do res-to” (AMSDEN, 2001), particularmente da China,

tem conformado novos vetores de transformaçõesem múltiplas dimensões da vida social. A partir dessepano de fundo, este trabalho tem por objetivomapear alguns dos possíveis impactos para o Bra-sil da ascensão da China à condição de potênciaglobal. A ênfase recairá sobre a dimensão econô-mica, especialmente o comércio internacional. Par-te-se da perspectiva de que o processo de cresci-mento e internacionalização da economia chinesaestá gerando estímulos capazes de condicionar aspossibilidades de desenvolvimento do Brasil ao longodas próximas décadas. Mais especificamente, ocrescimento chinês tem ampliado a demanda glo-bal por recursos naturais (alimentos, minérios eenergia), influenciando, decisivamente, os ciclos depreços das commodities, e criando uma forçagravitacional intensa em torno do modelo de espe-cialização na produção e exportação desses produ-tos. Por outro lado, as exportações de manufaturaschinesas representam uma ameaça concreta aospaíses que, como o Brasil, procuraram desenvol-ver estruturas produtivas mais diversificadas e com-plexas.

Além desta Introdução, os argumentos estãoestruturados em mais quatro seções. Nasequência procura-se apresentar uma visão pa-norâmica da ascensão chinesa, tomando-se comopano de fundo a dinâmica da “grande divergên-cia” (POMERANZ, 2000). Segue o apanhado dasituação contemporânea da economia chinesa ea análise dos efeitos de sua crescenteinternacionalização sobre a economia mundial,com ênfase para os casos da América do Sul eBrasil. As considerações finais retomam os prin-cipais argumentos.

II. PERPECTIVAS SOBRE A ASCENSÃO DACHINA

O capitalismo emergiu e irradiou-se como umprocesso social liderado pelos países ocidentais,especialmente Inglaterra e EUA. Na longa transi-ção do feudalismo para o capitalismo, a Chinaaparecia no imaginário e na realidade econômica epolítica da Europa como um país misterioso e fe-chado, repleto de promessas de rápido enriqueci-mento para quem lograsse penetrar em suas en-tranhas2. Até meados do século XIX havia a per-

2 Uma visão de longo prazo sobre a ascensão, queda ereemergência do mundo asiático está nos trabalhos organi-zados por Arrighi, Hamashita e Selden (2003).

Page 3: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

11

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

cepção, expressa por inúmeros contemporâneos,de Adam Smith a Napoleão Bonaparte, de que ograu de desenvolvimento tecnológico e econômi-co chinês rivalizava, senão superava, ao experi-mentado no Ocidente. Todavia, com a consolida-ção da industrialização e suas implicações positi-vas sobre acumulação de poder econômico e mi-litar, o confronto entre as potências européiasemergentes, particularmente a Inglaterra, e o Im-pério do Meio passou a revelar uma nova realida-de: a incapacidade da China em acompanhar o rit-mo de transformações em curso no mundo oci-dental. Não foi sem surpresa, para europeus echineses que, de derrota militar em derrota mili-tar, o Império desfez-se. E, mais importante, in-verteu-se a percepção ocidental sobre a China. Decivilização misteriosa, avançada e próspera, paraum país cronicamente inviável, cuja populaçãoseria material e culturalmente inferior (SPENCE,1999; HUTTON, 2007).

Vários dos mais destacados intérpretes do ca-pitalismo debruçaram-se sobre o que percebiamser o fracasso chinês. Marx via na China o exem-plo mais primitivo do modo asiático de produ-ção, caracterizado pela longa estagnação em umestágio de desenvolvimento agrário e de baixodinamismo, incapaz de criar as pré-condiçõespara a emer gência do capitalismo. Max Weberdestacou características por ele percebidas como

intrínsecas aos chineses, tais comodesonestidade, docilidade excessiva, incapacida-de de estabelecimento de laços mútuos de confi-ança, dentre outros, que seriam incompatíveiscom o “espírito do capitalismo”. Ademais, emcontraste com a Europa protestante, faltariam naChina os incentivos para a poupança e o trabalhometódico e pesado. Tais elementos culturais con-denariam a China ao atraso (SPENCE, 1999).Ecos contemporâneos da visão dos maiores ex-poentes do pensamento social do século XIXaparecem, por exemplo, em North (1995), queidentifica a origem do atraso chinês na ausênciade direitos de propriedade e, portanto, na arbi-trariedade no exercício do poder pelo Estadocontra os indivíduos empreendedores. Landes(1998) reconhece o que é voz corrente entre ossinólogos, ou seja, que a China foi uma civiliza-ção em muitos sentidos eficiente e mais avança-da que as civilizações ocidentais contemporâne-as, mas que não foi capaz de conformar institui-ções adequadas ao pleno funcionamento do ca-pitalismo. Assim como Weber e North, Landesaponta o caráter conservador e fechado da soci-edade chinesa como tendo sido determinante parao atraso relativo do país frente ao mundo oci-dental capitalista.

Os gráficos 1, 2 e 3 fornecem contornos maisprecisos do debate:

GRÁFICO 1 – PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB) CHINÊS, 1-2008 D.C. (% DO PIBMUNDIAL)

FONTE: Maddison (2010).

Page 4: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

12

A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

As estimativas de Maddison (1998; 2007) su-gerem que até meados do século XVI, em ter-mos da renda per capita, e até o começo do sé-culo XIX, quando se toma o produto total, a China

GRÁFICO 2 – POPULAÇÃO DA CHINA, 1-2009 D.C. (% DO TOTAL MUNDIAL)

FONTE: Maddison (2010).

FONTE: idem.

GRÁFICO 3 – RENDA PER CAPITA DA CHINA EM RELAÇÃO AO MUNDO E AOS EUA, 1-2008 D.C. (% DO TOTAL MUNDIAL)

FONTE: Maddison (2010).

apresentava um nível de desenvolvimento equiva-lente ou superior o verificado no Ocidente. Umvasto império, com uma área semelhante à daEuropa Ocidental, abrigava, entre os séculos XVI

Page 5: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

13

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

e XIX, uma população cerca de duas vezes supe-rior do que o conjunto dos principais países oci-dentais. A visão marxiana de uma sociedade agrá-ria e atrasada não parece ajustar-se a um conjuntoamplo de evidências de que a China possuía umabase produtiva capaz de, em 1750, produzir maisferro do que em toda a Europa (HUTTON, 2007).Não à toa, os imperadores e o mandarinato chinêsenxergavam o país como sendo o centro maisavançado do mundo conhecido, técnica, moral eculturalmente.

Por outro lado, os dados também confirmama incapacidade chinesa de acompanhar o avançomaterial verificado a partir da industrialização ca-pitalista dos países europeus, posteriormente emu-lada por potências emergentes como EUA e Ja-pão. Assim, se no começo do século XIX a eco-nomia chinesa representava 1/3 da economia mun-dial, em 1950 tal participação não ultrapassava 5%.Sua renda per capita era equivalente à média mun-dial e superior à verificada nos EUA até o séculoXVIII. Porém, no século XIX tal quadro já apre-sentava uma reversão completa e, no auge dopoder estadunidense, na segunda metade do sé-culo XX, um chinês possuia um nível de vida equi-valente a 1/20 de um habitante dos EUA e um 1/5da média mundial. E isso ocorreu a despeito dofato de sua população seguir oscilando em tornode 20% do total global.

O atraso econômico transmutou-se em perdade poder militar, que em paralelo à rigidez do sis-tema político doméstico, redundou em derrotasnos enfrentamentos contra potências ocidentais,particularmente a Inglaterra, ou vizinhos podero-sos como Rússia e Japão. Em 1912, o Impériodesfez-se. A jovem república não foi capaz deconter a decadência. Em 1949, sob o comandode Mao Zedong, os comunistas impuseram-se atarefa de recuperar o poderio chinês. Desde en-tão, em vários momentos, manifestou-se o desejode sobrepujar as potências ocidentais. No “Gran-de Salto à Frente” (1958-1963) Mao prometia quea produção siderúrgica chinesa haveria de ultra-passar a britânica. Mesmo hoje, as lideranças chi-nesas apontam que o ano de 2050 marcaria a rea-lização da promessa de Mao de que a China con-cretizaria seu catching-up, deixando para trás maisde cem anos de derrotas e humilhações (WU,2005; BIJIAN, 2005; 2006; MAHBUBANI, 2005;ZWEIG & JIANHAI, 2005; HUTTON, 2007;WOMACK, 2010). É nesse contexto que algunssinólogos sugerem que a proclamação da Repú-

blica e a Revolução Comunista são movimentosiniciais de reafirmação da nação (PINTO, 2000)3.

A consciência de que a estratégia introvertidae baseada na coletivização forçada não havia lo-grado resultados em termos de reafirmação dopoderio chinês que passou a nortear a visão dereformistas como Deng Xiaoping. Uma vez nopoder, eles deram início a um processo de abertu-ra e modernização econômica acelerada. Desdeentão, a China vem apresentando uma vigorosatrajetória de crescimento e internacionalização.

III. A CHINA CONTEMPORÂNEA

A República Popular da China é um país conti-nental, com uma área de 9,6 milhões de quilôme-tros quadrados4 e que abriga a maior população domundo. Desde o final dos anos 1970, o país vemexperimentando um processo intenso de moderni-zação de sua economia, integração aos fluxos in-ternacionais de comércio e investimentos, o queestá gerando uma profunda transformação de suaprópria realidade sócio-econômica, bem como daordem econômica e política internacional.

Sob o comando de Mao Zedong, a China lan-çou-se em um esforço de modernização aceleradano assim chamado “Grande Salto Adiante”5. A criseque se seguiu ao fracasso dessa iniciativa e oesfriamento das relações com a União Soviética

3 Insiders do processo de abertura e modernização naChina enfatizam a linha de continuidade entre as reformaspropostas por Deng Xiaoping e a revolução de MaoZedong. Ver, por exemplo, Wu (2005; 2006) e Bijian (2006).4 Localizada no leste do continente asiático, a China écercada pelo Mar do China Oriental, a Baía da Coréia, oMar Amarelo e o Mar da China Meridional. O país temfronteiras terrestres com 14 outras nações, quais sejam:Afeganistão (76 km), Butão (470 km), Burma (2 185 km),Índia (3 380 km), Cazaquistão (1 533 km), Coréia do Norte(1 416 km), Quirguistão (858 km), Laos (423 km), Mongólia(4 677 km), Nepal (1 236 km), Paquistão (523 km), Rússia(3 605 km ao Nordeste e 40 km ao Noroeste), Tadjiquistão(414 km) e Vietnã (1 281 km). A fronteira interna comHong Kong é de 30 km e com Macau, de 0,34 km. A ilha deTaiwan (Formosa ou Taipei) é considerada pelos chinesescomo parte integrante do seu território. Em termos de re-cursos naturais, o território chinês é rico em carvão, miné-rio de ferro, petróleo, gás natural, mercúrio, tungstênio,antimônio, magnésio, molibdênio, vanádio, magnetita, alu-mínio, zinco, urânio, chumbo etc. Para mais informações,ver CIA (2011).5 Esses e os demais parágrafos estão baseados em Cunhae Silva (2009).

Page 6: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

14

A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

levou à adoção de uma estratégia isolacionista ede busca de autossuficiência. A radicalização po-lítica derivada da Revolução Cultural desorgani-zou ainda mais a economia. Todavia, a partir dadécada de 1970, o país buscou estreitar mais seuslaços com a economia mundial, particularmentecom os mercados ocidentais (YUFAN HAO, WEI& DITTMER, 2009; WOMACK, 2010).

As lideranças políticas e os ideólogos do Parti-do Comunista da China (PCC) têm se utilizado dediversas expressões-síntese da especificidade dasua própria trajetória de modernização, tais como“socialismo de mercado”, “socialismo com ca-racterísticas chinesas”, “caminho do desenvolvi-mento pacífico”, “abordagem científica do desen-volvimento e a estratégia de construção de umasociedade socialista harmoniosa”, “ascensão pa-cífica à condição de potência”, para citar algumasdas mais representativas. Conforme argumenta umdos intelectuais reformistas mais influentes naChina contemporânea (BIJIAN, 2005; 2006) 6, adecisão chinesa de abraçar em vez de repudiar aglobalização estaria no centro das principais deci-sões políticas dessas últimas décadas, refletindoa compreensão de que o crescimento econômicopor meio de reformas que ampliassem os espaçosdos mercados seria um instrumento central parao “rejuvenescimento da nação”. Vale dizer, sabe-dores do seu enorme atraso relativo e do fracassodas estratégias coletivistas, os líderes da era pos-terior a Mao Zedong adotaram o pragmatismo nacondução de sua estratégia de crescimento, en-tendido este como um objetivo intermediário donorte maior que, desde há muito persegue os chi-neses: a recuperação de uma posição hierarquica-mente superior na ordem internacional (WU, 2005;2006).

Conscientes de que seu sucesso até aqui aindaé insuficiente para a conformação de uma socie-dade “moderadamente próspera”, e de que a pers-pectiva de concretização daquele objetivo maiordescortina-se rapidamente, gerando tensões diver-sas – particularmente nos planos geopolítico egeoeconômico – os líderes da China contemporâ-nea buscam refúgio no conceito da “ascensãopacífica”. Assim, na perspectiva chinesa haveriauma tentativa diferenciação da sua trajetória com

respeito à de outros países, que em momentossemelhantes acabaram provocando conflitos po-líticos e guerras, como nos casos de Alemanha eJapão (BIJIAN, 2005; 2006).

Há, aqui, um diálogo nem sempre explícito coma literatura ocidental de história e política interna-cional, cujas análises procuram modelar o pro-cesso de “ascensão e queda” das grandes potên-cias (KENNEDY, 1987; LANDES, 1998; FIORI,2004). Nesse tipo de abordagem constata-se aconfluência de elementos de acumulação de po-der – hard e soft (militar, político, científico, cul-tural e econômico) – no estabelecimento dehegemonias globais ou regionais. A ascensão deuma nova potência estaria quase sempre associa-da ao declínio de outra, de modo que, recorrente-mente, a guerra acabou sendo o desaguadouro dastensões provocadas pelo choque entre ascenden-tes e decadentes. Os chineses não querem serpercebidos como uma ameaça global, a despeitodo fato de não esconderem sua estratégia políticade longo prazo, que é a de colocar a civilizaçãochinesa em uma posição de centralidade, mas nãonecessariamente de hegemonia, na ordem inter-nacional.

Condicionantes domésticos e externosinteragem na conformação da visão chinesa so-bre os desafios resultantes de sua “ascensão pa-cífica”. Assim, por exemplo, o 1 1o PlanoQüinqüenal (2006-2010) estabeleceu os funda-mentos para o desenvolvimento chinês nas duasprimeiras décadas do século XXI. Seguindo oconceito firmado no 10º Plano de conformaçãode uma “sociedade moderadamente próspera”,explicita-se a preocupação de que o maior desafiodepois de alcançado o crescimento econômico,expresso no aumento da renda per capita, é o detambém fortalecer o bem-estar social. Outro con-ceito importante é o dos “Três Representantes”,em que caberia ao Partido Comunista representaras necessidades de desenvolvimento das forçasprodutivas chinesas, o desenvolvimento da cultu-ra chinesa, e os interesses fundamentais da maio-ria da população chinesa. Por meio desses princí-pios, o desenvolvimento econômico, buscado pormeio de reformas7 e maior abertura, deve ser com-preendido como o principal objetivo instrumental

6 Em 2006, Zheng Bijian era Presidente do Fórum deReformas da China e Vice-Presidente Executivo da Escolado Partido Comunista.

7 Modernização dos transportes, reforma no setor bancá-rio, otimização da utilização dos recursos não renováveis,dentre outros.

Page 7: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

15

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

(ou intermediário) do governo chinês. Até porqueo crescimento acelerado e a geração de empregossão condições necessárias para a estabilidade so-cial. A partir da história chinesa emergem fantas-mas sobre desordem e caos, geralmente provo-cados pela revolta popular ante o excesso de rigordo poder central, particularmente em momentosde escassez de recursos (PINTO, 2000;GREENVILLE, 2005; WU, 2005).

Na avaliação de Bijian (2006) existiriam inú-meras condições favoráveis para a concretizaçãode um novo período de prosperidade. Em primei-ro lugar, as mudanças no padrão de consumo in-terno, a partir do incremento da renda per capita,estimulariam a consolidação de uma estrutura pro-dutiva diversificada e mais vinculada aos gastosdomésticos. Em paralelo, haveria ainda amplo es-paço para explorar a abundância de mão-de-obra,cuja qualificação vem expandindo-se, e a maioroferta e qualidade relativa da infraestrutura, espe-cialmente em transportes e comunicações. Nãomenos importante, Bijian ressalta o que consideraser um ambiente de estabilidade política e de con-solidação do socialismo de mercado. Não obstanteas condições favoráveis, o 11o Plano Qüinqüenalnão desconsiderou os desafios a serem enfrenta-dos, particularmente nas áreas de utilização dosrecursos naturais, especialmente a água, busca demaior eficiência energética, proteção do meioambiente e redução das desigualdades provocadaspelo crescimento desproporcionalmente mais ace-lerado de certas regiões urbanas, em detrimentodo hinterland ou do mundo rural em geral, queabriga mais da metade da população.

Para sustentar o crescimento e reduzir os seusimpactos negativos a China deverá contar comuma teia ampla de relações internacionais. Por isso,seguindo ainda a leitura de Bijian (idem) sobre asprioridades estratégias da China, expressas no seumais recente Plano Qüinqüenal, o governo chinêsvê o cenário internacional como um ambiente deinterdependência, de aprofundamento daglobalização e de condições favoráveis ao desen-volvimento do país. Essas condições seriam: (i) amudança nas relações entre as grandes potênciasno período posterior à Guerra Fria; (ii) a possibi-lidade da China, por meio do seu desenvolvimen-to pacífico, oferecer oportunidades de crescimen-to para outras nações; ( iii) em especial, a coope-ração com os países em desenvolvimento e a ga-rantia de uma relação especial e estratégica; ( iv)

as oportunidades de relação com os países vizi-nhos, e a busca pela solução dos conflitos diver-sos; (v) a preferência pela multilateralidade comoimportante forma de relação diplomática, ou al-ternativamente, o repúdio às posturas unilateraisdas potências hegemônicas. O ambiente interna-cional, embora seja favorável, também apresentadesafios, como os desdobramentos protecionis-tas das disputas por mercados, recursos etecnologias (YUFAN HAO, WEI & DITTMER,2009). Além disso, a ascensão da China pode servista como uma ameaça pelas grandes potências,levando o país a ter de reforçar sua idéia de desen-volvimento pacífico. Ressalte-se que, em pratica-mente todas as determinações chinesas em relaçãoàs relações internacionais, podem ser vistos os Cin-co Princípios de Coexistência Pacífica 8.

A “abertura ao mundo exterior” deu-se em eta-pas. Inicialmente foram eleitas quatro regiões es-tratégicas para a introdução de um regime comer-cial e de atração de investimento direto estrangeiro,as chamadas Zonas Econômicas Especiais (ZEEs).Essas nada mais eram do que as típicas Zonas deProcessamento de Exportações (ZPEs) que já seespalhavam pelas economias em desenvolvimento,particularmente na Ásia. Nas ZPEs, assim comonas congêneres chinesas, são estabelecidas regrasdiferenciadas de tratamento do comércio exterior ,com redução de procedimentos administrativos paraa exportação e importação e, principalmente, a for-te redução – no limite, eliminação – dos impostosde importação sobre insumos utilizados para a pro-dução voltada ao mercado internacional. Adicional-mente, podem ser ofertados subsídios fiscais, naforma de tributação diferenciada, para atrair inves-tidores estrangeiros, que além de fornecerem capi-tais e tecnologia, possuem canais de comercializaçãoem escala global.

As lideranças chinesas escolheram a dedo suasprimeiras ZEEs, de modo a atrair os investimen-tos de chineses ou sino-descendentes residentesna região. A maior ZEE, Shenzen, beneficiou-se

8 Esses princípios têm mais de 50 anos e foram sugeridosoriginalmente por Chu Em-lai, estrategista da diplomaciachinesa, pouco depois da formação da República Popularda China. São eles: (1) respeito mútuo à soberania e integri-dade nacional; (2) não agressão; (3) não intervenção nosassuntos internos de um país por parte de outro; (4) igual-dade e benefícios recíprocos; (5) coexistência pacífica entreestados com sistemas sociais e ideológicos diferentes.

Page 8: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

16

A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

por sua proximidade com Hong Kong. Empresassediadas nessa que hoje é uma região administra-tiva especial da China continental, passaram a atuarna ZEE e a estabelecer contratos desubcontratação com uma miríade de empresas novale do Rio das Pérolas. A ZEE de Zhuhai locali-zou-se perto de Macau. A ZEE de Shantou foiposicionada em uma região da província deGuangdong, em que há um grupo étnico com for-tes ligações com minorias sino-descendentes quevivem no Sudeste Asiático. Por fim, a ZEE deXiamen foi instalada perto de Taiwan, e aprovei-ta-se da proximidade geográfica e cultural parapotencializar suas atividades.

Com o esforço prévio de entrada na Organiza-ção Mundial do Comércio (OMC) e com o in-gresso efetivo em 2001, o regime de investimentoda China foi adaptando-se aos parâmetros usuaisdas economias de mercado. Os incentivos tribu-tários foram sendo nivelados entre empresas es-trangeiras e nacionais, eliminando parte das van-tagens locacionais das primeiras. Por um lado, osimpostos são, em geral, considerados moderados,a conta corrente é conversível, há acordos de pro-teção de investimento com a maior dos países,bem como provisões legais para a proteção dosinvestidores estrangeiros. Por outro, manteve-seuma forte liberdade dos governos locais na nego-ciação de condições diferenciadas para a aprova-ção de novos projetos de inversão. É importantenotar, também, que originalmente o investimentoestrangeiro entrava, predominantemente, na for-ma de joint-ventures. A partir do final dos anos1990, passou a predominar a modalidade de con-trole integral (ou majoritário) por parte do investi-dor forâneo.

Como resultado desse processo, e tomandopor referência a base de dados da Unctad 9 pode-se verificar que, em 1980, o estoque de Investi-mento Direto Estrangeiro (IDE) na economia chi-nesa era de US$ 1 bilhão. Desde então, e até 1991,os fluxos de entradas anuais de investimento es-trangeiro situavam-se abaixo de US$ 5 bilhões porano. Após a viagem de Deng Xiaoping para asregiões costeiras do Sul, em 1992, em que reafir-mou seu compromisso com abertura da econo-

mia, e, depois disso, com a introdução de novasmedidas liberalizantes, aqueles fluxos passaram auma média superior a US$ 40 bilhões/ano no res-tante da década de 1990, e de mais de US$ 60bilhões/ano, em média, nos anos 2000. Em 2007,a China recebeu US$ 83,5 bilhões e, em 2008,US$ 108,3 bilhões. Em 2009, sob o efeito da cri-se financeira global, tal fluxo foi de US$ 95 bi-lhões, fazendo que o estoque de IDE atingisse amarca de US$ 473 bilhões nesse último ano. Talmontante equivalia a 10% do PIB chinês. Naquelemesmo ano, as reservas internacionais eram deUS$ 2 425 bilhões e, no final de 2008, dívida ex-terna atingia US$ 378 bilhões. Com isso, os ati-vos de reserva equivaliam a mais do que o triplodos estoques de investimento direto e dívida. Aconexão entre IDE e exportações pode ser avalia-da na estimativa da Unctad de que as filiais deempresas multinacionais exportaram US$ 444 bi-lhões em 2005 (60% do total exportado pelo país),contra os US$ 12 bilhões exportados em 1991(17% do total).

Os investimentos chineses no exterior tambémpassaram a crescer. Em 1999, quando várias açõesvisando a ampliação dos investimentos chinesesno exterior foram lançadas com a alcunha de“Going Global Strategy”, o estoque de investimen-to chinês no exterior era de US$ 25 bilhões. Em2009, tal montante passou a US$ 230 bilhões.Somente no ano de 2008, os fluxos de saídas deinvestimento chinês atingiram o recorde de US$52 bilhões, mais de 20 vezes a média do período1990-2000. Em 2009, tais fluxos foram de US$48 bilhões. A política de “Going Global” evidenciaa estratégia chinesa de construir “campeões naci-onais”. Além de nuclear o esforço industrializante,os conglomerados chineses vêm sendo incentiva-dos pelo governo a avançar em seus processos deinternacionalização. Os conglomerados estatais naárea de petróleo e gás, como a Sinopec, Cnooc ea Petrochina, representam a articulação entre abusca de segurança energética, a política externae a estratégia de crescimento de longo prazo. Ain-da na área de commodities há outros gigantes comcontrole ou participação estatal, como a AluminumCorporation of China (Chalco) e a Baosteel. Nosetor de bens de consumo, telecomunicações eprodutos eletrônicos, há empresas como Huawei,TCL, Lenovo, Boe Technology e Galanz. Há, ain-da, corporações que estão em trajetória deinternacionalização em setores como alimentos ebebidas (Tsingtao e Cofco International), comér -

9 Referente ao “W orld Investment Report 2009”(UNCTAD, 2009b) da Conferência das Nações Unidas parao Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) e ao “CountryProfile – China”, também da Unctad (2010).

Page 9: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

17

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

cio e navegação (China Ocean Shipping Group eSinochem Corp) e construção civil (China StateConstruction and Engineering Company). Todasessas empresas aparecem nas listas de maiorestransnacionais oriundas de países em desenvolvi-mento e, algumas estão entre as maiores de seusrespectivos setores em nível internacional, mes-mo quando se incluem empresas dos países in-dustrializados.

Ao considerar-se as empresas de Hong Kong,Taiwan e de sinodescendentes – os chineses deultramar (overseas Chineses) – em países asiáti-cos como Cingapura, Malásia, e Tailândia, nota-se uma influência crescente de capitais chinesesna região e em nível global. Nesse sentido, é pos-sível perceber a lógica da política chinesa de bus-car um aprofundamento das relações econômicasno plano regional, tanto pela via usual dos fluxosde comércio e investimento, quanto pela constru-ção de laços institucionais mais sólidos, em que opaís busca cooptar vizinhos que poderiam, emprincípio, serem deslocados dos mercados glo-bais por força da concorrência chinesa e que pas-sam a ter no próprio mercado chinês uma fontesubstituta de dinamismo, conforme será detalha-do na seqüência. Também dessa forma estar -se-ia retornando a um papel histórico de liderança

regional e que fora amortecido pela ascensão dospaíses europeus na era posterior à revolução in-dustrial (ARRIGHI, HAMASHITA & SELDEN,2003; KANG, 2007; WOMACK, 2010).

Com um crescimento médio de sua renda de10% ao ano (cf. Gráfico 4, a seguir) entre 1979 e2009, a economia chinesa já é uma das três maio-res do mundo10. Os dados mais recentes do Ban-co Mundial (WORLD BANK, 2010), que se refe-rem ao ano de 2009, apontam que com uma po-pulação de 1 331 milhões de habitantes, a rendaper capita chinesa ainda é relativamente modesta:US$ 3 590 em dólares correntes, ocupando a 84ªposição no ranking do Banco Mundial de 159 pa-íses com dados disponíveis; ou de US$ 6 770 percapita, em paridade poder de compra, o que sig-nifica a 80ª posição. Para colocar-se em perspec-tiva, em termos de valores correntes o PIB percapita da China equivalia a 7,6% do PIB per capitados EUA, ao passo em que paridade poder de com-pra tal proporção era de 14,5%. Na classificaçãodo Banco Mundial, a China é considerada um paísde renda médio-baixa (WORLD BANK, 2011b).Em termos de Índice de Desenvolvimento Huma-no (IDH) (UNDP, 2011), a China apresenta umnível médio de desenvolvimento, aparecendo na89ª posição entre os 169 países.

FONTE: WORLD BANK (2011a).

GRÁFICO 4 – CRESCIMENTO DO PIB DA CHINA, 1961-2009 (% AO ANO)

10 Tomando em consideração o ano de 2009, aAgência Central de Inteligência (CIA, na siglaem inglês) coloca a China (US$ 8 748 bilhões)na terceira posição, quando se considera o PIBem paridade poder de compra. NesSe caso, aUnião Européia (US$ 14 430 bilhões) seria a

maior economia, seguida dos EUA (US$ 14 140 bilhões).Ver CIA (2011). Para esse mesmo ano, a Banco Mundialposiciona a China como a segunda maior em paridade po-der de compra (US$ 9 019 bilhões), logo atrás dos EUA.Em valores correntes, sua economia seria, nesse ano, a ter-ceira maior, atrás dos EUA e Japão.

Page 10: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

18

A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

A velocidade do crescimento chinês veioacompanhada por intensas transformações estru-turais11. Em 1978, o país tinha uma população de982 milhões de habitantes, dos quais 82% vivamna zona rural. Naquele momento, 40% da produ-ção e 70% do emprego originavam-se do setorprimário. A indústria respondia por 30% do PIB e18% do emprego, ao passo que o setor de servi-ços gerava os outros 30% do produto e 12% doemprego. Em 2009, a população era 39% maior ea taxa de urbanização havia subido para 44%.Nessa nova realidade, as atividades econômicastipicamente urbanas também passaram a respon-der pela maior parte da produção – 49% pela in-dústria e 40% pelos serviços – e emprego – 60%(27% na indústria e 33% em serviços)(NAUGHTON, 2007). As atividades primáriasgeravam 11% do produto e 40% do emprego.

A transição de uma economia de planejamentocentral para uma economia cujas decisões econô-micas tornaram-se descentralizadas e, fundamen-talmente, mediadas pelos mercados, também alte-rou radicalmente as formas institucionais da orga-nização do mundo da produção. Assim, por exem-plo, em 1978, 69% dos empregos eram geradospelas fazendas coletivas e 14% por empresas esta-

tais. Os empregos restantes distribuíam-se na ad-ministração direta do governo, em empresas públi-cas das municipalidades, em empresas coletivasurbanas e outras atividades agrícolas. Em 2003, oemprego distribuía-se da seguinte forma: 47% naagricultura familiar, 16% nas empresas municipaisnão estatais, 11% em empresas privadas, nacionaise estrangeiras, bem como negócios familiares, 11%no setor estatal, 13% nos setores informais, alémde 2% de desocupação. Vale dizer, do controle ab-soluto sobre a economia, o Estado passou a ter ainfluência direta sobre uma parcela minoritária dospostos de trabalho gerados na China.

Do ponto de vista da estrutura da demanda,em 2009 a China contava com a seguinte compo-sição: o consumo privado respondia por 35%, oconsumo governamental por 13%, os investimen-tos por 48% e as exportações líquidas por 4%. Éinteressante notar que, nos últimos anos, os in-vestimentos vêm ampliando-se de maneira expres-siva, tendo passado de 30% a 35% no final dosanos 1980, começo dos anos 1990, para mais de40% do PIB nos anos 2000. Em contrapartida, oconsumo privado teve sua participação reduzidaem cerca de 15 pontos percentuais do PIB entre1990 e 2009 (Gráfico 5, a seguir).

FONTE: WORLD BANK (2011).

GRÁFICO 5 – COMPOSIÇÃO DA ABSORÇÃO DOMÉSTICA DA CHINA, 1970-2009 (% DOPIB)

11 Os dados aqui apresentados foram obtidos no NationalBureau of Statistics of China, em seu “China StatisticalYearbook 2007” (NBSC, 2007), no “The Key Indicators

for Asia and the Pacific 2010” (ADB, 2010), em Naughton(2007), Wu Jiglian (2005), e na base de dados do BancoMundial (WORLD BANK, 2011a).

Page 11: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

19

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

O consumo público, no mesmo intervalo de tem-po, oscilou entre 13% e 15% do PIB e o setor ex-terno, somadas exportações e importações passa-ram de 35% para mais de 60% do PIB. Quandoconsideradas as exportações líquidas (exportaçõesmenos importações) o setor externo apresentou umpico de participação na estrutura de demanda noano de 2007, com 9%. Assim, é possível caracte-rizar o crescimento chinês como sendo lideradopelos investimentos12. Os demais componentes da

Com a urbanização do país, as famílias quevivem nas cidades passaram a responder por 73%do consumo privado total, contra os 27% das fa-mílias que vivem no campo. Em 1978, tal propor-ção era invertida, ou seja, as famílias urbanas con-tribuíam com 38% dos gastos em consumo, e asrurais por 62%. Ao longo deste período, as ren-das urbanas cresceram mais rapidamente que asrendas do setor rural, ampliando as desigualdades

demanda atuam de forma subsidiária e, no caso doconsumo, com um peso relativo decrescente. Ain-da assim, é importante observar que a China apre-senta um grau de abertura comercial acima da médiaverificada em países grandes (em população e/ouárea) e em países com níveis de renda média (idem).Conforme pode ser observado no Gráfico 6, o co-mércio internacional de bens e serviços, que osci-lava na fiaxa de 5% do PIB no começo dos anos1970, subiu para mais de 60% depois de 2004.

distributivas e a importância relativa destes doissegmentos populacionais. Assim, a despeito do fatoda população rural ainda ser majoritária no país(54% do total) seu peso econômico vem decain-do mais do que proporcionalmente, tanto no em-prego quanto na capacidade de consumo.

Quando se considera a produção industrial,verifica-se que, em 1978, as empresas estataiseram responsáveis por 77% do valor adicionado,com os 23% restantes sendo gerados em empre-sas coletivas. Em 2004, a produção industrial sedividia da seguinte forma: 42% em empresas pri-vadas controladas por nacionais ou joint ventures,38% em empresas estatais ou corporações con-troladas pelos diversos níveis do Estado, 31% em

GRÁFICO 6 – COMÉRCIO INTERNACIONAL DE BENS E SERVIÇOS, 1970-2008 (% DOPIB)

FONTE: WORLD BANK (2011).

12 No que se refere à infraestrutura (transportes, teleco-municações e energia), os investimentos chineses passa-ram de 2% do PIB para mais de 9% entre 1981 e 2008(NAUGTHON, 2007).

Page 12: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

20

A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

empresas estrangeiras e 5% em empresas coleti-vas13. Outra forma de perceber a desestatizaçãoda economia está no fato de que o lucro das esta-tais correspondia a 14% do PIB, em 1978, man-tendo-se em um patamar abaixo de 4% do PIB,desde o final dos anos 1980.

Além da expansão na quantidade de força detrabalho, verificou-se, igualmente, uma melhoriasignificativa nos níveis educacionais. Em 1982,menos de 1% da população com mais de 15 anosatingia o nível universitário. Ademais, havia 35%da população sem qualquer instrução formal. Em2004, 7% dos chineses adultos tinham curso su-perior completo. Em 2000, somente 9% dos adul-tos não tinham freqüentado a escola. Em paralelo,verificou-se uma intensa queda na pobreza. OBanco Mundial estima que, desde o final dos anos1970, três quartos da redução da pobreza no mun-do localiza-se na China. Entre 1990 e 2005, cercade 400 milhões de pessoas ultrapassaram a linhade pobreza monetária de um dólar por dia.

Com a crise financeira iniciada nos EUA, a Chi-na experimentou uma moderação em seu ritmo decrescimento. Todavia, o forte estímulo fiscal e aexpansão do crédito contribuíram para contraba-lançar os efeitos depressivos da queda na deman-da mundial por produtos chineses, garantindo umcrescimento entre 9% e 10% depois de 2008, abai-xo do desempenho médio de 12% ao ano no perí-odo 2003-2007.

IV. EFEITOS DA ASCENSÃO CHINESA NAPERSPECTIVA LATINO-AMERICANA

Deve-se notar que os possíveis efeitos sobreo sistema internacional da ascensão chinesa, emsuas dimensões econômica e política, têm con-centrado a atenção de especialistas das mais di-versas areas (KANG, 2007). No Brasil é possívelidentificar pelo menos duas perspectivas sobreesse tipo de formulação. Aceitando os riscos deri-vados do excesso de simplificação, sugere-sedenominá-las de visões “otimista” e “pessimis-ta”14. A primeira percebe na ascensão chinesa a

possibilidade de consolidação de uma nova ordeminternacional menos centrada no poder america-no e com maior abertura de espaços para que oBrasil consolide-se como uma potência líder en-tre os países em desenvolvimento, particularmentena América do Sul (e, também, com capacidadede influenciar nações africanas que compartilhama herança comum da colonização portuguesa). Ademanda chinesa por recursos naturais criaria umvetor de dinamismo para a economia brasileira aolongo dos próximos anos, o que permitiria a rup-tura do quadro de semiestagnação derivado dacrise da dívida externa dos anos 1980. Evidente-mente, a demanda chinesa per se não teria essepoder indutor, sendo percebida como uma alavancapara a internacionalização de setores produtivosespecializados na produção e industrialização debens intensivos em recursos naturais.

Por outro lado, a visão “pessimista” olha paraessa mesma possibilidade como sendo um riscode involução, com o Brasil retornando a uma po-sição semelhante àquela dos anos anteriores a1930, de uma economia primário-exportadora.Teme-se aqui a perda de densidade da estruturaindustrial diante das pressões competitivas origi-nadas na China, com efeitos negativos sobre acapacidade de gerar emprego e renda em setoresprodutivos mais complexos. Avalia-se, também,que a crescente presença econômica da China naAmérica do Sul e na África poderia reduzir o po-tencial de internacionalização da economia brasi-leira.

Do ponto de vista do presente artigo, cabedestacar que países sul-americanos em geral, e oBrasil, em particular , respondem à parte dessasnecessidades. A fome chinesa por matérias-pri-mas e mercados já se faz sentir com intensidadeinédita na região, conforme tem sido sugerido porinúmeros trabalhos (ZWEIG & JIANHAI, 2005;TRINH, VOSS & DICK, 2006; CAF , 2005;DEVLIN, ESTEVADEORDAL & RODRIGUEZ,2006; CEPAL, 2006; 2008; 2009; LEDERMAN,OLARREAGA & PERRY, 2008). A ampliação dosfluxos de comércio e investimentos é a face eco-nômica mais evidente desse processo. Tal aproxi-mação dá-se em um momento de reordenamentodos espaços de poder em nível internacional. Pro-jeções feitas nos últimos anos sugerem que a Chi-na deverá tornar-se, ainda na primeira metade doséculo XXI, a maior economia do planeta. No planocomercial, o país é um dos três maiores globalplayers, com a Alemanha e os Estados Unidos.

13 A soma excede 100% porque as categorias não sãomutuamente exclusivas (NAUGTHON, 2007, p. 302-303).14 As referências estão, dentre outros, em Fujita (2001),Castro (2008) e Conferência Nacional de Política Externa ePolítica Internacional (2009). Para o contexto latino-ameri-cano, ver CAF (2005), Devlin, Estevadeordal e Rodriguez(2006), Cepal (2006; 2008; 2009) e Lederman, Olarreaga ePerry (2008).

Page 13: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

21

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

Note-se que, em meados dos anos 1980, a Chinarepresentava cerca de 1% das exportações mun-diais – peso equivalente ao do Brasil –, atingindo,em 2008, uma participação de 8,9%. A partir docomeço dos anos 1990, a China tornou-se a na-ção em desenvolvimento que mais absorveu In-vestimento Direto Externo (IDE). Recentemente,além de receptor o país também se tornou fontede investimentos, especialmente em outros paí-ses periféricos. O drive exportador chinês vemimpondo uma crescente pressão competitiva so-bre economias industrializadas e em desenvolvi-mento. Sua demanda por matérias-primas e ener-gia afeta, cada vez mais, a distribuição mundial daoferta e dos preços das commodities, com distin-tos impactos sobre outros países, produtores econsumidores.

É nesse processo de rápida ascensão, carac-terizada por suas lideranças políticas e intelectu-ais como tendo um caráter pacífico, que a Chinaadentrou o século XXI como membro da OMC e,com os EUA, como motor do crescimento glo-bal. Entre 2003 e o primeiro semestre de 2008 aeconomia mundial viveu um ciclo de expansãoexcepcionalmente favorável. Tal caráter “excep-cional” deveu-se à confluência de alguns fatores,principalmente: crescimento elevado – com taxasmédias de variação no PIB global acima de 4% –associado à inflação baixa (pelo menos até mea-dos de 2007); retomada de dinamismo em regiõesque, nos anos 1980 e 1990, apresentaram níveisbaixos de expansão da renda, como América Lati-na, África e Leste Europeu, ou em economiasmaduras como Japão e Alemanha; melhoria subs-tancial nos resultados das contas externas e nasfinanças públicas das economias em desenvolvi-mento previamente caracterizadas por níveis ele-vados de vulnerabilidade externa e fragilidade fis-cal. Essas características brotaram em um mo-mento em que a estrutura da economia revelavauma nova realidade: economias emergentes, comoChina, Índia, Rússia, Brasil, entre outras, passa-ram a ter um peso na renda mundial, nos fluxosde comércio e na determinação do ritmo de ex-pansão equivalentes ou superiores aos das econo-mias centrais (GOLDMAN SACHS, 2007, EL-ERIAN, 2008). Dados do FMI (IMF, 2008; 2009)sugerem que, em 2007 e 2008, mais da metadedo PIB global, medido em paridade poder de com-pra, era gerado nos países em desenvolvimento.

De acordo com tais estimativas (IMF , 2008;2009), a tendência de crescimento do PIB mundi-

al foi acelerando-se suavemente com o avanço daglobalização, tendo na primeira década do séculoXXI um momento de auge. Por seu turno, entre2003 e 2008, o PIB efetivo cresceu em média 4,4%ao ano, bem acima da tendência. Com respeito aocomércio exterior verificou-se o mesmo movimen-to. Esse quadro, por si só, normalmente estariaassociado a um processo de aceleração inflacio-nária, o que não ocorreu. Tanto para as economi-as avançadas, quanto nas em desenvolvimento,os preços ao consumidor final mostraram-se bem-comportados, a despeito da sensível elevação dospreços reais (deflacionados) das matérias-primasnos anos recentes (UNCT AD, 2008; 2009a). Ébem verdade que no caso dos países em desen-volvimento, a alta nos preços de alimentos e ener-gia desdobrou-se em aumento da inflação no anode 2008.

Com explicar essa situação especial? Em gran-de medida ela foi produzida pela convergência defatores conjunturais e de uma transformação es-trutural que, então, explicitou-se com muita in-tensidade. Do ponto de vista conjuntural, as prin-cipais economias avançadas, particularmente osEUA, reagiram ao ambiente de menor crescimen-to e de instabilidade financeira do começo dosanos 2000, por meio de políticas monetárias e fis-cais largamente expansionistas. Nos EUA,Greenspan comandou uma redução da FED FundRate do patamar de 6,5% (maio de 2000) ao anopara 1% (junho de 2003), o que facilitou a diges-tão dos passivos acumulados no período de eufo-ria anterior, evitando que a ruptura financeira ain-da mais grave do que a contração verificada emfunção da bolha especulativa da Nasdaq e dos es-cândalos corporativos. Havia um temor de que osproblemas do mercado acionário contaminassem,ainda mais, o lado real da economia estadunidense.Por sua vez, a gestão fiscal do novo governo re-publicano de George W. Bush (2001-2009) trans-formou a herança de superavits do governo Clinton(1993-2001) em deficits crescentes, dados osaumentos de gastos e as reduções de impostos.

Essa combinação alimentou a continuidade domodelo de simbiose entre EUA e China: por partedo primeiro, o crescimento estava baseado na ex-pansão ainda mais intensa do consumo, comendividamento crescente; do lado do segundo, aacumulação de capital, os ganhos de produtivida-de e os níveis elevados de poupança contribuírampara transformar sua base produtiva em fonte es-tratégica da oferta mundial de manufaturas. Nes-

Page 14: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

22

A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

se contexto, as economias emergentes, particu-larmente a China, passaram a responder por par-celas crescentes do PIB mundial e, por isso, desua taxa de variação.

Portanto, o eixo central dessa nova ordem glo-bal girava em torno dos EUA e da China. O pri-meiro representava o grande mercado consumi-dor em última instância, e o segundo a nova fábri-ca do mundo. Em contrapartida, aos resultadosfavoráveis daquele ciclo explicitavam-se váriosdesequilíbrios, especialmente nos pagamentos in-ternacionais. A economia estadunidense, com seusníveis recordes de endividamento nas esferas pri-vada e pública, apresentava padrões de gastosdomésticos que excediam, de maneirapreocupante, a renda nacional. Por esse motivo

, ampliavam-se os deficits em conta corrente,que de uma média de 2% do PIB no final dos anos1990, passaram a 4% no começo dos anos 2000e atingiram o pico de 6% a 7% entre 2006 e 2007.O espelho dos deficits em conta corrente é a uti-lização de poupança externa para seu financiamen-to. No caso dos EUA, a absorção de poupançaexterna entre US$ 500 bilhões e US$ 1 trilhão aoano, ao longo desse ciclo, era possível na medidaem que o resto do mundo, especialmente os go-vernos dos países com superávits em conta cor-rente, passaram a acumular ativos de reserva, tam-bém em níveis inéditos.

Tais desequilíbrios nos pagamentos internaci-onais também provocaram um descolamento en-tre as posições financeiras. Os EUA, que já pos-suíam uma posição líquida de investimento defi-citária em 1997, equivalente a 3% do PIB mundi-al, passaram a ter, em 2008, uma posição devedo-ra líquida da ordem de 8% do PIB mundial. Naoutra ponta, “velhos” – o Japão e os países ex-portadores de petróleo – e “novos” credores – aÁsia, liderada pela China – viram-se na situaçãode ampliação significativa de suas posições. Hou-ve, assim, uma redistribuição do poder e riquezaem nível mundial, representando na posse de ati-vos financeiros, a mesma dinâmica de ascensãoprodutiva e comercial descrita anteriormente.

Nesse mesmo ciclo (2003-2008) as regiõesperiféricas, com exceção do Leste Europeu, expe-rimentaram uma melhoria sensível de seus resulta-dos em conta corrente. A América Latina, usual-mente deficitária, apresentou resultados positivosda ordem de 1% do PIB da região em média, entre2004 e 2007, voltando a apresentar um deficit de

0,7% em 2008, ainda assim um valor moderadodiante dos deficits de 4% do PIB, comuns nos anos1990. Tal inversão nos resultados em conta cor -rente contribuiu para o acúmulo de reservas inter-nacionais. No caso da América Latina, em 2007 e2008, as principais economias da região tinhamreservas da ordem de US$ 300 bilhões – poucomais de 10% do PIB regional. Esse valor era o tri-plo do verificado no começo dos anos 2000, tantoem termos absolutos, quanto relativos à renda. Ten-dência semelhante de crescimento verificou-se naÁsia e, com mais intensidade, no Oriente Médio.Das economias analisadas, somente o Leste Euro-peu experimentou, no ciclo aqui destacado, oaprofundamento dos deficits em conta corrente,reproduzindo o modelo de crescimento com ab-sorção de poupança externa.

Se, ao lado da demanda global, a economiaestadunidense representava a principal fonte de di-namismo, alimentada pelo crédito farto e barato epelo efeito riqueza, ao lado da oferta, as redesglobalizadas de produção e comércio localizadasna China garantiam a ampliação da oferta de manu-faturas a preços baixos. Na verdade, a própria Chi-na foi se tornando uma fonte de demanda cada vezmais importante, particularmente nos segmentosde energia, alimentos e matérias-primas. A forte altano preço das commodities não se traduziu em infla-ção, pelo menos até meados de 2007, pois a China,responsável última por aquele movimento, garantiua manutenção de preços de manufaturas em níveisestáveis ou cadentes. O aparente milagre do cres-cimento acelerado e espraiado, com inflação baixa,tem na China uma explicação fundamental.

A combinação de aumentos recordes nos pre-ços das commodities, desde logo potencializadospela especulação em um ambiente de excesso deliquidez e falta de regulação, e estabilidade nos pre-ços industriais produziu um choque favorável nostermos de intercâmbio dos países em desenvolvi-mento, particularmente na América Latina e Áfri-ca, o que permitiu a rara combinação de retomadade crescimento, com melhoria nas contas externase públicas. Completava-se assim, o quadro da“grande moderação”. Todavia, a crise financeirainiciada nos EUA também foi produto da globalizaçãofinanceira, do crédito farto e da ausência de ante-paros regulatórios capazes de ordenar o mundo dasfinanças, criando, no período atual, a contrafaceda fase anterior. O ciclo “excepcionalmente favo-rável” de crescimento metamorfoseou-se na maiorcrise financeira desde 1929.

Page 15: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

23

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

Conforme tem sido destacado pela literaturarecente (CAF, 2005; DEVLIN, ESTEVADEORDAL& RODRIGUEZ, 2006; CEPAL, 2006; 2008; 2009;LEDERMAN, OLARREAGA & PERRY, 2008) ocomércio de mercadorias entre a China e os paíseslatino-americanos vem crescendo a taxas signifi-cativamente superiores àquelas verificadas para ototal transacionado na região. Tomando-se por re-ferência o ano de 2008, e considerando-se o con-junto da América Latina e Caribe, a China repre-sentou 3,9 % das exportações – US$ 31 bilhões deum total de US$ 782 bilhões – e 10,8% das impor-tações – US$ 80 bilhões de um total de US$ 739bilhões – o que implicou um deficit de US$ 49 bi-lhões. Para colocar em perspectiva, no ano de 2000as participações da China nas exportações e impor-tações da região eram de, respectivamente, 0,9% e2,2%. Para os países do MERCOSUL, a China re-presentava, em 2000, 2,4% das exportações e 3,2%das importações. Em 2008, tais proporções eramde, respectivamente, 8,3% e 12,3%.

É importante destacar algumas característicasdas relações comerciais entre os países da regiãoe a China, quais sejam: (i) os fluxos de comérciocrescem de modo mais veloz entre tais economi-as do que a média dos demais destinos de expor-tações e origens de importações; ( ii) há pelo me-nos dois padrões de comércio claramente deline-

ados: aquele identificado com a experiência mexi-cana e centro-americana, em que predominamdeficits com a China, e aquele verificado nos pa-íses sul-americanos, em que é possível identificarperíodos de superavits sustentados pela explosãodas exportações de commodities primárias eenergéticas, além de manufaturas de baixo con-teúdo tecnológico; (iii) nos dois casos o perfil decomércio vem alterando-se ao longo do tempo emum sentido de redução do conteúdo tecnológicodos produtos exportados para a China e amplia-ção daquele conteúdo nas importações.

O caso brasileiro é representativo desse pa-drão. No ano de 2009, a China transformou-se noprincipal parceiro comercial do Brasil, papel antesocupado pelos EUA. O gigante asiático absorveu13,2% das exportações brasileiras e originou12,5% das importações. Em termos da correntede comércio, China e EUA têm proporções seme-lhantes de 13%. No ano de 2000, o peso da Chinano comércio exterior do país era de 2%. Desdeentão, conforme pode ser observado no Gráfico7, a seguir, o ritmo de expansão do comércio bila-teral foi mais intenso do que o verificado no con-junto do comércio exterior brasileiro. No ciclo dealta de preços das matérias-primas, depois de2003, os superavits brasileiros foram crescentes,com exceção dos anos de 2007 e 2008.

FONTE: Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (2011).

GRÁFICO 7 – COMÉRCIO DE MERCADORIAS ENTRE BRASIL E CHINA (1988-2008)(US$ MILHÕES)

Como também é típico da experiência latino-americana, as exportações brasileiras têm concen-trado-se, cada vez mais, em produtos de baixo con-

teúdo tecnológico. Assim, por exemplo, dois pro-dutos, soja e minério de ferro, vêm representandomais de dois terços do total exportado pelo Brasil.

Page 16: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

24

A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

O Gráfico 9 apresenta os resultados de umaestimativa sobre o grau de convergência dos ciclosde negócios entre o Brasil e seus três principaisparceiros comerciais realizada por Cunha, Monsuetoe Bichara (2010). Verifica-se que a economia bra-sileira parece estar cada vez mais vinculada àchinsesa, ao passo que a convergência cíclica comos EUA e a Argentina têm perddido densidade. Os

GRÁFICO 8 – COMÉRCIO DE MERCADORIAS ENTRE BRASIL E CHINA PORINTENSIDADE TECNOLÓGICA (1990-2008) % DO TOTAL EXPORTADO)

FONTE: Cepal (2009).

autores estimaram modelos gravitacionais, conclu-indo que aquela convergência estaria associada aoincremento nos fluxos de comércio de mercadoriais.Neste mesmo trabalho foram calculados diversosindicadores de desempenho do comércio interna-cional do Brasil, para avaliar a competitividade dasexportações brasileiras e o padrão de inserção ex-terna do país no plano comercial.

FONTE: WORLD BANK (2010).NOTA: Detalhes metodológicos em Cunha, Monsueto e Bichara (2010) e Baxter e King (1999). Os coefici-

entes de correlação dos ciclos econômicos foram calculados para períodos de 15 anos e estima-dos sucessivamente.

GRÁFICO 9 – CORRELAÇÃO ENTRE PIBS DE ECONOMIAS SELECIONADAS PELOS MÉTODOS BASTER-KING E HODRICK-PRESCOTT (1960-2007; %)

O Gráfico 8 toma a classificação setorial da Cepal(2009) sobre a intensidade tecnológica dos produ-tos e mostra a evolução das exportações brasileiraspara a China e as importações originadas naquelepaís. Em 2008, 90% dos produtos exportados pelo

Brasil eram intensivos em recursos naturais, innatura ou processados. Tal proporção era de 53%em 1990. Por outro lado, as importações evoluí-ram no sentido contrário, com ampliação na parti-cipação dos setores de média e alta tecnologia.

Page 17: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

25

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

Cunha, Monsueto e Bichara (2010) consta-tam que o comércio bilateral Brasil-China, quan-do controlado em uma amostra mais ampla depaíses, tende a ser marcado pela especializaçãobrasileira em setores intensivos em recursos na-turais. Por sua vez, Lélis, Cunha e Lima (2010)mostram que tal padrão, associada à busca chi-nesa por mercados capazes de absorver suasexportações de bens industrializados, coloca emxeque a capacidade de o Brasil manter posiçõesde liderança em mercados latino-americanos demanufaturas. Vale dizer, especialmente depois dacrise financeira global, as exportações chinesasde manufaturas vem avançando na região, des-locando os fornecedores brasileiros. Postos emconjunto, o efeito China representa, nessa dimen-são produtivo-comercial, um binômio cada vezmais instável e potencialmente perigoso: de umlado, estimula os setores intensivos em recursosnaturais, o que sinaliza para uma especializaçãoprodutiva que faz eco ao modelo primário-ex-portador anterior a 1930; por outro, e intensifi-cando os riscos dessa especialização regressiva,a concorrência chinesa impõe perdas de merca-do para produtores e exportadores industriais doBrasil.

GRÁFICO 10 – INDICADOR DE INTENSIDADE DE COMÉRCIO EM ECONOMIAS SELECIONADAS (1999-2008)

FONTE: Cunha, Monsueto e Bichara (2010), com dados primários de World Bank (2010).

V. CONCLUSÕES

A ascensão da China à condição de potênciaglobal marca uma novidade: pela primeira vez aordem capitalista global poderá deixar de serhegemonizada pelo mundo ocidental15. O “mila-gre japonês” do período posterior à II GuerraMundial, a despeito de criar o que por muito tem-po foi a segunda maior economia do mundo 16,não significou a contestação da posição decentralidade econômica e política das potênciasocidentais. Por outro lado, o avanço chinês colo-ca-se no centro das atenções dos internacionalistas,

15 No século XX, especialmente no contexto da GuerraFria, havia uma disputa de sistemas econômicos e sociais.No século XXI, na ausência de demarcação clara entremodelos sociais radicalmente alternativos, assume-se que adisputa de poderes se dá a partir de modelos variantesnacionais de uma ordem internacional que é (ainda) capita-lista.16 Até 2009 o Japão costumava figurar como sendo a segun-da maior economia, quando se mede em dólares em valorescorrentes. Em 2010, possivelmente a China passou a ocupartal posição (CHINA OVERTAKES JAPAN, 2010). Já emparidade poder de compra, a China já era considerada a se-gunda maior economia, atrás apenas dos EUA.

O indicador de Intensidade de Comércio (IC),usado para avaliar em que medida o valortransacionado entre dois países quaisquer é maior(ou menor) do que seria esperado quando se levaem consideração sua importância relativa no co-mércio internacional, reafirmou a maior vinculaçãoentre Brasil e China. Ele é definido como sendo aparcela das exportações do “país i” que sedireciona para o “país j” dividido pela parcela das

exportações mundiais que se direcionam a “j”. Umindicador maior (menor) do que um indica que osfluxos bilaterais de comércio são maiores (meno-res) do que o esperado, dado o peso do parceirocomercial no comércio mundial. O Gráfico 10sugere que, por esse critério, o comércio entreBrasil e China tem sido cada vez mais intenso,nos moldes do que já acontecida entre Brasil eEUA, e Brasil e Argentina.

Page 18: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

26

A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

particularmente nos EUA. Debate-se, intensamentequando a economia chinesa será maior que dosEUA; qual o poder dissuasório e o ritmo de mo-dernização das forças armadas chinesas; se aemergência da China será marcada pela contesta-ção explícita aos marcos institucionais que vêmgovernando as relações internacionais, entre ou-tros temas.

Nesse contexto, o presente trabalho procuroumapear alguns aspectos dessa vertiginosareemergência chinesa e seus impactos potenciaissobre o Brasil. Nossas evidências privilegiaram adimensão comercial das relações sino-brasileiras.Verificou-se a intensificação do comércio, a ten-dência a uma especialização regressiva por partedo Brasil e a maior vinculação entre o ciclo denegócios brasileiro com o chinês. Tais caracte-rísticas têm sido identificadas em outros estudos,fazendo que os analistas posicionem-se, querenfatizando os estímulos positivos da presençachinesa em nossa realidade, quer destacando al-guns riscos potenciais derivados da própriacomplementaridade entre ambas as economias.

Os “otimistas” percebem na ascensão chinesaa possibilidade de consolidação de uma nova or-dem internacional menos centrada no poder ame-ricano e com maior abertura de espaços para queo Brasil consolide-se como uma potência líder entreos países em desenvolvimento, particularmente naAmérica do Sul. A demanda chinesa por recursosnaturais criaria um vetor de dinamismo para aeconomia brasileira ao longo dos próximos anos,o que permitiria a ruptura do quadro desemiestagnação derivado da crise da dívida exter-na dos anos 1980. Evidentemente, a demandachinesa per se não teria esse poder indutor, sendopercebida como uma alavanca para ainternacionalização de setores produtivos intensi-vos na produção e industrialização de bens inten-sivos em recursos naturais. Por outro lado, ospessimistas olham para essa mesma possibilidadecomo sendo um risco de involução, com o Brasilretornando a uma posição semelhante àquela dosanos prévios a 1930, de uma economia primário-exportadora.

Sem a pretensão de resolver esse debate, opresente artigo procurou contribuir com evidên-cias adicionais do padrão de comércio bilateral edo grau de convergência cíclica entre as duaseconomias. Em um primeiro momento procurou-se delinear o papel da economia chinesa no ciclo

recente de expansão e crise da economia mundi-al. Sua participação crescente nos fluxos comer-ciais e financeiros, bem como na determinaçãodo ritmo de crescimento global, têm gerado im-pactos variados sobre os países desenvolvidos eem desenvolvimento. No caso do Brasil, a deman-da chinesa por matérias-primas gerou um ciclode expansão nos preços desses produtos, o que,por sua vez, criou um ambiente propício à acele-ração no crescimento com melhoria na situaçãofiscal e externa das economias com o perfil decomplementaridade à China. Verificou-se a impor-tância crescente desse país como destino de ex-portações e origem de importações do Brasil e dorestante da América Latina.

Por outro lado, e tomando a perspectiva daseconomias ricas em recursos naturais, essacomplementaridade tem gerado um perfil de co-mércio que aprofunda a tendência histórica deespecialização na produção e exportação de pro-dutos intensivos na utilização daqueles recursos,e de importações de manufaturas intensivas emtecnologia. Nesse momento de ascensão chinesa,a maior convergência cíclica entre a economiabrasileira e a do gigante asiático, associada a umamenor convergência com os EUA e as principaiseconomias sul-americanas, particularmente a Ar-gentina, sugere a possibilidade futura derealinhamento na dinâmica de crescimento do país.Os resultados aqui resumidos e detalhados emCunha, Monsueto e Bichara (2010) e em Lélis,Cunha e Lima (2010) não permitem afirmar quetal efeito China seria (ou será) a fonte de expan-são da economia brasileira. Indicam, apenas, quehá uma maior convergência cíclica entre essaseconomias. O destino das relações bilaterais, emsuas múltiplas dimensões, dependerá da formacomo o Brasil vier a encarar o desafio chinês. Aagenda chinesa está cada vez mais clara e parececolocar o Brasil e as demais economias ricas emrecursos naturais como fontes de suprimento dematérias-primas e de destino para suas exporta-ções de manufaturas, reproduzindo, em algumamedida, o padrão Norte-Sul que caracterizava asrelações entre o centro industrializado e a perife-ria subdesenvolvida até a crise de 1929. Aceitarou não esse papel irá moldar as possibilidades defuturo da economia brasileira.

Não se está insinuando aqui que os estímulosderivados da demanda chinesa por recursos natu-rais devam ser desprezados. Pelo contrário, eles

Page 19: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

27

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

têm o potencial de gerar renda, empregos e divi-sas. Todavia, não se pode desconhecer as liçõesda nossa história e da própria experiência chinesarecente, em que se afirma a importância para pa-íses complexos e com grandes populações man-terem estruturas produtivas diversificadas. Assim,

não parece ser do interesse brasileiro abrir mãode uma indústria manufatureira integrada e com-petitiva, bem como do controle nacional de seusrecursos naturais. Ao avançar sobre esses doisparâmetros a aproximação chinesa poderá confi-gurar-se mais em ameaça do que em benefício.

André Moreira Cunha ([email protected]) é Doutor em Economia pela Universidade Estadual deCampinas (Unicamp) e Professor de Economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMSDEN, A. H. 2001. The Rise of “The Rest”:Challenges to the West from Late-IndustrializingEconomies. Oxford: Oxford University.

ARRIGHI, G.; HAMASHITA, T. & SELDEN,M. (eds.). 2003. The Resurgence of East Asia:500, 150 and 50 Year Perspectives (Asia’ sTransformations). Abingdon: Routledge.

BAXTER, M. & KING, R. G. 1999. MeasuringBusiness Cycle: Approximate Band-Pass Filtersform Economic Time Series. The Review ofEconomics and Statistics, Cambridge (MA),v. 81 , n. 4, 575-593, June. Disponível em:http://people.bu.edu/mbaxter/papers/mbc.pdf .Acesso em: 25.ago.2011.

BIJIAN, Z. 2005. China’ s “Peaceful Rise” toGreat-Power S tatus. Foreign Affairs, NewYork, v. 84, n. 5, Sept.-Oct. Disponível em:h t t p : / / w w w. i r c h i n a . o r g / e n / n e w s /view.asp?id=397 . Acesso em: 25.ago.2011.

_____. 2006. The Internal and External Envi-ronments of China’ s Development over theNext Five Years. In: GILL, I.; HUANG, Y. &KHARAS, H. (eds.). East Asian Visions. Wa-shington (DC): World Bank.

CASTRO, A. B. 2008. From Semi-Stagnation toGrowth in a Sino-Centric Market. Revista deEconomia Política, São Paulo, v . 28, n. 1, p.3-27, jan.-mar . Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rep/v28n1/a01v28n1.pdf.Acesso em: 25.ago.2011.

CUNHA, A. M.; MONSUETO, S. & BICHARA,J. S. 2010. Comercio y crecimiento económico:el efecto China en Latinoamérica. Trabalhoapresentado na 12ª Reunión de EconomíaMundial, Santiago de Compostela (Espanha),26-27.Mayo. Digit. Disponível em: http://

www.usc.es/congresos/xiirem/pdf/8.pdf.Acesso em: 25.ago.2011.

CUNHA, A. M. & SILVA, L. A. 2009. China:ascensão à condição de potência global: ca-racterísticas e implicações. In: CARDOSO JR.,J. C.; ACIOLY, L. & MA TIJASCIC, M.(orgs.). Trajetórias recentes de desenvolvimen-to: estudos de experiências internacionaisselecionadas. V. 2. Brasília: Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada.

DEVLIN, R.; ESTEVADEORDAL, A. &RODRIGUEZ, A (eds.). 2006. The Emergenceof China: Opportunities and Challenges for theLatin America and Caribbean. Washington(DC): Harvard University.

EL-ERIAN, M. 2008. When Markets Collide:Investment S trategies for Age of GlobalEconomic Change. New York: McGraw Hill.

FIORI, J. L. 2009. O poder americano.Petrópolis: Vozes.

FUJITA, E. S. 2001. O Brasil e a Ásia no SéculoXXI. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão.

GREENVILLE, J. A. S. 2005. A History of theWorld: from the 20th to the 21st Century. NewYork: Routledge.

HOBSBAWM, E. 1989. The Age of Empires:1875-1914. New York: Vintage.

HUTTON, W. 2007. The Writing on the Wall: Chinaand the West in the 21st Century. London: LittleBrown.

KANG, D. C. 2007. China Rising: Peace, Powerand Order in East Asia. New York: ColumbiaUniversity.

KENNEDY, P. 1987. The Rise and Fall of theGreat Powers. New York: Random House.

Page 20: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

28

A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL

LANDES, D. 1969. Unbound Prometheus:Technological Change and IndustrialDevelopment in Western Europe from 1750 toPresent. Cambridge (UK): Cambridge University.

_____. 1998. The Wealth and Poverty of Nations.New York: W.W. Norton.

LEDERMAN, D.; OLARREAGA, M. & PERRY,G. (eds.). 2008. China’ s and India’ sChallegenge to Latin American. Washington(DC): World Bank.

LÉLIS, M. T., C.; CUNHA, A. M. & LIMA, M.G. 2010. O desempenho das exportações doBrasil e da China na América Latina entre 1994e 2009. Trabalho apresentado no 38º Encon-tro Nacional de Economia, Salvador. Digit. Dis-ponível em: http://www .anpec.org.br/encon-t r o 2 0 1 0 / i n s c r i c a o / a r q u i v o s / 0 0 0 -f9e4a7aa953d5b484a0ba7c746524e98.pdf.Acesso em: 25.ago.2011.

MADDISON, A. 1998. Chinese EconomicPerformance in the Long Run. Paris:Organisation for Economic Co-operation andDevelopment.

_____. 2007. Contours of the World Economy, I-2030 AD. Oxford: Oxford University.

_____. 2010. Historical Statistics of the WorldEconomy, 1-2008 AD. Disponível em:www.ggdc.net/maddison/Historical_Statistics/horizontal-file_02-2010.xls. Acesso em:25.ago.2011.

MAHBUBANI, K. 2005. Understanding China.Foreign Affairs, New York, v. 84, n. 5, Sept.-Oct.

NAUGHTON, B. 2007. The Chinese Economy:Transitions and Growth. Cambridge (MA): MIT.

PINTO, P. A. P. 2000. A China e o Sudeste asiá-tico. Porto Alegre: UFRGS.

ADB. 2010. The Key Indicators for Asia and thePacific 2010. Manila: Asian Development Bank.

BRASIL. MINISTÉRIO DO DESEN-VOLVIMENTO, INDÚSTRIA E CO-MÉRCIO EXTERIOR. 2011. Balançacomercial brasileira: países e blocos econô-micos: Clina. Outubro de 2011. Disponível em:http/ /www.mdic.gov.br/ /s i t io/ interna/

POMERANZ, K. 2000. The Great Divergence:China, Europe, and the Making of ModernWorld Economy . Princeton: PrincetonUniversity.

PREBISCH, R. 1950. Economic Survey of Lati-no America, 1949. New York: United Nations.

_____. 1984. Five Stages in My Thinking onDevelopment. In: MEIER, G. M. & SEERS,D. (eds.). Pioneers in Development. Oxford:Oxford University.

REINERT, E. 2007. How Rich Countries Got Richand Why Poor Countries Stay Poor. London:Constable & Robinson.

SPENCE, J. D. 1999. The Search for ModernChina. 2nd ed. London: W.W. Norton.

WOMACK, B. (ed.). 2010. China’s Rise inHistorical Perspective. New York: Rowman& Littlefield.

WU JIGLIAN. 2005. Understanding andInterpreting Chinese Economic Reform.Mason: Thomson.

_____. 2006. Does China Need to Change ItsIndustrializations Path? In: GILL, I.; HUANG,Y. & KHARAS, H. (eds.). East Asian Visions.Washington (DC): World Bank.

YUFAN HAO, C. X.; WEI, G. & DITTMER, L.(eds.). 2009. Challenges to Chinse ForeignPolicy: Diplomacy, Globalization and the NextWorld Power. Lexington: The University ofKentucky.

ZWEING, D. & JIANHAI, B. 2005. China’s Glo-bal Hunt for Ener gy. Foreign Affairs, NewYork, v. 84, n. 5, p. 25-38, Sept.-Oct. Dispo-nível em: http://wuyibing.com/cache/china-s-global-hunt-for-energy.pdf . Acesso em:25.ago.2011.

OUTRAS FONTES

interna.php?area=58&menu=24772refr=576.Acesso em: 5.nov.2011.

CAF. 2005. América Latina en el Comercio Glo-bal. Ganando Mercados. Caracas: CorporaciónAndina de Fomento. Disponível em: http://w w w . c a f . c o m / a t t a c h / 1 9 / d e f a u l t /LMCastilla%281%29.pdf . Acesso em:25.ago.2011.

Page 21: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

29

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 9-29 NOV. 2011

CEPAL. 2006. Panorama de la inserción inter-nacional de América Latina y el Caribe, 2005-2006. Santiago: Comisión Económica paraAmérica Latina. Disponível em:www.obreal.org/obreal/file.php?idfile=589.Acesso em: 25.ago.2011.

_____. 2008. Panorama de la inserción interna-cional de la América Latina y el Caribe 2007,tendencias 2008. Disponível em: http://www.eclac.org/cgi-bin/getProd.asp?xml=/publicaciones/xml/9/34329/P34329.xml&xsl=/comercio/tpl/p9f.xsl&base=/comercio/tpl/top-bottom.xsl. Acesso em: 25.ago.2011.

_____. 2009. Panorama de la inserción interna-cional de América Latina y el Caribe, 2008-2009. Crisis y espacios de cooperación regio-nal. Santiago: Comisión Económica para Amé-rica Latina. Disponível em http://www.eclac.org/cgi-bin/getProd.asp?xml=/publicaciones/xml/6/36906/P36906.xml&xsl=/comercio/tpl/p9f.xsl&base=/comercio/tpl/top-bottom.xsl. Acesso em: 24.ago.2011.

China Overtakes Japan as World’s Second-BiggestEconomy. 2010. Bloomberg, 16.Aug. Dispo-nível em: http://www .bloomberg.com/news/2010-08-16/china-economy-passes-japan-s-in-second-quarter-capping-three-decade-rise.html . Acesso em: 25.ago.2011.

CIA. 2011. The World Factbook. Washington(DC): Central Intelligence Agency. Disponívelem: https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/ch.html. Acesso em25.set.2011.

CONFERÊNCIA NACIONAL DE POLÍTICAEXTERNA E POLÍTICA INTERNACIONAL.2009. O Brasil no mundo que vem aí. China.Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão.

GOLDMAN SACHS. 2007. BRICs and Beyond.Washington (DC): Goldman Sachs. Disponí-vel em: http://www .goldman-sachs.com/our-thinking/brics/brics-and-beyond-book-pdfs/brics-full-book.pdf. Acesso em: 25.ago.2011.

IMF. 2008. World Economic Outlook, April.Washington (DC): International MonetaryFund. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/53986940/IMF-World-Economic-Outlook-April-2011. Acesso em: 25.ago.2011.

_____. 2009. World Economic Outlook, October.Susteining the Recovery . Washington (DC):

International Monetary Fund. Disponível em:http://www.iadb.org/intal/intalcdi/PE/2009/03995.pdf . Acesso em: 25.ago.2011.

NBSC. 2007. China Statistical Yearbook. Pequim:China Statistics. Disponível em: http://www.stats.gov.cn/tjsj/ndsj/2007/indexeh.htm.Acesso em: 24.ago.2011.

UNCTAD. 2008. Trade and Development Report2008. Geneva: United Nations Conference onTrade and Development.

_____. 2009a. Trade and Development Report2009. Geneva: United Nations Conference onTrade and Development.

_____. 2009b. World Investment Report 2009.Geneva: United Nations Conference on Tradeand Development. Disponível em: http://www.unctad.org/en/docs/wir2009_en.pdf .Acesso em: 24.ago.2011.

_____. 2010. World Investment Report 2010.Country Fact Sheet: China. Geneva: UnitedNations Conference on Trade andDevelopment. Disponível em: http://www.unctad.org/sections/dite_dir/docs/wir10_fs_cn_en.pdf . Acesso em: 24.ago.2011.

UNDP. 2011. International Human DevelopmentIndicators. China. Disponível em: http://hdrstats.undp.org/en/countries/profiles/CHN.html. Acesso em: 24.ago.2011.

WORLD BANK. 1993. The East Asian Miracle:Economic Growth and Public Policy. Oxford:Oxford University.

_____. 2009a. Global Economic Perspectives2009. Washington (DC): World Bank.

_____. 2009b. Global Development Finance 2009,June. Washington (DC): World Bank.

_____. 2009c. World Development Indicators2009. Washington (DC): World Bank.

_____. 2010. World Development Indicators,2010. Washington (DC): World Bank. Dispo-nível em: http://data.worldbank.org/country/.Acesso em: 24.ago.2011.

_____. 2011a. World Bank Database. China. Dis-ponível em: http://www .worldbank.org/en/country/china/data. Acesso em: 24.ago.2011.

_____. 2011b. How we Classify Countries. Disponí-vel em: http://data.worldbank.org/about/country-classifications. Acesso em: 24.ago.2011.

Page 22: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

145

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 145-148 NOV. 2011ABSTRACTS

BRAZIL AND CHINA IN THE NEW WORLD ORDER

André Moreira Cunha

China’s rise to the role of global economic and political power has been at the center of recentacademic and political debates. In this paper we analyze the impact that this has had on Brazil. Welook at bi-lateral trade and standards of cyclical convergence for the two economies, considering abroader analysis of the foreign competitiveness of the Brazilian economy. On this basis, we seek tomap out the impact that China’s rise to the position of global power may have on Brazil. We placeemphasis on economic dimensions, international trade in particular. Our premises conceive of theprocess of growth and internationalization of the Chinese economy as generating a stimulus capableof influencing the potentials of Brazilian development over the next few decades. Our arguments fallinto three sections: (i) an attempt at presenting a panoramic view of Chinese ascendance, against thebackdrop of the dynamics of “major divergence”; (ii) an overview of the current situation of theChinese economy; (iii) analysis of the effects of its increasing internationalization on the worldeconomy, with emphasis on the specific cases of South America and Brazil. We conclude by exploringsome of the normative implications of our results.

KEYWORDS: Brazil; China; World Trade; Business Cycles.

* * *

BRAZIL-CHINA RELATIONS: WHAT SHOULD WE EXPECT?

Danielly Silva Ramos Becard

This article looks at recent relations established between Brazil and the People’s Republic of China(PRC). Our goal is to draw attention to the results that have been obtained as well as the challengesthat remain in Sino-Brazilian economic and commercial relations, as they have unfolded over the lasttwo decades (1990-2010). Our hypothesis is that relations between Brazil and China have movedahead during this period, particularly due to the greater freedom of action promoted by the growinginterdependence of the international system. Nonetheless, progress has been limited, largely becauseof (i) internal instabilities in Brazil and China and (ii) the lack of systematic planning in the Brazil-China partnership. In order to verify this hypothesis, we have examined the historical evolution ofSino-Brazilian relations, highlighting the first three phases of bilateral relations, which we classify asfollows: (i) relations management (1949 -1974), (ii) establishing the fundaments (1974-1990); (iii)crisis in bilateral relations (1990-1993). Next, we look at the last two phases of Sino-Brazilian relations,(iv) the establishment of strategic partnerships (1993-2003) and (v) maturity of Sino-Brazilian relations(2003 to the present day). We conclude that, if on the one hand the processes of opening andglobalization at the beginning of the 1990s allowed for intensified relations between Brazil and China,on the other hand, Chinese crises of legitimacy at the international level and changes in Brazilianforeign policy created many knots in these relations. While Brazil oscilated between a cooperative,developmentalist foreign policy and a neo-liberal one limited to economic interest and submissive tointernationally hegemonic forces, China reinforced its pragmatic international behavior, thus wideningthe logistic profile of its foreign policy and its search for opportunities, beginning in the early 2000s.

KEYWORDS: China; Brazil; Bilateral Relations; Economic and Commercial Relations.

* * *

Page 23: A CHINA E O BRASIL NA NOVA ORDEM INTERNACIONAL · 9 revista de sociologia e polÍtica v. 19, nº suplementar: 9-29 nov. 2011 resumo a china e o brasil na nova ordem internacional

151

REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº SUPLEMENTAR: 151-154 NOV. 2011RESUMÉS

LA CHINE ET LE BRÉSIL DANS LE NOUVEL ORDRE INTERNATIONAL

André Moreira Cunha

L’ascension chinoise à la condition de puissance économique et politique à l’échelle mondiale, estdans le centre des débats académiques et politiques. Dans ce travail, nous analysons quelques impactsde cet événement important, au Brésil. Nous vérifions le commerce bilatéral et les modèles deconvergence cyclique entre les deux économies, en considérant une analyse plus large de la compétitivitéextérieure de l’économie brésilienne. A partir de ce contexte, on vise à établir quelques uns des impactspossibles de l’ascension de la Chine à la condition de puissance mondiale, sur le Brésil. L’accent est missur la dimension économique, spécialement le commerce international. On part de la perspective selonlaquelle, le processus de croissance et internationalisation de l’économie chinoise produit des stimulationscapables de rendre possible le développement brésilien dans les prochaines décennies. Les argumentssont structurés en trois sections : (i) on cherche à représenter une vision panoramique de l’ascensionchinoise, en prennant comme contexte la dynamique de la « grande divergence » ; (ii) on fait un résuméde la situation contemporaine de l’économie chinoise ; et (iii) on fait l’analyse des effets de la croissanteinternationalisation chinoise sur l’économie mondiale, en soulignant les cas de l’Amérique du Sud et duBrésil. Nous concluons en vérifiant quelques implications normatives de nos résultats.

MOTS-CLÉS: le Brésil ; la Chine ; le commerce international ; les cycles d’affaires.

* * *

QUE DEVONS-NOUS ATTENDRE DES RELATIONS ENTRE LE BRÉSIL ET LA CHINE?

Danielly Silva Ramos Becard

L’article traite des relations récentes entretenues entre le Brésil et la République Populaire de LaChine (RPC). L’objectif, c’est de montrer les résultats obtenus et les défis qui subsistent dans lesrelations économiques, commerciales et dans la coopération bilatérale sino-brésilienne pendant lesdernières décénnies (1990-2010). On utilise l’hypothèse selon laquelle, les relations entre le Brésilet la Chine ont présenté des progrès pendant cette période, particulièrement à cause d’une plusgrande liberté d’action promue par l’interdépendance croissante du système international ; malgréles limitations de ces progrès, dues surtout, (i) aux instabilités internes du Brésil et de la Chine, et (ii)au manque de planification systématique du partenariat sino-brésilien. Pour vérifier l’hypothèse,l’évolution historique des relations sino-brésiliennes a été examinée, étant soulignées les troispremières phases des relations bilatérales, qui font référence à (i) la période de développement desrelations (1949-1974), à (ii) l’établissement des bases des relations (1974-1990), et à (iii) la crisedes relations bilatérales (1990-1993). En suite, les deux dernières phases des relations sino-brésiliennesont été présentées ; (iv) l’établissement d’un partenariat stratégique (1993-2003) et (v) la maturationdes relations bilatérales sino-brésiliennes (à partir de 2003, jusqu’à aujourd’hui). Nous concluonsque, d’un côté, les processus d’ouverture et de mondialisation au début des années 1990, ont permisun resserrement des liens entre le Brésil et la Chine; d’un autre côté, les crises de légitimité chinoisedans le plan international et les changements dans la politique extérieure brésilienne, ont conduit àdes fortes impasses dans les relations. A son tour, pendant que le Brésil hésitait entre une politiqueextérieure de coopération et développement, et une politique extérieure néolibérale et autolimitée àl’exploitation des aspects économiques, et soumise à des forces hégémoniques internationales, laChine a renforcé le pragmatisme de son comportement international, en intensifiant le profil logistiquede sa politique extérieure et la recherche d’opportunités déjà au début des années 2000.

Mots-clés : la Chine ; le Brésil ; les relations bilatérales ; les relations économiques et commerciales.

* * *