a chanchada para além da sua definição em nem dalila nem sansão

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Centro Universitário Senac São Paulo, 2 de junho de 2014. Cinema Moderno Brasileiro - Professor: Maurício R. Gonçalves Ananda Koja – 3º Semestre em Bacharelado em Audiovisual A Chanchada para além da sua Definição Em Nem Dalila Nem Sansão Esse trabalho tem como objetivo: explorar o gênero cinematográfico da Chanchada, bastante produzido entre as décadas de 30 e 50 no Brasil e buscar entender como ele foi além da definição da palavra que o nomeia. “A palavra (chanchada) vem da Espanha, onde significava “porcaria, peça teatral sem valor, destinada apenas a produzir gargalhadas” ” (AUGUSTO, 1989 apud COSTA, 2007). Para tanto, usarei como exemplo o filme Nem Sansão Nem Dalila (1955), de Carlos Manga. As chanchadas eram filmes de caráter cômico, que seguiam o modelo da narrativa clássica hollywoodiano de se contar histórias. Esta passou duas fases, segundo Flávia Cesarino. A primeira, na sua primeira década, os filmes eram marcados por diversos números musicais justificados pelos bastidores dos estúdios de rádios ou dos teatros, nos quais as histórias se passavam. Os temas carnavalescos eram a base dessas produções, assim como a comédia pastelão. Já a segunda fase, que se dá a partir dos anos 40 é conhecida pela música dando espaço à “crítica social ao cotidiano urbano [...] e a sua narrativa mais complexa” (LIMA,

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Esse trabalho tem como objetivo: explorar o gênero cinematográfico da Chanchada, bastante produzido entre as décadas de 30 e 50 no Brasil e buscar entender como ele foi além da definição da palavra que o nomeia. “A palavra (chanchada) vem da Espanha, onde significava “porcaria, peça teatral sem valor, destinada apenas a produzir gargalhadas” ” (AUGUSTO, 1989 apud COSTA, 2007). Para tanto, usarei como exemplo o filme Nem Sansão Nem Dalila (1955), de Carlos Manga.

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Centro Universitrio SenacSo Paulo, 2 de junho de 2014.Cinema Moderno Brasileiro - Professor: Maurcio R. GonalvesAnanda Koja 3 Semestre em Bacharelado em Audiovisual

A Chanchada para alm da sua DefinioEm Nem Dalila Nem Sanso

Esse trabalho tem como objetivo: explorar o gnero cinematogrfico da Chanchada, bastante produzido entre as dcadas de 30 e 50 no Brasil e buscar entender como ele foi alm da definio da palavra que o nomeia. A palavra (chanchada) vem da Espanha, onde significava porcaria, pea teatral sem valor, destinada apenas a produzir gargalhadas (AUGUSTO, 1989 apud COSTA, 2007). Para tanto, usarei como exemplo o filme Nem Sanso Nem Dalila (1955), de Carlos Manga.As chanchadas eram filmes de carter cmico, que seguiam o modelo da narrativa clssica hollywoodiano de se contar histrias. Esta passou duas fases, segundo Flvia Cesarino. A primeira, na sua primeira dcada, os filmes eram marcados por diversos nmeros musicais justificados pelos bastidores dos estdios de rdios ou dos teatros, nos quais as histrias se passavam. Os temas carnavalescos eram a base dessas produes, assim como a comdia pastelo.J a segunda fase, que se d a partir dos anos 40 conhecida pela msica dando espao crtica social ao cotidiano urbano [...] e a sua narrativa mais complexa (LIMA, 2007, p.88). Porm, mantendo o humor burlesco. Por isso que, ainda nessa fase as Chanchadas continuavam sofrendo rduas crticas, como sendo narrativas alienadoras, produzidas as pressas e que buscavam imitar o cinema americano sem chegar nem prximo de seus padres.E justamente contra essa ltima afirmao que o filme Nem Sanso Nem Dalila se coloca. O filme uma pardia do hollywoodiano Sanso e Dalila (1949), de Cecil B. DeMille. Enquanto este ltimo colorido; faz uso de uma quantidade imensa de figurantes; cenrios e figurinos rebuscados e at mesmo de um leo treinado, o brasileiro em preto e branco, e evidencia sua produo de baixo oramento. Porm, ele assume, justamente na sua precariedade, uma nova forma de fazer filmes, que no apenas imita o estrangeiro, mas sim o ironiza, parodia. Movidas pelo esprito carnavalesco, as chanchadas superam suas limitaes formais aprimorando-se nas pardias, reconhecendo que teriam de abandonar a forma impecvel e valorizar o cotidiano (o no eterno) e o riso (o no srio), que deveriam gargalhar de si mesmas, para poder realizar filmes, em vez de simplesmente copiar o modelo estrangeiro. (LIMA, 2007, p.91)

E acrescenta elementos do momento social e poltico pelo qual o Brasil estava passando, alm de inserir personagens caractersticos do esteretipo carioca.O filme conta a histria de Horcio um barbeiro, interpretado por Oscarito. J no incio do filme ele chega atrasado no trabalho, e quando o patro lhe chama ateno, ele declara os grandes problemas do transporte pblico no rio de Janeiro da poca, que o fizeram atrasar . Porm, as manicures, uma delas Dalila, revelam que isso se repete diariamente, o que o caracteriza na figura do malandro e do vagabundo, comuns nas chanchadas.Chega a barbearia, ento, um cliente para Horcio: o forte lutador Sanso, que quer fazer a barba mas pede de forma ameaadora que no toquem no cabelo dele. Horcio, que se encaixa em um personagem clown, se atrapalha todo atendendo o cliente e acaba puxando o cabelo dele, que se revela uma peruca. Sanso comea a persegu-lo e ele, com ajuda de Hlio, o mocinho da histria, fogem desesperadamente.Eles roubam um Jipe parado na rua para facilitar na fuga, porm Sanso consegue subir e entra em uma luta corporal com Hlio, enquanto Horcio, que faz o estilo magricelo dirige de forma extremamente atrapalhada. Hlio derruba Sanso do automvel e eles batem em uma parede, atravessando-a e parando dentro do primeiro teste de uma mquina do tempo, que os transportam, junto do cientista que inventou a mquina, para o ano 1130 a. C., poca em que se situa verdadeira histria de Sanso e Dalila.O cientista e Hlio so presos pelos filisteus, enquanto Horcio troca seu isqueiro pela peruca de Sanso, quando este passa por seu caminho. Horcio veste a peruca, se tornando o homem mais forte de todo o mundo e em meio a uma enorme confuso cmica ele liberta seus amigos. O rei, dos filisteus, sente-se ameaado e concede a Horcio um desejo, e este escolhe por governar o local, ainda que sinta a necessidade de haver uma eleio.Esse momento do filme bastante interessante pela sua relao com o perodo poltico, social e econmico pelo qual o Brasil passava. Em 1954, estvamos no final do governo de Juscelino Kubitschek (JK), um perodo de modernizao atravs da entrada de capitais externos no pas. Essa modernizao est representada nas invenes do cientista, j que a primeira coisa que Horcio faz nome-lo como chefe do departamentos de invenes e introduzir o telefone, o rdio e a televiso aos filisteus. Outro aspecto de JK e tambm de Getlio Vargas (GV) que esto presentes em Horcio o populismo, uma vez que ele vai logo fazendo promessas como a melhora no transporte pblico, a instalao de um Banco de Estado (como o fundado por GV no Rio Grande do Sul) e criao da aposentadoria (relao com as leis trabalhistas de GV), ainda que nada daquilo faa sentido para aquela populao. A aluso a Getlio Vargas clara, no s pelos objetos de discurso de Horcio, mas tambm pelo tom de voz que ele usa, claramente copiado dos discursos de GV. Assim, de maneira cmica, o filme est criticando as polticas governamentais do pas e os seus governantes.Outro aspecto interessante desse discurso que ele evidencia o quanto o personagem Horcio se sentia de fora do projeto modernizador dos anos 1950 (CESARINO, 2007). Pois as Chanchadas trabalham com protagonistas da classe baixa [...] mais prximos de uma massa desarticulada e subalterna, ainda saudosa de sua origem rural ou pr-industrial e vtima do estranhamento das relaes com a nova realidade urbana e industrial, do que de uma classe social efetivamente organizada e com projeto poltico. (CATANI, 1983, P. 78)Aps o seu discurso, o antigo rei de Gaza tenta envenenar Horcio, sem sucesso, ele prende novamente Hlio, por quem Dalila havia se apaixonado, e manda Dalila descobrir qual a origem da fora de Horcio, ameaando torturar hlio caso ela no cumpra suas ordens. Dalila, sabendo do interesse de Horcio por ela, o trai, enganando-o para conseguir a resposta. Ainda que de forma diferente, a traio de Dalila uma caracterstica da histria original.O general do exrcito de gaza, ento, rouba a peruca de Horcio, tra o Rei, assumindo o poder e tra tambm Dalila, no deixando que ela se junte a Hlio e obrigando-a a se casar com ele. Horcio, Hlio e o Cientista porm conseguem tirar a peruca dele, mas no a recuperam, pois esta ca em uma pira de fogo. Em meio a uma grande confuso, Horcio acorda nos dias atuais, tudo o que aconteceu no passou de um sonho.Conclui-se portanto, que apesar das Chanchadas serem voltadas para um pblico de massa e explorarem o cmico pastelo, elas no se caracterizam, pelo menos na sua segunda fase (seu auge), como narrativas superficiais e alienadoras. E tambm no podem ser vistas como uma tentativa de se copiar o cinema estrangeiro. No s pelo fato de elas o parodiarem e ironizar, como em Nem Sanso Nem Dalila, mas tambm por conter elementos da cultura, da poltica e da sociedade brasileira da poca.

Bibliografias:

CATANI, Afrnio M. e SOUZA, Jos I. de Melo. A Chanchada no Cinema Brasileiro. So Paulo: Brasiliense, 1983.COSTA, Flvia Cesarino. A Alegria do Povo. Revista de Histria, 2007. Disponvel em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/a-alegria-do-povo. Acessado em: 01/02/2014.LIMA, Andr Luiz Machado de. A Chanchada Brasileira e a Mdia: O dilogo com o Rdio, a Imprensa, a Televiso e o Cinema nos anos 50. (Dissertao de mestrado, Jornalismo) Escola de Comunicao e Artes da Universidade de So Paulo. So Paulo. 2007. ROCHA, Gilmar. Eternos Vagabundos: Malandros, Palhaos e Caipiras no Mundo da Chanchada. Projeto Histria Revista do Programa de Estudos ps Graduados de Histria n 43. PUC-SP. Dezembro/ 2011.SHAW, Lisa. A Imitao Cultural na Chanchada: O caso de Quem Roubou o Meu Samba? e Rio, Zona Norte. Revista Alceu, vol.8, n15, p. 69 81, jul/dez 2007.PUC RJ. Disponvel em: < http://revistaalceu.com.puc-rio.br/media/Alceu_n15_Shaw.pdf>. Acessado em: 01/06/2014.Filmografia:NEM Sanso Nem Dalila. Rio de Janeiro. Direo: Carlos Manga. Produo: Victor Lima. 1955. 90 min. P&B. 35 mm.Sanso e Dalila. Ttulo original: Samson and Delilah. Direo e Produo: Cecil B. DeMille. 131min. Colorido. 35 mm.