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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO REGIONAL DE ENSINO SUPERIOR - CAMPUS CAICÓ DEPARTAMENTO DE DIREITO GERSON ALVES DE SOUZA A CERIMÔNIA DE COLAÇÃO DE GRAU ACADÊMICO: misticismo, violência e ilegalidade. Caicó-RN 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO REGIONAL DE ENSINO SUPERIOR - CAMPUS CAICÓ

DEPARTAMENTO DE DIREITO

GERSON ALVES DE SOUZA

A CERIMÔNIA DE COLAÇÃO DE GRAU ACADÊMICO:

misticismo, violência e ilegalidade.

Caicó-RN

2018

GERSON ALVES DE SOUZA

A CERIMÔNIA DE COLAÇÃO DE GRAU ACADÊMICO:

misticismo, violência e ilegalidade.

Monografia apresentada ao Curso de Direito da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ensino Superior do Seridó/Campus Caicó, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em

Direito.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Francisco do Nascimento.

Caicó-RN

2018

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte.

UFRN - Biblioteca Setorial Profª. Maria Lúcia da Costa Bezerra ­ CERES-Caicó

Souza, Gerson Alves de.

A cerimônia de colação de grau acadêmico: misticismo, violência e

ilegalidade. / Gerson Alves de Souza. - Caicó: UFRN, 2018.

70f.: il.

Monografia (Bacharelado em Direito) - Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. Centro de Ensino Superior do Seridó - Campus Caicó.

Departamento de direito. Curso de Direito.

Orientador: Dr. Carlos Francisco do Nascimento.

1. Colação de grau. 2. Formatura. 3. Misticismo. 4. Violência

simbólica. 5. Ilegalidade. I. Nascimento, Carlos Francisco do. II.

Título.

RN/UF/BS-CAICÓ CDU 378.091.212.8

Elaborado por FERNANDO CARDOSO DA SILVA - CRB-759/15

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho monográfico à minha família (mãe Maria, pai Virgínio e irmãs,

Francisca e Raimunda), pelo fundamental apoio a mim concedido, incluindo meu resgate

existencial, sem o qual eu não teria chegado até aqui.

Também dedico esse esforço mental ao meu amigo Eduardo Augusto Moreira (Dudu),

parceiro ideológico, que tantas vezes defendeu em sala de aula nossos ideais socialistas com

maestria e contundência, o qual, infelizmente, hoje se vê prisioneiro do esquecimento, sem

direito a um habeas memoriae.

Por oportuno e dever de justiça, devoto também esse empreendimento pretensamente

científico aos macanudos Isaac (Ivanilson) e Zé Ilton (Joseilton), que, como parceiros de

grupo permanente de seminários, dividiram comigo as agruras e as alegrias de entregar os

trabalhos acadêmicos no prazo e com satisfatória eficiência.

(DES)AGRADECIMENTOS

Jurei mentiras E sigo sozinho

Assumo os pecados Os ventos do norte

Não movem moinhos E o que me resta É só um gemido

Minha vida, meus mortos Meus caminhos tortos

Meu sangue latino Minh’alma cativa Rompi tratados

Traí os ritos Quebrei a lança

Lancei no espaço Um grito, um desabafo

E o que me importa É não estar vencido

Grupo SECOS E MOLHADOS

Não agradeço a Deus, pois inexistente, figura mitológica criada por alguns homens

(sacerdotes e políticos) para subjugar outros (trabalhadores), submetendo-os à espoliação de

terceiros (empresários).

Também não agradeço à UFRN, universidade excessivamente burocrática e elitista,

uma das últimas universidades a implantar o sistema de cotas, sem as quais eu não teria tido

acesso ao Curso de Direito, só o tendo feito em estrito cumprimento à Lei de Cotas.

Gostaria de agradecer ao Prof. Dr Carlinhos, pela disponibilidade e efetiva orientação

acadêmica nesse trabalho, sem o qual não teria alcançado o mínimo de cientificidade.

Agradeço também de forma profunda e abrangente à minha amada família, de quem

recebo muito, mas, muito mais do que mereço, pela inestimável prova de amor, ao ter

incondicionalmente me recebido de volta, de braços abertos, mesmo eu não merecendo,

acolhimento que tem me proporcionado refazer meu caminho em busca de um outro destino,

ainda que incerto, inseguro e imprevisível.

Meus mais sinceros agradecimentos à minha mãe, ao meu pai (in spiritum et veritas) e

às minhas duas irmãs, família que tanto amo!

RESUMO

Nesta monografia, procedeu-se a uma análise crítica da cerimônia de colação de grau da

UFRN, envolvendo a governança e autonomia universitárias, a partir dos aspectos históricos,

sociológicos e jurídicos que determinam os contornos dessa solenidade, tendo por finalidade

conhecer os fundamentos e as motivações interna e externa corporis que a sustentam como

traço característico da tradição acadêmica. A pesquisa foi do tipo revisão bibliográfica, de

caráter crítico, buscando-se responder questões teórico-jusfilosóficas sobre a cerimônia e sua

obrigatoriedade de participação dos estudantes, como condicionante à obtenção do diploma

universitário, enquanto ato administrativo vinculante, o principal problema da pesquisa. A

fundamentação teórica teve cunho interdisciplinar e se baseou preponderantemente na

historiografia medieval de Jacques Le Goff e de Jacques Verger, na teoria sociológica de

Pierre Bourdieu e no ordenamento jurídico brasileiro, fundado na Constituição Federal de

1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), em alinhamento com a doutrina

administrativista do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, dentre outros trabalhos

dedicados ou relacionados ao tema. Ao final, confirmou-se a hipótese levantada inicialmente:

o cerimonial utilizado na colação de grau da UFRN encontra-se impregnado de misticismo,

configura violência simbólica e é pleno de ilegalidade, na medida em que, irracionalmente,

emprega ritos católicos medievais; irresponsavelmente, esconde as relações de força que há

por trás do glamour, aguçando a vaidade de seus egressos e contribuindo para a reprodução

das condições e estruturas sociais que beneficiam os grupos dominantes; e, ilegalmente,

obriga a participação juramentada dos estudantes, como condição ao recebimento do diploma,

sem previsão legal para tanto.

Palavras-chave: Colação de grau. Formatura. Misticismo. Violência simbólica. Ilegalidade.

ABSTRACT

In this monograph, a critical analysis of the graduation ceremony of UFRN was carried out,

involving university governance and autonomy, based on the historical, sociological and

juridical aspects that determine the contours of this solemnity, with the purpose of knowing

the fundamentals and the internal and external corporative motivations that support it as a

characteristic feature of the academic tradition. The research was a bibliographical review of a

critical nature, aiming to answer theoretical-philosophical questions about the ceremony and

its compulsory participation of students, as a condition for obtaining a university degree, as a

binding administrative act, the main research problem. The theoretical foundation was

interdisciplinary in nature and relied heavily on the medieval historiography of Jacques Le

Goff and Jacques Verger, on the sociological theory of Pierre Bourdieu and on the Brazilian

legal system, based on the 1988 Federal Constitution and the Law on Guidelines and Bases of

Education (LDB), in alignment with the administrative doctrine of Celso Antônio Bandeira de

Mello, among other works dedicated or related to the theme. In the end, the hypothesis raised

initially was confirmed: the ceremonial used in the UFRN degree collation is impregnated

with mysticism, symbolic violence and is full of illegality, since it irrationally uses medieval

Catholic rites; it conceals the power relations behind glamor, sharpens the vanity of its

graduates and contributes to the reproduction of the conditions and social structures that

benefit the dominant groups; and, illegally, requires the sworn participation of the students, as

a condition of receiving the diploma, without legal provision for it.

Keywords: Degree collation. Graduation. Mysticism. Symbolic violence. Ilegality

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Escudo da Universidade de Bolonha - Itália .................................................... 17

Figura 2 - Veste talar católica (Cardeal) ........................................................................... 23

Figura 3 - Veste talar universitária (Beca do curso de Direito)........................................ 23

Figura 4 - Coroação do Rei Carlos VII da França – Reims/1429. .................................... 29

Figura 5 - Colocação do capelo em colação de grau da UnB – Brasília-DF, [s.d.] ........... 29

Figura 6 – Colocação do barrete episcopal em Ordenação de Cardeal pelo Papa

Francisco –Vaticano/2016 ................................................................................ 29

Figura 7 - Juramento prestado em sessão solene no IFG – Goiânia-GO/2018 ................ 31

Figura 8 – Juramento prestado em sessão de gabinete no IFC – Sombrio-SC/2014 ....... 31

Figura 9 – Brasão de armas do Exército Brasileiro .......................................................... 33

Figura 10 - Símbolo dos Cavaleiros Templários (Maçonaria) ......................................... 34

Figura 11 - Escudo do Papa Francisco (Igreja Católica) .................................................. 34

Figura 12 – Brasão da Universidade de São Paulo (USP) ................................................ 34

Figura 13 - CNBB condecorada pelo TST (Ordem do Mérito Judiciário de 2014) ......... 35

Figura 14 - Juiz é condenado por desvio de dinheiro ....................................................... 57

Figura 15 - Ministro do STJ assedia estagiário................................................................. 58

Figura 16 - Promotor feminicida progride de regime....................................................... 58

Figura 17 - Advogado é suspeito de desvios ...................................................................... 58

Figura 18 - Juiz é afastado pelo CNJ ................................................................................. 59

Figura 19 - Médicos são presos por morte de paciente ..................................................... 59

Figura 20 - Engenheiro é preso por falha profissional ..................................................... 59

Figura 21 - Executivo é preso por desvios ......................................................................... 60

Figura 22 - Deputados da ALERJ e Secretário presos ..................................................... 60

Figura 23 - Professor é preso por tráfico de drogas.......................................................... 60

Figura 24 - Reportagem sobre presos diplomados ............................................................ 61

S U M Á R I O

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10

2 A ORIGEM DAS UNIVERSIDADES ................................................................................ 15

2.1 O SURGIMENTO DAS UNIVERSIDADES MEDIEVAIS ............................................ 16

2.2 A “COLAÇÃO” E O “JURAMENTO” NA RITUALÍSTICA DA IGREJA CATÓLICA 20

2.3 OUTRAS INSTITUIÇÕES QUE CULTUAM OS MESMOS RITOS CATÓLICOS

DESDE A IDADE MÉDIA ATÉ HOJE ........................................................................ 32

3 A SIMBOLOGIA DA COLAÇÃO DE GRAU ................................................................... 36

3.1 CATEGORIAS SOCIOLÓGICAS DE BOURDIEU LIGADAS À CERIMÔNIA DE

COLAÇÃO DE GRAU E À GOVERNANÇA UNIVERSITÁRIA ................................ 37

4 A OBRIGATORIEDADE DA PARTICIPAÇÃO ESTUDANTIL NA CERIMÔNIA ..... 40

4.1 A ILEGALIDADE DA OBRIGATORIEDADE DA CERIMÔNIA PERANTE O

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .............................................................. 42

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 63

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................... 67

ANEXO A - Vídeo do Juramento do Curso de História da UDESC/2016 ........................... 70

10

1 INTRODUÇÃO

Nada é permanente, exceto a mudança. Heráclito

Ninguém duvida de quanto o conhecimento faz a diferença na sociedade atual, tanto

do ponto-de-vista prático, quanto do ponto-de-vista jurídico, na medida em que sua

diversidade de conteúdo incide diretamente sobre a saúde, a segurança, o bem-estar, a cultura

e a liberdade das pessoas, atributos de uma vida boa e digna. Além disso, quem detém certo

nível de conhecimento formal, chancelado pelo Poder Público, normalmente, goza de certos

privilégios na ordem socioeconômica vigente, daí porque a formação escolar dos indivíduos

estrutura-se em diversos graus (fundamental, médio e “superior”), os quais são medidos

juridicamente por meio de diplomas, emitidos regularmente pelas instituições de ensino

brasileiras, dos quais a posse pode ser determinante nas condições de vida de seus portadores,

tornando-se objetos de desejo das pessoas conscientes desse poder que dele emana, como um

passaporte de ascensão social ou, ao menos, de manutenção do status quo das camadas mais

favorecidas da sociedade brasileira.

Não à toa, desde o ensino fundamental, passando pelo ensino médio até o nível

“superior”, geralmente, esse canudo de papel (diploma) é concebido como um verdadeiro

fetiche educacional, sendo entregue aos seus detentores, tradicionalmente, por meio de atos

solenes, materializados em sessões cerimoniosas, festivas, impregnadas de ritual simbólico

representativo de vitória, triunfo, glória, sucesso, mérito, a enaltecer o talento e/ou o esforço

de cada diplomado, estimulando sua vaidade pessoal. No entanto, percebe-se que a ritualística

empregada pelas instituições educacionais na formalização do ensino revela elevado grau de

atavismo institucional, porque oriunda das universidades europeias medievais, onde se

praticava o misticismo católico de imposição das mãos, significando a transmissão do poder

divino.

Entrementes, à primeira vista, enquanto ensejadora de obrigações, a vetusta prática

solene, imposta pelas instituições de ensino para o rito de entrega dos diplomas, não encontra

amparo na legislação que regula atualmente o sistema educacional brasileiro, a Lei nº

9.394/96 (Lei das Diretrizes e Bases da Educação – LDB), apegando-se tão-somente a normas

internas regulamentares (Resoluções, Portarias, etc), desprovidas do caráter coercitivo amplo,

próprio das leis emanadas do Poder Legislativo sob o crivo da Constituição Federal/1988.

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Desse modo, o efetivo direito e o correspondente recebimento do diploma, a que faz

jus o concluinte de um curso regular, dependem estranhamente, no caso do ensino “superior”,

de o estudante se submeter obrigatoriamente ao rito da cerimônia de colação de grau

universitário, instituída há séculos, na qual, geralmente, o estudante deve prestar um

juramento público, vestido a caráter com veste talar, seguindo um ritual místico de investidura,

o que contraria a racionalidade que se espera de um ambiente científico, como é o caso das

Universidades e Faculdades.

Nesse sentido, aborda-se a temática proposta, tendo por escopo o estudo do tradicional

e festejado evento acadêmico representado pela cerimônia de colação de grau, analisando-o

no contexto maior da governança e autonomia universitárias, com vistas a compreender, sob

uma perspectiva crítica, os fatores e/ou mecanismos que determinam sua ritualística e impõem

sua obrigatoriedade de participação aos estudantes concluintes de cursos de graduação, como

condição sine qua non de acesso ao grau universitário cursado (licenciatura, tecnologia e

bacharelado) e ao recebimento do respectivo diploma, independentemente de terem

integralizado a contento a estrutura curricular de seu curso, algo que se mostra, no mínimo,

estranho, já que desprovido da racionalidade inerente aos sistemas jurídico e, principalmente,

científico, que impera no ambiente acadêmico.

Para tanto, procedeu-se a uma análise crítica dessa solenidade, abordando-se os

aspectos históricos, sociológicos e jurídicos que conformam as determinações desta cerimônia

em âmbito nacional, tendo por parâmetro a sistemática adotada pela UFRN, com a finalidade

de conhecer os fundamentos e as motivações interna e externa corporis que a sustentam como

traço característico da tradição acadêmica. Evidentemente, os recortes histórico e sociológico

da cerimônia, por serem mais gerais e comuns ao universo acadêmico como um todo, foram

analisados de forma mais ampla, abrangendo a UFRN e as demais instituições universitárias,

antigas e atuais, europeias e brasileiras, públicas e privadas, laicas, católicas e protestantes. Já

o aspecto jurídico deste suposto “ato administrativo”, foi escrutinado mais restritivamente,

com enfoque dado apenas na validade das normas internas da UFRN frente ao ordenamento

jurídico brasileiro, mas com pretensão de generalização.

De relevância social e jurídica, o tema objeto de estudo insere-se no ramo do Direito

Administrativo e perpassa transversalmente por várias áreas do conhecimento humano, tais

como: Religião, Filosofia, História, Antropologia, Psicologia, Sociologia, Economia e Política,

motivo por que exigiu uma análise extensa e um tanto profunda de seus contornos e meandros,

de modo a descortinar o que está por trás desse ritual acadêmico, capaz de eternizar-se na

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práxis acadêmica, enquanto espécie de vínculo social tão fortemente desejado, imperativo e

longevo, frente à fluidez da “modernidade líquida” que caracteriza a sociedade

contemporânea, bem como de desafiar a plêiade de direitos, garantias e liberdades

constitucionais postos atualmente à disposição dos brasileiros.

Como se verá adiante, a importância da pesquisa que subsidiou o presente trabalho

vinculou-se a dois propósitos indissociáveis: debater criticamente o glamour do tema no

ambiente acadêmico, proveniente de suas origens medievais e de conteúdo católico-

nobiliárquico; e suscitar discussão acerca de alterações na natureza jurídica desse ato solene,

convertendo sua obrigatoriedade em facultatividade, ao transformá-lo em um ato

administrativo simples, constitutivo do direito dos estudantes ao diploma pela mera

integralização do curso, publicando-se tal ato em boletim interno ou administrativo da

universidade, como exige a racionalidade jurídica atinente à matéria. É isso que justifica esse

estudo: uma proposta de mudança de sua natureza jurídica e consequente formato, de modo a

adequar-se ao ordenamento brasileiro e, assim, acomodar o direito ao diploma dos alunos que

integralizarem a estrutura curricular de seu curso, sem submissão obrigatória, de quem não

queira, a misticismos e quejandos, contrários à racionalidade científica e jurídica.

Apesar de toda essa gama de disciplinas em que se vê embebido, o tema ora analisado

como objeto de estudo, e no delineamento pretendido, mostrou-se carente de estudos na

literatura, sobretudo sob o enfoque jurídico de sua obrigatoriedade, embora seja abundante de

monografias acadêmicas a seu respeito, as quais, no entanto e invariavelmente, contemplam

apenas seu aspecto glamoroso. Nesse sentido, essa pesquisa, embora abranja questões

religiosas, filosóficas, antropológicas, psicológicas, econômicas e políticas, deu ênfase à

análise dos aspectos histórico, sociológico e, principalmente, jurídico desse fenômeno

acadêmico, no intuito de revelar as determinações e mediações que conformam sua natureza e

ditam sua forma, definidas por imposição institucional antijurídica.

No tocante ao aspecto histórico, o estudo analisou o longevo percurso do

tradicionalismo acadêmico, que manteve, quase intacta, a ritualístico cerimonial do ato

congraçador universitário, verificando as circunstâncias pelas quais ela chegou até a

contemporaneidade sem maiores críticas, apesar das drásticas mudanças sociais vividas pela

humanidade desde a Baixa Idade Média, onde fincaram suas raízes. Para isso, lançou-se mão

dos estudos dos historiadores medievais franceses Jacques Le Goff (2006) e Jacques Verger

(1990), autores respectivos de “Os intelectuais na Idade Média” e “As Universidades na Idade

13

Média”, cujas obras clássicas vislumbram-se representativas do estado da arte da

historiografia medieval a respeito de parte do tema.

Quanto às ciências humanas e sociais (Filosofia, Sociologia, Antropologia, Psicologia,

Economia e Política), que abarcam transversalmente o tema, teve-se por relevante conhecer,

ainda que minimamente, o viés sociológico desse tradicional evento reproduzido pelas

universidades brasileiras, evidenciando suas imbricações e reflexos na tessitura do campo

acadêmico. Nesse ponto, utilizou-se das categorias sociológicas formuladas pelo sociólogo

francês Pierre Bourdieu (1992; 2008), em sua teoria social da educação, relacionando-as com

as disposições que envolvem o ato acadêmico apoteótico, de aparência inofensiva, mas que,

no fundo, traduz-se em verdadeira violência simbólica, ao esconder, no glamour, a

preponderância da ideologia social dominante.

Na seara jurídica, verificou-se que a forma solene desse ato acadêmico regulamentar

não encontra respaldo na Lei de Diretrizes e Bases da educação (LDB – Lei nº 9.394/96), que

regulamenta o setor educacional brasileiro, a qual apenas atribui às Universidades a

competência para “conferir graus, diplomas e outros títulos” (art. 53, inciso VI, da LDB), não

exigindo, nem indicando, qualquer ritualística para esse fim, muito menos impondo ato

juramentado, como condição ao direito de recebimento do diploma, o que deveria estar

previsto na lei, ainda que minimamente aludido nela, segundo se interpreta da doutrina

administrativista de Celso Antônio Bandeira de Mello (2013), como se verá adiante.

Portanto, a legalidade do procedimento cerimonial e seu enquadramento jurídico-

teórico, foram confrontados com a Constituição Federal/1988 (CF/88), com a LDB, com a

doutrina e com os precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal (STF) e do

Superior Tribunal de Justiça (STJ), de modo que se cotejou a validade jurídica das normas

afins editadas pela UFRN com os princípios da legalidade estrita e da liberdade de

consciência, ambos inscritos expressamente no art. 5º, II e VIII, da CF/88, eleitos

respectivamente como garantia e direito fundamentais, de eficácia plena.

Nesse estudo social, adotou-se o método dialético, entendido como base lógica de

investigação e explicação do fato social estudado, aliado a uma abordagem qualitativa da

análise dos dados coletados na bibliografia (teorias e doutrinas) e nos documentos (legislação

e jurisprudência), tudo associado ao objeto de estudo proposto.

Como se sabe, o método científico dialético permite esquadrinhar o objeto de estudo,

explorando ao máximo suas nuances e limites, levando o pesquisador a desentranhar as

14

contradições internas do objeto estudado, tornando factível a apreensão das determinações e

mediações que o constituem, conforme a perspectiva marxista.

Como procedimento técnico, utilizou-se de pesquisas bibliográfica e documental. A

pesquisa bibliográfica consubstanciou-se na leitura das principais obras afetas ao tema,

mediante a análise de livros e artigos científicos, em biblioteca setorial e/ou buscados na rede

Internet, primando-se por fontes seguras e reconhecidas no ambiente científico. Com isso,

procurou-se viabilizar uma revisão bibliográfica, de caráter crítico, que respondesse questões

teórico-jusfilosóficas sobre a cerimônia de colação de grau e sua obrigatoriedade de

participação dos estudantes, como condicionante à obtenção do diploma universitário,

enquanto “ato administrativo” vinculante, principal problema a que se propôs resolver.

Ademais, devido à natureza performática e imagética da ritualística utilizada na

realização do evento acadêmico, fez-se uso de imagens (fotos, gravuras e pinturas),

disponíveis na internet (site da Google Brasil, v. g.), para fins de comprovação da semelhança

dos elementos pitorescos (indumentária) e gestuais (imposição do capelo, juramento, etc.)

empregados atualmente na cerimônia festiva universitária, como sendo de origem medieval e

de inspiração católica.

Com esses intuitos, perquiriram-se respostas às seguintes indagações:

a) qual a origem e a natureza dessa cerimônia e como ela se desenvolveu

historicamente, fazendo-se firmar incólume em pleno Século XXI sem qualquer impugnação

ou questionamento?

b) o que a sua simbologia representa sociologicamente no contexto acadêmico?

c) qual o embasamento jurídico de sua natureza procedimental e sua forma solene

enquanto “ato administrativo” regulamentar, definidor de condição para o recebimento do

diploma universitário?

As respostas obtidas a partir dessas indagações formaram o resultado da pesquisa, que

confirmou a hipótese levantada: o cerimonial utilizado na colação de grau da UFRN encontra-

se impregnado de misticismo, configura violência simbólica e se mostra pleno de ilegalidade,

na medida em que, irracionalmente, emprega ritos católicos medievais; irresponsavelmente,

esconde as relações de força por trás do glamour, contribuindo para a reprodução das

condições e estruturas acadêmicas que beneficiam o grupo dominante desse campo; e

ilegalmente, obriga a participação juramentada dos estudantes, como condição ao recebimento

do diploma, sem previsão legal para tanto.

15

Desse modo, dados os esclarecimentos acerca da temática, da finalidade, da

justificativa, da metodologia empregada e da hipótese inicial, passa-se, nos capítulos

seguintes, ao relato do desenvolvimento da pesquisa realizada, abordando-se os conceitos

teóricos à luz das doutrinas afins e do ordenamento jurídico brasileiro, com a exposição dos

achados científicos e suas explicações sobre o fenômeno estudado, concluindo-se pela

confirmação da hipótese levantada.

Assim, no capítulo 2, tratar-se-á da análise histórica da cerimônia de colação de grau

universitário, abordando sua origem e desenvolvimento na Idade Média, relacionando-se os

pontos em comum entre a solenidade católica de concessão de benefícios eclesiásticos

(ordenação de padres) e a cerimônia de colação de grau acadêmico, ambas praticadas desde o

medievo até hoje, a demonstrar a ligação ritualística entre elas, confirmando a herança do

misticismo católico absorvido pelas universidades atuais e por diversas instituições ocidentais

surgidas ou aperfeiçoadas no Medievo.

Seguindo a temática, no capítulo 3, abordar-se-á a análise sociológica da governança

corporativa da instituição “Universidade” a partir das categorias sociológicas propostas pelo

filósofo francês Pierre Bourdieu, tais como: campo social, capital social, violência simbólica,

habitus, circuitos de consagração, que integram sua teoria social da educação, em que se

demonstra a violência simbólica que emerge desse cerimonial acadêmico.

Finalmente, no capítulo 4, ter-se-á a análise da validade jurídica desse suposto ato

administrativo acadêmico (colação de grau) frente ao ordenamento jurídico, principal objetivo

da pesquisa, submetendo-se sua (anti)juridicidade aos cânones constitucionais e legais, sem

descurar dos aspectos jurisprudenciais e doutrinários acerca do tema.

2 A ORIGEM DAS UNIVERSIDADES

Mas quem diria.... mas quem diria.... nós de Hilux dentro da periferia....

MCs Pablo e Pablécio

A análise da historicidade dessa cerimônia acadêmica só se mostra viável e profícua a

partir da leitura dos historiadores franceses Jacques Le Goff (2006) e Jacques Verger (1990),

dois expoentes da historiografia medieval europeia, os quais escreveram extensa obra

16

abordando assuntos afetos à “instituição” Universidade Medieval. A partir desses

historiadores pode-se avaliar desde os fatores que propiciaram o surgimento dessa instituição,

passando pela sua organização e seu funcionamento, além das características pessoais e

profissionais do “intelectual” ou “homem de saber” escolástico. Verificam-se, também, as

relações externas produzidas no ambiente urbano das incipientes cidades europeias

universitárias, destacando-se os centros citadinos mais importantes na Europa Medieval: Paris

(França) e Bolonha (Itália), onde floresceram as principais universidades medievais, cujos

respectivos estilos, são responsáveis pela tradição acadêmica que se espalhou pelo Ocidente

universitário. Não se deve olvidar da importância da cidade de Oxford (Inglaterra), que

também teve forte protagonismo universitário na Europa medieval, seguindo o estilo da

Universidade de Paris, ambas de inspiração pontifícia católica, embriões das atuais unidades

da Pontifícia Universidade Católica (PUC), que existem no centro-sul do Brasil.

Dito isso, a análise dos aspectos históricos que envolvem a origem e o

desenvolvimento das universidades medievais priorizou a avaliação dos fatos mais marcantes,

sob uma perspectiva direcionada à finalidade da pesquisa, ou seja, um estudo alinhado com o

objetivo de relacionar pontos em comum havidos entre as universidades medievais e as atuais,

tendo por espelho a UFRN, de modo a demonstrar o liame existente entre elas, no tocante à

cerimônia festiva, perpetuada pelo tradicionalismo acadêmico.

É o que se passa a relatar a seguir.

2.1 O SURGIMENTO DAS UNIVERSIDADES MEDIEVAIS

Embora não se saiba precisar o marco inicial, segundo Verger (1990, p.17-22), as

universidades, enquanto “instituição”, surgiram durante a Baixa Idade Média (entre os

Séculos XII e XIII), herdeiras das escolas “monásticas” ou “catedrais” (qualquer semelhança

com os Colégios Diocesanos atuais não é mera coincidência), onde se ensinavam as sete artes

liberais (Gramática, Dialética e Retórica [linguagem], que formavam o trivium, além de

Matemática, Geometria, Música e Astronomia [números], o quatrivium), como fundamento

do ensino, para fins teológicos. Afirma esse autor (ibidem, p. 21), que o método de ensino

praticado nessas escolas “era sempre o mesmo: o mestre lia o texto a ser estudado (lectio),

interrompendo em alguns trechos sua leitura para um comentário que precisava o sentido

17

literal (sensos) da passagem, depois extraía seu sentido profundo e oculto (sententia).” Eis o

método escolástico.

Sabe-se, porém, que o desenvolvimento dessas escolas eclesiásticas já se mostrava

maduro por volta do século XII da era cristã, encontrando-se nas cidades europeias de Paris e

Bolonha seus modelos mais representativos do que viria a ser denominado um

estabelecimento educacional universitário, tal qual se concebe atualmente.

Ainda sobre a origem da universitas studiorum, e a título de curiosidade, ao se

observar o escudo da Universidade de Bolonha, percebe-se que sua fundação remonta ao ano

de 1088 da era cristã, sendo considerada a mais antiga das universidades ocidentais, conforme

Figura 1, abaixo:

Figura 1 - Escudo da Universidade de Bolonha - Itália

Fonte: Site da Google Brasil - acesso em 28 out 2018.

Quanto ao desenvolvimento das universidades medievais europeias, vários foram os

fatores que contribuíram para o seu florescimento, como apontam Verger (1990, p. 23-30) e

Le Goff (2006 p. 29-43). Para o primeiro, o grande salto das universidades medievais

europeias se deu graças às traduções de diversas obras dos sábios gregos, sobretudo, parte

importante da obra de Aristóteles, desvendada por Boécio, mas também as produções de

Euclides, Arquimedes, Ptolomeu, Hipócrates, Galeno, dentre outros. Verger sugere, ainda,

que o desenvolvimento urbano, causado pelo êxodo feudal e consequente aumento

populacional das cidades europeias, transformou a dinâmica das relações interpessoais,

gerando a inversão do poder econômico e político local, passando o comando das mãos dos

senhores feudais para os citadinos, estes organizados em corporações de ofício1

,

1 Segundo Verger (1990, p. 27), eram associações de defesa dos interesses dos homens que viviam no mesmo

grupo (artesão, comerciantes, etc), as quais se organizavam internamente em uma estrutura hierárquica de graus

(aprendizes, valet e mestres), mas que possibilitava a ascensão funcional, mediante exames públicos. Interessante

18

desembocando em novas condições da vida escolar medieval, de alta demanda de professores

e alunos. Tudo isso favoreceu o desenvolvimento das universidades em torno de Paris,

Bolonha, Oxford, dentre outras. Para o segundo, Le Goff (2006, p.29), foi exatamente isso o

que aconteceu: “No início foram as cidades. O intelectual da Idade Média - no Ocidente -

nasceu com elas”. Voltado mais para o aspecto individual dos mestres medievais, Le Goff faz

um apanhado de tudo que envolve o intelectual do século XII, psicológica e socialmente,

meio que percorrendo o itinerário cultural da época e dos lugares, cujo estudo entrecruza e se

alinha à teoria de Verger, assumindo, aquele, que a prosperidade da instituição Universidade

só foi possível a partir do desenvolvimento dos centros urbanos medievais, da tradução dos

clássicos gregos, ainda que a partir da versão árabe, bem como das transformações sociais daí

decorrentes, como o aumento de professores e alunos nos burgos, no que corrobora a visão de

Verger.

É justamente esse alto índice demográfico de professores e alunos nas cidades

medievais universitárias que vai alterar a intervenção da Igreja Católica nos ditames

universitários de então, mediante o regramento determinado pelo III Concílio de Latrão,

ocorrido no ano de 1179, que instituiu a licentia docendi, permitindo ao Chanceler2 da

universidade local outorgar a seus professores uma autorização para abrirem escolas

particulares no perímetro da respectiva Diocese, o que, mais tarde, no século XIII, o papado

estenderia o âmbito dessa permissão para os professores lecionarem em toda parte, através da

licentia ubique docendi, numa clara demonstração de controle da Igreja Católica sobre o

ensino universitário, conforme Verger (1990, p. 29) e Le Goff (2006, p.44).

Nesse diapasão, cabe aqui abrir espaço para destacar, ainda que em longo trecho, a

posição de Vieira (2004, p. 5) sobre o regramento dos cursos e diplomas concedidos nas

universidades medievais, sobretudo as de inspiração católica, em que corrobora as lições dos

mestres medievalistas franceses:

Uma das cerimônias mais importantes na vida acadêmica medieval, a outorga do

grau, em toda a sua pompa e circunstância, também continha, em seu arcabouço,

algumas dessas características mencionadas [efemeridade e simbolismo].

Interessante é observar, porém, que nos dias de hoje, a “festa de formatura”, como é

chamada a cerimônia da outorga do grau universitário, viesse a apresentar cada vez

mais características que permitissem aproximá-la da festa efêmera, no sentido

notar que a Constituição Brasileira de 1824, no contexto dos direitos fundamentais, aboliu as corporações de

ofício no Brasil, conforme art. 179, XXV. 2 Cargo exercido por clérigo na Universidade de Oxford (Inglaterra), com atribuição de conferir graus e diplomas,

equivalente ao cargo de Reitor nas demais universidades medievais e também nas atuais.

19

barroco aqui estudado. Sabe-se que, surgidas no século XII, as universidades

medievais não apenas ministravam um certo ensino, mas o sancionavam pela

outorga de graus que garantiam a capacidade de seus titulares. No início, esses graus

eram de natureza corporativa, permitindo aos estudantes ensinarem no interior das

universidades. Contudo, na prática poucos graduados tornavam-se professores.

O único grau concedido, de início, era a licença (licencia docendi), que consistia em

um júri de mestres ouvir o candidato dar uma lição e responder às questões que lhe

eram propostas. Julgado apto, os mestres apresentavam o candidato ao chanceler,

que lhe conferia a licença. Mais tarde, apareceram graus que dependiam apenas da universidade, introduzindo nela uma hierarquia interna, análoga à de outras

corporações. Surgiu assim o bacharelado, com a finalidade de fazer passar o

estudante do estágio de discípulo passivo ao de assistente de seu mestre, sendo capaz

de realizar ele mesmo certas leituras [lectio] e de intervir nos debates [debatio].

Após a licença, vinha o doutorado. Na Universidade de Bolonha, o título de doctor

aparece na metade do século XII, após a vinda de professores ilustrados

(ULLMANN & BOHNEN, 1994, p. 104). A concessão dessa honraria, antes de ser

delegada ao arcediago, cabia aos docentes, os quais julgavam, previamente, se o

candidato era merecedor de ser incluído no número do collegium magistrorum.

Requeria-se, para a obtenção do doutorado, longo estudo: oito anos, para doutor em

direito romano; seis, para doutor em direito canônico. O candidato deveria jurar

que tinha cumprido todo esse tirocínio. Indagam Ullmann & Bohnen (1994,

p.104-105) a razão de tal juramento, e esclarecem que era para evitar a venda

de diplomas! Mesmo à época cometiam-se fraudes, relativamente à concessão de

títulos, sem o pretendente ter feito estudo algum. Esses falsos doutores,

denominados doctores bullati, eram mais freqüentes nas ordens religiosas.

Confeccionado o diploma, era o mesmo selado e, após, recebia o sigillum, aposto

por frades, que tinham de ser analfabetos, para não saberem que tipo de documento

estavam lavrando, nem a quem se destinava, nem que assinaturas constavam. (sem

grifos)

O controle católico sobre a instituição universitária no medievo europeu era bastante

efetivo, principalmente em relação às universidades mantidas pelo papado, embora houvesse

certa liberdade de cátedra. Nesse ínterim, é importante esclarecer que as universidades

medievais foram classificadas, no tocante a sua origem e manutenção, em universidade de

fundação pontifícia (papado), de fundação imperial (rei) e de fundação mista, de acordo com

Verger (1990, p.19). Nesse sentido, os estatutos e a organização das universidades pontifícias

eram regulados por meio de cartas, ofícios e bulas papais, visando manter os interesses da

Igreja Católica, de formar mão-de-obra eclesiástica e de difundir teses em defesa da fé cristã.

Se por um lado, o monopólio católico tolhia a tendência à laicização escolar, por outro,

protegia os mestres e alunos dos conflitos frequentes e sangrentos travados contra a burguesia

incipiente, fazendo com que os estudantes adquirissem a condição de clérigos, e assim,

estivessem amparados pela jurisdição eclesiástica (Direito Canônico), livrando-se da

perseguição da polícia local, segundo Verger (ibidem, p.32-33).

Ainda segundo esse autor, os diversos conflitos em que se envolviam os estudantes

frente aos burgueses citadinos levaram os papas a conceder privilégios eclesiásticos (ibidem, p.

48 a 53) aos estudantes, garantindo-lhes jurisdição canônica aos malfeitos perpetrados nas

20

cidades (tabernas, jogos, bebedeiras, etc.), o que acirrava ainda mais os ânimos, na medida em

que restringia o poder de polícia dos prebostes e esbirros (funcionários do rei) sobre os

estudantes, podendo aqueles servidores ser severamente punidos por arbitrariedades

cometidas contra os privilégios desses (ibidem. p. 53).

No tocante à organização das universidades medievais, é preciso assinalar que a

Universidade de Paris e a Universidade de Bolonha possuíam estruturas peculiares, cujos

estilos diferentes inspiraram as demais universidades europeias que lhes seguiram, de onde se

originaram as portuguesas (Coimbra) e, mais longinquamente, as brasileiras (Faculdades de

Direito de Recife e de São Paulo), que adotaram o estilo francês, por intermédio da de

Coimbra, seguido pelas demais universidades brasileiras. Nesse ponto, a Universidade de

Paris se diferenciava da de Bolonha, basicamente, pelo controle administrativo da corporação

universitária, que ficava nas mãos dos professores, sob supervisão papal, enquanto que na de

Bolonha, o controle funcional era exercido inversamente pelos estudantes, sob a tutela

imperial (VERGER, 1990, p. 48).

Explicada a origem da instituição Universidade, a partir das escolas citadinas

medievais europeias, quase todas tuteladas pela Igreja Católica, impõe-se destacar a seguir os

principais pontos estruturais que interligam a ritualística daquelas à das universidades

brasileiras atuais, dentre estas, a UFRN.

2.2 A “COLAÇÃO” E O “JURAMENTO” NA RITUALÍSTICA DA IGREJA CATÓLICA

Como relatado acima, a administração das universidades medievais, sobretudo as de

formação católica (Paris), modelo seguido pelas brasileiras, reduzia-se, segundo Verger (1990,

p. 51), “a duas tarefas essenciais: a defesa dos privilégios universitários e a organização do

trabalho, isto é, do ensino”. Falando dos cargos eletivos, Verger (ibidem, p.50), destaca que, a

partir do Século XIII, o principal cargo daquela universidade ostentava o título de Reitor

(Chanceler, em Oxford):

Verdadeiro chefe da corporação universitária, caput studii, o reitor tinha direito a

honras e a precedências excepcionais, tanto dentro como fora da universidade; seus

poderes eram extensos; com o auxílio das nações [Repúblicas de estudantes], geria

as finanças da universidade, era o guardião dos estatutos, possuía jurisdição civil

sobre os membros da universidade, convocava e presidia as assembleias

universitárias; diante das autoridades exteriores, era o representante oficial da

21

universidade , habilitado a negociar ou a intervir na justiça em seu nome, para fazer

respeitar seus privilégios e defender seus membros. Era geralmente assistido por um

conselho formado de delegados das nações e de alguns funcionários adjuntos

(síndicos, tesoureiros, etc).” [quadro muito parecido com o que ocorre atualmente]

Embora exercessem o governo das universidades católicas, os reitores eram eleitos e

gerenciavam os privilégios e o ensino mediante forte influência dos estudantes, seja por meio

dos adjuntos (procuradores) indicados pelos discentes, seja por intermédio das assembleias

deliberativas, que eram frequentes (VERGER, 1990, p. 52), de modo que, muitas vezes, cabia

ao reitor apenas proceder à execução do que havia sido decidido coletivamente, tornando o

processo decisório bastante democrático.

Para esse historiador francês, afora a defesa dos privilégios e a organização do ensino,

não havia muito o que administrar, ante a escassez de material e de imobiliário a exigir atos

de gestão. De fato, na maioria das vezes, os cursos funcionavam em salas alugadas pelos

professores ou em espaços religiosos (mosteiros, abadias, etc). Por seu turno, as assembleias,

os exames, os debates solenes e as cerimônias tinham lugar em igrejas e conventos, ligados a

ordens religiosas (cistercienses, dominicanos, etc).

Nesse aspecto, o bispo diocesano teve suas prerrogativas restringidas pelas bulas

papais, no que concerne a sua ingerência nos assuntos universitários, cabendo-lhes apenas

“presidir certas cerimônias” (VERGER, 1990, p. 50). Nesse ponto, o medievalista francês

sacramenta: “como qualquer corporação [de ofício], a universidade era não somente uma

organização profissional, mas também uma confraria religiosa” (ibidem, p. 66).

É nesse ambiente religioso que se realizavam as cerimônias universitárias, como a da

colação de grau3, através da qual o Reitor, ou o Chanceler, concedia o grau universitário

(licença docendi, bacharelado, mestrado e doutorado) aos concluintes dos estudos, exigindo

um juramento de fidelidade profissional por parte do agraciado, pelo qual comprometia-se em

exercer sua profissão em observância aos ditames da fé católica. Tal cerimônia era realizada

normalmente durante a celebração de uma missa solene, em que se faziam presentes a

congregação dos mestres e a nobreza local, principalmente durante os séculos XIV e XV,

3 Cf Woods Jr (2008, p. 53), em que descreve a cerimônia eclesiástica da outorga de licença na universidade de

Paris, realizada na igreja de Sainte Geneviève, com o estudante ajoelhado diante do vice-chanceler que

pronunciava: ”Eu, pela autoridade a mim conferida pelos Apóstolos Pedro e Paulo, confiro-te a licença para

ensinar [...] em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém”

22

quando a relação universidade e nobreza se estreitou profundamente, como aponta o

historiador medieval (VERGER, 1990, p. 144):

A aproximação entre a universidade e a nobreza aparece por toda parte. Os

universitários adotaram os valores da nobreza e, no próprio meio dos studia,

procuraram levar uma vida nobre.

Primeiro valor nobre, cujo sucesso transformou completamente a organização

material prática das universidades: o gosto do luxo e da pompa. (sem grifos)

Outro componente da nobreza que inspirou mudanças na universidade medieval foi a

construção de prédios próprios, geralmente de estilo suntuoso, que contrastavam com as salas

de aulas iniciais, de péssimas condições de ensino, em que os alunos se amontoavam sobre

montes de feno, ou com as naves de igrejas e conventos das ordens religiosas mendicantes, de

raro e baixo conforto, em que se realizavam as assembleias cerimoniais. Sobre isso, Verger

salienta que “a penúria sucedeu a ostentação.”

Esse clima de ostentação, segundo Verger (ibidem), impregnou-se também em outros

aspectos universitários, como nas cerimônias e nos trajes nelas utilizados, tudo

minuciosamente descrito nos estatutos universitários do fim da Idade Média. As capas, ou

vestes talares, utilizadas pelos professores distinguiam-se das dos sacerdotes, mas das deles

derivavam, adotando-se uma determinada cor para cada universidade, tal como ocorre

atualmente para as faixas dos cursos. Seus ornamentos variavam segundo o grau de seu

proprietário, compreendendo “seda, peles preciosas, longas luvas de couro.” Aqui, cabe

comparar as indumentárias, católica e universitária, utilizadas atualmente em ambas as

instituições, que guardam grande semelhança entre si, conforme Figuras 2 e 3, a seguir:

23

Figura 2 - Veste talar católica (Cardeal)

Fonte: Site da Google Brasil – acesso em 02 nov 2018 (foto de Ebay).

Figura 3 - Veste talar universitária (Beca do curso de Direito)

Fonte: Site da Google Brasil – acesso em 02 nov 2018 (foto de Cia das Becas).

Em sua obra, Verger (1990, p. 142 a 153), traça um paralelo entre ciência e nobreza,

no qual expõe as transformações por que passaram as universidades no fim da Idade Média

(séculos XIV e XV) a partir da interação com a nobreza e seus valores, que promoveu um

certo “fechamento social” da vida universitária, a partir do surgimento de uma “classe togada”,

bastante influente na sociedade e na universidade medievais, que se apoderou da ritualística

católico-acadêmica, conformando-a às práticas rotineiras de seu esplendoroso métier,

jungindo o conteúdo escolar à sua forma nobiliárquica de ser, unindo o sagrado ao profano.

Nesse aspecto, pode-se dizer que igreja e nobreza rivalizavam em vaidade, disputando a

atenção e os favores do incipiente Estado nacional.

24

Como possível resultado dessa disputa, exsurge o Direito do Padroado4, em cujo

regime, os Papas legitimavam perante os povos católicos (principalmente os de Portugal e

Espanha, devido ao contexto do Descobrimento da América, mas não somente estes) o poder

político dos reis que coroava, em troca da oficialização da Igreja Católica Apostólica Romana

como única igreja reconhecida pelo Estado, propagador da fé cristã, que exercia, por sua vez,

relativo controle sobre alguns assuntos religiosos em seu território, como o recolhimento dos

dízimos, a nomeação de bispos e padres, com suas correspondentes prebendas, a defesa e

propagação da fé católica, a construção de igrejas e mosteiros, a administração das paróquias,

em tudo isso, fazendo uso dessa simbologia, que tinha o condão de perpetuar a ordem vigente,

mantendo, assim, os privilégios dos grupos dominantes (nobreza e clero), em detrimento dos

grupos dominados, como ocorre até hoje, como saldo da influência da Igreja Católica no

mundo ocidental, como se verá mais adiante.

Exemplo disso é o que se constata nas Ordenações Filipinas do Reino de Portugal,

datadas de 1603, onde há uma lei monárquica facultando ao marido traído a possibilidade de

matar sua esposa e o amante dela, quando os achasse em flagrante adultério, desde que o

amante não fosse fidalgo (nobre) ou desembargador, caso em que, o marido peão matando um

adúltero nobre, seria punido com degredo para a África, por três anos (ORDENAÇÕES

FILIPINAS, 1998, p. 1188):

Achando o homem casado sua mulher em adulterio, licitamente poderá matar assi a

ella, como o adultero, salvo se o marido for peào, e o adultero Fidalgo, ou nosso

Dezembargador, ou pessoa de maior qualidade. Porém, quando matasse alguma, das

sobreditas pessoas, achando-a com sua mulher em adullerio, não morrerá por isso,

mas será degradado para Africa com pregao na audiencia pelo tempo, que aos Julgadores bem parecer, segundo a pessoa, que matar, não passando de trez anos.

Como se vê, os privilégios de classe são atávicos e continuam a diferenciar quem

domina de quem é dominado e, em certa medida, quem estuda de quem não é letrado. É assim

também nos dias atuais, com as prerrogativas de foro das autoridades constituídas; com os

auxílios-moradias de quatro mil reais para juízes e procuradores (quando a maioria das

famílias do povo vive com apenas um salário-mínimo de menos de um mil reais); com as

imunidades tributárias de igrejas e partidos; com a delação premiada para criminosos do

4 Embora o regime do Padroado guarde certa correlação com o tema ora pesquisado, seu estudo não foi

aprofundado, em função de não estar enquadrado no escopo desse projeto.

25

colarinho branco (até no crime há diferença entre quem se organiza e quem não sabe ou não

pode se organizar); com os próprios nacionais residenciais dos oficiais das Forças Armadas,

que os livra de despesas com aluguel, contrariamente ao que acontece no caso das praças

transferidas de cidade, que empregam boa parte da sua ajuda de custo em tais despesas; com

as prisões especiais em sala de Estado-Maior para os inscritos na OAB e para certas

autoridades; com o sigilo processual e publicação em reservado de eventuais apurações e

condenações de autoridades; dentre outras aberrações legais, desarrazoadas, que legitimam

certos privilégios corporativos e institucionais, em afronta ao princípio humanitário da

igualdade material, cujas excepcionalidades não se justificam racionalmente, funcionando

apenas como subterfúgios linguísticos e arbitrários do discurso mantenedor do “mecanismo”.

Mas, voltando à análise histórica do tema, mais precisamente no que se refere ao

caráter solene dos atos acadêmico-litúrgicos, verifica-se que os sacerdotes e os ritos da Santa

Igreja Católica, única instituição detentora da representação divina na sociedade medieval

europeia, gozavam da mais ampla confiança e obediência do povo, o que legitimava as

coroações de reis e as investiduras cavaleirescas, símbolos do poder temporal, cujos rituais

muito se assemelham aos utilizados nas cerimônias de colação de grau nas universidades

medievais, em que o Reitor/Chanceler concedia os graus universitários mediante a imposição

do capelo, exatamente como ocorre atualmente e como faziam os Papas em relação aos reis e

estes em relação aos cavaleiros medievais, sempre mediante a contraprestação do dejúrio de

fidelidade ao seu senhor (AGUIAR, 2015).

Nesse ínterim, convém constatar, ainda, no caso das universidades brasileiras, que

todos esses institutos medievais (rituais de investidura, juramentos, vestes talares, outorga de

grau, etc.) foram engendrados antes mesmo da existência do Padroado, e subsistiram a ele,

desafiando, até o presente, os princípios laicizantes da República.

Ora convém destacar a semelhança litúrgica entre o rito empregado na colação de grau

universitário e o que veicula o protocolo da colação de graus das ordens sacras (Bispo,

Presbítero e Diácono), previsto na Constituição Apostólica do Pontifical Romano, reformada

em 1968, durante o Concílio Vaticano II, sob o pontificado do Papa Paulo VI (PONTIFICAL

ROMANO, 1968, p. 12-14):

O mesmo Sagrado Concílio ensina: «Pela consagração episcopal é conferida a plenitude do Sacramento da Ordem, à qual a tradição litúrgica e os santos Padres

chamam sumo sacerdócio e suma do sagrado ministério. A consagração episcopal,

juntamente com o poder de santificar, confere também os poderes de ensinar e

26

governar, os quais, no entanto, por sua própria natureza, só podem ser exercidos

em comunhão hierárquica com a cabeça e os membros do Colégio episcopal. De

facto, consta claramente pela tradição, manifestada sobretudo nos ritos litúrgicos

da Igreja tanto ocidental como oriental, que pela imposição das mãos e pelas

palavras da consagração se confere a graça do Espírito Santo e se imprime o

carácter sagrado, de sorte que os Bispos, de modo iminente e visível, representam o

próprio Cristo, Mestre, Pastor e Pontífice, e actuam em sua vez».

[...]

Com a Nossa Autoridade Apostólica aprovamos este rito da colação das Ordens

sacras do Diaconado, Presbiterado e Episcopado, que foi reformado pelo

“Consilium” para a execução da Constituição sobre a Sagrada Liturgia com o auxílio

de peritos e o conselho de Bispos das diversas partes do mundo, para que, de futuro,

seja usado em vez do rito até agora existente no Pontifical Romano. (sem grifos).

Nesse sentido, impõe-se comparar, no quadro abaixo, partes significativas do Rito de

Ordenação dos Presbíteros (PONTIFICAL ROMANO, 1968, p. 73) com o ritual acadêmico

da colação de grau da UFRN, onde se constata a semelhança entre eles, visualizada através da

simbologia mística da imposição das mãos, do juramento(compromisso), da indumentária e

da oração consecratória (outorga do grau), que conferem ao ordinando o sacramento da

Ordem religiosa (Presbítero), correspondendo em quase tudo por tudo ao cerimonial

universitário ora estudado (PORTARIA Nº 428-UFRN, 2008), conforme Quadro 1, abaixo:

Quadro 1 - Comparativo das solenidades católica e universitária de colação de graus

PONTIFICAL ROMANO (p. 73 e ss) PORTARIA Nº 428/2008-UFRN (Anexo II)

RITO DE ORDENAÇÃO DOS PRESBÍTEROS CERIMONIAL DE SESSÃO SOLENE DE COLAÇÃO

DE GRAU UNIVERSITÁRIO

RITOS INICIAIS E LITURGIA DA PALAVRA

118. Estando tudo devidamente preparado, organiza-

se a procissão através da igreja em direcção ao altar,

na forma do costume. Um diácono leva o livro dos Evangelhos; seguem-se os outros diáconos, se

estiverem presentes, depois os ordinandos, os

presbíteros concelebrantes e, por fim, o Bispo, e um

pouco atrás dele os dois diáconos que lhe assistem.

Ao chegarem ao altar, depois de fazerem a devida

reverência, todos se dirigem para os seus respectivos

lugares.

Entretanto canta-se a antífona de entrada com o

respectivo salmo, ou outro cântico apropriado.

119. Os ritos iniciais e a liturgia da palavra até ao

Evangelho inclusive, fazem-se como de costume. ORDENAÇÃO

120. Dá-se então início à Ordenação dos presbíteros.

O Bispo aproxima-se, se for necessário, da sede

preparada para a Ordenação, e faz-se a apresentação

dos candidatos.

ELEIÇÃO DOS CANDIDATOS

121. O diácono convoca os ordinandos, dizendo:

Aproximem-se os que vão ser ordenados presbíteros.

E logo vai dizendo o nome de cada um; e cada um

deles, ao ser chamado, responde: Presente.

Mestre de cerimônias (MC):

Senhoras e senhores, boa noite. De acordo com [...],

damos início à sessão solene de colação de grau da

turma concluinte [...]. Convidamos as autoridades que irão compor a mesa de

honra. (música durante a chamada)

MC: Convidamos os professores homenageados a

ocuparem os lugares que lhes foram reservados.

MC: Com a palavra, o(a) professor(a) [...], diretor(a) do

Centro de [...], representando, nesta solenidade de

colação de grau, o professor [...], magnífico Reitor da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Diretor: Declaro aberta a sessão solene de colação de

grau da turma concluinte do curso de [...], período

200__.__, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Diretor: Solicito ao(à) professor(a) [...], coordenador(a)

do Curso de [...], juntamente com o(a) professor(a),

[...], paraninfo(a) da turma concluinte, a precederem a

entrada dos formandos.

(ao som de música instrumental, os professores

solicitados precedem a entrada dos concluintes, de

acordo com a chamada nominal, efetuada pelo MC)

MC: chamada nominal dos concluintes (folha anexa).

Obs.1. Os formandos entram portando o capelo à mão.

27

E aproxima-se do Bispo, ao qual faz reverência.

122. Quando todos estiverem diante do Bispo, o

presbítero por ele designado diz: Reverendíssimo

Padre, pede a Santa Mãe Igreja que ordeneis estes

nossos irmãos para o ministério do presbiterado.

O Bispo interroga-o, dizendo: Sabeis se eles são

dignos?

Aquele responde: Segundo o testemunho do povo

cristão e o parecer dos responsáveis que os

apresentam, atesto que foram considerados dignos. O Bispo: Com o auxílio de Deus e de Jesus Cristo

nosso Salvador, escolhemos estes nossos irmãos para

a Ordem dos presbíteros.

Todos dizem: Graças a Deus.

Pode expressar-se o assentimento à eleição por outra

forma, como se indica nos Preliminares Gerais n. 11.

HOMILIA

123. Em seguida, estando todos sentados, o Bispo faz

a homilia. [...]

PROMESSA DOS ELEITOS

124. Terminada a homilia, os eleitos levantam-se, eles só, e ficam de pé diante do Bispo, que os

interroga conjuntamente, com estas palavras:

Filhos caríssimos: Antes de serdes admitidos à

Ordem dos presbíteros, deveis manifestar diante do

povo o propósito de receber este ministério.

[...]

125. Seguidamente, cada um dos eleitos se aproxima

do Bispo e, ajoelhado diante dele, põe as mãos juntas

entre as mãos do Bispo, a não ser que, de acordo com

os Preliminares Gerais n. 11, outra coisa seja

estabelecida.

O Bispo interroga o eleito, dizendo, se for seu Ordinário: Prometes-me a mim, e aos meus

sucessores, reverência e obediência?

O eleito: Prometo.

Se não for o Ordinário do eleito, o Bispo diz:

Prometes ao teu Ordinário reverência e obediência?

O eleito: Prometo.

Se o eleito é religioso, o Bispo diz: Prometes ao

Bispo diocesano e ao teu legítimo superior

reverência e obediência?

O eleito: Prometo.

Em todos os casos o Bispo conclui: Queira Deus consumar o bem que em ti começou.

126. Em seguida todos se levantam. O Bispo depõe a

mitra, e de pé, de mãos juntas, voltado para o povo,

convida à oração: Oremos, irmãos caríssimos, a Deus

Pai todo-poderoso, para que conceda a abundância

dos dons celestes a estes seus servos que Se dignou

escolher para o ministério do presbiterado.

127. Então, os eleitos prostram-se e cantam-se as

ladainhas, respondendo todos, de pé, nos domingos e

durante o tempo pascal, e de joelhos, nos outros dias.

Neste caso o diácono diz: Ajoelhemos.

[...] 128. Terminado o canto das ladainhas, o Bispo de pé,

de braços abertos, diz: [...]

O diácono, se antes convidou a ajoelhar, diz:

[...]

Diretor: Convido a todos para, de pé, cantarmos o Hino

Nacional Brasileiro.

[...]

Diretor: Tenho a satisfação de conceder a palavra ao(à)

formando(a) [...], orador(a) oficial da turma concluinte.

(discurso do orador - 10 minutos)

[...]

Orador: Em nome de todos os concluintes presentes,

requeiro ao(à) Professor(a) [...], diretor(a) do Centro [...] da Universidade Federal do Rio Grande do norte,

que seja outorgado o grau a que fazemos jus.

Diretor:A fim de atender ao requerido pelo representante

da turma concluinte, solicito ao(à) professor(a) [...],

Coordenador (a) do curso de [...], a fazer a apresentação

dos formandos.

Coordenador: Eu, professor(a) [...], coordenador(a) do

curso de [...], no uso da competência que me é delegada,

apresento ao(à) professor(a) [...], diretor do Centro

[...] da universidade federal do Rio Grande do Norte, os

concluintes do curso de [...], período 200__.__, anteriormente nominados, habilitados a receberem o

respectivo grau.

Diretor: Convido o(a) representante dos concluintes,

[...], a prestar o juramento protocolar. Formandos,

fiquem de pé.

(o juramento que segue é universal e poderá ser

substituído pelo juramento específico de cada profissão)

Juramentista: Formandos, ergam o braço direito.

Juramento: “Invocando o testemunho de todas as

pessoas presentes, prometo exercer, com dignidade,

amor, respeito à lei e aos princípios éticos, a profissão

que escolhi, dedicando-me inteiramente a Serviço do meu país e da humanidade. Assim prometo.”

Todos os concluintes: “assim prometo.”

Obs.4: após o juramento, o(a) juramentista aguarda, na

tribuna, a concessão do grau pelo(a) diretor(a) de centro.

Concedido o grau, o juramentista dirige-se à frente da

mesa e apõe o capelo sobre a cabeça. Neste momento, os

demais formandos repetem o gesto.

Diretor: Eu, professor(a) [...], diretor(a) do Centro [...],

por delegação de competência do magnífico Reitor da

Universidade federal do Rio Grande do Norte, professor

[...], em nome do governo da República Federativa do Brasil e na forma da legislação vigente, confiro o grau

de [...] aos concluintes que me foram apresentados, a fim

de que possam usar das prerrogativas que lhes outorga a

lei para o exercício da sua profissão.

Obs.5: aposição do capelo sobre a cabeça pelo

formando.

MC.: Podem sentar.

Diretor: Solicito ao(à) secretário(a) do Centro [...],

senhor(a) [...], a proceder à chamada dos novos

[...], a fim de receberem os respectivos diplomas.

(música durante a chamada)

[...] Diretor: A Universidade Federal do Rio Grande do

Norte presta sua homenagem ao(à) aluno(a) que mais se

destacou pelo seu desempenho acadêmico durante sua

28

Levantai-vos. E todos se levantam.

IMPOSIÇÃO DAS MÃOS E ORAÇÃO DE

ORDENAÇÃO

129. Os eleitos levantam-se, e cada um deles se

aproxima do Bispo, que está de pé, diante da sede,

com a mitra, e ajoelha diante dele.

130. O Bispo impõe as mãos sobre a cabeça de cada

um dos eleitos, sem dizer nada.

Depois do Bispo ter imposto as mãos, todos os

presbíteros presentes, de estola, impõem as mãos a cada um dos eleitos, sem dizer nada.

Terminada a imposição das mãos, os presbíteros

ficam junto do Bispo até ao fim da Oração de

Ordenação, mas de modo que a acção litúrgica possa

ser facilmente vista pelos fiéis.

131. Os eleitos ajoelham-se diante do Bispo, e este

depõe a mitra, e de braços abertos diz a Oração de

Ordenação: [...]

136. Por fim, o Bispo dá a cada um dos Ordenados o

ósculo da paz, dizendo: A paz esteja contigo.

permanência no respectivo curso, concedendo-lhe a

medalha e o diploma de mérito estudantil.

Diretor: Convido o(a) senhor(a) [...] e o(a) professor(a)

[...], respectivamente, patrono(a) e paraninfo(a) da turma

concluinte, para fazerem a entrega das comendas do

mérito estudantil ao[...].

Diretor:

Concedo a palavra ao(à) senhor(a) [...], paraninfo(a) da

turma concluinte, para fazer sua saudação oficial aos

novos [...] (discurso do(a) paraninfo(a) – 10 minutos)

MC: Ouviremos, agora, o pronunciamento do(a)

professor(a) [...], diretor do Centro de [...] da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Diretor: (pronunciamento do diretor - 05 minutos)

Obs7: após discursar, o(a) diretor(a) do Centro declara

encerrada a sessão.

Agradeço a atenção de todos e declaro encerrada esta

Sessão solene de colação de grau.

Obrigado(a) e boa noite.

Fonte: Pontifical Romano (1968) e Portaria nº 428/UFRN (2008).

Cabe explicitar, ainda, que, no rito católico de ordenação de presbíteros, há

providências preliminares, não inseridas no Quadro 1 acima, dentre as quais, a que remete ao

registro dos acontecimentos em “ata”, consoante prescrição também existente no rito

protocolar da UFRN (art. 22, da Portaria nº 428/2008).

Ressalte-se que a “ata” é um documento oficial pelo qual se registram fatos

acontecidos em uma reunião ou assembleia, certificando as discussões e decisões ali

deliberadas. São muito utilizadas processualmente no âmbito do Poder Judiciário brasileiro,

para registrar as audiências (instrutórias e de conciliação), talvez por conta da tradição

oriunda do Direito Canônico, do qual derivou o Direito Penal, de cujos procedimentos

inquisitoriais lavravam-se tais documentos, sob o encargo dos notários, conforme os Cânones

484, 1568, 1583, 1719 e 1721, do Código de Direito Canônico (CDC)5 vigente.

Consoante o Quadro 1 acima, em associação com as regras de experiência ordinária, é

fácil constatar que o cerimonial universitário de colação de grau imita ou, pelo menos, deriva

claramente da solenidade católica de concessão do grau das ordens religiosas, dadas as

características que lhes aproximam, dentre as quais, aquelas que sobressaem: o rito sequencial,

a indumentária talar, o juramento e a imposição das mãos (capelo) como símbolo de

5 Ver CÓDIGO DE DIREITO CANÓNICO, promulgado por S.S. o Papa JOÃO PAULO II, versão Portuguesa,

4ª edição revista – Conferência Episcopal Portuguesa – LISBOA – Editorial APOSTOLADO DA ORAÇÃO –

BRAGA, 1983. Disponível em <www.vatican.va/archive/cod-iuris-canonici/portuguese/codex-iuris-

canonici_po.pdf>. Acesso em 04 nov 2018.

29

transmissão de poder/saber, fonte do misticismo católico, conforme se confere nas Figuras 4,

5 e 6, a seguir:

Figura 4 - Coroação do Rei Carlos VII da França – Reims/1429.

Fonte: Site da Google Brasil – acesso em 03 nov 2018 (pintura de Jules E. Lenepveu)

Figura 5 - Colocação do capelo em colação de grau da UnB – Brasília-DF, [s.d.]

Fonte: Site da Google Brasil – acesso em 03 nov 2018 (foto de Alexandra Martins - UnB)

Figura 6 – Colocação do barrete episcopal em Ordenação de Cardeal pelo Papa

Francisco –Vaticano/2016

Fonte: Site da Google Brasil – acesso em 03 nov 2018 (foto de Gregório Bórgia- AP).

Outrossim, um elemento ritualístico presente no cerimonial acadêmico e de enorme

representatividade simbólica é a exigência de um “juramento” por parte dos recipiendários da

outorga do grau universitário, uma espécie de passaporte para o lugar privilegiado da

30

congregação professoral, com o qual a cerimônia revigora seu caráter solene, sobretudo

porque ele é prestado com a mão direita erguida, como sói ocorrer em circunstâncias

litúrgicas.

Nesse sentido, tal compromisso remonta a Abraão, figura bíblica, quem primeiro

ergueu a mão para fazer promessa perante Deus (Gênesis, 14:22-23), mas também deriva

claramente dos Cânones 1199 e 1200, do Código Canônico, em que se invoca o Nome de

Deus em testemunho da verdade, com discernimento e justiça, contraindo-se a obrigação

religiosa de cumprir o prometido, sob pena de condenação eclesiástica ou de contrição moral

perante a comunidade, daí a publicidade do compromisso.

Curioso notar que, assim como o juramento canônico, a promessa solene dos

estudantes na colação de grau e dos inscritos na OAB, não pode ser prestada por intermédio

de procurador, dado o caráter personalíssimo da fidelidade dos compromitentes para com a

defesa intransigente dos interesses da ordem jurada. O mesmo ocorre com a posse de certos

cargos públicos de elevada dignidade, diga-se, autoridade, como os de Chefe dos Poderes da

República, os de juízes, os de procuradores/promotores, os de oficiais das FFAA, dentre

outros, como forma de se garantir a manutenção dos privilégios de classe, oriundos da

hierocracia católica. É pela promessa pública, solene, que a corporação cativa a mente, o

coração e a alma do promitente, minimizando condutas rebeldes, ameaçadoras de seus

privilégios.

Isso pode ser atestado até mesmo por quem defende ferrenhamente a necessidade do

juramento acadêmico, como é o caso da Prof. Bettega [s.d], da Universidade de Caxias do Sul,

malgrado seu esforço em tentar justificar racionalmente o uso de juramento na colação de

grau, ao conceituá-lo:

Juramento – compromisso público de bem-utilizar o poder de conhecimento em

favor da promessa feita. Na origem desse ato reside a importância maior de se

fazerem presentes, nas solenidades, pais, familiares, amigos e, também, membros de

diferentes segmentos e instituições da sociedade. O juramento feito em ato público visa a reconhecer, publicamente, os direitos e deveres que os formandos possam a

ter, a partir do ritual de colação de grau.

Como se verifica no conceito da professora Bettega [s. d.], para melhor obter o efeito

que dele se espera, o juramento precisa ser público, prestado diante da comunidade,

principalmente na presença dos parentes e amigos do promitente, de modo a incutir nesse,

31

assim, maior senso de responsabilidade pelo prometido, a fortalecer a chamada eficácia

simbólica do que foi prometido.

Interessante notar que, em todas as ocasiões de juramento, é frequente o uso do braço

erguido ou estendido à frente do corpo, como já aludido a Abraão, o que se faz geralmente

com o braço direito, significando dirigir uma apelação a Deus, detentor do poder supremo,

que se encontra no alto dos céus. De outro modo, também é comum repousar-se a mão sobre

um exemplar da Bíblia Sagrada, como costuma acontecer nos tribunais norte-americanos, de

tradição evangélica, mas também de inspiração judaico-cristã.

No caso das cerimônias de colação de grau acadêmico, pode-se afirmar que a grande

maioria das universidades brasileiras, incluindo a UFRN, adota a obrigatoriedade do

compromisso juramentado, não importando a escolha de participação do estudante concluinte,

se é em sessão solene ou se realizada em gabinete, de modo que o cerimonial universitário

não dispensa o compromisso dos formandos, conforme pode ser visto nas Figuras 7 e 8, a

seguir:

Figura 7 - Juramento prestado em sessão solene no IFG – Goiânia-GO/20186

Fonte: Site da Google Brasil – acesso em 04 nov 2018 (foto do IFG)

Figura 8 – Juramento prestado em sessão de gabinete no IFC – Sombrio-SC/20147

Fonte: Site da Google Brasil – acesso em 04 nov 2018 (foto do IFC)

6 Note-se o detalhe do braço direito erguido, durante o pronunciamento do compromisso juramentado, como que

direcionado aos céus, plagiando Abraão, ou em sinal de adoração, como a saudação nazista a Hitler. 7 Idem.

32

No próximo tópico, a título de curiosidade, terá lugar outro modo de comparação,

desta vez envolvendo as peculiaridades comuns a certas instituições surgidas ou aperfeiçoadas

na Idade Média, que também guardam similaridades com a ritualística da Igreja Católica,

denotando a força da influência religiosa e cultural sobre essas instituições, tal qual ocorreu

com a instituição Universidade.

2.3 OUTRAS INSTITUIÇÕES QUE CULTUAM OS MESMOS RITOS CATÓLICOS

DESDE A IDADE MÉDIA ATÉ HOJE

No Medievo, não foi somente a universidade que sofreu influência da Igreja Católica.

Diversas outras instituições surgidas ou aperfeiçoadas nesse período histórico tiveram sua

organização marcada pelos ritos e símbolos católicos. Assim, além da Universidade e da

própria Igreja Católica, ambas surgidas na Idade Média, podem-se citar: o Exército (cavalaria),

o Judiciário (“classe togada”, incluindo os membros do MP) e a Maçonaria (sociedades

secretas). Outra instituição brasileira que, embora surgida só contemporaneamente, guarda, no

entanto, forte correlação com as anteriores é a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), como

sucedânea do IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros, que funcionou no Brasil Império,

fundado por advogados brasileiros formados na Universidade de Coimbra/Portugal.

Nesse ponto, um traço característico comum entre todas essas instituições, que talvez

seja o responsável por essa herança cultural católica, é que todas elas, assim como as

universidades e as ordens religiosas, se estruturaram incialmente como Corporações de Ofício,

entidade tipicamente medieval, que congregavam artífices de um mesmo ofício (artesãos,

comerciantes, pedreiros, ferreiros, carpinteiros, padeiros, cavaleiros, juízes, meirinhos,

advogados, etc), estabelecendo seus privilégios (prerrogativas), deveres, hierarquia interna

(aprendizes, valetes e mestres), preços, monopólio e demais regramentos relacionados à

execução dos bens e serviços que produziam, tudo através de estatutos ou regulamentos,

inspirados no incipiente Direito Comercial da época e registrados nos cartórios das cidades

medievais emergentes, de modo a imprimir-lhes caráter oficial, com vistas a viabilizar as

concessões das “autoridades urbanas” (LE GOFF, 1992, p. 106).

33

Por não ser escopo desse trabalho, deixa-se para outros pesquisadores o escrutínio dos

fatores sociais, econômicos e jurídicos que conformavam tais associações/agremiações,

intermediadoras da transição entre as sociedades feudal e capitalista.

Mas, retomando o aspecto geral das instituições brasileiras ora comparadas, não é

difícil visualizar hodiernamente o mesmo modus operandi medieval encontrado na

organização e estrutura funcional dessas instituições, onde se percebe que todas elas: são

fundadas em rigorosa hierarquia; são dotadas de privilégios institucionais e pessoais,

distribuídos em função dessa hierarquia; cultuam ritos e símbolos próprios, oriundos dos

católicos; exigem juramento no ingresso de noviços; fazem circunstancialmente uso de vestes

talares; são bastante normatizadas, com excesso de estatutos e regulamentos; primam em seu

discurso pelo uso da língua culta; empregam e exigem pronomes de tratamento enobrecedores

(V. Exª, V. Magª, V. S., V. Revmª, etc); adotam escudos, brasões, bandeiras ou logomarcas

com temas medievais (religião ou nobreza) e expressões em latim; e dispõem de instalações

próprias, de formato amplo e estilo imponente. Tudo isso se encontra, com certas frequência e

intensidade, na feição das ordens religiosas, das Universidades, das Forças Armadas, do

Judiciário, da Maçonaria e da OAB, todas essas instituições atuais, mas que guardam

resquícios culturais da influência da Igreja Católica medieval, conforme pode se verificar nas

Figuras de 9 a 12 a seguir, em que todas elas ostentam temas medievais e expressões em latim,

típicos da heráldica nascente daquele período:

Figura 9 – Brasão de armas do Exército Brasileiro

Fonte: Site da Google Brasil – acesso em 15 nov 2018.

34

Figura 10 - Símbolo dos Cavaleiros Templários (Maçonaria)

Fonte: Site da Google Brasil – acesso em 15 nov 2018.

Figura 11 - Escudo do Papa Francisco (Igreja Católica)

Fonte: Site da Google Brasil – acesso em 15 nov 2018.

Figura 12 – Brasão da Universidade de São Paulo (USP)

Fonte: Site da Google Brasil – acesso em 15 nov 2018.

E para ilustrar esse vetusto congraçamento institucional entre clero e nobreza, vê-se,

na Figura 13, abaixo, a expressão do poder secular do Estado (Judiciário e Forças Armadas)

homenageando o poder espiritual da Igreja Católica, em revival simbólico da histórica aliança

medieval, que, com tais poderes, essas instituições (Igreja e Estado – classes togada e militar)

forjaram seus privilégios de classe, em cujos circuitos de consagração (ordens honoríficas), as

pessoas comuns do povo não costumam ser lembradas, a não ser como assistentes, como é o

caso do soldado da foto e dos ASG que “trabalharam” na limpeza do local da premiação, para

não se esquecerem de seu papel de subalterno, coadjuvante, dominado:

35

Figura 13 - CNBB condecorada pelo TST (Ordem do Mérito Judiciário de 2014)

Fonte: Site da Google Brasil – acesso em 15 nov 2018 (foto de Aldo Dias/TST).

Importante destacar que, não somente essas instituições, mas diversas outras

expressões culturais contemporâneas carregam as mesmas marcas medievais católicas, tais

como se verifica na disposição arquitetônica dos centros históricos das cidades brasileiras,

com a predominância das catedrais sobre o casario inaugural; na suntuosidade dos palácios

públicos frente o casario dos súditos, como herança monárquica; nas procissões de festas de

santos padroeiros; na continuidade e permanência de colégios diocesanos, frequentados

majoritariamente pelos filhos da elite local; na observância dos dias santos inseridos no

calendário civil; na adoção do calendário gregoriano pelo Estado brasileiro; na utilização de

elementos heráldicos8 por entes públicos (bandeiras, escudos e brasões de armas); no uso de

locuções latinas em logomarcas de instituições; no emprego de condecorações de ordens

honoríficas no serviço público; na prática anual de certos folguedos populares (festas

juninas/fogueiras, Carnaval/quarta-feira de cinzas, Natal/Papai Noel, Cavalhadas, etc); dentre

outros costumes religiosos ainda hoje vivenciados pela população brasileira, corroborando a

visão de Thomas E. Woods Jr no livro “Como a Igreja Católica construiu a Civilização

Ocidental” (WOODS JÚNIOR, 2008, p. 13):

Quando a divisão do Império Romano do Ocidente em uma colcha de retalhos de

reinos bárbaros passou a ser um fato consumado e a ordem política quase

desapareceu, bispos, sacerdotes e religiosos lançaram-se a restabelecer sobre as

ruínas os alicerces da civilização. O homem que consideramos o „pai da Europa‟,

8 Os símbolos heráldicos religiosos, nobiliárquicos e militares refletem a hierarquia imagética das mais variadas

instituições e autoridades, representando sua „dignidade‟, sua „honra‟, suas „prerrogativas‟ e seu „status

social‟, conforme indica a Sociedade Brasileira de Heráldica (http://www.heraldica.org.br/index.php).

36

Carlos Magno, embora não estivesse completamente livre de resquícios bárbaros,

estava ao menos tão persuadido pela beleza, verdade e superioridade da religião

católica que fez todo o possível para construir sobre ela a nova Europa pós-imperial.

Por todo o exposto, é possível afirmar-se que o Ocidente saiu da Idade Média, mas a

Idade Média não saiu do Ocidente.

Com isso, encerra-se aqui, a análise histórica da cerimônia da colação de grau

universitário, em que se procurou demonstrar a correlação existente entre essa cerimônia e a

ritualística católica medieval, que lhe serviu de base, pretendendo ter-se confirmado a

presença do misticismo católico no ritual cerimonioso utilizado pelas universidades.

A seguir, passa-se à análise dos fatores sociológicos que conformam, não só a

cerimônia de colação de grau acadêmico, como também a própria governança corporativa da

universidade, circunstanciando ideologicamente sua autonomia universitária.

3 A SIMBOLOGIA DA COLAÇÃO DE GRAU

Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor.

Paulo Freire

A análise sociológica da cerimônia ora estudada procurou evidenciar a violência

simbólica que se esconde por detrás desse evento festivo e, aparentemente, inofensivo,

sobretudo quando se avaliam outras condicionantes presentes, porém obscuras, no campo

acadêmico das universidades brasileiras, em geral, e da UFRN, em particular.

Assim, nos próximos tópicos, desdobrar-se-ão conceitos e categorias sociológicos

implementados pelo filósofo francês Pierre Bourdieu, que funcionam como instrumentos de

análise de recortes sociais, com os quais é possível enquadrar situações reais e enxergar nelas

nuances e marcas sombrias, normalmente „invisíveis a olho nu‟, responsáveis por engendrar

comportamentos e inculcar atitudes sociais ideologicamente contrários ou desfavoráveis aos

interesses naturais de alguns agentes universitários, notadamente, os pertencentes ao grupo

dos dominados, dentre os quais, sobressaem os estudantes, apesar de comporem a maioria

37

desse campo, onde o valor “vaidade”9

impera soberanamente, pairando sobre todos,

dominantes e dominados.

Nesse contexto teórico, impõe-se advertir sobre a notória dificuldade de entendimento

dos textos desse autor francês, cuja eloquência também foi trasladada para a tradução de sua

obra, guardadas as devidas proporções. Por isso, buscou-se ser o mais didático possível,

dentro dos limites do que foi compreendido, mesmo sabendo-se do inevitável prejuízo da

estilística.

É o que se pretende esclarecer a seguir.

3.1 CATEGORIAS SOCIOLÓGICAS DE BOURDIEU LIGADAS À CERIMÔNIA DE

COLAÇÃO DE GRAU E À GOVERNANÇA UNIVERSITÁRIA

No que tange aos aspectos sociológicos que envolvem a ritualística universitária de

colação de grau, a análise foi um pouco mais abrangente do que a histórica, de modo a abarcar

não só o ato em si (colação de grau), como também aspectos da governança universitária

imbricados com o ato, buscando-se demonstrar que a estrutura jurídico-organizacional da

UFRN, incluindo sua autonomia, enquanto campo acadêmico, favorece a reprodução das

condições sociais extramuros do paradigma dominante, excludente por natureza e socialmente

injusto, o que se dá de forma oculta, a encobrir tal realidade, daí porque embute sua violência

simbólica, nos termos da teoria sociológica de Pierre Bourdieu (1989; 1992; 2001a; 2001b;

2002; 2008), na medida em que esconde as relações de forças em disputa pelos troféus do

campo, contribuindo externamente para a manutenção do status quo social.

Nesse sentido, introduz-se o conceito de campo social em Bourdieu (1989, p. 28-29),

como sendo um espaço de relações sociais, onde agentes específicos atuam buscando

conquistar troféus em disputa, que representam capital de valor restrito ao campo, por

exemplo, de notoriedade, de prestígio e de glória, obedecendo a certas regras do campo,

mediante estratégias próprias do jogo.

9 “A entrega de diplomas, freqiientemente feita em cerimônias solenes, é comparáve1 à sagração do

cavaleiro”. Cf. BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação. 9. Ed. Trad. Mariza

Correia. Campinas: Papirus, 1996.

38

Particularizando ainda mais o conceito de campo em Bourdieu (2008), pode-se dizer

que corresponde a um espaço abstrato de posições socialmente relevantes, no qual agentes

inseridos nesse campo disputam um jogo com regras próprias, visando acumular capital

simbólico, através da conquista de troféus disputados.

Segundo esse sociólogo francês (2002, p. 120), no campo acadêmico, por exemplo,

joga-se o jogo da academia, disputando-se os títulos e graus universitários, os quais

equivalem a diferentes níveis de prestígio e notoriedade acadêmicos, tal como se verifica no

bacharelado, na licenciatura, no mestrado, no doutorado e na livre docência, verdadeiros

troféus disputados pelos agentes dos grupos dominantes e dominados, cuja relevância

simbólica somente os iniciados a reconhecem e valorizam (os universitários). E ainda há

também outros tipos de troféu no campo acadêmico, como o decorrente do prestígio do curso

ou da fama da universidade. Assim, é socialmente legítimo afirmar-se que o curso de

Medicina é mais importante que os de Direito, Matemática ou Pedagogia. Da mesma maneira,

formar-se na USP é social e academicamente mais valorizado do que formar-se na UFRJ,

UFPE ou UFRN.

Já no que respeita ao conceito de habitus na teoria bourdiana, este pode ser entendido

resumidamente como sendo a internalização pelos indivíduos de “disposições sociais” (regras,

signos, condutas, ideias, etc.), que, por sua vez, fazem esses agentes reproduzirem automática

e estruturalmente essas mesmas disposições, sem questioná-las, e, às vezes,

inconscientemente. Ou seja, o habitus significa a inculcação de comportamentos, estilos ou

ideias padronizados, tidos como naturais, dentro de um campo social (BOURDIEU, 2001a, p.

21).

Assim, o habitus funciona semelhantemente ao que ocorre com a alteração do modo

de se expressar dos alunos universitários que, guiados pelos professores, alteram, no decorrer

do curso, seu padrão normal de fala adquirido antes de ultrapassar o vestíbulo da academia.

Isso fica mais nítido quando se acompanha a trajetória de um aluno de doutorado, desde a

graduação até a defesa da tese. Nesse momento, ele já está totalmente imerso no campo

acadêmico, demonstrando níveis avançados de preparação para conquistar o capital social ali

disputado, o anel de doutor (capital acadêmico).

Outro importante conceito elaborado pelo sociólogo francês é o que se compreende

por capital social, (BOURDIEU, 2002, p.120) o qual representa o acúmulo de prestígio

conquistado com os troféus em disputa, altamente valorizados pelos integrantes de

determinado campo. Tais troféus, objeto de desejo dos jogadores do campo, funcionam como

39

capital para favorecer a aquisição de poder simbólico, com o qual os dominantes subjugam os

dominados daquele mesmo campo, com vistas a conservar as posições que lhes são favoráveis,

mantenedoras de seus privilégios, sem que haja contestação por parte dos grupos dominados.

Nesse ponto, impende observar que foi através de seu enorme poder simbólico que os

professores universitários (dominantes do campo acadêmico) conseguiram inserir o parágrafo

único no art. 56 da LDB, que lhes dá superioridade representativa nos órgãos internos

colegiados (70% dos assentos), a despeito do princípio constitucional da gestão democrática

(art. 206, VI, da CF/88), repetido no caput do art. 56 da LDB, fato que passa despercebido

pelos estudantes universitários (dominados do campo acadêmico), que, mesmo sendo maioria

em qualquer universidade, dividem com os servidores técnicos os 30% restantes da

representatividade colegiada, distorção naturalizada pela violência simbólica embutida na

regra legal, nunca questionada pelos estudantes.

Somente quando se utiliza das ferramentas sociológicas de Bourdieu é que se percebe

a flagrante inconstitucionalidade do aludido dispositivo (parágrafo único) inserido no art. 56

da LDB, descortinando-se a violência simbólica embutida na relação de forças entre

professores, técnicos e estudantes, até então desconhecida desses últimos, que perderam sem

lutar, porque sequer sabiam do embate. Talvez, como revide informal e inconsciente, caiba a

esses últimos burlar ou driblar as regras impostas pelos colegiados, onde são minoria, agindo

matreiramente por entre as pilastras dos corredores dos blocos das salas de aula, socorrendo-

se dos colegas para lhe assinarem a folha de presença, para lhe responderem uma ou outra

questão da prova, para lhe inserirem no grupo do seminário, ou, doutra feita, aliando-se a

algum professor pesquisador para lhe facilitar a matrícula em turmas de férias ou em estudos

individualizados, de modo a compensar os eventuais prejuízos decorrentes das normas

impostas pelos colegiados, de maioria professoral.

Desse modo, a violência simbólica em Bourdieu (1989, p. 11) representa a ocultação

das relações de força com que os dominantes mantêm seus privilégios sob a aparência de

legítimos direitos, sem que os dominados percebam os mecanismos de dominação ou, mesmo

os descobrindo, se sintam resignados, na esperança de também deles usufruir futuramente,

caso se esforcem adequadamente, como supunham que os dominantes assim o procedem. É o

que ocorre, por exemplo, com o tão conhecido e propalado sistema de mérito (meritocracia),

bastante utilizado no campo acadêmico e no socioeconômico para legitimar as posições

privilegiadas dos dominantes, “convencendo” os dominados de que, se esses se esforçarem,

também poderão usufruir dessas posições.

40

É o caso, por exemplo, das profissões liberais regulamentadas (Medicina, Advocacia e

Engenharia), que criam monopólios profissionais, sob o pretexto da “busca pela ordem”, em

prol de suposta segurança da sociedade. De acordo com Coelho (1999), a regulamentação

dessas profissões visou muito mais ao estabelecimento de privilégios aos bacharéis do

Império, produzindo um distanciamento dos práticos (curandeiros, rábulas e pedreiros), do

que ao fortalecimento da especialização profissional.

Assim, a submissão dos estudantes à cerimônia juramentada de colação de grau, aliada

a outros fatores ilegítimos, tais como: a norma do art. 56, parágrafo único, da LDB, que anula

o poder decisório dos estudantes nos colegiados, contrariando o princípio constitucional da

gestão democrática das universidades; os processos seletivos de ingresso (vestibular, SISU);

os ritos de acolhimento dos calouros (trotes); a regulamentação de certas profissões

“superiores” (liberais), criando monopólios ocupacionais, tudo isso representa a típica

violência simbólica preconizada por Bourdieu ao ocultar o arbitrário dessas medidas,

travestidas de aparente legitimidade, mas adotadas ideologicamente em proveito de grupos

dominantes, cujo sigilo tende à manutenção de seus privilégios, omitindo as relações de força

existentes nos campos social e acadêmico, reproduzindo as mesmas condições que lhes são

favoráveis, na universidade e na sociedade.

Assim sendo, supõe-se comprovada a existência de violência simbólica na cerimônia

de colação de grau, embora essa violência decorra não só do ato festivo em si, como destaque

nos circuitos de consagração universitária, ainda que pouco eficaz, devido à proximidade

social do objeto consagrado, mas também do conjunto de atos e fatos arbitrários que

compõem a governança corporativa, sob os auspícios da autonomia universitária.

Em seguida, será exposta a análise jurídica acerca da obrigatoriedade de participação

do alunado na cerimônia de colação de grau da UFRN, em que pese a enorme adesão

estudantil, devido ao processo de glamorização desse cerimonial universitário, que se revela

atrativo ao pendor da juventude ávida por ostentação, alimentada pela vaidade humana.

4 A OBRIGATORIEDADE DA PARTICIPAÇÃO ESTUDANTIL NA CERIMÔNIA

Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.

Cecília Meireles

41

A análise jurídica do suposto “ato administrativo” que veicula a cerimônia em tela

norteou-se pela validade das normas internas da UFRN que regulam o tema frente ao

conteúdo normativo do ordenamento jurídico vigente no Brasil, cotejando-se

hermeneuticamente o alinhamento daquelas normas com o teor jurídico dos princípios

constitucionais da legalidade (art. 5º, II, da CF/88), direito fundamental regente de todo ato

administrativo, de onde emerge e se funda o princípio da supremacia do interesse público

primário em benefício da coletividade; e da objeção de consciência (art. 5º, VIII, da CF/88),

garantia fundamental do direito à individualidade, considerando-se, ainda, o enquadramento

daquelas normas internas em contraponto à regulação legislativa afim, consubstanciada na Lei

nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da educação - LDB), tudo isso a partir da concepção

teórico-administrativista elaborada pelo jurista Celso Antônio Bandeira de Mello (2013).

Desse modo, constatou-se que não existe uma definição legal, jurisprudencial nem

doutrinária, a respeito da expressão “colação de grau”10

, sendo conceituada regularmente

como sendo “o ato pelo qual se outorga o grau” (UFRN, 2013, art. 250), cujo termo “outorga”

se mostra anacrônico e, por isso, inapropriado, vez que o grau é um direito do estudante

concluinte e não mais uma mera liberalidade da universidade como era na Idade Média, em

que a Igreja Católica ditava as regras e distribuía concessões a seu talante, sob os auspício do

Poder Divino que representava. Portanto, o sentido do “ato” (outorga de grau) deflui do

tradicionalismo cultural acadêmico, correspondendo a um rito (sequencia de atos),

circunstância que inviabilizou o enquadramento da cerimônia de colação de grau da UFRN no

espectro classificatório da teoria do ato administrativo, o que levou a considerar-se mais

adequadamente a sua natureza ontológica como sendo de “fato administrativo”, levando-se

em conta sua forma procedimental. Assim, uma vez determinada a sua natureza jurídica,

escrutinou-se a adequação de seu caráter deontológico (obrigatório) ao plexo normativo do

ordenamento brasileiro, em cuja disposição, as normas jurídicas seguem certo encadeamento

lógico, sistemático e hierárquico, para a aferição de sua validade.

É o que se buscará dirimir a partir de agora.

10 De acordo com o Dicionário Priberam de Língua Portuguesa, a palavra “colação” significa “Ação ou poder de

conferir um benefício eclesiástico”, dentre outros significados. Disponível em

<https://dicionario.priberam.org/cola%C3%A7%C3%A3o> Acesso em 17-11-2018.

42

4.1 A ILEGALIDADE DA OBRIGATORIEDADE DA CERIMÔNIA PERANTE O

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Avaliando a cultura jurídica produzida ao longo do tempo e seus efeitos no cotidiano,

percebe-se que o Direito, enquanto expressão da arte humana, encerra um discurso

pretensamente racional de pacificação coercitiva dos conflitos de interesses interpessoais, de

modo a garantir a conservação do status quo social, restringindo as possibilidades de

aventuras revolucionárias tendentes à transformação radical da realidade.

Para tanto, o Estado se apega às normas de sua Constituição, como pressupostos de

sua legitimidade para impor, permitir ou proibir condutas, bem como constituir situações

jurídicas relevantes, por meio de sistema legal, sempre com vistas ao bom convívio social.

Nesse sentido, no que toca ao tema ora estudado e sob o ponto de vista da Constituição

Federal vigente (BRASIL, 1988), vê-se que a educação é um “direito de todos e dever do

Estado”, um serviço público não privativo prestado sob os auspícios do desenvolvimento

humano, da cidadania e da qualificação para o trabalho, além de gerido com base nos

princípios da igualdade, da liberdade, da gratuidade, da tolerância e da democracia:

CF/88 (BRASIL, 1988)

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será

promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno

desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua

qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o

saber;

III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;

[...]

VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

Para tanto, a Administração Pública, sob pena de ilicitude, deve implementar as

condições de concretude do aludido direito, sempre tomando por base o efetivo respeito ao

princípio da legalidade, em toda a sua atuação, como preceito constitucional fundamental

(BRASIL, 1988):

43

CF/88 (BRASIL, 1988)

Art. 5º [...]

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei;

[...]

Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios

de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao

seguinte: [...]

Art. 84 [...]

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e

regulamentos para sua fiel execução; (sem grifos)

Já no plano infraconstitucional, a Lei nº 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da

Educação – LDB (BRASIL, 1996), repete o texto constitucional ao enumerar os princípios e

garantias da educação em geral, mas reduz o alcance da gestão democrática no nível superior,

destinando aos professores universitários 70% (setenta por cento) dos assentos dos colegiados

deliberativos, frustrando a participação igualitária dos técnicos e dos estudantes, que são

maioria em qualquer universidade, nas decisões tomadas em assembleia, conforme art. 56,

parágrafo único, in verbis:

LDB (BRASIL, 1996)

Art. 56. As instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio da

gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos, de

que participarão os segmentos da comunidade institucional, local e regional. Parágrafo único. Em qualquer caso, os docentes ocuparão setenta por cento dos

assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da

elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como da escolha de

dirigentes. (sem grifos)

Daí que a gestão democrática das universidades foi desvirtuada pela própria lei, ao

dotar a categoria dos professores de poder excessivo para deliberar sobre as normas internas,

que afetam a todos, professores, técnicos e estudantes, mas que atendem majoritária e

preferencialmente os interesses dos primeiros, gerando conflitos com os demais interessados,

tornando-se norma materialmente inconstitucional, já que contraria o princípio da gestão

democrática.

Quanto ao tema ora discutido, a LDB (BRASIL, 1996) cala-se acerca da forma pela

qual as universidades conferem os títulos, graus e diplomas, dispondo apenas que elas

dispõem de autonomia didático-pedagógica e administrativo-financeira, assegurando-lhes

diversas outras atribuições, de acordo com o art. 53, abaixo:

44

LDB (BRASIL, 1996)

Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem

prejuízo de outras, as seguintes atribuições: I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação

superior previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o

caso, do respectivo sistema de ensino;

II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais

pertinentes; III - estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão; IV - fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as

exigências do seu meio; V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as

normas gerais atinentes; VI - conferir graus, diplomas e outros títulos; VII - firmar contratos, acordos e convênios; VIII - aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a

obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme

dispositivos institucionais; IX - administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos; X - receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira

resultante de convênios com entidades públicas e privadas. (sem grifos)

Percebe-se, no rol de atribuições acima, que às universidades também compete “firmar

contratos, acordos e convênios”, sem que seja preciso, contudo, indicar que tais contratos

devem obedecer aos princípios do Direito Administrativo, cuja eventual violação, poderá ser

objeto de controle interno e externo. Disso, pode-se concluir que as demais atribuições, como

por exemplo, “conferir graus, diplomas e outros títulos” devem seguir a mesma sistemática

jurídica, de observância às normas legais que lhes dizem respeito, que veiculam a finalidade

de cada atribuição. Logo, para conferir graus e diplomas, a universidade não pode extrapolar

os limites legais a que está adstrita pelo fim a ser alcançado (habilitar profissionais),

introduzindo forma não prevista em lei (cerimônia solene) e, mais que isso, contrária a seus

postulados da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Assim é que a UFRN deliberou, no art. 135 de seu Regimento Geral (UFRN, 2002b), e

repisou, no art. 250 de seu Regulamento dos Cursos de Graduação (UFRN, 2013), que o ato

de colação de grau é realizado em sessão solene, presidida pelo Reitor, cujos detalhes da

cerimônia protocolar constam das Normas de Colação de Grau da UFRN, baixadas pela

Portaria nº 428/2008 (UFRN, 2008), conforme transcrições abaixo:

Regimento Geral da UFRN (UFRN, 2002b)

Art. 135. O ato de colação de grau é realizado em sessão solene em dia, hora e local previamente designados, e será presidido pelo Reitor.

..........................................................................................................

Regulamento dos Cursos de Graduação da UFRN (UFRN, 2013)

45

Art. 250. Colação de grau é o ato pelo qual é outorgado o grau correspondente ao

curso concluído pelo estudante e pode ocorrer nas seguintes formas:

I - sessão coletiva;

II - sessão individual.

.........................................................................................

Normas de Colação de Grau da UFRN (UFRN, 2008)

Art. 1º A colação de grau é o ato pelo qual é outorgado o grau correspondente ao

curso/modalidade concluído pelo aluno e pode ocorrer nas seguintes formas:

I - sessão solene; II - sessão simples.

Art.2º É assegurada a outorga do grau, em sessão solene ou sessão simples, ao aluno

que integralizou os conteúdos e a carga horária mínima obrigatória do curso ao qual

esteja vinculado.

[...]

Art.5º Em nenhuma hipótese, a outorga de grau é dispensada. [...]

[...]

Art.10 Os formandos deverão chegar ao local da solenidade, devidamente trajados,

com antecedência mínima de uma hora do início da sessão solene (principalmente o

juramentista e o orador da turma, que têm o uso da palavra durante a solenidade),

para orientações dos procedimentos protocolares que antecedem a cerimônia. [...]

Art.17 O aluno que integralizou a estrutura curricular em um determinado período

letivo, e não colou grau na sessão solene respectiva daquele período, não poderá

participar de sessões solenes subseqüentes, devendo, portanto, colar grau em sessão

simples.

[...]

Art.22 Após a realização da colação de grau, o processo administrativo de colação

de grau deverá ser entregue pelo Coordenador à Secretaria Administrativa do Centro

ou da Unidade Acadêmica Especializada, onde deverá ser lavrada ata [...]

Art.23 Cabe à Secretaria Administrativa do Centro, da Unidade Acadêmica

Especializada ou da comissão para esse fim nomeada, a estrita observância do

roteiro da cerimônia de colação de grau [...] [...]

Art.35 O texto-padrão do juramento, bem como o texto de juramento específico

aprovado para o curso/área, deve ser fornecido à comissão de formatura pela

Secretaria do Centro ou pela Unidade Acadêmica Especializada.

[...]

Art.39 Não será permitido, aos formandos, familiares ou convidados, portar faixas,

cartazes ou similares, bem como utilizar apitos, cornetas ou outro objeto sonoro

durante a solenidade. O descumprimento poderá incorrer no encerramento da sessão

pelo presidente da mesa. [...]

Art.40 São atos protocolares obrigatórios da Assembléia Universitária de Colação

de Grau: I – apresentação inicial da solenidade pelo mestre de cerimônias;

II – composição de mesa;

III – abertura oficial da sessão solene pelo presidente da mesa;

IV – entrada de formandos;

V – execução do hino nacional;

VI – discurso do orador da turma;

VII – apresentação dos formandos pelo Diretor do Centro ou pelo Coordenador do

Curso;

VIII – juramento;

IX – outorga de grau;

X – chamada dos novos bacharéis/licenciados para receberem os diplomas;

XI – entrega da medalha e do diploma de mérito estudantil; XII – discurso do Paraninfo;

XIII – pronunciamento do Reitor, ou do Presidente da mesa, designado pelo Reitor,

e encerramento;

XIV – saída dos novos bacharéis/licenciados. (sem grifos)

46

A despeito dessa esdrúxula formalização do reconhecimento do direito ao grau e ao

diploma, no Estatuto, art. 66 (UFRN, 2002a), e no mesmo Regimento Geral, art. 107 e 109

(UFRN, 2002b), a UFRN deixa claro que os alunos que integralizam a estrutura curricular de

seu curso têm direito ao correspondente diploma, sem condicioná-lo a qualquer ato solene ou

compromisso juramentado. Em seguida, explica, por meio de seu Regulamento dos Cursos de

Graduação (UFRN, 2013), que uma estrutura curricular contém obrigatoriamente a carga

horária mínima e os componentes curriculares que necessitam ser integralizados pelos alunos

para fazerem jus ao grau correspondente, conforme transcrições a seguir:

Estatuto da UFRN (UFRN, 2002a)

Art. 66. Aos concluintes dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação, a Universidade

confere o grau e expede o correspondente diploma.

.........................................................................

Regimento Geral da UFRN (UFRN, 2002b)

Art. 107. O currículo de cada Curso abrange uma sequência ordenada de disciplinas,

hierarquizadas por meio de pré-requisitos, cuja integralização confere direito ao

correspondente diploma ou certificado, ou apostilhamento.

[...] Art. 109. Em todos os currículos são fixados os números mínimos de créditos a

serem obtidos pelos alunos, para se habilitarem ao recebimento do grau

respectivo.

..........................................................................................................

Regulamento dos Cursos de Graduação da UFRN (UFRN, 2013)

Art. 22. Uma estrutura curricular possui, obrigatoriamente, a carga horária mínima

e os componentes curriculares a serem integralizados pelo estudante para o

recebimento do grau correspondente.

(sem grifos)

Desse modo, constata-se que a cerimônia solene de colação de grau é “fato”

secundário, de mera exteriorização do ato principal (direito ao diploma), uma vez cumpridos

pelos alunos o requisito objetivo regulamentar (integralização dos componentes e a carga-

horária mínima), o que demonstra, portanto, ser indevida e excessiva, a obrigatoriedade da

participação dos alunos nas referidas sessões, porque desprovida de causa que a justifique,

violando o princípio constitucional da proporcionalidade, postulado da legalidade.

Quanto ao levantamento jurisprudencial, embora não se tenha encontrado nenhum

julgado do STF, nem do STJ, sobre pedido de não participação de estudante em cerimônia de

colação de grau, verificou-se, no entanto, que é entendimento pacífico no STJ de que tal

cerimônia é mera formalidade, sem importância jurídica, conforme precedente da Corte da

Cidadania (STJ, 2010), com relatoria da lavra da Min. Eliana Calmon, in verbis:

47

DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE

SEGURANÇA. - CONCURSO PÚBLICO - PROFESSOR TEMPORÁRIO -

CANDIDATA QUE AINDA NÃO HAVIA COLADO GRAU NA DATA

PREVISTA PARA ENTREGA DOS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS À

CONTRATAÇÃO, MUITO EMBORA JÁ TIVESSE CONCLUÍDO O CURSO

EXIGIDO NO EDITAL - MERA FORMALIDADE, QUE PODE SER SUPRIDA

COM A APRESENTAÇÃO DA CERTIDÃO DE CONCLUSÃO DO CURSO. 1.

Mandado de segurança impetrado contra ato do Secretário da Administração do

Estado de Rondônia, em decorrência da não contratação da impetrante após a aprovação em concurso destinado ao provimento de vaga, em regime temporário, de

Professor de Séries Iniciais. 2. A apresentação do certificado de conclusão de curso

superior constitui meio hábil à comprovação do nível de escolaridade exigido para o

cargo almejado. 3. A colação de grau é mero ato burocrático que nada

acrescenta à formação do profissional. É, em verdade, a chancela de um ato

administrativo cuja substância já está íntegra pela aprovação da aluna nas provas

finais de conclusão do curso. 4. Recurso ordinário em mandado de segurança

provido. (RMS 31.862/RO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA

TURMA, julgado em 5/8/2010, DJe 17/8/2010)

(sem grifos)

Na seara da “jurisprudência” administrativa, colaciona-se o Parecer nº 531/2006 (MEC,

2006), em que a CONJUR-CGAC afirma ser, a emissão de diploma universitário, um ato

jurídico stricto sensu, decorrente da Lei nº 9.394/96 (LDB), portanto, que vincula as

universidades, posto se tratar de direito do estudante concluinte, do que se deduz estar ínsito à

integralização da estrutura curricular do curso superior, não sendo lícito ou legítimo falar em

exigência de obrigações adicionais, típicas de negócio jurídico, tais como a cobrança de

pagamento de taxa, à qual se iguala a exigência de juramento solene, por falta de justa causa:

Parecer nº 531/2006-CGAC, da CONJUR-MEC (MEC, 2006)

[...]

15. Não sendo atividade do mercado consumidor, conclui-se que a emissão do

diploma é ato jurídico regulado pelo direito civil, decorrente da prestação de serviço

de ensino.

[...]

18. O mesmo sucede com a emissão de diploma por IES. Tal ato é obrigação de

direito civil atrelada à prestação de serviço, mas que não é suscetível de cobrança,

pois que decorre de obrigação legal (ato jurídico stricto sensu). O aluno concluinte

do curso tem direito ao diploma por força de imposição da lei dirigida à IES (Lei

9.394, art. 48). [...]

19. A doutrina se esmera na definição de ato jurídico stricto sensu, a qual se ajusta

ao ato da expedição de diploma por IES, em decorrência de obrigação legal (LDB,

art. 48). Para Maria Helena Diniz:

„O ato jurídico em sentido estrito é o que gera conseqüências jurídicas previstas em

lei e não pelas partes interessadas, não havendo regulamentação da autonomia

privada. De forma que „o ato jurídico stricto sensu seria aquele que surge como

mero pressuposto de efeito jurídico, preordenado pela lei, sem função e natureza de

auto-regulamento‟. (Curso de direito civil brasileiro. 22a ed. São Paulo: Saraiva,

2005, 1 v, p. 409).

[...]

22. Ao expedir o diploma por imposição da lei, a IES não negocia com o estudante beneficiário o direito que lhe é assegurado a partir da norma impositiva. A recusa

injustificada da instituição ensejaria até a impetração de ação mandamental para a

48

garantia do direito. Isso revela o caráter não negocial do ato de expedição do

diploma e expõe, claramente, que a obrigação em causa (expedição do diploma) já

que prevista em lei, é ato jurídico stricto sensu e não negócio jurídico.

[...]

56. Em resumo, Senhora Consultora Jurídica, por qualquer ângulo que se observe a

questão, reluz sempre o fato de que o ato de expedição do diploma, atualmente a

cargo das Universidades é obrigação acessória à principal, esta consistente na

prestação do serviço de ensino. Trata-se, pois, de obrigação de caráter civil,

veiculada por meio de ato jurídico stricto sensu, razão pela qual ingressa no conceito amplo de diretrizes e bases da educação. (sem grifos)

Conforme delineado no Parecer supra transcrito, o art. 48 da LDB (BRASIL, 1996)

veicula a finalidade do diploma, qual seja a de comprovar a “formação recebida por seu

titular”, não a de garantir o compromisso ético de seu portador, o que torna sem razoabilidade

alguma a excessiva cobrança de participação obrigatória dos alunos em cerimônia

juramentada. Vale lembrar que a postura ética de cada profissional habilitado já é objeto de

averiguação nos diversos códigos de ética editados pelos órgãos de fiscalização de classe,

como, no caso do Direito, a OAB, da Medicina, o CFM, e demais categorias, num verdadeiro

bis in idem „juramentoso‟.

A seguir, submete-se o tema ao crivo da doutrina administrativista do jurista Celso

Antônio Bandeira de Mello (2013), com vistas a enquadrar o objeto de estudo na moldura do

Direito Administrativo brasileiro, tirando-se daí as conclusões possíveis de confirmar a

principal hipótese dessa pesquisa: é ilegal a obrigatoriedade de participação do alunado na

cerimônia de colação de grau da UFRN, como condição ao recebimento do diploma

universitário a que faz jus o estudante concluinte, que integralizou adequada e oportunamente

a grade curricular de seu curso.

Importante deixar claro que a omissão, nesse estudo, de teorias de outros

doutrinadores em contraponto à teoria ora adotada (MELLO, 2013) se explica em função da

inexistência de literatura específica divergente, dado se tratar de tema com abordagem e

propósito inusitados e indiferentes às demais monografias afins, estas mais atreladas

frequentemente ao aspecto glamoroso do tema. Assim, não se olvida das discrepâncias

doutrinárias havidas entre a concepção teórica do jurista Celso Antônio Bandeira de Mello e

as de outros juristas brasileiros e estrangeiros, igualmente importantes, embates travados no

campo das grandes questões do Direito Administrativo. Contudo, o assunto ora estudado, no

delineamento metodológico aqui adotado, não comporta e nem exige a salutar contraposição

doutrinária, vez que se trata de uma questiúncula desimportante, em termos de doutrina,

embora de expressiva relevância prática para milhares de estudantes em todo o país, por isso,

de utilidade pública. Não se trata, pois, de revisão teórica, mas apenas de postura empírica,

49

em termos de proposição. Quando muito, de questão hermenêutica, em função do paradigma

adotado no caso concreto.

Nesse contexto, o Direito estabelece, a partir de suas ramificações, os diversos regimes

jurídicos que enquadram as permissões, as proibições e as obrigações, enfim, os comandos a

que ficam sujeitas as ações humanas em relação aos atos e fatos da vida em sociedade, dentro

de cada regime autônomo, sempre fincado em bases constitucionais.

Destarte, é no plano do Direito Público que se insere o ramo do Direito Administrativo,

regime jurídico onde gravitam as normas (princípios e regras) pertinentes às situações

jurídicas que envolvem o interesse público, objeto da função administrativa estatal, o qual,

embora imponha limites à atuação estatal, como garantidores dos direitos dos administrados,

ainda assim, os atos da Administração pública prevalecem sobre os interesses particulares,

justamente em função da primazia do interesse público, razão de ser do Estado moderno.

Nesse sentido, segundo Mello (2013, p. 29), “O Direito Administrativo é o ramo do

Direito Publico que disciplina o exercício da função administrativa, bem como pessoas e

órgãos que a desempenham”, acrescentando que o regime jurídico administrativo tem por

base os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público pela

Administração, o que corresponde à contraposição entre o autoritarismo estatal e os direitos

dos administrados (2013, p. 57):

Todo o sistema de Direito Administrativo, a nosso ver, se constrói sobre os

mencionados princípios da supremacia do interesse publico sobre o particular e

indisponibilidade do interesse público pela Administração.

Em verdade, como bem o disse Garrido Falia, o Direito Administrativo se erige

sobre o binômio “prerrogativas da Administração - direitos dos administrados”. É o entrosamento destes dois termos que lhe delineia a fisionomia. Sua compostura,

pois, irá variar de um para outro sistema jurídico positivo, retratando uma feição

mais autoritária ou, opostamente, um caráter mais obsequioso aos valores

democráticos. (grifos originais)

Dada a sua importância para a manutenção da coerência do sistema administrativo,

convém esclarecer, sob a douta lição de Mello (2013), o que vem a ser o chamado “interesse

público”. Para tanto, esse jurista utiliza-se de pergunta didática, como pista para se inferir a

noção por trás do interesse público. Assim, indaga (2013, p. 60): “Poderá haver um interesse

público que seja discordante do interesse de cada um dos membros da sociedade?

Evidentemente, não”, responde ele, advertindo que isso não impede de haver um interesse

público contraposto a um dado interesse individual (v.g. propriedade), sem, contudo,

50

descaracterizar a relação intrínseca entre interesses públicos (v. g. desapropriação) e interesses

individuais coletivos (v. g. praça, ponte, açude, hospital, etc).

A partir dessa noção intuitiva, pode se extrair o conceito de interesse público, segundo

Mello (idem, p.62):

Donde, o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do

conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados

em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem. (grifos

originais)

Disso decorre que, de acordo com Mello (2013, p. 63-65), uma vez violado o princípio

da legalidade, no qual está necessariamente embutido o conceito de interesse público, nasce

para o lesado o direito subjetivo público, apto a rivalizar com a Administração por uma

atuação conforme à lei, buscando restabelecer-se o primado do interesse público e a reparação

de eventuais prejuízos individuais. Outra consequência desse conceito é a clara percepção de

que os interesses públicos propriamente ditos, destinados à coletividade, não se confundem

com os interesses do Estado, como foi visto acima, na medida em que à coletividade

correspondem os interesses públicos primários e ao Estado, os interesses públicos

secundários, classificação já bastante assente na doutrina e jurisprudência brasileiras.

Nesse ínterim, impõe-se destacar que a Administração Pública rege-se pela

observância aos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público em sua

relação com os administrados, isso significando que o seu atuar deve se pautar pelas balizas

do regime administrativo, o que inclui o efetivo respeito aos princípios constitucionais que

também o conformam, tais como: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,

eficiência, finalidade, razoabilidade e proporcionalidade, a cuja violação implica a invalidade

do ato administrativo violador.

Indica, ainda, Mello (2013, p. 104), que os princípios da finalidade, da razoabilidade e

da proporcionalidade, a que está sujeita a atuação administrativa, encontram-se implícitos no

princípio da legalidade, como postulados da lei, pois não seria compreensível a edição de uma

lei que estabelecesse uma finalidade discrepante do bom senso, desprovida de logicidade ou

afetada de imprudência, a exceder os limites de seu alcance. É o que se observa, entretanto,

em relação à norma do parágrafo único do art. 56 da LDB (BRASIL, 1996), acima transcrito,

que restringiu indevida e ilogicamente o princípio da gestão democrática escolar ao reservar

70% dos assentos nas assembleias universitárias, violando, dessa maneira, o caráter

democrático do princípio constitucional. De igual modo e por idêntica razão, reputam-se

51

ilegais as normas internas da UFRN (UFRN, 2002b; 2008; 2013) que exigem participação

obrigatória dos estudantes em cerimônia de colação de grau, como condição sine qua non ao

recebimento do diploma, porque viola os postulados da legalidade, acima aludidos.

Em razão da importância capital do princípio da legalidade para a conformação do

regime jurídico administrativo, é que Mello o concebe como o princípio basilar do Direito

Administrativo, consequência natural do Estado de Direito, porque fruto da submissão do

Estado ao império da lei, por intermédio do qual todos os agentes da Administração Pública

rendem-se a seus postulados (finalidade, razoabilidade e proporcionalidade), desde o

Presidente da República até o mais humilde dos servidores públicos (2013, p. 104-106):

Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às

leis. Esta deve tão somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o

Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis,

reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder

Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito brasileiro.

[...]

No Brasil, o principio da legalidade, além de assentar-se na própria estrutura do

Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo, está radicado

especificamente nos arts. 5º, II, 37, caput, e 84, IV, da Constituição Federal. Estes

dispositivos atribuem ao principio em causa uma compostura muito estrita e

rigorosa, não deixando válvula para que o Executivo se evada de seus grilhões. E,

aliás, o que convém a um país de tão acentuada tradição autocrática, despótica, na

qual o Poder Executivo, abertamente ou através de expedientes pueris - cuja pretensa juridicidade não iludiria sequer a um principiante - viola de modo sistemático

direitos e liberdades públicas e tripudia à vontade sobre a repartição de poderes.

Nos termos do art. 5º, II, „ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma

coisa senão em virtude de lei‟. Aí não se diz „em virtude de‟ decreto, regulamento,

resolução, portaria ou quejandos. Diz-se „em virtude de lei’. Logo, a Administração

não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver

previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a

quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução,

resolução, portaria ou seja lá que ato for para coartar a liberdade dos administrados,

salvo se em lei já existir delineada a contenção ou imposição que o ato

administrativo venha a minudenciar. [...]

Portanto, a função do ato administrativo só poderá ser a de agregar à lei nível de

concreção; nunca lhe assistirá instaurar originariamente qualquer cerceio a direitos

de terceiros. (sem grifos)

Tanto é assim que, para Mello, a Administração Pública exercita deveres-poderes para

se desincumbir da tarefa de satisfazer o bem comum, o da coletividade, daí o necessário

comedimento no uso das prerrogativas postas à sua disposição, que devem ser utilizadas na

medida certa para o estrito cumprimento de seu dever legal (2013, p. 72):

52

Quem exerce “função administrativa” está adscrito a satisfazer interesses públicos,

ou seja, interesses de outrem: a coletividade. Por isso, o uso das prerrogativas da

Administração é legítimo se, quando e na medida indispensável ao atendimento dos

interesses públicos; vale dizer, do povo, porquanto nos Estados Democráticos o

poder emana do povo e em seu proveito terá de ser exercido.

Enfim, é na sujeição às restrições especiais postas pela lei, no interesse público, que a

Administração, ou quem lhes faça as vezes, deve se comportar na relação com os

administrados, não podendo extrapolar de seu dever, como se particular fosse, entendimento

esse consagrado na máxima administrativista atribuída ao mestre Hely Lopes Meirelles (2012),

citado por Mello (2013, p. 78): “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade

pessoal. Enquanto na administração particular é licito fazer tudo que a lei não proíbe, na

Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.”

E é justamente na busca pela concretude da finalidade da lei, na tentativa de encontrar

soluções para a satisfação dos interesses públicos, que a Administração executa a lei buscando

atingir o fim por ela almejado, criando, para isso, os seus atos administrativos, meios pelos

quais exprime suas prerrogativas e adota os procedimentos indispensáveis à consecução dos

fins legais (MELLO, 2013, p. 109):

Em rigor, o principio da finalidade não é uma decorrência do principio da

legalidade. É mais que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois

corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de

ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma

lei como suporte para a prática de ato desconforme com sua finalidade não é

aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob pretexto de cumpri-la. Daí por que

os atos incursos neste vicio – denominado “desvio de poder” ou “desvio de

finalidade” - são nulos. Quem desatende ao fim legal desatende à própria lei.

O que explica, justifica e confere sentido a uma norma é precisamente a finalidade

que a anima. A partir dela é que se compreende a racionalidade que lhe presidiu a

edição. Logo, é na finalidade da lei que reside o critério norteador de sua correta

aplicação, pois é em nome de um dado objetivo que se confere competência aos

agentes da Administração.

(...)

Na verdade, só se erige o principio da finalidade em principio autônomo pela necessidade de alertar contra o risco de exegeses toscas, demasiadamente

superficiais ou mesmo ritualísticas, que geralmente ocorrem por conveniência e

não por descuido do intérprete. (...) Abuso de poder é o uso do poder além de seus

limites. Ora, um dos limites do poder é justamente a finalidade em vista da qual

caberia ser utilizado. (sem grifos)

Nesse ponto, impende trazer à baila um dos conceitos de ato administrativo - já que

inexiste uma definição legal - estipulado por Mello (2013, p. 390), que o define

criteriosamente e na acepção estrita do termo, como sendo:

53

declaração unilateral do Estado no exercício de prerrogativas públicas, manifestada

mediante comandos concretos complementares da lei (ou, excepcionalmente, da

própria Constituição, aí de modo plenamente vinculado) expedidos a título de lhe

dar cumprimento e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.

Por oportuno, não se deve confundir ato administrativo com fato administrativo, esse

como sendo mera atividade administrativa, que pode ou não produzir efeitos jurídicos,

natureza jurídica esta mais propriamente atribuível à cerimônia da colação de grau, dada a

materialidade performática que caracteriza esse evento, similarmente, como exemplifica

Mello (2013, p. 388), ao que ocorre com o ministério de uma aula em escola pública, com a

cirurgia em hospital público, com a pavimentação de uma rua, porquanto esses não são atos

jurídicos. Assim, enquanto fato que materializa a obtenção do grau e diploma acadêmicos, a

cerimônia de colação de grau, solene ou em gabinete, pode ser considerada mero fato

administrativo, e como tal, desprovido dos atributos do ato administrativo (presunção de

legitimidade e veracidade, autoexecutoriedade, imperatividade e tipicidade), não vinculando a

participação dos estudantes concluintes.

De acordo com Mello, para a caracterização do ato administrativo, necessário se faz

que nele se verifiquem seus elementos ou requisitos, que esse jurista prefere sistematizar de

maneira diversa da usualmente utilizada por outros doutrinadores, diferenciando os elementos

(intrínsecos) dos pressupostos (extrínsecos) do ato. Como exemplo da nomenclatura

normalmente empregada na doutrina majoritária acerca dos elementos do ato administrativo,

Mello (2013, p. 395) os conceitua sinteticamente:

Sujeito é o autor do ato; quem detém os poderes jurídico-administrativos necessários

para produzi-lo; forma é o revestimento externo do ato: sua exteriorização; objeto é

a disposição jurídica expressada pelo ato: o que ele estabelece. A expressão, com este sentido, é infeliz. Seria melhor denominá-la conteúdo. Motivo é a situação

objetiva que autoriza ou exige a prática do ato; finalidade é o bem jurídico a que o

ato deve atender. Vontade é a disposição anímica de produzir o ato, ou, além disto,

de atribuir-lhe um dado conteúdo.

Dentre tais fatores, a finalidade, como pressuposto teleológico de validade do ato

administrativo (MELLO, 2013, p. 397), sobreleva-se em importância para o estudo do tema

ora proposto, a servir de parâmetro de enquadramento, ou não, do evento festivo de

“outorga11

” de grau na qualidade de ato administrativo, visto que é justamente tal „requisito‟

11 Cabe aqui observar que a palavra “outorga” significa mera liberalidade, concessão, autorização, o que

justifica o seu emprego no contexto das universidades medievais, onde o Papa ou o Imperador, por intermédio do

Reitor/Chanceler, concedia a licença docendi, não sendo mais adequado seu uso nos dias atuais, em que o

diploma é um direito garantido por lei, não mais uma concessão pontifícia ou imperial.

54

que veicula o bem jurídico almejado pela lei, a satisfazer o princípio da legalidade, sendo um

de seus postulados, ao lado da razoabilidade e da proporcionalidade. Doutra feita, percebe-se

que os demais elementos ou não se aplicam (motivo, forma, objeto) ou não são

exclusivamente determinantes (sujeito/competência e vontade) para a qualificação da

cerimônia solene como ato administrativo.

De fato, analisando-se a forma escolhida pela UFRN para exteriorizar a concessão do

grau acadêmico, ou seja, a cerimônia juramentada, percebe-se que inexiste forma designada

em lei (art. 53, VI, da LDB). Tampouco tal solenidade provém de motivo especificamente

determinado, já que, em tese, a situação que desencadeia o “procedimento” da outorga de grau

tanto pode ser a integralização da estrutura curricular na época oportuna, para a turma (sessão

solene), como o requerimento individual, para o aluno desnivelado ou fora de época (sessão

em gabinete). Além disso, o objeto da colação de grau (conferir grau e diploma) já está

contido no interesse público perseguido pela lei (habilitar profissional universitário), o qual se

realiza na integralização curricular a contento (UFRN, 2002a; 2002b). Logo, não há que se

falar em ato administrativo, já que tal cerimônia não dispõe de todos os elementos e requisitos

que conformam os atos jurídicos emanados pela Administração Pública, mas, sim, caracteriza

mero fato administrativo, desprovido de efeito jurídico.

Dessa maneira, constata-se que a finalidade da lei é conferir grau e diploma (bem

jurídico) aos que cumpriram as exigências concretas regulamentares (acesso à universidade e

integralização curricular) para a habilitação profissional universitária (interesse público).

Assim, uma vez configurada a solenidade ora estudada como fato administrativo, não

se vislumbra necessário empreender esforço na descrição classificatória dos atos

administrativos, mostrando-se despicienda tal empreitada, até porque demasiado extensa.

Outra classificação que aqui se renuncia à sua abordagem, pelo mesmo motivo da

natureza material da cerimônia festiva, é a que estratifica os atos administrativos conforme

sua espécie, designando-os por ato normativo, ato enunciativo, ato ordinário, ato negocial, ato

punitivo, etc.

Olhando de outro ponto de vista, mesmo adotando-se a lei em sentido amplo como

critério de análise da legalidade da norma definidora da colação de grau como condição ao

recebimento do diploma, veiculada no Regimento Geral da UFRN (UFRN, 2002b), ainda

assim, seria duplamente questionável: uma, pela solução irracional adotada (misticismo

religioso) e outra, pela ofensa à Constituição Federal na formação dos conselhos deliberativos

55

da UFRN, com maioria de 70% dos assentos reservados aos professores, violando o princípio

da gestão democrática.

Desse modo, constata-se que o recebimento do diploma de graduação é um “direito”,

líquido e certo, de quem se desincumbe, ao término do curso, das tarefas e regras pedagógico-

científicas impostas pelos Regimento Geral e Regulamento dos Cursos de Graduação da

UFRN, além da satisfação das exigências do projeto político-pedagógico, atingindo, com

rendimento escolar suficiente, a integralização da estrutura curricular do respectivo curso,

consoante estabelecem os Art. 107 e 109 do Regimento Geral da UFRN em vigor (atualizado

até a Resolução nº 13/2008, CONSUNI, de 01 de dezembro de 2008) e o Art. 22 do vigente

Regulamento dos Cursos de Graduação (atualizado até a Resolução nº 171/2013-CONSEPE,

de 5 de novembro de 2013) já transcritos acima, sendo descabida legalmente, portanto, a

imposição de qualquer outra condição (cerimônia juramentada de colação de grau) como

obstáculo adicional à sua obtenção do grau e do diploma.

Não resta dúvida de que a obrigatoriedade de participação do alunado na referida

sessão solene, como condição para o recebimento do diploma, constitui violação ao princípio

da proporcionalidade, porquanto não se pode conceber que um ambiente científico se valha de

misticismo (juramento) para certificar seu ensinamento ou para garantir o comprometimento

ético de seus egressos.

Doutra feita, o ato solene previsto no Art. 135 do Regimento Geral da UFRN e no Art

250 do Regulamento dos Cursos de Graduação, vigentes, não dispõe de juridicidade,

necessária a obrigar os estudantes à participação juramentada, muito menos de obstar o

recebimento do diploma, este como direito, não concessão, conforme aludem os Art. 107 e

109 regimentais e Parecer 531/2006-CGAC, supra transcritos, cujo título profissional é

conseguido com o esforço hercúleo de anos de dedicação acadêmica, não podendo ficar, quem

não queira, refém de um ritual místico, de um capricho institucional desprovido de

racionalidade jurídica, pura superstição, a contrapor-se a princípios fundamentais positivados

na CF/1988:

CF/1988 (BRASIL, 1988)

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de

Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

56

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

(...)

Art. 5º (...)

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre

exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de

culto e a suas liturgias;

(...)

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de

convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação

legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;”

(sem grifos)

Dessa forma, vê-se que esse auspicioso juramento firmado em tal ocasião não é

previsto em nenhum dispositivo legal, ao contrário dos demais atos juramentados ou

compromissados exigidos em certas situações especiais pelas instituições públicas brasileiras,

tais como, posse do Presidente e Vice-Presidente da República (previsto na CF/1988),

testemunho judicial, Conselho de Sentença, inventariante, tradutor público (exigidos pelos

Código de Processo Penal e Código de Processo Civil), a inscrição na Ordem dos Advogados

do Brasil (previsto nos Estatuto e Regulamento Geral da OAB), dentre outros, não se

cogitando, ainda, da necessidade de compromisso de cunho profissional, visto que, para o

exercício de qualquer profissão, a CF/1988 alude tão-somente a „qualificações‟ exigidas por

lei, sendo certo que juramento não é qualificação, in verbis:

CF/1988 (BRASIL, 1988)

Art. 5º (...)

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as

qualificações profissionais que a lei estabelecer; (sem grifos)

Por tudo que foi analisado nesse trabalho, pode-se inferir que o compromisso

juramentado tal qual exigido pelas universidades atuais, ao contrário do objetivo das

medievais, visa a estabelecer uma reserva de mercado dos profissionais de nível superior,

distanciando-os dos demais trabalhadores, no intuito de marcar um exclusivismo de classe,

facilitador de privilégios. Ao contrário do que parece, a desculpa de entregar à sociedade um

profissional comprometido com a conduta ética desejada e, assim, menos suscetível de

produzir riscos à sociedade, não é a preocupação principal das universidades, mas, sim,

formar nichos de mercado, nos quais o ensino dito “superior”, ou o trabalho “intelectual”, é

mais valorizado, em detrimento das demais profissões “subalternas”. A área da Engenharia

Civil é um bom exemplo disso. O profissional engenheiro, pelo menos o recém-egresso, pode

ter capacidade técnica para projetar um edifício, mas, geralmente, não dispõe de habilidade

57

prática para levantar uma parede com perfeição e segurança, tarefa desempenhada facilmente

por um pedreiro, mesmo que novato. Em vista desses dois conhecimentos (intelectual e

manual), o risco de eventual desabamento do edifício pode vir a ser causado por erros de

projeto e/ou de execução. Isso mostra que a universidade não se importa com o risco da

execução, já que ela não se preocupa em formar e, por isso, em cobrar o juramento do

pedreiro. Logo, no fundo, o compromisso juramentado exigido atualmente pelas

universidades, sobretudo o cobrado em duplicidade com o órgão de classe (CFM, OAB,

CREA, etc.), funciona como recurso legitimador de privilégios classistas, a cativar a alma

desses profissionais para a justificação da máxima valorização da atividade intelectual,

própria das universidades, em detrimento da habilidade manual, típica das classes subalternas,

evidenciando eloquentes resquícios da forte hierarquização da sociedade medieval, baseada na

vassalagem, e da vergonhosa escravidão brasileira.

Por fim, há de se indagar o que esperar de um profissional que foi obrigado a jurar

comportamento ético? Algumas manchetes de jornais na internet respondem a contento a

pergunta ora formulada, conforme Figuras 14 a 24, a seguir:

Figura 14 - Juiz é condenado por desvio de dinheiro

Fonte: Site da Globo.com – acesso em 21 nov 2018 (site G1)

58

Figura 15 - Ministro do STJ assedia estagiário

Fonte: Site da Globo.com – acesso em 21 nov 2018 (site G1)

Figura 16 - Promotor feminicida progride de regime

Fonte: Site da Globo.com – acesso em 21 nov 2018 (site G1)

Figura 17 - Advogado é suspeito de desvios

Fonte: Site da Globo.com – acesso em 21 nov 2018 (site G1)

59

Figura 18 - Juiz é afastado pelo CNJ

Fonte: Site do CNJ – acesso em 21 nov 2018

Figura 19 - Médicos são presos por morte de paciente

Fonte: Site da Globo.com – acesso em 21 nov 2018 (site G1)

Figura 20 - Engenheiro é preso por falha profissional

Fonte: Site JusBrasil – acesso em 21 nov 2018 (notícia publicada pela PRT-15)

60

Figura 21 - Executivo é preso por desvios

Fonte: Site Globo.com – acesso em 21 nov 2018.

Figura 22 - Deputados da ALERJ e Secretário presos

Fonte: Site da Folha de SP – acesso em 21 nov 2018

Figura 23 - Professor é preso por tráfico de drogas

Fonte: Site da Globo.com – acesso em 21 nov 2018

61

Figura 24 - Reportagem sobre presos diplomados

Fonte: Site do jornal El País/Brasil – acesso em 21 nov 2018

OBS: Todas essas pessoas investigadas, acusadas e/ou condenadas, em tese, ostentam

diploma universitário, logo, participaram de cerimônia de colação de grau, ainda

que em gabinete, e prestaram juramento.

Finalmente, com isso, só se pode concluir que o juramento solene prestado em

cerimônia de colação de grau não é garantidor de condutas éticas e nem prescreve dever

jurídico a seus promitentes, logo, não se presta ao escrutínio da ciência jurídica, porque

postura irracional, e nem se atem à dogmática do Direito, já que desprovido de qualquer rigor

normativo em sua imposição.

De outro modo, ainda que superado o entendimento acima exposto, tendo-se por legal

a imposição da cerimônia juramentada ora estudada, validando-se o caráter normativo das

normas internas das universidades, é imperioso submeter esse entendimento ao debate

jurídico sob outro ponto de vista acerca do tema.

Nesse ínterim, merece destaque, a incompatibilidade da imposição da cerimônia

juramentada com o princípio da objeção de consciência, previsto no art. 5º, VIII, da CF/88,

verdadeiro direito fundamental, de aplicação imediata, ainda que pouco exercitado no

panorama jurídico brasileiro, talvez, por puro desconhecimento desse direito por parte da

população, conforme aponta o jurista Buzanello (2001, p. 173):

Ainda que a objeção de consciência seja um tema relevante no direito constitucional

brasileiro, tanto que é assente nos direitos fundamentais de algumas constituições,

como a brasileira (art. 5º, VIII, e no art. 143, § 1º, CF), passa despercebido pela

comunidade jurídica e pela sociedade civil. Se, entre nós, verifica-se um certo desconhecimento desse direito por parte dos operadores de direito, agrava-se muito

mais a dificuldade da sua efetividade por parte do Estado, que não possui repartição

pública específica e nem recursos humanos com preparo suficiente.

Para Buzanello (idem, p. 174), “a objeção de consciência é uma modalidade de

resistência de baixa intensidade política (negação parcial das leis) e de alta repercussão

moral”, capaz de possibilitar o pleno exercício do direito à liberdade, na sua expressão mais

62

interna à mente, mais próxima de sua dignidade humana, fundamento do Estado Democrático

de Direito. Nesse aspecto, acrescenta o autor: “o que a objeção de consciência reclama é a

não-ingerência do Estado em assuntos privativos da consciência individual, que se confunde

também com a dignidade humana, agora solidificada como princípio constitucional (art. 1º,

III, CF).”

Embora fundamental, reconhece-se que o direito à objeção de consciência não é um

direito absoluto, vez que necessita de justificação específica para a desobrigação legal e,

ainda, de que há a possibilidade de se cumprir prestação alternativa, caso exista previsão legal

nesse sentido, a cuja desobediência, imputa-se a perda ou a suspensão dos direitos políticos do

cidadão objetor, “que importa em privação temporária do direito de votar, ser votado e

despoja a pessoa dos atributos de eleitor, de fazer concurso público e tirar passaporte”

(BUZANELLO, 2001, p. 177).

Quanto à justificação da resistência, esta deve ser expressa e específica, não genérica,

de maneira que o Estado tome conhecimento de quais são as convicções a que o objetor

recorre para se eximir do cumprimento da obrigação legal a todos imposta. Nesse aspecto,

Buzanello entende que (2001, p..176):

A justificação pode ser de várias ordens, como: jurídica, política e moral. O

principal argumento moral reside no dever de obedecer às leis que sejam razoáveis,

proporcionais, justas e em conformidade com os princípios gerais de direito, como o

direito à vida, à dignidade da pessoa humana, da justiça social, da

proporcionalidade, da legítima defesa e da segurança jurídica. [...]

Além da questão ética, o objetor deve invocar uma questão de convicção filosófica

ou política como imperativo de consciência. O que vem a ser essa alegação de

consciência? Podemos entender como um grau bastante forte de assentimento de

valores morais que se interiorizam na pessoa como autopercepção, confundindo-se

muitas vezes como sinônimo de crença ou de certeza.

Nesse ponto, se a colação de grau acadêmico, que deveria ser um ato administrativo

civil, se origina e se firma a partir de práticas religiosas do catolicismo medieval, como

demonstrado nesse estudo, não se pode conceber que tal ato civil, revestido de cerimônia

solene, se imponha a quem não professa essa religião, ainda que esse evento festivo tenha

parcialmente se desprendido, ao longo do tempo, da mistificação eclesiástica que lhe dá

suporte.

Para além da incompatibilidade religiosa, há também que se objetar essa obrigação

acadêmica sob uma perspectiva jurídica, uma vez que o ato juramentado se mostra irracional e,

por isso, desarrazoado e desproporcional, já que a promessa obrigatória feita, ainda que

63

solenemente, não garante padrão de comportamento condizente com o prometido pelo futuro

profissional, de modo que tal compromisso não vincula os promitentes, havendo outras

formas de controle ético objetivo sobre a atuação desses profissionais, através dos Códigos de

Ética das respectivas categorias, como é o caso do Código de Ética e Disciplina da OAB.

Eis as razões pelas quais qualquer estudante universitário, ou de qualquer nível de

ensino, pode recusar obediência à participação obrigatória na cerimônia de colação de grau de

seu curso, desde que esteja firmemente convicto dessas objeções de consciência, socorrendo-

se desse direito fundamental, previsto no art. 5º, inciso VIII, da CF/88 (BRASIL, 1988):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade

do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes:

[...]

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de

convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação

legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

.

Isso posto, encerram-se aqui as discussões sobre o tema da pesquisa, passando-se,

doravante, às possíveis conclusões generalizantes a que conduzem as premissas que deram

suporte ao estudo, conforme as considerações a seguir relatadas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade..

ECLESIASTES 1

Por todo o exposto, considerando os aspectos histórico, sociológico e jurídico,

abordados nessa pesquisa, em alinhamento com o viés metodológico adotado, chega-se à

conclusão de que a cerimônia de colação de grau utilizada tradicionalmente pelas

universidades brasileiras, dentre essas, a UFRN, para condicionar o recebimento do grau e

respectivo diploma universitários pelos estudantes concluintes de curso superior, revela-se

totalmente descabida e inadequada ao fim a que, oficialmente, se destina, visto não dispor do

mínimo suporte racional e jurídico, carecendo de coerência e integridade institucional, o que

confirma a hipótese inicial: cerimônia mística, violenta e ilegal.

64

Quanto ao fator histórico, as premissas denotam que as universidades atuais têm

origem nas universidades medievais e que a referida cerimônia de colação de grau

universitário adotou a ritualística católica de concessão de privilégios eclesiásticos, ao

fazerem uso de vestimentas talares, de juramento solene e de imposição do capelo pelo

Reitor/Chanceler, como forma de transmissão do saber-poder, comprovando-se a

impregnação do misticismo católico. Interessante notar que até mesmo as universidades de

inspiração protestante também fazem uso desse rito católico.

O estudo revela que, quando do acesso da nobreza às cátedras universitárias, o

coroamento da formação era regado a muita pompa e circunstância, em meio a festas

nababescas, passando a representar status de ostentação social, motivo da sedução do glamour

cerimonial que continua encantando, tanto os estudantes das camadas privilegiadas da

sociedade, quanto os estudantes despossuídos, que conseguem acesso aos bancos escolares do

ensino superior, com ou sem o auxílio de cotas.

Daí o porquê de essa cerimônia nunca ser questionada, muito menos impugnada,

porque, aparentemente inofensiva, mais que isso, ela é atraente, sedutora, ainda mais quando a

educação não é libertadora, o que faz do sonho do aluno oprimido tornar-se um opressor,

como dizia o mestre Paulo Freire. E há de se reconhecer que os privilégios dos opressores

vaidosos (médicos, juízes, procuradores, advogados, engenheiros, administradores executivos,

etc.) são bastante tentadores, urgindo a necessidade de uma educação que liberte os educandos

das garras da vaidade humana, o que é tarefa das mais hercúleas, em permanecendo inalterado

o padrão pedagógico-administrativo adotado pelas universidades, a começar pela

denominação do ensino “Superior”, fortemente baseado no paradigma da hierocracia católica,

que infunde, não só nas universidades, mas no mundo ocidental como um todo, a naturalidade

da hierarquia entre as pessoas, que justifica os privilégios de classe.

A hierarquia como forma de organização da sociedade é salutar, mas desde que

importe tão-somente na hierarquização funcional, jamais na pessoal, admitindo-se que

nenhum ser humano é superior a qualquer outro em direitos e obrigações, limitando-se a

desigualdade entre uns e outros a características e habilidades fortuitas, natural e

aleatoriamente distribuídas ou adquiridas condicionalmente por uns, mas que seriam

igualmente suscetíveis de sê-lo também por outros, dadas as mesmas condições materiais de

aquisição.

Sob a perspectiva sociológica, o estudo permite afirmar que a cerimônia de colação de

grau acadêmico, associada a outras práticas de governança corporativa, tais como a formação

65

dos colegiados deliberativos (70% de professores), a ocupação de cargos de gestão apenas por

professores (Reitor, Chefia de Departamento/Coordenação), definidas a partir da autonomia

universitária, encerra violência simbólica institucional, enquanto prática que reproduz as

condições sociais excludentes, ocultando, por trás do glamour, as relações de dominação

existentes na academia e na sociedade, à luz da teoria social da educação de Bourdieu.

Do ponto de vista do Direito, a pesquisa mostrou que a natureza jurídica do evento

festivo de “outorga” de grau universitário não pode ser a de um “ato administrativo”, seja

porque não se enquadra em nenhum dos critérios classificatórios comumente utilizados pela

teoria do ato administrativo em geral, seja porque denota aspecto performático, materializador

de um procedimento utilizado pela universidade para conferir o grau e expedir o diploma,

como previsto nas normas internas da UFRN, o que configura um “fato administrativo”,

portanto, não vinculante, ao contrário, por exemplo, da obrigatoriedade do ENADE, imposta

mediante lei (art. 5º, § 5º, da Lei nº 10.861/2004). Sendo assim, reputa-se ilegal a

obrigatoriedade de participação estudantil na referida solenidade acadêmica, já que sem

previsão em lei (em sentido estrito).

O presente trabalho monográfico não esgota o tema, podendo ser replicado com outras

conotações e orientações de pesquisa, tendentes a verificar, por exemplo, a situação das

universidades particulares no tocante a outras exigências extras, porventura, ilegais, dente

ouras possibilidades, a depender exclusivamente da criatividade d@ pesquisador@. Também

seria interessante estudar o tema sob o enfoque das universidades que não adotam tal

expediente para a colação do grau e do diploma, talvez, as orientais, que não seguem a

tradição católica europeia, como as da China e as do Japão, onde, inclusive, pode-se obter

diploma de Doutorado sem possuir qualquer diploma anterior12

.

É preciso relatar, como limitação à pesquisa, as exigências de submissão do projeto de

pesquisa a um procedimento de acreditação ética da Plataforma Brasil, um sistema eletrônico

de deliberação e acompanhamento de pesquisas que envolvem seres humanos, administrado

pelo Ministério da Saúde, que visa a salvaguardar a dignidade humana das pessoas que

interagem com as pesquisas no Brasil, sobretudo aqueles estudos voltados à área da Saúde.

12 Cf reportagem do Estadão sobre o Diretor do MIT Media Lab, o japonês Joi Ito, que fez doutorado na Keio

University, do Japão, sem possuir diploma de graduação. Disponível em:

https://link.estadao.com.br/noticias/inovacao,mais-que-inovar-e-importante-fazer-as-perguntas-certas-diz-

diretor-do-mit,70002633443. Acesso em 05 dez 2018

66

Assim, após pendências registradas na Plataforma Brasil pelo Comité de Ética na Pesquisa da

UFRN, foi abandonada, a aplicação de um questionário semiestruturado que seria enviado aos

estudantes da UFRN via sistema mensageiro da SINFO (SIGAA), cujas perguntas tendiam a

aferir o nível de conhecimento dos estudantes acerca do tema.

Como contribuição científica da presente monografia, ousa-se propor, no âmbito da

UFRN, que seja modificado o atual procedimento utilizado para conferir graus, diplomas e

títulos universitários, abolindo-se a cerimônia juramentada ou, ao menos, tornando-a

facultativa, de modo a adequar seus Estatuto, Regimento e Resoluções ao ordenamento

brasileiro, sobretudo em respeito aos princípios constitucionais da legalidade e da objeção de

consciência, que asseguram a todos a plenitude de gozo do direito à liberdade, à atuação

conforme a crença e convicção próprias, sem a privação de outros direitos civis, bem como ao

livre exercício de qualquer trabalho, nos termos do art. 5º, caput, II, VIII e XIII, todos

dispositivos da vigente Constituição de 1988.

Para isso, basta adotar uma simples publicação em boletim administrativo, conferindo

o grau e o correspondente diploma a todos os estudantes que as Coordenações de Curso

informarem ao órgão interno consolidador (v. g. PROGRAD, na UFRN), atestando

eletronicamente (SIGAA) a situação dos alunos concluintes, logo após a integralização

curricular, tal como ocorre quando da publicação de concessão de férias aos servidores da

autarquia.

Outra sugestão, decorrente das conclusões dessa pesquisa, é a de que a entrega efetiva

do diploma ao estudante ocorra em até 30 (trinta) dias após a integralização curricular, vez

que todos os procedimentos administrativos (matrícula e dados pessoais) e acadêmicos

(histórico escolar) envolvendo a formação dos alunos já são totalizados em ambiente digital

(SIGAA, na UFRN), não havendo razão para o atraso excessivo e injustificado que, em certas

universidades, demora meses e, em algumas, até anos. Se todos os dados necessários à

expedição do diploma já estão em formato digital, basta configurar um formulário na forma

de diploma e imprimir em arquivo pdf, já com a assinatura do reitor digitaliza, como acontece

com o certificado de aprovação expedido pela OAB Federal, o que permite disponibilizar o

diploma no e-mail do aluno ou em campo próprio para baixar no SIGAA, como já faz a

Universidade de Coimbra (https://www.uc.pt/academicos/certidoes/solicitar), com a diferença

de que lá (Coimbra), o documento não é gratuito, como cá. Nada impede aqueles, que

desejarem, de requererem um diploma com apresentação decorativa, devendo suportar os

ônus decorrentes (demora e pagamento).

67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXO A - Vídeo do Juramento do Curso de História da UDESC/2016

Fonte: Site YouTube Brasil. (https://www.youtube.com/watch?v=-HInKVZ19Q8). Acesso em 15 nov 2018.

Transcrição do juramento: “Jurar é prender palavras. É criar argumentos vazios sem

possibilidades de transformação. Não juramos! Apenas sustentamos que nosso objetivo

maior é despertar nas mulheres e homens a reflexão crítica, pois entendemos que o

processo educacional se fundamenta no pensar. Portanto: FORA TEMER!”