a caverna de platão e nossas cavernas

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Número 56 A Caverna de Platão e as nossas Mauro Sérgio Santos da Silva O filósofo Platão (427–347 a.C.) nasceu em Atenas, no período de ouro da democracia grega. Seu nome verdadeiro era Arístocles. É o discípulo mais notável de Sócrates (469–399 a.C.). E, pela profundidade e pelo alcance de sua obra, é considerado um dos pilares do pensamento ocidental. Uma das maiores contribuições da Filosofia de Platão é apresentada no texto intitulado Alegoria da Caverna. Segundo o filósofo, a maior parte da humanidade se encontra como prisioneira de uma caverna, permanecendo de costas para a abertura luminosa e de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz que entra na caverna, os prisioneiros contemplam na parede do fundo as sombras dos seres que compõem a realidade. O problema maior é que, acostumadas a ver apenas essas projeções, as pessoas tomam essa ilusão como se fosse a realidade. Platão chega a levantar a hipótese de que algum habitante da referida caverna saia e, depois de se acostumar com a luz, consiga enxergar os seres, as coisas, o mundo, e não mais suas sombras. Essa figura, segundo o mito, teria dificuldades em conseguir convencer os moradores da caverna de que aquilo que tomavam como realidade era tão somente sua sombra: uma ilusão. Para Platão, essa tentativa de voltar à caverna para resgatar das sombras os antigos conterrâneos é o árduo ofício do educador ou, mais precisamente, do filósofo (amigo da sabedoria). Nossas cavernas Mais de 23 séculos nos separam do pensador grego, e sua metáfora continua nos interpelando e nos convidando à reflexão. Aprisionamo-nos em um número cada vez maior de cavernas criadas por nós mesmos. O escritor português José Saramago, por exemplo, nos livros O Ensaio sobre a Cegueira e A Caverna, com sua impressionante lucidez, aponta para o fato de que todos estamos enclausurados nas cavernas da indiferença, da insensibilidade e da incapacidade de ver interiormente. Para o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, a libertação dos grilhões de tais cavernas realizar-se-ia por meio de uma espécie de “revolução de bondade”. O processo de informatização produziu, nas últimas décadas, o fenômeno da virtualização da vida cotidiana. A produção cultural, o sistema político, a economia, a ética, as relações entre as pessoas e as emoções se tornam cada vez mais virtuais e menos reais. Construir Notícias http://www.construirnoticias.com.br/asp/imprimir.asp?id=1710 1 de 3 10/08/2013 19:45

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Número 56

A Caverna de Platão e as nossasMauro Sérgio Santos da Silva

O filósofo Platão (427–347 a.C.) nasceu em Atenas, no período de ouro da democraciagrega. Seu nome verdadeiro era Arístocles. É o discípulo mais notável de Sócrates(469–399 a.C.). E, pela profundidade e pelo alcance de sua obra, é considerado umdos pilares do pensamento ocidental.Uma das maiores contribuições da Filosofia de Platão é apresentada no texto intituladoAlegoria da Caverna. Segundo o filósofo, a maior parte da humanidade se encontracomo prisioneira de uma caverna, permanecendo de costas para a abertura luminosae de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz que entra na caverna, osprisioneiros contemplam na parede do fundo as sombras dos seres que compõem arealidade. O problema maior é que, acostumadas a ver apenas essas projeções, aspessoas tomam essa ilusão como se fosse a realidade.Platão chega a levantar a hipótese de que algum habitante da referida caverna saia e,depois de se acostumar com a luz, consiga enxergar os seres, as coisas, o mundo, enão mais suas sombras. Essa figura, segundo o mito, teria dificuldades em conseguirconvencer os moradores da caverna de que aquilo que tomavam como realidade eratão somente sua sombra: uma ilusão. Para Platão, essa tentativa de voltar à cavernapara resgatar das sombras os antigos conterrâneos é o árduo ofício do educador ou,mais precisamente, do filósofo (amigo da sabedoria).Nossas cavernasMais de 23 séculos nos separam do pensador grego, e sua metáfora continua nosinterpelando e nos convidando à reflexão. Aprisionamo-nos em um número cada vezmaior de cavernas criadas por nós mesmos.O escritor português José Saramago, por exemplo, nos livros O Ensaio sobre aCegueira e A Caverna, com sua impressionante lucidez, aponta para o fato de quetodos estamos enclausurados nas cavernas da indiferença, da insensibilidade e daincapacidade de ver interiormente. Para o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, alibertação dos grilhões de tais cavernas realizar-se-ia por meio de uma espécie de“revolução de bondade”.O processo de informatização produziu, nas últimas décadas, o fenômeno davirtualização da vida cotidiana. A produção cultural, o sistema político, a economia, aética, as relações entre as pessoas e as emoções se tornam cada vez mais virtuais emenos reais.

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A chamada globalização é outra caverna aparentemente sem fronteiras. Trata-se, naverdade, conforme Frei Betto (teólogo brasileiro), de uma “globocolonização”, isto é, aimposição arbitrária e unilateral de um modelo político, econômico e cultural que seapresenta como necessário e único.Parte significativa dos programas e noticiários de TV constitui uma caverna queaprisiona e ofusca a visão da maioria da população. Eles apresentam amiúde umespetáculo de sombras e ilusões que, sob a mascarada pretensa imparcialidade daimprensa, afigura-se como a realidade.E é também imprescindível citar a pseudodemocracia brasileira, cada vez maisparecida com o sombrio modelo norte-americano. Os discursos e as propagandas dospartidos de situação e de oposição manipulam o real segundo seus interesses enecessidades, levando-nos a crer que estamos em uma enorme caverna sem saídas.Fato que conduz ao conformismo, ao pessimismo e à apatia.Quase sempre de maneira inconsciente, habitamos um número cada vez maior decavernas por nós edificadas. No entanto, líderes religiosos e políticos, profetas epoetas, cientistas e filósofos frequentemente apontam o caminho para a saída de taiscavernas. Tentam nos fazer ver o essencial, transcender a escuridão. Mas nós oscaricaturamos como utópicos, loucos, visionários e radicais! Talvez o interior dacaverna seja mais cômodo, confortável e seguro.A Caverna (José Saramago)Narra a história de Cipriano Algor, um oleiro que entra em crise depois que o centrocomercial (shopping center), gigantesca organização para a qual fornecia seusprodutos, passa a usar plástico em vez de louça, deixando sem rumo o comerciante eseus produtos feitos de barro.O centro comercial (a caverna), representando o capitalismo, destrói e passa por cimadas relações humanas em nome do dinheiro e do lucro. Nessa caverna capitalista,importa a quantidade da produção, e não a qualidade. As pessoas, consumidores efornecedores, são prisioneiras daquilo que consomem (as sombras). Esse livro diverte,como uma boa literatura portuguesa, e ajuda-nos a refletir sobre onde estamos e paraonde queremos ir.Questões para debate• Qual é a diferença, na alegoria de Platão, entre conhecer a realidade e a sombra darealidade? (Pode-se fazer uma representação de objetos por sombras para ilustrar odebate.)• Como podemos comparar a Caverna de Platão com nossas “cavernas”?• Que caminhos temos para sair das nossas cavernas para a realidade verdadeira?Mauro Sérgio Santos da Silva é professor de Filosofia, membro da Academia de Letrase Artes, Araguari, MG.E-mail: [email protected]

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