a cav mec em ambiente urbano

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 O EMPREGO DA CAVALARIA MECANIZADA EM AMBIENTE URBANO: A EXPERIÊNCIA DO HAITI Luiz Fernando Coradini “Pode não ser guerra, mas, sem dúvida, não é paz” S. L. Arnold  A participação brasileira na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH) propiciou o emprego do maior contingente de Cavalaria no exterior desde a 2ª Guerra Mundial, revelando-se uma experiência rica em ensinamentos quanto ao emprego da Subunidade e das Frações mecanizadas, principalmente no tocante a sua atuação em ambiente urbano e em operações de manutenção da paz em cenários de crescente hostilidade. ANTECEDENTES  O emprego de tropa de Cavalaria em operações urbanas sempre foi motivo de acalorados debates. As experiências com esse enfoque vivificadas por outros exércitos foram paradoxais e nem sempre bem sucedidas. Ao mesmo tempo em que a ausência de uma força blindada compatível com o ambiente e o adversário foi um dos motivos das dificuldades sentidas pelas forças norte-americanas na Somália, o seu emprego foi desastroso por parte dos russos nas ruas e becos de Grosny, a capital chechena. O Exército Brasileiro utilizou-se de tropas mecanizadas em nossos grandes centros urbanos, como por ocasião da Operação Rio (1994) e nas greves protagonizadas pelas polícias militares. Porém, esses empregos nunca foram tão efetivos e de forma tão prolongada e ostensiva quanto na atual missão no Haiti. PREPARAÇÃO Para integrar a Força de Paz a ser desdobrada na República do Haiti, foi organizada uma Subunidade Mecanizada, dotada de um efetivo de 150 homens. Essa SU foi constituída por militares oriundos do 8º Esqd C Mec e do 12º R C Mec, sediados, respectivamente, em Porto Alegre-RS e Jaguarão-RS. O Esquadrão de Cavalaria empregado no Haiti é constituído por 4 Pelotões Mecanizados que em muito diferem do nosso tradicional Pelotão de Cavalaria Mecanizado (Pel C Mec). Cada pelotão é composto por 3 Grupos de Combate e um Grupo de Comando, embarcados em 3 Viaturas Blindadas para Transporte de Pessoal URUTU (VBTP), totalizando um efetivo de 33 militares.

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Ambiente Urbano

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  • O EMPREGO DA CAVALARIA MECANIZADA EM AMBIENTE URBANO: A EXPERINCIA DO HAITI

    Luiz Fernando Coradini

    Pode no ser guerra, mas, sem dvida, no paz

    S. L. Arnold

    A participao brasileira na Misso das Naes Unidas para a Estabilizao do Haiti (MINUSTAH) propiciou o emprego do maior contingente de Cavalaria no exterior desde a 2 Guerra Mundial, revelando-se uma experincia rica em ensinamentos quanto ao emprego da Subunidade e das Fraes mecanizadas, principalmente no tocante a sua atuao em ambiente urbano e em operaes de manuteno da paz em cenrios de crescente hostilidade.

    ANTECEDENTES

    O emprego de tropa de Cavalaria em operaes urbanas sempre foi motivo de acalorados debates. As experincias com esse enfoque vivificadas por outros exrcitos foram paradoxais e nem sempre bem sucedidas. Ao mesmo tempo em que a ausncia de uma fora blindada compatvel com o ambiente e o adversrio foi um dos motivos das dificuldades sentidas pelas foras norte-americanas na Somlia, o seu emprego foi desastroso por parte dos russos nas ruas e becos de Grosny, a capital chechena.

    O Exrcito Brasileiro utilizou-se de tropas mecanizadas em nossos grandes centros urbanos, como por ocasio da Operao Rio (1994) e nas greves protagonizadas pelas polcias militares. Porm, esses empregos nunca foram to efetivos e de forma to prolongada e ostensiva quanto na atual misso no Haiti.

    PREPARAO

    Para integrar a Fora de Paz a ser desdobrada na Repblica do Haiti, foi organizada uma Subunidade Mecanizada, dotada de um efetivo de 150 homens. Essa SU foi constituda por militares oriundos do 8 Esqd C Mec e do 12 R C Mec, sediados, respectivamente, em Porto Alegre-RS e Jaguaro-RS.

    O Esquadro de Cavalaria empregado no Haiti constitudo por 4 Pelotes Mecanizados que em muito diferem do nosso tradicional Peloto de Cavalaria Mecanizado (Pel C Mec). Cada peloto composto por 3 Grupos de Combate e um Grupo de Comando, embarcados em 3 Viaturas Blindadas para Transporte de Pessoal URUTU (VBTP), totalizando um efetivo de 33 militares.

  • Viaturas do Esquadro perfiladas na Base Brasileira.

    As VBTP URUTU enviadas para a Misso de Paz so oriundas de Unidades do Comando Militar do Sul (quatro viaturas do 8 Esqd C Mec, duas do 7 RCMec, uma do 3 RCMec e uma do 8 RCMec) e do Arsenal de Guerra de So Paulo (quatro viaturas), sendo que todas j haviam passado pela repotencializao, executada pelo AGSP. Transportadas at o Rio de Janeiro em caminhes-prancha, l foram embarcadas no NDCC (Navio para Desembarque de Caros de Combate) Matoso Maia da Marinha do Brasil, partindo para o Haiti em 29 de junho de 2004.

    A tropa partiu em dois escales: os oficiais em 18 de junho e o restante do efetivo no dia 23 de junho. Essa diferena de tempo foi necessria para que o escalo precursor realizasse os reconhecimentos preliminares da zona de operaes e das reas de desdobramento, o que visava aumentar a adaptabilidade de todo o contingente em um cenrio diverso e at ento inexplorado.

    OPERAES

    O mandato da MINUSTAH iniciou-se no dia 25 de junho de 2004.

    J durante os reconhecimentos iniciais e procedimentos de instalao da infra-estrutura da base de operao da Fora de Paz, a tropa mecanizada revelou-se de fundamental importncia para o sucesso da misso. Ela, fruto da capacidade de seus meios orgnicos, proporcionava ao Cmdo da misso excelente flexibilidade de atuao, agilidade ttica (rapidez) e adequada proteo blindada em face do inspito ambiente operacional.

    Desde o incio das operaes, uma das caractersticas do blindado o poder de choque contribuiu para a atuao preventiva nas ruas de Porto Prncipe. A ao dissuasria causada pela simples presena da VBTP colaborou para a inibio de delitos e distrbios, impondo respeito e arrefecendo nimos.

    Essa caracterstica inerente Cavalaria Mecanizada e Blindada foi responsvel tambm pelos bons resultados obtidos no monitoramento de manifestaes e no controle de distrbios (aliado ao fato de o blindado propiciar uma posio elevada de observao de multides).

    Em um ambiente de crescente hostilidade como o encontrado no Haiti, principalmente a partir de meados de setembro de 2004, outra caracterstica da Cavalaria Mecanizada a proteo blindada destacou-se, sobretudo porque possibilitava a realizao de patrulhas

  • em reas de risco, operaes de cerco ttico e incurses, minimizando o risco de exposio de militares.

    A realizao de operaes de segurana de autoridades foi outra misso executada com sucesso, como no caso do resgate do Embaixador francs em agosto e da visita do Secretrio de Estado Norte-americano, Gen Colin Powell, em novembro de 2004. A blindagem da VBTP URUTU revelou-se extremamente resistente aos impactos de armas leves (5,56mm, 7,62mm, etc.).

    Atuando em uma zona de ao que abrangia toda a regio metropolitana de Porto Prncipe, onde vrios incidentes ocorriam simultaneamente, a mobilidade da tropa mecanizada foi um fator determinante de xito. Graas ao excelente adestramento de motoristas e guarnies, os pelotes conseguiam locomover-se com facilidade apesar das distncias, do trnsito catico e dos bloqueios realizados pelas foras adversas. As guarnies adquiriram grande experincia na desobstruo de vias interditadas por barricadas sem exposio desnecessria da tropa.

    Peloto realizando patrulha no bairro de Bel Air,

    reduto dos partidrios do presidente deposto.

    Em operaes de cerco ttico e de incurso, atuando em conjunto com a UNCIVPOL (Polcia Civil das Naes Unidas) e com a Polcia Nacional Haitiana, os blindados foram empregados ocupando posies crticas dentro de setores de fundamental importncia, fornecendo segurana s equipes encarregadas do vasculhamento e de identificao de ameaas.

    A ao de choque, a proteo blindada e a mobilidade, aliadas ao fato de que as foras adversas no possuam armas anticarro capazes de impactar as VBTP URUTU, possibilitaram o emprego irrestrito da tropa mecanizada, operando em ambiente urbano em misses como:

    - patrulhamento diurno e noturno;

    - pontos de controle (check points)

  • - operaes de controle de distrbios; - monitoramento de manifestaes; - escoltas de comboios; - segurana de autoridades; e - cercos e incurses em reas de risco.

    Peloto realizando check point.

    ENSINAMENTOS

    Pode-se considerar que o desempenho das VBTP URUTU foi extraordinrio. Mesmo j estando em servio h quase 20 anos, essas viaturas apresentaram confiabilidade mpar, tendo ndices de indisponibilidade muito pequenos. Como referncia disso, um URUTU rodava cerca de 33 km/dia (aprox. 1000 km/ms), enquanto que no Brasil, nas unidades de origem, essa mdia de 1 km/dia.

    Viatura Urutu realizando desbloqueio de via.

    O maior problema de manuteno dos blindados foi a reposio de pneus. Em 6 (seis) meses de operaes foram perdidos 46 (quarenta e seis) pneus que ficaram irrecuperveis, rasgados, principalmente devido s aes de desbloqueio de vias.

  • Em relao s Comunicaes, seu emprego revelou-se fundamental em todos os nveis. Porm, em ambiente urbano, a comunicao em mdulo FM tornou-se muitas vezes ineficaz, at mesmo em pequenas distncias, tendo sido a telefonia celular amplamente utilizada.

    As guarnies dos blindados, provenientes de unidades de cavalaria mecanizada, souberam tirar o mximo proveito das caractersticas do material em todos os seus aspectos tticos, demonstrando a eficcia do adestramento executado nas OM operacionais do Exrcito Brasileiro.

    Verificou-se a necessidade do treinamento dos motoristas em direo escotilhada (escotilha fechada), o que muitas vezes negligenciado nos exerccios. Da integridade fsica do motorista depende a segurana de todo GC.

    O armamento individual conduzido pelo 1 Contingente FAL 7,62 demonstrou no ser o mais apropriado para a tropa mecanizada, dificultando o embarque/desembarque e a tomada da posio de tiro nas escotilhas e seteiras. Isso foi corrigido no 2 Contingente, que foi dotado de PARA-FAL.

    A carncia de motoristas, por vezes, apontou para uma apertada escala de servio. Dessa forma, identificou-se a necessidade de que outros militares, do prprio GC, fossem tambm habilitados a dirigir blindados, uma vez que o intenso ritmo de misses e o estresse resultante impunham uma demanda grande na escala de condutores de VBTP.

    CONCLUSO

    Por fim, importante mencionar que o assunto extenso e apaixonante. No se pretende, de forma alguma, esgot-lo. Muitos outros aspectos foram observados no decorrer das misses, e tantos outros devem estar sendo observados pela tropa que atualmente constitui o Esquadro Mecanizado no Haiti (o 2 Regimento de Carros de Combate e o 11 Esquadro de Cavalaria Mecanizado). Neste artigo, abordaram-se alguns pontos peculiares e especficos do nvel peloto, visando despertar o interesse de anlise e de reflexo sobre o emprego de fraes de cavalaria mecanizada em operaes urbanas o inexorvel campo de batalha de nossos dias.

    O autor, primeiro-tenente de cavalaria, instrutor do Curso de Cavalaria na AMAN. Participou do primeiro contingente brasileiro na MINUSTAH.