a carta magna do espaço cósmico josé monserrat filho

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  • 8/6/2019 A Carta Magna do Espao Csmico Jos Monserrat Filho

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    A r t i g o

    A Carta Magna do Espao Csmico

    Jos Monserrat Filho *

    Neste ano da graa de 2007, quando secomemoram os 50 anos do incio da EraEspacial, graas ao lanamento doSputnik I pela ex-Unio Sovitica em 4de outubro de 1957, festejam-setambm os 40 anos do principal acordoque regula internacionalmente asatividades espaciais: o Tratado doEspao de 1967. Suas virtudes sonotveis, mas, passado tanto tempo,urge atualiz-lo.

    Seu nome real bem maior: "Tratadosobre Princpios Reguladores dasAtividades dos Estados na Explorao e

    Uso do Espao Csmico, inclusive a Luae demais Corpos Celestes". "Princpios"so normas bsicas, orientam todas asdemais. O acordo regula as "atividadesd o s E s t a d o s " , c o n s i d e r a d a sfundamentais, pois so os Estados querespondem ante comunidade mundialpelas atividades espaciais nacionais

    pblicas e privadas e, para isso,devem no s autorizar tais atividades

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    como exercer "vigilncia continua" sobreelas. "Explorao" no s ignif ica"explorao comercial", como se poderia

    supor, mas "explorao cientfica","pesquisa", "estudo". "Uso" indicautilizao prtica. E "espao csmico" ou"espao exterior" no inclui apenas ovculo ou vazio sideral, por ondepassam os vos espaciais e as rbitasda Terra e dos outros corpos celestes,mas tambm os prprios corpos

    celestes de todo tipo: satlites nauraiscomo a Lua, planetas como Marte etodos os demais do sistema solar, almdos cometas, asterides e qualqueroutro corpo celeste que possa surgir.

    Assim, o Tratado do Espao, comsubstancioso prembulo e 17 artigos, to abrangente quanto o mbito emque atua. E constitui a principalreferncia legal para avaliar e julgar asatividades espaciais, sobretudo aquelasa inda no regu ladas de fo rmaespecfica.

    Foi elaborado em plena Guerra Fria peloSubcomit Jurdico do Comit dasNaes Unidas (ONU) para o UsoPacfico do Espao (COPUOS), durantetrs anos, em trabalho de difcilharmonizao conduzido pelo eminente

    jur is ta po lons Manfred Lachs,posteriormente juiz e presidente daCorte Internacional de Justia. Aprovadopela Assemblia Geral da ONU, em 19de dezembro de 1966, abriu-se

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    ,de 1967 , s imu l taneamente emWashington, Moscou e Londres. O Brasilfirmou-o trs dias depois, em 30 de

    janeiro. Como no basta a assinaturados governos para um tratado entrarem vigor, preciso ratific-lo (sera p r o v a d o p e l o s r e s p e c t i v o sparlamentos), o Tratado do Espaoentrou em vigor em 10 de outubrodaquele mesmo ano, aps ter sidoratificado por cinco pases. O Brasil no

    se apressou a ratific-lo. S o fez em 5de maro de 1969.

    V i v i a - s e e n c a r n i a d a c o r r i d aarmamentista entre Estados Unidos eUnio Sovitica, alm da corrida paraver quem chegaria primeiro Lua.Havia tambm a guerra do Vietn,

    desencadeada pelo governo norte-americano e outros pontos "quentes" nomundo. O clima geral era de tenso. Amaioria dos pases e a opinio pblicamundial se opunham ao conflito na siae queriam a retirada das tropas deocupao. O Tratado do Espao, aocontrrio, vinha atender aos anseios de

    paz e cooperao. Seu Artigo 1,definido como "Clusula do BemComum", reza que "a explorao e ouso do espao csmico, inclusive da Luae demais corpos celestes, devero terem mira o bem e interesse de todos ospases, qualquer que seja o estgio deseu desenvolvimento econmico e

    cientfico, e so incumbncia de toda ahumanidade". Esta a regra de ouro

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    as ar v a es espac a s, a pe raangular de todo o Direito Espacial.

    O Brasil entrou com dois aportes

    histricos para melhorar ainda mais otratado: 1) colocar o critrio do bemcomum, que de incio constava apenasda introduo do Tratado, no seu Artigo1, dando-lhe um peso jurdico que daoutra forma ele no teria; e 2)acrescentar a expresso "qualquer queseja o estgio de seu desenvolvimento

    econmico e cientfico", para deixar omais claro possvel que as atividadesespaciais devem beneficar a todos ospases, ricos e pobres, adiantados eatrasados, ou seja, independentementedo seu nvel de prosperidade e deavano cientfico.

    Os princpios bsicos adotados noTratado do Espao falam por si:

    1) As atividades espaciais devem serrealizadas tendo em vista o bem e nointeresse de todos os pases (Art. 1/1);

    2) "O espao csmico, inclusive a Lua e

    demais corpos celestes, poder serexplorado e utilizado livremente portodos os Estados sem qualquerdiscr iminao, em condies deigualdade..." (Art. 1/2);

    3) O espao e os corpos celestes soinapropriveis: no podem ser "objetod e a p r o p r i a o n a c i o n a l p o rproclamao de soberania, por uso ou

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    ,meio" (Art. 2);

    4) As atividades espaciais devem

    e f e t u a r - s e s e g u n d o o D i r e i t oInternacional, inclusive a Carta dasNaes Unidas, "com a finalidade dem a n t e r a p a z e a s e gu r a n ainternac iona l e de favorecer ac o o p e r a o e a c o m p r e e n s ointernacionais" (Art. 3);

    5) proibido pr em rbita objetosportadores de armas de destruio emmassa, ou seja, nucleares, qumicas ebiolgicas (Art. 4/1);

    6) Todos os pases "utilizaro o espao,inclusive a Lua e demais corposcelestes, exclusivamente para finspacficos. Estaro proibidos nos corposcelestes o estabelecimento de bases,instalaes ou fortificaes militares, osensaios de armas de qualquer tipo e aexecuo de manobras militares" (Art.4/2);

    7) Os astronautas so "enviados dahumanidade no espao csmico" e aeles ser prestada "toda a assistnciapossvel em caso de acidente, perigo ouaterrissagem forada sobre o territriode um outro Estado-Parte do Tratado ouem alto-mar" (Art. 5);

    8) Os pases "tm a responsabilidadeinternacional pelas atividades nacionais

    realizadas no espao csmico, inclusive

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    sejam elas exercidas por organismosgovernamentais ou por entidades no-governamentais, e de velar para que as

    atividades nacionais sejam efetuadas deacordo com as disposies anunciadasno presente Tratado" (Art. 6);

    9) O pas que lana um objeto aoespao ou permite que ele seja lanadode seu territrio ou de suas instalaesser responsvel pelos danos causadosa outro pas ou a suas pessoas naturaispelo objeto lanado ou por seuselementos constitutivos, sobre a Terra,no espao csmico ou no espao areo,bem como nos corpos celestes (Art. 7);

    10) Realizar atividades espaciais levandoem conta os interesses correpondentesdos demais pases (Art. 9);

    11) Evitar atividades espaciais quecausem contaminao e modificaesnocivas ao meio ambiente da Terra (Art.9);

    12) Promover consultas antes derealizar atividades espaciais capazes de

    prejudicar as atividades de outros pases(Art. 9).

    O Tratado do Espao foi ratificado por98 e firmado por 27 dos 192 pasesmembros da ONU. Quando um pasassina um tratado, est reconhecendo asua importncia, mas ainda no est se

    comprometendo a cumpr-lo. S aratificao torna o tratado obrigatrio

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    para um pas. Mas o Tratado do Espaoparece ter conquistado um statusespecial. Como nenhum pas jamais lhefez qualquer restrio, ele j teriaassumido o carter de costumeconsagrado por e para toda ac o m u n i d a d e m u n d i a l . S e r i auniversalmente aceito como obrigaopara todos os pases, inclusive aquelesque no o ra t i f i caram, nem oassinaram.

    No por acaso, o Tratado do Espao amatriz dos demais instrumentos sobre oespao e as atividades espaciais, quaissejam: Acordo sobre o Salvamento deA s t r o n a u t a s e R e s t i t u i o d eAstronautas e de Objetos Lanados aoEspao Csmico, de 1968; Convenosobre Responsabilidade Internacionalpor Danos Causados por ObjetosEspaciais, de 1972; Conveno Relativaao Registro de Objetos Lanados noEspao Csmico, de 1976; e Acordo queRegula as Atividades dos Estados na Luae em Outros Corpos Celestes, de 1979.Tambm se aliceram no Tratado doEspao as seguintes resolues daAssemblia Geral das Naes Unidas:Princpios Reguladores do Uso pelosEstados de Satlites Artificiais da Terrapara Transmisso Direta Internacionalde Televiso, de 1982; PrincpiosRelativos ao Sensoriamento Remoto daTerra desde o Espao, de 1986;Princpios Relativos ao Uso de Fontes deEnergia Nuclear no Espao Exterior, de

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    Internacional na Explorao e Uso doEspao Exterior em Benefcio e noInteresse de todos os Estados, Levando

    e m E s p e c i a l C o n s i d e r a o a sN e c e s s i d a d e s d o s P a s e s e mDesenvolvimento, de 1996; e Aplicaodo conceito de "Estado lanador", de2004.

    Contudo, por mais que se exalte aimportncia do Tratado do Espao,

    impossvel ignorar que ele precisa seratualizado at com urgncia em certoscasos , para impedir qualquer perda desua autoridade e ampliar sua fora eeficincia sobre as atividades espaciais,cada vez mais intensas e complexas.

    Em 1967, ao nascer o Tratado doEspao, o ento presidente dos EstadosUnidos, Lyndon B. Johnson, afirmou:"Se no foi possvel, at agora, livrar oplaneta Terra dos instrumentos deguerra, pelo menos devemos tentarimpedir o alastramento desse vrus noespao". Mal sabia Johnson que esteseria hoje, 40 anos depois, uma das

    mais graves lacunas do Tratado doEspao: ele probe a instalao emrbita de armas de destruio, mas nooutros tipos de armas, como as anti-satlite. O resultado a nova corridaarmamentista no espao, que ora seesboa entre, pelo menos, EstadosUnidos, Rssia e China. Ao no vetar

    todo tipo de arma espacial, o Tratadodo Espao acaba se tornando um bom

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    sem esse apoio essencia , seria i cinova regra vetar efetivamente o uso dequalquer arma no espao. Nesta rea,como em outras, o mundo est

    obrigado a encontrar uma sada com aparticipao dos Estados Unidos pelomenos enquanto perdurar a atualcor re lao de fo ras na a renainternacional. Da que o futuro doTratado do Espao, quanto a haver ouno haver guerra no espao, dependede uma forte mudana na poltica da

    maior potncia atual. Ao resto domundo cabe discutir o tema cada vezmais e pressionar para que essamudana se d o quanto antes.

    Se e quando for possvel alterar essequadro estratgico mais sensvel, outrasiniciativas para modernizar o Tratado do

    Espao podero emergir, ser debatidasdemocraticamente e merecer aprovaocom mais facilidade.

    Neste sentido, nunca demais recordara s p r ime i r a s pa l a v r a s de s euprembulo. L se afirma que osEstados-Partes do Tratado inspiram-se

    "nas vastas perspectivas que adescoberta do espao csmico pelohomem oferece humanidade" ereconhecem "o interesse que apresentapara toda a humanidade o programa daexplorao e uso do espao csmicopara fins pacficos".

    O esprito do Tratado do Espao,fundado na idia de humanidade, est

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    necessariamente comprometido com apoca da globalizao virtuosa, em quetodos os pases e povos, sem exceo,tm razes de sobra, boas e ms, para

    se sentirem passageiros de uma imensanave espacial, o Planeta Terra, comtodos os direitos e obrigaes que issoimplica. O desafio hoje fazer com quea letra do tratado busque atender maisplenamente s demandas decisivas don o s s o t e m p o , c o m o l e g t i m a"incumbncia de toda a humanidade".

    A tarefa est anos-luz distante de serfcil e simples. Mas, afinal, somos ouno somos a nica espcie inteligenteconhecida at agora no Universo, capazde descobrir os caminhos mais justos eprodutivos, de discernir eticamente e detraar o seu prprio destino?

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    * Vice-Presidente da SBDA, membro daDiretoria do Instituto Internacional deDireito Espacial, membro da AcademiaInternacional de Astronutica e doComi t de D i re i to Espac ia l da

    International Law Association (ILA),autor de "Direito e Poltica na EraEspacial Podemos ser mais justos noespao do que na Terra?" (EditoraV i e i r a & L e n t , 2 0 0 7 ) E - m a i l :[email protected]

    (Volta Artigos)

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