a carne da imagem: uma poÉtica de trÂnsitos do...

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1594 A CARNE DA IMAGEM: UMA POÉTICA DE TRÂNSITOS DO CINEMA E DA FOTOGRAFIA ATRAVÉS DA PINTURA Ricardo Perufo Mello / Universidade Federal de Pelotas Comitê de Poéticas Artísticas A CARNE DA IMAGEM: UMA POÉTICA DE TRÂNSITOS DO CINEMA E DA FOTOGRAFIA ATRAVÉS DA PINTURA Ricardo Perufo Mello / Universidade Federal de Pelotas RESUMO Este artigo propõe-se como uma reflexão a respeito dos aspectos sociais presentes em, e deflagrados por, minha produção poética pictórica. Trata-se aqui de uma pintura que engloba em sua feitura lógicas imagéticas próprias aos meios do cinema, do vídeo e da fotografia analógicos. Esta análise foi auxiliada pelas teorias de Paul Virilio que ponderam sobre a percepção humana no recente cenário midiático instaurado na urbe, dado que os dispositivos fotográfico, videográfico e cinematográfico transitam visualmente nessa pintura de tempo deliberamente lento e de execução meticulosa. O tempo nela se dilata em oposição à virtualidade, à velocidade e à profusão atual das imagens. Este trabalho demarca uma atitude política pessoal e artística: ao se deter na necessária meditação da natureza destas imagens, busca-se uma restauração da experiência do ver e do fazer. PALAVRAS-CHAVE pintura; poéticas visuais; Paul Virilio; imagem videográfica; fotografia. ABSTRACT The main goal of this article is to present a reflection on the social aspects that my painting's work evoke from the imagery use of the medias of cinema, analog video and analog photography. This analysis is supported by Paul Virilio's theory about the human perception in the most recent urban's mediatic scenario, given the fact that there are visual exchanges between the photographic picture, the cinematographic and videographic images, and this painting in its slowly and meticulous making. The time is expanded in this painting as opposed to the virtuality and the fast profusion of the image nowadays. This is a work that makes a personal political stand through the dedication to a meditation about the nature of these mediatic images, seeking a restoration of the seeing and doing experiences. KEYWORDS painting; visual poetics; Paul Virilio; videographic image; photography

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A CARNE DA IMAGEM: UMA POÉTICA DE TRÂNSITOS

DO CINEMA E DA FOTOGRAFIA ATRAVÉS DA PINTURA Ricardo Perufo Mello / Universidade Federal de Pelotas Comitê de Poéticas Artísticas

A CARNE DA IMAGEM: UMA POÉTICA DE TRÂNSITOS DO CINEMA E DA FOTOGRAFIA ATRAVÉS DA PINTURA Ricardo Perufo Mello / Universidade Federal de Pelotas RESUMO

Este artigo propõe-se como uma reflexão a respeito dos aspectos sociais presentes em, e deflagrados por, minha produção poética pictórica. Trata-se aqui de uma pintura que engloba em sua feitura lógicas imagéticas próprias aos meios do cinema, do vídeo e da fotografia analógicos. Esta análise foi auxiliada pelas teorias de Paul Virilio que ponderam sobre a percepção humana no recente cenário midiático instaurado na urbe, dado que os dispositivos fotográfico, videográfico e cinematográfico transitam visualmente nessa pintura de tempo deliberamente lento e de execução meticulosa. O tempo nela se dilata em oposição à virtualidade, à velocidade e à profusão atual das imagens. Este trabalho demarca uma atitude política pessoal e artística: ao se deter na necessária meditação da natureza destas imagens, busca-se uma restauração da experiência do ver e do fazer. PALAVRAS-CHAVE pintura; poéticas visuais; Paul Virilio; imagem videográfica; fotografia. ABSTRACT The main goal of this article is to present a reflection on the social aspects that my painting's work evoke from the imagery use of the medias of cinema, analog video and analog photography. This analysis is supported by Paul Virilio's theory about the human perception in the most recent urban's mediatic scenario, given the fact that there are visual exchanges between the photographic picture, the cinematographic and videographic images, and this painting in its slowly and meticulous making. The time is expanded in this painting as opposed to the virtuality and the fast profusion of the image nowadays. This is a work that makes a personal political stand through the dedication to a meditation about the nature of these mediatic images, seeking a restoration of the seeing and doing experiences. KEYWORDS

painting; visual poetics; Paul Virilio; videographic image; photography

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Rarefação e construção pictórica: paradoxos imagéticos

A pesquisa que desenvolvo no Estágio Pós Doutoral em Artes Visuais da UFPA –

continuação de minha pesquisa de doutorado – possui o título provisório “A Carne

da Imagem: uma poética de trânsitos do cinema e da fotografia através da pintura” e

abrange, em termos de trabalho prático, os meios da fotografia e da pintura.

Na pesquisa de doutoramento empreendi uma investigação poética visual referente

às interferências existentes nas transposições efetuadas entre a linguagem

imagética do vídeo (que exibia um frame de um filme cinematográfico) para a pintura

e a sua subsequente rarefação visual ao ser reelaborada pictórica e manualmente.

Essas transposições revelavam implicações semânticas evidenciadas pelo que

identifiquei como 'rarefação', um conceito que abrangia o esmaecimento, a diluição e

o crescente distanciamento perceptivo do conteúdo das imagens cinematográficas

originalmente apropriadas.

Registros da pintura "imersão noturna #175 (655 horas)", 2010–13 Acrílico sobre chapa de alumínio, 118 x 293 cm

Em exposição no Espaço Cultural ESPM de Porto Alegre, out. 2014

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Neste processo de trabalho, essas imagens são exibidas por um sistema analógico

de videocassete e captadas pelo positivo fotográfico (slide), para depois serem

projetadas e pintadas ponto a ponto, camada de cor por camada de cor, no suporte

pictórico de metal (alumínio). Essa técnica de pintura minuciosa e lenta derivou,

desde a pesquisa de meu mestrado, de meu conhecimento, estudo e noções do

movimento identificado como Fotorealismo, ou Hiper-Realismo1.

Registros do processo em ateliê, em agosto de 2012, durante a feitura da pintura “imersão noturna #175 (655 horas)”, no trabalho com as camadas de magenta e ciano.

Abaixo, detalhe das fitas adesivas para demarcar a pintura de linhas horizontais de pontos.

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Após estas pesquisas, o problema atual é o de buscar um outro adensamento

conceitual levando-se em conta que, conforme percebido ao longo da pesquisa de

doutoramento, a rarefação não dependia ou advinha apenas de uma soma de

aspectos técnicos. A chamada rarefação encontrava-se especialmente no

entendimento e na reinterpretação pictóricos processuais ao se reelaborar aquela

imagem apropriada. Um processo que se deu na pesquisa por meio de uma

construção gestual que considerava metódica e minuciosamente o quanto a imagem

visual se apresenta atualmente por meio de uma miríade de suportes que não são,

de modo algum, homogêneos, pois possuem códigos visuais e lógicas particulares

de instauração e apresentação – lógicas que foram nomeadas por mim como sendo

as “carnes das imagens”.

Pintura "imersão noturna #185", 2013 Acrílico sobre chapa de PVC, 20 x 20 cm

Após tal percurso, que se direcionou para o aumento da proporção de tamanho de

imagens e de telas de pintura, procurando assim estender o processo em seu tem-

po, em sua desaceleração e em seus paradoxos no amálgama de diferentes meios

visuais, o que se propõe agora é uma nova pesquisa que surge como ramificação da

anterior. Porém, esta se norteia pela feitura intensiva de telas de pequenos formatos

(com tamanho fixo de 20 x 20 cm – a exemplo da pintura acima, a primeira feita por

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mim em pequeno formato), mais minuciosos e intimistas do que os anteriores. Pro-

cura-se assim alcançar outras intensidades neste trabalho pictórico – a de uma a-

mostragem de maior quantidade de telas e do quão próximo e particular o olhar po-

de se estabelecer nesta relação imagética.

Neste processo, a captação fotográfica, bem como todo o trabalho efetuado antes

de se chegar à execução pictórica, têm como fim desenvolver matéria-prima para a

pintura e possui condições de operação e conceitos próprios. De modo que constitui

anteriormente uma extensa série de imagens apropriadas de cenas

cinematográficas, fotografadas unicamente diante de uma tela de televisão. A

fotografia recorta um pedaço, no campo total original, do tipo de cena específico

escolhido para essa proposição: o close-up (identificado pelo diretor de cinema Jean

Epstein como sendo “a alma do cinema”2).

Imagem que originou a pintura “imersão noturna #175 (655 horas)”, tal como fora integralmente exibida na televisão.

A hipótese elaborada a partir dessas articulações é a de que a experiência narrativa

e perceptiva de nossa sociedade é fortemente determinada pelos meios da fotogra-

fia, cinema e televisão em suas conjunções (e de modo ainda mais intenso em suas

conjunções digitais recentes). Portanto, nossa experiência da realidade, de estar no

mundo e de estar na cidade, seria determinada e transpassada pela imagem em sua

diversidade de dispositivos visuais contemporâneos de apresentação. Pois, como

pontua o filósofo francês Paul Virilio,

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(...) o que até então se encontrava privado de espessura – a superfície de inscrição - passa a existir enquanto “distância”, profundidade de campo de uma representação nova, de uma visibilidade sem face a face, na qual desaparece e se apaga a antiga confrontação de ruas e avenidas: o que se apaga aqui é a diferença de posição, com o que isto supõe, com o passar do tempo, em termos de fusão e confusão. Privado de limites objetivos, o elemento arquitetônico passa a estar à deriva, a flutuar em um éter eletrônico desprovido de dimensões espaciais, mas inscrito na temporalidade única de uma difusão instantânea. (VIRILIO, 1993, p. 9–10)

Em meio a esse cenário, o cinema em particular – com suas imagens e narrativas –

ampliou sua difusão no decorrer das últimas quatro décadas, em grande parte por

conta do advento de sua transposição para o vídeo e para as mídias digitais. O que

confirmou sua importância como mídia responsável pela formação de uma

sistemática particular de percepção visual socialmente compartilhada, conforme já

havia sido apontado por Walter Benjamin na década de 1930: “(...) a indústria

cinematográfica tem todo interesse em estimular a participação das massas através

de concepções ilusórias e especulações ambivalentes.” (1995, p. 184).

No momento inicial de maior difusão e acesso cinematográfico através do vídeo,

estabelecimentos passaram a disponibilizar o serviço de aluguel de filmes (em

formato VHS – sigla de Video Home System – e mais recentemente nos formatos

DVD, Blu-ray, e pela própria internet, dispensando-se a necessidade até mesmo de

um estabelecimento físico para esse fim). De maneira que o indivíduo adquire a

possibilidade de, não apenas imergir na narrativa visual cinematográfica3,mas

também decidir quando, em que lugar, como, e de que modo assistir. Constituem-se

assim inserções socialmente compreendidas “[...] onde a própria sensação visual é

recuperada através da máquina” (BARDONNÈCHE, 1997, p. 199).

Amplifica-se, de modo considerável, o acesso ao universo das narrativas visuais do

cinema, isto aliado a um consumo cada vez maior e mais numeroso destas imagens.

O que, em certa medida, institui características que tangem as de um vício: “[...] as

próprias palavras e imagens são drogas, segundo Burroughs, por meio das quais

poderes invisíveis controlam uma população de viciados em imagens. ‘Imagens,

milhões de imagens, eis o que devoro’.” (LASCH, 1987, p. 122).

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É precisamente esse desdobramento, essa sobreexposição, esse distanciamento

do olhar em relação à percepção direta das coisas e dos fatos que tenho como

ponto de partida na pesquisa em Poéticas Visuais que desenvolvo. Uma vez que

também identifico tal distanciamento como sendo uma das causas que historica-

mente levou pintores como Chuck Close, Gerhard Richter, e mais recentemente,

Luc Tuymans a empregarem fotografias como base e alicerce para constituição

imagética de suas pinturas.

É importante ressaltar que a utilização de fotos que estes artistas levam a cabo não

se dá como referência de apoio para a elaboração bidimensional de uma imagem

tridimensional que teria sido visualizada pelo pintor, mas sim dentro de uma prática

de apropriação. Uma prática de transposição através de trabalho pictórico manual

visual de uma imagem bidimensional (fotografia) para uma superfície igualmente

bidimensional (tela de pintura).

O fato da prática de apropriação4 ter se adentrado de tal forma no campo da pintura

não deixa de ser, ele mesmo, outro sintoma decorrente da percepção fotográfica soci-

almente instaurada. Ou, como pontua Susan Sontag: “A nossa era não prefere as i-

magens às coisas reais por perversidade mas, em parte, como reacção às formas

como a noção do real progressivamente se complicou e debilitou” (1986, p. 141).

Busco assim – pelo recurso da apropriação de uma imagem – a retenção perceptiva

na retirada de fragmentos de um fluxo constante e contínuo, através de uma prática

pictórica laboriosa que demanda, literalmente, centenas de horas de trabalho. Ou

seja, o tempo prolongado desse processo pictórico específico é invariavelmente

humano e orgânico. E mesmo que o empenho do pintor seja no sentido de copiar

fielmente o que vê, por meio de uma construção gestual metódica, o longo tempo

macera o slide fotográfico e distancia a execução pictórica dessa concepção

preliminar de fidelidade, gerando um objeto sensível. Ocorre aí uma mestiçagem,

dado que essa feitura humana e manual aborda e reconstitui, nos termos indicados,

a imagem proveniente da captação e da transposição de aparelhos óticos, químicos

e eletrônicos. Uma vez que, conforme esclarece a professora e teórica Icleia Cattani,

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Os cruzamentos que suscitam relações com o conceito de mestiçagem são os que acolhem sentidos múltiplos permanecendo em tensão na obra a partir de um princípio de agregação que não visa fundi-los numa totalidade única, mas mantê-los em constante pulsação. Esses cruzamentos tensos são os que constituem as mestiçagens nos processos artísticos atuais (2007, p. 11).

O pintor invariavelmente confere suas marcas pessoais, mesmo que exista um esfor-

ço pessoal para que isso não aconteça. Contudo, elaboro a pintura com uma gestuali-

dade metódica, por entender que essa atitude fornece um pressuposto para as condi-

ções de execução do acontecimento-pintura, definindo um campo de ações particular.

A intenção contida na opção deliberada de se pintar uma construção gestual metódi-

ca é a de alcançar um resultado no limite absurdo e falho de uma execução pictórica

que procura reconstruir a imagem fotográfica captada do vídeo. O esforço nesse

sentido se expressa pela sutileza das operações pictóricas que são investidas na

fatura. Essa é uma decisão tomada para se tentar sublinhar visualmente na tela o

somatório das mídias pelas quais a imagem passou anteriormente.

A “era da lógica paradoxal” das imagens.

A maneira vagarosa e meticulosa de proceder na pintura dá vazão a uma

temporalidade que difere radicalmente da imediatez característica do mundo urbano

atual e de seus inúmeros dispositivos – mediadores de tarefas, afazeres e

comunicações humanas. Nesse sentido, é cabível traçar algumas considerações em

relação a tais motivações, que são oriundas do – e ligadas ao – pensamento de Paul

Virilio.

O filósofo já abordava criticamente, décadas atrás, as profundas alterações

instauradas na percepção por conta das novas situações midiáticas dispostas nas

políticas urbanas contemporâneas e no nosso convívio com o mundo. De maneira que

Se no século XIX a atração cidade/campo esvaziou o espaço agrário de sua substância (cultural e social), no final do século XX é a vez do espaço urbano perder sua realidade geopolítica em benefício único de sistemas instantâneos de deportação cuja intensidade tecnológica perturba incessantemente as estruturas sociais: (...) deportação de atenção, do face a face humano, do contato urbano, para interface homem/máquina. (Ibid., p. 12, grifo do autor)

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Daí a opção deliberada e consciente pela pintura (um meio visual que pode até

mesmo ser visto como anacrônico frente a miríade de mídias visuais disponíveis a

um artista atualmente), que aqui reconstrói manualmente o vestígio de uma imagem

ótica e de origem eletrônica. A pintura, nesse caso, traz consigo a exigência de um

procedimento que envolve uma temporalidade diametralmente oposta àquela

imposta na situação de “instantaneidade da ubiquidade (que) resulta na atopia de

uma interface única. Depois das distâncias de espaço e tempo, a distância-

velocidade abole a noção de dimensão física” (Ibid., p.13, grifo do autor).

Ou, como também pondera Luiz Paulo Baravelli (1942), artista e professor paulista,

em um texto que escreveu para o catálogo de uma mostra de trabalhos em vídeo,

Às vezes me pergunto por que faço pinturas. Hoje, cultural e socialmente, tudo está contra ela. A tecnologia é obsoleta, não pode ser reproduzida direito, é frágil, limitada e estetizante. Em um mundo de seis bilhões de pessoas é intransmissível e tem de ser vista no original, alguns privilegiados por vez. Em outras palavras, ela é não elétrica, pecado mortal nos dias que correm. (1991, p. 44-45)

Na percepção do sujeito contemporâneo, “a organização do tempo se dá a partir de

uma fragmentação imperceptível da duração técnica, onde os cortes e as

interrupções momentâneas substituem a ocultação durável” (VIRILIO, 1993, p. 14).

Tais aspectos são característicos da linguagem cinematográfica e, conforme analisa

Virilio, tiveram contribuição fundamental para alterar o próprio sentido de espaço e

tempo na contemporaneidade. Uma vez que

Da estética da aparição de uma imagem estável, presente por sua própria estática, à estética do desaparecimento de uma imagem instável, presente por sua fuga (cinemática ou cinematográfica), assistimos a uma transmutação das representações. À emergência de formas e volumes destinados a persistir na duração de seu suporte material, sucederam-se imagens cuja única duração é a da persistência retiniana. [...] Aqui, mais do que em qualquer outra parte, as tecnologias avançadas convergiram para moldar um espaço-tempo sintético. (Ibid., p. 19-20)

A instauração gradual do espaço-tempo sintético mencionado pelo autor encontra

paralelo com a própria história de desenvolvimento do meio cinematográfico. Como

nos lembra Philippe Dubois, o cinema

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[...] Há mais de um século, e profundamente, forma nosso imaginário – o da imagem e o do movimento, pelo menos. Queiramos ou não, nosso pensamento da imagem é hoje um pensamento “cinematográfico”. Henri Bergson percebeu isto desde o início, com suas famosas teses sobre o ‘mecanismo cinematográfico do pensamento’ (A evolução criadora, 1907). [...] O imaginário

cinematográfico está em toda parte, e nos impregna até em nossa maneira de falar ou de ser. Quem, ao percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta, não pensou, com a ajuda da música no rádio, numa figura de travelling mergulhando na tela

panorâmica de seu para-brisa? (2004b, p. 25, grifo do autor)

Assim, orientando-se pelas referidas teorias de Virilio, minhas pesquisas

direcionaram-se ao uso estrito de imagens cinematográficas no vídeo. Nesse sentido,

de maneira a também tornar evidenciado o volume massivo de imagens presentes

no mundo contemporâneo, os filmes cinematográficos selecionados para servir de

base na captura de imagens fotográficas apresentam como característica principal

certo anonimato, pois dão forma a imagens cuja origem tem chance remota de

serem identificadas. Este tipo peculiar de filme foi aqui denominado como “filme-

excesso”.

Algumas fitas VHS (Video Home System) utilizadas para a apropriação de imagens.

Com efeito, a produção que a indústria do cinema despeja ano a ano no mercado

audiovisual internacional foi responsável por gerar os vídeos intitulados “filme-

excesso”. Isto é, uma invasão de mais produtos do que o público consegue, ou

mesmo, quer consumir. Esses vídeos tinham como destino comum o ostracismo nas

prateleiras das locadoras, e eventualmente eram relegados às lojas popularmente

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chamadas de “sebos”, onde foram adquiridos por mim para este processo de

trabalho. O critério foi então o quão à margem do circuito popular cinematográfico se

encontravam.

Ou seja, a noção de “filme-excesso” refere-se a um produto cultural bastante

previsível e repetitivo em suas soluções estéticas e de roteiro, justamente pela

condição de produto elaborado por conta de diretrizes prioritariamente

mercadológicas. Uma vez que

A inovação estética interessa cada vez menos nos museus, nas editoras e no cinema; ela foi deslocada para as tecnologias eletrônicas, para o entretenimento musical e para a moda. Onde havia pintores ou músicos, há designers e discjockeys. A hibridação, de certo modo, tornou-se mais fácil e multiplicou-se quando não depende dos tempos longos, da paciência artesanal ou erudita e, sim, da habilidade para gerar hipertextos e rápidas edições audiovisuais ou eletrônicas. (CANCLINI, 2000, p. XXXV–XXXVI)

Na contramão da mencionada noção de inovação estética, objetiva-se uma situação

de tempos longos de feitura e de paciência artesanal. Não no sentido de instaurar

uma simples contraposição ao panorama atual descrito acima, mas sim como

situação de trabalho que refaz os escombros das lógicas díspares e paradoxais de

meios visuais distintos – de épocas distintas – configurando uma imagem na

pintura que pulsa em suas mestiçagens.

Há aqui o emprego deliberado de uma tecnologia notoriamente obsoleta nos dias de

hoje. Tal modo de operar é instaurado com a intenção de se estabelecer uma

coerência com o conceito de “filme-excesso”, pois o tipo de tecnologia empregada (o

filme em VHS), em sua condição de obsolescência, alinha-se com a concepção de

“filme-excesso” por se tratar de um dispositivo em desuso, excedente, que sobra.

São abordadas assim as próprias raízes da condição atual da imagem visual e os

seus modos de inserção e percepção, pois são contemplados os dispositivos de

imagem – um através do outro – naquilo que eles possuem a partir de sua estrutura

constitutiva, de seu tecido, de sua “carne”.

Nesse sentido, deve ser observado também que esses vídeos não chegavam ao

mercado brasileiro com um estatuto idêntico ao da exibição e da comercialização em

seu mercado cinematográfico original. Tal alteração no estatuto original que o filme

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possuía acontece devido à disparidade quantitativa da enorme produção

cinematográfica mundial (mas, com maior intensidade, norte-americana) em relação

ao mercado consumidor existente no Brasil. Era (e ainda é) comum que grande

parte dos filmes cinematográficos rodados nos Estados Unidos, e exibidos lá em

salas de cinema, seja disponibilizada no Brasil apenas no formato de vídeo. Isso

ocorre porque não há quantidade suficiente de público consumidor brasileiro para

tamanha produção cinematográfica.

Parece ficar claro, então, o papel intercultural que possui o cinema e sua situação no

processo globalizador em que atuam fluxos das indústrias culturais em meio aos

mercados mundiais. Ademais, como reforça Néstor Canclini, às “modalidades

clássicas de fusão, derivadas de migrações, intercâmbios comerciais e das políticas

de integração educacional impulsionadas por Estados nacionais, acrescentam-se as

misturas geradas pelas indústrias culturais” (Ibid., p. XXXI).

Tais aspectos particulares não são entendidos aqui como arbitrários. Ao contrário,

parte-se do princípio de que, além de impregnarem a imagem com características

que reforçam visualmente a noção de “filme-excesso”, os mesmos desvelam e

manifestam também sentidos políticos. Pois, tal como afirma Virilio, “quem negaria

hoje que a PÓLIS, que emprestou sua etimologia à palavra POLÍTICA, pertença ao

domínio dos fatos da percepção?” (1993, p. 22). O substantivo de origem grega

“pólis”, possível sinônimo de cidade, é entendido no sentido de uma comunidade

organizada formada por cidadãos.

Para a filósofa Hannah Arendt, a pólis é constituída pelo espaço absolutamente

circunstancial e precário criado entre as relações instituídas pelas pessoas, e tem

lugar quando estas vivem conjuntamente. No seu livro “A condição humana”, Arendt

afirma que pólis de fato não é apenas a cidade-estado na sua localização física, uma

vez que a ação e o discurso – ou seja, a necessidade do homem de viver entre seus

semelhantes e os modos através dos quais os humanos se manifestam uns aos

outros – existem previamente às várias formas através das quais o espaço público

pode ser organizado (1981).

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A partir do pensamento de Arendt, nota-se que, entre os sujeitos que compõem o

modelo atual de sociedade urbana, tanto a ação como o discurso são frequente e

intensamente permeados por diversas etapas midiáticas. São, assim, determinados

e regidos por estes novos dados e coordenadas de percepção. Virilio, que se

dedicou justamente a teorizar a respeito destes entremeios humanos situados na

contemporaneidade, acrescenta que

De fato, não se pode falar hoje do desenvolvimento do audiovisual sem interrogar igualmente este desenvolvimento da imagerie virtual e sua influência sobre os comportamentos ou ainda sem anunciar também esta nova industrialização da visão, a instalação de um verdadeiro mercado da percepção sintética com o que isto supõe de questões éticas, [...] sobretudo a questão filosófica daquele desdobramento do ponto de vista, daquela divisão da percepção do ambiente entre o animado, o sujeito vivo, e o inanimado, o objeto, a máquina de visão. (2002, p. 86, grifo do autor)

Acrescenta-se a esse cenário a concepção de Arendt de que

Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência [...] constantemente, as coisas que devem sua existência aos homens também condicionam os autores humanos. [...] O que quer que toque a vida humana ou entre em duradoura relação com ela, assume imediatamente o caráter de condição humana. É por isto que os homens, independentemente do que façam, são sempre seres condicionados. [...] O impacto da realidade do mundo sobre a existência humana é sentido e recebido como força condicionante. (1981, p. 17, grifo nosso)

Os espaços estabelecidos pelo contato direto entre os sujeitos da pólis – que em

contrapartida a caracterizam – instituem-se agora de modo simultâneo a inúmeros

espaços e situações virtuais que, segundo o entendimento proposto por Arendt,

agora fazem parte da condição humana.

Tal aproximação – entre os citados aspectos peculiares da matéria-prima utilizada

pelo trabalho desta pesquisa e os possíveis sentidos políticos depreendidos desse

uso – justifica-se pelo fato de o “filme-excesso” ser produto do refugo cultural urbano.

Uma sobra considerada arcaica pelos padrões do atual panorama mercadológico

audiovisual, no qual a obsolescência é regra imposta pela velocidade e pela

quantidade desta produção, constante e ininterrupta.

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O intuito presente no emprego do “filme-excesso” é, assim, relacionar-se também

com a situação de acúmulo de imagens que pontua Hélio Fervenza, pela qual o

artista percebe que

[...] vivemos em espaços de grande adversidade onde são produzidos vazios a todo instante (...) também vazios produzidos por excessos como o vazio provocado pela acumulação de imagens, desertos contidos entre as ruas e avenidas, entre as paredes das casas e edifícios, flutuando no ar da veloz cidade; no meio dessa adversidade, entretanto, pode surgir algo. Impulsionado pelo não sentido da situação (um deserto estranho e longínquo). Não-sentido que produza outros sentidos. Inversão de uma situação a partir dela mesma, daquilo que ela evoca: o deserto.” (2003, p. 49, grifo nosso)

Os desdobramentos fictícios da realidade suscitados pelo cinema através do

dispositivo doméstico do vídeo – juntamente aos aspectos culturais, políticos e

perceptivos enunciados – apresentaram-se desde o princípio para minha prática

pictórica como uma potente matéria-prima semântica, disponível para ser tensionada

pelo trabalho de minhas pesquisas.

Permeada por tais transposições, a imagem apropriada do vídeo pode desvelar um

distanciamento perceptivo no qual “a frequência tempo da luz se tornou fator

determinante da apercepção relativista dos fenômenos e portanto do princípio de

realidade” (VIRILIO, 2002, p. 102, grifo do autor). Distanciamento esse determinado

pelo que Virilio identifica como “máquina de visão”, e que implica na

[...] produção de uma visão sem olhar sendo ela mesma nada mais

do que a reprodução de um intenso cegamento, cegamento que se torna uma nova e última forma de industrialização: a industrialização do não-olhar. (Ibid., p. 102-103, grifo do autor)

A noção de excesso implicada nessa concepção – ou seja, aquilo que excede, que

sobra, que ultrapassa – aponta para o estatuto atual das imagens, informações e

meios de comunicação. Minha pintura contempla a transformação de uma imagem

proveniente de tal realidade – uma imagem comum, obsoleta, seriada e banal,

transmutada aqui em uma imagem única. Opera-se uma espécie de metamorfose,

uma mestiçagem, de uma imagem excessiva e saturada nela mesma para uma

imagem reconstruída pela pintura de modo rarefeito, que se faz no desfazimento do

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seu modelo fotográfico. Através de tal mestiçagem, busca-se alcançar a

confrontação e o diálogo nesse encadeamento tenso e insolúvel.

Notas

1 O termo Hiperrealismo é empregado nesta pesquisa como uma das possíveis variações históricas dos termos

Superrealismo ou Fotorrealismo, originalmente em língua inglesa Superrealism (termo empregado pelo teórico Edward Lucie-Smith (1981)) e Photo-Realism, respectivamente.

2 O close revelou-se muito perturbador “[...] quando começou a mostrar, no cinema, corpos humanos vistos de

perto e, depois, de muito perto. Os primeiros planos enquadrando o busto, até mesmo a cabeça, produziram durante muito tempo rejeição, ligada não só ao irrealismo dessas ampliações, mas a um aspecto percebido como monstruoso. [...] Ora, pouco tempo depois, nos anos 20, Jean Epstein podia dizer que o close era ‘a alma do cinema’.“ (AUMONT, 1993, p. 140-141, grifo do autor).

3 A narrativa visual específica do cinema, como afirma Jean-Louis Baudry citado por Jacques Aumont,

“determina um estado regressivo artificial [...], ‘O aparelho de simulação consiste em transformar uma percepção em quase-alucinação, dotada de um efeito do real incomparável ao que é trazido pela simples percepção’.” (Ibid., p. 189).

4 Os termos “apropriação” e “apropriacionismo” [...] sintetizavam a produção de uma série de artistas que tentava,

de alguma maneira – e por via sobretudo da fotografia –, dar conta e explicitar as modificações que a proliferação das imagens veiculadas pelos meios de comunicação de massa [...] causavam na sensibilidade contemporânea. (CHIARELLI, 2002, p. 21).

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Ricardo Perufo Mello Presta Estágio Pós-Doutoral no PPGARTES da UFPA, orientado pela Prof.ª Drª. Valzeli Sampaio. É Professor Adjunto do CeArte da UFPel. Doutor em Artes Visuais (Poéticas Visuais) pelo PPGAV do Instituto de Artes da UFRGS. Em 2002 obteve Menção Especial no 59º Salão Paranaense. Em 2008 foi um dos artistas selecionados no Programa Rumos Artes

Visuais 2008/2009, tendo exposto através deste em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro.