a campos escritórios associados atua - ondawebinfo.com.br · diário de notícias era um grande...

82

Upload: nguyenphuc

Post on 27-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

C

M

Y

CM

MY

CY

CMY

K

A Campos Escritórios Associados atua na Advocacia Empresarial, através de sociedades distintas e autônomas nas áreas cível, trabalhista, penal, tributária, societária, imobiliária, desportiva, ambiental, e de comércio exterior, sucessão familiar, energia, petróleo e gás.

Este livro traz textos de alguns de seus membros enfocando temas do Direito de grande interesse e atualidade.

Dois textos muito especiais integram a publicação: Prescrição e decadência, de João Armando Bezerra Campos, desembargador aposentado, advogadoe fundador da Campos Escritórios Associados, e Liberdade de expressão, de Fernando Ernesto Corrêa.

Direito no plural é um livro jurídico porque contém muitos ensinamentos e textos legais. Mas, como nosso trabalho no dia a dia, esperamos que ele mostre que a vida é muito mais sobre valores e pessoas.

No Direito, como na vida, devem prevalecer os valores e as pessoas. Sempre. Felizmente.

Marco Antonio Bezerra Campos

Page 2: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

DIREITO NO PLURAL

COORDENADORES: Fábio Siebeneichler de Andradee Ana Cláudia Redecker

Campos Escritórios Associados 2012

Livro 1.indb 3 07/12/2011 09:47:28

Page 3: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

Copyright © 2012 Campos Escritórios Associados

Coordenação editorialGustavo Faraon

CapaGabriel Gama

Projeto gráfico e diagramaçãoGuilherme Smee

RevisãoGabriela Koza

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D598 Direito no plural / organizador Ana Cláudia Redecker, Fábio Siebeneichler de Andrade. Porto Alegre: 2012. 288 p.; 23 cm.

1. Direito – Ensaios. 2. Direito – Coletânea. I. Redecker, Ana Cláudia. II. Andrade, Fábio Siebeneichler de.

CDD 340.04

Bibliotecária responsável: Ginamara Lima Jacques Pinto (CRB 10/1204)

Produzido pela Editora Dublinense Ltda.

Todos os direitos desta edição reservados à Campos Escritórios Associados.

Av. Praia de Belas, 1554Praia de Belas – Porto Alegre – RSwww.camposea.adv.br

Livro 1.indb 4 07/12/2011 09:47:28

Page 4: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

15

Liberdade de expressãoFernando Ernesto Corrêa

“Notícia é aquilo que alguém, em algum lugar, quer que seja abafado. Todo o resto é propaganda”.

Lord Northcliffe, então proprietário do Times de Londres

Literalmente, nasci na redação de um jornal. Em 1936, minha família morava no último andar do prédio do Diário de Notícias, na Praça da Alfândega, em Porto Alegre, e eu vim ao mundo naquele local pelas mãos de uma parteira. O Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral do jornal e cuidava com especial carinho de sua redação.

Alfabetizei-me durante a 2ª Guerra Mundial lendo jornal. Durante a convi-vência com meu inesquecível pai, sempre ouvi dele que a liberdade de impren-sa – aqui registrada como liberdade de expressão – era algo sagrado, que devia ser respeitada e venerada pela sociedade, por ser pressuposto inafastável da de-mocracia. Para ele, a liberdade de imprensa era um dogma de vida, dedicada ao jornalismo, e mais tarde também à cátedra na Faculdade de Comunicação da UFRGS, da qual foi um dos fundadores.

Liberdade e verdade foram os dois pilares básicos sobre os quais ele cons-truiu sua carreira profissional e que transmitiu para mim e para meus irmãos

Livro 1.indb 15 07/12/2011 09:47:29

Page 5: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

16

Paloca e Faveco, o primeiro repórter e editor de periódico e o último jornalista e publicitário. Para Faveco, a liberdade de propaganda também precisa ser res-saltada como fundamental para uma imprensa sadia num país de economia de mercado como o nosso.

Recordo-me de algumas passagens inesquecíveis em que meu pai, um importante homem de jornal, recusou favores de terceiros porque poderiam de alguma maneira contaminar seu julgamento sobre determinada matéria. Certa vez, um grande empre-sário, que se dizia seu amigo, ofereceu-lhe um Chevrolet, carro mais famoso da época, com desconto e financiamento a custo zero. Ele recusou a oferta e manteve seu velho Nash 38 porque disse que se aceitasse o favor ficaria com sua liberdade de opinião pre-judicada quanto ao pretenso amigo e ao setor da economia em que ele atuava. Morreu pobre como nasceu, mas deixou para seus filhos a herança da dignidade e do respeito à liberdade de manifestação do pensamento. Foi dentro desses princípios e com essa visão de jornalismo que eu me criei e me formei.

Aos 18 anos entrei na Faculdade de Direito e fui trabalhar como repórter no Diário de Notícias, onde permaneci durante 5 anos, até concluir meu curso su-perior. Desde lá deixei a condição de aluno curioso e de espectador para passar à condição de protagonista (ou pelo menos coadjuvante) do desenvolvimento da comunicação social em nosso estado e em nosso país.

Como repórter, recebi mais lições de liberdade e verdade do meu pai. Co-brindo um evento, confundi a mulher do chefe da Casa Civil do Governo do Estado com ele próprio. Fiz uma matéria equivocada, mancheteando que o se-cretário acumulava o seu cargo com um emprego suspeito na iniciativa privada. O emprego era da mulher dele, que não era funcionária pública. Ele repreendeu-me asperamente, dizendo que aquele erro prejudicava gravemente a credibilida-de do jornal. “Meu filho, disse, a liberdade de imprensa que defendemos pressu-põe responsabilidade e a busca incessante da verdade. A liberdade de imprensa só se mantém se baseada na responsabilidade e na verdade”.

No final de 1959, formado em Direito, fui advogar, e como tal prestei asses-soria na fundação da AGERT (Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Te-levisão). Foi nessa condição que participei do primeiro grande embate na defesa da liberdade de expressão. Colaborei na luta de um punhado de comunicadores gaúchos, com destaque para os saudosos Maurício Sirotsky e Flávio Alcaraz Go-mes, que se integrou à entidade nacional do setor (ABERT) para derrubar al-guns vetos que o presidente João Goulart apôs à Lei 4112/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações). Se os vetos do presidente fossem mantidos – o que era e é a regra geral –, a radiodifusão e, por efeito dominó toda a comunicação social, estariam inevitavelmente rumando para a censura e para a estatização.

Dou um exemplo claro com o art. 54 do Código que diz: “São livres nos

Livro 1.indb 16 07/12/2011 09:47:30

Page 6: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

17

veículos de radiodifusão as críticas e os conceitos desfavoráveis, ainda que ve-ementes...”. João Goulart vetou esse artigo. Numa ação coordenada e eficiente, conseguiu-se derrubar o veto no Congresso. A contrário senso, se o veto per-sistisse, não seriam livres as críticas e os conceitos desfavoráveis e consequente-mente os veículos não seriam independentes entre nós. Esse respeito à liberdade de opinião na radiodifusão foi ratificado pelo art. 66 do Decreto 52.795/63, que regulamentou o CBT. Essa foi a primeira ameaça moderna à liberdade de ex-pressão afastada com a minha secundária participação.

Em 1963, pelas mãos de Ary dos Santos, entrei na Rádio Gaúcha como co-mentarista esportivo. Em pouco tempo, acumulei àquela a função de advogado do Grupo RBS, que se implantava com a inauguração do Canal 12, que se unia à Radio Gaúcha. Somei-me ao Maurício, ao Jayme e mais adiante ao Nelson, e passamos a ter uma presença mais forte na ABERT, AGERT na ANJ (Associa-ção Nacional de Jornais). Integrei-me às respectivas diretorias nas quais a maior bandeira que defendemos foi e continua sendo a liberdade de imprensa que, ao longo do tempo, foi e persiste questionada por setores da extrema esquerda estatizante e da extrema direita religiosa.

As cartas constitucionais, diga-se a bem da verdade, expressaram e expres-sam o reconhecimento à liberdade de imprensa. Todavia, na prática, o seu res-peito exige nossa permanente atenção, face às ameaças contra esse princípio surgidas de várias frentes.

O próprio regime militar, em que os direitos e garantias individuais foram su-primidos ou restringidos, não teve coragem de abater formalmente a liberdade de expressão. O parágrafo 8º, do art. 153 da carta outorgada em 1969, Emenda nº 1, diz que “é livre a manifestação do pensamento, da convicção política ou fi-losófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura”.

Na prática, porém, durante a ditadura militar tivemos que enfrentar enormes dificuldades, tais como censura prévia e autocensura. Lembrem-se do Estado de São Paulo que publicava poesias nos espaços destinados a notícias censuradas. Foi difícil, mas sobrevivemos, em que pese nesse período das trevas a liberdade de expressão ter sido mitigada, pois os veículos foram tutelados e o espírito críti-co muito reduzido. Tivemos que sobreviver fazendo uma imprensa com escassa opinião, em geral registradora dos fatos acontecidos ou por acontecer. Foi um tempo duro, muito duro.

O grande teste, porém, para o saudável e duradouro exercício da comunicação social ocorreu durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte de 1988. Dediquei-me em tempo integral, com alguns grandes companheiros, como Joa-quim Mendonça, Luis Eduardo Borgerth e Afrânio Nabuco, também da ABERT, visando a deixar gizada na Constituição Federal a liberdade de expressão.

Livro 1.indb 17 07/12/2011 09:47:30

Page 7: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

18

Não foi essa barbada. A esquerda poderosa e representativa estava ansiosa pela abertura. Quanto aos meios de comunicação, porém, pretendia estabelecer a prevalência do serviço público sobre a iniciativa privada. Ela buscava uma li-berdade tutelada, baseada no exemplo mexicano, em que o Estado tinha a mídia sob controle. Por exemplo, naquele México era o Estado o único comprador de papel de jornal e distribuía essa essencial matéria-prima entre os periódicos a seu exclusivo critério político.

A Constituinte de 88 foi dividida em Comissões Temáticas. O presidente da Comissão que tratou da mídia, o senador Artur da Távola, posto que jornalista, conduziu os trabalhos com o viés da prevalente operação pública dos veículos. Tivemos debates incríveis com ele e com outros parlamentares, conduzidos na contramão pelo senador Mario Covas, que resultou num impasse insuperável. Das oito Comissões Temáticas, a da Comunicação foi a única que não conse-guiu produzir um relatório final.

O debate foi todo transferido para o plenário, no qual desenvolvemos um es-forço extraordinário, contando com a simpatia discreta do relator-geral Bernar-do Cabral e com o apoio irrestrito e decisivo de Fernando Henrique Cardoso, Nelson Jobim e José Fogaça, especialmente. Por delegação dos líderes, passamos a estabelecer uma relação direta com o então deputado Antonio Britto, jorna-lista de profissão, que se posicionou com grande habilidade e coerência. Com Antonio Britto conseguimos subsidiar a redação do Capítulo da Comunicação Social, salvando – esperamos que de forma definitiva – a liberdade de expressão.

O senador Pompeu de Souza, então dirigente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), tentou reproduzir o texto da Primeira Emenda da Constituição Norte-Americana que diz simplesmente que “o Congresso não pode fazer leis contra a liberdade de expressão e a imprensa”. Não foi possível passar esse tex-to libertário. Tivemos que fazer algumas concessões para vencer o impasse que prevaleceu por 2 anos, e acabou sendo aprovado um texto que diz que nenhuma lei conterá dispositivos que possam constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, mas com algumas importantes ressalvas. Eis o texto aprovado, em vigor:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir emba-raço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer ve-ículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Livro 1.indb 18 07/12/2011 09:47:30

Page 8: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

19

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideo-lógica e artística.

As observações dizem respeito ao anonimato, ao direito de resposta, à vio-lação da intimidade e vida privada e ao resguardo ao sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. Embora sejam essas ressalvas razoáveis, a interpretação extensiva que a ela tem sido dada em algumas decisões judiciais alcança a liberdade de expressão, consagrada na Constituição Federal não da forma irrestrita e absoluta como pretendiam o senador Pompeu de Souza e as as-sociações de classe do setor, mas com o resguardo de alguns direitos de outrem que também receberam a guarida constitucional.

Está estabelecido desde advento da atual Carta Magna um debate doutriná-rio e no Poder Judiciário sobre a questão dos limites da liberdade de expressão vis-à-vis outros direitos fundamentais da pessoa e entidades. Não há dúvida que deve ser observado o direito do cidadão a sua intimidade e vida privada. Toda-via, também esse direito não é absoluto e, quando se confronta com o direito à li-vre informação, entendo que, havendo dúvida razoável, o intérprete ou julgador deve decidir pela prevalência do interesse público da liberdade de manifestação do pensamento.

Já referi que liberdade de expressão pressupõe o amplo direito de informar e também de não ser ameaçado economicamente pelo Poder Público. É por essa razão que os periódicos gozam de imunidade tributária (art. 150, inciso VI, letra “d” da CF), da mesma forma que se distinguem no texto constitucional as tele-comunicações da comunicação social, para que a essa última possa ser estendida a não incidência tributária. Não há liberdade política sem liberdade econômica.

Liberdade de imprensa e democracia são irmãs siamesas. Uma não existe sem a outra. Essa assertiva já é um lugar-comum. Realmente se dermos uma per-corrida pelo mundo verificaremos que a liberdade de expressão que almejamos só existe em países democráticos. Nas ditaduras ou regimes autoritários de qual-quer natureza a imprensa é coartada. Vou mais longe, só pode existir liberdade de imprensa onde prevalecer o modelo de operação privada do serviço. A de-pendência da comunicação pública ao Estado sem dúvida mitiga a liberdade de expressão. A independência – seja do setor público ou privado – é pré-requisito para a livre manifestação do pensamento. Aliás, independência é a essência da li-ção que nos transmitiu Lord Northcliffe na ementa que emoldura este trabalho.

É claro que foi muito grande a influência que na minha formação profissional tiveram Ernesto Correa e meu amigo e irmão Maurício Sirotsky, ambos defenso-res permanentes da liberdade de imprensa. Já falei sobre a convivência com meu pai. Quanto ao Maurício, estive com ele diuturnamente por 25 anos na RBS,

Livro 1.indb 19 07/12/2011 09:47:30

Page 9: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

20

ABERT, ANJ e na AGERT até seu precoce falecimento em 1986. Para eles, a liberdade de imprensa não devia ser adjetivada, a não ser pelo acréscimo da pa-lavra responsabilidade.

A essa altura, cabe fazer a pergunta que fulcra esse trabalho: “A liberdade de expressão deve ser absoluta como querem alguns ou relativa como pro-põem outros?”.

Como executivo de um grupo de comunicação e como dirigente das asso-ciações de classe, defendi por 35 anos uma liberdade de expressão sem ressal-vas. O texto constitucional vigente, entretanto, por ser fruto de negociação, referendou o princípio da liberdade com algumas considerações paralelas que a relativizaram.

Agora, mais experiente e vivido, afastado da posição do dia a dia, analisando o problema com o necessário distanciamento emocional, considero que é cor-reto que o direito de expressão seja tratado pelo nosso ordenamento jurídico e institucional como um direito relativo, que precisa ser exercitado levando em conta outros direitos de magnitude igual ou semelhante. Se nem o direito à vida, que é o maior de todos, é absoluto (pode-se matar uma pessoa em legítima de-fesa, por exemplo), é inviável sustentar que o direito de expressão não admita algum tipo de limitação.

Liberdade de expressão, não censura e direito de resposta formam um con-junto que necessita ser examinado e interpretado no seu contexto. Podemos e de-vemos informar com liberdade, mas temos que informar com cuidado, para não atropelarmos os direitos individuais e coletivos que também merecem respeito.

Hoje, face à omissão, quase falência de importantes segmentos do setor pú-blico, a imprensa está sendo chamada a exercer um papel fiscalizador que a rigor não lhe compete. Dizem alguns críticos – não sem alguma razão – que a impren-sa indicia, denuncia, julga e condena (ou absolve) pessoas e instituições. Edi-torias investigativas são criadas e reconhecidas por seu poder nas redações dos veículos de comunicação. Muitas vezes a origem das notícias é a própria Polícia ou Ministério Público. E fica tudo muito complexo, a exigir redobrada cautela na verificação dos fatos, a partir do exame da idoneidade e do interesse das fontes.

“A reportagem política contabiliza vários acertos neste ano, mas precisa evi-tar o linchamento midiático.” Essa manifestação não é de um adversário da liber-dade de expressão. Ao contrário, é de Suzana Singer, ombudsman da Folha de S.Paulo (edição de 30 de outubro), ao criticar o aval que o jornal deu a uma fonte por ela considerada inidônea, no caso das denúncias que resultaram na demissão do ministro do Esporte. É por isso que enfatizo que o ético exercício da liberdade jornalística pressupõe o ponderado exame da notícia.

Como a toda a ação corresponde uma reação, pessoas que se consideram

Livro 1.indb 20 07/12/2011 09:47:30

Page 10: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

21

agravadas têm recorrido ao Poder Judiciário que, felizmente em decisões mino-ritárias, tem aplicado censura aos veículos, o que é claramente inconstitucional. Censura é constitucionalmente vedada (Art. 220, parágrafo 2º da CF). Há que se distinguir entre censura prévia e póstera. A primeira é absolutamente inadmissí-vel. Deve ser livre a circulação da informação por qualquer meio ou veículo. Há casos de censura prévia que não têm cabimento em nosso regime republicano.

Ademais, a liberdade de expressão sem censura prévia existe exatamente para que se critique, ofenda, denigra quem quer que seja. Se fosse apenas para elogiar, louvar e honrar outrem, não seria necessária a garantia constitucional. Os excessos porventura cometidos haverão de ser posteriormente punidos pelas vias negociais ou pelo Judiciário.

Referindo ao humorista Rafinha Bastos que costuma xingar e humilhar suas “vítimas”, diz a revista Época (Edição de 17/10/11):

“Por maior que seja a indignação causada por suas palavras, a li-berdade de expressão inclui o direito de dizer asneiras.”

Aquele que faz mal uso da liberdade de expressão acaba pagando um alto preço, seja ao ser punido pelo Poder Judiciário, seja por ser condenado pela opi-nião pública que o repudia ou o relega ao esquecimento.

No que tange ao que por equívoco se denomina censura posterior ao fato, ela é na realidade uma pena imposta pelo Poder Judiciário ao veículo que comprova-damente deu guarida a uma notícia falsa ou agravante. A pena (e não censura) é aplicada para que o veículo não reitere o agravo, como muito bem sustenta o meu companheiro Marco Antonio que é um estudioso desse tema e desenvolve uma tese à qual me incorporo. Proibir a divulgação de uma notícia é censura prévia, o que é inconstitucional. Não há hipótese de ser admitida. Reparar um agravo come-tido por um veículo de comunicação é uma penalidade – e não censura – que, se razoável, merece ser acolhida pelo nosso sistema democrático de direito. Repõe o equilíbrio relativo entre a liberdade de expressão e os direitos individuais.

Mais do que nunca, ao se ampliar a área de investigação, os veículos precisam ter consciência da necessidade de serem céticos e críticos, mas não caóticos. A busca da verdade é um princípio a ser permanentemente cultivado. Penso que o papel ampliado que circunstancialmente a mídia está exercendo faz com que ela multiplique sua responsabilidade e zelo quanto ao que venha a divulgar.

A Lei de Imprensa caiu recentemente perante o Supremo Tribunal Federal. Ela legislava detalhadamente sobre o direito de resposta. Nesse vácuo legal res-tou o mandamento genérico constitucional (inciso IV do art. 5º da CF) que assegura o “direito de resposta proporcional ao agravo”.

Livro 1.indb 21 07/12/2011 09:47:30

Page 11: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

22

Considero que o adequado exercício do direito de resposta é parte integran-te do conjunto liberdade de expressão/não censura/direito de resposta. Na mi-nha opinião, via de regra , os veículos de comunicação não tratam com o devido respeito o direito de resposta. Se por um lado a Constituição Federal foi sábia ao dizer que a resposta deve ser proporcional (e não igual) ao agravo, por outro lado ele não deve ser menosprezado pela mídia. Uma matéria de capa de um jornal não precisa receber outra matéria de capa com o mesmo destaque, o que nem sempre é jornalístico. Mas, também, a retificação não pode se circunscrever a duas linhas nas “cartas do leitor”. São equívocos que a mídia comete na preten-sa defesa de sua inviolável liberdade de imprensa. Cabe, ainda, considerar que o direito de resposta quando reconhecido pelo veículo ou quando imposto pelo Judiciário tem que ser cumprido com presteza. Uma resposta velha e deslocada no tempo não conforta o agravado e pode até mesmo ampliar o agravo pela re-memorização do fato.

Resumindo, defendo a liberdade de expressão a mais ampla possível, levan-do em conta os outros direitos fundamentais das pessoas e instituições. Na dúvi-da, o direito à informação deve prevalecer sobre os direitos individuais, porque o interesse público se sobrepõe ao privado. A censura prévia que, a rigor, é a única censura, por ser claramente inconstitucional, não pode ser admitida em nenhuma hipótese. E o direito de resposta precisa ser valorizado pelos veículos de comunicação no que tange à tempestividade, alcance e dimensão desse recur-so reparador. A arrogância pontual da mídia, ao se considerar infalível e dona da verdade, merece uma reflexão madura, pois não contribui para o fortalecimento do princípio da livre manifestação do pensamento em nosso país.

Saudemos a liberdade de expressão que nos envolve, sem censura prévia e adornada dos atributos da verdade, responsabilidade e independência.

Livro 1.indb 22 07/12/2011 09:47:30

Page 12: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

FERNANDO ERNESTO CORRÊA

Advogado, administrador de empresas e jornalista. Sócio

e membro do Conselho de Acionistas do Grupo RBS. Foi

presidente da AGERT – Associação Gaúcha de Emissoras

de Rádio e Televisão, vice-presidente da ABERT –

Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão e

vice-presidente da ANJ – Associação Nacional de Jornais.

Page 13: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

23

Prescrição e decadência tributáriasJoão Armando Bezerra Campos

Costumo adotar o conceito de Pontes de Miranda sobre prescrição, por considerá-lo o mais completo. Dizia aquele eminente jurista que (Tratado de Direito Privado, Parte Geral, tomo VI, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1983, 4ª edição, pág.100) prescrição “é a exceção que alguém tem contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação”. A prescrição pressupõe, portanto, pretensão ou ação eficacizada, inércia do titular, fluência do prazo e ausência de causa com eficácia neutralizante (im-peditiva, suspensiva ou interruptiva).

Para perfeita compreensão do conceito, há necessidade da exposição de três outros institutos: o da exceção, o da pretensão e o da ação. Pretensão, também no dizer de Pontes, é a posição subjetiva de exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa. A exigência premível corresponde ao dever. A ação surge quando a pretensão ou o direito mesmo exercido não é satisfeito e o titular age. Esta ação exerce-se, principalmente, por meio da “ação” (remédio jurídico pro-cessual), isto é, pela dedução de pretensão à tutela jurídica estatal. A exceção é contradireito, de natureza declarativa, que encobre, no plano da eficácia, outro, a pretensão, a ação, ou exceção, a que se opõe. É direito de recusa à prestação ou ao exercício do direito. A prescrição não atinge, de regra, somente a ação, atinge a pretensão, cobrindo a sua eficácia e, pois, o direito, quer quanto à sua ação, quer quanto ao seu exercício. Assim, pelo acolhimento da exceção de prescrição, o

Livro 1.indb 23 07/12/2011 09:47:30

Page 14: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

24

direito tem prescrita a pretensão (ou a ação) que dele se irradiava; o direito não se encobre por exceção de prescrição.

A prescrição ocorre quando o seu suporte fático se compõe. São seus pressu-postos de existência: a) a possibilidade da pretensão ou ação; b) a prescrição da pretensão ou da ação; e c) o tempus (transcurso do prazo prescricional) e o vazio do exercício pelo titular da pretensão ou da ação.

Pontes de Miranda definia decadência como forma de preclusão. Dizia que preclui o que deixa de estar incluído no mundo jurídico. Preclusão é extinção de efeito – de efeito dos fatos jurídicos, de efeitos jurídicos (direito, pretensão, ação, exceção, “ação” em sentido de direito processual). O direito cai, não decai. Assim, nos prazos preclusivos, ditos decadenciais, o que importa é o tempo, in-dependentemente de qualquer ligação subjetiva. Todavia, a doutrina tradicional distingue decadência e preclusão. Maria Helena Diniz define a decadência como a extinção do direito pela inação de seu titular que deixa escoar o prazo legal ou voluntariamente fixado para seu exercício. Segundo Riccio se constitui no decurso infrutuoso de seu termo. Para Chiovenda, preclusão consistia na perda de uma faculdade processual por se haverem tocado os extremos fixados pela lei para o exercício dessa faculdade no processo ou numa fase do processo.

O termo prescrição teve origem no vocábulo latino praescriptio, derivado do verbo praescribere, formado de prae e scribere, significando “escrever antes” ou “escrever no começo”.

No Direito romano pré-clássico, todas as legis actiones eram perpétuas. Com sua extinção, decorrente do exagerado formalismo das praxes, surgiu o processo formulário. Assim, como ocorria no sistema anterior, a instância se dividia em duas fases sucessivas: a in iure (perante o magistrado) e a apud iudicium (frente ao juiz popular). Revestia-se de menos formalidade e mais celeridade; a fórmula era escrita; o magistrado tinha maior atuação e a condenação era exclusivamente pecuniária. A fórmula era um esquema abstrato previsto no Édito dos Magistra-dos, que servia de modelo ao iudicium, documento escrito que fixava o objeto da demanda para julgamento pelo juiz popular.

A fórmula, segundo Gaio (Institutas, IV, 39), continha partes principais e acessórias. As partes principais diziam respeito à pretensão apresentada pelo autor; a intentio (pretensão), a demonstratio (para pretensões incertas), a conde-mnatio (poder dado ao juiz popular de condenar ou absolver o réu) e a adiudica-tio (poder dado ao juiz popular de adjudicar a coisa a algum dos litigantes). As partes acessórias eram aquelas que eram inseridas na fórmula a pedido de uma das partes, quando ocorressem determinadas circunstâncias. Uma delas era a praescriptio, que era escrita no começo da fórmula, antes da demonstratio e da intentio. As praescriptiones podiam ser a favor do autor (pro actore) ou do réu

Livro 1.indb 24 07/12/2011 09:47:31

Page 15: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

25

(pro reo). A praescriptio pro actore ocorria nas hipóteses de limitação do pedido nas relações jurídicas de prestação sucessiva e em uma hipótese assemelhada ao moderno chamamento ao processo. Já a praescriptio pro reo inseria na fórmula o julgamento de uma questão prejudicial.

Com o tempo as praescriptiones pro reo caíram em desuso, sendo substituídas pelas exceptiones (exceção). A exceptio era parte acessória da fórmula pela qual o réu, invocando direito próprio ou determinada circunstância, afastava o direito do autor. Era uma cláusula condicional negativa colocada após a intentio. Se o réu não pedia a inclusão da exceptio na fórmula, não poderia alegar o fato perante o juiz popular. As exceptiones podiam ser perpétuas (peremptórias) ou temporá-rias (dilatórias), rei cohaerentes (invocáveis por qualquer interessado) ou perso-nal cohaerentes (invocáveis apenas por certas pessoas).

Somente em 424 d.C., no Império Romano do Oriente, surgiu a prescrição com os contornos da sua atual noção, quando Teodosiano II estabeleceu que as ações perpétuas (as temporárias permaneceram observando aos preceitos ante-riores) se extinguiriam em 30 anos, dispondo o réu da exceptio longi temporis ou longi temporis praescriptio.

Foi neste período, no Direito romano pós-clássico, que a Escola do Oriente, pela primeira vez, tratava da questão dos efeitos da prescrição. Alguns sustenta-vam que, prescrita a ação pessoal, a obrigação se transmutava em natural, não podendo o credor exigir o crédito através da actio, mas alegá-la através de excep-tio, que era imprescritível. A maioria, entretanto, reconhecia que, com a prescri-ção, também ocorria a extinção do direito.

Decadência origina-se do verbo latino cadere, composto do prefixo de (de cima de) e do sufixo entia (ação em estado) designando a ação de decair ou o estado daquilo que caiu.

A controvérsia surgida no Direito romano sobre as distinções entre prescri-ção e decadência permanece até hoje, sugerindo a doutrina, ao longo dos anos, diversos critérios para diferenciá-las.

Assim, por exemplo, Planiol defendeu critério calcado na limitação temporal do direito, denominando a decadência de delai préfix. Windscheid estabeleceu critério baseado na inação do titular, conduzindo à prescrição da actio e, portan-to, à extinção da pretensão e, como consequência, da obrigação, em oposição a Kelsen para quem o prazo de prescrição extingue o próprio direito. Modina propôs critério calcado na apreciação dos caracteres intrínsecos e extrínsecos do direito ou da relação jurídica atingida. Pugliese adotava critério baseado na natureza do direito e do modo de sua aquisição.

No Direito brasileiro o critério dominante estabelece que o elemento de distinção entre os dois institutos está no campo de incidência de cada um: a

Livro 1.indb 25 07/12/2011 09:47:31

Page 16: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

26

prescrição atinge diretamente a ação e, por via indireta, faz desaparecer o direito por ela tutelado; a decadência, ao inverso, atinge diretamente o direito e, por via indireta, extingue a ação.

A maior crítica a esta distinção reside no fato de que busca nos efeitos o cri-tério distintivo, o que, na prática, torna extremamente difícil a verificação de uma ou outra hipótese, pois nas duas a situação fática consequente se assemelha.

Câmara Leal adotava critério segundo a origem da ação. Esclarecia aquele doutrinador que é de decadência o prazo estabelecido pela lei ou pela vontade unilateral ou bilateral quando prefixado ao exercício do direito pelo seu titular. E será de prescrição quando fixado, não para o exercício do direito, mas para o exercício da ação que o protege. Quando, porém, o direito deve ser exercido por meio de ação, originando-se ambos do mesmo fato, de modo que o exercício da ação representa o próprio exercício do direito, o prazo estabelecido para a ação deve ser tido como prefixado ao exercício do direito, sendo, portanto, de deca-dência, embora aparentemente se afigure de prescrição.

Do ponto de vista prático, portanto, para se saber se um prazo estatuído para a ação é de decadência ou prescrição basta indagar-se se a ação constitui, em si, o exercício do direito, que lhe serve de fundamento, ou se tem por fim proteger um direito, cujo exercício é distinto do exercício da ação. No primeiro caso, é extintivo de direito e o seu decurso produz a decadência; e, no segundo caso, o prazo é extintivo da ação e o seu decurso produz a prescrição. Não é, todavia, um critério científico, mas, como admitia o próprio Câmara Leal, uma “discrimina-ção prática do prazo”.

Outro critério bastante difundido na nossa doutrina, principalmente por Agnelo Amorim Filho e Christiano Almeida do Valle, é aquele baseado na clas-sificação dos direitos individuais estabelecida por Chiovenda: direitos a uma prestação, que prescreveriam; e direitos potestativos (direitos tendentes à mo-dificação do estado jurídico existente), que decairiam.

Pereira Braga apresentou um critério prático de distinção entre os institu-tos a partir de suas diferenças quanto ao objeto, direito, ação, exercício da ação, consequências e efeitos. Existe, ainda, o critério distintivo sob a forma de espe-cificação legislativa.

A doutrina tributária brasileira controverte, há quatro décadas, sobre os ins-titutos da decadência e prescrição no Código Tributário Nacional.

Para Fábio Fanucchi, a partir da doutrina de Ernst Blumenstein, o lançamen-to representava um marco básico, antes do qual só se poderia falar de decadên-cia, e, depois do qual, só entraria em cogitação a prescrição.

Em 1975, Aurélio Pitanga Seixas Filho sustentou que, adotado o critério ba-seado na classificação dos direitos individuais estabelecida por Chiovenda, não

Livro 1.indb 26 07/12/2011 09:47:31

Page 17: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

27

seria decadencial o prazo estabelecido no artigo 173 do Código Tributário Na-cional, pois o direito da Fazenda lançar não é um direito potestativo.

Já em 1980, Carlos da Rocha Guimarães, em seu livro “Prescrição e Decadên-cia”, defendeu que, do exame do Código Tributário Nacional, se conclui pela ina-dequação da decadência à obrigação tributária, devendo suas normas serem sem-pre adaptadas aos princípios que regem a prescrição, salvo exceção legal específica.

Bernardo Ribeiro de Moraes diz que, antes da constituição do crédito tri-butário, o que existe é decadência, e, após, cogita-se, apenas, de prescrição, que, além de extinguir a ação para a cobrança do crédito tributário, atinge também o próprio direito protegido pela ação, isto é, atinge o crédito tributário.

Sacha Calmon Navarro Coelho sustenta que, no Direito Tributário pátrio, a teor do Código Tributário Nacional, tanto a decadência quanto a prescrição extinguem o crédito tributário.

Não é outro o ensinamento de Leandro Paulsen ao afirmar que, por força do artigo 156, inciso V, do Código Tributário Nacional, a prescrição atinge não ape-nas a ação, como o próprio direito material, eis que extingue o crédito tributário.

Roque Joaquim Volkweiss, por igual, alerta que a decadência e a prescrição não representavam, no Direito Tributário, apenas a perda ou a extinção, respec-tivamente, do direito de lançar um crédito e de cobrar judicialmente um crédito já lançado, mas a extinção do próprio crédito.

Carlos Roberto Canibal, em sua obra “Estudos de Direito Constitucional Tributário e Processo Civil”, sustenta que o prazo previsto no artigo 174 do Có-digo Tributário Nacional, dito prescricional, não o é, pois o que se extingue é o próprio direito e não a ação que o assegura.

Rubens Gomes de Sousa dizia que a prescrição é o desaparecimento de um direito pelo decurso de um certo período de tempo, fixado em lei, sem que este direito tenha sido exercido. Seriam suas espécies: a caducidade e a prescrição propriamente dita. Caducidade, também chamada de decadência, seria o desa-parecimento do próprio direito, pelo fato de não ser exercido dentro do prazo da lei; prescrição propriamente dita é o desaparecimento da ação que possa ser proposta no prazo da lei, muito embora o próprio direito continue a existir. E concluía, afirmando que as consequências práticas de caducidade e prescrição são iguais, a saber, o desaparecimento ou a inutilidade do direito do credor.

Ensinava que, no Direito Tributário, a prescrição apresentava-se sob suas duas figuras. Surgindo a obrigação tributária da ocorrência do fato gerador, des-de então teria o fisco o direito de efetuar o lançamento; se o lançamento, entre-tanto, não é efetuado no prazo previsto em lei, aquele direito desaparece ou se extingue: trata-se, portanto, de um caso de caducidade. Mas se o fisco efetua, dentro do prazo, o lançamento, inicia-se a fluência do prazo dentro do qual o

Livro 1.indb 27 07/12/2011 09:47:31

Page 18: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

28

tributo pode ser cobrado. Se o fisco não promove a cobrança dentro deste prazo, a obrigação propriamente dita não desaparece, mas extingue-se o direito de co-brar o crédito: trata-se, agora, de hipótese de prescrição.

O seu anteprojeto de Código Tributário não fazia distinção entre os institu-tos, mencionando, sempre, aquilo que considerava o gênero prescrição (artigos 184 e 212 a 216). O anteprojeto foi alterado no Congresso dando origem ao Código Tributário Nacional.

O Código Tributário Nacional, no inciso V do seu artigo 156, estabelece que a prescrição e a decadência extinguem o crédito tributário. Já o artigo 173 dis-põe que o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos contados das hipóteses que especifica. O artigo 174 estatui que a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos conta-dos da data da sua constituição.

Entendo que as dificuldades de interpretação dos dispositivos do Código decorrem das tentativas de adaptação do anteprojeto à doutrina tradicional re-ferente aos dois institutos. Como referi, diversamente do que entendia Rubens Gomes de Sousa, decadência não é espécie do gênero prescrição. Se a prescrição encobre, no mundo jurídico, no plano da eficácia, direito, pretensão, ação ou exceção, a decadência exclui do mundo jurídico, extingue um daqueles efeitos jurídicos. Não é exato, por conseguinte, afirmar que suas consequências práticas são iguais.

O direito de efetuar o lançamento não se confunde com o direito ao crédito tributário e nem com a ação processual para cobrá-lo. Do direito do fisco de efetu-ar o lançamento tratou o artigo 173 do Código Tributário Nacional, dizendo que extingue-se, portanto, exclui-se do mundo jurídico o direito-efeito de lançar. Já o artigo 174 daquele diploma legal dispõe expressamente que prescreve a ação para cobrança do crédito tributário em cinco anos, portanto, contradireito, de natureza declarativa, que encobre, no plano da eficácia, a ação a que se opõe. Sua eficácia ipso iure, pela sua pronúncia de ofício, comum no direito público, não pode ser usada para desnaturá-la, aliás como já advertia Pontes de Miranda em seu “Tratado de Direito Privado”, ao tratar do nascimento da exceção de prescrição.

Assim, no meu ponto de vista, existem duas hipóteses legais, restando vazia a disposição do inciso V do artigo 156 do Código Tributário Nacional, em con-sonância com a melhor doutrina, pois, segundo ela, não há cogitar de prescrição ou decadência de direito a crédito.

Livro 1.indb 28 07/12/2011 09:47:31

Page 19: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

João ArmAndo Bezerra CAmposDesembargador aposentado, advogado.

Page 20: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

39

Aspectos práticos do contrato particular de promessa de compra e venda de bem imóvelAndré Difini Leite

Sumário: Introdução. 1. Princípios Contratuais. 2. Pro-messa de Compra e Venda. Conceito. 3. Principais Cláusu-las. 4. Escritura x Promessa x Cessão = Valor da Transação. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

ReSumoTem este artigo a finalidade de destacar questões importantes do contrato parti-cular de promessa de compra e venda no tocante à sua formalização jurídica. Ao mencionar os aspectos práticos a serem observados, visando a uma maior segu-rança jurídica nas transações imobiliárias, quer este artigo contribuir na efetiva prevenção de futuros conflitos judiciais.Palavras-chave: Promessa de Compra e Venda, Cláusulas, Aspectos Relevantes.

AbStraCtThe purpose of this article is to highlight important issues of the contract pro-mise of sale made in a private document, with respect to its legal formalization. Mentioning the practical aspects that has to be observed, leading to further legal certainty in real estate transactions, this article wants to contribute to the effec-tive prevention of future legal conflicts.

Livro 1.indb 39 07/12/2011 09:47:34

Page 21: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

40

Keywords: Promise of Sale, Clauses, Relevant Aspects.

Introdução

Nas transações imobiliárias, é o contrato de promessa de compra e venda, usualmente, o instrumento eleito para a formalização preliminar do negócio ju-rídico. Não raro, em virtude das estratégias comerciais adotadas pelas empresas voltadas à incorporação imobiliária e de intermediação, onde a emoção do clien-te é fator fundamental para a rapidez na concretização da venda de um imóvel, nos deparamos com disposições contratuais dúbias, complexas, frágeis e muitas vezes nulas, pondo em risco a segurança jurídica das partes contratantes.

Longe de pretender enfrentar esta temática com exaustão, até porque é vasta a doutrina que dela se ocupa, destacarei, neste artigo, questões eminentemente práticas no tocante à formação e execução deste tipo de contrato, uma das prin-cipais fontes das obrigações1, sem antes mencionar, à guisa de complementação, os princípios contratuais.

1. Princípios contratuais

A doutrina é rica e profunda na abordagem dos princípios norteadores do contrato. Elencaremos, aqui, os principais, haja vista o propósito prático destas linhas.

1.1 Função social

É o princípio magno dos contratos. A partir do Código Civil de 2002, este princípio materializou-se através do preceito2: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Não havia, no Có-digo de 1916, expresso esta norma, embora já bastante aplicado e estudado pela jurisprudência pátria. É a função do contrato, não só focado em garantir interes-

1 A doutrina, costumeiramente, aponta as seguintes fontes das obrigações: os contratos, as de-clarações unilaterais da vontade, os atos ilícitos e a lei. Aliás, esta é a fonte principal que comanda as demais. De modo didático, podemos também classificar as fontes das obrigações da seguinte maneira: a lei, a maior de todas, considerada como fonte única onde todas as demais se submetem; o comportamento humano lícito que pode ser unilateral (proposta de compra, por exemplo) e bilateral (contratos), e o comportamento humano ilícito, onde através de uma ação ou omissão voluntária, negligente ou imprudente, decorra a violação de um direito causando dano a outrem, obrigado se está a reparar.2 Código Civil, Art. 421.

Livro 1.indb 40 07/12/2011 09:47:34

Page 22: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

41

se privado, mas também e, principalmente, priorizando a incidência do interesse coletivo (social) ao particular propiciando, por consequência, uma maior segu-rança jurídica ao contrato e às partes.

Vale mencionar, aqui, os ensinamentos dos professores Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery3, ao comentarem o referido artigo:

“A função mais destacada do contrato é a de propiciar a circu-lação da riqueza, transferindo-a de um patrimônio para outro (Roppo, Il contratto, p.12 et seq.). Essa liberdade parcial de con-tratar, com objetivo de fazer circular riqueza, tem de cumprir sua função social, tão ou mais importante do que o aspecto econô-mico do contrato. Por isso fala-se em fins econômico-sociais do contrato como diretriz para sua existência, validade e eficácia. Como a função social é cláusula geral, o juiz poderá preencher os claros do que significa “função social”, com valores jurídicos, sociais, econômicos e morais. A solução será dada diante do que se apresentar, no caso concreto, ao juiz. Poderá reclamar a ine-xistência do contrato por falta de objeto; declarar sua nulidade por fraude à lei imperativa (CC 166 VI), porque a norma do CC 421 é de ordem pública (CC 2035 par.ún.); convalidar o contra-to anulável (CC 171 e 172); determinar a indenização da parte que desatendeu a função social do contrato etc. São múltiplas as possibilidades que se oferecem como soluções ao problema do desatendimento à cláusula geral da função social do contrato.”

Vê-se, pois, que o exercício do direito de contratar está condicionado aos fins sociais do contrato, implicando, por consequência, a prática de uma justiça mais distributiva que meramente retributiva.

1.2 Boa-fé e probidade

Estes princípios são os norteadores na formação do contrato e balizam a von-tade das partes em contratar. É a verdadeira intenção da parte ao contratar. É a ausência do interesse de uma parte em lesar a outra, obedecendo a um padrão de conduta segundo normas sociais preestabelecidas. Agir com honestidade e lealdade. O Código Civil de 2002 consagrou, expressamente, estes princípios ao dispor: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do con-

3 Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados. Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 181.

Livro 1.indb 41 07/12/2011 09:47:34

Page 23: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

42

trato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé4.” No dizer do professor Arnaldo Rizzardo5:

“A probidade envolve a justiça, o equilíbrio, a comutatividade das prestações, enquanto a boa-fé exige a transparência e clareza das cláusulas”. Prossegue, “Como já referia Orlando Gomes6 , o princípio da boa-fé diz respeito mais à interpretação: por ele se significa que o literal da linguagem não deve prevalecer sobre a intenção manifestada na declaração de vontade, ou dela inferível. Ademais, subentendem-se, no conteúdo do contrato, proposi-ções que decorrem na natureza das obrigações contraídas, ou se impõem por força de uso e da própria equidade.”

1.3 Justiça contratual

É o equilíbrio entre os direitos e obrigações das partes contratantes que em-basa este princípio. Deve haver a equivalência das prestações do contratante e contratado, do credor e devedor. O contrato não deve ser utilizado como uma ferramenta de exploração econômica.

Vários dispositivos legais encontramos no ordenamento jurídico que consa-gram este princípio. Sobre a resolução do contrato por onerosidade excessiva, assim determina o Código Civil7: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sen-tença que a decretar retroagirão à data da citação”. Na mesma esteira, a lei objeti-va refere-se sobre o enriquecimento sem causa, dizendo8: “Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários”. O Código Consumerista, ao dispor sobre a proteção do consumidor, elenca entre os seus direitos básicos9 “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações despropor-cionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessi-vamente onerosas”.

4 Código Civil, Art. 422.5 Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2004, página 33.6 ORLANDO GOMES, Apud Arnaldo Rizzardo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 33.7 Código Civil, Art. 478.8 Código Civil, Art. 884.9 Lei nº 8.078, de 11/09/1990, Art. 6º, inc. V.

Livro 1.indb 42 07/12/2011 09:47:34

Page 24: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

43

1.4 Autonomia da vontade

Com quem contratar, o que contratar, como contratar. A vontade humana criando direitos e obrigações. As partes decidindo seus ajustes, disciplinando as condições jurídicas e econômicas de seus negócios, utilizando-se dos contratos nominados relacionados no Código Civil e inominados.

No dizer do professor Silvio Rodrigues10, “o princípio da autonomia da von-tade consiste na prerrogativa conferida aos indivíduos de criarem relações na órbita do direito, desde que submetam às regras impostas pela lei e que seus fins coincidam com o interesse geral, ou não contradigam. Desse modo, qualquer pessoa capaz pode, pela manifestação de sua vontade, tendo objeto lícito, criar relações a que a lei empresta validade. Não estão as partes adstritas à escolha de determinado contrato nominal; antes, podem usar da liberdade que lhes reco-nhece a lei, para recorrer a um contrato atípico, ou para combinar várias espécies de contratos, a fim de regular o eventual conflito entre seus interesses”.

Dita liberdade para contratar, entretanto, está restrita à função social do con-trato, conforme exposto acima, onde são vedadas estipulações que violem a mo-ral, os bons costumes e a ordem pública.

1.5 Obrigatoriedade do contrato

Os contratos devem ser cumpridos, assim como a lei deve ser obedecida. Livre as partes para contratarem, obrigadas ficam naquilo que estipularam. Ficam obrigadas a respeitar as cláusulas jurídicas e econômicas que pactuaram. Na mesma medida que a ordem jurídica concede esta autonomia, ela mesma impõe o dever de cumprir o pactuado. Pacta sunt servanda, brocardo que muito bem traduz este princípio.

Pelo princípio da autonomia da vontade, ninguém é obrigado a contratar. A ordem jurídica concede a cada um a liberdade de contratar e definir os termos e objeto da avença. Os que o fizerem, porém, sendo o contrato válido e eficaz, de-vem cumpri-lo, não podendo se forrarem às suas consequências, a não ser com a anuência do outro contraente. Como foram as partes que escolheram os termos do ajuste e a ele se vincularam, não cabe ao juiz preocupar-se com a severidade das cláusulas aceitas, que não podem ser atacadas sob a invocação dos princípios de equidade. O princípio da força obrigatória do contrato significa, em essência, a irreversibilidade da palavra empenhada11.

10 Direito Civil. Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 15-16.11 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições, cit., v. III, p. 14-15, apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Contratos e Atos Unilaterais, v. III. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 28.

Livro 1.indb 43 07/12/2011 09:47:35

Page 25: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

44

1.6 Interpretação subjetiva

Nos contratos e demais negócios escritos, a análise do texto (interpretação objetiva) conduz, em regra, à descoberta da intenção dos pactuantes. Parte-se, portanto, da declaração escrita para se chegar à vontade dos contratantes (inter-pretação subjetiva), alvo principal da operação.

Quando, no entanto, determinada cláusula mostra-se obscura e passível de dúvida, alegando um dos contratantes que não representa com fidelidade a von-tade manifestada por ocasião da celebração da avença, e tal alegação está de-monstrada, deve-se considerar como verdadeira esta última, pois o art. 112 do Código Civil declara que nas “declarações de vontade se atenderá mais à inten-ção nelas consubstanciadas do que no sentido literal da linguagem”.

Parte-se da declaração, que é a forma de exteriorização da vontade, para se apurar a real intenção das partes. Esta deve, pois, ser considerada, não no senti-do do pensamento íntimo dos declarantes, pois não se buscam os seus motivos psicológicos, mas sim o sentido mais adequado a uma interpretação que leve em conta a boa-fé, o contexto e o fim econômico do negócio jurídico12.

É a verdadeira intenção das partes que deve preponderar sobre a interpreta-ção literal, objetiva.

1.7 Dirigismo contratual

Princípio limitador da autonomia da vontade. Também denominado princí-pio da supremacia da ordem pública ou regulamentação legal do contrato. O Es-tado intervindo nas regras dos contratos privados em virtude de razões sociais, morais e econômicas. Restringe o Estado a liberdade de contratar em prol de preservar a igualdade das partes, o equilíbrio econômico e jurídico das disposi-ções por elas estabelecidas. É o que se vê no contrato de locação, no contrato de trabalho e em tantos outros onde a intervenção estatal é fundamental.

Vale aqui uma referência ao ensinamento de Washington de Barros Montei-ro neste particular: “O natural limite, que fixa o campo da atividade individual, é estabelecido pelo segundo princípio, da supremacia da ordem pública, que pro-íbe estipulações contrárias à moral, à ordem pública e aos bons costumes, que não podem ser derrogados pelas partes.

Assim, não podem elas avençar taxa de juros superior a doze por cento ao ano (Dec. n. 22.626, de 7-4-1993, art.1º); não podem igualmente majorar alu-guel, salvo nos casos legais; não podem, outrossim, cominar cláusula penal de

12 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Contratos e Atos Unilaterais, v. III. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 41.

Livro 1.indb 44 07/12/2011 09:47:35

Page 26: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

45

valor excedente ao da obrigação principal (Cód. Civil de 2002, art. 412). Nesses e noutros casos excepcionais, inspirados pelo bem público, a vontade individual é deliberadamente cerceada. O Código de Defesa do Consumidor traz inúmeras hipóteses de cláusulas contratuais consideradas abusivas e, por isso, nulas de ple-no direito (Lei n. 8.078, de 11-9-1990, arts. 51, 52, §2º, 53).”13

2. Promessa de compra e venda. Conceito

A obrigação decorrente do Contrato de Promessa de Compra e Venda, ou também como é chamado Compromisso de Compra e Venda, é a de transferir a propriedade definitivamente mediante a celebração, no futuro, de outro contra-to, denominado Escritura Pública de Compra e Venda.

Nesse sentido, Silvio Rodrigues14:

“O compromisso de venda e compra, como contrato preli-minar que é, tem por objeto um contrato futuro de venda e compra. Assim sendo, pode ser definido como ajuste de vontades por meio do qual os contratantes prometem, reci-procamente, levar a efeito uma compra e venda.”

Pontes de Miranda15 assim o define:

“No caso de pluralidade subjetiva, se obrigam a concluir outro negócio jurídico, dito negócio principal, ou contrato principal.”

Podemos distinguir a Compra e Venda da Promessa de Compra e Venda dizendo que aquela é um contrato definitivo, cujo objeto é a transferência do domínio, enquanto esta é um contrato preliminar, onde o objeto é a compra e venda, é a promessa de contratar.

Antes da vigência do Código Civil de 2002, a Promessa de Compra e Ven-da era regulada por leis especiais: o Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, que dispõe sobre o loteamento e a venda de terrenos para o pagamento em prestações e a Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o

13 Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações, 2ª parte. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 10.14 Direito Civil. Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 171.15 Tratado de Direito Privado, vol. 13. Rio de Janeiro: Borsoi, 1977, p. 30.

Livro 1.indb 45 07/12/2011 09:47:35

Page 27: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

46

Parcelamento do Solo Urbano e dá outras Providências. Em síntese, aplicava-se para os imóveis loteados a Lei nº 6.766/79 e, para os imóveis não loteados, o Decreto-Lei nº 58/37.

Com o advento do Código Civil de 2002, expressamente, o legislador dis-ciplinou o instituto da Promessa de Compra e Venda no Livro III – Do Direito das Coisas –, Título IX – Do Direito do Promitente Comprador –, nos artigos 1.41716 e 1.41817.

Vê-se, aqui, a constituição de direito real do instrumento de promessa de compra e venda, devidamente inscrito no Ofício Imobiliário e sem cláusula de arrependimento. Aliás, já no artigo 1.22518 do mesmo diploma legal, o legislador elencou o direito do promitente comprador do imóvel como uma das fontes de direito real. Daí decorre a eficácia erga omnes dos direitos reais permitindo, ao ti-tular do bem, perseguir o respectivo objeto onde quer que este se encontre e fa-zer prevalecer o seu direito sobre outro, mesmo que anteriormente constituído, ou sobre outro direito real constituído posteriormente e com ele incompatível.

Para aquele instrumento particular de compromisso de compra e venda não levado a registro, somente efeitos obrigacionais dele decorrerão.

Vale lembrar questão que foi muito debatida na doutrina e jurisprudência a respeito da obrigatoriedade do registro da promessa para fins de adjudicação compulsória19. A Súmula 239, do Superior Tribunal de Justiça, bem encaminhou a solução, pacificando a matéria, afirmando que a adjudicação compulsória não se condiciona ao registro da promessa no cartório de imóveis.

Tema não menos importante que a adjudicação compulsória é a hipótese do não cumprimento do contrato pelo promitente comprador, independentemen-te de registro do contrato de promessa. Caso o promitente vendedor opte pela via da rescisão contratual cumulada com a reintegração de posse, sempre haverá a necessidade prévia de notificar judicialmente o promitente comprador para

16 “Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel”.17 Art. 1.418. “O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vende-dor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.”18 Código Civil, Art. 1.225. São direitos reais: ... VII – o direito do promitente comprador do imó-vel.19 Arnaldo Rizzardo conceitua adjudicação compulsória: “Ocorrendo a negação em honrar o ajuste, não permanece desprotegido o credor do título. O Estado deve socorrê-lo, como de fato acontece. Chamado a intervir, com sua autoridade impõe o cumprimento da obrigação, mediante uma sentença constitutiva, suprimindo a manifestação espontânea do consentimento do inadim-plente. Como o Estado se manifesta? Qual o caminho jurídico para fazer valer o direito da parte lesada? É a ação de adjudicação compulsória”. (Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2004, página 425-426).

Livro 1.indb 46 07/12/2011 09:47:36

Page 28: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

47

constituí-lo em mora. Entretanto, caso o caminho eleito seja o da execução do contrato, não há a necessidade de proceder referida notificação, pois a própria citação a suprirá. Por absoluta cautela, recomenda-se, mesmo nesta hipótese, tendo em vista alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça20, notificar-se judicialmente o promitente comprador inadimplente.

3. Principais cláusulas

Não raro depara-se com disposições contratuais extensas, dúbias, desneces-sárias e incompletas. Quer-se, neste item, de maneira sucinta e objetiva, focar os principais elementos que devem constar no instrumento particular de pro-messa de compra e venda a fim de gerar uma segurança jurídica entre as partes contratantes. Estas cláusulas, a seguir elencadas, vão materializar o contrato em si, daí a relevância de seus conteúdos, podendo ou não gerar, de per si, o negócio jurídico válido21. Passemos a analisá-las, obedecendo a uma lógica de inclusão e desenvolvimento do contrato.

3.1 Das partes

3.1.1 Promitente Vendedor: o nome, por extenso, e o de sua esposa ou compa-nheira22, qualificados pela nacionalidade, estado civil (se casado, data do casa-mento e o regime de bens adotado), profissão, residência e menção aos docu-mentos de identidade e CPF. Recomenda-se, caso o estado civil seja solteiro, incluir uma declaração que não vive em união estável.

3.1.2 Promitente Comprador: mencionar os mesmos dados acima.

3.1.3 Havendo representação por procurador, mencionar e indicar as procura-ções, lembrando que devem conter poderes especiais e expressos, e serem elabo-radas por instrumento público.

20 Resp. nº 576038/BA, 3ª Turma, DJ publ. em 06/11/2007, p. 168, Rel. Min. Castro Filho, Ementa: Contratos de Promessa de Compra e Venda regidos pela Lei nº 4.864/65 Execução – Prévia Constituição em Mora – Necessidade. Sem a prévia notificação para a constituição em mora do devedor, a execução carece de condição de procedibilidade, que não é suprida pela ci-tação.21 Código Civil, Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.22 Código Civil, Art.1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Livro 1.indb 47 07/12/2011 09:47:36

Page 29: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

48

3.1.4 Incluir Anuentes, quando titulares de direitos sobre a propriedade, na hi-pótese de cessão de direitos contratuais: mencionar os mesmos dados referidos no item 3.1.1 supra.

3.2 Do objeto do contrato

3.2.1 Descrever o imóvel conforme consta na matrícula respectiva do Registro de Imóveis, incluindo suas características, medidas, confrontações, metragem quadrada, benfeitorias e edificações. Mencionar o número da matrícula. Para não tornar a descrição extensa, sendo o objeto do contrato um apartamento ou uma loja, por exemplo, não há a necessidade de caracterizar também o terreno onde se assenta a construção, havendo esta obrigatoriedade somente no caso de casas ou, é claro, de terrenos objetos da promessa de compra e venda. A descri-ção perfeita do imóvel, além da análise, pelo registrador imobiliário, das outras cláusulas contratuais, permite o competente registro do instrumento no fólio real, atribuindo-lhe efeitos erga omnes.

3.2.2 Fazer referência à titularidade do imóvel, isto é, indicar o título de pro-priedade do Promitente Vendedor, sua matrícula imobiliária; caso o imóvel não esteja registrado em seu nome, deve-se esclarecer o histórico da origem, men-cionando ser o Promitente Vendedor, então Cedente, possuidor dos direitos contratuais (hipótese de cessão). Nesse caso, segundo já sublinhado no item 3.1.4 supra, impõe-se a participação no contrato do Anuente, titular da proprie-dade imobiliária, se comprometendo a outorgar a Escritura Definitiva de Com-pra e Venda ao Cessionário, tão logo seja autorizado pelo Cedente.

3.2.3 Mencionar se o imóvel encontra-se livre e desembaraçado de qualquer ônus23 e dívidas24. Caso houver, indicar o encaminhamento da solução.

3.2.4 Indicar as condições físicas do imóvel transacionado, informando se a pro-messa de compra e venda tem natureza ad mensurum25 ou ad corpus26.

23 Código Civil, Art. 502. O vendedor, salvo convenção em contrário, responde por todos os débi-tos que gravem a coisa até o momento da tradição.24 Código Civil, Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios25 Código Civil, Art. 500. Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.26 Código Civil, Art. 500, § 3º. Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às

Livro 1.indb 48 07/12/2011 09:47:36

Page 30: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

49

3.3 Do preço e forma de pagamento

3.3.1 Mencionar o preço total e, se parcelado, a forma de pagamento estabele-cendo, se houver, o índice de correção, na sua falta, seu substituto e juros.

3.3.2 Deve ser determinado ou determinável, podendo ser fixado em função de índices ou parâmetros27.

3.3.3 Admite-se sua fixação com base em moeda estrangeira; mas, nesta hipóte-se, o pagamento deve ser efetivado em moeda corrente nacional (reais).

3.3.4 Não pode ser vil, pois poderá caracterizar uma doação.

3.3.5 Não há necessidade da emissão de notas promissórias, já que o próprio contrato se constitui em título executivo extrajudicial28.

3.3.6 Parte do preço poderá ser pago com outros bens, na forma de dação em pa-gamento, devendo descrevê-los com suas características, atribuindo-lhe o valor no negócio jurídico em questão.

3.4 Do inadimplemento

3.4.1 Na hipótese de atraso no pagamento das prestações do preço, é de praxe fixar juro moratório de 1% (um por cento) ao mês, mais correção monetária baseada em índice eleito pelas partes contratantes e, ainda, mais uma multa mo-ratória de 2% (dois por cento), se for uma relação jurídica de consumo; caso contrário, poderá ser de 10% (dez por cento).

3.4.2 Estabelecer cláusula de vencimento antecipado das parcelas vincendas, evitando-se, assim, aguardar o vencimento de todas as prestações para fins de execução judicial.

3.5 Da posse

3.5.1 Fixar, de maneira clara, a data em que o promitente comprador será imiti-

suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.27 Código Civil, Art. 487. É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação.28 Código de Processo Civil, Art. 585, inc. II. São títulos executivos extrajudiciais: I – ... II – ... o documento particular assinado por duas testemunhas; ...

Livro 1.indb 49 07/12/2011 09:47:37

Page 31: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

50

do na posse, mencionando que, a partir daí, todas as despesas incidentes sobre o imóvel serão de única e exclusiva responsabilidade deste.

3.5.2 A posse que decorre do contrato de promessa de compra e venda é sempre justa, legítima, de boa-fé29. Logo, dizer que a posse é precária, como usualmente encontramos nos instrumentos contratuais, não coaduna com a melhor etimo-logia jurídica.

3.6 Da escritura

3.6.1 Mencionar que a Escritura Pública de Compra e Venda somente será ou-torgada, pelo Promitente Vendedor, após a quitação integral do preço, salvo a hipótese de inclusão de “cláusula resolutiva expressa30/31”, usualmente utilizada naquelas transações imobiliárias onde há a exigência, pelo Promitente Compra-dor, da outorga da Escritura pendente, ainda, a quitação do preço.

3.6.2 Conforme já mencionado no item supra 3.2.2, no caso de cessão de direi-tos contratuais e havendo a participação do Anuente proprietário, o que aqui se recomenda, cláusula regulando a outorga da Escritura é fundamental para a segurança jurídica das partes contratantes.

3.7 Das despesas

3.7.1 Inserir cláusula detalhando a responsabilidade de cada parte contratan-te no tocante às despesas decorrentes do contrato32, tais como, exemplificati-vamente, imposto de transmissão de bens imóveis, honorários de corretagem, emolumentos de Tabelionato e Registro de Imóveis, etc.

3.8 Da irretratabilidade

3.8.1 Declarar, no contrato, que o negócio jurídico celebrado é irretratável33, fa-

29 Código Civil, Art. 1.201, § único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.30 Código Civil, Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita, depende de interpelação judicial.31 Código Civil, Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.32 Código Civil, Art. 490. Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição.33 A Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766, de 19-12-1979) derrogou o Decreto-

Livro 1.indb 50 07/12/2011 09:47:37

Page 32: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

51

zendo-se menção à eventual exceção na hipótese de inadimplemento contratual originado por uma das partes, o que justificaria a ocorrência da resolução do pacto, com a incidência da cláusula penal a ser fixada.

3.9 Da resolução

3.9.1 Caso haja alguma hipótese de resolução prevista no contrato, mencioná-la, sem esquecer-se de excepcionar na cláusula da irretratabilidade (vide 3.8 supra).

3.9.2 Sobre a resolução contratual, assim preleciona o professor Arnaldo Rizzar-do34:

“Por resolução, apropriada para o caso de falta de cumprimento, de inadimplemento, sempre superveniente, ou ocorrendo depois da formação do contrato. Há a resolução voluntária, decorrente da deliberada vontade de não cumprir; a resolução involuntária, a qual está baseada na impossibilidade absoluta, sem culpa do devedor, como na abrupta mudança das circunstâncias objetivas existentes quando da efetivação do contrato, ou quebra da base objetiva do negócio, na ocorrência da onerosidade excessiva, na verificação de caso fortuito ou de força maior.”

3.10 Da cláusula penal

3.10.1 A necessidade de se regular uma cláusula penal decorre do inadimple-mento contratual. Ocorrendo o desfazimento do contrato, ela prefixa as perdas e danos nesta hipótese. Nada mais é do que a estipulação de uma multa moratória.

3.10.2 Embora haja divergência jurisprudencial no tocante ao percentual a ser retido do Promitente Comprador em face da resolução contratual, oscilando de 10% (dez por cento) a 20% (vinte por cento, no máximo), importante discrimi-nar, no contrato, os percentuais a serem descontados e a que título, por exemplo, publicidade, corretagem, administrativo/contrato, etc.

Lei nº 58/37, que hoje se aplica somente aos loteamentos rurais. O art. 25 da referida lei declara irretratáveis e irrevogáveis os compromissos de compra e venda de imóveis loteados. Qualquer cláusula de arrependimento, nesses contratos, ter-se-á, pois, por não escrita. Em se tratando de imóvel não loteado, lícito afigura-se convencionar o arrependimento, afastando-se, com isso, a constituição do direito real. Mas a jurisprudência não vem admitindo o exercício dessa faculdade se o cumprimento do compromisso já foi iniciado. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Contratos e Atos Unilaterais, v. III. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 142.34 Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 202.

Livro 1.indb 51 07/12/2011 09:47:37

Page 33: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

52

3.11 Do foro

3.11.1 Fixar o foro de eleição. Em regra, o foro é o da localização do imóvel obje-to do contrato. Entretanto, podem as partes, se assim desejarem, escolher outro, desde que não seja uma relação jurídica de consumo pois, neste caso, o foro será o do domicílio do autor35.

3.12 Local e data

3.12.1 Mencionar o local e a data do negócio.

3.13 Assinaturas de todas as partes contratantes, anuentes e testemunhas

3.13.1 Recomenda-se reconhecer as firmas, por autenticidade, a fim de firmar a data do contrato e afastar, de maneira absoluta, no futuro, eventual alegação de falsidade de assinatura.

3.13.2 Da mesma forma, reconhecer as firmas, por autenticidade, das testemu-nhas porque, a falta destas, retira a condição de título executivo extrajudicial do contrato36.

4. Escritura x Promessa x Cessão = valor da transação

Questão relevante que está sempre presente por ocasião da conclusão dos negócios jurídicos imobiliários é o de determinar o valor da transação para a em-presa incorporadora-construtora, então Promitente Vendedora; para o Promi-tente Comprador e para o Interveniente Anuente naquelas hipóteses de cessões intermediárias daqueles direitos contratuais. A solução correta para a fixação do valor é fundamental para fins contábeis e fiscais, tanto para as pessoas físicas,

35 Eleição de foro diverso daquele em que se acha domiciliado o consumidor. Mecanismo que dificulta a defesa do consumidor e lhe afronta direitos básicos (CDC 6.º VIII). Em tais circuns-tâncias, a cláusula de eleição de foro é abusiva. Não se trata, portanto, de declaração ex officio de incompetência relativa, coibida pelo sistema processual civil (STJ 33), mas de reconhecimento de nulidade absoluta de cláusula contratual abusiva, ex vi das regras do CDC, lei especial que se sobrepõe às regras gerais do CPC” (TJSP, Câm. Esp., CComp 31553-0, rel. Des. Luís de Mace-do, j.4.7.1996). No mesmo sentido: STJ, 2ª Seç., CComp. 19301-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j.11.11.1998, v.u., DJU 17.2.1999, p. 108.36 Código de Processo Civil, Art. 585, inc. II. São títulos executivos extrajudiciais: I – ... II – ... o documento particular assinado por duas testemunhas; ...

Livro 1.indb 52 07/12/2011 09:47:37

Page 34: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

53

como para as pessoas jurídicas, à luz da legislação do imposto de renda.Cumpre destacar, preliminarmente, que nos negócios jurídicos imobiliários,

para fins de imposto de renda, o registro público da transmissão do bem é des-necessário. Qualquer documento que formalize o negócio jurídico particular realizado entre as partes vale como prova da operação real efetuada. Portanto, a operação é considerada perfeita e acabada pela data do primeiro instrumento que evidencia a realização da transação.

Desnecessário aqui indicar, especificamente, a vasta legislação federal que regula a matéria tributária em questão, já que encontramos, nesta esfera, um número considerável de diplomas legais, tais como, leis, medidas provisórias, instruções normativas, atos declaratórios e interpretativos, regulamentos, decre-tos e portarias. Fugiria, com certeza, do escopo deste artigo em ser objetivo e didático, com foco nas questões principais do contrato de promessa de compra e venda.

Entretanto, para bem resumir o tema enfocado neste item, trazemos à cola-ção o parecer37 exarado pelo então Superintendente da Receita Federal na 10ª Região Fiscal, Luiz Jair Cardoso, que de forma precisa assim se pronunciou a respeito:

“No caso em tela, como relatado, houve diversas cessões de di-reitos imobiliários, sendo que o construtor/incorporador irá outorgar a escritura pública de compra e venda ao último ad-quirente/cessionário do imóvel, o qual não transacionara com o construtor/incorporador, mas com o cessionário/cedente anterior. Assim, para fins da legislação do Imposto de Renda, o valor a ser considerado na escritura pública de compra e venda é o valor correspondente à alienação originária (preço pelo qual o imóvel/direitos foi transacionado à época), entre o construtor/incorporador e o primeiro adquirente. Este, aliás, é o valor que deve constituir receita do construtor/incorporador (que, para efeito da legislação do Imposto de Renda, é pessoa jurídica/so-ciedade ou então se equipara à pessoa jurídica/empresa indivi-dual). Afigura-se-nos que a escritura, a fim de melhor espelhar a situação, deveria fazer a menção à transação originária, aos primi-tivos contratantes e à existência de cessões de direitos.Entretanto, para o último adquirente/cessionário do imóvel, o valor que irá constituir o preço de aquisição deste imóvel, para fins de Imposto de Renda, não é o valor constante da escritura

37 Ofício nº 01/618/SRRF/10ª RF emitido em 20/11/1998.

Livro 1.indb 53 07/12/2011 09:47:37

Page 35: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

54

pública neste caso (item 4) – na qual figura na condição de ou-torgado –, mas o valor pago ao cessionário/cedente anterior, de quem adquiriu o imóvel (aquisição de direitos).Assim, sob o prisma da legislação federal (Imposto sobre a Ren-da), o ciclo fecha-se. Será considerada receita do construtor/in-corporador o preço contratado na primeira transação. De outro lado, para o último adquirente/cessionário do imóvel, o custo de aquisição corresponderá ao preço efetivo da operação (aquisição de direitos) realizada com o cessionário/cedente anterior. Quan-to às demais cessões de direitos imobiliários, intermediárias, também são passíveis de tributação como ganhos de capital.”

Concluindo, podemos afirmar que, na outorga da escritura pública de com-pra e venda de imóvel, o valor constante na mesma deverá ser, sempre, o valor da transação do contrato de origem, inclusive sem os acréscimos de correção monetária e juros, ou seja, o valor do primeiro negócio jurídico ocorrido, des-considerando as demais cessões, forma e condições de pagamento.

Considerações finais

A promessa de contratos ou contrato preliminar, cujo objeto é a conclusão do contrato definitivo, deve conter, de forma expressa e segura, as cláusulas do contrato futuro para que não surjam dúvidas por ocasião da sua elaboração. De natureza autônoma, vincula as partes às obrigações que assumiram e só podem ser liberadas em decorrência das causas gerais da rescisão dos contratos.

Relevante instrumento particular utilizado nas transações imobiliárias, o contrato de promessa de compra e venda deve ser redigido utilizando-se da boa técnica jurídica, estabelecendo-se cláusulas claras e precisas que retratem, efeti-vamente, o negócio jurídico em curso, obedecendo, rigorosamente, aos princí-pios contratuais norteadores da sua validade jurídica38. Só assim, as partes con-tratantes terão a necessária segurança jurídica de expressar, formalmente, suas vontades a fim de que produza seus efeitos no mundo jurídico.

38 Código Civil, Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.

Livro 1.indb 54 07/12/2011 09:47:37

Page 36: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

55

Referências bibliográficas

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Contratos e Atos Unilate-rais, v. III. São Paulo: Saraiva, 2004.MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, vol. 13. Rio de Janeiro: Bor-soi, 1977.MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das Obriga-ções, 2ª parte. São Paulo: Saraiva, 2003. RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2004.RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Dos Contratos e das Declarações Unilaterais da Vontade. São Paulo: Saraiva, 2002.

Livro 1.indb 55 07/12/2011 09:47:38

Page 37: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

André difini LeiteAdvogado, coordenador da área do Direito Imobiliário da Campos Escritórios Associados.

Page 38: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

93

Considerações sobre o desenvolvimento dos direitos da personalidade e sua aplicação às relações de trabalhoFábio Siebeneichler de Andrade

Sumário: Introdução. 1. Evolução dos Direitos da Perso-nalidade: de Instrumento Pontual de Tutela para Meio de Proteção Geral dos Interesses da Esfera Pessoal. 2. Direitos da Personalidade e Relações do Trabalho. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

ReSumo O presente trabalho tem como objetivo o estudo dos Direitos da Personalida-de e possibilidade de aplicação no Direito do Trabalho. Inicialmente, tratou-se do desenvolvimento teórico dos Direitos da Personalidade. Após, analisou-se a possibilidade de aplicação dos Direitos da Personalidade e seus desdobramen-tos no âmbito das relações de trabalho. Palavras-chave: Direito da Personalidade, Relações de Trabalho, Direito do Tra-balho.

AbStraCtThis paper focuses on the study of personality rights and the possibility of its application in the sphere of the Brazilian Work Law. At first, a study of the de-velopment of the personality rights was carried out. After that, we analyse the

Livro 1.indb 93 07/12/2011 09:47:44

Page 39: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

94

application of personal rights in the sphere of work relations. Keywords: Personality Rights, Work Relations, Work Law, Employer, Employee.

Introdução

Constitui-se em tema fundamental da doutrina o desenvolvimento dos Di-reitos da Personalidade. Poucos são os assuntos de Direito Civil que, em curto espaço de tempo, tiveram uma trajetória tão fulgurante: relegados a uma tra-tativa tópica na codificação do final do século XIX, como no caso do BGB, ou mesmo ignorados pelo codificador, como no caso brasileiro, alcançaram o status de direito fundamental antes do final do século XX.

Nesse sentido, no Direito brasileiro os Direitos da Personalidade foram tra-tados, inicialmente, no art. 5º, X, da Constituição Federal de 1988. Na esfera do Direito Civil, coube ao Código Civil de 2002, nos artigos 11 a 21, introduzir uma tratativa acerca desta matéria.

A afirmação dos Direitos da Personalidade não se restringe, porém, à topo-grafia e ao seu status. Concebido como instrumento de tutela de interesses tó-picos da pessoa, a fim de impedir o ataque de outrem à esfera privada do indiví-duo, o Direito da Personalidade passa a ser utilizado também em outros campos, alcançando novas projeções, a fim de regular casos em que a pessoa relaciona-se com terceiros.

Um exemplo recente dessa circunstância constitui a vinculação existente en-tre os Direitos da Personalidade e o Direito do Trabalho. Sendo este um ramo social do Direito, cujos objetivos iniciais eram precipuamente a tutela dos inte-resses do trabalhador frente ao empregador, debate-se igualmente a necessidade de proteger a personalidade do empregado relativamente a novas práticas ado-tadas no mercado de trabalho.

No Direito brasileiro, não contempla a Consolidação das Leis do Trabalho, ou mesmo a legislação especial, um tratamento específico quanto à proteção da personalidade do empregado. Trata-se de situação que se distingue da de outros países, em que se legislou especificamente sobre esta matéria1 e que tem sua explicação no momento histórico em que se desenvolveu a disciplina do Direito do Trabalho na ordem jurídica nacional.

Em face de regra expressa no parágrafo único do artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, admite-se que o Direito comum seja fonte subsidiária do Direito do Trabalho no que não for incompatível com os seus princípios fundamentais.

1 É o caso do Direito italiano que, no denominado Statuto dei Diritti dei Lavoratori, de 1970, con-templa regras específicas sobre a dignidade e a liberdade do trabalhador.

Livro 1.indb 94 07/12/2011 09:47:44

Page 40: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

95

Por conseguinte, sendo o Direito Civil como um dos ramos admitidos como Direito Comum ao Direito do Trabalho, constitui-se em ponto relevante a aná-lise da aplicabilidade dos elementos da teoria dos Direitos da Personalidade, especialmente os elencados no Código Civil de 2002, às relações trabalhistas2.

No presente estudo, busca-se, portanto, primeiramente, pontuar os princi-pais momentos da evolução dos Direitos da Personalidade. Neste tópico, cum-pre examinar, especialmente, o desenvolvimento da temática dos Direitos da Personalidade, bem como apontar a relevância do reconhecimento de um Direi-to geral de personalidade no ordenamento nacional. Num segundo momento, analisa-se a relação dos Direitos da Personalidade relativamente a temas pontu-ais do Direito do Trabalho, em especial para verificar a pertinência do tratamen-to dado à tutela dos direitos específicos de personalidade no Direito brasileiro.

I) Evolução dos Direitos da Personalidade: de instrumento pontual de tutela para meio de proteção geral dos interesses da esfera pessoal

A) A construção de uma teoria dos Direitos da Personalidade

É possível estabelecer uma preocupação com a defesa de interesses relevan-tes da esfera pessoal já no Direito romano. A defesa da honra aparece como um exemplo relevante nesse sentido3.

Contudo, o espírito romano era avesso à elaboração de teorias4, razão pela qual, muito embora seja defendida a tese de que a teoria dos Direitos da Perso-nalidade remonte a autores do século XVI, como Donellus5, o certo é que, so-mente ao final do século XIX, foram estabelecidos, pela doutrina, os contornos dos Direitos da Personalidade6.

Paulatinamente, passou-se a defender a existência e autonomia desta figura,

2 Ver, por exemplo, Luiz Eduardo Gunther/Cristina Maria Navarro Zornig, O Direito da Persona-lidade do Novo Código Civil e o Direito do Trabalho, in: O Impacto do Novo Código Civil no Direito do Trabalho, p. 124 e segs., Ed. LTr, 2003.3 Cf. Tiziana Chiusi,.A Dimensão Abrangente do Direito Privado Romano. In: Direitos fundamen-tais e direito privado, p. 11, 25, Ed. Almedina, 2007.4 Ver, exemplificativamente, Tiziana Chiusi, A Dimensão Abrangente do Direito Privado Romano, p. 15, op. cit.5 Ver a respeito, Franz Mutzenbecher, Zur Lehre vom Persönchlichkeitsrecht, p. 15, 1909, Hamburg.6 Nesse sentido, ver James Q. Whitman, The Two Western Cultures of Privacy, The Yale Law Journal, 2004, p. 1171 et seq.; Hans Hattenhauer, Grundbegriffe des Bürgerlichen Rechts, p. 14, Beck Verlag, 2a ed., 2000; na doutrina nacional, ver Orlando Gomes, Revista Forense, 1966, v. 216, p. 5; Gustavo Tepedino, A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-Constitucional Brasileiro, In: Temas de Direito Civil, p. 23, ed. Renovar.

Livro 1.indb 95 07/12/2011 09:47:45

Page 41: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

96

definida como os direitos que tinham por objeto garantir o domínio sobre a pró-pria esfera pessoal7.

Em relação à sua natureza jurídica, os Direitos da Personalidade foram qualifica-dos como sendo direitos privados8, considerando-os como direitos subjetivos – ab-solutos –, que deveriam ser por todos reconhecidos e observados, conferindo ao seu titular poderes de proteção. Além disso, afirmava-se o seu caráter não patrimonial, reconhecendo-se, porém, que eles poderiam ter um conteúdo patrimonial9.

Ao mesmo tempo, declarava-se que, em princípio, os Direitos da Personalidade têm como característica a intransmissibilidade10. Aceitava-se, no entanto, que em al-guns casos tanto o exercício quanto a substância dos Direitos da Personalidade pode-riam ser objeto de transmissão11.

Acrescentava-se ainda que os Direitos da Personalidade consistiriam em um direi-to fundamental subjetivo, sobre o qual estariam fundados todos os direitos subjetivos e que em si abrigava todos os direitos12.

Entre as primeiras decisões a respeito do tema, encontra-se no Direito ale-mão um caso célebre, de 1899, envolvendo o chanceler Bismarck, cujo corpo foi fotografado no leito de morte, sem autorização, tendo sido proibida pelo Tribu-nal do Império a divulgação das fotografias feitas13. Vislumbra-se nesse exemplo o germe da afirmação de um dos Direitos da Personalidade, o direito à imagem da pessoa (Recht am einigem Bild).

Concomitantemente a esta decisão europeia, advogava-se na doutrina norte-americana o direito à privacidade, the right to privacy, em artigo célebre na literatura jurídica14, a fim de resguardar uma, então, considerada nova necessidade da pessoa: o direito de estar só15.

Se é possível reconhecer que, ao final do século XIX, a natureza jurídica essencial

7 Cf. Otto Gierke, Deutsches Privatrecht, Erster Band, p. 702, 1936, ed. Inalterada da 1ª ed., 1905.8 No original: “Die Persönlichkeitsrecht sind Privatrechte”, in Otto Gierke, Deutsches Privatrecht, p. 705, op. cit.9 Otto Gierke, Deutsches Privatrechte, p. 706, op. cit. No original: Die Persönlichkeitsrechte sind als solche keine Vermögensrechte. Sie können jedoch gleich den Rechten na anderer Persönli-chkeit (den Familienrechten, den Körperschftsrechts u.s.w) einen vermögensrechtlichen Inhalt aus sich entfalten oder in sich aufenhemen.10 Cf. Otto Gierke, Deutsches Privatrecht, p. 707, op. cit.11 Ver Otto Gierke, Deutsches Privatrecht, p. 707, op. cit12 Cf: Otto Gierke, Deutsches Privatrecht, p. 703, op. cit. No original: Es ist das einheitliche subjeti-ve Grudrecht, dass alle bensonderen subjektive Rechte fundamentirt um in sie alle hinreinreicht”.13 Cf. RGZ 45 (1900), p. 170-174.14 Samuel Warren/Louis Brandeis, The Right to Privacy, in Harvard Law Review, 1890, pg. 193 e segs.15 No original: “Recent inventions and business methods call attention to the next step which must be taken for the protection of the person, and for securit to the individual what Judge Cooley calls the right “to be let alone”.

Livro 1.indb 96 07/12/2011 09:47:45

Page 42: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

97

dos Direitos da Personalidade fora delineada, o debate em torno dos seus precisos contornos dogmáticos, porém, ainda não havia cessado plenamente, razão pela qual o Código Civil alemão, de 1900, somente instituiu a disciplina relativa ao nome da pessoa, abstendo-se de qualquer regulamentação geral.

Esta é igualmente a razão para a omissão do Código Civil brasileiro de 1916 em relação à matéria, pois, tendo sido o anteprojeto redigido por Bevilá-qua em 1899, a dogmática dos Direitos da Personalidade ainda não se encon-trava devidamente difundida.

Observa-se, portanto, que neste estágio se tem apenas uma tutela tópica dos Di-reitos da Personalidade, em que alguns aspectos são protegidos pela jurisprudência e pelo legislador. De modo que somente nas codificações do século XX, como servem de exemplo o Código Civil italiano de 1942 e o Código Civil português de 1966, hou-ve uma regulação estruturada e geral dos diversos Direitos da Personalidade.

Paralelamente a esta lenta evolução da teoria dos Direitos da Personalidade no Direito Civil, porém, configurou-se a extraordinária evolução do Direito Público no século XX, representado pelo fato de que a Constituição preocupa-se em dispor sobre temas originariamente pertencentes ao Direito Privado. O objetivo da Constituição deixa de ser, única e exclusivamente, o de estabelecer o Estado de Direito e limitar o poder político e passa a ser o de estabelecer a moldura da atividade dos indivíduos. Ela se transforma seja em centro de direção para a legislação ordinária, como em lei fundamental do Direito Privado – e dos demais ramos do Direito. Trata-se de um fenômeno tão relevante, que a ele se atribui o título de publicização do privado. Surge, assim, uma crescente interação da esfera pública com o setor privado, que origina, no Direito Privado, uma profunda modificação em relação ao ideário existente no século XIX. Estabelece-se, em suma, entre estas duas áreas uma tensão dialética, que conduz à noção de constante inter-relação entre os dois grandes setores do Direito16. Emble-maticamente, faz-se menção à problemática da constitucionalização do Direito Civil e de seu reverso, a civilização do Direito Constitucional17.

O tema dos Direitos da Personalidade serve como expressiva ilustração para esta inter-relação entre as esferas da Constituição e da Codificação, pois ao longo do sé-culo XX passa a ser ele objeto de tutela constitucional. Emblemática quanto ao novo patamar dos Direitos de Personalidade é a Constituição alemã de 1949, que dispõe, no seu artigo 2, § 1, sobre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade (freie

16 Alguns autores propugnaram que se abandonasse a distinção entre Direito Público e Direito Privado em favor de um direito comum (Cf. Martin Bullinger, Derecho Público y Privado, p. 120-171, Madrid, 1976). L. Raiser, por sua vez, defendeu que o grau de publicidade ou privacidade, seria fundamental para determinar se uma figura pertenceria a um destes dois ramos do Direito. Cf. Die Aufgabe des Privatrechts, p. 223, 1977.17 Cf. J.J. Gomes Canotilho, Civilização do Direito Constitucional ou Constitucionalização do Direito Civil, In: Estudos em homenagem a Paulo Bonavides, p. 108, 113, ed. Malheiros, 2001.

Livro 1.indb 97 07/12/2011 09:47:45

Page 43: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

98

Entfaltung der Persönlichkeit)18. De forma ainda mais significativa, a Constituição ale-mã expressamente positiva a dignidade humana (Menschenwürde) como direito fundamental no artigo 1º, § 1º19 .

Ainda na vigência do Código Civil de 1916, a matéria dos Direitos da Perso-nalidade tinha sido versada pela doutrina brasileira20, e havia sido objeto de trata-mento pelo Anteprojeto de Código Civil de 1963, elaborado pelo professor Or-lando Gomes. No entanto, a positivação dos Direitos da Personalidade no Direito brasileiro deu-se somente mediante a Constituição de 1988. Em seu artigo 5º, inciso X, faz-se clara menção à inviolabilidade de determinados direitos da perso-nalidade21. O artigo 1º, inciso III, por sua vez, fixa a dignidade da pessoa humana entre os fundamentos da República.

Mesmo em face da positivação dos Direitos da Personalidade pela Constituição de 1988, ainda faltava uma regulação quanto à matéria no plano infraconstitucional, tendo em vista que os preceitos constitucionais não estabeleciam uma disciplina de-talhada acerca do assunto.

O Código Civil de 2002 estabelece uma disciplina da matéria, nos já indicados artigos 11 a 21. Cumpre, assim, verificar até que ponto ela estabelece um regramento acerca da existência de um direito geral da personalidade, bem como, a seguir, da sufi-ciência de seus dispositivos para a regulação das relações de trabalho.

B) A afirmação de um direito geral de personalidade

Entre as principais questões deixadas em aberto pelo Código Civil de 2002, quanto à disciplina dos Direitos da Personalidade, está a de que o artigo 1222 não contém preceito expresso acerca da existência de um Direito geral da Personali-dade23, isto é, acerca da existência de um complexo de interesses relativo à esfera

18 Cf. Konrad Hesse, Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, p. 183, 20a ed.1995.19 Segundo a jurisprudência alemã (BverfG 32, 98/108), a dignidade da pessoa humana consti-tui-se no mais alto valor da Constituição alemã (obersten Wert des Grundgesetzes). Ver a respeito, Gerrit Manssen, Grundrechte, p. 48, Beck, 2000.20 Exemplificativamente, ver Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, vol. 7, ed. Borsoi, 1955; Orlando Gomes, Direitos da Personalidade, Revista Forense, v. 216, 1966, p. 5; Milton Fer-nandes, Os Direitos da Personalidade, In: Estudos jurídicos em homenagem ao Prof. Caio Mário da Silva Pereira, p. 131, Forense, 1984.21 Artigo 5º, X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.22 “Art. 12 – Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.23 No Direito alemão, em que o BGB não contém na parte geral capítulo expresso sobre os Direi-tos da Personalidade, a ideia de um direito geral de personalidade desenvolveu-se precisamente para cumprir esta função ampliativa de tutela dos direitos da personalidade. Ela repousa sobre

Livro 1.indb 98 07/12/2011 09:47:45

Page 44: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

99

pessoal, que é merecedor de proteção, quando se verificar a incidência dos pressu-postos estabelecidos pelo ordenamento24.

Trata-se de orientação percebida, por exemplo, no Código Civil português, em seu artigo 7025, que claramente faz menção à existência de uma tutela geral da personalidade26.

No Direito francês, inseriu-se no Código Civil, no artigo 16, regra específica acer-ca da primazia da pessoa e da tutela de sua dignidade27, de um lado inserindo no âmbi-to do Direito Civil a possibilidade de invocação do tema da valoração da pessoa e, de outro, fixando a noção de que o tema da dignidade também concerne ao Direito Civil.

Na doutrina brasileira, há quem considere desnecessária esta solução, em face do reconhecimento no Direito brasileiro da dignidade humana, previsto no artigo 1º da Constituição Federal28. Com efeito, decorridos vinte anos de vigência da Lei maior, poucos temas encontraram tamanha ressonância no Direito brasileiro como o do princípio da dignidade da pessoa humana, traduzido como o reconhecimento do va-lor da pessoa, e de sua eficácia na esfera infraconstitucional29.

Contudo, cumpre ponderar que a adoção de um preceito claro no Código Civil acerca da proteção ao Direito Geral da Personalidade poderia servir, em primeiro lugar, de elemento expresso de conexão relativamente ao princípio da dignidade humana. Além disso, tornaria ainda mais efetiva a proteção dos Direi-tos da Personalidade, na medida em que salientaria a existência de uma cláusula geral de tutela, coexistente com os eventuais direitos de personalidade específi-

dois fundamentos: de um lado, na própria Lei Fundamental de 1949, que nos artigos 1º e 2º dis-põe sobre o direito à dignidade humana (Recht des Einzelnen auf Achtung seiner Menchenwür-de) acerca do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (Recht des Einzelnen auf Entfal-tung seiner individuellen Persönlichkeit. De outro, a jurisprudência alemã reputa os direitos da personalidade como direito especial (sonstiges Recht), a fim de vinculá-los ao § 823 I do BGB – que considera ato ilícito a lesão a direito especial. Cf. Jauernig, BGB – Bürgerliches Gesetzbuch Kommentar, p. 1031, Beck Verlag, 10a ed., 2003; D. Schwab, Einführung in das Zivilrecht, p. 130, Müller Verlag, 2002.24 Nesse sentido, ver Dieter Schwab, Einführung in das Zivilrecht, p. 136, n. 296, 15ª Ed., Müller Verlag., 2002.25 “Artigo 70 – Tutela Geral da Personalidade.1: A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personali-dade física ou moral”.26 Para um exame dos benefícios da noção de um direito geral de personalidade, ver Paulo Mota Pinto, O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Studia Juridica, 40, 1999, p. 171. Cf. também, António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, parte geral, tomo III, pg. 80 e segs., Almedina, 2004.27 No original: “Art. 16. La loi assure la primauté de la personne, interdit toute atteinte à la dignité de celle-ci et garantit Le respect de l’être humain dês Le commencement de as vie”.28 Neste sentido, ver Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à pessoa humana, p. 117 et seq., ed. Renovar, 2003.29 A respeito, ver, por todos, Ingo W. Sarlet, Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais, p. 74, 79, e segs., 7ª ES, Ed Livraria do Advogado, 2009.

Livro 1.indb 99 07/12/2011 09:47:45

Page 45: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

100

cos e nominados. Não haveria, igualmente, qualquer dúvida no sentido de que o sistema de

tutela de direitos da personalidade no Direito brasileiro apresenta-se como nu-merus apertus e não numerus clausus, na medida em que a sistemática do Código Civil consistiu em regular, nos artigos 13 a 21, uma série de situações específicas, tais como o nome, a honra, a imagem e a privacidade.

Por outro lado, a existência de uma cláusula geral de Direitos da Personalida-de na esfera do Código Civil permitiria resguardar o princípio da dignidade hu-mana para situações efetivamente relevantes. No Direito alemão, muito embora já se tenha afirmado que o princípio da dignidade humana constitui-se em valor máximo do sistema, esta circunstância tem levado igualmente a considerar-se que a sua aplicação deva ser feita de forma restritiva30 .

A solução no sentido de reconhecer a existência de um Direito geral de Per-sonalidade no plano infraconstitucional – em especial no Código Civil –, por-tanto, não se apresenta como supérflua. Ela institui, na esfera do Direito Privado – o que inclui o ramo aqui tratado do Direito do Trabalho –, um instrumentário apto a tutelar de forma efetiva a personalidade humana em todas as suas poten-cialidades e relativamente a todos os seus eventuais modos futuros de expres-são31, o que em uma era dinâmica, de constantes mudanças e transformações, constitui-se em uma necessidade.

II) Direitos de Personalidade e relações do trabalho

A) O direito à honra

Em relação à honra, o Código Civil não contempla um artigo expresso. Faz menção indireta ao dano à honra, quando trata do direito à imagem no artigo 20, caput32. Melhor teria sido, porém, um tratamento distinto entre o direito à honra, considerado como o bom nome e a reputação da pessoa, e o direito à imagem, no sentido de abranger toda a série de caracterizações da pessoa.

Não se fez, além disso, uma distinção entre duas esferas do direito à honra,

30 Cf. Gerrit Manssen, Grundrechte, p. 49, op. cit.31 Nesse sentido, ver Paulo Mota Pinto, O direito ao livre desenvolvimento da personalidade, in Stu-dia Juridica, vol. 40, p. 171 et seq., op. cit. Sobre o tema ver Horst Ehmann, Das Allgemeine Persön-lichkeitsrecht, in 50 Jahre Bundesgerichtshof – Festgabe aus der Wissenschaft, p. 613, Beck, 2000.32 Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”.

Livro 1.indb 100 07/12/2011 09:47:46

Page 46: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

101

a subjetiva e a objetiva: esta, a que envolve a reputação da pessoa, sua respeita-bilidade no meio social. Aquela, a que se refere aos sentimentos da pessoa em relação ao seu bom nome, tendo em vista uma eventual lesão sofrida33.

Relativamente à honra e sua vinculação às relações do trabalho, tem-se pre-sente que a Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 483, alínea “e”, con-sidera hipótese de despedida indireta a conduta do empregador, ou seus pre-postos, que incidir em ato lesivo da honra ou da boa fama do trabalhador ou de pessoas de sua família.

Nesse campo, merece especial referência o tema do assédio moral, caracteri-zado pela adoção de condutas, pelo empregador, que, de várias formas, expõe o empregado a uma situação degradante ou humilhante34.

De forma específica, atenta-se para possíveis ações do empregador capazes de submeter o trabalhador a uma eventual perseguição ou posição de constrangimento, que possam ser reputadas como violadoras de sua reputação ou sentimentos pessoais.

Na doutrina, associou-se este tipo de conduta à expressão inglesa mobbing, para designar o tipo de situação em que o empregado é atacado, assediado ou agredido moral ou subjetivamente pelo empregador35.

Na relação de trabalho, não obstante a existência de natureza contratual do vínculo, pelo qual as partes podem concordar sobre pontes essenciais, não se pode desconhecer a existência de um caráter institucional, no qual predomina uma percepção hierarquizada da relação entre empregador e empregado, em que a empresa permanece como centro de poder36.

Há preocupação, porém, no sentido de estabelecer com precisão os contornos deste tipo de conduta, tendo em vista a possibilidade de gerar um grande número de processos judiciais, na medida em que, na atualidade, intensificam-se nas rela-ções de trabalho as pressões e cobranças de metas e objetivos a serem alcançados pelo empregado.

Aponta-se, por exemplo, a necessidade de que as condutas do empregador possuam certos requisitos, tais como a regularidade e a constância, a fim de se-

33 Um momento representativo do acolhimento desta distinção no Direito brasileiro foi a possi-bilidade de tutela dos Direitos da Personalidade da pessoa jurídica, estabelecida na Súmula 227, do Superior Tribunal de Justiça, bem como no artigo 52, do Código Civil.34 Sobre este tema, a doutrina é extensa. Ver por exemplo Márcia Novaes Guedes, Terror Psicoló-gico no Trabalho, p. 32, LTr, 2005; Rodolfo Pamplona Filho, Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego, in RTDC, vol. 28, 2006, p. 93 e segs.; Cláudio Armando Couce de Menezes, Assédio Moral e seus Efeitos Jurídicos, in Revista de Direito do Trabalho, 108, p. 193 e segs; Luiz Marcelo Figueiras de Góis, Assédio Moral: a nova ameaça à integridade do ambiente de trabalho, in Justiça do Trabalho, 287, p. 36 e segs.35 Ver, por exemplo, Marcia Novaes Guedes, Terror Psicológico no Trabalho, p. 32, op. Cit.36 Ver por exemplo Sandra Negri Cogo, Gestão de Pessoas e a Integridade Psicológica do Trabalha-dor, p. 116 e segs., p. 155, LTr, 2006.

Livro 1.indb 101 07/12/2011 09:47:46

Page 47: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

102

rem enquadradas como sendo assédio moral37, não se podendo configurar em uma situação isolada ou episódica.

Este tipo de circunstância vincula-se, necessariamente, ao exame do exercí-cio dos poderes diretivo e punitivo do empregador, que se encontram expressos nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.

A jurisprudência tem-se orientado no sentido de afastar algumas pretensões de caracterização de dano à honra, quando considera presente o uso legítimo dos direitos subjetivos do empregador. Nega-se, por exemplo, direito à indeniza-ção por dano moral pelo fato de ser declarada publicamente que em uma empre-sa ‘só ficam os melhores’.38 Não há, por igual, ofensa à honra do empregado no caso em que a empresa somente permite o acesso ao banheiro em duas pausas na jornada de trabalho, de 5 e 15 minutos, caracterizando-se esta conduta como uso regular do poder diretivo do empregador39.

A caracterização do assédio moral, com a devida lesão à honra do empregado, exige condutas que afligem efetivamente a sua reputação, ou são revestidas de cará-ter humilhante, como são os casos de perseguições desencadeadas pelo empregador, exemplificadas por um tratamento depreciativo, diferenciado em relação aos demais colegas40, marcadas por cobranças ofensivas e de extrema rispidez41.

Nesse particular, apesar da regulação existente na Consolidação das Leis do Trabalho acerca da possibilidade de despedida indireta, no citado artigo 483, alínea “e”, é preciso ter presente que, em muitos casos, o empregado não recorre

37 Márcia Novaes Guedes, Terror Psicológico no Trabalho, p. 35, op. cit.38 Cf. RR-7130/2002-900-09-00.8, Rel. Min. Dora Mara da Costa, 8ª Turma do TST.39 RR – 1419-2007-001-18-00.1, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, 7ª Turma do TST.40 Cf. o seguinte exemplo: “Restou devidamente comprovada a humilhação sofrida pelo autor, assim como as perseguições que passou a sofrer, decorrentes de seu desentendimento com o su-perintendente da empresa. Também restou demonstrada a publicidade dos atos da reclamada, em diversas ações que causaram humilhações ao autor perante os demais colegas. Desse modo, tem-se como correta a sentença enquanto condenou a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais ao autor” (RO 00625-2006-121-04-00-2, TRT – 4ª Região).41 Cf. “O assédio moral no trabalho é espécie do gênero dano moral, sendo também instituto conhecido como hostilização ou assédio psicológico no trabalho. Configura-se quando o em-pregado é exposto, pelo empregador-subordinante, a situações humilhantes e constrangedoras durante a jornada laboral, a provocarem no empregado-subordinado sentimento de humilhação, menosprezo e desvalorização. Na espécie, o trabalho exercido pelo reclamante era regido por me-tas, como costuma ser praxe no setor comercial. Compreende-se que uma empresa, necessitando de resultados para obter sucesso, procure motivar seus empregados, buscando deles extrair a sua máxima produtividade. Todavia, esta prática encontra limites na ordem jurídica, sendo o principal deles o respeito à dignidade do trabalhador. Na situação em apreço, a prova testemunhal indica tratamento com excessiva rispidez, acima dos limites razoáveis de exigência profissional. Tal situ-ação, por certo, causou ao autor desconforto moral, mormente porque os repudiáveis atos foram praticados perante os demais colegas”. (RO 00116-2007-010-04-00-9, Des. Ana Rosa Pereira Sa-grilo, j. 04.08.2008, TRT – 4ª Região.

Livro 1.indb 102 07/12/2011 09:47:46

Page 48: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

103

ao instrumento da despedida indireta42. De modo que se reiterar, quanto a este ponto, a invocação da conveniência de uma defendida tutela geral de personali-dade, com previsão no Código Civil, a fim de evitar o apelo direto ao princípio da dignidade humana. B) Direito à imagem e ao uso do nome

O direito à imagem é regulado pelo Código Civil no artigo 20. Em face da leitura do artigo 20, extrai-se que a utilização da imagem somente pode ocorrer se (a) houver o consentimento da pessoa interessada ou dos legitimados para o ato; (b) a exibição for necessária para a administração da justiça ou a manuten-ção da ordem pública.

Na mesma linha, o artigo 18 do Código dispõe que o nome de outra pessoa somente poderá ser utilizado em propaganda comercial mediante autorização.

Trata-se de dispositivos passíveis de aplicação ao Direito do Trabalho, na medida em que se verifica a possibilidade de utilização, pelo empregador, da imagem ou nome do empregado, ou mesmo, de situação inversa, em que o em-pregado se valha da do empregador43.

Em relação aos pressupostos estabelecidos pelo Código Civil para o uso da imagem ou do nome, impõe-se, inicialmente, a questão de saber se o consenti-mento – ou autorização – deve ser necessariamente expresso ou pode ser tácito. Quanto à necessidade de a manifestação de vontade ser expressa ou tácita, o Código Civil prevê, no artigo 111, que o silêncio importa anuência quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa44.

Em se tratando de cessão de direito da imagem, há que se ponderar o caráter excepcional desta modalidade de negócio, razão pela qual a sua interpretação deve ser em princípio restritiva. Na jurisprudência do Superior Tribunal de Jus-tiça (STJ), tem sido adotada a orientação de que não se deve ampliar o disposto em cláusulas contratuais45.

Por conseguinte, somente em situações muito claras deve ser aceito como válido o consentimento tácito em relação à cessão do direito de imagem, o que

42 Nesse sentido, Rodolfo Pamplona Filho, Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego, in RTDC 28, 2006, p. 93, 103.43 Nesse sentido, Luiz Eduardo Gunther/Cristina Maria Navarro Zornig, O Direito da Personali-dade do Novo Código Civil e o Direito do Trabalho, p. 124, 133, op. cit.44 Sobre o tema no Código Civil de 2002, ver Vera Fradera, O valor do silêncio no novo Código Civil, in Aspectos Controvertidos no novo Código Civil, p. 569, ed. RT, 2003.45 Cf. REsp 46420, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, j. 12.09.1994, in RSTJ 68/358.

Livro 1.indb 103 07/12/2011 09:47:46

Page 49: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

104

corresponde à disposição do referido artigo 11146. Em um caso, o STJ conside-rou presente o consentimento tácito ao decidir que, se ocorre a exposição da imagem em cenário público – e na hipótese tratava-se de topless –, não se poderia considerar como indevida a sua divulgação pela imprensa, uma vez que a prote-ção à privacidade encontraria limite na própria exposição realizada47.

Contudo, no que concerne a área do Direito do Trabalho, debate-se ain-da mais acirradamente acerca da irrenunciabilidade dos Direitos da Per-sonalidade48, tendo em vista a desigualdade material entre o empregador e o empregado, capaz de propiciar uma simplificação do procedimento de consentimento, ainda mais quando se tem presente o caráter de adesão dos contratos de trabalho49.

Ao considerar a viabilidade da renúncia a direitos fundamentais, tem-se condicionado expressamente essa possibilidade ao caráter inequívoco do con-sentimento, a fim de que dele se extraia a determinação de renunciabilidade50. Além disso, leva-se em consideração a natureza dos direitos fundamentais, bem como a qualidade das partes envolvidas, mais precisamente a questão de saber se se trata de uma relação entre iguais ou uma envolvendo pessoas em desigualdade material51.

Nesse quadro, se é certo que o trabalhador possui liberdade para celebrar o contrato de trabalho, há que se ponderar o desequilíbrio de forças existente na relação de trabalho, bem como a natureza do direito que ele renuncia.

A jurisprudência tem seguido esta orientação, exigindo a presença do con-sentimento do empregado para o uso da imagem52, sob pena de configurar viola-

46 No Direito italiano, por exemplo, não se exclui igualmente a possibilidade de a cessão do direi-to de imagem ocorrer mediante consentimento tácito. A respeito, ver Antonino Scalisi, Il Diritto alla Riservatezza, p. 51, Giuffrè, 2002.47 Cf. REsp 595600/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma, j. 18.03.2004. A ementa é do seguinte teor: “Não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de qualquer veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada”.48 Ver, nesse sentido, José Antônio Peres Gediel, A irrenunciabilidade a direitos da personalidade pelo trabalhador, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, p. 149 e segs., Ed. Li-vraria do Advogado, 2003.49 José Antônio Peres Gediel, A irrenunciabilidade a direitos da personalidade, p. 157, 160, op. cit.50 Cf., por exemplo, Jorge Reis Novais, Renúncia a Direitos Fundamentais, in Perspectivas Consti-tucionais nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. I, p. 303, 1996, Coimbra.51 Ver, por exemplo, José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Por-tuguesa de 1976, p. 330, 334 e segs, 3ª Ed., Almedina, 2004.52 Ver, por exemplo, a seguinte ementa: “Indenização pelo uso da imagem. Evidenciado pela prova que as fotos publicadas na lista telefônica contaram com a anuência dos reclamantes e inexistente nos autos qualquer elemento que permita afirmar que a utilização desta imagem nos anúncios da

Livro 1.indb 104 07/12/2011 09:47:46

Page 50: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

105

do este direito com a consequente necessidade de reparação53.

C) Direito à privacidade

Em seu artigo 21, dispõe o Código Civil sobre a inviolabilidade da vida pri-vada da pessoa natural, afirmando que o juiz, a critério do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário ao preceito.

Muito embora seja conhecido o princípio de que a Lei não deva conter de-finições, é flagrante que em relação à disciplina da tutela da privacidade, a re-gulação do Código Civil é praticamente ociosa, na medida em que não define, suficientemente, os diversos aspectos desta temática.

No Direito português, por exemplo, encontra-se no artigo 80, inciso 2, do Código Civil, regra no sentido de que a extensão da reserva sobre a intimidade da vida privada deve atender à natureza do caso e à condição das pessoas. Além disso, o Código português disciplina expressamente o tema das cartas confiden-ciais (artigo 75)54, e de sua publicação (artigo 76)55. Regula, também, a matéria referente a memórias familiares e a escritos confidenciais (artigo 77)56.

Da simples descrição das hipóteses previstas no Direito português, observa-se que o codificador brasileiro não contribuiu significativamente para o aperfei-çoamento da matéria da tutela da privacidade no Direito Civil.

Nesse contexto, não surpreende a ausência de disposição sobre a aplicação da tutela da privacidade, direito tipicamente pessoal, a um âmbito coletivo e so-cial, como se apresenta o trabalho da pessoa.

Contudo, há que se ter presente que, no Direito europeu, houve expresso reconhecimento, no famoso caso Niemietz contra Alemanha, julgado pela Corte

empresa tenha-lhes causado qualquer espécie de dano, não há falar uso indevido da imagem capaz de gerar direito à indenização” (RO 00151-2007-015-04-00-0).53 “Indenização. Uso indevido do nome. A divulgação, pela internet, do nome do reclamante como professor de curso de graduação oferecido pela universidade, após sua despedida, constitui violação do direito de imagem, do qual faz parte o nome da pessoa, e que prescinde da prova do dano/prejuízo sofrido, assim como da culpa ou dolo do agente, quando utilizada para fins comer-ciais, hipótese dos autos (art. 20 do Código Civil). Indenização pelo uso indevido do nome que se mantém”. (RO 0075-2007-333-04-00-9, 7ª Turma do TRT da 4ª Região, Rel. Des. Maria Inês Cunha Dornelles, j. 20.08.2008).54 Artigo 75, inciso 1 – “O destinatário de carta-missiva de natureza confidencial deve guardar reserva sobre o seu conteúdo, não lhe sendo lícito aproveitar os elementos de informação que ela tenha levado ao seu conhecimento”.55 Artigo 76, inciso 1 – “As cartas missivas confidenciais só podem ser publicadas com o consen-timento do seu autor ou com o suprimento judicial desse consentimento; mas não há lugar ao su-primento quando se trate de utilizar as cartas como documento literário, histórico ou biográfico”.56 Artigo 77 – “O disposto no artigo anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, às me-mórias familiares e pessoais e a outros escritos que tenham caráter confidencial ou se refiram à intimidade da vida privada”.

Livro 1.indb 105 07/12/2011 09:47:46

Page 51: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

106

Europeia de Direitos Humanos, em 16 de dezembro de 1992, de que o conceito de vida privada abrange o ambiente de trabalho57. Com base no artigo 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos, a referida Corte instituiu o que a doutrina denominou de ‘vida privada social’58.

Nesse campo específico, privacidade do trabalhador no ambiente de trabalho, um dos problemas mais comuns no Direito brasileiro concerne à questão das re-vistas íntimas, a revista pessoal de empregados. Em relação a esta matéria, cumpre verificar se o empregador possui o poder de realizar este tipo de conduta.

Na legislação trabalhista, o artigo 373-A, da CLT, instituído pela Lei 9.799/99, no capítulo acerca do trabalho da mulher, autoriza a realização de revista pessoal, resguardada a intimidade do empregado ou funcionário59. Não obstante a previsão conste neste setor da CLT, trata-se de preceito aplicável de forma indistinta aos trabalhadores.

Trata-se de tema já apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, que conside-rou, em princípio, passível de ser procedida a revista pessoal do empregado, des-de que resguarde os atributos de dignidade da pessoa60.

Não obstante esta decisão não faça menção expressa a esta denominação, aponta a necessidade de considerar a exigência do respeito ao devido processo legal, tendo em vista a exigência de adequar-se à possibilidade da revista a um procedimento de prévia e adequada divulgação61. Esta linha de orientação tem

57 Confira o seguinte trecho do acórdão : « La Cour ne juge ni possible ni nécessaire de chercher à définir de manière exhaustive la notion de “vie privée”. Il serait toutefois trop restrictif de la limiter à un “cercle intime” où chacun peut mener sa vie personnelle à sa guise et d’en écarter en-tièrement le monde extérieur à ce cercle. Le respect de la vie privée doit aussi englober, dans une certaine mesure, le droit pour l’individu de nouer et développer des relations avec ses semblables. Il paraît, en outre, n’y avoir aucune raison de principe de considérer cette manière de comprendre la notion de “vie privée” comme excluant les activités professionnelles ou commerciales: après tout, c’est dans leur travail que la majorité des gens ont beaucoup, voire le maximum d’occasions de resserrer leurs liens avec le monde extérieur. Un fait, souligné par la Commission, le confirme: dans les occupations de quelqu’un, on ne peut pas toujours démêler ce qui relève du domaine professionnel de ce qui en sort. Spécialement, les tâches d’un membre d’une profession libérale peuvent constituer un élément de sa vie à un si haut degré que l’on ne saurait dire en quelle qualité il agit à un moment donné ». Cf. //cmiskp.echr.coe.int., affaire Niemietz v. Allemagne.58 Cf. por exemplo Bernard Beignier, La Protection de la vie privée, in Libertes et droits fondamen-taux, p. 187, 204, op. cit.59 Art. 373 – A. “Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas é vedado: VI – proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias”.60 AgReg em AgIn 220.459-2-RJ, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª Turma, j. 28.09.1999, cuja ementa é a seguinte: “Agravo Regimental. Revista pessoal em indústrias de roupas íntimas. Inexistência, no caso, de ofensa aos incisos II, III, LVII e X do art. 5º da Constituição”.61 Destaque-se o seguinte trecho do voto do Relator, Min. Moreira Alves: “Assim sendo, está correto o acórdão recorrido ao salientar que a revista em causa ‘não deve ser rotulada de depri-mente, aprioristicamente, se colocada em prática com resguardo dos atributos da dignidade da

Livro 1.indb 106 07/12/2011 09:47:47

Page 52: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

107

sido seguida pelos tribunais, que têm considerado lícita a revista nos pertences do empregado quando adotada conforme procedimentos objetivos62.

É certo que esta orientação traçada pelo Supremo Tribunal Federal revela a tendência de compatibilizar a tutela da esfera pessoal do empregado aos interesses de segurança do empregador, merecendo da doutrina a crítica de certa contradi-ção relativamente a situações em que prevaleceu uma proteção mais extensa63.

Contudo, cabe observar que, em relação a este ponto, a orientação brasileira segue, em linhas gerais, a existente no Direito europeu, em que também se faz presente uma série de pressupostos para admitir as revistas pessoais do empre-gado64. A linha europeia, porém, apresenta-se como mais concludente, no sen-tido de exigir, expressamente, que a revista do empregado deve pressupor a sua concordância65, o que em nosso ordenamento foi apenas objeto de consideração na referida decisão do Supremo Tribunal Federal.

Um outro tópico merecedor de exame consiste no controle sobre o conteúdo das correspondências eletrônicas recebidas e enviadas pelo empregado, bem como o mo-nitoramento dos sites da internet visitados pelos empregados. Incide, aqui, de forma plena, a problemática relativa à difusão dos novos meios tecnológicos no mundo eco-nômico, e, de forma mais específica, no ambiente de trabalho, e a sua relação com a defesa dos Direitos da Personalidade do trabalhador66.

Tendo-se presente o extraordinário benefício incorporado pela internet, e por

pessoa, sem constrangimentos, mas, de modo previamente divulgado e aprovado pelo empregado da empresa”.62 Cf. a seguinte ementa: “Revista nos pertences dos empregados. Não configuração. A revista nos pertences dos empregados, e, por vezes, aleatoriamente, nos moldes realizados pela Polícia Federal nos aeroportos, não importa constrangimento, tampouco agressões morais à intimidade, à imagem profissional da trabalhadora ou a quaisquer dos bens protegidos pelo art. 5º, X, da CF. Dano moral não configurado”.63 Nesse sentido, cf. Paulo Lobo, A Constitucionalização do Direito Civil Brasileiro, in Direito Civil Contemporâneo – novos problemas à luz da legalidade constitucional –, p. 18, 27, que aponta nesta decisão do STF uma “ausência de padrão” em relação ao julgado proferido no RE 21’5.984-RJ, em que se concedeu dano moral pela violação do direito à privacidade e imagem em face de publicação de fotografia não autorizada.64 Nesse sentido, ver por exemplo o artigo 6º do Estatuto dos Direitos dos Trabalhadores (Statuto dei Diritti dei Lavoratori), lei 300, de 20 de maio de 1970. Segundo este preceito, revistas pessoais dos empregados somente podem ser realizadas quando essenciais para salvaguardar a propriedade da empresa e sob a condição de que sejam feitas na saída do lugar de trabalho, de acordo com um método objeto de seleção e não discriminatório. Além disso, estes requisitos deverão ser aprova-dos com os representantes sindicais, ou na ausência destes, com a comissão interna de trabalhado-res. Cf. www.coordinamentorsur.it.65 Nesse sentido, ver Antonino Scalisi, Il Diritto alla Riservatezza, pg. 382, Giuffrè, 200266 Sobre este tema, ver, por exemplo, Alexandre Agra Belmonte, O Monitoramento da Correspon-dência Eletrônica nas Relações de Trabalho, p. 63 e segs, LTr, 2004; Regina Ruaro, O conteúdo essen-cial dos direitos fundamentais à intimidade e à vida privada na relação de emprego: o monitoramento do correio eletrônico pelo empregador, in Direitos Fundamentais, Informática e Comunicação – al-gumas aproximações, p. 227 e segs., Livraria do Advogado, 2007.

Livro 1.indb 107 07/12/2011 09:47:47

Page 53: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

108

um de seus instrumentos, o correio eletrônico, à atividade empresarial, constituiu-se em procedimento natural a difusão que este meio alcançou no ambiente de trabalho.

Na doutrina nacional, encontra-se a orientação que defende a indisponibilida-de dos e-mails do empregado, em face da necessidade de reconhecer-se o direito à privacidade67. Como corolário desta opinião, sustenta-se a irrenunciabilidade des-te direito do empregado, tendo em vista as características da relação de emprego68.

Contudo, a jurisprudência brasileira orienta-se, predominantemente, na direção oposta, considerando viável a verificação de e-mails expedidos pelo empregado, pelo empregador, e, em consequência, validando demissões de funcionários por justa cau-sa, não obstante sejam normalmente acrescidos determinados pressupostos como o aviso prévio aos empregados69, ou a configuração de hipóteses graves de quebra de fi-dúcia, como serve de exemplo a situação em que se flagrou o uso da correspondência eletrônica pelo empregado para o envio de fotos pornográficas70.

Prevalece a fundamentação de que os meios eletrônicos utilizados pelo em-pregado pertencem ao empregador, de que cabe a ele o exercício do poder di-retivo, previsto no já referido artigo 2º da CLT, acrescido da circunstância do risco para a empresa empregadora em caso de dano propiciado pelas mensagens eventualmente encaminhadas pelo empregado71.

É certo que se tem feito a distinção entre o denominado e-mail corporativo, o que equivale a um instrumento de trabalho do empregado, posto à disposição do empregador, em que prevalecem as orientações acima expostas, do e-mail parti-cular, ou pessoal do empregado, o qual, mesmo acessado no terminal da empresa, é resguardado do monitoramento do empregador72. Trata-se de posicionamento que encontra respaldo, por exemplo, na jurisprudência francesa, que teve ocasião de fixar o entendimento no sentido de ser inviolável a correspondência particular

67 Cf. Antonio Silveira Neto/Mario Antonio Lobato de Paiva, A privacidade do trabalhador no meio informático, in Revista de Direito do Trabalho, 2003, p. 22.68 Ver por exemplo Sandra Negri Cogo, Gestão de Pessoas e Integridade Psicológica do Empregador, p. 128 e segs., op. cit.69 Ver a seguinte ementa: “Agravo de instrumento em recurso de revista – Dano Moral – Justa Causa. O julgado a quo registrou que não fere norma constitucional a quebra de sigilo de e-mail corporativo, sobretudo quando o empregador, previamente, avisa a seus empregados acerca das normas de utilização do sistema e da possibilidade de rastreamento e monitoramente de seu cor-reio eletrônico” (AIRR – 1130/2004-047-02-40, 1ª Turma do TST, j. 30.11.2007).70 Cf. RR 613/2000-013-10-00, 1ª Turma do TST, j.10.06.2005, Rel. Min. João Oreste Dala-zen; AIRR – 1542/2005-055-02-40, 7ª Turma do TST, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, j. 06.06.2008.71 Para uma síntese das posições sobre o tema, cf. Regina Ruaro, O conteúdo essencial dos direitos fundamentais à intimidade e à vida privada na relação de emprego. In: Direitos fundamentais, infor-mática e comunicação, p. 239, op. cit.72 Ver nesse sentido as considerações feitas no citado Cf. RR 613/2000-013-10-00, 1ª Turma do TST, j.10.06.2005. Na doutrina, cf. Alexandre Agra Belmonte, O Monitoramento da Correspondên-cia Eletrônica nas Relações de Trabalho, p. 78 e segs., LTr, 2004.

Livro 1.indb 108 07/12/2011 09:47:47

Page 54: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

109

do empregado, mesmo sendo utilizados os computadores da empresa73. Contudo, cumpre estabelecer critérios para diferenciar o e-mail corporativo

do pessoal. No Direito francês, debate-se esta circunstância, tendo sido afirmado que, se documentos como fichários ou dossiês são elaborados pelo empregado nos meios eletrônicos postos à disposição pelo empregador, gera-se a presunção de que eles possuem caráter profissional74.

Também em relação a este tema, verifica-se a necessidade de compatibili-zar a existência de um poder disciplinar do empregador com a necessidade de resguardar a privacidade do empregado. O poder diretivo do empregador não pode ser considerado um salvo conduto, um ‘abre-te sésamo’, a fim de suplantar os Direitos da Personalidade do empregado75, sob pena de restringir-se desme-suradamente esses direitos fundamentais.

No Direito francês, por exemplo, há expressa previsão neste sentido, atual-mente no art. L 1121-1, no sentido de que as restrições aos direitos do empre-gado devem ser justificadas pela natureza da tarefa a ser cumprida, bem como proporcionais ao fim almejado76.

Nesse sentido, há que prevalecer a orientação que exija do empregador a uti-lização de procedimentos que orientem o empregado acerca do monitoramento das mensagens eletrônicas, mesmo em se tratando de correspondência comer-cial. No que concerne a correspondência privada do empregado, existindo a cor-roboração desta circunstância, há que se resguardar a privacidade, em linha com o moderno desenvolvimento da matéria. Acresce a necessidade de ponderação, a fim de que as medidas adotadas pelo empregador sejam proporcionais aos fins de controle almejados77.

73 Arrêt Nikon, j. 02.10.2001, in www.courdecassation.fr/jurisprudence_chambre_sociale.74 Cf. Agathe Lepage, Le droits de la personnalité confrontés à l’internet, in libertés et droit fondamen-tux, p. 243, 261, dalloz, 2008, 14a ed.75 Nesse sentido, ver também Ricardo de Paula Alves, Vida Pessoal do Empregado, Liberdade de Ex-pressão e Direitos Fundamentais do Trabalhador, in Revista do Direito do Trabalho, 2001, p. 132.76 O art. L 1121-1 constitui-se em ressistematização do art. L 120-2, cujo teor, no original, é o se-guinte: “Nul ne peut apporter aux droits des personnes ET aux libertés individuelles et collectives restrictions que ne seraient pas justifiées para la nature de la tache à accomplir ni proportionnées au but recherché”.77 Nesse sentido, cf. a seguinte decisão da 6ª Turma do TRT da 2ª região, cuja ementa é a seguinte: “Justa causa. E-mail caracteriza-se como correspondência pessoal. O fato de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa qualidade. Mesmo que o objetivo da empresa seja a fisca-lização dos serviços, o poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art. 5º, VIII). Um único e-mail, enviado para fins particulares, em horário de café, não tipifica justa causa. Recurso pro-vido” (RO 2000000387414 – proc TRT – SP 2000034734-0 – rel. Juiz Fernando Antônio Sampaio da Silva, j. 03,08.2000), in Revista do Direito do Trabalho, 108, 2002, p. 179.

Livro 1.indb 109 07/12/2011 09:47:47

Page 55: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

110

Considerações finais

A análise dos temas tratados no presente estudo resgata, inicialmente, a lon-ga trajetória dos Direitos da Personalidade, que migram do campo estrito do Direito Civil para o status de Direito Fundamental, tipificado no art. 5º, inciso X, da Constituição Federal.

No Direito Privado brasileiro, o Código Civil de 2002 possui o mérito de regular, minimamente, os principais pontos da tutela dos Direitos da Personali-dade. Há que se ter presente, porém, que a função de um Código Civil, no século XXI, é tanto a de concretizar o texto constitucional, como também a de servir como instrumento de (co)ordenação do sistema de Direito Privado.

Em relação aos Direitos da Personalidade, o Código Civil de 2002 não aten-de a estes objetivos. De um lado, não somente não aprofunda o tratamento dos principais tópicos do Direito da Personalidade, como também não estabelece elementos mínimos de ponderação, a fim de propiciar ao juiz critérios razoavel-mente objetivos e seguros para a tutela dos Direitos da Personalidade. De outro, não cumpre o objetivo de coordenar os temas relativos aos Direitos da Personali-dade – alguns ainda se encontram dispersos em leis especiais –, o que lhe atribui-ria a função de norma centralizadora da ampla gama de figuras ligadas à matéria.

Relativamente à vinculação dos Direitos da Personalidade e os Direitos do Trabalho, observa-se, em linhas gerais, a inexistência de normas concretizantes no Código Civil, que sirvam como elemento impulsionador e agregador do ob-jetivo de proteção dos direitos do empregado, ainda mais tendo presente a fun-ção do Direito Civil de norma subsidiária do Direito do Trabalho.

Em consequência, a matéria dos Direitos da Personalidade do empregado – com a exceção da matéria de revistas íntimas – ainda recebe uma disciplina tópi-ca. Esta circunstância diminui o nível de proteção dos Direitos da Personalidade ao trabalhador, na medida em que ainda não se edificou uma regulamentação precisa para harmonizar os conflitos existentes nesta matéria.

Observa-se, porém, no Direito brasileiro, a tendência jurisprudencial a res-guardar em linhas gerais os poderes do empregador, optando-se por uma inter-pretação moderada da aplicação dos Direitos da Personalidade. Trata-se de uma solução, em certo aspecto, conservadora no sentido de não subverter o pressu-posto de subordinação, característica da relação de trabalho.

Livro 1.indb 110 07/12/2011 09:47:47

Page 56: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

111

Referências bibliográficas

ALVES, Ricardo de Paula. Vida Pessoal do Empregado, Liberdade de Expressão e Direitos Fundamentais do Trabalhador, in Revista do Direito do Trabalho, 2001.ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª Ed., Almedina, 2004. BELMONTE, Alexandre Agra. O Monitoramento da Correspondência Eletrônica nas Re-lações de Trabalho, LTr, 2004.BGB, Jauernig. Bürgerliches Gesetzbuch Kommentar, Beck Verlag, 10ª ed., 2003.BULLINGER, Martin. Derecho Público y Privado, Madrid, 1976.CANOTILHO, J.J. Gomes. Civilização do Direito Constitucional ou Constitucionalização do Direito Civil, in Estudos em homenagem a Paulo Bonavides, ed. Malheiros, 2001.CHIUSI, Tiziana. A Dimensão Abrangente do Direito Privado Romano, in Direitos funda-mentais e direito privado, Ed. Almedina, 2007.COGO, Sandra Negri. Gestão de Pessoas e Integridade Psicológica do Empregador, op. cit. ______, Sandra Negri. Gestão de Pessoas e a Integridade Psicológica do Trabalhador, LTr, 2006. CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil Português, parte geral, tomo III, Almedina, 2004.EHMANN, Horst. Das Allgemeine Persönlichkeitsrecht, in 50 Jahre Bundesgerichtshof – Festgabe aus der Wissenschaft, Beck, 2000.FERNANDES, Milton. Os Direitos da Personalidade, in Estudos jurídicos em homena-gem ao Prof. Caio Mário da Silva Pereira, Forense, 1984.FILHO, Rodolfo Pamplona. Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de empre-go, in RTDC, vol. 28, 2006.FRADERA, Vera. O valor do silêncio no novo Código Civil, in Aspectos Controvertidos no novo Código Civil, ed. RT, 2003.GEDIEL, José Antônio Peres. A irrenunciabilidade a direitos da personalidade pelo traba-lhador, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, Ed. Livraria do Advo-gado, 2003. GIERKE, Otto. Deutsches Privatrecht, Erster Band, Ed. Inalterada da 1ª ed., 1905.GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. Assédio Moral: a nova ameaça à integridade do ambiente de trabalho, in Justiça do Trabalho, 287.GOMES, Orlando. Direitos da Personalidade, in Revista Forense, v. 216, 1966.GUEDES, Márcia Novaes. Terror Psicológico no Trabalho, LTr, 2005.GUNTHER, Luiz Eduardo; ZORNIG, Cristina Maria Navarro. O Direito da Personali-dade do Novo Código Civil e o Direito do Trabalho, in O Impacto do Novo Código Civil no Direito do Trabalho, Ed. LTr, 2003HATTENHAUDER, Hans. Grundbegriffe des Bürgerlichen Rechts, Beck Verlag, 2ª ed.,

Livro 1.indb 111 07/12/2011 09:47:48

Page 57: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

112

2000. HESSE, Konrad. Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland, 20ª ed. 1995.LEPAGE, Cf. Agathe. Le droits de la personnalité confrontés à l’internet, in libertés et droit fondamentux, dalloz, 2008, 14ª ed.LOBO, Paulo. A Constituicionalização do Direito Civil Brasileiro, in Direito Civil Contem-porâneo – novos problemas à luz da legalidade constitucional.MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Assédio Moral e seus Efeitos Jurídicos, in Revista de Direito do Trabalho, 108.MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, vol. 7, Ed. Borsoi, 1955.MUTZENBECHER, Franz. Zur Lehre vom Persönchlichkeitsrecht, 1909, Hamburg.MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana, Ed. Renovar, 2003.NETO, Antonio Silveira; PAIVA, Mario Antonio Lobato de. A privacidade do trabalha-dor no meio informático, in Revista de Direito do Trabalho, 2003.NOVAIS, Jorge Reis. Renúncia a Direitos Fundamentais, in Perspectivas Constitucionais nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. I, 1996, Coimbra. PINTO, Paulo Mota. O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Studia Iuridica, vol. 40, 1999.RUARO, Regina. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais à intimidade e à vida pri-vada na relação de emprego: o monitoramento do correio eletrônico pelo empregador, in Di-reitos Fundamentais, Informática e Comunicação – algumas aproximações, Livraria do Advogado, 2007.SARLET, Ingo W. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais, 7ª ES, Ed Livra-ria do Advogado, 2009.SCHWAB, Dieter. Einführung in das Zivilrecht, 15ª Ed., Müller Verlag., 2002.SCALISI, Antonino. Il Diritto alla Riservatezza, Giuffrè, 2002. TEPEDINO, Gustavo. A Tutela da Personalidade no Ordenamento Civil-Cadminonstitu-cional Brasileiro, in Temas de Direito Civil, ed. Renovar.WARREN, Samuel; BRANDEIS, Louis. The Right to Privacy, in Harvard Law Review, 1890.WHITMAN, James Q., The Two Western Cultures of Privacy, The Yale Law Journal, 2004.

Livro 1.indb 112 07/12/2011 09:47:48

Page 58: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

Fábio Siebeneichler de AndradeProfessor titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da PUC/RS, professor do Curso de Pós-Graduação da PUC/RS, doutor em Direito pela Universidade de Regensburg – Alemanha, advogado em Porto Alegre (RS).

Page 59: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

113

Averbação premonitória: simplicidadena execução para garantir o resultado útil do processo aliada à menor onerosidadeao patrimônio do executadoFernanda D’Oliveira Bataiolli

Sumário: Introdução. 1. Evolução do Processo Civil: Efe-tividade da Prestação Jurisdicional. 2. Inovação na Execu-ção Forçada: Introdução do Artigo 615-A do Código de Processo Civil e sua Funcionalidade. Considerações Fi-nais. Referências Bibliográficas.

ReSumoTendo em vista os novos rumos do processo civil contemporâneo, que se trans-forma a cada dia, buscando a otimização e a simplicidade dos procedimentos para o alcance da satisfação do direito, o presente trabalho tem por objetivo apresentar o instituto da averbação premonitória. Incorporado ao ordenamento jurídico desde a reforma da execução ocorrida no ano de 2006, é pouco uti-lizado pelos operadores do Direito, embora se apresente como procedimento simples e eficaz para garantir a execução e a menor onerosidade ao patrimônio do executado. Palavras-chave: Execução, Averbação Premonitória, Fraude à Execução.

Livro 1.indb 113 07/12/2011 09:47:48

Page 60: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

114

AbStraCtRegarding the new trends of the modern civil action, that each day changes looking for the optimization and the simplification of the procedures aiming for the satisfaction of the right, this article has the objective to present the institute of the premonitory registration. Incorporated to the legal statute since the chan-ge of the foreclosure reform in 2006, it is still few used by the lawyers, although it may be as a simple and very useful procedure to guarantee the foreclosure and the minor burden for the debtor assets.Keywords: Foreclosure, Premonitory Registration, Fraud Committed Against Creditors During a Execution Suit.

Introdução

O estudo proposto enfoca um avanço processual em matéria executiva: a averbação premonitória.

Para isso, inicialmente, faz-se necessário um pequeno apanhado acerca das novas necessidades apresentadas pela sociedade para a resolução de situações pioneiras na vida moderna.

Demonstra-se a razão para a busca de novos rumos e as tentativas emprega-das para acompanhar este processo evolutivo.

Mais adiante, se faz uma apresentação do instituto, relacionando-se algumas questões até então muito controvertidas, tendo em vista os poucos que se de-bruçam sobre o tema.

Verifica-se, por exemplo, que a aplicação da opção legal propicia ao exequen-te a possibilidade de antecipar o momento da caracterização da fraude à execu-ção, o que acaba por resolver o problema relativo à resistência do executado em receber atos citatórios e intimações para retardar o processo expropriatório, pois seu patrimônio já será tido como garantia da dívida.

Também por esta razão, qualquer alienação dos bens em que conste a aver-bação premonitória não pode ser imposta ao exequente. Ao mesmo tempo, está suprida a necessidade de publicidade da execução, protegendo a terceiros de boa-fé.

Ocorre que, todas estas questões ficam solucionadas por intermédio da ini-ciativa do exequente, o que pode, muitas vezes, causar embaraços e onerosidade excessiva na vida do executado.

Diante disso, mais uma vez o instituto surpreende pela sua inovação e pon-deração. Existe regramento explícito no sentido de frear o arbítrio do exequente: a responsabilização por perdas e danos. Esta responsabilização levará em consi-

Livro 1.indb 114 07/12/2011 09:47:48

Page 61: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

115

deração a atitude do exequente e os excessos perpetrados, podendo ser inclusive apurada em liquidação de sentença.

Estes aspectos gerais da opção legal dão origem às mais variadas divergências do ponto de vista de seus pormenores. Para dar uma visão ampla e apresentar as peculiaridades do assunto, foi necessária a consulta profunda à doutrina brasilei-ra, que expõe suas conclusões e inconclusões sobre o tema.

1. Evolução do processo civil: efetividade da prestação jurisdicional

O Direito Processual é conceitualmente o instrumento hábil para a realização ou restabelecimento de um direito material que não foi respeitado de maneira es-pontânea, tendo por esta razão o objetivo de “(...) assegurar a integridade da ordem jurídica, possibilitando às pessoas meios adequados para a defesa de seus interesses1”.

No dia a dia do operador do Processo Civil, pode-se perceber que existe uma tendência moderna em relativizar institutos. Esta conduta não se limita ao processo civil de forma estanque, mas acaba por minar todas as teias de relacionamentos atu-ais. Pode ocorrer em todos os setores da vida, da convivência humana. Este fenôme-no se deve ao fato de que as relações entre indivíduos acontecem com rapidez ex-traordinária, impulsionadas, sobremaneira, pelo avanço tecnológico e econômico.

Por isso, as pessoas encontram-se mais suscetíveis ao inesperado e mais aptas a enfrentar as mudanças no seu estilo de vida, relativizando valores que até então eram praticamente absolutos. Toda essa inovação gera conflitos, e, levando-se em consideração que o processo serve para dirimir estes conflitos e assegurar o resulta-do útil à situação da vida posta em xeque, deve acompanhar todo este movimento.

A questão é: de que forma o direito material positivado e o direito material atual podem acompanhar a rapidez que a vida moderna demanda?

Exatamente neste ponto é que reside o compromisso do processualista contem-porâneo, que relativiza a técnica no que for necessário, para assegurar o alcance do escopo do processo, que, em última análise, deve ser a satisfação da situação da vida.

Neste sentido é que o Direito Processual vem caminhando: atingir a funcio-nalidade do processo, no intuito de aproximar o direito ao social e ao político2.

Presteza e agilidade são as novas metas do processo civil. E isto está no co-tidiano dos operadores do Direito, seja na rotina do foro, seja na produção dos doutrinadores.

1 José Roberto dos Santos Bedaque. Direito e processo. Influência do Direito Material sobre o Pro-cesso. 1995, p. 12.2 Humberto Theodoro Junior. Visão geral da execução dos títulos extrajudiciais segundo a Lei nº 11.382. Revista Jurídica. nº 358, ano 55. Ago/2007, p. 21-48. (b)

Livro 1.indb 115 07/12/2011 09:47:48

Page 62: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

116

Percebe-se que a decisão demorada e intempestiva não é justa. Porém, a de-cisão instantânea, sem atenção ao contraditório e à ampla defesa, também pode sacrificar a justiça.

É neste espírito de processo justo que se deve balancear os institutos da efi-ciência e das garantias.

Por esta razão o legislador determinou que a execução de título extrajudicial fosse feita de maneira pronta e eficiente para realizar o direito do credor, cuidan-do para que esta finalidade seja cumprida de maneira a que a atividade econômi-ca e empresarial do devedor não sofra prejuízos desnecessários e aniquiladores3, respeitando-se assim o disposto no artigo 620 do Código de Processo Civil.

A reforma introduzida pela Lei n° 11.382/2006 trouxe efetividade, instrumen-talidade e economia processual para alcançar resultados4. Houve a simplificação de procedimentos, facilitando-se o acesso às medidas de execução forçada.

O exemplo disso é o instituto da Averbação Premonitória, disposto no artigo 615-A, que conta com a utilização dos registros públicos na política de prevenção e repressão dos atos de fraude à execução, cujas peculiaridades são tratadas a seguir5.

2. Inovação na execução forçada: introdução do artigo 615-A do Código de Processo Civil e sua funcionalidade

O instituto da averbação premonitória, introduzido pela reforma de 2006 e inserido na legislação processual no artigo 615-A do Código de Processo Civil, implementa ao exequente a faculdade de, no ato da distribuição, retirar certidão comprobatória da referida execução e averbar no registro pertinente, de acordo com a natureza do bem6/7.

3 Idem. Alguns problemas pendentes de solução após a reforma da execução dos títulos extrajudiciais (Lei 11.382/2006). Revista de processo nº 156, ano 33. Fevereiro/2008, p. 12-36. (a)4 Ibidem. Loc. Cit. ago/2007, p. 21-48. (b)5 Humberto Theodoro Junior. Op. Cit. p. 12-36. (a)6 Art. 615-A. O exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajui-zamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. § 1º O exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização; § 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativo àqueles que não tenham sido penhorados; § 3º Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593); § 4º O exequente que promover averbação manifestamente indevida indenizará a parte contrária, nos termos do § 2º do art. 18 desta Lei, processando-se o incidente em autos apartados; § 5º Os tribunais poderão expedir instruções sobre o cumprimento deste artigo. 7 Araken de Assis. Averbação da distribuição da execução. Aspectos polêmicos da nova execução. 2009, p. 48-51.

Livro 1.indb 116 07/12/2011 09:47:49

Page 63: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

117

A averbação, apesar de ser um ato singelo, sem maiores exigências formais e com menor custo, cumpre de maneira adequada a função de dar ciência aos terceiros interessados da responsabilidade patrimonial do executado8.

O objetivo da averbação é antecipar o momento da caracterização da fraude à execução em caso de alienação, mesmo em momento anterior à citação. Não há o efeito de substituir a citação válida, mas se antecipa os efeitos de constitui-ção em mora do devedor e a presunção de vícios na alienação9.

Importante salientar que a jurisprudência caminhava no sentido de admitir a fraude à execução apenas após a citação válida. Este entendimento gerava uma série de embaraços à execução, na medida em que o devedor poderia furtar-se ao ato processual já com intenção de alienar fraudulentamente bens passíveis de sanar a dívida.

Nesse sentido, a inovação do Código de Processo Civil tem forte eficácia cautelar.O alcance da medida considera todos os bens penhoráveis e é aplicável a

todos os tipos de execução.No entender de Theodoro Junior10 deve ser permitida a utilização da aver-

bação premonitória desde o início da ação de conhecimento, para sinalizar ao terceiro de boa-fé a responsabilidade patrimonial do executado.

Porém, este entendimento não é uníssono11. Há doutrinadores inclinados no sentido de que este instituto só deve ser aplicado nos casos em que se tenha certeza do crédito. Em tese, na fase de conhecimento se objetiva solucionar uma “crise de certeza”12, que somente será alcançada com o trânsito em julgado.

Outro aspecto importante e que causa certa divergência são as implicações da comunicação ao juízo acerca da efetivação da medida. De acordo com o §1º do artigo 615-A, o exequente deve comunicar a averbação ao juízo no prazo de 10 dias a contar da concretização da medida.

Esta comunicação para alguns está intimamente ligada ao momento em que estes efeitos passam a repercutir na esfera do patrimônio do Executado, bem como ao efeito provocado pela averbação.

Assis13 entende que o prazo estabelecido pela lei não traz implicações à eficá-cia da medida. O não cumprimento do prazo seria mera irregularidade formal.

Já Didier14 refere que o prazo de comunicação serve para determinar o mo-

8 Humberto Theodoro Junior. Loc. Cit. p. 12-36. (a)9 José Henrique Mouta Araujo. Novas perspectivas ligadas à fraude à execução – comentários ao art. 615-A do CPC. Revista Dialética de Direito Processual. Nº 63. Jun/2008, p. 59-64.10 Humberto Theodoro Junior. Op. Cit. p. 12-36. (a)11 José Henrique Mouta Araujo. Op. cit. p. 59-64.12 Idem. Ibidem. p. 59-64.13 Araken de Assis. Op. Cit. p. 48-5114 Fredie Didier. Lei Federal 11.382/2006. A averbação na pendência da execução no registro de bens

Livro 1.indb 117 07/12/2011 09:47:49

Page 64: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

118

mento da eficácia da averbação em relação ao terceiro. Se feita em 10 dias, a efi-cácia seria imediata, havendo presunção absoluta de ciência desde logo.

Porém, se feita em prazo superior, a averbação passaria a produzir efeitos no momento da comunicação, hipótese que os efeitos serão ex nunc. O prazo servi-ria para dar ciência da averbação, eficácia imediata da medida, sob condição legal resolutiva de 10 dias15.

Araújo16 salienta que, efetuada a averbação, tem-se a ocorrência de efeitos ex tunc, retroagindo à caracterização de ausência de boa-fé do terceiro, que será a data da comunicação ao juiz.

No entender do doutrinador, a partir da petição de ciência ao juízo, o credor tem responsabilidade objetiva sobre os eventuais danos causados ao devedor por conta da averbação, assim como nasce a presunção absoluta de ciência do terceiro, retirando-lhe a faculdade de alegação de boa-fé.

Na esfera dos efeitos, opiniões remetem a todos os lados. Para alguns, há presunção absoluta de fraude. Para outros, relativa.

Assis17 defende a tese da presunção absoluta de fraude à execução. O execu-tado não perde o poder de dispor, mas todos os atos dispositivos têm eficácia somente entre as partes, não afetando o exequente18. Isso porque o registro ga-rante a eficácia erga omnes, excluindo a possibilidade de alegação de boa-fé do terceiro adquirente. Porém, para caracterizar a fraude efetiva, deve igualmente ser preenchido o requisito da insolvência19.

Para Theodoro Junior20, no caso de alienação dos bens, há presunção relativa de fraude e não opera quando o executado continua a dispor dos bens para ga-rantir o juízo executivo. Porém, na hipótese de a execução restar desguarnecida pelos atos do executado, a fraude é legalmente presumida, independentemente da boa ou má-fé do terceiro adquirente21.

O mesmo doutrinador comenta que há a hipótese de na segurança do juízo se consumar sobre outros bens livres, não há prejuízo à execução, não havendo motivo para privar o ato alienatório de sua plena eficácia.

economicamente relevantes. Novo meio típico de execução indireta. Editorial 08. Disponível em http://frediedidier.com.br/main/notícias/detalhes.jsp?CId=108. Acesso em 20/mar/201115 Idem. Ibidem.16 José Henrique Mouta Araujo. Op. Cit. p. 59-64. Para José Henrique Mouta Araújo, a presunção será absoluta, pois o registro acaba por dar a ciência a terceiros de que o bem é “litigioso”, sendo desconsiderados para o processo os atos de alienação de domínio.17 Araken de Assis. Loc. Cit. p. 48-51.18 Humberto Theodoro Junior. Op. Cit. p. 12-36. (a)19 Araken de Assis. Op. Cit. p. 48-51.20 Humberto Theodoro Junior. Loc. Cit. p. 12-36. (a)21 Idem. Op. Cit. p. 21-48. (b)

Livro 1.indb 118 07/12/2011 09:47:49

Page 65: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

119

Araújo22 salienta que é necessária a efetivação da penhora após a averbação sobre o bem litigioso, bem como é necessário que seja verificada a diminuição fraudulenta de bens. Também, no que diz respeito à responsabilização do exe-quente, na utilização do instituto não há consenso.

A responsabilidade do exequente, disposta no artigo 615-A, § 4º, garante a aplicação da punição prevista no artigo 18, §2º do Código de Processo Civil, que fixa a multa ao exequente no valor de 20% da execução. Esta aplicação pode ser fixada em valor líquido pelo juiz ou ser arbitrado em liquidação por arbitra-mento. A execução desta penalidade será feita em autos apartados e de maneira simultânea à execução originária23.

Para Araújo24, a situação de responsabilização e a necessidade de indeniza-ção devem compreender os seguintes requisitos não cumulativos: a) a execu-ção deve ser considerada injusta, com acolhimento dos embargos; b) averbação de ajuizamento em bens com valor superior ao executado; c) prenotação sem comunicação tempestiva; d) não cancelamento da averbação de outros bens, alheios à penhora posterior.

Em entendimento mais brando, cultiva-se a ideia de que a responsabilização do credor pela utilização indevida do instituto não basta a averbação ser feita em bens de valor maior à execução. Há que se provar o abuso real, a intenção de lesar o credor25. Por exemplo, não pode o credor averbar a certidão em outros bens do executado, caso ele já possua direito de retenção ou garantia real sobre bens do executado. A única exceção seria a situação de a garantia disponível ser insuficiente para cobrir todo o crédito aforado26.

A cobrança dos valores relativos às perdas e danos decorrentes da atitude do credor dispensa o ajuizamento de ação própria de indenização, podendo ser procedida por via incidente.

Existe posicionamento doutrinário no sentido de que a responsabilização pode ocorrer mesmo quando o credor não requerer o cancelamento dos bens que não foram penhorados posteriormente27.

Ao contrário, está o posicionamento de que o exequente pode manter as averbações sem penhora caso exista dúvida sobre a arrematação do bem penho-rado ou a satisfação do crédito pela venda. Nesta hipótese, caberia ao executado demonstrar que o bem penhorado é suficiente para quitar a dívida e solicitar

22 José Henrique Mouta Araujo. Op. Cit. p. 59-64.23 Araken de Assis. Loc. Cit. p. 48-51.24 José Henrique Mouta Araujo. Op. Cit. p. 59-64.25 Humberto Theodoro Junior. Op. Cit. p. 12-36. (a).26 Idem. Op. Cit p. 21-48. (b)27 Idem. Loc. Cit. Cit. p. 12-36. (a).

Livro 1.indb 119 07/12/2011 09:47:49

Page 66: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

120

o cancelamento. O pedido de cancelamento de averbações indevidas pode ser feito por intermédio de embargos ou de procedimento incidente28.

Além disso, é na oportunidade dos embargos que se deve alegar eventuais prejuízos advindos da averbação indevida e requerer as sanções reparatórias.

A par da arguição de diferentes posicionamentos, pode-se perceber que o instituto analisado cumpre na totalidade seu objetivo maior: garantir a ciência ao terceiro de que o bem é litigioso.

Desta maneira, se satisfaz de um lado o direito do exequente, que tem a ga-rantia de que seu crédito será adimplido. De outro, o direito do executado, em ter retirado de seu patrimônio apenas substrato suficiente para esta finalidade, cumprindo-se o postulado da menor onerosidade e, ainda, protegendo-se o ter-ceiro de boa-fé, que não será lesado.

Considerações finais

A abordagem trazida na presente exposição não pretendeu esgotar o tema, mas sim trazer uma apresentação do instituto da averbação premonitória, que embora não seja demasiadamente novo, é pouco utilizado pelos operadores do Direito.

A averbação premonitória é consequência do clamor dos novos tempos, que conjuga a rapidez da evolução social com a crise do judiciário.

Muitos passos já foram dados, mas ainda não se vê concretamente o avanço e a prometida razoável duração do processo, que em tese facilitaria a resolução rápida da lide.

Neste sentido, a opção oferecida pela legislação no artigo 615-A, utilizando-se dos registros públicos cumpre com maestria a função cautelar de resguardar o direito do exequente, para que o patrimônio do executado não pereça.

Por outro lado, está a responsabilidade do próprio exequente em utilizar, de maneira adequada e focada, a esta finalidade, sob pena de indenizar ao devedor eventuais prejuízos causados pela sua conduta.

Esse sistema de freios e contrapesos acaba atendendo a necessidade do pro-cesso como um todo, dando às partes equilíbrio e paridade de armas na resolu-ção do conflito.

28 Caso a via eleita seja a incidente, a sentença de julgamento será atacada por meio de agravo de instrumento.

Livro 1.indb 120 07/12/2011 09:47:49

Page 67: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

121

Referências bibliográficas

AMADEO, Rodolfo da Costa Manso. Reflexões sobre a averbação do ajuizamento da execução. In: COSTA, Susana Henriques da. (coord.). Execução extrajudicial. Modificações da Lei 11.382/2006. São Paulo: Quartier Latin, 2007.ARAÚJO, José Henrique Mouta. Novas perspectivas ligadas à fraude à execução – comentários ao art. 615-A do CPC. Revista Dialética de Direito Processual. Nº 63, p. 59-64. São Paulo: Dialética, jun/2008.ASSIS, Araken de. Averbação da distribuição da execução. Aspectos polêmicos da nova execução. V 4, p. 48-51. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009.BONÍCIO, Marcelo José Magalhães. A averbação e a fraude de execução na refor-ma do CPC: Artigo 615-A. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. V. 20, p. 68-69. Porto Alegre: Magister, set-out/ 2007.COSTA, Ana Carolina. Penhora: ato de averbação ou de registro na atual sistemá-tica do código de processo civil. Revista Jurídica. Nº 383, ano 57, p. 71-98. Porto Alegre: Nota Dez, set/2009DONOSO, Denis. Sistematização da fraude de execução do art. 593, II, do CPC, em razão da alienação de imóveis. Considerações sobre a boa-fé e o novo art. 615, §3º. Revista dialética de direito processual. Nº 53, p. 27-43. São Paulo: Dialética, ago/2007.ERPEN, Décio Antônio. Das novas regras de execução e o registro imobiliário – Da reserva de prioridade – Do bloqueio registral da Lei nº 11.382/2006 – Artigo 615-A. Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil. V 9, nº 53, p. 27-43. Porto Alegre: Síntese, jul/2008. GOMIDE, Alexandre Junqueira. A proteção do terceiro adquirente na fraude de execução e a edição da Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça. Revista do Ins-tituto dos advogados de São Paulo. Nº 25, ano 13, p. 11-41. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan-jul/2010.JACOMINO, Sérgio. Averbação premonitória, publicidade registral e distribuido-res: a probatio diabólica e o santo remédio. Boletim do IRIB. Nº 331, p. 9-36. São Paulo: Irib Cultural, jun/2007 THEODORO JUNIOR, Humberto. Alguns problemas pendentes de solução após a reforma da execução dos títulos extrajudiciais (Lei 11.382/2006). Revista de processo. Nº 156, ano 33, p. 12-36. São Paulo: Revista dos Tribunais, fev/2008. (a)______. Visão geral da execução dos títulos extrajudiciais segundo a Lei nº 11.382. Revista Jurídica. Nº 358, ano 55, p. 21-48. Porto Alegre: Nota Dez, ago/2007. (b)MAIDAME, Márcio Manoel. Fraude à execução, adquirente de boa-fé, art. 615-A

Livro 1.indb 121 07/12/2011 09:47:50

Page 68: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

122

do CPC e a Súmula 375 do STJ. Revista dialética de direito processual. Nº 94, p. 75- 88. São Paulo: Dialética, jan/2011.MONTEIRO NETO, Nelson. Ajuizamento da demanda, averbação no registro de imóveis e fraude à execução (Novo art. 615-A do CPC – Lei 11.382). Revista Dia-lética de Direito Processual. Nº 49, p. 107-111. São Paulo: Dialética, abr/2007.

Fontes online

DIDIER, Fredie. Lei Federal nº 11.382/2006. A averbação na pendência da exe-cução no registro de bens economicamente relevantes. Novo meio típico de execu-ção indireta. Editorial 08. Disponível em http://frediedidier.com.br/main/notí-cias/detalhes.jsp?CId=108. Acesso em 20/mar/2011.

Livro 1.indb 122 07/12/2011 09:47:50

Page 69: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

Fernanda d’Oliveira BataiOlliPós-graduada em Direito Processual Civil na ABDPC (Academia Brasileira de Direito Processual Civil), advogada.

Page 70: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

211

Aspectos jurídicos da sucessão empresarial com a morte do sócio da sociedade limitadaRoberta Borsatto

Joana Gallego Ziero

Sumário: Introdução. 1. A Transmissão Causa Mortis da Participação Societária do Sócio na Sociedade Limitada com Previsão no Contrato Social. 1.1 O Contrato Social 1.2 As Quotas: Participação Societária e Aspecto Patrimo-nial. 1.3 Previsão de Inclusão dos Herdeiros do Quadro So-cietário. 1.4 Previsão de Dissolução Parcial da Sociedade e Liquidação das Quotas. 1.5 Previsão de Dissolução Total da Sociedade. 2. A Transmissão Causa Mortis da Participa-ção Societária do Sócio na Sociedade Limitada em Caso de Omissão do Contrato Social. 2.1 Quem São os Herdeiros Necessários Estipulados por Lei. 2.2 Acordo dos Herdeiros e ou Legatários com os Sócios. 2.2.1 Demais Sócios Auto-rizam a Entrada dos Herdeiros no Quadro Social da Socie-dade. 2.2.2 Demais Sócios Optam por Dissolver a Socieda-de. 2.3 Estipulações Testamentárias. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

ReSumoEste artigo tem por objetivo analisar os aspectos inerentes à transferência das quotas dos sócios de sociedades limitadas aos seus herdeiros legítimos e testa-mentários, utilizando como principal critério desta sistematização a existência ou não de previsão no contrato social do destino destas quotas em caso de mor-te de um de seus sócios.

Livro 1.indb 211 07/12/2011 09:48:04

Page 71: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

212

AbStraCtThis article aims to systematize the transfer of partners shares, in limited compa-nies, to their legitimate and testamentary heirs, using as a main basis for this sys-tematization the existence, or absence, of prevision in the social contract, about the destination of the shares in the event of partner’s decease.

Introdução

Assim como um ser vivo, uma empresa possui de forma bem definida todas as suas etapas: ela nasce, cresce e morre. Abordar e discutir esse ciclo de vida de uma organização não pode ser encarado como uma tarefa fácil.

Nesta empreitada, não podemos esquecer que muitas são as variáveis que vão determinar o sucesso de uma empresa, bem como muitos são os fatores com os quais ela se relaciona: ambiente externo no qual ela se insere, ambiente interno que envolve diversos fatores, dentre eles cultura, formas de organização e liderança.

Entendemos que o principal fator para a garantia do sucesso empresarial é o próprio empreendedor que, de acordo com a sua conduta, com os seus valores e com a sua visão de futuro acaba por dar vida ao empreendimento.

Na ausência deste líder, como é feita a sucessão aos seus herdeiros? Os her-deiros serão inseridos na sociedade de forma que esta não sofra reflexos decor-rentes do falecimento do sócio?

Muitos são os questionamentos e poucos são aqueles que se preparam para o momento do ingresso destes novos perfis junto à sociedade.

Este artigo busca esclarecer alguns dos principais aspectos jurídicos decor-rentes da morte de um dos gestores e a entrada de seus herdeiros, visando mini-mizar os efeitos negativos desta transmissão, realizando um confronto dos temas debatidos no Direito de Sucessões e no Direito Comercial.

1. A transmissão causa mortis da participação societária do sócio na sociedade limitada com previsão no contrato social

1.1 O contrato social

Contrato Social é o instrumento de constituição da sociedade limitada e a fon-te de regramento da atividade. Contém as normas atinentes à sociedade, sejam

Livro 1.indb 212 07/12/2011 09:48:04

Page 72: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

213

estas cogentes (legalmente obrigatórias)1, sejam aquelas de interesses dos sócios. As regras decorrentes de previsão legal são requisitos de validade do negócio

jurídico instrumentalizado no contrato social, dentre as quais se insere a plu-ralidade de sócios para constituição e subsistência da sociedade limitada. E é desta regra que decorre o assunto tratado neste artigo, diante da necessidade de sucessão para sobrevivência da sociedade, na hipótese de falecimento do sócio.

As demais regras são chamadas de cláusulas incidentais, as quais podem tra-zer quaisquer estipulações desde que respeitados os requisitos de validade do negócio jurídico. Dentre as cláusulas incidentais, se inserem aquelas relativas às circunstâncias do falecimento dos sócios e suas implicações.

Isso porque o contrato social poderá prever o destino das quotas, sob duas perspectivas: quanto ao status de sócio que estas conferem e quanto ao seu as-pecto patrimonial, para fins de apuração de valor e forma de sua liquidação, hi-póteses tratadas neste artigo.

1.2 As quotas: participação societária e aspecto patrimonial

Para melhor compreensão do tema tratado, importa fixar, de início, que as quotas (representação da parcela de participação dos sócios na sociedade limita-da) compreendem duas modalidades distintas de direitos: à participação social e ao valor patrimonial correspondente. A primeira se refere à qualidade de ad-ministrador da empresa que o sócio detém, ao passo que a segunda se refere ao aspecto patrimonial da participação societária.

É importante fixar esta distinção na medida em que a sucessão se dará de modo distinto em relação a estes dois aspectos. O contrato social poderá regular estas cir-cunstâncias, trazendo disposições acerca da aquisição ou não, pelos herdeiros, da posição de sócios, no tocante ao seu ingresso na sociedade como administradores. Regulará, ainda, a questão atinente ao direito dos herdeiros ao recebimento do va-lor patrimonial das quotas, caso estes não ingressem do quadro societário.

O contrato social poderá prever as hipóteses de destino da empresa na oca-sião do falecimento de um dos sócios, como o ingresso de todos ou de alguns herdeiros no quadro societário, ou mesmo a dissolução da sociedade caso não haja interesse em dar continuidade no negócio. É possível ainda, através de acor-do entre sócios e herdeiros, estipular que a sucessão empresarial ocorra de modo diverso, com a substituição do sócio falecido.

Diante desta realidade, é relevante que o contrato social traga previsão acerca

1 Constantes no artigo 977 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), dentre as quais estão: qualificação dos sócios, dos administradores, denominação da sociedade e capital social, modo de divisão das quotas, participação nos lucros e a extensão da responsabilidade dos sócios.

Livro 1.indb 213 07/12/2011 09:48:04

Page 73: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

214

do destino das quotas com o falecimento de um dos sócios, para fins de resguar-do do direito dos herdeiros e também da preservação da própria empresa. Caso o contrato silencie, aplica-se a regra geral contida no Código Civil, que determi-na a liquidação das quotas2, ou seja, a dissolução parcial da sociedade.

1.3 Previsão de inclusão dos herdeiros do quadro societário

O ingresso dos herdeiros na sociedade pressupõe seu envolvimento nos negó-cios da empresa, já que a posição de sócio lhes outorga o direito de participar das decisões administrativas e na condução do negócio. Para que tal circunstância se concretize e seja bem-sucedida, é imprescindível que haja affectio societatis3 entre os sócios remanescentes e os herdeiros que venham a ingressar da empresa.

Portanto, há de se ter muito cuidado ao estipular as regras de condução da socie-dade no contrato social, pois é imprescindível que as partes envolvidas possuam obje-tivos convergentes em relação ao negócio, de modo que o teor constante no contrato social seja reflexo da vontade de todos sócios e também de seus herdeiros.

Nesse sentido, destaca-se que a previsão testamentária relativa ao latente di-reito do herdeiro de obter status de sócio tem seu alcance mitigado diante do contrato social. Significa dizer que o constante no contrato social prevalece ao testamento, de modo que não basta a vontade do falecido para que o herdeiro ingresse na sociedade. Caso o contrato social não permita, isso não será possível.

O contrato social é lei entre os sócios na medida em que traduz o affectio societatis, fundamental para garantir o sucesso do negócio; contudo, o primeiro não prevalece sobre o segundo. Note-se que os sócios são obrigados a respeitar o contrato, permitindo o ingresso do herdeiro no quadro societário caso assim seja previsto. Esta premissa, contudo, não se aplica ao herdeiro, que tem um di-reito garantido, mas não o dever de exercê-lo, de modo que, não obstante a pre-visão no contrato, este pode optar por não ingressar na sociedade.

1.4 Previsão de dissolução parcial da sociedade e liquidação das quotas

Seja por opção de herdeiro, seja pela previsão contratual, caso estes não in-gressem na sociedade, terão o direito ao recebimento do valor monetário das respectivas quotas do sócio falecido. Frisa-se, contudo, que o valor patrimonial

2 O Código Civil, em seu artigo 1.028, dispõe: “No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo: I- se o contrato dispuser diferentemente; II- se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; III- se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.”3 Affectio Societatis é a convergência de vontades para constituir e manter uma sociedade. Sem ela, a sociedades de pessoas não podem subsistir.

Livro 1.indb 214 07/12/2011 09:48:05

Page 74: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

215

das quotas societárias é transmitido aos herdeiros, não em razão da previsão no contrato social, mas sim por se tratar de direito constitucionalmente garantido, à propriedade e à herança4.

Neste passo, o que o contrato regula não é o direito do herdeiro ao recebi-mento do valor patrimonial das quotas em si, pois este é constitucionalmente garantido e, portanto, inafastável. O que o contrato social poderá regular é de que modo se dará a distribuição das quotas quando um dos sócios vir a falecer e as consequências dessa circunstância do âmbito da sociedade, como a apuração de haveres e a redução do capital social.

No que tange à liquidação das quotas sociais, tendo em vista que estas inte-gram a herança do sócio falecido, o contrato social deverá atentar para as regras de sucessão legítima impostas pelo Código Civil, tratadas na segunda parte deste artigo. Contudo, desde que respeitado o direito dos herdeiros necessários ao re-cebimento da legítima (parte indisponível da herança), é possível que o contrato social traga previsão acerca do destino de parte das quotas (correspondente à par-te disponível da herança) não em favor dos herdeiros, mas da própria sociedade.

1.5 Previsão de dissolução total da sociedade

Há, por fim, a hipótese de dissolução da sociedade, que ocorre quando existe prévio acordo dos sócios neste sentido ou posteriormente, na circunstância do fale-cimento de um dos sócios e não havendo interesse dos sócios remanescentes e her-deiros em dar continuidade ao negócio. Nesse último caso, o Código Civil estipula um quórum para aprovação da dissolução societária, de três quartos do capital social.5 Com a dissolução, rompe-se o vínculo contratual e procede-se à apuração de haveres, devendo ser respeitado o procedimento legal de extinção da sociedade.

As regras sucessórias, portanto, não só podem como devem ser estipuladas no contrato social (dentro dos limites legalmente permitidos), de modo a garan-tir que sejam preservados, de um lado, os direitos dos herdeiros e, de outro, dos sócios remanescentes. Assim, possibilita-se que seja resguardado o bom rela-cionamento entre as pessoas envolvidas e, via de consequência, mas não menos importante, o princípio da preservação da empresa para que esta cumpra sua finalidade social.

4 A Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos XXII e XXX, dispõe: “XXII- é garantido o direi-to de propriedade; (...) XXX- é garantido o direito de herança.”5 Regra do artigo 1.071, inciso VI, em conjunto com o artigo 1.076, inciso I, ambos do Código Civil (Lei 10.406/2002)

Livro 1.indb 215 07/12/2011 09:48:05

Page 75: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

216

2. A transmissão causa mortis da participação societáriado sócio na sociedade limitada em caso de omissão docontrato social

As normas de direito sucessório aplicam-se integralmente na transmissão das quotas sociais do sócio falecido, caso o contrato social omita o regramento da sucessão e não haja deliberação entre os herdeiros e os demais sócios.

Aplica-se ao caso, irrestritamente, o Princípio da Saisine6, conforme dispõe o arti-go 17847 do Código Civil Brasileiro. Sendo assim, as quotas sociais do de cujus, como bens integrantes da herança que são, transmitem-se de imediato aos herdeiros.

O que acaba por gerar contradição é exatamente a forma como estas quotas são transmitidas, o que tratamos no primeiro ponto deste artigo. Diferentemente do que pensa a maioria dos herdeiros, o que acaba sendo transmitido é tão so-mente o valor econômico das quotas, e não a posição de sócio até então exercida pelo de cujus. Na prática, tal impedimento acaba por gerar uma frustração nos her-deiros, principalmente por nutrirem a expectativa de administração da sociedade.

Para que o herdeiro exerça a condição de sócio, é indispensável que tal acerto tenha sido objeto de discussão no contrato social.

Visando amenizar os conflitos, verificamos que, na maioria dos casos, quan-do o contrato social silencia, os demais sócios acabam por acordar com os her-deiros, sendo para autorizar a entrada destes no quadro social da empresa, seja para dissolver a sociedade.

2.1 Quem são os herdeiros necessários estipulados por lei

A capacidade para suceder será sempre regulada pela lei em vigor à época da morte, conforme dispõe o artigo 1.7878 do Código Civil Brasileiro.

A nova legislação civil brasileira, em seu artigo 1.8459, elevou o cônjuge ou companheiro à condição de herdeiro necessário, tanto em concorrência com os descendentes como com as ascendentes, quando o regime pactuado for da co-munhão parcial de bens.

6 É a forma como se dá a transferência dos bens do de cujus aos herdeiros. O Princípio da Saisine é o responsável por transmitir a posse e a propriedade de todos os bens do de cujus no segundo posterior à sua morte, mesmo que os herdeiros, sejam eles legítimos ou testamentários, ignorem o ocorrido (óbito).7 Artigo 1.784 do CCB: Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legí-timos e testamentários.8 Artigo 1.787 do CCB: Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela.9 Artigo 1.845 do CCB: São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Livro 1.indb 216 07/12/2011 09:48:05

Page 76: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

217

Desta forma, atualmente a ordem hereditária da sucessão legítima segue a seguinte classificação:

• Descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente;• Ascendentes em concorrência com o cônjuge;• Cônjuge sobrevivente;• Colaterais.

Ressalta-se que o cônjuge, quando concorrendo com os descendentes, herda quando o regime pactuado na união for o da comunhão parcial de bens e sempre que houver bens particulares deixados pelo de cujus. A legislação prevê ainda que o cônjuge concorrerá com igual quinhão com os descendentes, e deverá re-ceber no mínimo a quarta parte caso também seja ascendente dos herdeiros.

Quando em concorrência com os ascendentes, herda por cabeça, sem qual-quer tipo de restrição quanto ao regime de bens.

Para uma melhor análise das particularidades dos regimes de bens e das concorrências da sucessão hereditária, apresentamos o quadro comparativo abaixo10:

Direito à Meação

Cônjuge (Casamento) Companheira (união estável)

Direito à Meação Existe no regime da comu-nhão parcial, relativo aos bens adquiridos na constân-cia do casamento.Existe no regime da comu-nhão universal.Inexiste no regime de separação obrigatória (legal), salvo dos bens adquiridos na constância do casamento (Súmula 377/STF).

Sempre existente, por-quanto adotado o regime de comunhão parcial, em relação aos bens, salvo pacto (CC/1.715).

10 SILVEIRA, Marco Antonio Karam. A sucessão causa mortis na sociedade limitada. Editora: Li-vraria do Advogado. Porto Alegre, 2009. pág. 111.

Livro 1.indb 217 07/12/2011 09:48:05

Page 77: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

218

Direito Sucessório

Cônjuge (Casamento) Companheira (União Estável)

Concorrência com descen-dentes comuns

Só herda no regime da separação convencional e da comunhão parcial, existindo bens particulares. Herda quota igual à dos filhos, mas tem sempre assegurada a quarta parte da herança caso os descendentes sejam comuns.Não herda no regime da comunhão universal, separa-ção obrigatória e comunhão parcial sem existência de bens particulares.

Quota equivalente à do filho, quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a união.

Concorrência com descen-dentes somente do sócio morto (exclusivos)

Idem, à exceção de que não tem assegurada a quarta parte da herança.

Metade da quota que couber a cada um dos filhos do morto.

Concorrência com des-cendentes do sócio morto (exclusivo) e destes com a sobrevivente (comuns)

Não há previsão. Idem, mas também não assegurada a reserva da quarta parte da herança.

Não há previsão. As possibili-dades são interpretativas.

Concorrência com os ascen-dentes

Tem direito a um terço da herança, concorrendo com ambos ascendentes em 1º grau, ou metade da herança, haven-do apenas um ascendente.

Tem direito a um terço da herança.

Concorrência com outros parentes sucessíveis

Não concorre com outros parentes. Não havendo des-cendentes ou ascendentes, o cônjuge herda sozinho, seja qual for o regime de bens.

Tem direito a um terço da herança. Somente herda a totalidade da herança se não existirem parentes suces-síveis.

Superada a questão, cabe lembrar que, omisso dispositivo próprio no contra-to social, o direito do cônjuge ou companheiro fica restrito ao valor das quotas sociais, devendo sempre estar vinculado à apuração dos haveres.

Quanto à sucessão dos filhos, vale sempre ressaltar que a Constituição Fede-ral de 1988, em seu artigo 227, §6º11, trouxe ao nosso ordenamento a igualdade

11 Artigo 227, § 6º da CFB: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adoles-cente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, a profissio-nalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opres-são. (...)§ 6º. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos

Direito no Plural14.indd 218 08/12/2011 17:48:44

Page 78: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

219

absoluta entre os filhos, vedando qualquer tipo de diferenciação entre os conce-bidos na vigência de casamento, união estável ou concebidos fora destas.

2.2 Acordo dos herdeiros e ou legatários com os sócios

Na prática, visando minimizar os efeitos negativos da sucessão causa mortis, os demais sócios acabam por acordarem com os herdeiros, sendo para autorizar a entrada destes no quadro social da empresa, seja para mantê-los como sócios sem poder de gestão, ou para dissolver parcialmente a sociedade.

A melhor forma de redigir um acordo que atenda as exigências de ambos os polos é, sem dúvida, quando se opta pela mediação.

Colocando-se de lado os interesses e as vaidades, busca-se o meio termo, o bem comum entre os herdeiros e os sócios remanescentes, sempre visando à proteção do patrimônio empresarial. A mediação visa anular o efeito prejudicial do litígio, que muitas vezes tende a enfraquecer não só a imagem da empresa frente aos clientes, mas principalmente o poder de gerência e os recursos finan-ceiros da sociedade.

2.2.1 Demais sócios autorizam a entrada dos herdeiros no quadro social da sociedade

Optando pela primeira modalidade, os sócios remanescentes podem sim im-por condições para o ingresso do herdeiro no quadro administrativo da sociedade.

Na maioria dos casos, a exigência de curso superior ou técnico para o exercí-cio da função é indispensável para um bom gerenciamento.

Devemos atentar à seguinte diferenciação: herdeiro é apenas um determina-do membro da família; sucessor é um herdeiro que se prepara corretamente para assumir uma determinada posição dentro da sociedade.

A construção desta personalidade sucessora é muito comum quando lida-mos com empresas familiares, visto que estas utilizam os Acordos Familiares e os Acordos de Sócios para delimitar a caminhada deste aspirante a sucessor dentro da sociedade.

Existe ainda a possibilidade deste herdeiro continuar vinculado à socieda-de, sem poderes de gestão, apenas recebendo os haveres da empresa, como um sócio minoritário. Tais disposições devem ser tratadas mediante acordo com os demais quotistas.

e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Livro 1.indb 219 07/12/2011 09:48:06

Page 79: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

220

2.2.2 Demais sócios optam por dissolver parcialmente a sociedade

Optando em dissolver parcialmente a sociedade, as quotas integrantes do patrimônio herdado deverão ser liquidadas, com o consequente pagamento de haveres aos herdeiros. Cria-se na prática uma relação jurídica obrigacional, onde de um lado atuam como credores os herdeiros do sócio falecido, e, do outro lado, como devedores, a própria sociedade.

Finalizada a liquidação das quotas, estas podem ser adquiridas por um ou mais de um dos sócios remanescentes, pela própria sociedade ou, em último caso, com a redução do capital social.

Frisa-se que, na maioria das vezes que a empresa opta pela liquidação de suas quotas, o desgaste é imensurável.

Em muitos casos, os litígios perduram por anos, visto que o valor patrimo-nial das quotas é o maior motivo de conflito entre os sócios e credores. Confor-me já informamos no capítulo anterior, tal apuração de haveres extingue com a sociedade.

2.3 Estipulações testamentárias

Cumpre lembrar ainda que, omissa as estipulações no contrato social, fica o sócio livre para estipular o destino de suas quotas sociais mediante a elaboração de um testamento.

Da mesma forma, todas as disposições que tratarem de atos póstumos, informa-das no contrato social da empresa, servirá para o testamento. Aqui entendemos que o testamento é o complemento do que já fora definido e pactuado no contrato social.

Existindo omissão, fica o testador livre para dispor de todas as questões pa-trimoniais de suas quotas sociais, impossibilitando os demais sócios de impug-nar tais disposições. Tais limites de estipulação serão definidos pela própria lei sucessória (meação, parte disponível do patrimônio e herdeiros necessários).

Outrossim, quando a vontade do testador versar sobre o aspecto pessoal de suas quotas – status socci –, indicando, por exemplo, um substituto no seu cargo de gestão, suas disposições obrigatoriamente estarão condicionadas ao aceite dos demais sócios. Esse aceite está intimamente vinculado ao affectio societatis.

Tal disposição se faz necessária visto que o testamento é mera manifestação de vontade do sócio-testador, diferentemente do que ocorre no contrato social, que exige a deliberalidade de todos os sócios.

Nesse sentido, merece destaque a posição de Marco Antonio Karam Silveira12:

12 SILVEIRA, Marco Antonio Karam. A sucessão causa mortis na sociedade limitada. Editora: Li-vraria do Advogado. Porto Alegre, 2009. p. 120.

Livro 1.indb 220 07/12/2011 09:48:06

Page 80: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

221

“No contrato social, a formação da vontade é desencadeada pelo conjunto dos sócios, que acabam clamando, no documento de re-gência societária, a vontade da própria sociedade. Os sócios ade-rem, em pacto conjunto, à estipulação dos efeitos da morte de um deles, o que redunda na observância obrigatória do pactuado.”

Optando os demais sócios pela não aplicação das regras testamentárias dis-postas pelo sócio falecido, poderão utilizar a tutela inibitória, visando a que os sucessores não ingressem no quadro social da sociedade.

Nesta peça versará um pedido mandamental para que os sucessores sejam impedidos de participar do quadro social, sob pena de fixação de astreintes, em razão da ilicitude desta disposição testamentária, nos termos do artigo 46113 do Código de Processo Civil.

Considerações finais

O processo sucessório, seja no âmbito empresarial ou familiar, é algo com-plexo e, muitas vezes, tenso e desgastante. Quando estas realidades se encon-tram, há margem para os mais diversos tipos de conflitos. E isso ocorre com muita frequência, tendo em vista que o perfil das empresas no Brasil é predomi-nantemente familiar.

Desta realidade decorre a relevância de se realizar um planejamento sucessó-rio familiar e empresarial, que tem o condão de abreviar ou até mesmo dirimir estes conflitos, na medida em que auxilia na sua solução e garante segurança jurídica a todos os envolvidos neste processo.

A fim de viabilizar um planejamento sucessório, é possível a utilização de diversos remédios jurídicos, como a realização de acordos de sócios ou mesmo entre os membros da família, constituição de holdings, previsões testamentárias e outras inúmeras possibilidades.

A utilização destes meios permite que todos os envolvidos na sucessão este-jam preparados, cientes e conscientes do papel que desempenham e deverão vir a desempenhar. Garante-se, assim, a convergência de objetivos e a reunião de esforços para atingi-los, de modo que sejam asseguradas tanto a preservação da empresa como a harmonia familiar.

13 Artigo 461 do CPC: Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determina-rá providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

Livro 1.indb 221 07/12/2011 09:48:06

Page 81: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

Referências bibliográficas

LÔBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. 2ª Edição. Editora: Saraiva. São Paulo, 2009.MACEDO, José Ferreira de. Sucessão na Empresa Familiar. Editora: Nobel. São Paulo, 2009.SILVEIRA, Marco Antonio Karam. A sucessão causa mortis na sociedade limita-da. Editora: Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2009.

Livro 1.indb 222 07/12/2011 09:48:06

Page 82: A Campos Escritórios Associados atua - ondawebinfo.com.br · Diário de Notícias era um grande jornal que concorria com o Correio do Povo. Ernesto Corrêa, meu pai, era o diretor-geral

Joana GalleGo ZieroAdvogada da holding Campos Advocacia, pós-graduada em Direito Empresarial pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas.

roberta borsattoAdvogada de família e sucessões, pós-graduada em Direito de Família pela PUC/RS.