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BRUNO CÉSAR OLIVEIRA LOPES A BUSCA DA FELICIDADE E O BEM-ESTAR NO MUNDO PÓS-MODERNO TEÓFILO OTONI 2012

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BRUNO CÉSAR OLIVEIRA LOPES

A BUSCA DA FELICIDADE E O BEM-ESTAR NO MUNDO PÓS-MODERNO

TEÓFILO OTONI

2012

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BRUNO CÉSAR OLIVEIRA LOPES

A BUSCA DA FELICIDADE E O BEM-ESTAR NO MUNDO PÓS-MODERNO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Comissão Examinadora das Faculdades Integradas Doctum - Campus Teófilo Otoni, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Área de Conhecimento: Psicologia Orientador: Adelice Jaqueline Bicalho.

TEÓFILO OTONI

2012

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FOLHA DE APROVAÇÃO

O Trabalho de Conclusão de Curso intitulado:

A BUSCA DA FELICIDADE E O BEM-ESTAR NO MUNDO PÓS-MODERNO

Elaborado pelo Aluno: BRUNO CÉSAR OLIVEIRA LOPES

Foi aprovado por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo curso de Psicologia das

Faculdades Unificadas Doctum de Teófilo Otoni, como requisito parcial da obtenção do título de:

BACHAREL EM PSICOLOGIA

Teófilo Otoni, ______ de ______________________________ de __________.

__________________________________________

Orientador: Prof. Msc. Adelice Jaqueline Bicalho

__________________________________________

Examinador 1- Profa. Neuslete Esteves dos Santos

__________________________________________

Examinador 2- Profa. Alide Altivo Gomes

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RESUMO

A busca da Felicidade torna-se quase um dever no mundo pós-moderno e

obtê-la é um desejo comum a quase todas as pessoas. Ao analisar o conceito de

felicidade, focando o papel da sociedade e da cultura, a psicanálise reflete como a

vida em sociedade exige sacrifícios pulsionais da ordem do desejo, causando no

sujeito certo mal-estar. Com isso tem-se como objetivo desenvolver uma análise

sobre o tema felicidade, evidenciando as perspectivas de Sigmund Freud,

correlacionando suas ideias com as de outros autores da psicologia sócio-histórica A

questão norteadora indaga em que aspectos a literatura psicanalítica dos conceitos

de Freud pode contribuir na compreensão sobre as perspectivas de felicidade no

mundo pós-moderno. Para tanto se utiliza como método a revisão bibliográfica com

leitura e análise de obras científicas (livros, artigos e revistas), obras resultantes de

videoconferências e seminários. O mundo pós-moderno perpetua um ideal ilusório

de completude que leva pessoas infelizes a se portarem como se fossem felizes, por

meio da busca de objetos transitórios ofertados como promotores de felicidade,

mascarando o desprazer. No entanto, vivenciar ou alcançar a felicidade parece ser

um desejo comum a todos os seres humanos, em todas as épocas da história,

sendo que cada um escolhe o meio que interpreta como sendo o mais adequado

para alcançá-la. Conclui-se que a temática da felicidade, como objeto de desejo, é

pouco estudada cientificamente e não existe como um conceito já pronto e acabado,

abrindo espaços para novas pesquisas acerca do tema.

Palavras chave: Consumo, Felicidade, Psicanálise, Pós-modernidade.

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Perceber que cada um de nós caminha sozinho, mas que pelo

caminho alguns vão conosco, outros se perdem, mudam de

direção ou permanecem parados, me faz considerar que a

transitoriedade das coisas e da vida é algo que devemos

valorizar sem demasiado apego, mas com um justo sentimento

de afetividade. Dedico assim este trabalho a cada uma das

pessoas que me escolheram em determinado momento, vendo

em mim alguém confiável para compartilharem suas angústias,

seus anseios, seus medos, seus desejos e sonhos, pois foi a

partir disto que me interessei pela psicologia, e em especial

pelo tema trabalhado.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus: por abrir as portas e permitir a vitória desta etapa,

que muito embora ainda falte o aval dos mestres, já se faz em êxito pessoal;

A minha família: Pai, mãe e Tia Gêra pelos valores que fizeram o homem que me

tornei e por todo o suporte necessário aos momentos de dificuldade;

A meus irmãos, Cris e Rafael por ajudarem a superar o estresse e as adversidades

na construção deste trabalho de conclusão;

Aos amigos de sempre, Jean, Tio, Gilmária, Dudu, presentes no coração, cada um

contribuindo de maneira direta ou indireta para minha formação;

Aos professores pelo saber transmitido, em especial, àqueles que de alguma forma

me incentivaram, Juliene Chacara Migues, Solange Nunes Coelho, Adelice Bicalho,

Carlos Schuette Jr., Robson Campos e Adriane Nóbrega.

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A Felicidade

(Vinícius de Moraes)

Tristeza não tem fim

Felicidade sim

A felicidade é como a pluma

Que o vento vai levando pelo ar

Voa tão leve

Mas tem a vida breve

Precisa que haja vento sem parar

A felicidade é uma coisa boa

E tão delicada também

Tem flores e amores

De todas as cores

Tem ninhos de passarinhos

Tudo de bom ela tem

E é por ela ser assim tão delicada

Que eu trato dela sempre muito bem

Tristeza não tem fim

Felicidade sim

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9

1 CONCEITUANDO FELICIDADE ........................................................................... 12

2 A CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO TERMO FELICIDADE ..................... 17

2.1 FELICIDADE NA VISÃO FILOSÓFICA ............................................................. 17

2.2 TRANSFORMAÇÕES SOCIAS E A BUSCA DA FELICIDADE ......................... 23

3 A FELICIDADE NA PSICANÁLISE .................................................................... 33

3.1 FELICIDADE: O QUE DIZER DISTO? ............................................................... 28

3.2 CORRELAÇÕES DA PSICANÁLISE COM A PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

.................................................................................................................................. 42

3.3 A BUSCA DA FELICIDADE E O MUNDO PÓS-MODERNO .............................. 43

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 53

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 50

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INTRODUÇÃO

Vivenciar a felicidade parece ser um desejo comum a todos os seres humanos,

em todas as épocas da história, sendo que cada um escolhe o meio de vida que

interpreta como sendo o mais adequado para alcançá-la.

O mundo pós-moderno é identificado em muitos aspectos por um crescente

desapego nas relações interpessoais, individualismo exagerado, cultura do

hedonismo e do consumismo e um desinteresse pelos fenômenos sociais, o que

demarcam as subjetividades em uma realidade do consumo. Estas subjetividades,

reeducadas pela velocidade das mudanças e a sobrecarga de informações do

mundo pós-moderno, apresentam uma instabilidade dos desejos e uma insegurança

que influem em uma busca, em um consumo constante, como forma de sustentação

que lhe oferte felicidade.

A felicidade neste contexto torna-se um dever, onde diversos objetos são

tomados como possibilidade para alcançá-la, perpetuando um ideal ilusório de

completude numa felicidade mascarada, ou seja, ilusória, forjada em uma ideia de

pronta e infinita, ressignificando valores como o amor, fé e amizade. Frente a tantos

ideais novos, diversos tipos de objetos são ofertados como sendo aqueles que

proporcionarão a felicidade para a atual sociedade consumista, sendo estes objetos

um meio transitório de minimizar o desprazer.

O prazer é, sem dúvida, a essência básica da felicidade advinda da realização

de desejos e da alegria experimentada. Contudo, nem sempre quando um sujeito

experimenta prazer, através de algum objeto que investiu, sente um bem-estar,

podendo esse sucesso ser algo penoso, porém mantido para que assim esse sujeito

possa estar inscrito socialmente e consumindo o que os demais consomem.

Diante de tantas formas simbólicas com que o mundo pós-moderno oferta a

felicidade correlacionando-a com o prazer, problematiza-se de que forma a literatura

psicanalítica dos conceitos de Sigmund Freud pode contribuir na compreensão das

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perspectivas de felicidade no mundo pós-moderno? Partindo desta problemática

tem-se como objetivo desenvolver uma análise sobre o tema felicidade,

evidenciando as perspectivas de Freud com suas possíveis aplicações,

correlacionando as ideias dos autores com outros da psicologia sócio-histórica.

Pesquisar a temática da felicidade sob o olhar da psicanálise é um estudo em

que, além de correlacionar as maneiras e motivos pelos quais a felicidade é buscada

atualmente, com base em algumas ideias desenvolvidas por Freud, provocaria a

reflexão sobre o que pode existir como fragilidades nas perspectivas atuais de

felicidade, considerando a atitude de consumismo da sociedade pós-moderna.

Metodologicamente, esta pesquisa classifica-se como sendo bibliográfica,

ocorrendo através de leitura e análise de obras científicas (livros, artigos e revistas),

obras resultantes de videoconferências e seminários, aprofundou-se e sustentou-se

teoricamente a temática da felicidade, posta em questão, com base em autores

como Sigmund Freud, Leonardo Gorostiza, Eric Laurent, Zigmunt Bauman, Gilles

Lipovetsky, André Lèvy et. all, além de serem disponibilizados diversos artigos em

formato eletrônico e da contribuição da psicologia sócio-histórica e da filosofia, com

obras que abordam algumas perspectivas filosóficas sobre a felicidade.

A fim de melhor explanar a temática proposta, este trabalho foi dividido em três

capítulos. No primeiro capítulo desenvolve-se um breve estudo semântico sobre a

palavra felicidade e a relação que pode ser estabelecida entre os conceitos

elaborados pelos estudos filosóficos e estudos da pós-modernidade.

No segundo capítulo é abordada a influência sócio-histórica no tema da

felicidade, partindo da visão de alguns filósofos, que descreveram suas

interpretações sobre o que consideravam como meio adequado de se vivenciar a

felicidade.

Já no terceiro capitulo retrata-se a busca da felicidade pelo viés da psicanálise,

utilizando-se de algumas ideias de Sigmund Freud e alguns de seus seguidores

sobre o tema; em seguida aborda-se a contribuição de autores da psicologia sócio-

histórica para este estudo. Por fim explana-se sobre o mundo pós-moderno,

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descrevendo a forma como nossa atual sociedade está estruturada propondo-se

uma reflexão na perspectiva analítica sobre a forma consumista como a felicidade é

vivenciada atualmente.

Considera-se que tanto a psicanálise como a psicologia sócio-histórica se

usadas separadamente para desenvolver o tema da felicidade, seriam insuficientes

para tratar dessa questão no âmbito da sociedade globalizada, mas à medida que

forem correlacionadas, pode-se com elas analisar alguns pontos que dizem respeito

à complexidade do assunto e contribuir socialmente com o tema fomentando uma

quantidade maior de estudos.

No entanto, a temática da felicidade, transformada em objeto de desejo, é

pouco estudada cientificamente, existindo por diversas perspectivas socioculturais

do senso comum. Com relação à psicologia e sua tarefa de auxiliar o sujeito em suas

questões, considera-se relevante entender como funciona a dinâmica da felicidade

atualmente; em que consiste essa felicidade e as possibilidades de alcançá-la; como ela

é experienciada e se o que se denomina bem-estar é sinônimo de ser feliz; além de

cultivar a invenção de novas saídas que possibilitem às pessoas serem felizes mesmo

com grandes adversidades, questões que podem ser abordadas pela psicologia com

base na psicanálise e psicologia sócio-histórica.

Espera-se que um trabalho de análise deste tipo possa não apenas esclarecer

sobre o tema em questão, mas provocar novos questionamentos a fim de que se

ampliem as pesquisas e interesse dos leitores e sujeitos implicados com essa

inquietude, que é a busca pela felicidade.

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1 CONCEITUANDO FELICIDADE

Estabeleceu-se como um ponto inicial para o desenvolvimento deste trabalho,

a abertura de um questionamento sobre a felicidade e como ela é definida,

deparando-se assim com uma complexidade de significações dadas a este termo,

que se diversificam de acordo com aspectos latitudinais e longitudinais1, situados a

nível individual e coletivo.

Em qualquer estudo que se realize é necessário considerar o contexto sócio-

histórico e cultural para que se possa apreender mais fidedignamente a realidade do

objeto de estudo, e não seria diferente para este termo. Sendo assim diante da

complexidade e amplitude de significações de felicidade, opta-se por desenvolver

um estudo da semântica da palavra, partindo de sua definição.

O termo felicidade segundo o dicionário eletrônico Michaelis sf (lat felicitate) refere-se ao “Estado de quem é feliz. Ventura. Bem-estar, contentamento. Bom resultado, bom êxito. F. eterna: bem-aventurança. Em Latim, a palavra felix (genitivo felicis) queria dizer - originalmente - "fértil", "frutuoso" ("que dá frutos"), "fecundo". Mais tarde felix tornou-se sinônimo de "afortunado", "alegre", "satisfeito".

2

Estabelecida como um “estado”, pode-se situar a felicidade como uma

condição ligada a uma situação vivenciada. Neste sentido, atribui-se a esta condição

um efeito prolongado, ou mesmo de plenitude, ou seja, ser feliz é, segundo esta

concepção, estar completo permanentemente. A Felicidade neste sentido apontaria

para um aspecto divino, em concordância com a filosofia de felicidade perfeita

apresentada por Aristóteles, que será tratada em capítulo posterior.

Porém, de acordo com a psicanálise, o ser humano é um ser de falta, logo,

busca a felicidade almejando uma completude imaginária, impossível de se obter em

concretude: “Somos feitos de modo a só podermos derivar prazer intenso de um

1O aspecto latitudinal é ditado por fatores situacionais como “procurar a sombra num dia de forte

calor” enquanto que aspectos longitudinais são as experiências passadas, fatores hereditários, características de personalidade.(ASSMAR; JABLONSKI; RODRIGUES, 2005, p.23) 2BRAGANÇA, 2012.

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contraste, e muito pouco de um determinado estado de coisas que perdure” 3.

Passível de manifestação, a felicidade pode ser experimentada, mas sua

permanência é uma ilusão. Este conceito psicanalítico será melhor explanado no

decorrer deste trabalho, visto a psicanálise ser o aporte teórico de maior peso nesta

pesquisa.

Ainda com base no significado da palavra felicidade, a satisfação do desejo,

também incluída como um aspecto pertinente ao termo, é sem dúvida o cerne da

questão para a visão psicanalítica: A satisfação é o alívio da tensão psíquica que se

apoia em uma necessidade real do sujeito, e lhe confere a sensação de prazer ao

ser realizada4.

Para que seja melhor compreendida esta visão, propõe-se o mesmo estudo

semântico partindo para palavra satisfação, que no dicionário eletrônico Priberam5 é

definida como: “ato ou efeito de satisfazer, saciar, agradar; alegria; contentamento;

prazer”. Como um ato ou um efeito de satisfazer, pode-se estabelecer que o que

está sendo satisfeito pode ser tanto um desejo quanto uma necessidade. Sendo

assim, está contente quem se satisfez. Se a mesma satisfação não leva o sujeito a

um contentamento, pode ser que a necessidade satisfeita não chegou ao nível do

que era desejado. O desejo aí, então insatisfeito, gera um descontentamento mesmo

com a satisfação de uma necessidade.

Se o sujeito está contente com aquilo que realizou, diz-se então que está

alegre, ou seja, manifesta contentamento, júbilo, e esta alegria, um tipo de ação

feliz, embora não seja a felicidade, é sua forma de se expressar. Apesar de haver

uma relação entre elas, “a felicidade e a alegria, não são a mesma coisa”: A alegria

é uma expressão, uma felicidade cortada, uma parte em relação com o real.6

A felicidade em que o sofrimento e a inquietude estão ausentes é

imaginariamente buscada pelo ser humano que, movido pelo principio de prazer, ou

seja, experimentar prazer e afastar o desprazer se relaciona ao caminho proposto

3FREUD, 1996, p.84. 4GARCIA-ROZA, 2009, p.54.

5Disponível em: Priberam.pt – Dicionário eletrônico.

6GOROSTIZA, 2009, p.5.

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por outro filósofo, Epicuro, no que ele chamou de aponia e ataraxia, conceituados no

próximo capítulo. Contudo, sabe-se que uma vida sem sofrimento algum não existe,

pois as adversidades que a natureza, o corpo e as relações interpessoais nos

impõem, são as mais diversas, e a inquietude que isto provoca proporciona à raça

humana um movimento em busca de melhoria individual e coletiva7.

A felicidade atribuída a um tipo de bem-estar espiritual ou paz interior é

costumeiramente evocada pelo discurso religioso, que religa o ser humano a uma

força superior designada pelo nome de “Deus”. Dessa forma a religião, estabelecida

para religar o sujeito com uma onipotência, provoca um “sentimento oceânico”,

então significado como completude, bem-estar e paz interior. Dessa forma o sujeito

poderia ser feliz através do domínio e restrição de suas paixões por uma conduta

religiosa, ou de outra forma, pela quietude vivenciada por um isolamento voluntário

ou pela prática meditativa da ioga8.

Observa-se que o cuidado com o bem-estar e a paz interior segue a orientação

de cuidado com a alma em primeiro lugar, proposto inicialmente pela filosofia de

Sócrates e não distanciada da filosofia de Aristóteles, também trabalhadas

posteriormente. A mediania, os valores morais e a atividade contemplativa propostos

por Aristóteles, em especial esta última, que cunhava ao homem algo de divino, se

comparadas aos valores e condutas assumidos pelos religiosos, podem ser

colocados como as ideias geradoras da moral religiosa e da felicidade obtida desta

forma.

Continuando com o estudo semântico da palavra felicidade, no dicionário

Priberam está como: “concurso de circunstâncias que causa ventura, estado de

pessoa feliz, sorte bom êxito, bem aventurança” 9. No sentido de bem aventurança,

pode-se considerar que seja “um risco bom”, já que ventura designa “sorte, acaso,

risco”, ou seja, aventurar-se, poderia ser interpretado como se sujeitar ao acaso, ao

risco. Atribuir à felicidade uma sujeição ao acaso, é retirá-la do âmbito de algo que

se obtém com esforço e conferi-la um caráter “Mágico”: “O que podemos alcançar,

7FREUD, 1996, p.84-85.

8Idem,Ibidem, p.80-81.

9Disponível em: Priberam.pt – Dicionário eletrônico

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por méritos e esforços, não pode nos tornar realmente felizes. Só a magia pode

fazê-lo”10.

No dicionário Priberam11 encontra-se os seguintes significados para a palavra

magia: “religião dos magos, ato ou efeito extraordinário, fantástico, encantador,

surpreendente”. Um ato ou efeito extraordinário pode ser interpretado como algo

extra-ordinário, ou seja, algo além da ordem, a mais que o estabelecido; fantástico,

de uma ordem fantasiosa, imaginativa; encantador, algo belo, sedutor, prazeroso e

surpreendente, que incita a surpresa, ao não esperado, não sabido, súbito.

Essa felicidade obtida da magia é uma satisfação não apreensível em palavras,

advinda de um acaso em acordo com o real do desejo e a realidade externa. A

magia neste sentido pode ser entendida como algo vivido em uma situação não

esperada, de forma súbita, que vai além do que se poderia viver naquele momento e

que de fato é belo e prazeroso, pelo acordo que se faz entre a realidade e o real do

desejo. Essa felicidade é a realização de uma fantasia do sujeito, um bom encontro

com algo que o remete ao Objeto a12, em sumo: a felicidade acontece.

Deve-se, no entanto, considerar que retirá-la do âmbito de algo que se obtém

com esforço e permitir que ela aconteça não quer dizer que nenhuma ação deva ser

tomada pelo sujeito na direção de uma vida feliz, dessa forma a infelicidade pode ser

vivenciada quando um único caminho em direção a satisfação é constantemente

frustrado: “Qualquer escolha levada a um extremo, condena o indivíduo a ser

exposto a perigos, que surgem caso uma técnica de viver, escolhida como exclusiva,

se mostre inadequada”13.

10

AGAMBEN apud FORBES, 2009, p.57 11

Disponível em: Priberam.pt – Dicionário eletrônico. 12

Objeto a – “Termo introduzido por Jacques Lacan, em 1960, para designar o objeto desejado pelo sujeito e que se furta a ele a ponto de ser não representável, ou de se tornar um “resto” não simbolizáve” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p.565). 13

FREUD, 1996, p.90.

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Pode-se perceber a partir deste estudo semântico da felicidade, que a cada

tentativa de definí-la, outras tantas palavras são evocadas, demonstrando a cadeia

significante14 que forma e confere um sentido à palavra.

Descreve-se a felicidade como um objeto de desejo humano transformada em

um bem material que pode ser alcançado pela realização de determinados papéis

sociais e pelo consumo de determinados objetos, uma felicidade perfeita e pautada

no prazer, difícil de ser questionada já que se obtém prazer de diversas formas.

Como um ideal advindo do senso comum, essa felicidade mascarada,

alcançada por meio de objetos investidos de valor subjetivo, demonstra a fragilidade

da ideia de completude e de onipotência de uma felicidade perfeita, o que abre a

possibilidade de se encontrar uma felicidade que seja real, de acordo com a fruição

momentânea que se faz pelo caráter transitório tanto do objeto quanto do prazer.

14

O significante é um “Termo introduzido por Ferdinand de Saussure (1857-1913), no quadro de sua teoria estrutural da língua, para designar a parte do signo linguístico que remete à representação psíquica do som (ou imagem acústica), em oposição à outra parte, ou significado, que remete ao conceito. Retomado por Jacques Lacan como um conceito central em seu sistema de pensamento, o significante transformou-se, em psicanálise, no elemento significativo do discurso (consciente ou inconsciente) que determina os atos, as palavras e o destino do sujeito, à sua revelia e à maneira de uma nomeação simbólica” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p.722).

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2 A CONSTRUÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO TERMO FELICIDADE

2.1 Felicidade na visão filosófica

O pensamento socrático influenciou a maior parte dos filósofos gregos que

apresentavam suas filosofias como “mensagens de felicidade” 15, e estabelecia que

a felicidade, termo chamado de “eudaímonía”, significando uma vivência sob a

influência de um espírito bom16, não viria das coisas exteriores nem do culto ao

corpo, e nenhum destes deveria ser melhor cuidado pelo homem do que a sua alma,

único meio pelo qual seria possível atingí-la.

Sócrates acreditava que uma pessoa virtuosa é feliz, entendido no sentido de

que não sofreria com os males da vida nem com a morte:

[...] porque os outros podem danificar-lhe os haveres ou o corpo, mas não arruinar-lhe a harmonia interior e a ordem da alma. Nem na morte, porque, se existe um além, o virtuoso será premiado; se não existe, ele já viveu bem no aquém, ao passo que o além é como um ser no nada.

17

Aristóteles coloca a felicidade como o fim último dos atos humanos e que para

se chegar a ela, é necessário viver segundo a razão. Toda a ação segundo ele, “tem

como objetivo um bem qualquer, por isto tudo tende ao bem” 18, havendo “coisas

boas em si mesmas e coisas úteis que dependem de algo mais” 19.

De acordo com essa forma de se pensar esse bem proposto por Aristóteles,

nem tudo poderia ser entendido como um bem em si mesmo, como por exemplo, no

sentido de uma ação como roubar, o sujeito dessa ação almeja o bem que esse ato

pode lhe proporcionar, à custa de um prejuízo a outrem, e esse bem

especificamente relacionado a quem age é um tipo de ação que poderia levar a uma

sensação de prazer, entendida por este sujeito como um caminho para a felicidade.

15

ANTISERI; REALE, 1990, p.91 16

Idem,ibidem, p.91. 17

Idem,ibidem, p.92. 18

PINTO, 2010, p. 5. 19

Idem,ibidem, p.6.

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Questiona-se o que poderia ser uma coisa boa em si mesma e opta-se por

pensá-la como algo que não poderia ser retificado de tal valor, pois traz uma

utilidade inquestionável, relacionando-se assim de forma direta a tudo aquilo que

garante a vida e a sobrevivência da espécie.

Para se estabelecer um caminho que solucione tal problemática a partir da

filosofia aristotélica, é necessário que se tomem as virtudes por ele propostas, como

forma de conjugar o que seria um bem em si mesmo, para o sujeito e para o seu

meio. Propondo dois tipos de virtudes, as intelectuais e as morais. Aristóteles

estabelece que, a primeira nasce e cresce por meio do ensino, e que as virtudes

morais se concretizam através do hábito e não da natureza.

Contudo, pensa-se que ambas as virtudes descritas por Aristóteles como um

possível caminho para uma vida digna e feliz, são frutos do ensino e do hábito.

Nenhuma atividade intelectual se desenvolve naturalmente, assim como se pode

observar nas virtudes morais, estabelecidas como hábitos.

O exercício seria o meio proposto por Aristóteles para se adquirir virtudes,

sendo que as mesmas eram entendidas por ele como “disposição de caráter

relacionada com a escolha de ações e paixões, e consiste numa mediania (...) é um

meio termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta”.20 Esse meio termo

proposto e usado frente às ambiguidades da vida sempre direcionam ao que é justo,

à “justa medida, segundo a qual se distribuem os bens, as vantagens, os ganhos e

se administra a política”.21

Outro aspecto ressaltado em direção à felicidade é a amizade, que segundo

Aristóteles, “é uma virtude ou implica a uma virtude, e, além disto, é de suma

necessidade na vida humana”.22 Para Aristóteles a felicidade é autossuficiente e

todo ser humano a busca como um fim em si mesmo, sendo, portanto, uma

atividade da razão, onde o homem não se resume a ela, possuindo “algo de

20

PINTO, 2010, p.6. 21

Idem, ibidem, p.7. 22

PINTO, 2010, p.8.

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estranho à razão, que a ela se opõe e resiste, mas que, no entanto, participa da

razão” 23.

De acordo, ainda com o pensamento do autor antes citado, o homem seria

capaz de dirigir seu lado impetuoso pela virtude adquirida pelo hábito, repetindo

sucessivamente os atos que conduzem a uma justa medida, que “tem a ver com

paixões e ações, nas quais o excesso e a falta constituem erros e são censurados,

ao passo que o meio é louvado e constitui retidão”.24

Pode-se notar ao realizar a leitura sobre sua filosofia, que Aristóteles almejava

a perfeição do homem através da perfeição de sua alma racional, cunhando o termo

“virtude dianoética” 25 para designar a sabedoria, que consiste na escolha daquilo

que é bem ou que é mal para o homem e as formas que ele se utilizará para realizá-

lo, e a sapiência, ou seja, o conhecimento de uma realidade superior que aproxima o

homem de sua essência divina.

Exercitando sua sapiência o homem alcançaria a perfeição de sua atividade

contemplativa, sendo esta, portanto, sua felicidade perfeita, uma atividade da razão

que almeja um fim em si mesmo e obtém prazer por tal, autossuficiente e que não

gere cansaço. Quando tudo isto cobre a vida do homem em toda a sua duração,

sem que os aspectos que estruturam a felicidade estejam incompletos, ele possui a

perfeita felicidade. “Mas uma vida desse tipo seria muito elevada para o homem:

com efeito, ele não viverá assim enquanto homem, mas enquanto há nele algo de

divino”.26

A ideia de completude e de onipotência divina que se evidencia pelo discurso

aristotélico como felicidade perfeita se associa a um tipo de emoção, por ele

denominada prazer, que passa a ser tomada como o verdadeiro bem a ser

realizado, o verdadeiro caminho para a felicidade.

23

ANTISERI; REALE, 1990, p.204. 24

Idem, ibidem, p.205. 25

Idem, ibidem, p.205. 26

Idem, ibidem, p.206.

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A filosofia grega tem em Epicuro de Samos, outro estudioso sobre a felicidade.

Tendo no prazer o bem que direciona à felicidade, o referido filósofo funda a primeira

escola helenística em Atenas por volta do fim do século IV a.C., e estabelece um

novo discurso que ousou revolucionar as escolas de Platão e Aristóteles, que

embora estivessem próximas cronologicamente, haviam deixado de se apresentar

como algo novo a dizer.

Com sua compreensão revolucionária da realidade, entende-se que Epicuro

demonstra que, embora o homem tenha bens exteriores que se fazem necessários

ou supérfluos, a verdadeira felicidade vem de dentro dele indicando um caminho

novo para alcançá-la. À primeira vista, não seria assim uma grande novidade, visto

que essa mensagem foi também exposta por Sócrates, ao enfatizar o cuidado com a

alma, e por Aristóteles, ao propor a mediania e as virtudes morais.

O que há de novo no discurso epicurista, é que a felicidade estando sempre e

somente no homem confere valor maior à vida material, bastando pouquíssimo para

mantê-la, um pouco que proporcionaria prazer e que está disponível a todos, sendo

assim todo o resto vaidade e excesso de desejos. Escolhendo um jardim no

subúrbio de Atenas, afastado da vida pública e delegando grande importância ao

silêncio e ao campo do qual era próximo, Epicuro dizia: “livremo-nos amplamente do

cárcere das ocupações cotidianas e da política” 27, para viver separado da multidão

e da vida pública.

A política, que em si, é algo não natural, comprometeria a felicidade ao ser

fundamentada em desejos de poder, fama e glória, iludindo o homem e o levando a

um caminho de dores e perturbações, e assim Epicuro orientava: “retira-te para

dentro de ti mesmo, sobretudo quando és constrangido a estar entre a multidão”.28

Os seguidores de Epicuro chamados de “os filósofos do jardim” passaram a ser

conhecidos como os epicuristas e pregavam que a realidade é apreensível e

penetrável pela inteligência humana, existindo assim espaço para a felicidade, que

seria a ausência de dor e perturbação conseguidas pela autossuficiência do homem,

27

ANTISERI; REALE,1990, p.248. 28

ANTISERI; REALE,1990,p.249.

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tendo no prazer seu bem máximo. O caráter materialista da filosofia epicurista, que

estabelecia essa autossuficiência, delegava uma igualdade a todos, pois a busca

pela paz de espírito seria algo de comum e todos poderiam atingí-la se quisessem.

Nesse sentido o jardim comportava a todo tipo de homem que estivesse em

busca de sua felicidade, não importando se era nobre ou não, bastando que

soubessem retirar prazer das pequenas coisas e de que não causassem conflitos de

ideias. Os epicuristas negavam toda a transcendência demarcando a fé no

materialismo através de sua física epicureia, embasada na perspectiva dos

atomistas pré-socráticos. A partir deste embasamento consideravam que "a alma,

como todas as outras coisas, é agregado de átomos [...] Portanto, como todos os

outros agregados, a alma não é eterna, e sim mortal".29

A verdadeira felicidade, pautada no prazer, viria a ser a “ausência de dor no

corpo (aponia) e a falta de perturbação da alma (ataraxia)” 30, e não ao prazer

desregrado que alguns difundiam em detrimento de uma razão que aprofunda as

motivações e escolhas, rejeitando futilidades e prazeres fugazes que apenas trariam

dores e perturbações.

Sendo assim Epicuro definiu os tipos de prazeres aos quais o homem estava

submetido na vida como: (1) naturais e necessários - são os que diretamente

conservam a vida como comer, beber, dormir, excluindo deste grupo o prazer do

amor, atribuído como fonte de dor e perturbação; (2) naturais, mas não necessários

– apenas variações do primeiro grupo como comer, beber, e vestir-se de formas

mais refinadas; e (3) prazeres não naturais e não necessários – que são os prazeres

fruto dos desejos humanos por poder, riquezas, glórias e luxúrias.31

A filosofia de Epicuro enfatizando a busca do prazer e o afastamento da dor

delegou ao homem à tarefa de ser feliz à maneira mais simples e natural, não

temendo ou esperando a intervenção divina, sem correr riscos ambiciosos ou

mesmo se envolvendo com sentimentos mais profundos como o amor.

29

Idem,ibidem, p.245. 30

Idem,ibidem, p.247. 31

ANTISERI; REALE, 1990, p.247.

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Essa perspectiva filosófica admitia a amizade, partindo do pressuposto que o

homem ao se interiorizar, se individualizava de tal forma que ele se bastava, e assim

poderia estabelecer um laço livre com um outro que lhe fosse semelhante na

maneira de viver. A amizade entre indivíduos que se bastam era pautada numa

utilidade, almejando determinadas vantagens até que, pela utilidade se fazer de

forma prazerosa, o amigo seria o maior bem que a sabedoria buscava para se

alcançar uma vida feliz.

Como se pode perceber desde a antiguidade filosófica, a felicidade é

transformada em um sentimento que se caracteriza como um objeto de desejo

humano, sendo estabelecida como um bem alcançado pelo cuidado que o homem

tem com sua alma, com as virtudes que possui e os meios que escolhe para

alcançá-la, sendo, portanto, a felicidade o fim último dos atos humanos.

A ideia de completude e de onipotência que se evidencia pelo discurso

aristotélico como felicidade perfeita correlacionada à ideia epicurista de felicidade

pautada no prazer, estando sempre e somente no homem, podem ser estabelecidas

como base de uma cultura hedonista e consumista, que demarcam as subjetividades

nesta realidade do consumo.

A felicidade, pautada no prazer, como uma “ausência de dor no corpo (aponia)

e a falta de perturbação da alma (ataraxia)”, serve como uma das bases para o que

este estudo aponta como uma felicidade mascarada, ou seja, ilusória, forjada numa

idéia de pronta e infinita. Ainda neste estudo, a busca da felicidade, correlacionada

com a obtenção do prazer, a partir de alguns conceitos de Freud em correlação com

a psicossociologia, é analisada sob um ponto de vista crítico, apontando algumas

das incoerências que podem ser observadas na ideia de felicidade plena, que tem

por base influências tanto filosóficas quanto socioculturais, fortalecidas pelos

avanços da pós-modernidade e que será tratado a seguir.

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2.2 Transformações sociais e a busca da felicidade

É possível considerar que desde os primórdios da história da humanidade o

tema de maior importância subjacente às diversas atitudes do ser humano é a busca

da felicidade. Essa busca move a humanidade a estudar, trabalhar, crer e realizar

coisas, formar vínculos afetivos e depois continuar a agir quando surge uma nova

necessidade. É a necessidade que leva o homem a modificar a natureza, formando

os objetos, ou seja, o produto de sua força de trabalho:

A satisfação material das necessidades dos homens e mulheres que constituem a sociedade – obtêm-se numa interação com a natureza: a sociedade, através dos seus membros (homens e mulheres), transforma matérias naturais em produtos que atendem às suas necessidades. Essa transformação é realizada através da atividade a que denominamos trabalho. (NETO, 2007, p.30).

É o trabalho que torna possível a produção de qualquer bem, criando os

valores que constituem a riqueza social, ao longo da história da humanidade,

modificam-se as formas de trabalho e da vida social e, por conseguinte, um dos

motivos pelos quais o sujeito em busca da felicidade pode ter dificuldade em

alcançá-la deve-se ao fato de que o termo é utilizado de modo e perspectivas

diferentes ao longo do tempo, o que torna algo valorizado em um período não mais

em outro.

Na Grécia antiga, dentre os filósofos que se ocupavam em refletir sobre o

mundo sensível, a existência e as atitudes humanas, houve aqueles que se

propuseram a refletir sobre a temática do presente trabalho, e somente a partir de

Sócrates, é que a busca da felicidade tornou-se algo que, segundo ele, poderia ser

atingido vivendo como os deuses, evitando os vícios e assimilando virtudes.

Sócrates e os filósofos que lhe sucederam transformaram a felicidade em um objeto

de uma busca racional que poderia ser alcançado pelo cultivo das virtudes que

podem levar a ela.

Para os religiosos a felicidade estava fora deste mundo, pois a graça de Deus

está em um mundo superior destinado aos bons. Desde a expulsão do paraíso, o

homem está fadado ao sofrimento neste mundo: o máximo a que ele pode almejar,

segundo Santo Agostinho, é a “felicidade da esperança".

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Com o Renascimento a ideia grega de que se pode conquistar a felicidade é

retomada e radicalizada: ela é um estado natural, até mesmo um direito do homem,

mas, somente com o Iluminismo, no século XVIII, a felicidade passou a ser algo a

que todo ser humano poderia aspirar e a mesma passou a ser encarada como um

direito humano atingível por qualquer pessoa. A felicidade deixou de estar ligada aos

deuses, ao destino ou à sorte e passou à noção de que os homens teriam o poder

de obter e concretizá-la na terra a partir de suas próprias iniciativas, e de que não

havia problema em sentir prazer.

No período medieval, o trabalhador artesão é quem detinha o controle do

processo de produção, estabelecendo, por exemplo, sua jornada de trabalho. Com

as diversas transformações que vão ocorrendo nesta época, em especial, com a

revolução industrial, essa autonomia do trabalhador foi perdida. Paralelamente à

revolução industrial, as ideias políticas, econômicas e sociais dos séculos XVI a

XVIII passaram a ser questionadas, possibilitando transformações que ocorriam de

forma muito rápida com o triunfo das ideias iluministas, uma verdadeira revolução

intelectual que se espalhou pelo mundo repercutindo até os dias atuais.

O período que marcou a transição do feudalismo para o modo de produção

Capitalista, chamado de moderno, assinala uma grande transformação no padrão de

vida dos indivíduos, que culmina na urbanização e sua expansão, aumento das

comunicações entre as nações e o império da demanda, ou seja, a lei da oferta e da

procura que sustenta o que chamamos de mercado.

Esse modo de produção já vai se fortalecendo desde a baixa idade média

quando começa o comércio entre os europeus e orientais, além das descobertas

marítimas, que ampliam o encontro entre os povos; os campos vão sendo

abandonados, o comércio artesanal progride, as cidades burguesas oferecem

chances de lucros, inventos impulsionam o progresso técnico, como a bússola,

pólvora e a imprensa: tem-se assim o início da vida urbana dando os primeiros

indícios de uma nova era mundial.

Já no século XX, a partir da década de sessenta, grandes produções culturais

e transformações revolucionárias eram expressas em várias partes do mundo, como

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por exemplo, no movimento de maio de 1968 na França, que questionou a

separação entre revolução social e revolução dos comportamentos individuais, e nos

EUA, com o surgimento de grupos como o movimento Yippie (Youth Internacional

Party) um movimento que representava o “crescimento híbrido de esquerdista e de

hippie, diferente tanto de um quanto do outro, algo inteiramente novo” 32.

No Brasil, ainda durante os anos sessenta, um movimento cultural, chamado

de Tropicália ou Movimento Tropicalista, atribuída à produção cultural, como as artes

plásticas, o cinema e a música, não pôde deixar de incorporar os elementos

estrangeiros que esta mesma sociedade incorpora33.

Estas condições não deixaram de ser contundentes com a evolução

tecnocientífica e ao que parece tamanho avanço trouxe novas formas de sofrimento,

ao invés de remediar os já existentes. Mas o desejo de felicidade habita o íntimo do

ser humano em todas as épocas, e agora não seria de outra forma. O trabalho, ou

seja, a força de produção do sujeito utilizada para a obtenção dos objetos

demandados e que são ofertados pelo mercado, é o motor da sociedade ao mesmo

tempo em que é movida por ela, o que caracteriza um movimento cíclico de oferta e

procura, de necessidades não satisfeitas e suplência das mesmas através de

objetos investidos de valor subjetivo, pelos quais o sujeito age em valor do

significado que tem para si 34.

Ao poder fantasioso e autônomo, designado por este valor subjetivo que as

mercadorias parecem ter e efetivamente exercem em face de seus produtores, Marx

chamou de fetichismo da mercadoria, onde esses dispositivos simbólicos mediam as

relações sociais aparentando relações entre coisas: os homens são valorizados pelo

que tem35.

A demanda, proposta como base de sustentação social, adquire duas

perspectivas: A econômica, que se evidencia por uma demanda de um objeto

material possível de ser adquirido numa relação de troca, entre o que é ofertado e a

32

COELHO, 1989, p.159-176. 33

Idem, ibidem, p.159-176. 34

NOVA, 2010.p. 93. 35

NETO, 2007, p. 92-93

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força de produção de quem demanda; e a psicológica, que não se faz evidente, mas

expressa os desejos, as carências e necessidades do sujeito, ou seja, tudo aquilo

que lhe falta. Neste sentido, tudo o que é demandado comporta as duas

perspectivas, sendo que inclui através de um objeto material a suplência de uma

necessidade ou de um desejo. 36

Sendo assim, para aumentar a capacidade de consumo, ou seja, a obtenção

dos objetos que suprem as necessidades dos sujeitos, deve haver continuamente

novas alternativas que possibilitem obtenção de prazer com isso buscando-se a

felicidade. Este período de transição, evidenciado especialmente na segunda

metade do século XX, que se refere à uma realidade mais intensa, dinâmica e

acelerada, de quebra das fronteiras entre os povos, aumento nas relações de

mercado e o estabelecimento de uma sociedade em rede, denomina-se

globalização.37

Há, nesta globalização, um processo de enfraquecimento das instituições

tradicionais e dos quadros de referência que ligavam o sujeito ao seu mundo social e

cultural, o que alteraria as noções de tempo e espaço, considerando a questão de

que os sujeitos a partir de então tem vivido contra o relógio, onde não há mais tempo

a perder. Cada vez mais ocupados, a passagem do tempo traz angustia na medida

em que diversas tarefas têm que ser cumpridas em uma agenda cada vez menos

vazia, instalando um paradoxo: agenda cheia de conteúdo, subjetividade vazia de

sentidos e propósitos estáveis.

Por outro lado essa mesma alteração do tempo leva a uma idéia de que ele

não passa, é infinito. O que se vê aí é algo da ordem de uma adolescência que não

se finda, um culto à juventude e ao prazer desalojando o sistema social tradicional e

fazendo surgir uma grande quantidade de representantes de poder.

Sem uma direção estável que o oriente, o sujeito entra em crise de sentido e

sofre frente à insegurança de não saber o que escolher dentre tantas opções em sua

busca pela felicidade: antes a segurança era possível visto que o sujeito abria mão

36

LÉVY et al. 2001, p. 112-113. 37

TFOUNI; SILVA, 2008, p. 178-179.

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de sua satisfação, adiava-a, em prol da estabilidade. Com tamanha liberdade isto se

inviabiliza já que há uma individualidade marcante, torna-se um “cada um por si”, um

“individualismo irresponsável”38.

Como a estabilidade vem perdendo forças para a liberdade, isto se relaciona

ao enfraquecimento do modelo de instituição patriarcal, em outras palavras, à

falência do pai: é um modo de falar da falência do modelo totêmico característico de

uma sociedade vertical, pai-orientada. Se há uma variedade de modelos de

referência, há uma variedade de formas de identificação, que por sinal envolvem

também uma variedade de formas de desejo. O fato de livrar-se do pai totêmico

implica em se livrar do representante que funda o limite, abrindo uma perspectiva

fantasiosa de ilimitação do prazer.

A busca da felicidade como um projeto comum, vai ganhando através da

globalização e dos objetos que são oferecidos atualmente, um aspecto religioso,

sagrado e inatacável: assim, qualquer que seja o meio que ofereça a felicidade a um

sujeito pode atrair, inspirar e unir à outros que partilham dessa mesma ilusão, por

meio de dispositivos simbólicos que funcionam encobrindo toda dúvida, todo

trabalho de interrogação sobre si, transformando-se logo em um ato de crer.

Porém, a felicidade obtida pelo caráter transitório tanto do objeto quanto do

prazer, está em acordo com o real do desejo e a realidade externa sendo muitas

vezes a realização de uma fantasia do sujeito, ou seja, é preciso considerar

questões psíquicas como o tempo curto de vivência do prazer e a necessidade real

de satisfação do desejo de ser feliz, compreensão esta que será apresentada no

próximo capítulo.

38

LIPOVESTKY, 2003 ,p.1-3.

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3 A FELICIDADE NA PSICANÁLISE

3.1 Felicidade: o que dizer disto?

Como foi visto no primeiro capítulo, uma cadeia significante confere um sentido

a uma palavra, e analogamente, uma cadeia significante confere um sentido a um

sujeito. Sendo assim, o que os sujeitos buscariam na vida ao atribuir um sentido a si

e aos objetos seria

Obter felicidade; querem ser felizes e assim permanecer. Essa empresa apresenta dois aspectos: uma meta positiva e uma meta negativa. Por um lado, visa a uma ausência de sofrimento e de desprazer; por outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer. Em seu sentido mais restrito, a palavra ‘felicidade’ só se relaciona a esses últimos

39.

Para Freud (1996), a felicidade consiste na satisfação casual de grandes

necessidades, possível sob uma forma transitória e episódica, que não exclui da

vida do sujeito adversidades, pelo contrário, reserva-lhe uma miséria comum e

cotidiana, característica da condição humana que nada tem a ver com um propósito

divino.

A perspectiva de Freud sobre a Felicidade parte de sua leitura em sua

juventude ou mais tarde, na maturidade, de filósofos como Platão e Aristóteles,

Michel de Montaigne, Schopenhauer e Nietzsche. De certa forma todos esses

filósofos atribuíam à vida desafios de diversas ordens que confrontavam o homem

com a frustração, sofrimento e decepção a partir do momento do nascimento,

deixando cicatrizes que são impossíveis de apagar40.

Frente às formas de sofrimento passa-se grande parte do tempo em busca de

alívio e Freud, dividiu em três categorias os mecanismos que normalmente usa-se

para alcançá-lo: desviar do sofrimento, pelo trabalho e atividade intelectual;

39FREUD, 1996, p.84 40

PONTY, 1972, apud AC Monografia.

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satisfações substitutivas através da arte e entretenimento; substâncias tóxicas que

minimizam ou insensibilizam à dor41.

Na visão freudiana a felicidade é um objetivo complexo visto que três fontes de

insatisfação seriam contundentes na vida das pessoas: a saúde e finitude do corpo,

o mundo exterior (causas naturais) e as relações interpessoais com outros, sendo

esta última a mais incisiva.

Não admira que, sob a pressão de todas essas possibilidades de sofrimento, os homens se tenham acostumado a moderar suas reivindicações de felicidade - tal como, na verdade, o próprio princípio do prazer, sob a influência do mundo externo, se transformou no mais modesto princípio da realidade -, que um homem pense ser ele próprio feliz, simplesmente porque escapou à infelicidade ou sobreviveu ao sofrimento, e que, em geral, a tarefa de evitar o sofrimento coloque a de obter prazer em segundo plano.

42

Para se obter prazer é necessário se satisfazer através de um objeto que foi

investido, chamado de objeto de investimento. O objeto investido conduz à

satisfação quando pode ser fruído, contudo, é uma fruição temporária, visto que

tanto o objeto quanto o prazer obtido através dele, são evanescentes. O desejo,

contudo, é contínuo. É necessário que haja um objeto que seja contínuo como o

desejo, que possibilite a satisfação que também deve ser contínua. Como essa ideia

de ilimitação é uma ilusão, o objeto desejado nunca se fará real, então destitui-se o

valor dos objetos reais pela parcialidade com que se obtém prazer através deles.43

De acordo com a psicanálise a experiência de satisfação que o sujeito vivencia

parte da relação entre o desprazer e o prazer que “consistem no aumento e na

diminuição de tensão44”, ou seja, o aumento da tensão psíquica é desprazeroso e o

alívio da mesma é o prazer. Este prazer ao qual a psicanálise se refere não diz

respeito somente a sensação de alívio que se experimenta na redução da tensão

psíquica, ou seja, na satisfação que se obtém através do objeto investido; implica

em um estado de tensão tão baixo que almeja sua própria ausência.

41

FREUD,1996, p.85-88. 42

Idem, ibidem, p.85. 43

Idem, ibidem, p.317-319. 44

INADA, 2011, p.74-88.

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Esta ausência de tensão psíquica, ou seja, de desprazer, levaria o organismo

de volta a um estado inanimado, sem sofrimento, o que sugere, portanto, que a

própria vida traz consigo certa quantidade de desprazer. Neste sentido, Freud

instaura mais uma ferida narcísica: a felicidade plena é uma ilusão. Porém, ao

assinalar essa realidade ele abre a possibilidade de se encontrar uma felicidade que

seja real, de acordo com a fruição momentânea que se faz pelo caráter transitório

tanto do objeto quanto do prazer.

Sendo assim, parafraseando Freud, “o valor da felicidade é o valor da escassez

no tempo”, já que se experimenta um prazer transitório em um objeto também

transitório, não há ilusão maior do que a de querer que ambos sejam infinitos: A

felicidade está em se fruir do seu prazer até que o mesmo acabe, restando apenas o

desejo. 45

Fruir desse prazer se deve ao encontro com o objeto possível de realizar a

descarga, e não há objeto preciso para isso: no entanto, há uma fantasia de como

esse objeto possa ser para que o prazer obtido através dele seja satisfatório. O

encontro com o objeto de desejo fantasiado nem sempre é possível, mas a pulsão

que se presentifica sempre encontra um meio possível de descarregar: o sujeito é

sempre feliz, não importando a forma como sua pulsão encontra essa felicidade

libidinal.46

O superego “exerce não somente uma função crítica e normativa, mas,

também, revela-se como base de todo ideal humano”47, é determinado pela cultura,

mediante a força de seu impulso e da integralidade e rigidez que foi constituído,

conduz o sujeito do discurso à felicidade ou infelicidade.

Considerando-se primeiro a infelicidade, mais fácil de ser percebida, pois gera

desprazer, diante da frustração de seu desejo, da perda do objeto ou da finitude

tanto do prazer como do objeto, o sujeito do discurso pode ser levado à infelicidade,

pois não tem mais o meio de obter prazer ou que seu prazer não é eterno. Tal

45

FREUD, 1996, p.317-319. 46

GOROSTIZA, 2009, p.3 47

REIS,1984, p.52.

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sentimento de perda é experimentado com tristeza, caracterizando o período de luto,

porém, mediante a pressão superegóica, pode conduzir a uma culpabilização e

tristeza em níveis exagerados e estendidos, caracterizando a melancolia.48

Se objeto é escasso e perde o valor por isso, se o prazer é escasso e não vale

ser fruído há nisso a evitação do sentimento de perda, e a melancolia decorrente.

Contudo, quando há um objeto e o prazer nele obtido se presentifica, o sentido que

pode ser dado ao objeto, mero meio de satisfação, se acaba com o prazer e o objeto

é destituído de valor porque o valor era apenas a obtenção de descarga, que se fez

e exigirá novo objeto.

Parte-se assim em busca de novo objeto e como é o desejo que impulsiona,

não haverá objeto que satisfaça. Logo a busca da tão valorosa felicidade, é sem

sentido e isso também recebe a intervenção superegóica. Culpa e melancolia

acompanham o desejo insatisfeito: infelicidade.

Contudo, o mesmo superego pode, correlacionando o desejo insatisfeito com a

realidade, demonstrar ao ego49 que a insatisfação pode ser amenizada, por um

mecanismo narcísico50 que envolve a obtenção de prazer, por meio do humor, do

riso, da comédia. Esse mecanismo que comporta o narcisismo do sujeito, se

presentifica tanto pelos chistes51 como também por uma conduta otimista. Nesse

caso o superego, a partir da variação do humor, tristeza–alegria, pode apresentar ao

ego algo que amenize a realidade, através de um dito espirituoso, bem humorado,

como um pai faz com um filho.52

Nesse caso o humor alegre, que possui um refinamento que o diferencia do

chiste, é evidenciado na crença da possibilidade do bem, do bom encontro com o

48

FREUD, 1996, p.245-263. 49

O ego é a parte do aparelho psíquico em contato com a realidade, servindo de defesa e mediador entre os impulsos internos e as exigências do real (REIS, 1984, p.48-50). 50

O narcisismo foi um termo introduzido por Freud em 1914, para designar o mecanismo de auto-investimento do ego, distinguindo-o em narcisismo primário, quando se encontra investido no ego, e narcisismo secundário, quando se encontra investido no objeto. (REIS, 1984, p.42-46). 51

“Enquanto, no que denominamos cômico, não há necessidade da comunicação, no chiste há uma necessidade de contá-lo a alguém, necessidade ligada, imprescindivelmente, à elaboração do próprio chiste a partir dos obstáculos da razão. O chiste não se realiza sozinho e só se conclui com a comunicação da idéia a alguém” (FALCÃO,2002, Intersecção Psicanalítica do Brasil/PE). 52

FREUD, 1996, p. 163-169.

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real do desejo e com o objeto fantasiado, sem que isso seja desconsiderar o fato de

não conseguir, de não poder tê-lo ou de perdê-lo. O humor, então, alegre, permeia

não só na comédia, modo eficaz de se obter uma parcela de prazer diante do

trágico, mas em outros aspectos da vida do sujeito que o conduzem a um real bem

estar consigo, com os outros e com a realidade; ao inibir o desenvolvimento do

desprazer, opera uma verdadeira transformação da energia ligada ao afeto doloroso

oferecendo-lhe uma via de descarga, através das sublimações53, um meio

particularmente eficaz para o sujeito encontrar novos caminhos.

O seu representante mais direto, o riso, não é indicador de que seja este humor

uma proveniência de bem-estar, mas pode indicar um mecanismo de defesa ao

mesmo tempo em que obtém prazer: Disfarça a realidade de forma cômica,

afastando o real da angústia daquele que a sente e de alguma forma às vezes

projetando a idéia angustiante em um outro sujeito, que é feito de objeto do discurso

humorístico, para um terceiro sujeito, um objeto de satisfação. Sem o outro que

escuta, o chiste, permanece com o sujeito, autoinvestido, assim sendo, é o outro que

se fazendo plateia garante o gozo.54

Gozo não é prazer, mas o estado que fica além do prazer; ou, para retomarmos os termos de Freud, ele é uma tensão, uma tensão excessiva, um máximo de tensão, ao passo que, inversamente, o prazer é um rebaixamento das tensões (...); o gozo... alinha-se do lado da perda e do dispêndio, do esgotamento do corpo levado ao paroxismo de seu esforço”.

55

O termo gozo foi utilizado por Freud em “Três ensaios sobre a teoria da

sexualidade”, mas é Jacques Lacan, psicanalista seguidor de Freud, que em 1950

retoma a ideia e a transforma em um conceito importante na psicanálise: “O conceito

de gozo implica a ideia de uma transgressão da lei: desafio, submissão ou escárnio.

O gozo, portanto, participa da perversão,” 56 e é causa de sofrimento.

53

“Freud conceituou o termo sublimação,em 1905, para dar conta de um tipo particular de atividade humana (criação literária, artística, intelectual) que não tem nenhuma relação aparente com a sexualidade, mas que extrai sua força da pulsão sexual, na medida em que esta se desloca para um alvo não sexual, investindo objetos socialmente valorizados.” (ROUDINESCO;PLON,1998, p.748) 54

FALCÃO, 2002, Intersecção Psicanalítica do Brasil/PE. 55NASIO apud FREGONEZZI; LIMA, 2006. 56

PLON; ROUDINESCO, 1998, p.313.

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Lacan conceituou o gozo “como um dos componentes estruturais do

funcionamento psíquico, distinto das perversões sexuais”, sustentado por uma

Identificação e articulado com a idéia de repetição, à busca da coisa perdida que

falta no lugar do outro. Distinguindo prazer e o gozo, este último consiste na

tentativa permanente de ultrapassar os limites do princípio de prazer, uma busca

nunca erradicada por completo.57

Desse modo entende-se que sofrer demais é um acúmulo da tensão psíquica,

vivenciada como busca da felicidade à revelia do desejo, o que de certa forma

contrapõe desejo e felicidade, de acordo com esta visão. A felicidade proveniente da

efetiva realização de um desejo é diferente da felicidade fruto da satisfação

pulsional: A pulsão pode ser descarregada de diversas formas, quer seja pela via do

sintoma, atos falhos ou pela própria atuação, e neste sentido, um sujeito pode

encontrar a satisfação invariavelmente. “É por isso que, de fato, a felicidade fora da

análise e a felicidade depois dela não estão em continuidade”58, sendo que uma se

satisfaz naturalmente em acordo com a primazia do princípio do prazer e a outra diz

respeito ao remanejo do gozo, o que confere uma forma útil para o sujeito e a

sociedade, sendo este, portanto, um estado mais feliz.

O sentido de bem estar a que o homem pós-moderno está submetido enfatiza

em grande maioria aspectos de ter algo, onde até mesmo a saúde e a paz de

espírito são colocadas como posse: “tenho saúde, tenho paz de espírito”.

Na sociedade do hiperconsumo, a aquisição de bens passa a ser índice privilegiado de felicidade. O consumidor se satisfaz por meio do objeto de consumo “[...] sou feliz na medida em que gozo de todos os objetos que me são oferecidos!” Trata-se do aspecto imaginário da felicidade: é feliz quem tem o que têm os demais.

59

Evidencia-se que este tipo de felicidade atual é apenas o ter um objeto,

qualquer que seja, embora os valores pessoais é que irão determinar que tipo de

objeto seja, bem-estar hoje é aparentar-se feliz, aparentar-se bem. O aparente deve

ser apresentado de acordo com o imperativo de felicidade para que o sujeito possa

ser identificado como alguém que está bem, mesmo que essa sua felicidade, custe o

57

PLON; ROUDINESCO,1998, p.313. 58

LAURENT, 2011, p.76. 59GURGEL, 2009, p.64.

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preço de seu (real) bem-estar. Esse imperativo é demonstrado em um texto

denominado: “A euforia perpétua, ensaio sobre o dever da felicidade”:

Seja Feliz! Terrível mandamento ao qual é mais difícil subtrair-se porquanto ele pretende nosso bem [...] por dever de felicidade [...] esta atribuição da euforia que relega à vergonha ou à enfermidade aqueles que não se adéquam.

60

Uma felicidade que é estabelecida a partir de uma generalidade, que exige os

mais altos padrões ao mesmo tempo em que sugere que para alcançá-la o sujeito

não precisa ser tão exigente consigo mesmo, traz do passado a ideia de elaborar um

projeto de vida ao qual se faz por meio de estabelecimento de metas. Porém,

oferece através de um fluxo ininterrupto de opções, outros caminhos, e aí, o

planejamento tão importante fica circunscrito no âmbito da rigidez, enquanto a saída

melhor condizente com o real é a invenção frente ao que se apresenta como novo.

“O que há de mais moderno na chamada política da felicidade é a promessa de

efetivação do encontro com o social e seus imperativos e a singularidade dos

sujeitos”.61

A invenção, resultado de um penoso, porém valioso processo custa algumas

vezes a comodidade na vida do sujeito, e não é raro se ouvir falar: “A gente era feliz

e não sabia”. Geralmente é uma frase usada em tempos difíceis se comparados a

um passado, levando a uma precipitada conclusão de que algo piorou, no sentido de

que o foco é o desprazer de tal situação.

Mas se de fato era-se feliz sem saber, essa felicidade fora desmascarada por

esse saber. E assim pôde em alguns casos revelar o quão duvidosa era essa

felicidade frente a sua estruturação. Ao se perguntar se é feliz, o simples

questionamento põe em cheque o estatuto deste saber.62 Não mais como certeza e

pairando algo da ordem de um vazio, esta questão acaba por fugir de si, negando-se

a uma reflexão que poderia incidir no sujeito uma desilusão: É preferível nem saber

60

BRUCKNER apud GOROSTIZA,2009, p.4. 61

GURGEL, 2009, p.62.

62MILL apud LAURENT, 2011, p. 74.

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a se haver com a desilusão, pois ainda iludido, há esperança que a fantasia de

completude se realize.

A busca de felicidade na vida realizada pelos seres humanos é pensada por

Freud (1996), como o programa do princípio de prazer, que organiza o aparelho

psíquico. Porém, de acordo com o determinante social, ser feliz, já que é algo

natural, deve ser algo massificado. Temos então que o imperativo de ser feliz no

social é uma espécie de epidemia, do qual cada sujeito contribui em sua

manutenção, análogo a um portador de um vírus:

[...] "algumas de suas amigas (...) pegarão a crise, assim por dizer, através de uma infecção mental, e sofrerão, por sua vez, um ataque igual" (Freud, 1921/1972a, p. 135). Ou seja, refere-se a construções de ideais, que articulam narcisismo e sociedade, e referências que articulam o sujeito no laço social.

63

Freud ‘apresenta’ o chamado “sintoma compartilhado, que pode ser

considerado como precursor do sintoma social, que fornece a base das

identificações histéricas”64 e a partir disto considera-se que se alguém sofre pelo

imperativo de ser feliz, tendo-o como gozo, prontificado a se transmutar de acordo

com o que se faça necessário para permanecer aí, obtendo prazer na condição de

quem o busca incessantemente, e que esta conduta é não só tida como normal, mas

é a que está condizente com a vida na atualidade, que isto se trata de um sintoma

social, ao qual tal felicidade só é nomeada a partir de um representante provisório,

ou dito de outra forma, de uma máscara65.

Esse mesmo gozo, condição pela qual a pulsão se manifesta, permanece a um

nível de não-saber, possibilitando que este desconhecimento traga algum tipo de

satisfação compensatória, visto que apesar do mal-estar do indivíduo, algo se

obtém. Não sabendo, portanto, que sua insatisfação é também uma substituição de

seu desejo, uma outra via de manifestação pulsional, algo deve lhe proporcionar a

63

FREUD apud ROSA, 2004. 64

ROSA, 2004, p.333. 65

MAFFESOLI apud TAVARES, 2004, p.138.

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manutenção deste não saber de si, algo que possibilite um saber qualquer, desde

que se atenha a um objeto fálico66.

Desta forma a felicidade se mascara, já que a pulsão se ligando a um objeto

fálico todo o saber que se tem satisfaria uma ilusão de completude, ainda que ela

seja associada a um mal-estar. É possível que alguns sujeitos lutem para obter algo

e após conseguirem se deparem com um vazio. Aquilo que era tomado como objeto

de felicidade não a realizou, pois o foco foi dado ao objeto em si e o sentimento

verdadeiro, que poderia ser encontrado na verdade se distanciou.

Contudo, é preferível se contentar com tal objeto, se inscrevendo socialmente,

consumindo o que os demais consomem e prestando assim um culto à ideologia do

sucesso, desde que isso lhe garanta um mínimo de satisfação. O coletivo é um dos

principais determinantes para isso. Ainda que marcada pelo individualismo, a

subjetividade contemporânea necessita do outro, a saber, mais de sua aprovação

social do que de um comprometimento de uma relação com ele.

Para se inserir socialmente, o sujeito pós-moderno apreende os novos

conceitos, os novos valores que determinam o que é apreciado na pós-

modernidade, ainda que a insatisfação persista em assombrá-lo, tornando-se feliz

assim à revelia de sua verdade. A felicidade mascarada é o paradoxo do sujeito pós-

moderno: Insatisfeito em sua constituição íntima ao mesmo tempo em que é feliz ao

nível dela. Tal contradição deve ser disfarçada, por isto o sujeito se apresenta como

alguém feliz da vida, gozando com seus vários objetos em uma conduta consumista

e hedonista, estando então de acordo com seu social.

Mas há algo nesta fantasia de ser feliz que faz incomodar, que inquieta e que

reclama sem conseguir ser claramente nomeada. A isto soma-se que com o avanço

tecnocientífico, as exigências de competência passaram a um nível exarcebado

onde não basta apenas saber e ser bom em algo, é preciso se destacar. A

perspectiva do destaque faz com que um sujeito seja percebido em sua diferença no

66

O objeto fálico é o que exerce a função de dar conta do desejo, que é do sujeito, mas vem do outro, possibilitando que esta falta se articule na linguagem; a isto chamamos de função fálica (MACHADO, 2003, p.3).

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grupo de semelhantes, e por esta diferença, seu “valor de mercado” se amplia,

assim, passando a valer mais socialmente ele passa também a ser mais exigido.

Todo o potencial criativo que o sujeito possui, que o difere do outro, é

exatamente o que de mais precioso ele terá. Suas dores e angústias por mais

singulares que sejam, são sob certa medida, pontos comuns, que acabam por barrar

muitos sujeitos. Como pontos comuns essas dores e angústias fazem sofrer, mas é

exatamente pelo potencial criativo que a saída do sofrimento se faz inventiva.

Não se trata de uma saída qualquer, de uma invenção qualquer, mas de um

resultado de um sujeito que se refez em sua identidade, identificado com os traços

singulares que o fazem distinto em sua forma de gozar, para conseguir maior

satisfação em seu fazer. É um sujeito que, por meio da pulsão de morte67, “renasce”,

refaz sua forma de estar no mundo atribuindo um outro sentido ao seu significante,

ao seu objeto a, assim como uma nova forma de se relacionar com eles, além de se

abrir a novas possibilidades e com isso a novos significantes.

3.2 Correlações da psicanálise com a psicologia sócio-histórica

Freud ao sistematizar sua técnica, a fundamentou como um método de

investigação do inconsciente, uma técnica de tratamento e um corpo teórico sobre o

aparelho psíquico e seu funcionamento, partindo de descobertas individuais que ao

longo de seu estudo foram se indissociando do aspecto social.

Pode-se citar obras como "Totem e Tabu", "Moisés e o Monoteísmo", "O Futuro

de uma Ilusão", "Mal-estar na civilização", "Psicologia das Massas e análise do eu"

como as obras sociais em que Freud, estabelece sua linha de pensamento na

relação do sujeito e a sociedade.

67

A Pulsão de morte trata-se de "uma categoria fundamental de pulsões que se contrapõem às pulsões de vida e que tendem para a redução completa das tensões, isto é, tendem a reconduzir o ser vivo ao estado anorgânico. Voltadas inicialmente para o interior e tendendo à autodestruição, as pulsões de morte seriam secundariamente dirigidas para o exterior, manifestando-se então sob a forma de pulsão de agressão ou de destruição"(LAPLANCHE; PONTALIS, 2001, p.407).

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As pesquisas que objetivam desvendar a relação do sujeito e sociedade

abordam os aspectos que influenciam nas mudanças e nos impasses da

subjetivação e estudam os fenômenos sociais, e são em geral realizadas pela

sociologia e psicologia social, dificilmente tratadas como ramos totalmente distintos,

sem qualquer interseção.

Psicologia social é o estudo científico de manifestações comportamentais de caráter situacional suscitadas pela interação de uma pessoa com outras pessoas ou pela mera expectativa de tal interação, bem como dos processos cognitivos suscitados pelo processo de interação social.

68

As transformações que afetam as sociedades atuais, responsáveis por um

incontestável mal-estar nas identificações e nas identidades, devem ser pensadas e

acompanhadas por intervenções de pesquisadores, capazes de levar em

consideração as dificuldades de tais situações, a fim de que se possa criar um

diálogo entre o saber científico e a comunidade.

A prática psicanalítica referente ao sujeito enredado69 socialmente é um tipo de

pesquisa da Psicanálise iniciado por Freud e por ele nomeado de psicanálise

aplicada, posteriormente chamada por Lacan de Psicanálise em extensão, e tem

como característica fundamental o modo de formular as questões70.

Parte do "fenômeno ao conceito, e constrói uma metapsicologia não isolada,

mas fruto da escuta psicanalítica, que não enfatiza ou prioriza a interpretação, a

teoria por si só, mas integra teoria, prática e pesquisa"71. Dentre os fenômenos

possíveis de estudo na atualidade é apropriado destacar o individualismo

irresponsável72, o hedonismo, o desinteresse sóciopolítico, a busca desenfreada

68

ASSMAR; JABLONSKI; RODRIGUES, 2005, p.24. 69

Refere-se à complexidade do meio em que o sujeito está inserido, caracterizado por um tipo de sociedade em rede, onde as relações que os indivíduos mantêm com o social afetam direta ou indiretamente as pessoas em toda a estruturação social. Este tipo de sociedade é encontrado no

período pós-moderno, especialmente determinada pelo capitalismo e pelo consumo (TAVARES, 2004, p. 122-143). 70

ROSA, 2004, p. 337. 71ROSA, 2004, p.341. 72

LIPOVETSKY, 2003, p. 1-2.

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pelo status socioeconômico e o consumismo e descartabilidade, que atravessam as

relações interpessoais.

“A descartabilidade é característica dos seres humanos e das relações que

estabelecem, obedecendo à máxima da sociedade em que estamos inseridos: O

consumir”73. A cultura do consumo é regida pelos níveis econômico, com a

expansão capitalista de mercadorias, originando acúmulo de cultura material;

sociológico, os bens acumulados e / ou adquiridos representam vinculação,

pertencimento e o valor social é correspondente ao quanto se tem; e psicológico,

com os prazeres emocionais proporcionados pelo consumo.74

A complexidade do sujeito em seu meio não permite que ele seja estudado sob um único ângulo e é essa convicção que me conduziu a uma posição interdisciplinar, onde vejo o lugar da psicossociologia, cujas bases são as relações que o indivíduo mantém com o social, o modo como estas se estruturam e os efeitos da interação desses determinantes sobre o indivíduo.

75

Desta forma, somando forças à psicanálise, a psicossociologia, vertente

transdisciplinar da psicologia social, e que tendo seu corpo teórico baseado na

psicanálise, sociologia, economia e política, abre espaço para a perspectiva clínica

na vertente sociológica e psicossocial, simultaneamente teórica e prática por

conjugar cogitos freudiano e cartesiano.

Sendo assim, é um conhecimento chave para os estudiosos das ciências

sociais e os sujeitos enredados que desejam uma saída inventiva para novas

modalidades sociais, podendo ajudá-los a analisar melhor as estratégias de ação

que podem ser desenvolvidas, a influência dos fatores situacionais, a cognição

social76, assim como compreender as consequências de suas tomadas de decisão e

as transformações que ocorrem na vida cotidiana.

Propõe-se a partir de uma análise psicossociológica uma atenção especial à

conversação e ao debate, articulando o saber científico e o da sociedade, "pois este

73

BAUMAN apud TFOUNI; SILVA, 2008, p.177. 74

FEATHERSTONE apud TAVARES, 2004, p.123 75

NASCIUTTI apud TAVARES, 2004, p.125. 76

“Cognição social é o estudo de como as pessoas fazem inferências a partir da informação obtida no ambiente social”.(ASSMAR; JABLONSKI; RODRIGUES, 2005, p.67)

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público leigo pede que se articule a teoria com a prática, não querem receitas, mas

requerem instrumentos pra refletir sobre suas vidas".77

Considerando o exposto até aqui visualiza-se que no mundo pós-moderno a

grande quantidade de signos e significações até então estabelecidas misturam-se

em um paradoxal conjunto de valores fragmentando a cultura de tal forma que os

objetos promotores da felicidade que à sociedade serve são temporários, instáveis e

imprevisíveis. Por valores paradoxais entende-se que a sociedade se rege

atualmente pela construção de novos ideais que acabam por resgatar características

da antiguidade filosófica e renascentista, como por exemplo, os valores da

antiguidade greco-romana – “Carpe Diem” – ou seja, “aproveite o dia”,

demonstrando o sentimento de presente eterno que perpassa o sujeito e a

sociedade.78

Considerando que viver de forma feliz é um desejo comum a todos, e essa

busca na vida dos seres humanos é pensada por Freud (1996) como o programa do

princípio de prazer, que organiza o aparelho psíquico, este desejo pode ser

correlacionado à necessidade de um projeto comum que favorece os vínculos nas

formações grupais, se fazendo como um elo entre indivíduos e sujeitos79.

Através de um desejo comum, viver de forma feliz significa: uma causa a

defender, um projeto a concretizar, um sonho, um ideal a realizar, ou seja, um

sistema de valores, uma representação coletiva, em um imaginário social comum80.

Não se trata unicamente de querer coletivamente; trata-se de sentir coletivamente, de experimentar a mesma necessidade de transformar um sonho ou uma fantasia em realidade cotidiana e de se munir dos meios adequados para conseguir isso.

81

77

HANNS, 2010, p.11. 78

KUMAR apud TAVARES, 2004, p. 126. 79

"ENRIQUEZ aponta aqui a diferença entre as noções de indivíduo e sujeito. O primeiro é aquele que se agarra, num crescente alienar-se, a identificações coletivas rígidas ou a um coletivo totalitário, só sabendo repetir ou reproduzir o funcionamento social. Assim sendo, a onda do individualismo acabaria por suprimir o sujeito, pois este, “mesmo aceitando as determinações que o fizeram tal como ele é”, tenta introduzir uma mudança de si mesmo, tenta transformar “o mundo, as relações sociais, as significações das ações”; enfim, é alguém capaz de produzir uma certa “anormalidade”em relação aos padrões sociais". (LÉVY et al. 2001,p.19) 80

LÉVY et al. 2001, p. 72. 81Idem,Ibidem, p. 72.

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Mesmo que o indivíduo seja considerado como um reprodutor social, ele possui

“uma parcela de originalidade e autonomia82”, porém, diante da insegurança

marcante deste período ele busca garantias de estabilidade e

É por isso que o indivíduo pode aceitar recalcar seus desejos, reprimir suas pulsões, aderir profundamente às injunções sociais e, às vezes, ser um agente ativo desses processos de recalque, de repressão e de adesão. Ele troca sua liberdade pela segurança de manter seu narcisismo individual, apoiado pelo narcisismo grupal ou social.

83

Percebe-se neste sentido que a idealização, elemento constitutivo das

identificações, é o que dá consistência, vigor e “aura” excepcional ao desejo e à

felicidade. Da idealização pode-se chegar a um tipo de crença, difundida através das

gerações por dispositivos simbólicos, ou seja, por sistemas de valores,

representações coletivas que funcionam mascarando as adversidades, as

inseguranças e transformando-se em um sistema de crenças que leva uma pessoa

infeliz a se portar como se fosse feliz.84

Assim sendo, conclui-se que qualquer que seja o grupo que o indivíduo esteja

inserido estará submetido a uma mesma função, individual e coletivamente, pois

esta função o tranquiliza e o faz agir: identificando-se aos líderes religiosos, políticos

e militares; aos formadores de opinião, estudiosos, apresentadores da mídia,

médicos; além de figuras expressivas como artistas e empresários, todos os citados

são tomados como símbolos de sucesso e em última análise representantes de

felicidade.

Desta forma alguns dos conceitos de Sigmund Freud e Jacques Lacan

apresentados até aqui podem contribuir para compreender as perspectivas de

felicidade na atualidade, associados à perspectivas psicossociológicas no sentido de

provocar novos questionamentos que visem analisar a fundamentação da grande

diversidade de significações, e provocar alguma transformação na aparente

alienação subjetiva vivenciada pelas pessoas em uma espécie de epidemia de

felicidade.

82

Idem,Ibidem, p. 19. 83

Idem,Ibidem. 2001, p. 32. 84

Idem,Ibidem 2001, p. 62.

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Analisando-se algumas idéias desde a antiguidade filosófica, a felicidade

poderá ser tomada como um objeto de estudo psicanalítico apesar de sua

complexidade evidente, já que caracteriza-se como um objeto de desejo humano.

Correlacionando a ideia epicurista de felicidade pautada no prazer à primazia do

princípio de prazer freudiano, compreende-se que o alívio obtido na fruição do objeto

pressupõe uma condição de tensão que o antecede, portanto, afastando o homem

da possibilidade de ausência de dor no corpo ou perturbação da alma.

A ideia de completude e de onipotência que se evidencia pelo discurso

aristotélico como felicidade perfeita, é discutida então pelo viés psicanalítico como

algo impossível de ser concretizado, já que o ser humano é entendido como um ser

de falta, e a partir desta incompletude é que se torna um sujeito desejante.

Ao estabelecer que o indivíduo deveria retirar-se para dentro de si mesmo,

Epicuro em sua filosofia causou uma influência que pode ser observada na conduta

de alguns sujeitos atualmente, como o individualismo exagerado, que repercute em

um desapego nas relações interpessoais e um desinteresse pelos fenômenos

sociais. Analisando a inter-relação das pessoas e os objetos, descreve-se a

felicidade como um objeto de desejo humano transformada em um bem material que

pode ser alcançado pela realização de determinados papéis sociais e pelo consumo

de determinados objetos.

Ao mesmo tempo em que, no mundo pós-moderno o sujeito pretende ser feliz a

um nível individual, se afastando do contato direto com o outro, como um meio de

defesa ou melhor dizendo, servindo ao princípio do prazer que o afasta do desprazer

que as relações interpessoais podem ocasionar, esse sujeito busca nos objetos de

consumo e nos papéis sociais um meio de inserção no coletivo, de aceitação e

reconhecimento grupal, “garantindo” o máximo de prazer, e sendo portanto, difícil

neste contexto se pensar infeliz.

Podendo ser interpretada como um consenso social, essa felicidade

mascarada que é alcançada por uma representação social demonstra a fragilidade

da ideia de completude e de onipotência de uma felicidade perfeita, já que a

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insatisfação é condição sine qua non da relação entre o sujeito e a sociedade e a

estruturação de ambos, sempre haverá objetos novos para promoverem a felicidade,

pois de acordo com a psicanálise, sempre haverá falta no sujeito, portanto, o desejo

é o cerne desta e de todas as questões.

3.3 A busca da felicidade e o mundo pós-moderno

Com base na leitura realizada, denomina-se mundo, neste trabalho, como

sendo o produto da inter-relação de pessoas e coisas e o meio ambiente, em

constante movimento de produção e criação, de construção e desconstrução, uma

realidade que se faz fluída exatamente pelo seu caráter de constante mudança85.

Ainda que estas mudanças sejam uma característica própria do mundo, alguns

elementos constantes se evidenciam, caracterizando assim épocas que recebem um

nome para situarmos o contexto sócio-histórico ao qual nos referimos.

O termo modernidade cunhado para denominar um período de transição da

idade média para um novo mundo, tem sua origem na palavra “modernus”, derivado

de “modo”, ou seja, a maneira ou o modelo de algo, seguindo a formatação da

palavra latina “Hodiernus”, derivada de “hodie”, ou seja, “hoje”. Utilizada então para

designar a diferença entre esse novo mundo e o antigo, o “modo de hoje”, ou

modernidade, passa a ser de um projeto para uma realidade cada vez mais intensa,

dinâmica e acelerada.86

Ao período que se segue em decorrência ao moderno, chama-se

costumeiramente de pós-moderno, e sugere-se pelo nome um período posterior à

modernidade, sem que o mesmo caracterize-se por uma ruptura com o período ao

qual é antecedido. Havendo, portanto, um processo decorrente do anterior,

evidenciado especialmente na segunda metade do século XX, onde profundas

transformações tecnocientíficas e sociais implicaram em mudanças paradigmáticas

85

RIBEIRO, 2011, p. 39. 86

KUMAR apud TAVARES, 2004, p.126.

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nas instituições que regiam a sociedade – o estado, a igreja, a família, a escola – a

pós-modernidade pode ser considerada aqui como o produto do projeto moderno de

globalização, que

(...) inclui processos que hibridizam – colocando culturas, formas de ser, estilos de vida, um de frente com o outro – e processos que homogeneízam – negando o local em favor de um global destituído de ambiguidade, num processo de padronização radical.

87

As instituições sociais - o estado, a igreja, a família, a escola – estruturadas de

forma hierárquica e vertical, ou seja, tendo em uma figura de autoridade central o

modelo de direção e de regência, ao perder sua solidez, perdem o ponto que

demarca a orientação pela qual a cultura e a sociedade seguirão, assim o espaço

que disso é decorrente é preenchido de forma aleatória.

Como produto da globalização, este espaço faz surgir uma diversidade de

representantes de poder e de referência e incide em uma dificuldade em se

estabelecer uma figura de autoridade, uma figura representativa de uma lei que se

faça concreta, estável, como representante da função paterna88. O efeito nas

identidades pós-modernas é uma “máscara” que se troca a cada novo referencial

demandado. Como não há lei que não seja a de fluxo, não há um ícone concreto ao

qual se identificar, pois os mesmos também estão em fluxo: é na demanda e na sua

prontificação para a troca é que se estabelecem as “identidades líquidas”89.

Essa nova orientação, ainda que com tal caráter de aleatoriedade implícito, não

deixa de ser um consenso social, fruto da almejada liberdade buscada nas

revoluções sociais a partir da década de sessenta90, que paradoxalmente

produziram um sentimento de potência e de impotência no indivíduo. A

individualização que se segue a essa liberdade, marca sentimentos de insegurança,

compensados de diversas formas, sendo que as mais evidentes são a

provisoriedade com que são vivenciadas as experiências, e o desapego.91

87

MOCELLIM, 2008, p.13. 88

DOR, 1991, O pai e sua função em psicanálise, 125 p. 89

MOCELLIM, 2008, p.2. 90

COELHO, 1989, p.159-176. 91

BAUMAN apud TFOUNI, SILVA, 2008, p.176.

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Entende-se este desapego, citado como uma das características deste período

pós-moderno, não somente como o descompromisso com um objeto de desejo, mas

como uma forma de se evitar a dor que o apego a um objeto pode causar ao se

perdê-lo.

Essa descartabilidade como uma característica do desapego, traz um mal-estar

que se diversifica, servindo ao temor de ser excluído92. Paralelo a este sentimento,

as relações interpessoais passam por esta característica já que quanto menos um

sujeito se permite se afetar, menos apego ele sente pelo outro e sua necessidade

por ele se reduz ao tipo de serventia oferecida. São tipos de relações orientadas

pela mesma lógica de sustentação do mercado, ou seja, relações interpessoais

mercantis e descartáveis são, portanto, relações de consumo interpessoal.

Se o outro passa a ser como os demais objetos, algo que o serve e nada mais,

as pessoas passam a se consumir umas as outras, as relações de amor se

distanciaram de um ideal romântico para um fluxo sexual sem compromissos, numa

tentativa de garantir o máximo de sucesso e o mínimo de fracasso. Não abrir mão do

que possibilite essa via de satisfação e impedir que algo lhe sirva de obstáculo é a

ética da qual se orienta o sujeito pós-moderno, em concordância com o princípio de

prazer. O desprazer é relacionado à tensão devido ao acúmulo de energia (Q) e o

prazer consiste na descarga desse excesso93.

O mais difícil então neste contexto seria alguém se pensar infeliz obtendo

prazer de diversas formas. Pela lógica aí estabelecida, o coerente é se pensar feliz,

pois se tem prazer no viver e a busca é sempre a mesma: Felicidade. Os caminhos é

que são diversos. E frente a essa diversidade é que a felicidade às vezes se perde

por causa de fantasias como a de que tudo se pode – “É proibido proibir” 94, de que

não há limites – “tudo é melhor quando se faz o que se quer e sem limitações” 95

onde nada poderia ser recusado desde que fosse prazer.

92

BAUMAN apud TFOUNI, SILVA, 2008, p.175 93

GARCIA-ROZA, 2009, p. 51. 94

VELOSO, 1968, Faixa 1. 95

Propaganda da TIM apresentada por Wagner Moura, veiculada pela Rede Globo de Televisão,2011.

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Como uma ideia que perpassa sujeito e sociedade, a ilimitação do prazer veio

a se evidenciar a partir do fluxo ininterrupto de ofertas, que tanto vem através de

objetos materiais – estéticos, eletroeletrônicos, automobilísticos entre vários outros –

como através de papéis sociais atribuídos pelos grupos em que o indivíduo busca

fazer parte.

Neste sentido, as possibilidades de se obter prazer são de tamanha

diversidade que o indivíduo, muitas vezes, vê-se angustiado diante das escolhas,

podendo assim que decidir por uma delas se sentir arrependido e buscar a próxima

alternativa de prazer. Desta forma a cada nova tentativa de se obter prazer um novo

objeto é buscado, o que de certa forma aumenta ainda mais as ofertas de

promotores de prazer, ou seja, aumenta o consumo.

Considerando-se que a oferta e a demanda se inter-relacionam e são

interdependentes, pode-se seguir pela mesma linha de raciocínio ao estudar o atual

contexto de uma sociedade de consumo, ou seja, só há esse exarcebado consumo

porque há um excesso de demanda, e esta última se mantém devido a vários

fatores, como por exemplo, a descartabilidade e o desapego.

Analisando a inter-relação das pessoas e os objetos em constante movimento

de produção e criação, é possível visualizar que , na pós-modernidade, a felicidade

como um objeto de desejo humano, é transformada em um bem material que pode

ser alcançado pela realização de determinados papéis sociais e pelo consumo de

determinados objetos.

A felicidade como o fim último dos atos humanos, partindo da ideia de

completude e de onipotência, ou seja, de uma felicidade perfeita e pautada no

prazer, pode ser efetivamente estabelecida como base de uma cultura hedonista e

consumista, onde o individualismo exagerado e o desapego nas relações

interpessoais influem em um desinteresse pelos fenômenos sociais, sendo portanto,

difícil neste contexto alguém se pensar infeliz obtendo prazer de diversas formas.

Podendo ser interpretada como um consenso social, essa felicidade

mascarada, ou seja, alcançada por uma representação social, é uma das

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consequências do mundo pós-moderno, onde a demanda, proposta como base de

sustentação social, inclui, através de um objeto material a suplência de um desejo,

em um movimento cíclico de oferta e procura de objetos investidos de valor

subjetivo.

Neste sentido a felicidade correlacionada com o prazer obtido no consumo e na

representação social, é algo valorizado e difundido no mundo pós-moderno por meio

de formas evidentes que se exemplificam pelo consumo de objetos materiais, como

também por formas mais sutis que perpassam os discursos de como um sujeito deve

comportar-se, vestir-se e agir para ser feliz.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A temática da felicidade, transformada em objeto de consumo, é pouco

estudada cientificamente sendo compreendida por diversas perspectivas

socioculturais do senso comum. Desenvolver o tema pelas perspectivas da

psicanálise e da psicossociologia é um estudo que permitiu correlacionar os modos

como a felicidade é buscada atualmente, no âmbito da sociedade globalizada e, à

medida que forem correlacionadas, se pode com elas analisar alguns pontos que

dizem respeito à complexidade do assunto e contribuir socialmente com o tema.

A pesquisa empreendida permitiu compreender que o mundo pós-moderno

oferece, nas diversas formas de consumo, o alcance pleno da felicidade e

analisando-a focando o papel da sociedade e da cultura. Já a psicanálise freudiana

constata que a vida social exige sacrifícios pulsionais da ordem do desejo, causando

aos homens um mal-estar, ao mesmo tempo em que esses sacrifícios constituem

uma condição necessária para a existência da própria sociedade.

No mundo pós-moderno os conceitos de felicidade e bem-estar são em alguns

casos posições desarmônicas que podem ser interpretadas como uma felicidade

mascarada, alcançada por uma representação social estabelecida a partir de uma

generalidade, oferecida através de um fluxo ininterrupto de opções.

A teoria psicanalítica, com base em Freud, mostrar que tal plenitude não é

possível. Ainda que Freud considere diversos elementos relacionados a esta

situação, como barreiras ou como meios de obtenção da satisfação, sua ideia se

concentra na inviabilidade do projeto de ser feliz, visto que a ideia de plenitude que

perpassa o significado de felicidade e difundida desde a antiguidade é demonstrada

como ilusória.

Os estudos da psicologia sócio-histórica correlacionados com a própria

psicanálise vieram reafirmar que a ideia de felicidade plena adquirida pelo consumo

é um consenso social exarcebado no mundo pós-moderno, e que assim alcançar a

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felicidade não se fecha na obtenção de bens materiais fortalecidos pelo

consumismo.

Com base no exposto neste trabalho conseguiu-se alcançar o objetivo de

desenvolver uma análise sobre o tema felicidade, evidenciando as perspectivas de

Freud e Lacan com suas possíveis aplicações, correlacionando as ideias dos

autores com outros da psicologia sócio-histórica Esta correlação permitiu encontrar

resposta positiva ao problema proposto.

Sendo assim, conclui-se neste estudo que a felicidade de um sujeito é uma

posição fálica que implica seu estatuto de ser um ser de falta, e com o fomento de

estudos, a psicanálise e da psicologia sócio-histórica podem tornar esta premissa

algo legítimo, já que a felicidade obtida pelo caráter transitório tanto do objeto quanto

do prazer está em acordo com o real do desejo e a realidade; é a realização de uma

fantasia do sujeito, é algo que acontece, sendo esta compreensão de felicidade a

que este trabalho chega.

Espera-se que o presente trabalho possa, não apenas esclarecer sobre a

temática da felicidade, mas provocar novos questionamentos a fim de que se

ampliem as pesquisas e interesse dos leitores e sujeitos implicados com essa

inquietude, que é a busca pela felicidade.

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