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Page 1: A BIOGEOGRAFIA NO CONTEXTO DAS AVALIAÇÕES DE IMPACTOS AMBIENTAIS

GEONOMOS

Figura 1: Estrutura, em termos de distribuição do conteúdo, de um Diagnóstico Ambiental Simples

(*)Professor Assistente, Departamento de Geografia, Universidade Federal de Minas Gerais

A BIOGEOGRAFIA NO CONTEXTO DAS AVALIAÇÕES DE

IMPACTO AMBIENTAL

Bernardo Machado Gontijo (*)

INTRODUÇÃO

No âmbito da avaliação de impacto ambiental, odiagnóstico constitui-se em uma parte fundamental,sendo base para o estudo das diversas implicações queadvêm da atividade impactante. No escopo dos estudosde impacto ambiental propriamente dito, o diagnósticodeve ser precedido pela delimitação da área deinfluência do projeto impactante e deve anteceder àsetapas de prognóstico e de proposição das medidasmitigadoras.

Um problema que vem acompanhando a execuçãode tais diagnósticos, bem como os respectivos produtos(textos) que constam nos relatórios de impactoambiental, resulta do caráter multidisciplinar queenvolve tais tarefas. Este problema é particularmenteperceptível em estudos que envolvem projetos de grandemagnitude, realizados por empresas de consultoriaambiental preocupadas em abranger seriamente todasas variáveis envolvidas em tais empreendimentos. Emfunção do grande número de profissionais que, espera-se, sejam envolvidos em tais estudos, com habilitaçõestécnicas não raro bastante específicas, o produto final(descrição e análise dos recursos ambientais e suasinterações) adquire um aspecto formal semelhante aode uma “colcha de retalhos”.

O coordenador geral de um Estudo de ImpactosAmbientais (EIA) deve prestar especial atenção a esteaspecto e, neste sentido, um profissional específicodeveria ser incumbido de amarrar e homogeneizar osdados e informações coletados pelos diversos técnicosenvolvidos. Este é um trabalho que um profissionalem Geografia está especialmente habilitado emexecutar. Sua formação permite não apenas oconhecimento geral de diversos elementos da paisagemfísica e humana que devem ser analisados em qualquerEIA, como lhe concebe meios para espacializá-los ecartografá-los, em todas as escalas em que o estudoseja desenvolvido.

Considerando a estrutura geral de um diagnóstico,nos moldes que os órgãos estaduais de controleambiental geralmente definem, devem ser consideradostrês meios sobre os quais irá se fazer o trabalho delevantamento e análise de dados referentes aos recursosambientais da região a ser impactada, quais sejam, osmeis físico, biótico e sócio-econômico (ouantrópico).Esta estrutura pode ser visualizada atravésdo fluxograma apresentado na figura 1. Com relaçãoaos meios físico e sócio-econômico, os elementos aserem considerados são abordados, com maior oumenor detalhamento, nas grades curriculares dos cursosde Geografia, especialmente nas disciplinas usualmente

Leandro Paiva
Typewriter
GEONOMOS, Vol. 5, Nº. 2, 1997. Belo Horizonte/MG.
Leandro Paiva
Typewriter
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agrupadas no escopo da Geografia Física (noprimeiro caso) e da Geografia Humana (no segundocaso).

Com relação à Geografia Física, devem serconsiderados, no âmbito de um diagnósticoambiental que se pretenda completo, conteudosreferentes à climatologia, incluindo dinâmicaatmosférica, análise de parâmetros meteorológicosa partir de dados de superfície, análise de qualidadedo ar; etc.; à geomorfologia, incluindo topografia;processos denudacionais e deposicionais, áreas derisco, etc.; à hidrologia, incluindo rede de drenagem,regime hidrológico; qualidade da água, etc; àpedologia, incluindo análise de parâmetros físicose químicos do solo, fertilidade e/ou oligotrofismo,potencial de aproveitamento econômico, etc.

Com relação aos elementos do meio sócio-econômico que devam ser abordados no âmbito daGeografia Humana, espera-se que sejam incluídosconteúdos referentes à geografia da população,incluindo análise de parâmetros demográficosdiversos, estudos referentes à evolução temporal dapopulação, pirâmide etária, movimentospopulacionais, etc; à geografia urbana, incluindoinfra-estrutura, hierarquização, urbanismo, etc.; àgeografia agrária, incluindo análise de concentraçãofundiária, produção agrícola, uso do solo, etc.; àgeografia econômica, incluindo aspectos ligados àcirculação de mercadorias, aos níveis de emprego,à geração de renda, aos diversos setores daeconomia, etc.; à geografia da energia e indústria,incluindo análises relativas à localização industrial,às fontes de energia utilizadas, à origem da matéria-prima transformada, etc.

Quanto ao meio biótico, por questões óbvias, esteseria aquele campo a ser diagnosticado cujoconteúdo global é o menos relacionado à Geografia.Trata-se de um campo no qual os profissionais daárea de Ciências Biológicas muito têm contribuído,especialmente com relação às diversasespecificidades que o amplo espectro do mundobiótico comporta. Mas também com relação ao meiobiótico percebe-se a contribuição potencial que podeadvir do conhecimento geográfico, aqui no casorelacionado aos conteúdos constantes no programada disciplina biogeografia. A biogeografia, nestesentido, surgiria como um elo de amarração paraamalgamar o conteúdo, muitas vezes de caráterfragmentário, da maneira como o meio biótico, nãoraramente, tem sido apresentado nos Relatórios deImpacto Ambiental.

Como o campo de conhecimento das CiênciasBiológicas é extremamente amplo, função dagrande diversidade de seres vivos, especialmenteem meio tropical como é o nosso caso, repete-senos textos referentes ao meio biótico o mesmoproblema relacionado àquela “colcha de retalhos”citada no início deste trabalho. Muitas vezes, paraa execução de t rabalhos consis tentes,profissionais de diversas áreas do conhecimento

biológico são chamados a contribuir com relaçãoa conteúdos específicos de suas respectivasespecialidades, as quais demandam estratégiasmetodológicas específicas e acabam por gerarprodutos cujos resultados são expressos demaneiras bem diversas entre si, o que acaba pordificultar a compreeensão global do meio bióticoestudado. É o que se observa quando se avalia osprodutos gerados por um botânico (tabelas,transectos, gráficos, mapas temáticos simples,etc .) e os mesmos são comparados com aslistagens de espécies , gráficos de barra ediagramas circulares tão usados por entomólogos,herpetólogos, ornitólogos e mastozoólogos; istosem falar das tabelas e quadros fornecidos pelosmicrobiologistas e limnologistas quando de suasanálises referentes aos meios aquáticos a seremimpactados.

Além da multiplicidade de formas diferentesde expressão gráfica utilizadas, incluindo aí umasubutilização de recursos cartográficos quedevem ser de conhecimento dos geógrafos,problemas mais graves tendem a surgir quandoda obtenção e análise dos resultados. Como aabordagem metodológica para o estudo da florae de cada grupo faunístico é diferente (o que éóbvio em função do papel ecológico diferenciadoque cada grupo a ser analisado exerce no meio),corre-se o risco de obterem-se resultados quepodem vir a ser contraditórios, ou até mesmomutuamente excludentes. Certamente que istorefletiria abordagens errôneas ou metodologiasinadequadas. Qualquer que seja o motivo que geretais deficiências, são falhas que o coordenadorgeral do EIA no qual tal diagnóstico estejainserido não pode deixar ocorrer, sob pena decomprometer a confiabilidade do trabalho.

Percebe-se, portanto, a importância de seprocurar um elo metodológico que uniformize alinguagem no âmbito do meio biótico e, maisainda, no âmbito de todo o relatório. Este elometodológico pode ser buscado, em uma primeirainstância, na própria biogeografia, que pode serconsiderada como uma ciência que permite aligação natural entre o estudo do meio biótico eo estudo do meio físico. Numa segunda instância,a própria Geografia estabeleceria a amarraçãometodológica de todo o diagnóstico uma vez queabrange, no seu escopo, a análise conjunta entreos meios físico (aí já incluindo o biótico) e o meioantrópico. Trata-se , como bem apontouCHRISTOFOLETTI (1981 ), da única ciênciaque mescla variáveis humanas com variáveisnaturais . Procurar-se-á então, neste trabalho,del imi tar -se es te “e lo metodológicogeográfico”(e biogeográfico) o qual confeririacoerência e uniformidade ao corpo de umdiagnóstico ambiental. Esta situação pode servisualizada no fluxograma apresentado na figura2.

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41GONTIJO, B.M.

Uma rápida passada de olhos no fluxograma acimapermite-nos visualizar a preocupação em uniformizaro conteúdo de cada um dos três meios, bem como anecessidade de se chegar a um produto final tanto naforma de texto como na de mapa. Percebe-se tambéma possibilidade de união entre os conteúdos do meiofísico e do meio biótico, isto graças à perspectivabiogeográfica de análise.

A introdução geral não foge ao que deve serabordado quando da elaboração de um diagnósticosimples, exceto pela preocupação em se apresentar aperspectiva integradora da abordagem (bio)geográfica.Estariam aqui presentes a mesma preocupação em sedefinir a área de influência do projeto impactante; aescala de análise a ser adotada; a localização geral(considerações sobre o conjunto da região) econtextualização geográfica da área a ser diagnosticada;uma descrição sucinta da atividade impactante,principalmente no que disser respeito às resultantesespaciais dos impactos potencialmente previstos.

Com relação ao meio físico, as áreas deconhecimento a serem abordadas são velhas conhecidasda Geografia Física. Mesmo a geologia, cujaimportância é inquestionável (principalmente selevarmos em consideração os impactos decorrentes daatividade mineradora), caminha lado a lado com ageomorfologia e a hidrologia, sendo base para aexplicação de vários fenômenos que porventuravenham a ocorrer. Importa aqui que tais áreas deconhecimento sejam analisadas de forma integrada,buscando-se enfatizar aqueles aspectos que estabeleçamligações diretas entre os diversos subsistemas do meiofísico. Neste sentido, por exemplo, o clima não deveser analisado pelo clima em si, mas sim no que ele

refletir na morfogênese, na pedogênese e no regimehidrológico, sem perder de vista, obviamente, o seuimportante papel enquanto fator ecológico para toda abiota. A geomorfologia, por sua vez, deve ser entendidaenquanto interface dinâmica do embasamentogeológico e a ação modeladora do clima, da água e daprópria biota. A água devce ser focalizada a partir daperspectiva de que está em movimento contínuo nosistema, modelando o relevo, regulando o clima,acelerando a pedogênese e sendo elemento fundamentalpara a manifestação e desenvolvimento da vida. Ossolos, por sua vez, devem ser entendidos enquantoproduto da ação conjunta de todos os outros elementosincluindo aí também o papel decisivo dos seres vivosenquanto fornecedores de toda fração orgânica dosmesmos. Dir-se-ia que os solos constituem-se naqueleelemento do meio natural que traduz a transição entreo meio biótico e o meio abiótico. A geologia,finalmente, deve. ser sentida enquanto esqueleto físico-químico para a geomorfologia, da mesma forma que ameteorologia o é para a climatologia.

Pode ser percebido, na perspectiva integradoraexposta acima, o papel importante exercido pela biotaenquanto um dos principais elementos definidores dapaisagem física da grande maioria dos ambientes. Seconsiderarmos a vegetação como o mais “geográfico”dos elementos bióticos (fixa na paisagem; base dacadeia alimentar; abrigo para a fauna; facilmentequantificável em termos de biomassa, consumo eprodução de energia e biodiversidade), percebemos aimportância da inclusão do seu estudo na GeografiaFísica, importância esta que não pode ser relegada, damaneira como acontece quando se faz um diagnósticoseparatista, nos termos espostos na figura 1. O estudo

Figura 2: Estrutura geral de um Diagnóstico Ambiental uniformizado,no qual está inserido o “elo metodológico geográfico”

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da vegetação, portanto, deve ser integrado ao dosdemais elementos do meio físico para que assim sepossa chegar a um “zoneamento”da área em estudo,zoneamento este que deve ser entendido como umatentativa de microregionalização, qualquer que seja otamanho da área considerada no diagnóstico(dificilmente chegaríamos a algumamesoregionalização). Este zoneamento seráfundamental na medida em que é através dele que sepode estabelecer uma “ponte metodológica”entre aperspectiva biológica de se estudar o meio biótico e aperspectiva geográfica de se estudar o meio físico. Éatravés dele que se pode uniformizar a linguagemutilizada entre os diversos especialistas das ciênciasbiológicas (botânicos, zoólogos e microbiólogos,principalmente) envolvidos no diagnóstico, e torná-lacompatível com a linguagem utilizada na análiseambiental do meio físico. Para tanto, todoencaminhamento metodológico utilizado pelosbiólogos deve levar em consideração aquelezoneamento. É em função dele que os postos de coletae os pontos de amostragem para levantamento da florae da fauna devem ser definidos.

Geralmente, o estudo do meio biótico é dividido entreo estudo dos ecossistemas terrestres, no qual ênfase é dadaà vegetação (flora e fitossociologia) e a macrofauna(entomofauna e cordados), e o estudo dos ecossistemasaquáticos, com ênfase nos parâmetros físico-químicos daágua, e nos microorganismos aquáticos (bactérias, fungos,algas, protozoários, metazoários inferiores, formas larvaise, eventualmente, peixes). Qualquer que seja o grupo deseres vivos estudado, os biólogos lançam mão de técnicasde amostragem e/ou coleta de material de modo a procedera análises quali-quantitativas com base nas espéciesencontradas e suas respectivas populações. O objetivocentral é buscar parâmetros que qualifiquem o ambienteestudado, principalmente através da identificação e análisedos chamados indicadores biológicos. Um problema quepode decorrer desta estratégia de análise refere-se àprópria escala em que são processadas tais coletas e/ouamostragens. Muitas vezes, os resultados obtidosconduzem a análises que se resumem às áreas de coletae/ou amostragem. Poucas inferências são feitas comrelação ao restante da área e, muito menos, quase nada édito comrelação aos diversos elementos do meio físico.Acabam surgindo várias análises de resultados pontuais,ou que se reduzem a transectos, sem que extrapolaçõessejam feitas considerando o conjunto ambiental de toda

a área. Além do mais, a ausência de um zoneamentonorteador quanto à definição da posição dos postos decoleta e/ou amostragem pode levar a uma miríade depontos sem relação entre si espalhados pela área,propiciando resultados difíceis de serem aproveitados nostermos de uma análise (bio)geográfica global.

No âmbito da estrutura de diagnóstico ambientalproposta para o meio biótico exposta na figura 2, o mesmodeve ser caracterizado de modo a se contextualizar seusdiversos ecossistemas aquáticos e terrestres. Osecossistemas terrestres, por sua vez, devem ser descritoslevando-se em consideração, principalmente, os aspectosfisionômicos e estruturais das formações vegetais da áreauma vez que as mesmas constituem-se no pano de fundoonde se desenrolam as diversas interações inter eintraespecíficas dos indivíduos da fauna local. Definidase descritas tais formações, um mapa deve serconfeccionado de modo a servir de base tanto para alocalização dos pontos/postos de coleta/amostragem,como para visualização das relações espaciais existentesentre as formações vegetais, e entre essas e os demaiselementos do meio físico. Quanto aos ecossistemasaquáticos, estes devem ser descritos de uma forma geral,em estreita correlação ao que já terá sido identificadoquando do estudo dos recursos hídricos no âmbito domeio físico.

Definidos os pontos de amostragem a partir dozoneamento executado no contexto do meio físico, parte-se então para o levantamento e identificação da faunaexistente. É importante ressaltar que todo este trabalhoque antecede às coletas e amostragens faunísticaspropriamente ditas, pode e deve ser realizado por umgeógrafo, especialmente aquele que tenha uma boa baseem biogeografia. É preciso que ele confira à abordagembiótica uma uniformidade e uma coerência espacial paraque os resultados, estes sim a serem obtidos pelosbiólogos, sejam aproveitados da melhor maneira possível.

BIBLIOGRAFIA

CAMARGO, José Carlos Godoy - Considerações a respeito daBiogeografia. Cad. Geografia, Belo Horizonte, v. 4, nº 5, pp:41-50, dez. 1993.

CHRISTOFOLETTI, Antônio. Geografia Física. Bol. de GeografiaTeorética, vol II, nº 2`1/22, pp: 5-18, 1981.

MENDONÇA, Francisco. Geografia Física: Ciência Humana? Col.Repensando a Geografia. Editora Contexto, 1989.

SANTOS, Maria Juraci Ani dos. Introdução à Biogeografia. Bol.de Geografia - UEM. Ano 3, nº3, pp: 59-68, 1985.