a autoridade palestina e a resolução do conflito com israel

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A Autoridade Palestina e a Resolução do Conflito com Israel Liana Araújo Lopes* * Professora do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Doutora em Relações Internacionais pela PUC-Rio Volume 1 – ANO 6 – 2007

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A Autoridade Palestina e a Resolução do Conflito com Israel

Liana Araújo Lopes*

* Professora do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Doutora em Relações Internacionais pela PUC-Rio

Volume 1 – ANO 6 – 2007

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Sumário

Introdução............................................................................................................................. 3

Testemunho do Autor.......................................................................................................10

Debate ..................................................................................................................................20

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Introdução

O principal objetivo da tese1 foi mostrar como o formato, as características e deficiências das instituições de um dos atores participantes de um processo de paz podem comprometer os resultados da resolução de um conflito internacional. Sendo assim, ao estudar o processo de paz israelense-palestino, examinou-se, por um lado, como a estrutura formada para uma solução política do conflito entre as duas comunidades afetou a institucionalização do autogoverno palestino iniciada em 1994. Nessa direção, argumentou-se que o conteúdo dos acordos e a natureza das negociações no período de 1994-2004 não apenas foram ineficazes para a resolução do conflito, mas afetaram o desenvolvimento institucional do autogoverno. Por outro lado, avaliou-se o modo pelo qual o processo de formação e consolidação dessa instituição condicionou sua capacidade de implementar os termos dos acordos firmados, influenciando, por conseguinte, a evolução das negociações sobre a paz durante esse período. Buscou -se revelar, pois, o processo dialético existente entre a institucionalização da Autoridade Palestina (AP) e a implementação dos acordos com Israel.

Embora não tenha sido atribuída uma relação de causalidade entre as instituições palestinas e o insucesso na resolução desse conflito, pretendeu-se indicar em que medida as mesmas foram capazes de afetar o processo de paz. A ênfase em variáveis que se passam na arena doméstica de um dos atores, participando da resolução de um conflito internacional, foi uma mera opção analítica de delimitação do objeto, assim como a intenção de trazer novas reflexões para a área de estudos sobre conflitos internacionais que é deficiente nesse tipo de enfoque.

A pesquisa intencionava cobrir uma lacuna nas análises sobre o conflito israelense-palestino, que se concentram no posicionamento polar entre as duas comunidades, culminando com uma situação de impasse, e na incompatibilidade de seus interesses como únicos fatores afetando o processo de resolução do conflito. Tratam-se, pois, de estudos enfatizando o resultado final, ou seja, se houve sucesso ou não nas negociações entre as partes, sem realizar uma análise mais fina sobre a fase posterior à assinatura de acordos. Buscou-se, também, superar limites da literatura de relações internacionais sobre negociações e resolução de conflitos que desconsidera ou não apresenta um suficiente tratamento para a fase de implementação das decisões. Deve-se salientar que estudos nessa área não consideram o grau de institucionalização de um ator envolvido em negociações internacionais, nem atentam devidamente para a natureza das negociações de paz. 1 Durante o doutorado recebi auxílios da PUC-Rio, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que me concedeu uma bolsa para complementar meus estudos e pesquisas referentes à tese junto à Universidade de Tel Aviv, de março de 2004 a março de 2005.

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Para examinar a dialética entre a institucionalização da Autoridade Palestina e a implementação de acordos de paz, deve-se retomar alguns dos principais fatos desse processo.

A assinatura da Declaração de Princípios sobre os Acordos de Autogoverno Interino (Oslo I), em setembro de 1993, representou um marco na formalização do processo de paz entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) iniciado dois anos antes, em Madri. Definiu-se, nesse acordo, o estabelecimento de um autogoverno palestino por um período interino de cinco anos, tão logo se efetivasse a retirada da administração civil e das forças militares israelenses da Faixa de Gaza e da cidade de Jericó, na Cisjordânia. Tratava-se da constituição de um conselho, mais tarde denominado Autoridade Palestina.

Quanto ao seu formato, o processo de negociação baseou-se nas Resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança da ONU, que versam sobre a retirada do Exército de Israel dos territórios por ele ocupados desde a Guerra de 1967. Esse processo foi estruturado em duas fases. A saber, em uma primeira etapa, correspondendo ao período interino do autogoverno, seriam negociadas as questões consideradas menos contenciosas; e, em uma segunda fase, seriam discutidos os interesses mais divergentes. Dessa forma, acreditava-se que as negociações sobre diversos tópicos em uma fase interina constituiriam um pré-requisito para se negociar as questões que levariam à resolução do conflito.

Vale notar, ainda, uma outra particularidade da resolução do conflito israelense-palestino. Estabeleceu-se uma estrutura de negociação cuja pauta ficava “em aberto” e indefinida sobre alguns temas, gerando ambigüidades na implementação dos acordos, inclusive no que se refere à extensão dos poderes da AP sobre a população dos territórios. Assim sendo, questões importantes, que poderiam alterar a configuração dessa nova entidade política, foram deixadas para ser negociadas posteriormente. Dentre elas, cabe ressaltar a definição das fronteiras externas, a soberania sobre Jerusalém e o direito de retorno de refugiados para os territórios palestinos. Acrescente-se que nem as negociações, nem os acordos definiram o futuro papel da OLP quando se chegasse ao estágio final de todo esse processo.

Seguindo a lógica de que o processo de paz seria realizado em etapas e que novas negociações seriam necessárias para a elaboração de acordos complementares, observe-se que a estrutura institucional do autogoverno também seria estabelecida gradualmente, acompanhando as mudanças a serem definidas pelos acordos. Vale registrar que quaisquer alterações em termos de poderes e responsabilidades do autogoverno, ao longo desse processo, deveriam ser previamente negociadas por Israel e a OLP. Note-se, pois, que a entidade política, recém-criada, não teria autonomia para estabelecer suas próprias instituições. Ressalte -se que o formato e

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suas funções estavam circunscritos aos termos dos acordos, sendo proibidas quaisquer atitudes unilaterais não previstas por aqueles documentos.

Portanto, desde o início do processo negociador, previu-se que a consecução de Oslo I dar-se-ia em etapas, mediante a realização de devidos arranjos institucionais, de procedimentos tomados por ambas as partes envolvidas e o cumprimento de responsabilidades específicas, determinando-se, ainda, a necessidade de futuras negociações para a elaboração de acordos complementares. Além de indicar providências que deveriam ser adotadas de modo a facilitar a coordenação e a cooperação entre as partes, tais como a criação da Comissão Conjunta Israelense-Palestina para solução de controvérsias, o acordo estipulou que o conselho palestino seria responsável por instituições voltadas para a administração de determinadas questões. Nessa ordem de idéias, os acordos definiram que a OLP deveria tomar as decisões sobre o estabelecimento de arranjos institucionais para a área de energia elétrica; para o meio-ambiente e recursos hídricos; um banco para o desenvolvimento; e uma agência para a promoção de exportações. De modo semelhante, caberia àquela organização cuidar da criação das instituições que comporiam o autogoverno.

Detalhes sobre esse último foram concluídos somente após várias reuniões entre as delegações de Israel e da OLP no Cairo e em Paris, resultando na elaboração do Acordo Gaza-Jericó em maio de 1994, quando se iniciou, de fato, a administração palestina interina. Esse acordo, por seu turno, definiu critérios sobre a transferência de poderes e responsabilidades do governo militar israelense e de sua administração civil para a AP, além de ter delineado os contornos da estrutura dessa instituição palestina, em especial sua autoridade executiva, legislativa e seus órgãos judiciários.

É importante destacar uma das principais características das negociações realizadas até 1993, que gerou desdobramentos relevantes para a seqüência do processo de paz: a evolução dos diálogos baseou-se na necessidade de se assegurar a cooperação e a confiança mútuas. Sobre esse ponto, a implementação dos acordos condicionou-se à capacidade das partes cumprirem suas respectivas responsabilidades no âmbito desses documentos. Nesse sentido, estabeleceram-se pré-requisitos para o avanço do processo de paz, de modo que, quando uma das partes entendia que a outra não estava cumprindo os termos dos acordos, interrompia unilateralmente os diálogos e/ou recusava-se a prosseguir na implementação de arranjos em tais documentos.

As dificuldades na implementação dos acordos refletiam, por um lado, os distintos posicionamentos palestino e israelense para o prosseguimento das negociações de paz, em particular no que concerne ao problema dos assentamentos israelenses (localizados em territórios a serem transferidos para os palestinos), ao retorno dos refugiados palestinos e à jurisdição sobre Jerusalém (cuja soberania é reivindicada

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pelas duas partes negociadoras). Por outro lado, nota-se que o conteúdo desses acordos restringiu as possibilidades de se alcançar a paz, seja por ambigüidades presentes em alguns de seus trechos, seja pelas condições exigidas como requisitos essenciais para a continuidade do processo de paz.

Sobre esse último ponto, cabe ressaltar que um dos principais fatores condicionantes do sucesso das negociações dizia respeito à questão da segurança na região e a forma pela qual os acordos previam a organização da mesma. Nesse sentido, determinou-se que a AP seria responsável pela formação de uma força policial capaz de garantir a ordem pública e a segurança dos palestinos, ao passo que Israel manteria a responsabilidade sobre a defesa das fronteiras internacionais e dos territórios limítrofes com o Egito e a Jordânia, ficando, ainda, sob seu controle, a segurança dos israelenses na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. No entanto, ao longo do período das negociações baseadas nos Acordos de Oslo, a Autoridade Palestina encontrou dificuldades para garantir a ordem pública nas áreas sob sua jurisdição e para controlar os atos terroristas realizados por grupos palestinos contrários ao processo de paz. Esses fatos foram recorrentemente utilizados como justificativas pelo governo israelense para suspensão das negociações nesse período. Confrontos entre as duas comunidades intensificaram-se a partir da Intifada de Al-Acqsa, em setembro de 2000, implicando uma nova dinâmica na busca para a resolução do conflito israelense-palestino.

Ademais, vale sublinhar que os acordos condicionaram a retirada das forças militares israelenses à capacidade de a polícia palestina cumprir os deveres previstos na Declaração de Princípios, ou seja, a gradual implementação desse item do acordo de Oslo, ocorreria na medida em que a polícia palestina garantisse a ordem pública e a segurança interna na Faixa de Gaza e na Cisjordânia (Artigo XIII da Declaração de Princípios).

Portanto, ainda que fosse justificada a necessidade de um processo de paz gradual, suas características e o conteúdo dos acordos mostraram-se contraditórios com relação a alguns de seus objetivos. Dito isso, pode-se apontar mais uma contradição gerada pelos acordos. Ou seja, uma vez que a AP se encontrava em uma fase de formação de suas instituições, não possuía ainda recursos suficientes, nem uma infra-estrutura e um aparato institucional adequados para garantir o cumprimento das cláusulas sobre a manutenção da ordem pública e da segurança. Dessa forma, já seria previsível que ela encontraria dificuldades para agir de forma coordenada com Israel e para cumprir os termos dos acordos. Oslo II (ou Acordo Interino), assinado em 1995, acentuou essa contradição ao dividir a Cisjordânia em áreas, sendo que a Autoridade Palestina poderia exercer, de forma limitada, sua jurisdição naquela região. Isto posto, pode-se dizer que o conteúdo dos acordos e a natureza do processo negociador foram ineficazes para a resolução do conflito, e por outro lado, afetaram o desenvolvimento institucional do autogoverno.

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Em outras palavras, há dois princípios básicos da estrutura dos acordos que limitaram as escolhas da Autoridade Palestina. Seguindo, pois, a lógica da trajetória dependente, pode-se dizer que a decisão dos negociadores de que o processo de paz seria realizado de forma gradual, em duas etapas (interina e permanente) e os condicionantes presentes nos acordos, colocados como fundamentais para a obtenção da paz, restringiram as opções disponíveis aos líderes palestinos. Sendo assim, o que se definiu no passado delineou alguns dos desdobramentos futuros do processo de paz, de modo que determinadas deficiências institucionais se mantiveram ao longo do tempo. Acrescente-se que as preferências e capacidade governativa palestinas tornaram-se, por conseguinte, condicionadas pelos arranjos institucionais de um momento anterior.

Note-se, ainda, que esse processo de resolução do conflito apresenta características que dificultaram a evolução do processo de paz, na medida em que estabeleceu uma nova entidade política institucionalmente restrita durante a formação e consolidação de suas instituições. Dito de outra forma, limitações em termos da autonomia palestina e quanto à sua jurisdição territorial, em particular pela continuidade de assentamentos judaicos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, o fato de não possuir o controle das fronteiras e não ter o monopólio do uso legítimo da força são elementos que conferiram um caráter sui generis a esse ator.

De modo similar ao que se passou nas negociações no período 1996-1999, as iniciativas de paz após o colapso dos Acordos de Oslo em 2000, não modificaram substancialmente a estrutura institucional definida para a fase interina (exceto pela criação do cargo de primeiro-ministro em 2003, seguindo as recomendações do “Mapa do Caminho”). Ademais, não foram substituídas cláusulas que restringiam sua autonomia. Ao longo desse período, as negociações versavam fundamentalmente sobre a questão da violência entre as comunidades palestina e israelense. Dessa forma, exigia-se que a Autoridade Palestina tomasse medidas para conter e evitar ações terroristas. Como se destacou anteriormente, as dificuldades do autogoverno para garantir a segurança nos territórios e combater o terrorismo contra israelenses serviram como justificativa para que Israel se recusasse, ora a prosseguir com as conversações para a paz, ora a cumprir o cronograma de retirada dos territórios.

Em que pesem as restrições em termos de recursos, as deficiências da AP no setor da segurança refletiam, também, os problemas criados na administração de suas agências. A título de exemplo, cabe citar que a elite que se transferiu para os territórios, apoiada por alguns segmentos da sociedade palestina por meio da patronagem e da cooptação, esteve engajada em construir um aparato institucional privilegiando seus interesses. Deixou, assim, de priorizar o atendimento das necessidades e demandas sociais, além de comprometer a estabilidade política na medida em que favoreceu as conexões pessoais em vez de privilegiar o papel do aparato institucional. Um dos reflexos dessa forma de conduzir a Autoridade

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Palestina pode ser visualizado na estrutura administrativa que se formou, caracterizada por duplicação de agências, e sobreposição de funções e indefinição quanto à jurisdição em algumas de suas principais instituições.

Embora a tese tenha se concentrado na emergente entidade política palestina na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, não ignorou que as ações israelenses tenham tido impactos sobre a arena palestina e sobre a evolução do processo de paz no período 1994-2004. Um dos momentos mais críticos nas relações israelense -palestinas iniciou-se com a Intifada de Al-Acqsa, marcando, também, uma nova etapa na institucionalização da Autoridade Palestina. Essa segunda fase da institucionalização dessa entidade política pode ser verificada a partir da reocupação militar israelense em áreas palestinas e destruição de boa parte de sua infra-estrutura, até o final do governo de Yasser Arafat, em novembro de 2004. O retorno de violentos confrontos entre as duas comunidades, por um lado, sinalizou que a estrutura dos Acordos de Oslo foi inadequada para a resolução do conflito, por outro, trouxe desdobramentos sobre o processo de institucionalização daquela entidade. Nesse sentido, as medidas adotadas pelo governo israelense para conter a violência provocada por palestinos, e utilizadas como modo de pressionar a Autoridade Palestina para que a mesma assegurasse a ordem pública e a segurança nos territórios, afetaram sua capacidade governativa.

Há que se destacar que atores internacionais se comprometeram a ajudar financeiramente a AP, auxiliando-a, ainda, em questões técnicas e administrativas. Não se estabeleceu, contudo, nenhum mecanismo nos acordos definindo um compromisso formal desses atores externos no processo de paz. Dessa forma, por exemplo, coube às agências internacionais definirem seus critérios de quanto e quando repassariam recursos para a Autoridade Palestina. Essa dependência em relação a financiamentos externos, em um período em que as instituições estavam sendo formadas, deixou o autogoverno em uma situação de vulnerabilidade, em caso de interrupções na transferência de recursos.

Conforme a exposição feita até aqui, a estrutura formada para a solução política do conflito israelense-palestino criou condicionantes e contradições que dificultaram o processo de institucionalização da Autoridade Palestina e o avanço na implementação das decisões acordadas. Ao mesmo tempo, a conduta política da AP por meio das práticas informais e discricionárias contribuíram para seu baixo grau de institucionalização. Portanto, os acordos restringiram sua capacidade institucional e, conseqüentemente, sua capacidade de implementar políticas na arena doméstica, incluindo aquelas relacionadas à evolução do processo de paz.

A estrutura da tese

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A tese foi organizada em sete capítulos. Em uma introdução são apontadas as premissas do estudo, é apresentado um breve histórico sobre o conflito israelense-palestino e sua caracterização, além de indicar os objetivos dos seguintes capítulos.

O segundo capítulo apresenta os principais conceitos e paradigmas referentes à literatura sobre resolução de conflitos internacionais, e discute as limitações analíticas dessa área. A partir da revisão dessa literatura, definiu-se o quadro analítico da tese.

No terceiro capítulo, há um retrospecto histórico da constituição da representação palestina nas negociações de paz com Israel e as diferentes visões e concepções palestinas sobre o formato de uma entidade política a ser estabelecida. São indicadas, ainda, as iniciativas para a paz entre israelenses e palestinos, que culminaram nas negociações em Madri em 1991, acrescentando as condições de ambas as partes para negociarem uma solução para o conflito e para a questão palestina. Essa exposição tem como objetivos a contextualização do estágio anterior aos acordos e destacar questões desse período que teriam impactos relevantes após a fundação do autogoverno palestino.

O quarto capítulo refere-se aos acordos entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), apresentando, de forma analítica, os pontos mais relevantes desses documentos, as questões negociadas, salientando também os direitos e responsabilidades dos palestinos nesse contexto. O objetivo desse capítulo é indicar como a estrutura formada para a solução de um conflito prolongado criou condições favoráveis para a paz, ao mesmo tempo em que limitou o alcance da mesma.

A discussão sobre as premissas do estudo encontra-se nos capítulos cinco e seis. O primeiro versa sobre a institucionalização da Autoridade Palestina e o seguinte sobre a implementação dos termos dos acordos sob sua responsabilidade.

Assim, foram analisadas as questões apresentadas na primeira parte desta introdução. Vale dizer, avalia-se a limitada autonomia da AP, adquirida juntamente com condições econômicas e financeiras adversas, reforçando um determinado formato institucional das agências do autogoverno, em que práticas tais como o autoritarismo, patrimonialismo e predomínio do Executivo sobre os Poderes Legislativo e Judiciário foram empregadas como mecanismos para assegurar a permanência da elite política no poder. Em outras pal avras, como se acentuou ao longo deste texto, após sua criação, a Autoridade Palestina passou a desempenhar suas funções governativas dentro de um certo padrão, em que o Executivo concentrou o poder decisório de determinadas questões pertinentes à arena dos demais poderes e, por conseguinte, consolidou-se a expensas do desenvolvimento autônomo das agências governamentais. Essas questões são discutidas no quinto capítulo, cujo eixo central é o desenho das agências

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(compondo o autogoverno palestino) delineado pelos acordos. O foco da primeira seção desse capítulo recai na estrutura institucional criada e na conduta política do autogoverno. O objetivo primário dessa parte da tese é mostrar que o processo de institucionalização gerado pode revelar-se desfavorável à capacidade de o autogoverno implementar as decisões acordadas no “processo de Oslo”.

Na primeira seção do sexto capítulo, são apresentados os condicionantes à implementação dos acordos. Uma segunda seção volta-se para a interação entre a Autoridade Palestina e grupos domésticos na fase de implementação dos acordos. Nesse capítulo, o eixo da análise recai sobre questões em torno da área da segurança. Além de esta temática constituir um dos pontos centrais do processo negociador e dos acordos, as decisões políticas para esse setor tiveram impactos significativos nas relações entre a Autoridade Palestina e alguns grupos domésticos. Na segunda parte desse capítulo, o texto discute a respeito da legitimidade do autogoverno. Pode -se dizer que a legitimação dessa entidade constitui um elemento essencial na manutenção da estabilidade da ordem pública nos territórios sob sua jurisdição que, por seu turno, revela-se condição necessária, embora não suficiente, para o sucesso da resolução do conflito entre as duas comunidades.

No último capítulo, o texto retoma as premissas da tese para concluir que questões no âmbito da arena doméstica palestina - tais como a interação entre a sociedade e o governo, as práticas políticas da liderança e a capacidade de suas instituições para implementar políticas, entre outros fatores - são relevantes para se compreender as dificuldades para se chegar a uma resolução de um conflito prolongado. Como foi dito antes, não se desconsidera que ações do governo israelense restringiram a capacidade governativa da Autoridade Palestina. O recorte feito pelo estudo foi uma opção meramente analítica. Testemunho do Autor

Há pouco comentava que considero esta uma oportunidade valiosa, pois ainda não tive chance de publicar este trabalho e sinto-me frustrada ao não compartilhar meus estudos. Provavelmente não falarei sobre tudo, logo ficarão algumas indagações no ar que com certeza poderemos debater depois.

Gostaria, antes de apresentar os principais pontos tratados na tese, de falar um pouco sobre algumas das motivações que me levaram a querer estudar sobre a interação entre Autoridade Palestina e Israel. Quando iniciei meus estudos tratando da política externa israelense no âmbito das negociações de paz com a OLP nos anos 90, eles foram bastante restritos, principalmente considerando as limitações de tempo em um mestrado. Então, já havia delimitado o meu objeto de

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estudo como Israel, a continuidade dos confrontos e a instabilidade do processo de paz nos anos seguintes. Inclusive, minha defesa da dissertação foi três dias antes do início da Intifada de Al -Acqsa em 2000, algo mais a me mostrar que aquele ainda não era o ponto final dos meus estudos. A cada desdobramento dos confrontos, da nova escalada de violência entre as duas comunidades, o que se percebia era um colapso da estrutura dos acordos de Oslo que havia sido definida nos anos 90. A instituição da Autoridade Palestina, também debilitada com as incursões israelenses, e o cerco a Ramallah e outras cidades foram questões que incentivaram cada vez mais meu desejo de dar prosseguimento aos meus estudos.

Logo em seguida surgiu a oportunidade de fazer doutorado no IRI – Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio -, o que coincidiu com outro momento importante nas relações entre Autoridade Palestina, comunidade Palestina e os israelenses. Foi justamente de 2001 para 2002 que houve a nova onda de atentados terroristas e intensificação das incursões do exército israelense. Minha referência à dissertação foi somente para expor que, no doutorado, queria dar prosseguimento ao estudo, mas para poder entender justamente um outro lado que não tinha tido a oportunidade de estudar mais a fundo. Ao invés de estudar somente a OLP, concentrei-me também na Autoridade Palestina, a instituição que emerge a partir dos acordos de Oslo nos anos 90. O primeiro acordo, de 1993, a Declaração de Princípios, já estabelecia que seria criado um Conselho Palestino. Esse Conselho Palestino, a partir do acordo Gaza-Jericó, de maio 1994, marca o início da administração do auto governo interino palestino na Faixa de Gaza e na cidade de Jericó. Os acordos subseqüentes foram, então, estendendo esta jurisdição a outras regiões da Cisjordânia. Assim, delimitei o marco cronológico da minha pesquisa de 1994 até 2004, o que cobre, portanto, o período do governo de Yasser Arafat.

Outro ponto importante que tem ainda uma relação com a minha dissertação foi justamente o tipo da linha de pesquisa adotada. No mestrado privilegiei o estudo de fatores da arena doméstica de Israel para entender o contexto institucional israelense e avaliar em que medida alguns elementos poderiam ter impacto na capacidade do governo de Israel de implementar decisões de política externa, em particular em relação à implementação de acordos com os palestinos. O enfoque foi parecido desta vez também, no entanto, a tese é diferente no sentido em que foi elaborada para tentar buscar os fatores, do lado de um dos atores envolvidos em uma negociação internacional, na arena doméstica, que poderiam estar causando certos impactos sobre a evolução do processo de paz.

Pode parecer, à primeira vista, que estava atribuindo maior relevância às instituições palestinas ao fazer este tipo de vínculo entre a causa da ineficiência ou da derrocada dos acordos de Oslo de 2000, mas não foi este o raciocínio. Foi mera delimitação de objeto de estudo diante do tempo que teria para completar o trabalho, mas também uma opção levada pelo interesse em tentar entender mais a fundo este ator, que não tinha tido possibilidade de estudar antes. Então, por favor,

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não pensem que esteja estabelecendo alguma relação de causalidade no sentido de atribuir às instituições políticas palestinas o insucesso das negociações. No entanto, o que minha pesquisa foi indicando como as falhas institucionais, eu já havia previsto a partir da análise mais profunda do próprio conteúdo dos acordos de paz e da natureza deste processo negociador. Assim, decidi me concentrar nestes aspectos.

A proposta da tese, na verdade, foi a de preencher lacunas de análises que já percebia desde 2001 em diante, quando começou a nova escalada de violência. Os estudos e textos sobre os conflitos tinham uma tendência em geral em avaliar os impasses como sendo um resultado – um impasse nas negociações como resultante de atitudes unilaterais ou de Israel ou dos palestinos – como se as partes envolvidas na negociação não tivessem conseguido construir um ambiente no qual houvesse confiança mútua suficiente que propiciasse uma nova dinâmica, um novo direcionamento nas negociações. Não sou contra esses estudos, mas um doutorando deve procurar cobrir lacunas, buscar algo além do que já foi apresentado. Esses estudos apontam, em geral, para o resultado de uma negociação e há pouca análise, tanto nos textos sobre o conflito em si como na literatura de Relações Internacionais sobre resolução de conflitos e negociações internacionais, do que é fundamental para que os acordos sejam implementados. Sou cientista social, e acho que todo cientista social é inquieto por natureza, sempre querendo questionar, inclusive a própria tese. Então, queria tentar suprir a deficiência, que vi nesses textos, de análises que se concentram na etapa pós-acordo.

Minhas indagações estavam focadas justamente na fase pós-acordo, no período de declínio que vimos, a partir de 2001 e 2002, da estrutura inicial elaborada em Oslo. Queria entender o que dessa estrutura ainda se mantinha, porque mesmo que os acordos não tenham mais sido implementados a partir de 2000, serviram ainda como referência nas negociações. Podemos observar que, embora já não houvesse mais acordo, os termos são parecidos em outras iniciativas de paz, como o Mapa do Caminho. Há também certos aspectos que são diferentes, já que o contexto das relações entre israelenses e palestinos mudou, e há ainda muito a se mudar. Mas em certa medida, vários aspectos e arranjos institucionais definidos nos anos 90 ainda servem como referência. Foram essas questões que me incentivaram a desenvolver este estudo, e a pergunta que me guiou foi a seguinte: como o conteúdo dos acordos e a natureza das negociações afetaram a institucionalização da Autoridade Palestina? Por outro lado, como o processo de formação e consolidação desta instituição influenciou a evolução das conversações com Israel no período de 1994 a 2004? Dessa forma, é importante frisar que a questão da causalidade que mencionei não atribuía esta relação de causa e efeito às instituições. A partir do enfoque nas instituições palestinas, meu objetivo era verificar em que medida estas instituições, compondo o autogoverno palestino,

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constituíram variáveis intervenientes e significativas para se compreender o prosseguimento dos acordos. Então, minha hipótese – e é natural que a hipótese seja refinada ao longo da pesquisa – é na verdade uma resposta provisória.

Fico contente de ter manifestado esses interesses, seja por intuição ou por acúmulo de experiência, pois já lido com esses temas desde a graduação, quando fiz minha monografia de final de curso sobre Israel e anti-semitismo. Afinal, minha hipótese se confirmou, e foi a partir dela que novas outras se desdobraram, e é isso que lhes vou explicar.

Tentei, inicialmente, analisar como a Autoridade Palestina encontrou dificuldades para cumprir alguns dos termos dos acordos em virtude das limitações de seus recursos materiais e da fragilidade de instituições que a compõe. O que fui percebendo ao longo do estudo mais aprofundado de todos os acordos é que eles próprios criaram as restrições nos âmbitos de atuação, funções ou de poderes da Autoridade Palestina, inclusive em relação a recursos externos. Não há, por exemplo, no conteúdo destes acordos, nenhuma cláusula, que obrigue um ator externo – que seja um financiador externo destes acordos iniciais – a contribuir ou fazer a transferência de recursos para a Autoridade Palestina. Isto é interessante, porque o Banco Mundial e outros atores importantes como a União Européia são financiadores. Se considerarmos a falta de infra -estrutura no território que, em 1994, de um dia para o outro, teve um autogoverno fundado sem um aparato institucional, mas que deveria estar pronto para começar a realizar as tarefas que lhe foram atribuídas, perceberemos que a ajuda externa era fundamental, e os próprios participantes das negociações e dos acordos sabiam disso. Foi entre 1994 e 2000, principalmente, quando houve a suspensão de transferência de recursos de alguns desses agentes externos, e o motivo apresentado (principalmente no Banco Mundial) foi que a Autoridade Palestina não estava administrando adequadamente as suas instituições. Outro aspecto financeiro importante era o da transferência de taxas e impostos de Israel para os territórios, pois era uma forma de barganha que Israel usava para pressionar a Autoridade Palestina, no sentido de tentar coibir ou impedir atentados terroristas e também combater a estrutura que mantinha ou favorecia a realização destes atentados.

Especificamente sobre o trabalho, as pesquisas foram organizadas em dois estágios. Não vou apresentar toda a estrutura que está na introdução, mas vou salientar os pontos mais relevantes para o debate.

O primeiro passo foi tentar caracterizar as instituições que compõem a Autoridade Palestina, suas funções e poderes. Quando comecei a fazer os primeiro s levantamentos bibliográficos, deparei-me com uma gama expressiva de instituições públicas. Então, pela necessidade de delimitar de forma mais específica quais seriam as instituições de maior peso e relevância para pesquisa, concentrei-me nas instituições políticas que são delineadas a partir dos próprios acordos,

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quais sejam: o executivo, legislativo e os órgãos judiciários. Os Acordos de Oslo, já no início de 1994 e 1995, definem criteriosamente quais os poderes, responsabilidades e quais as funções, e até os termos de jurisdição territorial, especificando onde essas instituições poderiam se situar. Além das fontes bibliográficas, outro recurso do qual pude fazer uso para a caracterização e o mapeamento destas instituições, foi a oportunidade que tive de ir à Universidade de Tel-Aviv. Pode parece peculiar que tenha ido à Universidade de Tel-Aviv estudar a Autoridade Palestina, mas o orientador, especialista em questões Palestinas, é um judeu-iraquiano que diz sonhar em árabe e acordar falando hebraico. Foi uma pessoa interessante de conhecer, à qual cheguei sem nenhuma indicação prévia. Conhecer justamente uma pessoa que – pelo que percebi convivendo um ano com ele – consegue não ser parcial. É difícil estar em Israel e não ser parcial. Sofri muito, porque não sou de origem nem judaica nem árabe, hoje tenho amigos palestinos e israelenses, árabes e judeus, e quando há um atentado, desespero-me pensando se lhes aconteceu algo. Segundo eles, o ano em que estive lá foi um dos mais tranqüilos, e mesmo assim houve 49 atentados à bomba, três deles em Tel-Aviv. É estranho relativizar o dia a dia, ter uma vida normal e ao mesmo tempo conviver com o conflito e com esse complexo processo. Inclusive, conversar com os professores foi provavelmente mais importante do que ir à biblioteca buscar textos. Uma bolsa de doutorado sanduíche costuma ser importante principalmente pelo acesso às fontes bibliográficas, mas como disse anteriormente, a literatura era deficiente em vários aspectos. De qualquer forma, conseguir esse material no Brasil é bastante complicado, e ainda tive a oportunidade de conversar com professores árabes, professores judeus, situação diante da qual tive que tomar cuidado para me manter numa posição neutra. Ainda tenho contato com os professores do Centro Moshe Dayan.

Agora volto à questão da caracterização das instituições. Durante meu Doutorado sanduíche, não me foi barrado acesso aos territórios nem nada similar, mas fiquei ressentida de não ter ido lá o suficiente. Todavia, tinha noção de que poderia comprometer minha tese caso incluísse, na parte metodológica, uma pesquisa de campo, com aplicação de entrevistas, questionários, etc. Poderia acabar atrelando isso à pesquisa, em termos metodológicos, e chegando lá não conseguir concretizar por causa das circunstâncias, desde as mais humanas, como o medo individual, até as dificuldades da língua, pois não falo árabe. Comecei a estudar, mas não o suficiente para falar. Afinal, decidi não fazer esse vínculo direto, mas continuava achando importante a necessidade de manter contato com o ambiente. Ocasionalmente ouvíamos pelo rádio as embaixadas alertando seus cidadãos para que, se estivessem em Jerusalém ou Tel-Aviv, não fossem aos territórios. Consegui ir a Ramallah, mas não foi o suficiente para conclusões mais aprofundadas. Por isso acabei me atendo mais ao aspecto institucional, já sabia que esse tipo de material era mais fácil de lidar. No final, reuni algumas entrevistas, por e-mail ou por telefone, com pessoas e lideranças palestinas que tiveram diferentes níveis de

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envolvimento com o processo de paz. Vale citar um parlamentar israelense-árabe, que foi um dos braços direitos de Arafat durante a primeira troca de correspondências entre a liderança da OLP e o Primeiro Ministro Rabin, o primeiro passo para a Declaração de Princípios. Imaginei desde o início que essa questão de amostras poderia ser complicada, ainda mais considerando que fiquei em Tel-Aviv, num bairro próximo à Universidade. Sabe-se que ciência e pesquisa têm metodologias criteriosas, então não quis me impor este tipo de abordagem, mas admito a frustração de não ter convivido e conversado mais com as pessoas, e ter ficado mais tempo lá. Mas tive bastante sorte: um dia fui à Jerusalém e horas depois houve um atentado em Tel-Aviv, depois o inverso aconteceu. Fui à Ramallah e não houve problemas. Minha mãe estava razoavelmente calma, porém a Mônica, minha orientadora, nem tanto. Para mim foi tranqüilo, até esquecia que estava em Israel. Como moro em Belo Horizonte, parecia que estava simplesmente em uma cidade distante. Senti-me realmente em casa. Não fosse a língua, não me lembraria nem que estava em outro país.

O segundo passo da organização da pesquisa foi buscar descobrir se havia de fato alguns problemas na administração dos recursos pelas autoridades palestinas. Queria diagnosticar também quais eram os recursos iniciais disponíveis para começar a construir uma infra-estrutura mínima do que seria um proto-governo ou um proto -estado, pois é uma instituição que, segundo os acordos, não tem as características clássicas por meio das quais nos referimos a um Estado: soberania e uso legitimo da força.

Se fiz referência ao uso da força, não o fiz de forma exclusiva. Um dos pontos centrais de todos os acordos, inclusive dediquei um capítulo da tese a isso, é a questão da segurança. Nesse capítulo, abordo justamente a questão da capacidade de implementação de acordos pelas autoridades palestinas. Os acordos definem que as autoridades palestinas deveriam estabelecer uma força policial que fosse capaz de manter a ordem pública, evitar atentados terroristas ou ciclos de violência nos territórios para os quais já tinha sido outorgada jurisdição. Em 1994 o autogoverno foi instituído e começaram a vir os primeiros palestinos do exílio. A elite política da OLP, principalmente do Fatah, ainda não havia construído uma estrutura adequada para manter o controle da segurança local. Então, os primeiros anos – 1994 e 1995 – foram particularmente difíceis. Mesmo avaliar a efetividade destas instituições nesses aspectos é complicado devido aos fatos que citei anteriormente: falta de recursos externos ou dificuldade em transferir recursos externos, dificuldade em gerar renda e emprego internamente para começar a estruturar o governo.

Então eu me preocupei com este tipo de diagnóstico e eu queria fazer uma referência.

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Venho falando constantemente sobre institucionalização, e para elaborar o assunto tomei como parâmetro um conceito trabalhado na obra de Samuel Huntington “A Ordem Política nas So ciedades em Mudança”. Meu referencial teórico pode ser explicado da seguinte forma: por institucionalização entendo um processo pelo qual as organizações e os processos políticos de uma dada comunidade política adquirem valor e estabilidade. Huntington elege quatro categorias, das quais usei duas: autonomia e coesão. As outras duas não cabe explicá-las em detalhes, mas adianto que demandam um período temporal maior para se avaliar as instituições. Assim, ative-me às questões de autonomia e de coesão em relação a outros atores da Autoridade Palestina, principalmente a OLP. Menciono algumas questões em relação a Israel; e sobre como tem uma baixa autonomia em relação às autoridades palestinas, uma vez que os próprios acordos definem que a Autoridade Palestina estaria submetida às decisões da OLP. Segundo os acordos, a OLP seria a responsável pelo processo de negociação da paz e a Autoridade Palestina não participaria do processo de negociação, já que é o autogoverno interino e tem atribuições especificas. O que era sui generis no período de 1994 a 2004, enquanto Arafat estava no governo, é que havia uma coincidência de cargos, pois o presidente da Autoridade Palestina também era presidente da OLP. Além disso, ele acumulava cargos de outras instituições, um deles, por exemplo, foi a chefia do Executivo. Essa concentração de poder em torno de Arafat foi importante nos desdobramentos da minha pesquisa. Não pensava que isso poderia ser tão relevante para se entender a configuração da institucionalização da Autoridade. A questão da autonomia em relação a esses atores é fundamental para se entender a dinâmica dos desdobramentos deste processo também. Tal como o é a questão da coesão, no sentido de se poder entender a unidade entre as agências que compõem o autogoverno. Seguindo a lógica de Huntingon, quanto maior a autonomia e a coesão das agências, das organizações compondo uma determinada instituição, maior será a sua institucionalização. A tese tem sete capítulos, com a conclusão, dois lidam especificamente com a hipótese: o quinto capítulo é sobre o processo de institucionalização, e o sexto lida com a questão da implementação dos acordos. Usando essas categorias como referência, pude observar que a Autoridade Palestina, apesar de toda a concentração de poder e capacidade decisória depositada em Arafat, apresenta-se, neste período, com um baixo grau de institucionalização.

A partir disso, concentrei-me novamente nos acordos para verificar até que ponto os mesmos criaram estes condicionantes. O que pude constatar é que essa obrigatoriedade da Autoridade Palestina não poder atuar de maneira unilateral, em quaisquer circunstâncias, sem consultar a OLP ou Israel já é um indicador de restrição às suas atividades. Sem mencionar uma série de outras restrições como a que citei também sobre jurisdição territorial: as fronteiras externas ainda estariam sobre controle de Israel, o número de policiais que comporiam a força policial também seria limitado, o tipo de armas também. Outra dimensão que avaliei para

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tentar fazer o diagnóstico dos recursos e da capacidade institucional da Autoridade Palestina foi sua capacidade efetiva de governar e se isso tinha algum desdobramento em termos de legitimidade desta instituição, e como isso se dava no dia a dia nos territórios. Neste sentido, analisei instrumentos e condições operacionais que estavam à disposição deste autogoverno, sua capacidade de mobilização de apoio e recursos externos. Esse ponto foi fundamental, pois me permitiu perceber que, nos estágios seguintes das pesquisas, já estava refinando minha hipótese inicial. Cada vez ela se confirmava mais, e percebia que havia sim uma limitação de recursos que vinha comprometendo a capacidade governativa do autogoverno, sobretudo no que diz respeito ao atendimento de necessidades básicas da população e provimento de bens públicos. Como dizia, a fase pós-acordo é muito mal trabalhada pela literatura de resolução de conflito. Justamente nessa fase é que os líderes negociadores tem que lidar com insatisfações e frustrações de grupos sociais, ou mesmo enfrentar a perda de apoio político interno, algo que realmente foi aos poucos acontecendo. É interessante pensar que Arafat possuía bastante carisma, alta popularidade, mas as críticas ao seu governo só aumentavam com o passar do tempo. Várias pesquisas de opinião pública apontam que, mesmo no período próximo à sua morte, em novembro de 2004, quando a população foi às ruas, e estava de forma geral comovida, o índice de insatisfação com o governo já era muito alto.

Estudar todo esse processo é importante também para nos fazer perceber a relevância das questões domésticas, e que ele não depende exclusivamente das relações entre Israel e os palestinos. Devemos prestar atenção à configuração da arena doméstica, às questões peculiares de um governo e à forma como ele lida com sua sociedade. Podemos perceber três grupos, distintos pela forma como cada um enxerga o autogoverno, como ele deveria ser, funcionar. Alguns têm tendências mais democráticas, outros menos, mas de forma geral se sentem negligenciados em relação às necessidades básicas como emprego, a segurança, principalmente diante do exército israelense, que a cada incursão em território palestino, fazia a população acreditar que a Autoridade Palestina não os estava defendendo. Eles viam que a Autoridade Palestina era ineficaz em várias questões, e a OLP, instituição que os representava no âmbito das negociações, ainda não conseguia resolver um problema que se arrastava por décadas, que é o direito de autodeterminação e de ter o seu Estado próprio. O conjunto desses fatores também tem que ser considerado, porque têm um peso significativo para entender a evolução do processo de paz. A minha tese abarca a situação até 2004, mas se vocês lembrarem o que aconteceu nas eleições seguintes, com a vitória do Hamas, verão que foi um sinal de insatisfação da população com a forma como vinham sendo conduzidas as questões domésticas.

Posso indicar, então, que um dos pontos centrais da tese está nessa associação circular que é feita entre institucionalização e implementação, ou seja, em como o

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processo de institucionalização de uma autoridade política afeta sua capacidade de implementar acordos, o que, por sua vez, tem impacto sobre o processo de negociação. Avaliando a partir da criação da estrutura institucional, percebi que o desempenho da Autoridade Palestina, quanto a suas obrigações na arena doméstica e em relação ao governo israelense, sobretudo no âmbito da manter a segurança e coibir a infra-estrutura que dava suporte aos atentados terroristas, tem desdobramento sim sobre o processo de paz. E no que podemos identificar isso? Primeiro, podemos observar que algumas agências públicas, inclusive da área de segurança, têm funções duplicadas, o que pode ser necessário uma vez que há dois territórios não contíguos: Faixa de Gaza e Cisjordânia. Por vezes, encontra-se não uma filial de uma agência, mas uma matriz em cada território, ou agências diferentes, porém com funções muito parecidas. Isso cria dificuldades para a delimitação da autoridade e da jurisdição das agências e, por conseguinte, traz mais obstáculos administrativos a capacidade governativa. Ao citar isso, quero mostrar que não estava preocupada em entender apenas os problemas de arrecadação de recursos ou de geração renda e transformação dela em bens públicos, mas também avaliar a capacidade de auto-gestão institucional como ela se manifesta em termos de governança. Huntington, inclusive, aborda esta questão das instituições terem estabilidade suficiente para conseguir governabilidade. Essa dualidade no controles das agências públicas traz uma imprecisão quanto à cadeia de comando nessas organizações, mas não podemos esquecer que isso tem origem na indefinição das linhas divisórias entre a OLP e a Autoridade Palestina.

O período do Arafat foi bastante marcado por essa indefinição, principalmente pela forma como ele concentrava em si o poder decisório de várias arenas e esferas da vida pública (e na minha conclusão deixo o questionamento para que se possa explorar, em outras pesquisas, se isso permanece apesar da mudança de governo). Quando havia alguma discordância entre integrantes do próprio governo, eventualmente ele definia decretos-leis. Como venho explicando, meu ponto de partida são os acordos e seus conteúdos, então, partindo daí, como podemos avaliar essa concentração de poder? Há uma relação clara: os próprios acordos lhe atribuíam este poder e permitiam que ficasse concentrado nas mãos do executivo. Mas essa forma autoritária, arbitrária às vezes, de tomar decisões, sobretudo para atender aos termos dos acordos no que diz respeito ao controle da violência dos atentados, foi dando origem a uma série de críticas ao governo, e a algumas divisões internas.

Sobre a insatisfação doméstica, devo fazer uma observação a respeito da complexidade dos problemas pelos quais passa a sociedade palestina. Os territórios foram ocupados na Guerra de 1967, desde então já passamos por duas grandes ondas de deslocamento de palestinos refugiados. Essa observação é importante para que compreendamos a configuração política interna, e, para tanto,

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podemos dividir a população em três grupos sociais: os palestinos que ficaram nos territórios; as elites palestinas na Faixa de Gaza; e as elites palestinas na Cisjordânia. Para ilustrar essa divisão, uso o exemplo dos palestinos que, ao regressar do exílio, representam mais um desafio para a OLP, pois esta tem que lidar com esse novo contingente, que por décadas enfrentou a presença militar e a administração civil-militar israelense. Isso nos ajuda a perceber como e por que os diferentes grupos sociais dos territórios têm posicionamentos distintos quanto ao formato que o autogoverno deveria ter. Essa diferenciação também é importante para que possamos compreender os pactos internos. Em algumas questões há consenso, em outras quase não há pontos em comum. Mesmo os partidos sofrem divisões internas, isso aconteceu com o grupo do Arafat. Membros do próprio Fatah começaram a se indispor com o autogoverno.

Esse comentário como um todo é particularmente importante porque quando falamos de relações internacionais, e aí incluo muito da literatura disponível, tendemos a marginalizar ou negligenciar algumas questões sociais. Esse é um motivo que me levou a enfatizar a questão da legitimidade na minha tese. No âmbito da sociedade, à medida que uma instituição ou liderança começa a perder credibilidade nas esferas doméstica e internacional (o que motivou, por exemplo, o corte de repasses de financiamento pelo Banco Mundial), outros atores podem aparecer em cena disputando o poder daquela elite. A meu ver, essas questões são extremamente relevantes no período específico que estudei, pois entendi que elas tiveram um peso na forma como a própria instituição foi se consolidando. Nesse processo de institucionalização não há apenas uma agência, pois num contexto social são diversos os atores envolvidos.

Por exemplo, os atores que ficaram nos territórios conseguiram estabelecer um aparato institucional mínimo para lidar com instituições de educação, saúde e outras questões. Entretanto, a presença da elite israelense nesses territórios fez surgir a questão da sobreposição de organizações locais e problemas de como incorporar as novas ao cenário local. Isso gerou atrito entre a elite que assumiu o poder do autogoverno e o pessoal que integrava a administração dessas agências, algumas delas tendo sido incorporadas pelas agências maiores do autogoverno. Mas só com o passar do tempo poderemos perceber a fragmentação e polarização que existem nos processos decisórios também. De forma sintética, quero apenas indicar que a fragilidade das instituições era cada vez mais evidente.

Antes de iniciarmos o debate, gostaria de fazer mais algumas observações sobre a questão da implementação. A limitação de recursos foi fundamental para entender o desempenho que a Autoridade Palestina teve em relação ao seu governo e em relação à sua capacidade de implementar os termos dos acordos. A precariedade do início do autogoverno, que salientei anteriormente, mostra-se permanente ao longo dos dez anos que analisei. O setor da segurança – que engloba várias agências, as forças policiais, serviço de inteligência, e outras – foi sendo

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estruturado priorizando a dimensão política de transferência e criação de novos cargos, ou para atender à necessidade de se criar empregos para a população, ou para preencher expectativas criadas por relações de nepotismo ou baseadas em outros fatores que participam no processo político de concessão de cargos públicos, e que de forma geral tinham como propósito reforçar o apoio que Arafat e o grupo dele precisavam. Dessa forma, menor atenção foi dada ao incorporar pessoal com níveis técnico ou administrativo mais altos. Não quero dizer que isso aconteceu em todas as situações, mas em algumas instituições isso é relevante para que se entenda a fragilidade e instabilidade características de sua configuração, e os impactos que estes têm na efetividade delas.

De forma geral, são esses os pontos principais da tese. Estou disposta a desenvolver as questões durante o debate. A tese não é tão grande, pois escrevo sucintamente, mas o assunto é vasto e o conteúdo complexo. Debate

Pergunta

Gostaria que você falasse sobre sua percepção atual e expectativas para a situação lá. Apesar de sua tese ter abordado a situação até 2004, você morou em Israel e comentou que continua a se corresponder com pessoas por lá, ademais, nunca deixamos de nos interessar pelo assunto de nosso doutorado.

Pergunta

Durante sua dissertação fiquei bastante impressionado porque você se preocupou em explicar a questão da governabilidade na Palestina, assunto cujo funcionamento não conheço. Não sei que autoridade tinha o Arafat ou tem o atual mandatário, cujo nome não lembro.

Drª Liana Araújo Lopes

Chama-se Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, e o primeiro ministro é o Hanyeh.

Pergunta

Bom, nem Arafat se podia dizer que gozava de governabilidade. Quando tomava um determinado rumo, outra facção tomava um rumo completamente diferente, e fazia um atentado na fronteira de Israel. É extremamente confuso identificar quem está negociando com Israel atualmente, não é? Não sou otimista, acho que a solução daquela questão está fora do âmbito palestino e fora do âmbito israelense.

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Acho que a solução da questão está nas mãos dos Estados Unidos da América, e sabe-se lá por que eles a estão protelando. Aliás, no final do governo Clinton, fizemos a mais forte investida no sentido da solução do problema, não é verdade? Mas não sei qual teria sido o resultado se tivessem assinado algum tratado. Será que esse tratado seria respeitado? Você poderia argumentar algo sobre isso, sobre a governabilidade, e sobre quem está negociando com Israel?

Pergunta

Primeiro gostaria de fazer uma brincadeira. Estudei nos Estados Unidos, e algo que eles têm de bom, apesar de tanto poder, é humor. Sempre fazem uma graça, e não consigo resistir. Você disse que enquanto morava em Israel, sentia como estivesse em Belo Horizonte. Acho que os mineiros são assim em qualquer lugar do mundo, sentem como se nunca se tivessem se mudado, sempre estão lá em Minas Gerais. Dentro dessa linha, lembro-me bem de uma ocasião, um último grande conflito, na qual Christiane Amanpour, aquela repórter importantíssima da CNN, foi entrevistar o Arafat. Ela começou a falar sobre civilização, sobre a hipocrisia de um Estado que não tem um território contíguo, que tem uma população dividida e, como você diz, que não tem recursos materiais autônomos. Assim, tratava-se de um arremedo de autogoverno apenas por causa dos acordos. Afinal, o Arafat a mandou embora. Ele disse algo como: olha minha senhora, sou um general, e estou em guerra.

Mas minha pergunta é: como, no processo de institucionalização, passa-se de uma semente de autoridade para um conjunto institucional? Como se forma um Estado? Você observou que durante o período do Arafat que estudou, houve uma baixa capacidade de institucionalização. Isso implica que não houve avanços na jurisdição institucional, não houve avanços na segurança, em termos de criação de forças policiais e de exército. Não foi isso que você disse?

Drª Liana Araújo Lopes

Só uma observação. Pelos próprios acordos, eles não podem ter exército, inclusive o termo utilizado é força policial, e esse é um dos paradoxos. Já sabia de antemão que sua capacidade de obter armamentos, etc seria limitada.

Pergunta

Mas você observou que durante o período do Arafat, há uma baixa institucionalização. Você comparou os períodos antes e depois do Arafat?

Pergunta

Queria saber se você acompanhou o posicionamento do Brasil nesse processo todo? E quando foi aberto o escritório em Ramallah?

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Pergunta

Fico feliz em encontrar alguém que estuda Oriente Médio, porque tenho dificuldade em fazê-lo. Fiz minha monografia de graduação sobre esse assunto, e no mestrado e no doutorado tive que buscar outra área, o que me chateou um pouco. Mas enquanto estudava, pesquisei durante algum tempo sobre refugiados palestinos, e queria saber de que forma essas instituições vêem os refugiados? E de que forma esses refugiados se inserem nessas instituições?

Comentário

Fiz especialização em Relações Internacionais na UERJ, abordando também a questão Palestina, mas incluindo a participação do Brasil na criação do estado de Israel. Morei dois anos na Cisjordânia, e conheço bem aquela área. Você falou sobre a dificuldade de entrar nos territórios palestinos, por questão de segurança, e por que é mais complicado para mulheres. E realmente a língua é uma barreira. Sobre o que você falou do Arafat, também percebi que havia certa insatisfação diante do seu esquema de autoridade. Por outro lado, no meu conceito, por ter estado na Cisjordânia, penso que existe uma questão de terrorismo psicológico, por parte dos israelenses, para coibir que qualquer turista vá visitar a parte ocupada. Você percebeu que havia uma questão de terrorismo psicológico por parte dos israelenses, ou ser mulher foi o que realmente dificultou sua visita? Falo isso porque morei lá, e tive uma impressão oposta à que você relatou. Gostaria que explorasse melhor essa parte.

Drª Liana Araújo Lopes

A primeira pergunta me fez lembrar de algumas questões importantes que não mencionei durante a apresentação. Já que estou tratando de toda a fase da institucionalização e da questão da construção de um futuro Estado, devo enumerar os acordos de Oslo, que constituem a estrutura inicial. A Declaração de Princípios foi considerada como Oslo I, em seguida vieram o acordo de Gaza-Jericó, o Acordo de Transferência de Responsabilidades, até que chegam ao Oslo II (o Acordo Interino de 1995), e os memorandos complementares Sharm El-Sheik, Wye Plantation e outros. Já se previa também que a negociação seria gradual e em etapas, e isso não é só um reflexo das dificuldades de se conciliar as duas partes. Mas enfim, nestes acordos não se menciona a questão da constituição de um Estado, de uma institucionalização que caminharia para uma Autoridade Palestina, inicialmente denominada segundo os acordos do autogoverno interino – foram os próprios Palestinos que depois colocaram o “a” e esse “p” maiúsculos, apesar de que essa autoridade política é mencionada em algumas negociações. Mas o x da questão é: deixar a agenda em aberto criou várias ambigüidades sobre futuros desdobramentos e sobre qual seria o formato dessa instituição depois do

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período interino de cinco anos. Também em aberto fica o futuro da OLP, a instituição negociadora de todo o processo.

O Mapa do Caminho – Road Map – por sua vez, menciona alguns pontos para os quais gostaria de chamar atenção. Primeiro, discorre sobre a necessidade de reformas institucionais palestinas relacionando-as à capacidade de governança, a partir de uma avaliação externa de que esta capacidade era deficiente, algo que dificultaria prosseguir com a paz. O Mapa aborda também a questão de reformas na área de segurança e, inclusive, atribui responsabilidades a Israel.

Vocês mencionaram que num terceiro estágio, que já deveria ter ocorrido, haveria a instauração deste Estado palestino. Estou chamando a atenção justamente por isso, essas indefinições quanto ao formato da instituição são relevantes pra se entender o processo. Em termos de quem está negociando com Israel, isto de fato é interessante, por isso que quero recuperar este período de 2002, 2003. A Intifada de 2000 tem desdobramentos que acentuam cada vez mais os atritos entre as duas comunidades, mostrando que aquela estrutura de Oslo deveria ser revista. Depois que sai Ehud Barak entra Sharon, que logo deixava claro duas coisas: não reconhece os acordos de Oslo e tampouco a OLP como interlocutor para paz. Então, já foi um complicador definir quem negociaria pelo lado palestino, porque a outra parte não reconhecia a legitimidade daquela autoridade. Os anos de 2001, 2002 e 2003 foram difíceis, não apontei muitas das falhas em termos institucionais dos palestinos sem pensar que há uma contra-face, claro que não estão agindo sozinhos ali, tem Israel e outros atores que intervêm, a exemplo dos Estados Unidos. Nesse sentido, destaco que além de Sharon estar cada vez mais distante dessa autoridade, o Road Map não havia sido implementado – embora ele já sugerisse, sem mencionar claramente o nome de Arafat, que os palestinos deveriam estabelecer uma nova liderança, em termos de governança.

É importante lembrar que os atentados nos EUA ocorrem em 11 de setembro de 2001 e que os discursos de Sharon se aproximam, de certa forma, aos discursos de Bush em termos de combate ao terrorismo. Quando prestamos atenção nos discursos de um e de outro é impressionante a semelhança. Além disso, as pessoas começaram a associar a OLP ao terrorismo, na medida em que ela não se mostrava capaz de coibi-lo. Em alguns momentos Sharon reforçou isso, fazendo declarações, não sei exatamente as frases que ele dizia, que indicavam haver colaboração direta da OLP com o terrorismo. Também nessa época, em 2002, Bush enfatiza a necessidade de identificar uma nova liderança palestina para dar continuidade às negociações com Israel. O que eu quero dizer com isso, de uma forma geral, é que em termos internos, grupos palestinos passam a questionar a legitimidade daquele ator que é o seu autogoverno, que é o seu governo.

Por outro lado, Israel e Estados Unidos também passam a questionar a capacidade de negociar desse ator, além de sua credibilidade e legitimidade internacional.

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Então, na verdade, quem negocia com Israel, o que acontece? Depois do falecimento do Arafat, Sharon vê com bons olhos a presença de Abbas como presidente da Autoridade Palestina. Quando ele foi primeiro ministro por alguns meses em 2003, a única mudança significativa em termos institucionais de todo o arranjo que aconteceu nesse período foi a criação deste cargo de primeiro ministro – que também é uma definição institucional contida no Road Map. Sharon começa a enfrentar problemas de diálogo, dificuldades em alcançar pontos de consenso com Arafat, e, em seguida, Abbas sai do governo. Contudo, ele sempre foi visto pela liderança negociadora, no caso do governo israelense, como uma figura mais flexível, mais fácil de se lidar. Quando Arafat falece, Abbas entra no seu lugar de forma interina, que logo é confirmada por eleições. Isso favorece a abertura de uma nova janela de oportunidade para a retomada das negociações. Ainda assim, os momentos foram tensos, de confrontos, e o que acontece de diferencial, que gera certa estabilidade aos palestinos, é o plano de retirada de Gaza e de alguns assentamentos na Cisjordânia, pelo governo do Sharon. Em seguida, Sharon começa a ter problemas – ele com a sua sociedade.

Percebo que os palestinos em geral, a cada momento significativo de mudança em Israel, principalmente eleição, esperam, aguardam e não tomam medidas precipitadas. Isso não é comprovado cientificamente, é resultado de minhas leituras, reflexões e do pouco que vivi lá em 2004-2005. A lembrança que tenho do período da retirada, não sei se em termos numéricos, é a de um momento mais calmo. Havia uma sensação de segurança que refletia a possibilidade de algum avanço. Contudo, na sociedade israelense já havia gente não gostando dessa idéia. Não presenciava isso diretamente, mas vi manifestações contrárias que eram rapidamente inibidas, a exemplo de faixas que eram penduradas na rua durante a madrugada e a polícia vinha e tirava tudo na manhã seguinte. Isto ocorria sobretudo na praça em que o Rabin foi assassinado – um local público para debate, no qual se tornou comum esse tipo de atividade.

Sobre o momento atual, acho que está relacionado a essa mudança de liderança, aquelas que mencionei antes, as linhas divisórias entre Autoridade Palestina e OLP, que eram claras do período de Arafat e confusas ao mesmo tempo, porque ele acumulava os dois cargos. Para algumas coisas a Autoridade Palestina tinha autonomia porque era o Arafat em pessoa, falando, e isso gerava confusão. Para outras coisas, outros membros do governo não tinham autonomia, havia atritos internos deste corpo do governo com sua chefia, com seu presidente. Então quando ele sai de cena realmente, vem justamente uma pessoa com um canal de comunicação mais fácil com Israel, ou Israel foi mais receptivo, melhor dizendo.

Gosto de ser muito otimista, mas infelizmente acho muito difícil, em função do ódio e das divergências, e também do contexto da educação. Não significa que haja manipulação de idéias nas escolas, mas o contexto em si cria condições para o pessimismo. Tanto as pessoas com quem convivi, quanto os alunos de doutorado

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percebiam a dificuldade de se desfazer o conflito, ainda que seja uma minoria de cada lado, pois a grande maioria quer a paz. Todos dizem que já chega de sangue, dos dois lados, mas essa minoria ainda está ali, alterando o fator daquela equação. Então, vejo com uma certa dificuldade a possibilidade de uma renegociação.

Os cenários de 2005 e 2006, com essa mudança na liderança e a presença do Hamas no governo, são interessantes. As primeiras eleições gerais foram boicotadas pelo Hamas, justamente porque não se reconhecia a legitimidade de Arafat nesse governo. Depois, nas eleições seguintes ele ganhou e assegurou sua presença no governo. Independente de acordos internacionais, qualquer Estado – nesse caso qualquer território – comunidade ou entidade política, que passa por um processo de constituição de suas instituições políticas de forma democrática, é natural que haja ciclos de queda e reconstrução. Isso é natural em qualquer país que passa por mudanças políticas, então não vejo como estranho o fato de internamente haver confrontos por disputa de poder, posicionamentos e ideologias distintas. Pode-se dizer, que esse processo era previsível com a entrada do Hamas, um grupo que sempre se posicionou de forma contrária ao processo de paz, nunca aceitou os acordos de Oslo, e de repente teve a oportunidade de estar no governo. Vejo que esses ajustes são naturais de uma sociedade que está se consolidando. Em relação ao processo de paz, entendo que não apenas os Estados Unidos devem participar. Há grande rejeição de alguns atores no Oriente Médio ao posicionamento dos Estados Unidos, sobretudo depois da guerra no Iraque. É necessário incorporar outros atores no processo, o Road Map é um elemento importante, porque tem a União Européia, a Rússia, a ONU; e, sobretudo há os demais países árabes. Não entendo por que as iniciativas da Arábia Saudita e outras na mesma linha não avançam. A meu ver, o canal apropriado é que os países árabes reincorporem a questão Palestina na agenda, para proporem uma nova estrutura – mais adequada aos novos interesses. No entanto, não conseguiria dizer se as coisas caminhariam no curto prazo ou não, até pelo grau de violência que se instaurou, a distância existente entre as partes, o muro sendo construído e outras questões.

Em relação à questão de como se passa de uma semente de autoridade para um Estado, esses momentos são de ajustes internos, no qual se acertarão em termos de instituições de liderança e de posicionamento; as diferenças não necessariamente impedirão que se desenvolva uma estrutura institucional. O governo de coalizão não significa necessariamente indefinição, pode-se chegar a um ponto comum, por vezes a coalizão é até fundamental. Contudo, os grupos são muito distintos. O Hamas tem uma ideologia mais específica dentro do movimento islâmico de resistência e, como já mencionei, nunca aceitou Oslo. O Fatah representa a elite desde a época da OLP. Até que ponto um vai ceder para o outro , pensando no coletivo? É complicado. Agora, o reconhecimento do Estado está além da vontade própria do povo, está relacionado à forma em que se estabelece um Estado Palestino e se haverá o devido reconhecimento de outros atores. Isso ainda é muito

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incerto porque segundo o Road Map já deveria ter sido estabelecido em 2005, mas há sempre um novo ciclo de violência e um novo momento de instabilidade.

Não acompanhei exatamente a participação do Brasil. Sei que existe uma comunidade brasileira expressiva na região, mas havia pouco conhecimento a respeito deles. Então, como fui a primeira no departamento de Ciência Política, a primeira nos dormitórios, não conhecia e não via quase ninguém do Brasil, fui muito paparicada. Desconheço a participação do Brasil e se existe atualmente alguma agência, ONG. No final da minha estada, consegui a informação de que há muitas ONG's internacionais também em Ramallah. Muitas estão voltadas para serviço social, educação e escola e infelizmente não tive tempo de fazer um trabalho voluntário, que teria sido uma boa oportunidade para ter contato com as comunidades. Só para fazer um gancho com a sua experiência de ter morado na Jordânia, não era medo não. Para falar a verdade, todos diziam que me arriscava, mas funciono muito de forma intuitiva. Quando ia para um lugar, o atentado acontecia em outro. Isso aconteceu com uma recorrência inacreditável. Se tivesse usado essa sorte para uma loteria, não teria dado certo, mas era impressionante. Quando deixava de ir, não era por mim. Como não conhecia o idioma, não conseguiria ir sozinha e tinha medo de comprometer a outra pessoa. Não aceitaria colocar em risco a vida de um amigo.

Um professor, uma vez, se ofereceu para me levar a determinado local, ele me concedeu entrevistas, me deu um livro não publicado, foi ótimo. Quando fomos organizar a viagem, ele iria me apresentar a outros professores, em Birzeit, em Ramallah, houve um novo ciclo de violência, e ele não tocou mais no assunto. Havia avisos, especialmente pela BBC, comunicados das embaixadas, pedindo aos seus cidadãos que não saíssem. Quando fui à Jerusalém Oriental, que é ocupada, meus amigos ficaram impressionados, eles têm medo porque não vão e ponto final. Muitos me perguntavam, com curiosidade, como tinha conseguido ir. Alguns me falavam, com tristeza “Eu nunca vou pisar lá. Você foi mais longe do que eu podia ir”. É perigoso inclusive para os árabes. Jerusalém Oriental é uma região bem instável. É estranho, porque é a Terra Santa mesmo. Há igrejas, sinagogas, mesquitas para todos os lados. Em Ramallah, não tive dificuldade nenhuma para entrar. Fui uma vez só, entrei com um amigo, sem ser revistada. A viagem foi hilária, mas poderia ter sido a maior tragédia. Fomos com um carro israelense, não sabíamos que a entrada era proibida, lógico que parece coisa de amador. Meu amigo é israelense de Nazaré e falando árabe, não tivemos problema em Ramallah, mas entramos sem passar pelo check point, pois não havia um. Na saída, descobrimos outro caminho e tivemos problema porque viram o documento de israelense do meu amigo e se deram conta de que ele não poderia ter entrado. Para mim, falaram “Ela pode entrar. Ela p recisa de uma autorização, mas é indiferente”. Brasileiro realmente tem entrada tranqüila em Israel, nunca tive problemas, muito pelo contrário, mesmo no parlamento tinha sempre um grupo ao meu redor para

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conversar quando descobriam que era brasileira. Em Israel você é revistado em qualquer lugar, chegou a um ponto em que na segunda ou terceira vezes em que ia a algum lugar, já não era mais revistada. Sabiam tudo, meu nome, de onde era e tinham curiosidade, vontade de conversar comigo. Aquele sistema todo de segurança ia por água abaixo comigo, era engraçado. Foi muito receptiva a forma como me trataram, me senti em casa. Em pouco tempo já conhecia quase todo mundo. Não tinha esse problema de ser mulher. Claro que me dava conta de que era muito diferente da maioria, mas, em geral, fui muito bem tratada.

No caso dos refugiados palestinos e como eles se inserem nessas instituições, não estudei especificamente. Abordei a questão dos refugiados vinculada aos acordos ou ao que as negociações prevêem. Até por ignorância, não sei, em termos institucionais, se há alguma agência palestina específica lidando de forma mais intensa para a elaboração de uma resolução para a questão dos refugiados. Sei que isso era sempre o topo da agenda, principalmente com Arafat. Há muitas análises apontando que o colapso das reuniões de Camp David, em julho de 2000, se deu em função dos palestinos não aceitarem a nova proposta de Israel em termos de devolução, que Israel estava renegociando a incorporação de assentamentos maiores e oferecendo outras áreas em troca. Falava-se em problema pela soberania sobre Jerusalém. Contudo, Arafat deixou claro que o problema girou em torno da questão dos refugiados. Tem uma frase dele datada de alguns anos antes de Camp David que diz algo como “Pare de nos tratar como refugiados. Nós somos um povo!”. Essa questão de refugiados sempre foi central nas negociações da OLP. Acredito que haja alguma agência que lide e ofereça assistência a esses refugiados, mas no âmbito das negociações, o tema esteve presente na liderança de Arafat, a ser resolvido diretamente com Israel.

Há um problema sério de definição de critérios. Como já se passou muito tempo , existem dois níveis de refugiados, os da Guerra de Independência de 1948 e seus descendentes, e também os de 1967, principalmente. Dessa forma, há refugiados em outros países, sobretudo Líbano e Síria, e os que são deslocados internos – para os quais é difícil encontrar um termo – porque eles estão na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Levando isso em conta, há um número em torno de 3,5 milhões de refugiados nos territórios; na Faixa de Gaza não sei exatamente quantos; talvez 1 milhão e pouco na Cisjordânia e o restante em outros países. As indenizações das propriedades que se perderam são outro fator significativo, que envolve vários aspectos, a exemplo das pessoas que saíram dessas regiões e devem ser indenizadas quando voltarem a Israel. Então, essa questão financeira também se apresenta como complicador, pois na hora de decidir quais são os refugiados, Israel vai reduzir esse número ao máximo, já aconteceu isso em negociações anteriores.

Comentário

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Queria parabenizá-la pela exposição, se bem que o seu enfoque naturalmente foi a construção da autoridade palestina, mas isso inevitavelmente nos leva ao próprio conflito Israel-Palestina. Queria apenas saber se leu e qual a sua opinião do livro recente, do ex-presidente Jimmy Carter, cujo título em português é Paz, Palestina e não apartheid, em inglês chama-se Palestine, Peace and Non apartheid. Eu acho que esse livro é extremamente interessante, o ex-presidente Jimmy Carter está acima de qualquer suspeita, não é? Pelo seu passado, prêmio Nobel, pelo instituto que leva o seu nome em Atlanta, dedicado às questões internacionais, e pela quantidade de vezes que foi convocado para estudar e mediar situações de conflito pelo mundo afora.

Drª Liana Araújo Lopes

Olha é com vergonha, e meio constrangida que eu falo que não li o livro, li resenhas.

Comentário

É um livro que todos os interessados no assunto conflito Israel-Palestina, devem ler. Não sei se já saiu em Português.

Drª Liana Araújo Lopes

A primeira vez que vi comentários sobre o livro foi em um jornal de Israel que leio diariamente. Como se tratava de um debate interno, já havia diversos questionamentos sobre a veracidade do posicionamento dele. Mas ainda não tive a oportunidade de ler.

Comentário

Eu não sei se o livro vai ser muito popular em Israel, entre os dirigentes principalmente, porque ele é duro.

Drª Liana Araújo Lopes

É, foi nesse sentido que li o artigo.

Pergunta

Qual é o jornal israelense que você lê?

Drª Liana Araújo Lopes

Haaretz. De vez em quando checo algumas coisas no Jerusalem Post, mas gosto da linha dos artigos do Haaretz.

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Pergunta

Gostaria de saber uma curiosidade do tempo em que você passou lá. Os acordos de Oslo foram uma iniciativa e, pode se dizer, uma conquista do campo pacifista israelense, da esquerda. Foi mais ou menos uma prova de confiança que esse campo deu aos palestinos, em relação ao Estado provisório que teriam. Vamos ver como é que a coisa evolui nesse ínterim, e se eles realmente conquistassem esse voto de confiança e passassem para a etapa seguinte, que seria o Estado definitivo. Depois, com a intifada e a onda de atentados, disse que a principal vítima dos atentados foi exatamente o campo pacifista israelense. Então, hoje pode-se perceber claramente que no campo pacifista a esquerda foi bastante abalada com esta intifada. Você vê pessoas que eram de esquerda e foram para o centro, e até para o centro-direita, pacifistas históricos que se desiludiram e hoje são pessimistas? Esse campo tem muita penetração na parte acadêmica, uma parte que você conviveu bastante. Queria saber se você conviveu com pessoas, se teve esse tipo de sensação, se lhe transmitiram essa sensação.

Drª Liana Araújo Lopes

Vi um pouco disso tudo sim, é difícil falar já que peguei uma amostra viciada, mas é porque convivi muito com pessoas mais próximas do campus e o perfil é diferente. Por exemplo, ilustrando esse perfil que você mencionou, algumas pessoas ainda vão à praça Rabin, debaixo de chuva ou à noite, porque vai ter algum encontro no qual tentarão discutir algo ou fazer uma manifestação em favor da paz. Alguns iam praticamente sozinhos. Conheci um casal de brasileiros que mora lá há mais de quarenta anos e presenciei uma situação engraçada. Fazia muito frio e ele já é idoso, então ela disse “fica em casa hoje”, e ele respondeu rapidamente “não, se todos nós que acreditamos na paz, que votamos no Rabin pensarmos como você, esse país não vai para a frente, então eu vou. Nem que eu seja o único debaixo da chuva, eu vou.” Isso era às nove e meia da noite e havia outros assim.

No entanto, alguns professores não se posicionavam tanto, eram meio descrentes quanto ao futuro da paz. É uma questão de desconfiança, em função de não se conseguir restabelecer a confiança mutua. Eu vi pessoas que me falaram que votaram na esquerda, mas que votariam a partir dali em Sharon porque lhes dava mais segurança. Isso foi abordado na minha dissertação de mestrado. Como que o posicionamento em termos de esquerda ou direita é cambiante e está relacionada à questão da segurança. A derrota mesmo de Peres nas eleições de 1996, foi um reflexo disso, ele estava com grande vantagem e houve uma onda de atentados violentos que fez com que ele simplesmente perdesse para o Netanyahu com uma margem muito pequena. Então, o fator segurança, na verdade da insegurança, é o fator mais relevante no caso da fidelidade partidária em certas situações. E isso a

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gente percebe, não é uma ascensão da direita ou do centro-direita, na verdade é um declínio, um enfraquecimento da esquerda na seqüência da morte do Rabin.

Apenas mais um comentário. Tem um ponto da tese, sobre o qual não entrei em detalhes porque é mais teórico, que aborda a idéia da trajetória dependente – em que algumas decisões e arranjos institucionais passados têm peso considerável e faz com que eles se mantenham ao longo do tempo, ainda que deficientes. Então, de certa forma, aquilo que já foi acordado há muito tempo, ainda serve para a formulação da agendas de novas propostas de paz. Algumas questões são também irreversíveis, por piores que sejam as relações entre as duas comunidades ou entre os negociadores. Algumas das conquistas de cada um dos lados, foi feita neste sentido. Por exemplo, é fato que existe uma autoridade palestina que não vai ser eliminada. Hoje já faz parte das negociações, ainda que de forma muito rudimentar, discutir Jerusalém, coisa que não se contemplava. Ao menos nisso, não haverá retrocesso, são conquistas daquela liderança que conseguiu ter coragem de enfrentar as dificuldades e as divisões internas, estabelecendo acordos. Ainda que precárias, algumas questões são básicas e acabam por se tornar referência.

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O CEBRI Tese é uma

publicação baseada na apresentação e no debate, no CEBRI, de teses acadêmicas em relações internacionais e política externa brasileira, elaboradas por brasileiros e defendidas e aprovadas em instituições de ensino superior no Brasil ou no exterior.

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