a autonomia privada como principio fundamental da ordem juridica - perspectivas estrutural e...
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A
utonomi priv d
como
princpio
fund ment l d ordem jurdic
DorQnal"t iV : I IQ oo t r l lh N: I e
f
_
.
n.c,io,n,_..
...
,.
___
---
- - -
FRANC SOO oos SANTOs AMARAL NETo
Professor de
Dl em . . . ._. .
ao
Prof. Doutor Antnio l"em T
Correta.
o 11. lf l.
lrallla
o. 26 n. 102
abr./J-. 1989 207
-
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I
Introduo. crise do direito a
necessria
reviso das fontes e a con-
venincia
de
uma reflexo sobre a funo alua/ da autonomia
privada
Reiteradas afirmaes e uma generalizada convico de que o direito
est em crise (
1
,
causando nos juristas um estado de perplexidade e incer
teza que os torna vulnerveis ao sentimento comum de angstia contempo
rnea (
2
,
e a certeza de que,
ao
refletir sobre essa crise, mister
se
torna dedi
car significativo espao
ao
tema das fontes do direito, pois que reciproca
mente implicadas a prpria concepo do direito e a teoria das fontes (
8
,
tornam conveniente, se no necessria ao jusprivatista, uma reflexo sobre
a autonomia privada, enfrentando o problema de saber
se
e em que medida,
1)
A crise
do
direito
um processo que se evidencia de v rioa modoa. Uns
afirmam que o direito est em decl nlo (OEORGES RIPERT,
"Le dei n du
droit in etuaes sur la
LgUllation Contemporaine, Paris, L.GD.J. 1949), outros
pregam
o
seu
desaparecimento \K.
STOY
ANOVITCH,
"La thorle marxlste du
deprlssement
de l 'Etat
et du droit",
Archtves de Ph.tlosophte du Droit
n
8,
Paris, Sirey, 1963,
E. B.
PASUKANIS, a Thorie
Gnrale
du
Drot et
le Mar-
:risme
Paris, EDI,
1970 e a corrente marxista em geral),
tudo
isso
como produto
da insegurana gerada pelo desenvolvimento do direito no aps-guerra e a cor
respectiva inflao legislativa,
a
atestar que, mais do que nunca. o racionalismo
jurldico obedece
s
leis de um
racionalismo econmlco
e aos
Imperativos
poUticos
vigentes. Outros reconhecem que o direito reduziu o seu campo de atuaio e a
sua
prpria
lmportncla, perdendo a dogmtica o seu ideal de panjurlsmo (JEAN
CARBONNIER, "L'hypothse
du
non-droit,
Archtves
l
Phllosophte
clu
Droff,
8,
Paris, Sirey, 1963), em face do crescimento das demais cincias socla Js
OUtros ainda contestam o prprio sistema juridico e o tunc\ont.mento do Poder
Judicirio, pondo em evidncia as contrad.Jes entre o discurso do direito e a
sua prtica, sedimentando-se a opinio de que o direito e a justia no corres
pondem s condies da vida atual. Podem identificar-se nesse posicionamento
critico, de modo geral, trs questes: a contestao da ideologia juridJca subja
cente ao direito atual,
isto
a tendncia a justificar a existncia e a eficcia
do ordenamento juxidico com base em valores morais
que
apenas ocultam os
valores poUtico-econmicos e os sistemas de pensamento que verdadeiramente lhe
servem
de suporte
ideolgico
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esse princpio pode realizar-se como fonte de direito, em face do conflito
atual
da
doutrina individualista
com
as tendncias sociais que mantm em
aberto a velha oposio entre a idia individual e a idia social no direito
privado. Alm disso, a apregoada crise
do
direito abrange tambm a proble
mtica da autonomia privada, 'c bem que
de
forma diversa, e at surpreen
dente, pois, se de um lado limita crescentemente o seu exerccio e alcance,
pela presena atuante do Estado nos setores de natureza econmica, por
outro lado reafirma a sua importncia e funo com o "recrudescimento
da mstica contratual" ('), e o uso crescente do negcio jurdico, o instru
mento por excelncia
de
sua realizao.
Justifica-se ainda a escolha do tema pelo reduzido interesse que tem
suscitado nas obras jurdicas
de
Portugal e
do
Brasil (') diversamente do
que se tem verificado cm outros sistemas onde a produo bibliogrfica
realmente expressiva (
.
Razes
de
natureza histrico-cultural, a encobrir
valores polticos e at religiosos, devem poder justificar tal posicionamento
doutrinrio, que no "" coaduna, potm, com o ptoce$SO de intensa tenc.va
o legislativa que vem marcando o direito portugus e o direito brasileiro
d s ltimas dcadas.
( ' ) ORLANDO
GOMES, Novo Ttmw
e Dirmtn
Civil. Rio de Janeiro, Forense,
~
p.88.
(,5)
ANA PRATA, A Tutela ConstitucionaZ
da
Autonomia Privada, COlmbra,
Livraria Almedina, 1982, p. 5; v. ainda, MARIO BIGO'ITE CHORAO,
Tem.as
Fun4amentais do Direito Coimbra., Livr&r:a Almedina, L986, pp. ~ 1 e segs. No
direito brasileiro, ORLANDO GOMES, Autonomta privada ln Enciclopdia Saraiva
do Direito
vol.
9,
S-
Paulo,
1977. p. 258: FRANCISCO DOS SANTOS AMARAL
NETO,
Da
Trretroatividade da Condio
S u s ~ n s i v a
Rio
de Janeiro, Forense,
lsa&l, pp 4.3
e segs.,
c
ainda, "A autonomia privada como poder jw1dlco",
: n
~ t u d o
Jrlr1ico3
em
homenagem ao
Projestor
CAIO MARIO DA
SILVA PEREIRA,
lo de Janeiro, Forenae,
1984.
(6) Cfr. entre outros, para o direito alemAo, KARL LARENZ,
AUgemeiner Teil
des deut.schen Bilrgerlichem Rechts, 4. Anflage, Mncher:., 1:977,
VERLAG
C.H.
BECK., par 2, II,
e);
WER.NER
PLUME,
AUqemeiner Teil r es deutschen Bilr-
gerUc1u:n
Rechll.
Da.t
Rechti{Jchft 2. Anflage, Berlin-Heidelberg, Ney York,
11175,
p
1:
FRANZ
BYDLINBKI,
PrivatautanomJe
und
objekttve Grundlogen ler
'Der;:J/= c.':.ttr..tkr. :achtaguchiiftes, Weill, 1967; FRITZ VON HIFFEL, Da.t Froblem
der
rechtlguchltftlichen
Privatautanomie Berl n,
1936;
ALFR.E:DO
MANIOK,
Die
Priuatautonomie
tn Aufbau der Rechuquellen, BerUn, 1935: HANS MER:l,
Prit'a
tautonomte heute. Grun48atz ttnd
Wirklich
Keit, 1970; para c direito italiano,
LUIGI
PERRI,
L'A.u.tonomta
PTivata, Milano, Giu fr,
1959
t
EMILIO BETI'I,
"".Autonomia Privata , Novi81imo Dlgeata ItaliAno
Torino,
UTET, 1974;
SAL-
VATORE
ROMANO, Autonomia prhat&, Rtv. Trim.
Dtr. Pubbl., 1956, VI;
LUIGI
CARIOTA-l"ERRARA,
Negozfo
Glurldico nel Dtritto Priooto
Italiano Napoll,
Morano Editare,
19411;
SALVATORE PUGLIATI'I, "Autonomia
prtvat&", Enciclo-
~ e d t a
ele Dtritto IV, M lano
Giuffr,
1009; FRANCESCO SANTORO-PASSARELLI,
L Autonomia dei Prtvati nel Diritto d U'Economia, Saggl. di Dirftto
C i v i ~ ,
NapoU,
Ca... Edlt. IWGENIO JOVENE, 1961, I, GIUSEPPE STOLFI, Tecria
del
Negazo
Giuridlco Padova, 19i7; RENATO SCOONAMIQLIO, Contributo aUa Ttorla
del
Nl l/azo Gluridico
Napoll,
Casa Edil. EUGENIO JOVENE, 19 111; para o direito
franc&, por todos, JAQU i:S GHESTIN, Tratt
du
Droit
Civil -
le
Ccmtrat,
Parla,
LGDI.
1900; para o
direito
espanhol, JOB : ANTONIO DORAL Y MIGUEL
ANGEL
DEL ARCO, El Negocio Juridtca
Madrid, Trivium,
1982; PEDERICO DB CASTRO
Y
BRAVO,
E Negocio
Jurldloo,
Madrid, INGY, 1911.
8 .1 l l
1- - . l . . . l
D - - - < 1 1 _ z
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n a :IWT . . .
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JIMI
1 7 U 7
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Por sua formao histrico-filosfica, a explicitar-fie adiante, a autoDO-
mia privada problematiu as relaes entre a vontade e a n o r m a ~ lovauckl
a concepes doutrinrias diversas, confonne se polarize sobre
11
primeira;
de
natureza subjetiva, em que
ae
se
d
proeminBncia aos intcrei Set do
g -
te, ou sobre a segunda, em que se visam oe interesses gerais da eomnmdade,
realados pelo carter objetivo da declarao normativa. E liga-ae ainda, c
portanto, ao conceito de poder ou de autoridade, que tamb6m ae
viDI:ula
.ao
de liberdade. Fundamenta-se, assim, a afirmativa de que o tema eiCOibido,
na problemtica de sua el
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conceito
de
autonomia como expresso do poder jurgeno dos particulares,
cristalizado nas estruturas coerentes, unitrias e hierarquizadas da dogm
tica positivista, deve utilizar-se uma perspectiva funcional prpria,
na
qual
o direito seja produto da experincia jurdica geral (e no de uma classe)
livre, inovadora, realstica e, acima de tudo, pluralstica,
na
eleio e
na
concretizao normativa de seus valores. Ora, num sistema aberto tm
cada vez mais importncia as fontes extralegislativas (
11
,
contrariando-se
assim um dos mais caros dogmas do positivismo, a lei como nica ou prin
cipal fonte do direito. E abrem-se
as
portas
para os
pluralismos sociais, pol
ticos e jurdicos, expressos em correlatas subsistemas, todos inter e comple-
xamente relacionados entre si (
. nesse aspecto de vinculaes que situa
mos a autonomia privada, como princpio normativo-jurdico fundamento
da
.civilstica contempornea, em funo do debate que
se
trava entre a
tendnCia individualista e a tendncia social (1'), do que se infere a hiptese
de que o que est em crise no propriamente a autonomia em si, mas uma
determinada concepo ou perspectiva sua.
2
Pressupostos conceituais.
O
papel
d
vontade na nomognese juridica.
Vontade liberdade autonomia d vontade e autonomia privada
A atividade espiritual do homem desenvolve-se de dois modos diversos,
o conhecer e o querer. Pela primeira, apreendem-se os objetos, faz-se a sua
captao mental (
14
;
pelo segundo, exercita-se uma faculdade em direo
a um fim ou valor.
Sob o ponto de vista psicolgico, a vontade , assim, uma faculdade
espiritual do homem que manifesta uma tendncia, um impulso para algo,
a realizao de um valor intelectualmente conhecido.
Mas no s psicologicamente se pode apreciar a vontade. A tica, a
filosofia, o direito, so outros campos de conhecimento em que a vontade
se torna objeto de considerao.
Eticamente, a vontade traduz-se em uma atitude ou disposio moral
para querer algo. Metafsica ou filosoficamente, uma entidade a que se
atribui absoluta subsistncia e se converte, por isso, em substrato de todos
os fenmenos
( ).
11)
NORBERTO
BOBBIO, Dalla Struttura alla Funzione. Nuovt Studi
di
Teoria
del Diritto Milano, Ed. Comunit, 1977,
p.
51.
02) ORIANNE, op. cit.
pp.
145
e
segs.
13) GIOELE SOLARI, Filosofia del
Diritto
Privato I Individualismo e Diritto
Privato
Torino, Giappicheli, 1959, pp. 24 e segs.
(14) JAIME M. MANS PUIGARNAU,
Lgica para iuristas
Barcelona, Bosch,
Casa
Editorial
8/A, 1978
p.
167. WALTER
BRUGGER, icionrio e FUosoJla
trad. portuguesa de Antonio
Pinto de
Carvalho, S. Paulo, Herder, 1962, pp. 557
e 558.
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A vontade aparece, assim, como um motor, impulsionando e dirigindo
o movimento em todo o reino das faculdades (
18
.
Em razo do
fiiD
propo1to,
a vontade movese a si mesma.
Para o direito, a vontade reveste-se de especial importncia pela
cir-
cunstncia de constituir-se em um dos principais elementos do ato jurdico.
Manifestando-se de acordo com os preceitos legais, a vontade produz deter
minados efeitos, criando, modificando ou extinguindo relaes jurdicas,
caracterizando, assim, a vontade jurdica.
Vontade psicolgica e vontade jurdica no so, porm, coincidentes.
Enquanto que a psicologia conhece a vontade como "tipo especial de ten
dncia psquica, associada representao consciente de um fim e de meios
eficientes para realiz-lo", estudando-a no campo do ser, o direito aprecia-a
no campo do devet set, no .:.ampo da
d ~ t i . : . a
}undi.
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o direito obrigacional, aquele em que o agente pode dispor como lhe aprou
ver, salvo disposio cogente
em
contrrio. E quando nos referimos especi
ficamente ao poder que o particular tem de estabelecer as regras jurdicas
de seu prprio comportamento, dizemos, em vez de autonomia da vontade,
autonomia privada. Autonomia da vontade, como manifestao de liberdade
individual no campo do direito, psicolgica
19
. autonomia privada, po er
de criar, nos limites da lei, normas jurdicas
20
.
Se quisermos tornar mais
especfico o tema, podemos dizer que, subjetivamente, autonomia privada
o poder de algum de dar a
si
prprio um ordenamento jurdico e, objetiva
mente, o carter prprio desse ordenamento, constitudo pelo agente, em
oposio ao carter dos ordenamentos constitudos por outros ( ).
A autonomia privada constitui-se, portanto, no mbito do direito priva
do, em uma esfera de atuao jurdica do sujeito, mais propriamente um
espao de atuao que lhe concedido pelo direito imperativo, o ordena
mento estatal, que permite, assim, aos particulares, a auto-regulamentao
de sua atividade jurdica. Os particulares tornam-se, desse modo e nessas
condies, legisladores sobre sua matria jurdica, criando normas juridicas
vinculadas, de eficcia reconhecida pelo Estado. Tratando-se de relaes
jurdicas de direito privado, os particulares so os que melhor conhecem
seus interesses e valores e, por isso mesmo. seus melhores defensores .
Diretamente conectada
concepo da autonomia da vontade como
poder jurdico est a teoria normativa do negcio jurdico,
pela
qual este,
como instrumento de realizao da autonomia privada, declarao de
vontade criadora
de
normas jurdicas.
3.
Autonomia privada. Conceito e natureza em uma perspectiva estrutural
e dogmtica
Por tudo o que foi dito, a autonomia privada surge como o poder que
os particulares tm de regular, pelo exercicio de sua prpria vontade,
as
rela
es de que participam, estabelecendo-lhes a respectiva disciplina jurdica.
Sin5nimo de autonomia da vontade para grande parte da doutrina con
tempornea, com ela, porm, no se confunde, existindo entre ambas sens
vel diferena que se reala com o enfoque do fenmeno em apreo na pers
pectiva da nomognese jurdica. Poder-se-ia logo dizer que a expresso auto
nomia da vontade tem uma conotao mais subjetiva, psicolgica, enquanto
que a autonomia privada marca o poder da vontade de um modo objetivo,
concreto e real, como j referido.
(19)
GI SEPPE
STOLF I, Teoria del Negozlo Giuridico trad. esp.
de
JAihtE
SANTOS
BRIZ,
Madrid,
1959, p. XII.
20) LUIGI PERRI, L Autonomia
Prlvata,
Mllano, G l u f f r ~ 19S9, p. 5.
(2ll BANTI
ROMANO,
Frtimmenti
di
un DiZion Jrlo
Giurl4tco,
Mltano
tuffr
Edltore, 1983 pp.
24
e segs.
22l GARCIA AMIGO, op.
clt.,
p. 209.
ll
-
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ob
0
ponto de vista institucional e catnrtural,
t r a i c i o ~ n t e
dOm
nante na teoria
geral
do direito, pois que se tm preocupado maiS
ll
teri
cos
em
saber como o direito
feito
do
que, na verdade, ~ r a
~ u e
li
se Ve
( ;
a
autonomia privada eo;nstitui:se em
um_
d ~ s
p ~ C i p o B
fuO:
damentais em torno do que se orgamza o stllterna
d t ~ t t o p n v a ~
c o ~ t e m
prineo ("') num reconhecimento, pelo sistema JUrdico,
~ ~ ~ s t l t c l a _
de
u m mbito particular,
uma
esfera privada de a t u ~ o com eficCia
n o ~ a t l v a
Trata-se, efetivamente,
de uma
verdadeita proJeio, na ordem
Jllt"bca. do
personalismo tico, concepo axiolgica da pe85oa como centro e destina
trio da ordem jurldca privada( , sem o que a
pessoa
humana, embora
formalmente revestida de titularidade jurldica. nada
mais
seria do que mero
instrumento
a
servio da sociedade ( .
Sob o ponto de vista tcnico, a autonomia privada funciona
como 'lerdadeiro
pader
jurdico particular, traduzido na
po sibllidade
de
o
sujeito agir com a inteno de criar, modificar ou extinguir situaesjutidl
cas prprias ou de outrem. Tal poder nfio ,
par6m,
originrio. Deriva do
ordenaJiJento jurldico estatal, que o reconhece, e e ~ e r c e s e nos limiteS que
esse
fixa, limites crescentes pelo aumento das
fun()es
estatais enl virtude
da
passagem do
Estado de direito para
o
Estado IntervenCionista e assis
tencial.
Quanto sua natureza, a autonomia privada verdadeiro poder jurldi
co que se traduz na possibilidade de o sujeito atuar para o fim de modificar
situaes jurdicas subjetivas, prprias ou
dr
outrem
i'').
O poder
jurdico( ')
realizase alravs da criao de normas jurfdcas,
quer pelos particulares, no exerccio da autonomia privada, quer pelo Estado,
no exerccio da sua competncia que a lei maior lhe confere e regula. No
primeiro caso, o poder
normativo, e realizase atravs de negcios jurdi
cos, podendo aer tambm no-normativo, aluando por meio de atai juridi
otcm
ae1110
estrito, ou aes materiais, que no constit\kCill manifestaes
de autono ia.
De
qualquer modo,
o
poder jurdico
sempre manifesu1o
de
capacidade jurdica, pressuposto das relaes e dos dircitqs subjetivos (
.
~
sendo furtio
do
jurista
o
estudo do poder; seu DBjCimento e
u:erclcio, interessa-lhe, porm, a relao que existe entre o poder e o direito,
CAl BOBBIO, 01>. Clt,, ]>. 83.'
C:H P :.UMJ:,
op.
clt., ]>, 1.
C215l
LARENZ, op.
clt.
p,
211.
Cl tll JO.S. ANTONIO DORAL
e MIGUEL
ANOEL DEL
ARCO,
E
Negoob
Juriclioo Wa4rlc1,
'l'tlvlum, p.
11.
(21)
vrrroruo
PROSINI,
Potere (Teoria
Ger\er lel",
ln Nisstm btqero
Italiano Torlno,
'U'I'El',
XIII. 1931, p. 440.
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duas faces da mesma moeda, pois o poder nasce da norma jurdica e produz
normas, e a norma nasce do poder e produz outros poderes (
00
.
Tal correlao justifica o interesse do jurista pelas questes que a gnese
e
o
exerccio do poder
l e v a n t c : ~ m .
considerando-se que o
cxcn.:du
Ua au
tonomia privada uma questo de exerccio de poder, dentro dos limites e
na esfera de compctnciu que o ordenamento jurdico estabelece. Ora, o
problema da autonomia privada. na sua existncia e eficcia,
apcnRs
um
problema de limites (
31
.
As normas jurdicas no nascem do nada. Elas sempre resultam de um
processo de constituio e positivaco do direito, em que se destacam os aros
praticados pelo sujeitos no
~ x e r c c i o
do poder jurdico que o sistema lhe
oonfere O direito s existe e
eficaz. portanto, em virtude de um poder que
o cria e legitima, sendo que no mhiro das relaes pessoais e patrimoniais,
o particulares detm o chamado poder negocial, que exercem como os
negcios jurdicos. Esse poder que aos particulares se reconhece de estabele-
cerem, por ato de vontade prpria, a disciplina jurdica das relaes
uc
que
participam.
o que se denomjna, como acima referido, de autonomia
privada. Difere da autonomia pblica no sentido de ser esta um poder atri-
l?ufdo ao Estado. ou a seus rgo i, de criar rlircitos nos limites de sua compe
tncia,
com
o
rim
de proteiio
dos
interesses fundamentais da sociedade.
Seu llbjetivo de natureza pblica c seu poder originrio e discricionrio.
JA na autonomia privada, o:; intcrc::>sc:; so
p a r t i c u l a r e ~
c seu cx.crccio
m a n i ~ s t a o de libcrdad
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das
pessoas
( .
.
Pode assim caracterizar-se como sendo aquele actor
do
ordenamento jurldo CIIl que se exercita
ou
lCllliza a autonomia reconhedda
os sujeitos de direito, e que se constitui em principio fundamental embora
limitado pelas modernas
exigt1neias
de
sociabilidade e
do
bem
wmum.
O principio da autonomia privada baseia-se, portanto,
ou
tem como
pressuposto a liberdade individual ( . que, filosoficamente, se entende como
a
p083ibilidade de opo, como liberdade
de
fazer
ou de
livre arbftrio, ou
ainda, sociologicamente, como ausencia de condicionamentos materiais e
saciaia. Sob o ponto de vista juridico, a liberdade o poder de fazer ou Dlo
fazer, ao arbftrio do sujeito,
todo
o ato
no
ordenado liCIII proibUo
par
lei ("')
e,
de
modo positivo, o poder
~ as peSIIOU em
do opiM'
entre o
exerofcio e o no exerofcio de seus direitos subjctiVOI (M).
A
liberdade
con-
siste, portanto, sob o ponto
de
visbl jurlclico,
em
uma faeuldade
de
optar
entre o
e ~ t e r l i o
ou
no dos
direilo6
subjetivO l
ou das
faculdades
de que
o agente dispe. Da liberdade jurldica, ou liberdade
oomo
direito, dlstin
guMe
a liberdade da vontade, liberdade como poder(
.
.
Como
direito, a
liberdade faculdade de opo entre ates nem ordenadoa nem ptOibidol,
como poder
a
faculdade de atuao dentro
da
esfera jurdica.
A liberdade,
como
valor jurdico, permite ao individuo a atuiiio
cam
eficcia jurdica, ou melhor, a atuao livre com transced&tcia jurdica(")
que se concreta em
duu
manifestaes fundamentais,
UIDI,
aubjetin, que
6 o estabelecimento, modificao ou extino
de rela5es
jurfdic.a, e CIUin,
objedva, que
a
normativizao ou
regulao
jurdica deliiU
~
Conf"tgUramse, desse modo, duas facetas da liberdade jurdica, uma,
a
liber
dade de criar, modificar
ou
extinguir relaes jurdicas,
outra,
a de eatabo
lecer as normas jurdicas disciplinadoras deaa atividade,
que
6 a autonomia
privada, definvel, enfun, como podar jurdico de criar, t\011
l mltes
lepl
rnente estabelecidos,
norma'
de direito.
A autooom a privada signlflca, assim, que o ordenamento estatal deixa
um
espao llvre ao exerccio do poder jurdico dos particutuee, IIIJIIIO -
que 6 a esfera de atuaio com
eflcAc a
jurdica. Reconbeco-ee, portanto,
que, tratando-e de rele9 a jurdicas de direito privado, lllo
01
)11111cu1
rea
que
melhor
conhecem seus
intare8sell
e a
melhor
forma de
felllli-lol
Jurdcamente.
1112l R06AIUO NIOOLO, "DDI11to ei.Uo, ln . w n e ~ c Z , - I a lfol Dlrltfo Vol. lDI,
p.
DM.
CIIBAJtl : ~
e troO
C M D
AIJ, Dirttto elvllo", IIi
NOI>fallllo
D ~ Q o t o Itallllno, apondlce D, pp.
1150
e IIOC
STOLPI, op. e Ice. c .
IM IIDUARDO GARCIA MAYNBZ, Ftloro.lla dei
l>erec/lo llloo, lldltorlal
Porra&
SIA, 19'14,
p.
3
l
-
7/25/2019 A Autonomia Privada Como Principio Fundamental Da Ordem Juridica - Perspectivas Estrutural e Funcional_ocr
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O princpio
da
autonomia privada est hoje submetido a um processo
ele
reviso critica, em que se manifesta a reduo do campo de sua aplica
o,
embora permanea como e Sncia do negcio jurdico, particularmen
te
de
sua pdncipel categoria o conttato, dentro
de
um
novo sistema
econ
mioo, 1 ecoiUllllia
conoertada pela interveno crescenle do Estado.
Tal
crise por6m, maia
quantilativa do que qualitativa.
5. A
fortrulf4o
ldstdric do conceito Faiores
lfiQrai8 pollticos
e
econb-
micos
qu
Plftidlram
ll sua
formao
O
princpio
da
autonomia privada histrico e relati\'O, no sentido
'Ck que fatores de vAria natureza, nomeadamente
de
ordem moral, poltica
c econmica, contriburam para a sua configurao histrica, at se con
Ubltmclat"em
DO priadplo fo.mdamental da ordem
jur:dica
privada.
A com
preetJiio
de
aua
nliUreza
e
ftmio exige,
assim,
o
conhec:imento
pr6vio
da CODdillea hiRrl.cu o
cultums
em que surgiu e se deaenvolveu.
PodHc COJIIiderar,
de
maneira geralmente ac:eitl, que aeu antecedenre
imediato
o
Individualismo, doutrina segundo
a
qual se concede pcasoa
lwmana
um primado,
uma
supervalorizao relativamenle scciedadc.
O
illdlvfduo como
fonte
o cauu fmal de todo o direito.
Dilerenres aspectos
ou
vemmla podem-se visualizar nessa doutrina,
todoa elea direta e CODjuntamente lipdos ao proceaso de
formafio
hist
rlea do conceito de autonomia
~
sob o ponto de vista estrutural, e
tamb6m
quanto
funo
que
ele pode
desempenhar no conlexto poltico.
jurdico pert naue. F D o a o f i ~ o Individualismo explica os fCilill0-
1108 hlltrico8 e
aocals
como
decon8ncla da
atividadc
"consciente
e
inte
llll&da doa
Indivduos". Neaae -tido,
contrapo-se
ao materialismo hJ a
l6rico que
v
a "Blqllk:alio doe fentne"OB
aociais
nas correntes de massa
de
oripn
puramenlc lntemlada
o 11111terial"
(
.
.
Politicamente, o indlvi
duallsmo
ope
e ao estatiSIIIO o l IDierwnio do Estado. Por outro lado,
ope- e t . i ~ ~ ao eofcnnilm
_,
tradfeionalimo. Para ele, a
socicd
de nlo um fim em l i
DMWJ111,
n.a o inltrumento de um ftm superior aos
indivdUOI que a c:omplem. s ~ aociais
devem
ter por
fim
a
feli
cidade e a perfeio dos individuo...(). Significa, ento, o individualismo,
uma
"tendncia a
colocar
81
w t l ~
polftil:as
juridicas
e
sociais
de
um
pas ao IICI"vio doe Intel dos individues que compem
a populaio, de preferncia
aos
it
1 ;
coletivos"
(
0
) .
Sob o ponto de
vata ecoo&nico, advoga que o
Jaodtt(rlbo
deve gozar do mxime de liber
dade
para atuar
no campo
e c o ' " b n l ~ ; Ope, a9Sim, ao
dirigismo estatal,
e
nCISC
particular, confunde-se com o liberalismo. Defende o livre jogo das
IIII)
KARCBL
WALLINll:,
L l to4 C-e
ot
le DTO ,
deu> ftne d Uon,
Paris,
:8dltlon Il
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atividades econmicas individuais; com o mnimo de interveno do Esta
do no domnio cconmico, l i m i t n n d o - ~ e esse a garantir a liberdade de trlt
balho e do comrcio e o beneficio da propriedade dos
bensistema jurdico que resulta da atividade individual".
Para JUGUIT, uma doutrina de direito natural que pretende fun
dar a legitimidade do direito objctivu na nacessidade de garantir os direi
tos
naturab
inatos dos indivduos ('").
Em face da diversidade de cor.cepes dos autores. o individualismo
jurdico pode considerar-se em funo da teoria das fontes do direito, da
finalidade do direito. e em funv do rcccnhecimento dos direitos inatos do
homem impostos sociedade e
por ela
conhecidos e respeitados. Pode assim
concc.bcrse o individualismo jurdico, primeiro, como
um
sistema cm que
se admite que o indivduo
a
nica fonte de rodas
as
regras do direito, a
causa final de toda atividade jurdica das instituies, notadamente do
Estado".
E, cm
segundo lugar, uni sistema em
que
o indivduo
seria a
fonte
das rep.ras de direito. ou de uma
p a r t ~
entre elas. Ou. ainda, llm ~ i ~ t e r r i a
em
que
a
legislao sofre a influncia do individualismo poJti:o e C
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portante, tambm, que no se configure o enriquecimento injusto, donde as
idias da leso e de usura consagrados pelos canonistas. preciso, enfim,
que no se tenha dado a palavra por nada ou por uma causa ilcita ou
imoral, donde a origem da teoria da causa, to importante no regime dos
contratos (
46
. Reconhecendo como pecado a violao da palavra dada, o
direito cannico consagra o acordo de vontades como fonte de obrigaes
morais e religiosas.
Com os glosadores, principalmente BARTOLO DE SAXOFERRA
TO
(
,
firma-se o princpio da autonomia da vontade do direito interna
cional privado, reconhecido aos particulares o poder de escolher a lei apli
cvel aos seus contratos. A vontade particular passa a estabelecer o critrio
de soluo dos conflitos de leis em matria contratual e, assim, a ser fonte
de direito. tambm no direito civil que
se
passou a reconhecer a vontade
particular como poder de estabelecer
as
regras
de
sua atuao jurdica, o
que se consagra no art. 1.134 do Cdigo Francs, segundo o qual as con
venes legalmente estabelecidas fazem lei entre
as
partes . O que era
para os internacionalistas uma noo puramente tcnica passou a ser para
os civilistas um conceito terico (
48
, traduzindo a convico de que a von
tade pode, como a lei, criar direito .
Com a escola do direito natural, a idia da origem divina do direito
substitui-se pela das liberdades naturais, que
se
consideram fundamento e
fim do direito. Declara-se que existem leis da natureza descobertas pela
razo que devem dominar as legislaes. Essas leis fundamentam e favore
cem a sociedade dos homens. Ora no h regra mais favorvel sociedade
dos homens que aquela que consiste em dizer que se obrigado pelo con
trato e porque se quis isso. O contrato
a manifestao da vontade huma
na, e a liberdade contratual uma das liberdades naturais (
49
.
Tambm a teoria do contrato social, de JEAN-JACQUES ROUSSEAU,
contribui, no plano filosfico, para a teoria da autonomia da vontade. O
homem
naturaimente iivre; a via em sociedade exige, todavia, um cett
abandono desta liberdade, mas este abandono no
se
concebe seno quando
livremente consentido, nos limites e nas condies que esse contrato
social determinou ('
0
. Segundo essa teoria, a autoridade pblica tem por
(46) ALEX 'VEIL
et
FRANOIS T E R R ~ Droit Civil, les Obbltgations, Paris
Dalloz, 1975, p. 51.
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base a concordncia dos sujeitos de direito, unindo-se uns aos outros para
formar sociedade e abandonando
pelo
contrato social uma parte dos
dlref.
tos subjetivos que a natureza lhe tinha dado. A vida em sociedade nlo aeria
possvel se cada um quisesse exercer ao
mximo
sua liberdade individual,
seodo preciso renunciar a alguns direitos pelo contrato social". A conven
o, o acordo, a base de toda autoridade entre os homens,
seodo
que a
prpria autoridade pblica extrai seu poder de uma conveno.
Com a filosofia de KANT, que teve definitiva influncia, a autonomia
da
vontade adquire
conotao
dogmtica, passando a Imperativo
categ rico
de ordem moral, afirmando-se
na Me/Qjfsica do
Direito (1796) que
a
von
tade individual a nica fonte de toda obrigao jurdica" (
11
) . Na
Alo-
manha, suas idias serviram de substrato famosa Wlenstheom e na
Frana, a traduo
de
seu livro consagra defmitivamente a autonomia
da
vontade.
A prpria expresso
tirada da obra
Critica
d Razo Prdtica.
Argumentos decisivos da autonomia da vontade como principio e
for-
ma de poder jurdico encontram-se ainda no campo econmlco, impondo-se
em toda a sua plenitude com a doutrina do liberalismo "pelo qual o livre
jogo das vontades particulares assegura o mximo de produo e os preos
mais baixos, como efeito da livre concorr&lcia" (""). O instrumento
6
o
con-
trato que deve ser preservado como produto da liberdade Integral de IU88
partes, afastados os obstculos livre circulao dos bens. e o princpio do
laissez-jaire laissez-passer
laissez-contracter.
e porm, na elaborao do Cdigo Civil francs que t l princpio tem
a sua mxima positivao, realizando-se
no
art.
1.134,
como
acima refo.
rido, e efetivando os princpios dele decorrentes, da liberdade contratual,
do consensualismo, da fora obrigatria do contratual e do efeito relativo
do contrato.
Na Alemanha e na Itlia, o notvel desenvolvimento da doutrina
levou o princpio da autonomia da vontade a uma nova dimenlio com
significado at diverso para alguns juristas (
11
)
que passaram a
CODiido-
r-lo, objetivamente, como verdadeiro poder jurdico dos particulares,
do-
nominando-se,
por
isso, autonomia privada, poder de estabelecer normas
jurdicas Individuais para regulamentar sua prpria atlvidade jurdica, ma-
nifestada a vontade por meio de figura especfica, o negcio jurdico.
(51> EMMANUEL KANT,
Grun41ung zur
metaphualk
der Sitten
trad. de Paulo
Qulntela, BAo Paulo, Abril Cultural,
1 110,
p. l Sobre a. ortgem da. ~
cfr.
VERONIQUE
RANOUIL, op. clt., pp. 42,
76
e
84.
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6. uno histrica
da
autonomia da vontade
Fundamento
ideolgico
A concepo terica da autonomia privada produto do individualismo
que rene e consolida tendncias anteriores
j
verificadas no direito romano,
no direito cannico, no contrato social e no liberalismo econmico, e que
se manifesta, historicamente, no jusnaturalismo.
Seu
fundamento bsico a liberdade como poder jurdico, e sua funo
se deduz das condies econmicas e sociais em que se firmou como poder
jurdico. Importante, pois,
para
explicitar-se
t l
funo, no propriamente
a ideologia individualista do jusnaturalismo, mas o processo econmico em
que nasceu e se desenvolveu o princpio da liberdade, ou melhor,
do
poder
individual como fonte normativa.
Com o desenvolvimento do comrcio e da indstria, a diviso do traba
lho e a especializao, aumenta o intercmbio
de
bens e servios e o princ
pin da autonomia
da
vontade toma-se extremamente til para o desenvolvi
mento desse processo, acreditando o pensamento econmico liberal, na sua
expresao mais pura
que
a lei econmica da oferta e da procura responde
aos interesses da sociedade.
Breve reviso histrica mostra-nos que o dogma
da
vontade nasce
tambm do direito de propriedade. Na Idade Mdia, a fonte principal da
riqueza e produo era a terra, e o direito principal, a propriedade. A evolu
o politica e econmica tomou, porm, distinta a propriedade da terra da
dos demais bens de produio, bale do comrcio e da indstria, e de que
eram titulares os construtores
da
ecooomia
capitalista, os burgueses,
int -
ressados
no
desenvolvimento do intcn:llmbio comercial. Esse processo levou
juriadicizao
du
relaes
de
troca, isto , a um sistema jurdico que per
mitiase a livre circulao dos be111 e dos sujeitos,
na
dinmica do prprio
sistema. A
generalizao
das ttocaa configura uma nova fora,
um
novn
poder, que se destaca do direito de propriedade, e que , precisamente, o
poder da vontade que se realiza na liberdade de troca e na liberdade de
atua;c no mercado, correspcmdente
o
qe hoje
denom.in.ams
de berd e
de iniciativa econmica.
A autonomia da vontade traduz o poder de disposiio diretamente
ligado ao direito
de
propriedade,
dentro do sistema
de
mercado
da
circulao
dos bens por meio da troca, e de
que
o instrumento jurdico prprio o
negcio jurdico. Essa autonomia significa, conseqentemente, que o sujeito
livre de contratar, escolher com quem contratar e estabelecer o contedo
do contrato. A autonomia priv d teria, 1m. como fundamento prtico, a
propriedade privada, e como funlo, a
livro
circulao de bens (
14
.
A vontade apresenta-se, deae
modo,
como o elemento fundamental da
dinmica do mundo jurdico BA ICELLONA, OJJ. clt.,
p.
:aDl.
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A autonomia privada rcvea-se, portanto, como produto e como instru
mento de um processo poltioo c econmico baseado na liberdade e na igual
dade i ormal, com positivao jurdica nos direitos subjetivos de propriedade
e de liberdade de
initiva
econmica. Seu fundamento ideolgico ,
r-
tanto, o liberalismo, como doutrina que, entre outras formulaes, faz dii
liberdade c princpio orientador da nomognese jurldica no mbito do
direito privadc, pelo menos no seu campo maior que o do dil:l'ito das
obriga;cs. Cem a interveno posterior do Estado, e a respectiva legiliao
especial, limita-se a autonomia da vontade e visa-se estabelecer outro tipo
de igualdade, a
malerial.
O princpio
da
autonomia perde seu absolutismo,
mas, rersiste ainda como principio bsico da andem jurdica pri,vada (
10
. O
interesse geral e a justia pem-se acima
da
liberdade ip.dividual, mas
Q
direito objetivo respeita o direito subjetivo, pois a superioridade daquele
direito no incompatvel com o reconhecimento da autonomia dos par
ticulares. A questo , apenas, de limites
( ).
Permanece, como regra, a
liberdade de contratar e de estabelecer o contedo do contrato. A exceio
a interveno do Estado criando a obrigao de contratar e inserindo,
automaticamente, clusulas c preos fixados
( ).
"justificando-se tom o
carter excepcional das circunstncias que alteram o modelo concorrencial".
7 .
onseqncias
iurldicas
da
insero do
principio da atonomia
privada
no sistema
jurdico
Conseqncias imediatas da aceitao da autonomia privada sfo, em
matria constitucional, a garantia da liberdade de iniciativa econmica, e,
:10
campo contratual, que
o seu campo por excelncia, os princpios da
1
ibcrdade contratual. da fora obrigatria dos contratos, do efeito relativo
dos contratos, do consensualismo e da natureza supletiva ou dispositivo da
:nnioria das r.ormas estatais do direito das obrigaes, e ainda a teoria dos
vcios do consentimento. No campo sucessrio, a libendade de testar e de
estabelecer o contedo do testamento. E para os que aceitam a vontade
como poder jutdico (autonomia privada), a concepo normativa do
neg-
cio jmdico, a consideiao do negcio como fonte de normas jurdicas.
A liberdade de iniciativa econmica a expresso da autonomia priva
da no campo constitucional. So conceitos correlatas mas no coincidentes,
na
medida em que a primeira focaliza o aspecto econOmico e a segunda, o
jurdico, do mesmo fenmeno. havendo entre eles uma relaio instru
mental ('"l.
A liberdade contratual manifesta-se nos seguintes aspectos: liberdade
de contratar, de escolher as partes com quem contratar, de estabelecer o
contddo, a forma e os efeitos do contrato.
O
consensualismo significa que
l56J OHESTIN. O J.
cit. p
119.
57 PERRI. op
e
loc
cit.
lM J BARCELLONA, op. clt. p 226.
f59l PRANCESCO
OALGANO,
Rapporti
Economic i t Commentarlo deDa O l-
tittlzione a cura di Giuseppe Branca> Bologna, a n ~ c h e l l l Ed.ltore, 191l p 6
222
R.
lnf.
. . . . . .
8-l l la
a. 26
n,
181 ..... joo. 19?
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h ~ $ t a
o.
onsentimenw o
o.lcordo
de vontades, para que o contrato se cstabe
l : ~ a
c as obrigaes nasam, no sendo preciso forma especial. Os vcios do
c ~ n & c n t i m - c n t o revestem-se de grande imponncia pelo fato de que, "se o
consentimento
no
livre",
a
manifestao
de
vontade
defeituosa
c
portanto. anu1io;cl.
Por outro Jade, no
i n t e r e s ~ a m os
motivos da declarao
de vontade. Sendo o comratc manifestao de liberdade, no importam os
motivos que levoram
n
tal manifestao. A ' o n t a d ~ vale por ela mesmo,
sendo Jidto
o
respec:ivo objcto. O pricijlio da
;cra
obrigatria dos contra
toS ::;i n.ific que, sendc a vumade panicu]ar aut6:1om.a.
da
c s t a ~ e l e c e a
]ei entn;
partes
contratann::s, vin.;::ulanJo-S(
ao
cumprimento
das
obriga
t;L':::
cstabclcddas por c ~ s a
Vntadc.
;J o deito relativo dos ;;ontratos signi
f ca. por sua
"YC7..
que a dictcia
do
contrato, as
obrigaes
e
as regras
e ' a b e l e ~ i d a s
pora o seu
c u m p r i m e ~ t o
produzem efeitos apenas entre os
participamos, as partes do
contrJto,
no a f c ~ a n d o
terceiro:::.
A ttulcnomir..
privada m a n i f c ~ t a - s c
c
realiza-se no :;ampo das relaes
}uri.licas
pntrimoniais
1
que o setor por excdfo r:cia
da
esfera de
:;oberania
individual, .compreendendo os relaes jurdicas obrigadonais
c
' reais.
Seu .instrumento
o ncgc'c juridico, fonte por cxcdncia das obrigaes,
:ncluindo os ~ o n t r a t c s . ui d ~ d r . r a c s unilaterais de vontade e, no campo
das succssacs', o test;unento, manifestao volitiva com que u pessoa dispe
de seus bens para depois do su,; morte.
Para os que vem r.a vontade individual um poder jurgeno, aceitando
o princpio da
.:mtona:nia
privGda, o
negcio jurfdicu, seu
instrumt:nto.
L-cm
eficcia
n o r r n a : i ~ a ,
vale dizer. " :nanilc;tao de vontade
tome autnomaJub
regras
j u r d i t : ~ ~
que,
ao IJdo
das cstabdcddaf ~ : m Jd.
disciplinam,
regulam, as obrigaes na.cidas desse c.cg6do. As regrJs que nascem da
dedan:i\o C:c vontade so jurdica,,
oo
ludo
da;
que nascem do poder esta
tal. ou < ios
coslUme.>. ou doo
princpios gerais do direito. "Qualitativamente
no h dHcrt.:na cm as distintas
ft.:nt :::i
norma:ivas que integram o comple
xo regulador
da
relao jurdica
concrda,
air.da que se ~ s t a b e k a uma
hierarquia entre a norma procedente de cada fonte"("''). E no processo c
roviso d.l Caria. d
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tudo isso acompanhado de criticas autonomia da vontade, a clemclllllrar o
seu del:lnio.
Tais crticas so, tamb6m. como os fatores que a fizeram
CI CICCr,
de
ordem filosfica, moral e econl ..ica.
Sob o ponto de vista filosfico, constata-se facilmente que ao indivi
dualismo se contrapem as tendncias sociais da idade contemporAnea.
O homem um ser social, vive necessariamente em grupo, do que
lhe
a dm
inevitveis relaes e condicionamentos que reduzem a sua capacidade de
agir individualmente, no seu exclusivo interesse.
Sob o ponto de vista moral, tem ficado demonstrado que 01 principio&
da liberdade e da igualdade, fundamentaa
no
direito civil, no 10 naJi M
harmonicamente. A igualdade perante a lei meramente formal; no campo
material, as desigualdades so profundas, gritantes. O exerccio da liber
dade contratual, por exemplo, pode levor os segmentos sociais mais
carenta
de recursos e, por
isso
mesmo, desprovidos
do
poder de confronto
ou
de
negociao, a acentuados desnveis econmicos, do que exemplo a milria
das claases menos favorecidas. ll por isso que o Estado intervm no direito
dos contratos, a fim de equilibrar o poder das
parta
contratantes,
estai
lecendo normas imperativas
em
matria de ordem pblica
ou
de
bom COfo
tumes. O legislador limita, assim, a autonomia
da
vontade t ~ a n o fim de
proteger os plos mais fracos da relao jurfdica patrimonial, principal
mente em matria de contratos (locao, emprstimos, seguros etc.).
Sob o ponto de vista econmico, reconhece-se que o individualismo
deu lugar ao socialismo, em sentido amplo. Advoga-se a intervenlo crea
cente do Estado na organizao e disciplina dos setores bicos da eco
nomia, alegando-se a inconveniencia, a impossibilidade at6 de se deixar
s foras do mercado a conduo da economia nacional, principalmente
nos pases em vias de desenvolvimento, onde so mais flagranta as dilpa-
ridades econmicas e sociais. Sendo assim, os valores fundamentais da
ordem jurdica, segurana,
justi.e, o bem
c_.nmum iberffade. igual-
dade e a paz social exigem uma presena cada vez maior do
alldo atumte
no sentido de equilibrar as foras econmicas e soclaia em conflito. Nlo
M
admite mais a economia liberal, na sua forma mais pura, tpica
do
s6culo
XI, que d lugar a uma economia concertada, com uma intervenio
cre.
cente do Estado. Essa interveno realiza se primeiro na proteio daa cat -
gorias sociais menos favorecidas, como os trabalhadora aasalariados, e
depois, na organizao da produo e distribuio dos bens e ~ e r v i o a
com um conjunto de medidas cuja disclpHna jurdica toma o nome de
ordem pblica econOmica.
Finalmente,
um
argumento de natureza ideolgica. O principio
da
autonomia da vontade encontra sua razio de ser na
expreaio maia
pura do
liberalismo econ6mico, na
~ p o c a
em que o Estado tinha uma
funio maia
politica do que econ6mica ou social. Era o Eatado de Direito, organizedo
juridicamente
para
garantir o respeito
801
direitos
i n d i v i d u a i ~
cm rua pio-
R. . teglol.
Z
102
.....
tn
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nitude. Com a revoluo industrial e tecnolgica, e os problemas soaat'
dela
decorrentes,
oom guerras mundiais de permeio, surgiu o Estado IIOCiel
interveucionista, destinado o r g n i z ~ e disciplina da vida econmica,
protegendo os retores sociais mais desfavorecidos, e diligenciando
no
sen
tido de criar iguais oportunidades de a:esso aos bens e vantagens da socie
dade contempornea. No :ampo do direito privado. a w c i l i z ~ o do
direito civil ('").
9. ii evoluo
do
direito civil A interveno
do
Estado e os limites
d
autonomio privada
Sendo o direito civil produto histrico de uma larga experincia j ur
dica, tanto no seu upec:to normativo quanto no de sua prpria
~ l b o r -
o cientifica, a sua dogmtica atual refietc as profundas mudanas que a
revoluo industrial e tecnolgica tem
c&usado
na
sociedade, tomando
mais complexas as suas relaes e mais especfica e assistemtica a sua
disciplina jurdica. E no quadro atual dessas modificaes, a nota caracte
rfsrica que soi>ressai, a marcar indelevelmente a civilstica contempornea,
a presena crescente do Estado na disciplina da matria
de
direito
priYa
do, absorvendo-lhe cs princpios cardeais em tomo dos quais
se
edifica
ram, ao longo
06 sculos,
a cincia e o sistema do direito comum, dando
lhe
os foros de superioridade que levariam juristas a afinnar estarmos em
face da publicizao do direito civil
(").
O individualismo dos Olrocentos, =nltan.te das concepes jusnatu
ralistas e iluministas que tio bem se positivaram no Cdigo de Napoleo
e no B.G.B.,
nos
quais a
pessoa
humana,
com
sua liberdade e autonomia,
era o centro por e x c e l ~ n c i do universo jurdico, e o direito civil "a garan
tia dos fins individuais relativos famlia e aos
bens"(
.. ), foi-se redu
zindo gradativamente a partir do
comeo
do sculo e, acentuadamente,
com a Segunda Guerra Mundial, I1ICI'CI
duma progressiva interveno do
Estado, que limita a autonomia da vcmtade. quando no a elimina total
mente, s relaes da microeconomia. A interveno estatal na matria
econmico-jurfdica demonstra, IISI im, a definitiva superao do individua
lismo do sculo XIX. e a coosoqente dccadr.cia do liberalismo econmico
e politico pela ingerncia do Estado, com princpios autoritrios, na eco-
nomia privada e na vida
jurfdq
em geral ( . Advoga-se o predomnio
dos interesses gerais sobre
os
particularea e sobrepe-se o esprito da sacia
idade e da justia social ao do PlltO individualismo dos Cdigos Civis,
exigindo-se destes no mais a tradicjpaal postura dogmtica adequada o
Estado de Direito, mcs o carter ~ de utilidade prprio do Es
lado social. Ora a passagem do Esta4o- -liberal para o Estado intervencio-
(tlll JBAll' CARBONN lm, rolt C'llll, l l f
*lltkln, Pari ,
P.U.F., 1971, p. 69.
1 5 3 ~ R.ENa SAVATIER u DroU llrU lltl Drott Pubiic Paris, L.CJ.D.Y. 1960
pp. 13
"""'
( 1) GRASSE'I'l'I, op. ci .,
p.
118Z.
(elll PR.ANCESCO MEBBUiiiO,
~ a o a ~ . I, J.III DQ. O l u f f ~ 1MI,
p. IICI.
L .lf 1-llo 26 n. 112
J;
1989
22S
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Dista, com a sua crescente ingerncia na organizao da vida econmica,
conduz ao declnio da concepo liberal da economia e a uma conseqente
crtica ideolgica
do
dogma da vontade, principalmente da doutrina
mar-
xista(
.
.
As conseqentes e inevitveis modificaes no sistema de direito civil
podem-se agrupar em trs significativas vertentes:
1) as
fontes do direito
civil; 2
os
seus institutos fundamentais (personalidade, famlia, proprie
dade, contrato e responsabilidade civil); e 3 a atuao do Estado e de
grupos intermedirios (partidos polticos, sindicatos, associaes de consu
midores etc.) nas atividades tipicamente de direito privado (
87
.
No
que tange s fontes, alm das modificaes profundas que o
digo Civil sofreu, em grande parte derrogado por abundante legislao
especfica que lbe tomou a disciplina
dos
principais institutos, pondo
em
cheque o ideal oitocentista da unidade legal
do
direito privado e levando
juristas de nomeada a constatar ter-se passado da era da codificao (
88
)
para a dos microssistemas jurdicos, h
um
aspecto de suma relevncia,
que a c o n s ~ g r o de princpios constitucionais pertinentes ao direito
privado, diret;vas bsicas
de
natureza constitucional sempre vistas como
normas programticas sem eficcia normativa, como os princpios da liber
dade, da propriedade, da iniciativa econmica. Alm
de reconhecidos
como
princpios normativos, pois que incorporados a textos constitucionais
mo-
dernos, como o italiano, o portugus, o brasileiro, o que
os
toma integran
tes do sistema poltico e lhes confere uma implcita garantia contra eventuais
abusos do legislador ordinrio,
tm
o efeito
de
reduzir o campo das
dife-
renas entre o direito pblico e o direito privado, hoje conjugados na
ao
comum de prover
ao
bem-estar social. Ora,
se
por um lado, vemos a redu
o
ou
anulao do individualismo subjacente
aos
postulados liberais do
direito civil burgus, por outro lado, temos o reconhecimento constitu
cional desses mesmos postulados, hoje revestidos de uma dimenso pblica,
geral e funcional, no sentido de que, integrados na ordem econmica e
social, se utilizem come instrumentos de desenvolvimento e justia social.
Reconhecida constitucionalmente a liberdade de iniciativa econmica,
indiretamente
se
garante a autonomia privada, em face da ntima relao
de instrumentalidade existente entre ambas. Conceitos conexos,
mas
no
coincidentes, a autonomia privada tem carter instrumental em
face
da
liberdade de iniciativa econmica, pelo que
as
limitaes que a esta
se
impem tambm aluam quanto quela. E esses limites so a ordem pblica,
na sua espcie de ordem pblica e social de direo,
sob
a forma de inter
vencionismo neoliberal ou de dirigismo econmico, e os bons costumes,
(66) C. MASSINO BIANCA, Diritto Civile l contralto, M lano, Oluffr, 1984,
p 27.
(67)
GRASSETI I, loc. cit.
(68) ORLANDO GOMES, A Caminho dos microssistemas 1n NOfXJ ema e
Direito
Civil,
pp .O
e sega.
NATALINO IRTI
L Et
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as regras morais, sendo que o intervencionismo neoliberal no se ope
liberdade contratual nem
livre concorrncia, apenas visa evitar a que
for desleal. e a proteger o consumidor, enquanto que o dirigismo, opondo-se
liberdade contratual, submete-a s exigncias
da
planificao econmica,
imperativa ou indicativa
10
.
Tudo isso implica na reduo do mbito de atuao da autonomia
privada. Como princpio fundamental da ordem jurdica civil, teve maior
importncia nas pocas de mais acentuado individualismo, mas com as
tendncias sociais em matria de contrato, a proliferao das leis especiais,
as
crescentes restries liberdade contratual. decorrentes, como assina
lado, da ordem pblica, dos bons costumes, e ainda, da boa f, da eqi
dade, da estandardizao dos contratos etc., assiste-se reduo de seu
campo, embora permanecendo como princpio fundamental do direito
privado, aplicvel nos setores
cm
que o direito estatal permite, que
,
quase que exclusivamente, o direito das obrigaes. O problema da auto
nomia privada , portanto e somente, um problema de limites como, por
exemplo, o dever ou a proibio de contratar, a necessidade de aceitar
regulamentos pr-determinados, a insero ou substituio de clusulas con
tratuais, o princpio da
boa
f, os preceitos de ordem pblica. os bons
costumes, a justia contratual, as disposies sobre abuso de direito etc.,
tudo isso a representar
as
exigncias crescentes de solidariedade e de so
cialidade.
IO. A
funcionalizao
dos
institutos
de direito privado A autonomia
privada
num
perspectiva
funcional Concluso
No s6 a constitucionalizao dos princpios e dos institutos bsicos
do direito privado tm real significado para o nosso tema, na panormica
do
direito civil moderno. Outro aspecto a salientar, no mais no campo especfi
co das fontes de direito civil, mas
no
da sua matria concreta, o da fun
cionalizao de seus principais institutos. a propriedade e o contrato, ambos
c.omo expresso de liberdade, o segundo; especificamente: da autonomia
privada.
Que significa a funcionalizao de tais institutos?
Deve-se, em primeiro lugar, dizer que, para a concepo estrutural,
dogmtica, do direito, a ci@ncia jurdica no deve ocupar-se com as funes
desse, mas somente com os seus elementos estruturais, deixando-se a anlise
funcional para a sociologia e a filosofia, (
0
. O recurso
s
ciencias sociais
para melhor compreenso e poeitivaio do fenmeno jurdico revela, p o r ~ m
ntima relao entr-e a teoria estrutura do direito e o ponto de vista tcoico
jurfdco, de um lado, e a teoria funcioaal do direito e o ponto de vista socio
lgico, de outro. Ora, tal conexo uma, das caractersticas dos estudos jur-
GHBSTIN,
op cit pp. 83/86:
oaa AR D PARJARD,
Droit EconomiQVe
Paris, P.U.P.,
1 ~ p.
10.
10) BOBBIO, OJJ.
cit.
p. 90.
227
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dicos contemporneos, considerand(}-se essencial para o jurista sahcir no
apenas como o direito feito, maa tambm para o que
~ C I W ,
Ylle diJlcr,
a sua causa final. Assim aparece o conceito de funo em direito, delli;nan-
do o papel que
um
princpio, norma ou instituto
d e ~ e m p e n h a
no imerior
de um sistema ou estrutura, de partes interdependentes(").
A referncia funo social ou econmieo-social de um princJpio, um
instituto, uma categoria jurdica, nomeadamente a autonomia privada e o
seu instrumento de positivao, o negcio jurdico, significa o
pproccic
do
direito com as demais cincias sociais, a sociologia, a economia, a
c i o ~
poltica, a antropologia, numa resposta s solicitaes que a sociedade con
tempornea f IZ
ao
jurista, considerado no mais como a "figura tradiciooal
de cultor do direito privado, ancorado aos dogmas das tradicionais caractm'8-
ticas civilsticas", mas atento realidade do seu tempo, a exigir-lhe uma
postura crtica perante a inrcia do sistema tradicional em prol de uma
ordem mais justa na sociedade
('
2
.
A funcionalizao dos institutos jurdicos significa ento que o direito
em particular e a sociedade em geral comearam a interessar-se pela
efic6-
cia das normas e dos institutos vigentes, no s6 no tocante ao controle ou
disciplina social mas tambm no que diz respeito
organizao e dlrolo
da sociedade, atravs do eerccio de funes distributivas, promocionais
ou
inovadoras, abandonand(}-se a costumeira funo repressiva, principalmente
na relao do direito com a economia. Da falar-se na funo econflmico..
social dos institutos jurdicos
(' ')
inicialmente em matria de propriedade e,
depois, de contrato. Representa, assim, a funo econmico-social a preocupa
o com a eficcia social
do
instituto e, no caso particular
da
autonomia
privada, significa que o reconhecimento e o exerccio desse poder, ao reali-
zar-se na promoo da livre circulao de bens e servios e na auto-regula
mentao das relaes disso decorrentes, condiciona-se utilidade sociaf que
tal circulao possa representar, por ser o meio mais adequado satisfaio
das necessidades sociais, com vistas ao bem comum e ao seu objetivo
de
igualdade material para todos em face das exigncias de justia social, idia
essa que
use
desenvolve paralelamente evoluo do
Estttdo ii:Jdemo
como
ente ou legislador racional"(").
De tudo isso resulta que a funcionalizao de um princpio, norma,
illlitiluto ou direito implica, na sua positivao normativa, no
e a t a b ~ e e i m e n -
to de limites que o ordenamento jurdico, ou alguns de seus principias vin
culo.ntes, estabelecem
ao
exerccio das faculdades subjetivas (em fau d.e
situaes concretas) que possa caracterizar abuso de direito, como se verifllll
na prpria estatuio do Cdigo Civil portugus, no 5eu art. 334.
(71)
J. DURAO BARROSO,
Funpo Polls-Bnciclopedla Verbo, 2,
p,
1101.
(72)
CASTANHEIRA
NEVES, O
direito como
alternativa , . . . ,_ . , , oootedDalr.
no IV concre O de Direito Comparado
LWiO-Braollelro, Rlo
de JGelro, UI' ',
p. 40.
(73:> Cfr KARL
REIDt..'"ER,
ne
echtdnstitute
cU
Privatrech:t8 1Cnd Ul re JO:di:Je
Funktlon Tllblngen, J. C. B. Mohr Paul
Siel>eck", 1929, p. 48.
7 ~ ) GINO GORLA, I Conlratto Mllano, Oluffr,
1 ~
I, p
JI O.
ll
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Emprertar ao direito uma funo social significa considerar que a socie
dade se sobrepe ao interesse individual, o que justifica a aiio do Estado
no
sentido
de
promover a igualdade material e acabar com as injustias
sociais. Funo social significa niio individual, sendo critrio de valorizao
de situaes jurdicas conexas ao desenvolvimento das atividade da ordem
econmica. Seu objetivo o bem comum, o bem-estar econmico coletivo.
A id6ia
de
funo
social
deve entender-se, portanto, em relao
ao
quadro
ideo16gico e sistemiitico
em
que se desenvolve. Ideologicamente, representa a
teorizao do bem comum {
70
,
abrindo a discusso em torno da possibilidade
de se realizarem os interesses sociais, sem desconsiderar, ou eliminar at, a
propriedade privada. Sistematicamente, atua no mbito dos fins bsicos da
propriedade, da garantia de liberdade e, conseqentemente, da afirmao
da
pessoa. E ainda historicamente, o recurso funo social demonstra a
conscincia poltico-jurdica de se realizarem os interesses pblicos de modo
diverso do at ento proposto pela dogmtica tradicional do direito privado,
liberal
e capitalista. Neste particular, pode-se dizer que "revoga
um
dos
pontos cardeais da dogmtica privatista, o direito subjetivo modelado sobre
a
e trutura
da propriedade absoluta", o que poderia sugerir uma certa incom
patibilidade entre a idia de funo social c a prpria natureza do direito
s u b ~ t i v o Mas o que se assenta, ao final das contas, que a funo social se
configura como princpio superior ordenador da disciplina da propriedade e
do contrato, legitimando a interveno legislativa do Estado e a aplicao de
normas excepcionais, operando ainda como critrio de interpretao das leis.
A funo social ,
por
tudo isso,
um
princpio geral de atuao jurdica,
um
verdadeiro
standard
jurdico, uma diretiva mais
ou
menos flexvel, uma indi
cao programtica que no colide nem ineficaciza os direitos subjetivos,
apenas orienta o respectivo exerccio na direo mais consentnea com o
bem comum e a justia social. Podem assim coexistir o direito subjetivo e
o
standard
jurdico, e conceitos at ento considerados incompatveis, como
direito
e
funo
coeJstem
na
realidade legislativa, em nvel de princpios.
A teoria da funo econmico-eocial dos institutos jurdicos
,
enfim,
produto .dntese das tendncia ;;Jinl6gica.s
oontemporneas
qe le-vam
chamada economia dirigida. E precisamente o contrato, instrumento da
(75) QALGANO,
op. clt.
p.
115.
Hbtorlcamente,
o recuroo funo OCial oerve
para
destacar \UD& dtmendo segundo L qual o awnento
da
compreensAo dos
podolrel doo
proprtetal.rlol
por
e elto
lntuvenlo
do Estado
acompanhado
da
oonvlcAo
de que
tal
acontece pela
neceoaldade
de realizarem-se Interesses
pblicos
d.e modo diverao do tradJcional. Conceitualme-nte revoga um dos eixos da dogm-
tlca privada, o
do dJrelto
subjeUvo modelado precisamente sobre a estrutura.
da
propriedade t.bioluta. I4eolooicam.en.td abre a d.l.cusso em torno da poss1b1li
dad.e
de
rea.J1zallo verdadeira
de interesaea
&Oclais
sem
ellmlnar-se integralmente
& propriedade privada
doa bens . STEPANO
RODOTA, Rappm-ti
Economici,
p. 112.
Al oma
da tunio
da
au AJnomla prt.- e do nogllclo Jurldlco no direi italiano,
otr.
RlllNATO
SCOONAMIQLIO, rJl/a Toori
-
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autonomia privada, o campo de maior aceitao dessa teoria, acolhida pri
meiramente no Cdigo Civil italiano, art. 1.322, segundo o qual podem as
partes determinar livremente o contedo do contrato nos limites impostos
por lei, e celebrar contratos atpicos ou inominados, desde que destinados
a realizar interesses dignos de tutela, segundo o ordenamento jurdico . Do
mesmo modo e de forma idntica a consagra o Cdigo Civil portugus no
seu art. 405., ao dispor que as partes podem livremente fixar o contedo do
contrato, nos limites da lei, e celebrar contratos diferentes dos previstos no
mesmo Cdigo, completando-se esse dispositivo com o art. 280. que fixa limi
tes ao exerccio da autonomia privada, estabelecendo a nulidade do negcio
jurdico contrrio ordem pblica ou aos bons costumes. Por seu turno, o
projeto de Cdigo Civil brasileiro dispe, no art.
421
que a liberdade de
contratar ser exercida em razo e nos limites da funo social do contrato .
Consagrada assim a funo econmico-social do contrato e, implicita
mente, a autonomia privada, reconhece-se, porm, que o exerccio deste poder
jurdico, consubstanciado em um dos princpios fundamentais da ordem jur
dica contempornea de ideologia liberal, deve limitar-se pela ordem pblica
e pelos bons costumes, de modo geral, e em particular, pela utilidade que
possa ter na consecuo dos interesses gerais da comunidade, com vistas ao
desenvolvimento econmico e ao seu bem-estar, promovendo a justia, na
sua modalidade distributiva ou na dimenso de justia social.
Ora precisamente para esta ltima dimenso que a autonomia privada
pode e deve direcionar-se. A idia de justia que se realiza na dimenso
comutativa, entre particulares, e distributiva, entre os elementos da comuni
dade, aparece agora com nova perspectiva, a justia social. Resultante da
conexo entre a conscincia moral e a conscincia social, exige que a ordem
jurdica
se
mantenha ligada
ordem moral, superando-se com isso o indi
vidualismo jurdico em favor dos interesses comunitrios, corrigindo-se os
excessos da autonomia da vontade dos primrdios
do
liberalismo. O direito
, assim, c h ~ ~ d o a exercer u ~ funo corretor? de equilfi?rio dos inte
resses dos var1 s
setores da sociedade
para
o
que
hrr..tta em
matcr
ou menor
grau de intensidade, o poder jurdico do sujeito, mas sem desconsider-lo,
j que ele
em ltima anlise, o substrato poltico-jurdico do sistema neo
liberal em vigor nas sociedades democrticas e desenvolvidas do mundo con
temporneo que se caracterizam, precisamente, pela conjuno da liberdade
individual com a justia social e a racionalidade econmica.
Se bem que, do ponto de vista tcnico-jurdico, a autonomia privada
se apresente como princpio jurgeno fundamental da ordem jurdica privada,
profundamente limitada nas possibilidades de seu exerccio pela ingerncia
do Estado na economia, hoje em dia menor pelo sentimento de privatizao
e de desregulamentao que perpassa pelas naes desenvolvidas do mundo
ocidental, por outro lado, sob o ponto de vista poltico, constitui-se em um
mbito de atuao poltico-jurdico individual com eficcia jurdica, como
garantia de sobrevivncia e realizao dos postulados bsicos de liberdade
e de reconhecimento do valor jurdico da pessoa humana.
23
R.
lnf. legisl. Braslia a.
26
n.
1 2
abr./jUII.
1989