a atividade de inteligenciacomo instrumento de eficiencia no exercicio do controle externo pelo tcu
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Cludia Vieira Pereira
A ATIVIDADE DE INTELIGNCIA COMO
INSTRUMENTO DE EFICINCIA NO
EXERCCIO DO CONTROLE EXTERNO
PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIO
Monografia apresentada ao Curso de Ps-Graduao
Lato Sensu de Especializao em Inteligncia de
Estado e Inteligncia de Segurana Pblica com
Inteligncia Competitiva, oferecido pela Escola
Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais em
parceria com o Centro Universitrio Newton Paiva,
como requisito parcial obteno do ttulo de
Especialista em Inteligncia de Estado e Inteligncia
de Segurana Pblica com Inteligncia Competitiva
Orientador: Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco
Belo Horizonte
Centro Universitrio Newton Paiva
Escola Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais
2009
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Centro Universitrio Newton Paiva
Escola Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais
Curso de Ps-Graduao de Especializao em Inteligncia de Estado e Inteligncia de
Segurana Pblica com Inteligncia Competitiva
Monografia intitulada A atividade de inteligncia como instrumento de eficincia no
exerccio do controle externo pelo Tribunal de Contas da Unio, de autoria de Cludia
Vieira Pereira, considerada aprovada, com a nota 90 (noventa), pela banca examinadora
constituda pelos seguintes professores:
____________________________________________________________
Presidente Professor Doutor Denilson Feitoza Pacheco
____________________________________________________________
Professora Doutora Priscila Carlos Brando
____________________________________________________________
Professor Mestre Roger Antnio Souza Matta
____________________________________________________________
Professor Especialista Alexandre Buck Medrado Sampaio
Belo Horizonte/MG, 23 de maio de 2009.
Escola Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais
Rua Timbiras, 2928, 4. andar, Bairro Barro Preto
Belo Horizonte - MG - CEP: 30140-062
Tel: 31-3295-1023
www.fesmpmg.org.br
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AGRADECIMENTOS
Inicialmente, agradeo aos meus chefes no Tribunal de Contas da Unio
(TCU), Mrcio Gleidson Chaves de Sales e Vanda Ldia Romano da Silveira, pelo
apoio e incentivo ao meu desenvolvimento pessoal e profissional.
Agradeo ao Tribunal pelo suporte concedido, por meio de aes voltadas
ao estmulo capacitao de seus servidores, sem o qual seria mais difcil minha
participao nesta ps-graduao. Espero poder retribuir esse apoio com a disseminao
do conhecimento adquirido e com muita dedicao ao trabalho.
Minha gratido ao coordenador do curso e orientador deste estudo,
Professor Doutor Denilson Feitoza Pacheco, pela incansvel disposio para motivar os
alunos, transmitindo seus vastos conhecimentos e estimulando o estudo dessa atividade
to importante, mas ainda pouco conhecida e discutida no meio acadmico.
Meu muito obrigada, tambm, a todos os professores do curso pela
dedicao, seriedade e disposio para dirimir as dvidas, por mais simplrias que
fossem, sem mencionar a boa vontade em compartilhar seus profundos conhecimentos
acerca do assunto estudado.
Tambm merecem meus sinceros agradecimentos todos aqueles que
trabalham, ou trabalharam, na Fundao Escola Superior do Ministrio Pblico de
Minas Gerais, pela simpatia e presteza com que atenderam as nossas demandas e
solicitaes durante o curso, tornando nossa estada na escola bem mais agradvel.
Um agradecimento muito especial aos companheiros de curso, agora
amigos, pelo carinho, ateno e solidariedade, principalmente nos momentos de
fragilidade, cansao e vulnerabilidade. Agradeo, ainda, pela oportunidade de troca de
experincias, pessoais e profissionais, e pelo estreitamento dos laos de amizade e afeto,
que, com certeza, se perpetuaro durante toda a nossa jornada.
Como no poderia deixar de ser, minha eterna gratido famlia e aos
amigos (que se tornaram minha famlia em Braslia) pelo incentivo minha participao
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neste curso, pela pacincia com que me ouviram falar repetidamente sobre o mesmo
assunto, e pelas palavras e gestos de carinho nos momentos mais difceis.
Por fim, gostaria de agradecer aos colegas e amigos do TCU, em especial a
Alexandre Barreto de Souza, Carla Ribeiro da Motta, Paulo Henrique Ramos Medeiros,
Marcelo Cardoso Soares, Marcelo Luiz Souza da Eira e Carlos Roberto Takao Yoshioca
pela inestimvel contribuio para a elaborao deste trabalho.
Certamente deixei de citar algumas pessoas e, por essa falha, peo
desculpas. Sei, contudo, que os amigos e colaboradores ho de compreender tal falta.
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RESUMO
O objetivo do presente estudo identificar como a atividade de inteligncia pode
contribuir para uma atuao mais eficiente do Tribunal de Contas da Unio (TCU) no
exerccio do controle externo da Administrao Pblica Federal. Parte-se de uma
reviso terica acerca das origens, definies, conceitos, classificaes e princpios da
atividade de inteligncia, para, em seguida, abordar o princpio da eficincia
administrativa, principalmente no que se refere a sua origem, fundamento
constitucional, contedo, extenso e implicaes para o Estado Democrtico de Direito,
tratando, ainda, da atividade de inteligncia como instrumento de eficincia. So
apresentadas, tambm, noes sobre a misso, estrutura, funcionamento e competncias
do TCU, alm das aes de controle externo, assim como contextualizada a atividade
de inteligncia no mbito do Tribunal. Conclui-se pela necessidade de consolidar o uso
da atividade de inteligncia no TCU, com vistas a promover maior eficincia na sua
atuao como rgo responsvel pelas aes de controle externo da Administrao
Pblica Federal, em benefcio de toda a sociedade.
Palavras-chave: atividade de inteligncia; princpio da eficincia; controle externo;
Tribunal de Contas da Unio.
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ABSTRACT
The purpose of the present study is to identify how intelligence activitiy may contribute
to a more efficient performance of the Brazilian Court of Audit (Tribunal de Contas da
Unio - TCU) on the exercise of the external control of Federal Public Administration.
The starting point is a theoretical review of the origins, definitions, concepts,
classifications and principles of intelligence activity, following to the exam of the
principle of administrative efficiency, especially concerning its origin, constitutional
foundation, contents, reach and implications for the Democratic State of Right, covering
also intelligence activitiy as an efficiency tool. In addition, there is a presentation of
notions on the mission, structure, functioning and competences of TCU, together with
the contextualization of intelligence activitiy within the institution. The conclusion is
that there is a need to consolidate the use of intelligence activitiy in TCU to promote
greater efficiency in its action as the institution responsible for the external control of
Federal Public Administration, in the benefit of all society.
Keywords: intelligence activity; priniciple of efficiency; external control; Brazilian
Court of Audit (TCU)
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SUMRIO
1 INTRODUO 8
2 ATIVIDADE DE INTELIGNCIA 10
2.1 Origens histricas 10
2.2 A atividade de inteligncia no Brasil 13
2.3 Conceito 19
2.4 Ramos 27
2.4.1 Inteligncia stricto sensu 28
2.4.2 Contra-inteligncia 37
2.4.3 Operaes de inteligncia 40
2.5 Classificao 43
2.6 Princpios 50
3 PRINCPIO DA EFICINCIA 53
3.1 Consideraes iniciais 53
3.2 Contedo do princpio da eficincia 59
3.3 A atividade de inteligncia como instrumento de eficincia 63
4 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIO 67
4.1 A atividade de controle 67
4.2 Estrutura, competncias e atividades 70
4.2.1 Estrutura 70
4.2.2 Competncias 71
4.2.3 Atividades 76
4.3 A atividade de inteligncia no Tribunal de Contas da Unio 78
5 CONCLUSO 82
REFERNCIAS 86
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8
1 INTRODUO
Atualmente, vivemos em um mundo onde o volume e a disponibilidade de
informaes, principalmente com o advento da rede mundial de computadores
(internet), ocasionam constantes mudanas na vida de pessoas, organizaes e
governos, o que tem demandado, cada vez mais, a obteno de conhecimentos que
proporcionem agilidade e velocidade na tomada de decises.
Nesse contexto, a atividade de inteligncia, considerada como um
instrumento que possibilita, por meio de mtodos e tcnicas prprios, a coleta e a busca
de dados e informaes com vistas produo de conhecimento que servir como
subsdio tomada de deciso, assume papel relevante.
Assim, diversas organizaes, pblicas e privadas, esto lanando mo da
atividade de inteligncia como meio de obter maior eficincia e otimizar seus
resultados. Na esfera privada, a atividade de inteligncia, conhecida como inteligncia
competitiva ou empresarial, j uma realidade.
No mbito das instituies pblicas, em especial nos rgos de segurana, a
atividade de inteligncia (inteligncia de Estado) vem sendo amplamente utilizada,
principalmente no combate corrupo e ao crime organizado, tendo obtido timos
resultados.
O Tribunal de Contas da Unio, cuja misso institucional assegurar a
efetiva e regular gesto dos recursos pblicos federais em benefcio da sociedade, por
sua vez, a despeito de haver institudo em sua estrutura organizacional uma unidade de
inteligncia, utiliza a atividade ainda de forma muito incipiente.
Para cumprir sua misso, o TCU realiza diversas atividades, acessando e
utilizando dados e informaes de vrias fontes, com inmeros contedos. Ocorre que a
maneira pela qual o Tribunal vem trabalhando esses dados/informaes, de forma
fragmentada, no permite uma viso integrada/sistmica da Administrao Pblica, o
que dificulta seu trabalho, mormente a deteco de fraudes e desvios de recursos
pblicos, e acaba por comprometer a eficincia das aes de controle externo de sua
responsabilidade.
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Dessa forma, considerando que a atividade de inteligncia voltada
principalmente para a produo de conhecimento estratgico, que subsidia a tomada de
deciso, buscamos, com este estudo, identificar: como a atividade de inteligncia pode
contribuir para que o TCU atue com maior eficincia no exerccio do controle externo
da Administrao Pblica federal, em respeito ao princpio da eficincia previsto no
caput do art. 37 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil?
Para tanto, o trabalho foi desenvolvido em trs captulos, alm da concluso.
No captulo 1, so apresentados os conceitos, as origens histricas, os ramos, as
classificaes e os princpios da atividade de inteligncia.
O segundo captulo aborda o princpio da eficincia administrativa. Nesse
tpico, so apresentadas as origens histricas, o fundamento constitucional, o contedo,
a extenso e as implicaes do princpio da eficincia no Estado Democrtico de
Direito. Alm disso, trata tambm da atividade de inteligncia como instrumento de
eficincia.
No ltimo captulo, so apresentadas noes gerais da atividade de controle
da Administrao Pblica federal, com nfase no controle externo exercido pelo
Tribunal de Contas da Unio. Ademais, so abordados aspectos especficos do TCU,
tais como misso, estrutura organizacional, competncias e atividades, bem como
analisado o atual papel da atividade de inteligncia no mbito do Tribunal.
Finalmente, na concluso, com base no exposto nos captulos anteriores, so
demonstradas a necessidade, a importncia e a viabilidade do uso da atividade de
inteligncia pelo TCU, para que o rgo atue de forma mais eficiente no exerccio do
controle externo da Administrao Pblica federal, conforme os preceitos
constitucionais.
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2 ATIVIDADE DE INTELIGNCIA
2.1 Origens histricas
A atividade de inteligncia, originalmente denominada de informaes,
sempre esteve presente na histria da humanidade e afetou direta e profundamente a
relao entre os povos. De acordo com a maior parte dos historiadores que estudam a
inteligncia, a Bblia uma das fontes mais antigas sobre a atividade (GONALVES,
2008, p. 133-134). A ttulo de ilustrao, apresentamos a seguir a citao bblica
mencionada por Fregapani (2001, p. 13-14) ao abordar as origens da atividade em sua
obra Segredos da espionagem: a influncia dos servios secretos nas decises
estratgicas:
[...] falou o Senhor a Moiss, dizendo: envia homens que espiem a terra de Cana, que Eu hei de dar aos filhos de Israel
Enviou-os pois Moiss a espiar a terra de Cana; e disse-lhes: subi por aqui para a banda do sul, e subi a montanha; e verde que terra , e o povo que nela
habita; se boa ou m e como so suas cidades, se arraiais ou fortalezas
Retornando da misso, as pessoas dela incumbidas passaram a relatar os
dados obtidos:
E contaram-lhe e disseram: fomos terra que nos enviastes; e verdadeiramente mana leite e mel, e este o fruto. O povo porm que habita
a terra poderoso e as cidades fortes e mui grandes. Vimos ali os filhos de
Enaque
Esta foi a primeira Ordem de Busca de que temos registro. Na verdade, a Bblia traz mais de uma centena de referncias a informaes e espionagem.
Certamente houveram muitas aes de espionagem anteriores, de povos ainda
mais antigos, mas certo que os que no colheram as informaes corretas
tiveram menos chance de tomar as decises adequadas, e que isto
freqentemente lhes custou a sobrevivncia.
Pelo ano de 1251 a.C, quando Josu, sucessor de Moiss, enviou dois
emissrios secretos cidade de Jeric, estes levaram consigo uma bela
mulher chamada Raab, que acabou namorando com o rei da cidade. Pela
histria bblica, parece que em Jeric os elementos de espionagem j estavam
em vigor, pois muitos dos artifcios estavam presentes, mas um servio de
contra-espionagem fazia falta.
Sobre esse tema, Gonalves (2008, p. 133-134) esclarece que h registros do
emprego da inteligncia desde as primeiras civilizaes conhecidas. Segundo o autor:
John Hughes-Wilson lembra que as primeiras evidncias escritas do uso da
inteligncia remontam aos sumrios e aos egpcios. As informaes estavam
relacionadas tanto a assuntos militares quanto a matrias de administrao do
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Estado. Um dos primeiros registros de relatrios de inteligncia produzidos
remonta a 3.000 anos antes de Cristo: trata-se de um documento produzido
para o Fara por uma patrulha da fronteira sul do Egito, em que informado
que encontramos o rastro de 32 homens e 3 jumentos.
Outro registro bem remoto da atividade, ainda na Antigidade, a obra do
general chins Sun Tzu, intitulada A arte da guerra, escrita no sculo IV antes de
Cristo (544 a 496 a.C). Esse livro, um tratado militar, considerado a bblia da
estratgia e seus ensinamentos representam a filosofia da atividade de inteligncia,
considerada um fator essencial para se chegar vitria. H, inclusive, um captulo
especfico que trata do uso de espies, cujo excerto transcrevemos a seguir (SUN TZU,
2007, p. 135):
O que possibilita ao soberano inteligente e seu comandante conquistar o
inimigo e realizar faanhas fora do comum a previso, conhecimento que s
pode ser adquirido atravs de homens que estejam a par de toda
movimentao do inimigo.
Por isso, deve-se manter espies por toda parte e informar-se de tudo.
Existem cinco tipos de espies que podem ser usados: espies locais, agentes
internos, agentes duplos, espies dispensveis e espies indispensveis.
Quando os cinco tipos de espies esto ativos e ningum pode descobrir o
sistema secreto, chama-se a isso teia imperceptvel.
Sobre a existncia e a evoluo da atividade de inteligncia, Almeida Neto
(2009, p. 30) afirma que fato que, com a complexidade cada vez maior do corpo
social e do Estado, a inteligncia tambm se aprimorou e ganhou novos contornos.
Contudo, o autor ressalta: mas da no se conclua que o fenmeno somente surgiu
quando o Estado passou a ter um grupo de pessoas responsveis por tal atividade em
carter permanente, vale dizer, quando a mesma se institucionalizou (ALMEIDA
NETO, 2009, p. 30).
Assim, no que se refere s origens da inteligncia enquanto sistema
organizacional institucionalizado, Cepik (2003, p. 86) relata que as primeiras
organizaes permanentes e profissionais de inteligncia e de segurana surgiram na
Europa moderna a partir do sculo XVI [...] no contexto da afirmao dos Estados
nacionais como forma predominante de estruturao da autoridade poltica moderna.
A respeito desse assunto, Almeida Neto (2009, p. 30-31) afirma o seguinte:
Assim, a criao de organizaes especificamente voltadas para o exerccio
de tal atividade, de algum modo, est ligada ao desenvolvimento do Estado
nacional soberano e necessidade dos reis e governantes de incrementar seu
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poder perante os outros Estados e perante a prpria populao, com a
obteno permanente de informaes.
Por fim, esse autor (ALMEIDA NETO, 2009, p. 31) apresenta, com base
nos ensinamentos de Cepik (2003, p. 91-99), as idias a seguir:
Em adendo a tais constataes, MARCO A. C. CEPIK, reportando-se s
lies de MICHAEL HERMAN, destaca o lento processo de especializao e
diferenciao organizacional por que passou a atividade, diferenciando as
origens da inteligncia externa (no mbito da diplomacia, por volta dos
sculos XVI e XVII), da inteligncia de defesa (no mbito da guerra, desde
os primeiros registros bblicos, passando pelo quartel-general mvel de
Napoleo at o estabelecimento, depois da II Guerra Mundial, de unidades
especializadas de inteligncia para os nveis de comando inferior da fora e a
criao de agncias de inteligncia de defesa) e da inteligncia de segurana
(que, segundo o autor, remontam ao policiamento poltico desenvolvido na
Europa na primeira metade do sculo XIX).
Antunes (2002, p. 39-40), por sua vez, descreve a evoluo dos sistemas
organizacionais, ou sistemas de inteligncia, da forma a seguir resumida:
Por sistemas de inteligncia pode-se entender as organizaes que atendem
funo de inteligncia dentro de um determinado governo. Fala-se em
sistemas de inteligncia, em vez de organizao de inteligncia, devido ao
fato de que esta atividade surgiu de duas etapas distintas, que historicamente
foram se especializando. A atividade de inteligncia existe h muito tempo e
sua importncia j reconhecida desde as guerras napolenicas. Entretanto, a
atividade de inteligncia separada organizacionalmente surgiu apenas a partir
da complexificao das guerras no final do sculo XIX.
[...] Para atender a essas novas necessidades, criaram-se staffs permanentes
nos exrcitos e, posteriormente, nas marinhas, responsveis pelo
planejamento e suporte de informaes que pudessem auxiliar os comandos
nas tomadas de deciso e de controle.
Paralelamente ao seu desenvolvimento dentro do campo militar, a atividade
de inteligncia passou tambm a se especializar como funo policial e
repressiva. As polcias secretas surgiram no princpio do sculo XIX e tinham
como objetivo evitar revolues populares, a exemplo da revoluo francesa.
Passaram a desenvolver mecanismos de vigilncia, de informao e de
receptao de cartas.
No sculo XX, aps o fim da II Guerra, [...] emergiram os departamentos
criminais de investigao [...] O crescimento internacional das organizaes
de segurana e o medo da espionagem estrangeira ainda levaram os pases a
desenvolverem suas agncias de contra-espionagem.
[...] A partir de meados dos anos 1940 firmou-se a crena de que a
inteligncia seria uma atividade fundamental para o processo de tomada de
decises governamentais.
[...] A organizao do sistema de inteligncia passou a fazer parte do
planejamento governamental como mais um mecanismo capaz de atribuir
racionalidade ao funcionamento do Estado, no obstante um governo poder
funcionar sem uma atividade de inteligncia, que, afinal, apenas uma
atividade subsidiria ao processo decisrio.
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Assim, foi no sculo XX que a atividade de inteligncia alcanou seu
apogeu. Nesse sentido, Gonalves (2008, p. 56) assevera que nunca os servios
secretos estiveram to presentes nas relaes entre os povos e influindo nas polticas
interna e externa dos pases, em tempos de paz ou de guerra, e acrescenta:
[...] Nada em termos de atividade de inteligncia nos sculos anteriores pde-
se comparar ltima centria do segundo milnio em termos de intensidade,
abrangncia, profissionalizao e popularidade. Da se intitular o sculo XX
como o sculo dos espies. No sculo XX, assim como o mundo alcanou um grau sem precedentes no
desenvolvimento das relaes internacionais, tambm houve o surgimento e o
fortalecimento dos servios secretos, das tcnicas de reunio de dados e do
conhecimento produzido como inteligncia.
A seguir, abordaremos, de forma sucinta, as origens histricas da atividade
de inteligncia no Brasil.
2.2 A atividade de inteligncia no Brasil
Preliminarmente, faz-se necessrio esclarecer que, no Brasil, o termo
inteligncia passou a ser utilizado em substituio a informaes a partir de 1990,
por ocasio da extino do Servio Nacional de Informaes (SNI). O objetivo da
mudana de nomenclatura foi tentar dissociar da atividade a imagem de represso e
violao aos direitos civis, ocorridas durante os anos em que o SNI atuou a servio da
ditadura militar (ANTUNES, 2002, p. 44-45), como ser visto mais adiante.
Acerca da imagem negativa que a atividade de inteligncia carrega at os
dias de hoje no Brasil, Antunes (2002, p. 30) expe o seguinte:
O uso desse conceito (estigma) neste trabalho explica-se pelo fato de que a
atividade de inteligncia, em si mesma, j carrega uma conotao negativa
ante a sociedade democrtica, dado o conflito entre a vigilncia estatal que
ela pressupe e os direitos individuais do cidado. No Brasil, onde a atuao
dos rgos de informaes durante o governo militar, sobretudo no final da
dcada de 1960 e no comeo da dcada de 1970, se encontra diretamente
relacionada tortura, corrupo, violao dos direitos e liberdades civis, essa
estigmatizao ainda mais forte.
Nesse sentido, Gonalves (2009) considera que a atividade de inteligncia
no Pas ainda vista com preconceito por parte da populao, fomentado por segmentos
influentes da sociedade que menosprezam ou desconhecem a sua importncia, e
acrescenta:
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A sombra do passado ainda se faz presente, particularmente em virtude do
significativo envolvimento dos rgos de inteligncia, tanto militares quanto
civis, na represso aos opositores do regime no perodo militar. Nesse
contexto, o Servio Nacional de Informaes (SNI), antecessor da Abin,
ocupou papel central no aparato de informaes brasileiro e muitas vezes
esteve associado aos mecanismos de represso, inclusive com violaes aos
direitos humanos. Apesar de extinto em 1990, o SNI ainda lembrado
quando se quer produzir crticas e comentrios pejorativos atividade de
inteligncia no Brasil.
Corroborando esse entendimento, Pacheco (2006) informa o seguinte:
As expresses sistema de inteligncia e atividade de inteligncia possuem uma aura mtica, que, em razo das experincias repressivas e
traumatizantes dos servios de informao durante a poca do regime militar no Brasil, passaram a gozar de grande preconceito. Foi por isto que, aps o trmino do regime militar, os servios de informao mudaram sua terminologia para inteligncia, a fim de ter a legitimidade perante a sociedade.
Feitas essas consideraes iniciais, cumpre informar que o primeiro registro
oficial da atividade de informaes no Brasil data de 1927, quando da criao do
Conselho de Defesa Nacional1, ou seja, em perodo anterior ao regime autoritrio e ao
SNI. O Conselho era um rgo de carter consultivo que se reunia ordinariamente duas
vezes por ano e tinha a funo de estudar e coordenar as informaes sobre todas as
questes de ordem financeira, econmica, blica e moral, relativas defesa da Ptria
(ANTUNES, 2002, p. 45).
Posteriormente, com o passar dos anos, foram ocorrendo modificaes na
estrutura organizacional, na nomenclatura e nas competncias desse rgo, sem,
contudo, ter havido mudanas significativas relacionadas s atividades de informaes,
as quais permaneceram voltadas para a defesa da Ptria (ANTUNES, 2002, p. 46).
Somente aps a II Guerra Mundial, em 1946, e no contexto da Guerra Fria,
que se criou um rgo especfico para tratar das atividades de informaes no Brasil: o
Servio Federal de Informaes e Contra-Informaes (SFICI). No entanto, o SFICI s
foi efetivado 12 anos depois, o que, segundo Gonalves (2009), demonstrava o pouco
interesse no assunto, em uma poca em que a vida poltica no Brasil era marcada por
sua mais profunda fase de populismo.
1 Institudo pelo Decreto 17.999, de 29 de dezembro de 1927. 2 Lei n 4.341, de 13 de junho de 1964.
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Ainda sobre os primrdios da criao e da instituio de um rgo de
inteligncia no Brasil, Figueiredo (2005, p. 13) relata os seguintes fatos:
Os primeiros passos para o estabelecimento de um servio secreto no Brasil
foram dados em 1927, no governo de Washington Lus. Naquele ano, foi
criado um rgo civil federal, o Conselho de Defesa Nacional, que tinha
como misso exclusiva produzir e analisar informaes relativas proteo
do Estado. Estava longe de ser um servio secreto, mas foi seu embrio. O
Servio seria legalmente institudo em 1946, na gesto de Eurico Gaspar
Dutra, permaneceria dez anos somente no papel e seria implementado de fato
apenas em 1956, por Juscelino Kubitschek.
Logo aps o Golpe Militar, em 1964, foi criado o Servio Nacional de
Informaes (SNI)2, unidade diretamente subordinada Presidncia da Repblica e que
deveria ser o principal rgo de assessoramento do Chefe de Estado, por meio de
conhecimentos de inteligncia. O SNI herdou a estrutura do SFICI, porm com mais
atribuies e mais prestgio que este (GONALVES, 2009).
Acerca dos poderes e do prestgio do Servio Nacional de Informaes,
Figueiredo (2005, p. 130-131) resgatou matria veiculada em um jornal da poca,
fazendo crtica ao projeto de criao do SNI. A seguir, transcrevemos parte dessa
notcia:
[...]
Informar o governo? Mas no existem outros servios para tanto, em primeira
linha a Agncia Nacional? No, o SNI ser diferente. Informar e agir em
segredo.
Ser, enquanto o texto permite compreender, um cruzamento do FBI com a
CIA. [...] No Brasil, o SNI reunir as duas atribuies [ou seja, atuar nos
campos interno e externo]. Far, como servio secreto, espionagem e contra-
espionagem (de qu?) e agir como polcia poltica federal, acima dos
Estados e tambm acima do Congresso, porque este no poder fiscalizar-
lhes as atividades nem solicitar prestao de contas.
um Ministrio de Polcia Poltica, instituio tpica do Estado policial e
incompatvel com o regime democrtico.
Ainda no que tange ao SNI, reportamo-nos descrio e anlise
procedidas por Gonalves (2009), cujos excertos reproduzimos:
Ao longo do perodo militar, o SNI foi adquirindo cada vez mais prestgio, ao
mesmo tempo em que tambm cresceu seu poder. Logo, a singela estrutura
do SFICI deu lugar a um amplo sistema de informaes, com rgos
vinculados nos diferentes nveis de governo e com capilaridade que cobria
todo o territrio brasileiro, tendo alguns postos tambm no exterior.
2 Lei n 4.341, de 13 de junho de 1964.
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No contexto da Guerra Fria, o SNI seguiu o modelo doutrinrio ocidental,
tendo mantido um constante intercmbio com os rgos congneres do
Ocidente. Uma particularidade era que cada vez mais o SNI voltava-se para a
segurana interna, estruturando-se muito mais como os servios do bloco
socialista, em especial como a KGB sovitica. Apesar de nele trabalharem
civis e militares, o rgo era dirigido e orientado pelos militares.
A partir do final da dcada de 1960, com incio da luta armada em reao ao
regime militar, no que ficou conhecido como os anos de chumbo, o SNI passou a envolver-se cada vez mais com a represso. A eficincia e eficcia
de seus agentes na vigilncia e deteno dos oponentes do regime e a
violncia de alguns de seus mtodos deixariam feridas na sociedade brasileira
que levariam anos para cicatrizar, com algumas ainda abertas. A atuao do
servio naquele perodo contribuiria para o estigma que acompanha a
atividade de inteligncia no Brasil at nossos dias.
A respeito da extino do SNI, ocorrida em 1990, quando Fernando Collor
de Mello passou a ocupar o cargo de presidente da repblica, Gonalves (2009) ressalta
que:
Em 15 de maro de 1990, entre os primeiros atos do novo Presidente
Fernando Collor de Mello estava a extino do SNI, em um contexto de
reestruturao da Administrao Pblica Federal.3 Tinha incio um dos
perodos mais infaustos para a atividade de inteligncia no Brasil. Por meio
de um ato do Chefe do Executivo, a superestrutura do sistema de informaes
em torno do SNI desapareceu, e o rgo central perdeu seu mandato, seus
objetivos e seu status de Ministrio, sendo reduzido a um pequeno
departamento da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da
Repblica (SAE).4 A ESNI
5 foi tambm extinta e o Manual de Informaes
banido. Muitos documentos foram perdidos, outros tantos destrudos.
Sobre esse assunto, Antunes (2002, p. 103) nos ensina que, com a extino
do SNI, criou-se um vcuo na rea civil de inteligncia e abriu-se um espao para a
atuao de agentes sem regulamentao estabelecida. Desse modo, segundo a autora,
at 1995, houve apenas tentativas, por parte dos Poderes Legislativo e Executivo, de
implementao de uma nova agncia de inteligncia (que viria a ser a ABIN Agncia
Brasileira de Inteligncia, criada pela Lei 9.883/1999).
No que se refere ainda s conseqncias da extino do Servio, Gonalves
(2009) destaca que talvez o maior impacto da medida do novo Governo tenha sido
sobre os recursos humanos do sistema de informaes.
3 Fernando Collor de Mello reestruturou a Presidncia da Repblica e os Ministrios por meio da Medida Provisria
n 150, de 15 de maro de 1990, convertida na Lei n 8.028, de 12 de abril de 1990. 4 No mbito da SAE foi criado o Departamento de Inteligncia (DI), cuja nica funo era implementar medidas de proteo a assuntos sigilosos, em nvel nacional. 5 Escola Nacional de Informaes, criada em 1972.
-
17
Nesse sentido, aponta o autor, houve demisses em massa dos funcionrios
civis que trabalhavam no SNI e os militares, profissionais competentes, de larga
experincia, foram automaticamente reconduzidos s respectivas foras. Em
decorrncia, houve prejuzos carreira dos profissionais que atuavam h muito tempo
na rea e causou-se uma ruptura cronolgico-institucional com impactos arrasadores
sobre a cultura de inteligncia no Brasil (GONALVES, 2009).
Finalmente, sobre os passos que o Brasil deu em direo implementao
de uma nova agncia de inteligncia, transcrevemos, a seguir, algumas linhas do estudo
de Gonalves (2009):
Durante a primeira metade da dcada de 1990, a atividade de inteligncia de
Estado no Brasil permaneceu legada a segundo plano. Entretanto, apesar da
quase inoperncia do rgo de inteligncia civil, os demais membros da
comunidade de informaes do Pas continuaram atuando, muitos se
fortalecendo em suas respectivas reas, particularmente a inteligncia militar
e a criminal. De toda maneira, o fantasma do SNI e do autoritarismo
continuava a assombrar o debate sobre o papel da inteligncia no regime
democrtico.
As mudanas na Ordem Internacional e a consolidao da democracia no
Brasil acabaram possibilitando, a partir da segunda metade da dcada de
1990, o ressurgimento da discusso sobre a importncia do Estado brasileiro
possuir um servio de inteligncia. [...]
[...]
Em 1997, foi criado um grupo de trabalho encarregado de elaborar o texto de
um Projeto de Lei para a criao do novo servio de inteligncia, a ser
submetido ao Congresso. Vrios modelos e servios de inteligncia pelo
mundo foram analisados. Dentre os vrios casos, o modelo canadense
pareceu o mais interessante para a realidade brasileira: uma nica
organizao civil, sem poder de polcia, com atribuies de inteligncia
interna, externa e contra-inteligncia, voltada especialmente para a segurana
interna, e conduzindo suas atividades na estrita observncia do ordenamento
jurdico-constitucional em defesa do Estado democrtico e da sociedade.
Ademais, as similitudes entre os dois pases, particularmente no que concerne
a objetivos nacionais e a questes de segurana, evidenciaram-se. Os laos
com o servio secreto canadense se estreitariam a partir de ento, por meio do
aumento no intercmbio de informaes.
Esse processo culminou, em 7 de dezembro de 1999, na promulgao da Lei
n 9.883, que criava Agncia Brasileira de Inteligncia (Abin) e institua o
Sistema Brasileiro de Inteligncia (Sisbin). Estava restabelecida a atividade
de inteligncia de Estado no Brasil.
A ABIN foi, portanto, criada com o intuito de ser um rgo de inteligncia
adequado aos padres do regime democrtico, com estrita obedincia s leis, aos
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18
princpios constitucionais, aos direitos e s garantias individuais (ROCHA, 2007, p.
175).
Como disposto no Decreto n 4.376, de 13 de setembro de 2002, a ABIN o
rgo central do Sisbin, cujo objetivo integrar as aes de planejamento e execuo
da atividade de inteligncia do Pas, com a finalidade de fornecer subsdios ao
Presidente da Repblica nos assuntos de interesse nacional ( 1 do art. 1).
De acordo, tambm, com o mencionado decreto, o Sisbin responsvel pelo
processo de obteno e anlise de dados e informaes e pela produo e difuso de
conhecimentos necessrios ao processo decisrio do Poder Executivo, em especial no
tocante segurana da sociedade e do Estado, bem como pela salvaguarda de assuntos
sigilosos de interesse nacional ( 2, art. 1).
Consoante o Decreto n 4.872/2003, que alterou o 4.376/2002, o Sisbin
composto pelos seguintes rgos:
Art. 4 [...]
I - Casa Civil da Presidncia da Repblica, por meio do Centro Gestor e
Operacional do Sistema de Proteo da Amaznia - CENSIPAM;
II - Gabinete de Segurana Institucional da Presidncia da Repblica, rgo
de coordenao das atividades de inteligncia federal;
III - Agncia Brasileira de Inteligncia - ABIN, do Gabinete de Segurana
Institucional da Presidncia da Repblica, como rgo central do Sistema;
IV - Ministrio da Justia, por meio da Secretaria Nacional de Segurana
Pblica, da Diretoria de Inteligncia Policial do Departamento de Polcia
Federal e do Departamento de Polcia Rodoviria Federal;
V - Ministrio da Defesa, por meio do Departamento de Inteligncia
Estratgica da Secretaria de Poltica, Estratgia e Assuntos Internacionais, da
Subchefia de Inteligncia do Estado-Maior de Defesa, do Centro de
Inteligncia da Marinha, do Centro de Inteligncia do Exrcito e da
Secretaria de Inteligncia da Aeronutica;
VI - Ministrio das Relaes Exteriores, por meio da Coordenao-Geral de
Combate aos Ilcitos Transnacionais da Subsecretaria-Geral de Assuntos
Polticos;
VII - Ministrio da Fazenda, por meio da Secretaria-Executiva do Conselho
de Controle de Atividades Financeiras, da Secretaria da Receita Federal e do
Banco Central do Brasil;
VIII - Ministrio do Trabalho e Emprego, por meio da Secretaria-Executiva;
IX - Ministrio da Sade, por meio do Gabinete do Ministro de Estado e da
Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria - ANVISA;
X - Ministrio da Previdncia Social, por meio da Secretaria-Executiva;
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19
XI - Ministrio da Cincia e Tecnologia, por meio do Gabinete do Ministro
de Estado;
XII - Ministrio do Meio Ambiente, por meio da Secretaria-Executiva; e
XIII - Ministrio da Integrao Nacional, por meio da Secretaria Nacional de
Defesa Civil;
XIV - Controladoria-Geral da Unio, por meio da Secretaria-Executiva
(redao dada pelo Decreto n 6.540/2008).
2.3 Conceito
A definio do que inteligncia no consenso entre os diversos autores
que estudam e tratam do assunto. De um lado, h os que defendem a idia de que a
atividade est baseada no segredo, conferindo-lhe um sentido mais estrito. De outro,
aqueles que entendem a atividade de inteligncia de forma mais ampla, isto , como um
instrumento que possibilita, por meio de tcnicas e mtodos prprios, a transformao
de dados e informaes em conhecimento, com vistas a subsidiar a tomada de deciso.
De acordo com Cepik6, inteligncia designa um conflito entre atores que
lidam predominantemente com obteno/negao de informaes. Propositadamente
vago e eufemstico, o termo inteligncia, segundo esse autor, refere-se ao que servios
de inteligncia fazem concretamente em contextos poltico-organizacionais
especficos. Ainda assim, conclui, inteligncia descreve melhor o arco operacional
contemporneo dessa funo do que outras noes muito restritivas (espionagem) ou
excessivamente amplas (informao).
Desse modo, na viso do autor, o termo inteligncia utilizado em dois
sentidos. O primeiro, amplo, diz que inteligncia toda informao coletada,
organizada ou analisada para atender as demandas de um tomador de decises qualquer
(CEPIK, 2003, p. 27).
Nesse sentido, Cepik (2003, p. 27) esclarece que a sofisticao tecnolgica
crescente dos sistemas de informao que apiam a tomada de decises tornou corrente
o uso do termo inteligncia para designar essa funo suporte, seja na rotina dos
governos, no meio empresarial ou mesmo em organizaes sociais.
6 Notas da aula ministrada por Marco A. C. Cepik durante o curso de ps-graduao lato sensu de especializao em inteligncia de Estado e inteligncia de segurana pblica com inteligncia competitiva, oferecido pela Escola
Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais em parceria com o Centro Universitrio Newton Paiva no perodo de
abril/2008 a maro/2009.
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20
O segundo sentido dado ao termo possui um carter mais restrito e
representa o entendimento do citado autor. Nesse caso, a inteligncia definida como
sendo a coleta de informaes sem o consentimento, a cooperao ou mesmo o
conhecimento por parte dos alvos da ao, o que lhe confere o mesmo sentido de
segredo ou informao secreta (CEPIK, 2003, p. 27).
Assim, para demonstrar a problemtica conceitual em relao inteligncia,
Cepik (2003, p. 28) assevera que:
Ignorar a definio restrita implicaria perder de vista o que torna afinal essa
atividade problemtica. No mundo real, porm, as atividades dos servios de
inteligncia so mais amplas do que a espionagem, e tambm so mais
restritas do que o provimento de informaes em geral sobre quaisquer temas
relevantes para a deciso governamental. Isso coloca uma dificuldade muito
concreta, no meramente semntica, para uma conceituao precisa da
atividade de inteligncia que permita diferenci-la, simultaneamente, da
noo excessivamente ampla de informao e da noo excessivamente
restrita de espionagem.
Buscando tambm demonstrar a dificuldade de entendimento sobre o que
seja a atividade de inteligncia, Cardoso Jnior (2007, p. 56) tece o seguinte
comentrio:
H tambm uma causa etimolgica que contribui bastante para confundir as
pessoas sobre a melhor conceituao dessa atividade. A palavra inteligncia
apresenta uma srie de significados diferentes dentro do universo semntico
nacional, o que lhe confere a caracterstica de baixo teor seletivo. Esse
vocbulo nem sempre evoca um objeto preciso na mente, e at mesmo os
dicionrios brasileiros mais modernos so evasivos quando se trata de
caracterizar adequadamente a inteligncia com o sentido pretendido nesta
obra, qual seja, como processo de tratamento de informaes, transformando
dados e informaes em conhecimento aplicvel na conquista dos objetivos
organizacionais.
No tocante a essa divergncia de opinies, relativa ao conceito de
inteligncia, Antunes (2002, p. 18-19) expe o seguinte:
Em meio ao debate que surge na dcada de 1990, Jennifer Sims afirmou que
a inteligncia no estaria envolvida apenas com o segredo, e que quaisquer
tipos de informaes coletadas para o processo de deciso seriam
considerados inteligncia. Em sua concepo, intelligence is best defined as
information collected, organized, or analyzed on behalf of the actors or
decision makers. Such information include technical data, trends, rumors,
pictures, or hardware.
De acordo com Sims, seria a organizao particular do material coletado, que
se destina a auxiliar as tomadas de deciso, que transformaria simples
recortes de jornais em produto de inteligncia: A pile of newspapers on a
decision makers desk does not constitute intelligence. Even a set of clippings
of those newspapers, organized by subjects matters, is not intelligence. A
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21
subject clips, selected expressly for the needs of decision makers, is
intelligence.
Essa definio implicaria, necessariamente, que toda informao analisada
para auxiliar uma tomada de decises seria um produto de inteligncia, desde
uma pesquisa empresarial com a finalidade de saber a aceitao de um
produto no mercado at o desenvolvimento de submarinos a propulso
nuclear desenvolvidos na China. Conseqentemente, qualquer organismo ou
instituio poderia ser considerado um servio de inteligncia em potencial.
Em contrapartida posio de Sims, tem-se a definio de Abram Shulsky.
Esse autor restringe a rea de atuao da atividade de inteligncia e a vincula
sua forma de organizao, ao segredo e competio entre Estados.
Ainda no que tange definio do que vem a ser a atividade inteligncia,
Antunes (2002, p. 21) ressalta a importncia de se diferenciar inteligncia de
espionagem. Nesse sentido, a autora esclarece que:
O senso comum normalmente associa a atividade de inteligncia a
espionagem, trapaas e chantagens, imagem amplamente incentivada pela
literatura ficcional e pela mdia. No obstante o termo intelligence ser um
eufemismo anglo-saxo para a espionagem, esta apenas uma parte do
processo de inteligncia, que muito mais amplo [...].
Portanto, a atividade de inteligncia refere-se a certos tipos de informaes,
relacionadas segurana do Estado, s atividades desempenhadas no sentido
de obt-las ou impedir que outros pases a obtenham e s organizaes
responsveis pela realizao e coordenao da atividade na esfera estatal.
Trata-se de uma definio mais precisa sobre o escopo da atividade de
inteligncia, que permite iluminar certas incompreenses que vm sendo
percebidas no debate brasileiro.
Alinhado viso mais ampla de inteligncia, que no pressupe o segredo,
mas sim aspectos metodolgicos da produo do conhecimento, Pacheco (2006)
defende a idia de que a atividade de inteligncia, assim como a pesquisa cientfica, a
investigao criminal e o processo penal, utiliza um conjunto de tcnicas e
instrumentos, com a finalidade de buscar a verdade, como se segue:
A pesquisa cientfica, as atividades e operaes de inteligncia, a
investigao criminal e o processo penal buscam a verdade.
A evoluo de seus mtodos, tcnicas e instrumentos de busca da verdade,
portanto, podem ser reconduzidos a um modelo nico de comparao. Por
exemplo, a tcnica de pesquisa denominada observao (participante ou no),
utilizada na pesquisa cientfica, uma idia bsica que se denomina
respectivamente vigilncia, na inteligncia, e campana, na investigao
criminal.
As diferenas fundamentais so os critrios de aceitabilidade da verdade,
objetivos, marcos tericos e regras formais especficas de produo. Por
exemplo, no processo penal, objetiva-se uma verdade processual, necessria
tomada de deciso judicial, enquanto, numa atividade de inteligncia
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22
destinada a um 'processo poltico', o grau de aceitabilidade do carter de
verdade de um fato o necessrio para uma deciso poltica.
Os mtodos, tcnicas e instrumentos das atividades e operaes de
inteligncia e de investigao criminal podem ser reconduzidos ao modelo
geral do mtodo cientfico.
Todos estabelecem um problema, hiptese, objetivo, justificativa/relevncia,
situao do tema/problema, marco terico, mtodos/tcnicas/instrumentos de
pesquisa, populao/amostra, cronograma, concluso, produo do relatrio
de pesquisa etc. As terminologias podem ser diferentes, mas a idia bsica a
mesma.
No existe um saber consolidado sobre a investigao criminal, ao contrrio
do que ocorre, por exemplo, na metodologia cientfica (investigao
cientfica ou pesquisa cientfica) e nas atividades de inteligncia
('investigao' de inteligncia, ou seja, operaes de inteligncia).
Sobre o assunto, Platt (1974, p. 30) define informaes (intelligence) como
sendo um termo especfico e significativo, derivado da informao, informe, fato ou
dado que foi selecionado, avaliado, interpretado e, finalmente, expresso de forma tal que
evidencie sua importncia para determinado problema de poltica nacional corrente.
J Kent (1967, p. 17-153) descreve a inteligncia sob trs aspectos:
conhecimento, organizao e atividade. Esses trs aspectos, segundo Gonalves (2008,
p. 133-134), tambm podem ser entendidos como produto, organizao e processo.
Nesse sentido, o autor apresenta as seguintes definies (GONALVES, 2008, p. 133-
134):
- Inteligncia como produto, conhecimento produzido: trata-se do resultado
do processo de produo de conhecimento e que tem como cliente o tomador
de deciso em diferentes nveis. Assim, relatrio/documento produzido com
base em um processo que usa metodologia de inteligncia tambm chamado
de inteligncia. Inteligncia , portanto, conhecimento produzido.
- Inteligncia como organizao: diz respeito s estruturas funcionais que tm
como funo primordial a obteno de informaes e produo de
conhecimento de inteligncia. Em outras palavras, so as organizaes que
atuam na busca do dado negado, na produo de inteligncia e na salvaguarda
dessas informaes, os servios secretos.
- Inteligncia como atividade ou processo: refere-se aos meios pelos quais
certos tipos de informao so requeridos, coletados/buscados, analisados e
difundidos, e, ainda, os procedimentos para a obteno de determinados
dados, em especial, aqueles protegidos. Esse processo segue metodologia
prpria.
De modo semelhante, Shulsky e Schmitt (2002, p. 1-3, apud GONALVES,
2008, p. 136) conceituam inteligncia como informao, atividades e organizaes.
Gonalves (2008, p. 136), ao citar os mencionados autores, nos explica que:
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23
Os autores identificam inteligncia com a informao relevante para se formular e implementar polticas voltadas aos interesses de segurana
nacional e para lidar com as ameaas atuais ou potenciais a esses interesses. J como atividade, a inteligncia compreende a coleta e a anlise
de informaes e inclui atividades destinadas a conter as aes de inteligncia
adversas nesse sentido, a contra-inteligncia estaria contida na inteligncia. Por fim, o termo tambm diz respeito a organizaes que exeram a
atividade, atribuindo a essas organizaes uma de suas caractersticas mais
importantes, o secretismo necessrio conduta de suas atividades.
Outra definio, apresentada por Lowenthal (2003, p. 1-2, apud
GONALVES, 2008, p. 137), diz respeito diferena entre inteligncia e informao,
como se segue:
To many people, intelligence seems little different from information, except
that it is probably secret. However, it is important to distinguish between the
two. Information is anything that can be known, regardless of how it may be
discovered. Intelligence refers to information that meets the stated or
understood needs of policymakers and has been collected, refined and
narrowed to meet those needs. Intelligence is a subset of the broader
category of information; intelligence and the entire process by wich it is
identified, obtained, and analyzed respond to the needs of policy makers. All
intelligence is information; not all information is intelligence7.
No Brasil, alis, quando se menciona a atividade de informaes,
automaticamente se faz associao dessa atividade com o antigo Servio Nacional de
Informaes (SNI). Tal fato no de se estranhar, vez que esse rgo concentrou
enormes poderes durante os anos de ditadura militar a que fomos submetidos, como
visto anteriormente. Convm, portanto, ressaltar mais uma vez esse aspecto, a partir das
lies de Antunes (2002, p. 21-22), que assim esclarece:
O termo inteligncia, entendido nesse sentido, passou a fazer parte do debate
poltico brasileiro principalmente a partir da dcada de 1990, aps a extino
do Servio Nacional de Informaes (SNI), no obstante haver referncias a
este tipo de atividade desde 1927. O termo emergiu de uma tentativa de
acobertar e superar uma identidade deteriorada que havia se formado em
torno da atividade de informaes no regime militar, equivalente a represso
e violao dos direitos civis. No Brasil, assim como nos demais pases do
Cone Sul, existe uma forte desconfiana em relao a essa atividade, que
decorre do perfil assumido por seus rgos de informaes durante o ltimo
ciclo de regimes militares. Nesses pases, os servios de informaes
7 Para muitas pessoas, inteligncia difere pouco de informao, exceto pelo fato de que provavelmente secreta.
Entretanto, importante distinguir uma da outra. Informao qualquer coisa que pode ser conhecida, independente
de como pode ser descoberta. Inteligncia se refere informao que vai ao encontro das necessidades estabelecidas
ou conhecidas dos formuladores de polticas, e que foi coletada, analisada e relatada para satisfazer a essas
necessidades. Inteligncia espcie do gnero informao; inteligncia e todo o processo pelo qual identificada, obtida e analisada atende s necessidades dos formuladores de polticas. Toda inteligncia informao; mas nem
toda informao inteligncia. (Traduo livre)
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24
converteram-se em Estados paralelos com alto grau de autonomia, enorme
poder e capacidade operacional.
Nesse sentido, ainda no que se refere distino conceitual entre
informaes e inteligncia, no mbito do Estado brasileiro, Gonalves (2008, p.
138) informa que:
Assim, nessa perspectiva anglo-saxnica, inteligncia seria a informao
processada e analisada com o objetivo de assessorar o processo decisrio.
Essa percepo do termo inteligncia foi incorporada doutrina brasileira a
partir da dcada de 1990, aps a redemocratizao, quando o termo
informaes, mais adequado lngua portuguesa, foi substitudo por inteligncia. As razes dessa mudana foram sobretudo de ordem poltica, de modo a se tentar banir termos associados ao regime autoritrio. Fica o
esclarecimento de que, na nova doutrina de segurana, informaes passou a ser entendido como inteligncia, que tambm no a mesma coisa de informao, mais relacionada com um conjunto de conhecimentos reunidos sobre determinados assuntos.
O mencionado autor demonstra tambm a diferenciao dos conceitos de
inteligncia e informao apresentada no Glossrio da Organizao do Tratado do
Atlntico Norte (OTAN), conforme se segue (GONALVES, 2008, p. 138):
[...] Na perspectiva da OTAN, a informao se refere aos dados brutos, que sero analisados para a produo de um conhecimento de inteligncia,
informao processada com vistas a subsidiar o processo decisrio. E o
Glossrio registra tambm o termo inteligncia estratgica, como inteligncia destinada a subsidiar a elaborao de planos militares e polticos em mbito nacional e internacional.
J no entendimento de Antunes (2002, p. 20-21), a definio mais precisa
sobre o que vem a ser a atividade de inteligncia apresentada por Michael Herman em
Intelligence power in peace and war (1996). Segundo essa autora, alm de precisar as
atividades relacionadas ao ciclo de inteligncia, [o autor] tambm analisa sua influncia
e papel nas relaes polticas nacionais e internacionais (ANTUNES, 2002, p. 20).
Para ilustrar seu entendimento, Antunes (2002, p. 21) cita o conceito de
inteligncia descrito por Herman (1996), nos seguintes termos: Intelligence in
government is based on the particular set of organizations with that name: the
intelligence services or intelligence community. Intelligence activity is what they
do, and intelligence knowledge, what they produce, e conclui que (ANTUNES, 2002, p.
21):
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25
Ao se definir que inteligncia o que as organizaes de inteligncia fazem,
fica muito mais prtico estabelecer o que deve e o que no deve ser
considerado inteligncia. A inteligncia neste caso no definida como um
conceito a partir do qual se possa afirmar que informaes sobre o meio ambiente no dizem respeito atividade de inteligncia e que informaes
sobre a fabricao de armamento nuclear dizem mas a partir do seu contexto organizacional.
A concluso de Gonalves quanto ao significado de inteligncia pode ser
assim descrita, conforme as palavras do prprio autor (GONALVES, 2008, p. 141-
142):
Assim, para se compreender o significado de inteligncia, fundamental que
se entenda que se trata de um conhecimento processado a partir de matria bruta, com metodologia prpria , obtido de fontes com algum aspecto de sigilo e com o objetivo de assessorar o processo decisrio. Atente-se para o
fato de que a inteligncia lida tambm com fontes abertas, ostensivas, mas
para que se produza um conhecimento de inteligncia necessrio, de
maneira geral, que haja alguma parcela de dados sigilosos em sua produo.
Claro que pode haver produo de conhecimento de inteligncia que seja
sigiloso no necessariamente pelos dados nele utilizados, mas pela anlise
realizada. Alm de conhecimento, a atividade de inteligncia poder ser o
processo de produo em si ou, ainda, a organizao encarregada de obter,
produzir e difundir inteligncia, tambm chamada de servio secreto.
Destarte, essa gama de definies acaba sintetizada na concepo original de
Kent, que entende inteligncia como conhecimento (produto), atividade
(processo) e organizao (produtor).
A Lei n 9.883, de 7 de dezembro de 1999, que instituiu o Sistema
Brasileiro de Inteligncia (Sisbin) e criou a Agncia Brasileira de Inteligncia (ABIN),
por sua vez, apresenta, em seu artigo 1, 2 e 3, o seguinte conceito de inteligncia e
contra-inteligncia:
Art. 1 [...]
2 Para os efeitos de aplicao desta Lei, entende-se como inteligncia a
atividade que objetiva a obteno, anlise e disseminao de conhecimentos
dentro e fora do territrio nacional sobre os fatos e situaes de imediata ou
potencial influncia sobre o processo decisrio e a ao governamental e
sobre a salvaguarda e a segurana da sociedade e do Estado.
3 Entende-se como contra-inteligncia a atividade que objetiva neutralizar
a inteligncia adversa.
Com base em toda a discusso e divergncia doutrinria, a atividade de que
trata o presente estudo corresponde ao conceito mais amplo de inteligncia, ou seja,
considerada como um instrumento que possibilita, por meio de mtodos e tcnicas
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26
prprios, a coleta e a busca de dados e informaes com vistas produo de
conhecimento, que servir como subsdio tomada de deciso8.
Assim, lanamos mo dos argumentos apresentados por Almeida Neto para
justificar a adoo do conceito de atividade de inteligncia em sentido amplo. Eis o
entendimento do autor, com o qual compartilhamos (ALMEIDA NETO, 2009, p. 23-
24):
Entendemos que o conceito restrito de inteligncia, identificando-a com
segredo, no se revela suficiente para retratar, em todos os seus reveses, a
atividade objeto do presente estudo, principalmente por desconsiderar, em
larga medida, uma ingente parcela de sua dinmica analtica e operacional.
O fato de a inteligncia ter que trabalhar, no raro, com o segredo (seja no
que diz respeito ao que se busca, seja no que tange ao que se pretende
proteger) no justifica a limitao do seu conceito coleta, apenas, de
informao secreta.
Contudo, esse autor reconhece que, em diversos casos, o segredo est
presente na atividade de inteligncia, trazendo tona exatamente a face mais crtica e
problemtica dessa atividade. No entanto, segundo ele, o que torna a atividade de
inteligncia to singular no o secretismo, mas sim trs aspectos: 1) as regras formais
especficas de produo do conhecimento; 2) os seus critrios de aceitabilidade da
verdade e marcos tericos prprios; e 3) a finalidade de assessoramento de um tomador
de deciso (ALMEIDA NETO, 2009, p. 25).
Por fim, o citado autor resume a definio de inteligncia da seguinte forma
(ALMEIDA NETO, 2009, p. 28):
[...] possvel definir inteligncia como a atividade permanente e
especializada de obteno de dados, produo e difuso metdica de
conhecimentos, a fim de assessorar um decisor na tomada de uma deciso,
com o resguardo do sigilo, quando necessrio para a preservao da prpria
utilidade da deciso, da incolumidade da instituio ou do grupo de pessoas a
que serve. Tal atividade, em sentido amplo, abrange, ainda, a preveno,
deteco, obstruo e neutralizao das ameaas (internas e externas) s
informaes, reas, instalaes, meios, pessoas e interesses a que a
organizao serve (contra-inteligncia).
8 Processo decisrio a escolha de uma linha de ao, dentre uma ou mais alternativas, que conduza eficcia dos objetivos pretendidos; pode ser tanto o ltimo passo de um planejamento estratgico, quanto a deliberao sobre uma
situao rotineira e de momento; consubstancia-se na idia do timo. Conceito apresentado pelo Cel. Jos Eduardo da Silva em aula ministrada no curso de ps-graduao lato sensu de especializao em inteligncia de Estado e
inteligncia de segurana pblica com inteligncia competitiva, oferecido pela Fundao Escola Superior do
Ministrio Pblico de Minas Gerais, em parceria com o Centro Universitrio Newton Paiva, no perodo de abril/2008
a maro/2009.
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27
2.4 Ramos
De modo geral, a doutrina entende que inteligncia (lato sensu), enquanto
atividade de assessoramento informacional para a tomada de decises, compreende dois
ramos, a saber: inteligncia stricto sensu e contra-inteligncia (ALMEIDA NETO,
2009, p. 49-50).
A inteligncia em sentido estrito, segundo Almeida Neto (2009, p. 49-50),
corresponde a:
A atividade permanente e especializada de coleta de dados, produo e
difuso metdica de conhecimentos, a fim de assessorar o usurio na tomada
de deciso relevante, com o resguardo do sigilo quando necessrio para a
preservao da prpria utilidade da deciso, da incolumidade da instituio
ou do grupo de pessoas a que serve.
A contra-inteligncia, por sua vez, a atividade de deteco, identificao,
avaliao, preveno, obstruo, explorao e neutralizao das ameaas, internas e
externas, s informaes sensveis que a organizao detm ou s suas reas,
instalaes, pessoas e interesses, inclusive provenientes de inteligncia adversa
(ALMEIDA NETO, 2009, p. 50).
De acordo com a Doutrina9 Nacional de Inteligncia de Segurana Pblica
DNISP (2007, p. 16), esses dois ramos devem ser considerados indissoluvelmente
ligados, ou seja, so partes de um todo, no possuindo limites precisos, uma vez que se
interpenetram, se inter-relacionam e interdependem.
Nesse sentido, Gonalves (2008, p. 174) ressalta que qualquer servio de
inteligncia faz tanto inteligncia (anlise de informaes para produo de
conhecimento) quanto contra-inteligncia (salvaguarda das informaes produzidas, da
organizao, das pessoas e instalaes e dos processos contra a atividade de inteligncia
adversa.
Existem, ainda, as chamadas operaes de inteligncia, que no so
propriamente um ramo autnomo da atividade de inteligncia, mas sim um conjunto de
9 Pode-se conceituar doutrina de inteligncia como um conjunto de princpios, conceitos, normas, mtodos e valores
que orienta e disciplina a atividade de inteligncia (notas da aula ministrada pelo Cel. Pedro Busch Neto no curso de
ps-graduao lato sensu de especializao em inteligncia de Estado e inteligncia de segurana pblica com
inteligncia competitiva, oferecido pela Escola Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais em parceria com o
Centro Universitrio Newton Paiva, no perodo de abril/2008 a maro/2009).
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tcnicas e procedimentos utilizados para auxiliar a atividade de inteligncia em sentido
estrito e a contra-inteligncia a buscar dados negados ou indisponveis, bem como, em
certas situaes, para neutralizar aes adversas (ALMEIDA NETO, 2009, p. 59), como
ser visto mais frente, no item 2.4.3 deste trabalho.
2.4.1 Inteligncia stricto sensu
O cerne da atividade de inteligncia em sentido estrito a produo de
conhecimento, que pode ser entendida como a transformao do dado em
conhecimento, por meio da utilizao de determinado procedimento metodolgico e de
tcnicas especficas (ALMEIDA NETO, 2009, p. 50).
Segundo a DNISP (2007, p. 17), dado toda e qualquer representao de
fato, situao, comunicao, notcia, documento, extrato de documento, fotografia,
gravao, relato, denncia, etc., ainda no submetida pelo profissional de ISP
metodologia de Produo de Conhecimento.
J o conhecimento o resultado final expresso por escrito ou oralmente
pelo profissional de ISP da utilizao da metodologia de Produo de Conhecimento
sobre dados e/ou conhecimentos anteriores (DNISP, 2007, p. 17).
Em sntese, produzir conhecimento transformar dados e/ou
conhecimentos em conhecimentos avaliados, significativos, teis, oportunos e seguros,
de acordo com metodologia prpria e especfica (DNISP, 2007, p. 17).
Esse processo de transformao do dado em conhecimento til,
significativo, avaliado, oportuno e seguro, a partir da adoo de uma seqncia lgica
de aes, conhecido como ciclo da produo do conhecimento de inteligncia.
Acerca do ciclo de inteligncia, Almeida Neto (2009, p. 50) assevera o
seguinte:
Despiciendo lembrar que o mtodo de construo do conhecimento de
inteligncia e, por conseguinte, o ciclo de tal atividade, foram forjados a
partir de um especfico critrio de aceitabilidade da verdade, imbudo da
primazia dos princpios da oportunidade e utilidade sobre a prpria
verificabilidade do conhecimento produzido (possibilidade de o
conhecimento ser testado).
Para a DNISP (2007, p. 20), o ciclo da produo de conhecimento (CPC)
pode ser definido como um processo formal e regular separado em duas etapas
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principais, uma vinculada reunio de dados e a outra ao processo de anlise. Nesse
processo, o conhecimento produzido disponibilizado aos usurios agregando-se
medidas de proteo e negao do conhecimento.
Nesse sentido, Antunes (2002, p. 31) descreve o ciclo de inteligncia da
seguinte forma:
Entende-se por ciclo de inteligncia a descrio de um processo no qual as
informaes coletadas principalmente pelas agncias de inteligncia so
postas disposio de seus usurios. Na realidade, ele pode ser definido
basicamente em duas grandes etapas: uma de coleta e outra de anlise, que se
encontram organizacionalmente estabelecidas, vinculadas a diferentes rgos
estatais.
Em relao s etapas que constituem o ciclo de inteligncia, no h
consenso entre os autores. De acordo com Cepik (2003, p. 32), as descries
convencionais do ciclo da inteligncia chegam a destacar at 10 passos ou etapas
principais que caracterizariam a atividade, quais sejam:
1. Requerimentos informacionais. 2. Planejamento. 3. Gerenciamento dos
meios tcnicos de coleta. 4. Coleta a partir de fontes singulares. 5.
Processamento. 6. Anlise das informaes obtidas de fontes diversas. 7.
Produo de relatrios, informes e estudos. 8. Disseminao dos produtos. 9.
Consumo pelos usurios. 10. Avaliao (feedback).
Sobre a diversidade de entendimentos acerca das etapas do ciclo de
inteligncia, vale destacar a opinio de Cepik (2003, p. 32):
A prpria idia de ciclo de inteligncia deve ser vista como uma metfora,
um modelo simplificado que no corresponde exatamente a nenhum sistema
de inteligncia realmente existente. Por outro lado, essa falta de acuidade
descritiva no o que mais importa, pois a caracterizao das atividades de
inteligncia enquanto um processo de trabalho complexo e dinmico
importante para que se possam distinguir as mudanas qualitativas que a
informao sofre ao longo de um ciclo ininterrupto e inter-relacionado de
trabalho. A principal contribuio da idia de ciclo de inteligncia
justamente ajudar a compreender essa transformao da informao e
explicitar a existncia desses fluxos informacionais entre diferentes atores
(usurios, gerentes, coletores, analistas etc.).
Na viso de Kent (1967, p. 152-153), o mtodo de produo de informaes
estratgicas admite sete passos ou estgios, a seguir resumidos: 1) aparecimento do
problema; 2) anlise do problema; 3) busca de dados relacionados ao problema; 4)
avaliao dos dados; 5) estudo dos dados avaliados momento da hiptese; 6) mais
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busca de dados confirmao ou rejeio das hipteses mais provveis; e 7)
apresentao.
Washington Platt (1974, p. 102-107), por sua vez, tambm aponta sete fases
no que ele chama de pesquisa de informaes, quais sejam: 1) levantamento geral; 2)
definio dos termos; 3) coleta de informes; 4) interpretao dos informes; 5)
formulao de hipteses; 6) concluses; e 7) apresentao.
Ao tratar do assunto sob uma perspectiva mais acadmica, Pacheco (2005)
atribui ao ciclo de produo de conhecimento de inteligncia as seguintes etapas:
[...] identificao das necessidades informacionais do usurio final
(requerimento ou determinao da produo de determinada
informao/conhecimento), planejamento da obteno dos dados/informaes
requeridos, gerenciamento dos meios tcnicos de obteno, obteno (coleta
ou busca) dos dados/informaes, processamento dos dados/informaes
(organizao, avaliao e armazenagem), produo do conhecimento
(anlise, interpretao e sntese dos dados/informaes), disseminao do
conhecimento, uso do conhecimento e avaliao do ciclo (feedback quanto ao
uso do conhecimento para aperfeioamento do ciclo de inteligncia).
Nos Estados Unidos, segundo Gonalves (2008, p. 185), o modelo mais
utilizado possui somente cinco fases [planejamento e direo; reunio (coleta/busca);
processamento; anlise e produo; e disseminao], podendo, inclusive, ser reduzido a
quatro etapas, que ensejariam o ciclo bsico (reunio, processamento, anlise e
disseminao).
No Brasil, entretanto, a doutrina de informaes identifica o ciclo da
informao em trs grandes etapas: orientao, produo e difuso (GONALVES,
2008, p. 186).
Ocorre que, nesse ciclo da informao, a fase de produo corresponde ao
ciclo da produo do conhecimento, que compreende as seguintes etapas: planejamento;
reunio (coleta/busca dos dados) e processamento (exame, anlise, integrao e
interpretao). Assim, aps a produo do conhecimento, procede-se difuso do
conhecimento produzido, ou seja, retorna-se ltima etapa do ciclo de informao
(GONALVES, 2008, p. 186).
A DNISP (2007, p. 20), do mesmo modo, considera que o ciclo da
produo do conhecimento composto pelas seguintes fases: planejamento; reunio de
dados, processamento e difuso. Observa-se, pois, que essa composio (com exceo
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da difuso) corresponde exatamente ao ciclo da produo do conhecimento descrito no
pargrafo anterior.
Agora, passemos a discorrer, de forma sucinta, sobre cada uma das etapas
que compem o ciclo de produo do conhecimento de inteligncia, conforme a
doutrina de informaes (GONALVES, 2008, p. 187-192).
1) Orientao
Constitui a primeira etapa do ciclo de inteligncia e est relacionada s
necessidades da atividade, melhor explicando, diz respeito s necessidades do usurio,
do cliente da atividade, do tomador da deciso.
Conforme Gonalves (2008, p. 187), em mbito estratgico, essa
orientao deve ter por base, por exemplo, uma poltica nacional de inteligncia, na qual
constem os objetivos nacionais, as reas prioritrias de atuao da inteligncia, bem
como as diretrizes que nortearo as atividades dos servios de inteligncia.
Ainda de acordo com esse autor, essa uma fase muito importante, pois a
partir dela que o planejamento estratgico ser elaborado e que os dirigentes dos
servios de inteligncia podero estabelecer seus planos de atividade.
2) Produo
nessa segunda etapa do ciclo que efetivamente ocorre a atividade de
inteligncia e a produo do conhecimento. Como dito anteriormente, esta fase est
subdividida em: planejamento, reunio de dados e processamento.
Segundo Gonalves (2008, p. 188), a partir das orientaes do usurio ou
das necessidades e diretrizes de uma poltica nacional de inteligncia, os servios de
inteligncia buscaro reunir os dados, process-los e produzir um conhecimento de
inteligncia a ser difundido.
2.1) Planejamento
Essa fase envolve o gerenciamento do aparato de inteligncia, desde a
identificao das necessidades de dados a serem reunidos at a produo do documento
final e sua difuso. Em termos metodolgicos, por meio do planejamento que sero
direcionadas a coleta e a busca dos dados (GONALVES, 2008, p. 189).
A DNISP (2007, p. 20), por seu turno, define planejamento com as
seguintes palavras:
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Planejamento a fase do CPC na qual so ordenadas, de forma sistematizada
e lgica, as etapas do trabalho a ser desenvolvido. A so estabelecidos os
objetivos e/ou as necessidades, os prazos, prioridades e cronologia, e so
definidos os parmetros e as tcnicas a serem utilizadas, partindo-se, sempre,
dos procedimentos mais simples para os mais complexos. Planejar deve
constituir-se em uma ao rotineira do profissional de inteligncia.
Para Almeida Neto (2009, p. 52), planejamento a fase na qual so
traados e concatenados, numa ordem lgica, sistemtica e coerente, os passos em que o
trabalho ser desenvolvido. O autor prossegue esclarecendo que, nessa fase, o
profissional de inteligncia dever, de forma minuciosa, delimitar o assunto a ser
pesquisado, a faixa de tempo a ser considerada, o usurio do conhecimento, a finalidade
do conhecimento, o prazo para a produo desse conhecimento e os aspectos essenciais
do assunto, tanto os conhecidos como aqueles a conhecer (ALMEIDA NETO, 2009, p.
52).
A partir do planejamento, parte-se ento para a reunio de dados, como ser
visto a seguir.
2.2) Reunio de dados
Pode ocorrer tanto por meio de coleta (dados ostensivos, de fontes abertas),
quanto de busca (dados negados). Sobre esse assunto, Gonalves (2008, p. 175)
esclarece:
A reunio de dados pode se dar por coleta ou busca, procedimentos distintos. A doutrina anglo-saxnica, de maneira geral, no diferencia
coleta de busca. Nesse sentido, no importa qual a origem do dado, se provenientes de fontes abertas ou se o acesso a ele protegido/restringido. Na
doutrina brasileira de inteligncia, entretanto, coleta refere-se obteno de informaes de fontes abertas livros, peridicos, documentos pblicos, programas de TV ou rdio, internet, enfim, dados disponveis enquanto busca o termo utilizado para qualquer procedimento de obteno do dado negado ou no-disponibilizado, ou seja, as chamadas informaes classificadas. Nesse segundo caso, h o recurso s tcnicas operacionais para se realizar a busca.
Assim, por intermdio da etapa de reunio que sero obtidos dados, os
quais, depois de processados, conduziro produo de um determinado conhecimento.
No que diz respeito produo do conhecimento, Gonalves (2008, p. 190)
ressalta uma dificuldade encontrada na atualidade, qual seja, a existncia de grande
quantidade de informao reunida e a impossibilidade de processamento de toda essa
informao. Segundo esse autor, em virtude disso, de extrema importncia que se
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realize um bom planejamento, visando delimitao dos dados a serem obtidos, para
evitar, com isso, um excesso de informaes que no tero condies de ser tratadas
adequadamente (GONALVES, 2008, p. 190).
Corroborando esse entendimento, Vidigal (2004, p. 36) menciona o
seguinte:
fora de dvida, porm, que o excesso de informaes pode ser prejudicial
por entupir o sistema, tornando difcil para os analistas separar o que
realmente importante e produzir material suficientemente maturado para os
formuladores de polticas. Uma superabundncia de informaes coletadas
resulta num excesso de informes acabados, muitos, de pouco uso para a
formulao de polticas; acaba por existir demasiado nmero de informes,
sobre demasiado nmero de assuntos, de tal forma que as pessoas a quem
eles se dirigem so incapazes de us-los convenientemente.
Ainda no que tange fase de reunio, convm apresentar, em linhas gerais,
os diferentes mtodos de obteno de dados que tm como base a natureza das fontes.
De acordo com Gonalves (2008, p. 192), as fontes podem ser classificadas
quanto sua confidencialidade (fontes abertas ou fontes classificadas/dado negado) ou
quanto origem dos dados (de fontes humanas ou de fontes tcnico-cientficas ou
seja, aquelas obtidas por meios tcnicos).
Para melhor compreenso do assunto, citamos a seguir os ensinamentos de
Cepik (2003, p. 35-36) quanto classificao das fontes em relao origem dos dados:
Os meios de coleta e as fontes tpicas de informao definem disciplinas
bastante especializadas em inteligncia, que a literatura internacional designa
atravs de acrnimos derivados do uso norte-americano: humint (human
intelligence) para as informaes obtidas a partir de fontes humanas, sigint
(signals intelligence) para as informaes obtidas a partir da interceptao e
decodificao de comunicaes e sinais eletromagnticos, imint (imagery
intelligence) para as informaes obtidas a partir da produo e da
interpretao de imagens fotogrficas e multiespectrais, masint (measurement
and signature intelligence) para as informaes obtidas a partir da
mensurao de outros tipos de emanaes (ssmicas, trmicas etc.) e da
identificao de assinaturas, ou seja, sinais caractersticos e individualizados de veculos, plataformas e sistemas de armas. Alm dessas
disciplinas, que envolvem tanto fontes clandestinas quanto ostensivas,
quando a obteno de informaes ocorre exclusivamente a partir de fontes
pblicas, impressas ou eletrnicas, essa atividade de coleta ento chamada
de osint (open sources intelligence).
No tocante classificao apresentada por Cepik, Gonalves (2008, p. 193)
destaca que se trata de terminologia sobretudo norte-americana, incorporada ao jargo
internacional. No Brasil, de acordo com esse autor, costuma-se fazer referncia
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basicamente inteligncia oriunda de fontes humanas e inteligncia obtida a partir de
meios tcnicos ou tecnolgicos (GONALVES, 2008, p. 193).
A forma mais tradicional, comum e barata de reunio de dados pela
atividade de inteligncia por intermdio das pessoas, chamadas de fontes humanas.
Segundo Cepik (2003, p. 36), o acrnimo em ingls que designa as fontes humanas
(humint) um eufemismo tipicamente norte-americano, incorporado ao jargo
internacional porque evita o uso do termo espionagem, muito mais pesado do ponto de
vista legal e poltico. Esse autor acrescenta que o acrnimo tambm utilizado para
demonstrar que a inteligncia obtida a partir de fontes humanas est longe de resumir-
se aos arqutipos da espionagem (CEPIK, 2003, p. 36).
J Gonalves (2008, p. 194), ao discorrer sobre o assunto, explica que:
Assim, a forma organizada mais antiga de obteno de informaes aquela
realizada por meio das fontes humanas, as quais podem ser oficiais ou no
oficiais, orgnicas pertencentes aos servios de inteligncia ou no-orgnicas denominadas agentes , conscientes ou no de sua condio. As fontes humanas variam tambm conforme o seu grau de sensibilidade, ou
seja, o nvel de conhecimento a que tm acesso e de confiabilidade. Nesse
sentido, Herman estabeleceu um modelo baseado em uma pirmide de
sensibilidade das fontes, em cujo pice se encontram os oficiais de
inteligncia e seus agentes locais e na base, pessoas sem vnculo com a
atividade de inteligncia, mas que podem fornecer informaes importantes
para a inteligncia, entre os quais viajantes e acadmicos.
As fontes tcnico-cientficas, por outro lado, so utilizadas pela chamada
inteligncia tcnica ou tecnolgica, que privilegia o uso de tecnologias para a obteno
de dados e informaes10
. A inteligncia tcnica (techint) engloba uma srie de
subcategorias, entre as quais destacam-se as seguintes: inteligncia de sinais;
inteligncia fotogrfica ou de imagens; inteligncia de comunicaes; inteligncia
eletrnica; telemtrica e relacionada interpretao de ondas e sinais eletromagnticos
ou assinaturas fsicas (GONALVES, 2008, p. 200).
Assim, pode-se afirmar que a inteligncia humana e a inteligncia
tecnolgica so complementares e tm vantagens e desvantagens devido a suas
peculiaridades (GONALVES, 2008, p. 205).
10 Para maiores esclarecimentos sobre o assunto, consultar CEPIK, Marco A. C. (2003) e GONALVES, Joanisval
Brito (2008).
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Em relao classificao das fontes quanto sua confidencialidade (fontes
abertas ou fontes classificadas/dado negado), cabe ressaltar que, assim como a humint e
a techint, a coleta (dados de fontes abertas) e a busca (dados de fontes classificadas)
tambm so complementares entre si (GONALVES, 2008, p. 207).
De acordo com Gonalves (2008, p. 208), um meio importante de reunio
de dados para a produo do conhecimento de inteligncia , sem dvida, a coleta, ou
seja, a reunio de informaes a partir de fontes abertas.
Nesse sentido, o autor esclarece que, antes de produzir o conhecimento, o
analista deve procurar obter o maior nmero de dados/informaes sobre o tema por
meio das fontes abertas, tambm chamadas de ostensivas (GONALVES, 2008, p.
208).
Alm disso, Gonalves (2008, p. 208) ressalta que a partir do que j
dispe como fruto de coleta, que o analista poder identificar quais as necessidades em
termos de dado negado e poder acionar os setores de operaes para a busca.
Sobre as fontes abertas, ou osint (open sources intelligence), Cepik (2003, p.
51) informa o seguinte:
De modo geral, osint consiste na obteno legal de documentos oficiais sem
restries de segurana, da observao direta e no-clandestina dos aspectos
polticos, militares e econmicos da vida interna de outros pases ou alvos, do
monitoramento da mdia (jornais, rdio e televiso), da aquisio legal de
livros e revistas especializadas de carter tcnico-cientfico, enfim, de um
leque mais ou menos amplo de fontes disponveis cujo acesso permitido
sem restries especiais de segurana. Quanto mais abertos os regimes
polticos e menos estritas as medidas de segurana de um alvo para a
circulao de informaes, maior a quantidade de inteligncia potencialmente
obtida a partir de programas de osint.
Assim, Gonalves (2008, p. 209) destaca que a maior parte das informaes
para a produo de conhecimento encontra-se em fontes abertas, principalmente com o
advento da Internet.
Contudo, esse autor ressalta que, de acordo com especialistas, apesar da
grande quantidade de dados disponveis na Internet, a rede mundial de computadores
constitui apenas uma fonte de informaes abertas, no sendo nem a mais importante
(GONALVES, 2008, p. 210).
J os dados negados, de fontes classificadas, so obtidos por intermdio de
aes de busca, com a utilizao de tcnicas conhecidas como operaes de
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inteligncia, que sero abordadas em momento oportuno (ver item 2.4.3 deste
trabalho).
2.3) Processamento
Aps a reunio, os dados sero processados de acordo com mtodo prprio,
que envolve as seguintes fases: exame11
ou avaliao dos dados12
; anlise da informao
neles contida13
; integrao dos dados analisados a outros j disponveis14
e, por ltimo,
interpretao15
.
Desse modo, por meio do processamento que se obtm um conhecimento
de inteligncia, ou seja, que se chega inteligncia como produto de um mtodo
especfico de anlise de informaes (GONALVES, 2008, p. 191).
Cabe destacar, em relao s etapas do ciclo de inteligncia, que a anlise
constitui o cerne da atividade de inteligncia, como nos mostra Gonalves (2008, p.
176). Dada sua relevncia, transcrevemos a seguir a explicao desse autor
(GONALVES, 2008, p. 176-177):
A anlise o cerne da atividade de inteligncia. Afinal, todos os recursos so
empregados com o objetivo de se produzir o conhecimento necessrio a
assessorar o processo decisrio. A anlise vai nortear a reunio (seja por
coleta ou busca) de informaes e ser o principal objeto de proteo da
contra-inteligncia. A atividade de inteligncia gira em torno dos relatrios,
estimativas, memrias e outros documentos elaborados pelos analistas e at
exposies orais.
[...]
Assim, se a anlise para a produo de conhecimento ocupa a posio de
relevncia na atividade, fundamental que essa anlise siga determinada
metodologia e que efetivamente chegue ao tomador de deciso de maneira
oportuna. Os documentos de inteligncia tm, portanto, forma prpria e
seguem tcnica e metodologia prprias para sua produo. [...]
11 O exame consiste na verificao inicial do grau de credibilidade dos conhecimentos obtidos e da pertinncia dos mesmos com o assunto da informao a ser produzida. ESG. Doutrina bsica. Rio de Janeiro: 1979. p. 282. Apud Gonalves (2008. p. 190). 12 Em especial no que diz respeito validade dos mesmos, sua veracidade, confiabilidade da fonte e pertinncia da informao (GONALVES, 2008, p. 190). 13 A anlise a decomposio dos conhecimentos j reunidos em fatos significativos que tenham relao com os aspectos essenciais levantados na etapa do planejamento. Comparando-se esses fatos significativos entre si, luz dos
conhecimentos do analista, so relacionados os fatos que se confirmam. Esses fatos confirmados so considerados
conhecimentos prontos para a etapa seguinte. ESG. Doutrina bsica. Rio de Janeiro: 1979. p. 282-283. Apud Gonalves (2008, p. 191). 14 A integrao consiste em formar conjuntos coerentes relacionados com os aspectos essenciais, a partir dos fatos significativos relacionados e confirmados. ESG. Doutrina bsica. Rio de Janeiro: 1979. p. 283. Apud Gonalves (2008, p. 191). 15 a etapa na qual o profissional de ISP esclarece o significado final do assunto tratado. Aps o processo de avaliao, anlise e integrao, deve-se buscar estabelecer as relaes de causa e efeito, apontar tendncias e padres
e fazer previses, baseadas no raciocnio. DNISP, 2007, p. 25.
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Por fim, o conhecimento produzido dever ser encaminhado ao tomador de
deciso ou ser disseminado para outros rgos/servios de inteligncia, o que
caracteriza a ltima etapa do ciclo de inteligncia, denominada de difuso.
No obstante a difuso ser considerada como a ltima etapa do ciclo,
Gonalves (2008, p. 191) alerta para o fato de que o ciclo da inteligncia s
plenamente concludo quando esse conhecimento utilizado pelo usurio.
Nesse sentido, o autor acrescenta que a partir da utilizao do
conhecimento produzido pela inteligncia que so geradas novas demandas, decorrentes
das necessidades do usurio, o que acaba gerando a retroalimentao do processo. Dessa
forma, a fase de utilizao do conhecimento produzido pode ser subdividida em
consumo e feedback (GONALVES, 2008, p. 192).
2.4.2 Contra-inteligncia
Como mencionado alhures, a Lei n 9.883, de 7 de dezembro de 1999, que
instituiu o SISBIN e criou a ABIN, apresenta, em seu artigo 1, 2 e 3, o seguinte
conceito de inteligncia e contra-inteligncia:
Art. 1 [...]
2 Para os efeitos de aplicao desta Lei, entende-se como inteligncia a
atividade que objetiva a obteno, anlise e disseminao de conhecimentos
dentro e fora do