a atividade de inteligenciacomo instrumento de eficiencia no exercicio do controle externo pelo tcu

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  • Cludia Vieira Pereira

    A ATIVIDADE DE INTELIGNCIA COMO

    INSTRUMENTO DE EFICINCIA NO

    EXERCCIO DO CONTROLE EXTERNO

    PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIO

    Monografia apresentada ao Curso de Ps-Graduao

    Lato Sensu de Especializao em Inteligncia de

    Estado e Inteligncia de Segurana Pblica com

    Inteligncia Competitiva, oferecido pela Escola

    Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais em

    parceria com o Centro Universitrio Newton Paiva,

    como requisito parcial obteno do ttulo de

    Especialista em Inteligncia de Estado e Inteligncia

    de Segurana Pblica com Inteligncia Competitiva

    Orientador: Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco

    Belo Horizonte

    Centro Universitrio Newton Paiva

    Escola Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais

    2009

  • Centro Universitrio Newton Paiva

    Escola Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais

    Curso de Ps-Graduao de Especializao em Inteligncia de Estado e Inteligncia de

    Segurana Pblica com Inteligncia Competitiva

    Monografia intitulada A atividade de inteligncia como instrumento de eficincia no

    exerccio do controle externo pelo Tribunal de Contas da Unio, de autoria de Cludia

    Vieira Pereira, considerada aprovada, com a nota 90 (noventa), pela banca examinadora

    constituda pelos seguintes professores:

    ____________________________________________________________

    Presidente Professor Doutor Denilson Feitoza Pacheco

    ____________________________________________________________

    Professora Doutora Priscila Carlos Brando

    ____________________________________________________________

    Professor Mestre Roger Antnio Souza Matta

    ____________________________________________________________

    Professor Especialista Alexandre Buck Medrado Sampaio

    Belo Horizonte/MG, 23 de maio de 2009.

    Escola Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais

    Rua Timbiras, 2928, 4. andar, Bairro Barro Preto

    Belo Horizonte - MG - CEP: 30140-062

    Tel: 31-3295-1023

    www.fesmpmg.org.br

  • AGRADECIMENTOS

    Inicialmente, agradeo aos meus chefes no Tribunal de Contas da Unio

    (TCU), Mrcio Gleidson Chaves de Sales e Vanda Ldia Romano da Silveira, pelo

    apoio e incentivo ao meu desenvolvimento pessoal e profissional.

    Agradeo ao Tribunal pelo suporte concedido, por meio de aes voltadas

    ao estmulo capacitao de seus servidores, sem o qual seria mais difcil minha

    participao nesta ps-graduao. Espero poder retribuir esse apoio com a disseminao

    do conhecimento adquirido e com muita dedicao ao trabalho.

    Minha gratido ao coordenador do curso e orientador deste estudo,

    Professor Doutor Denilson Feitoza Pacheco, pela incansvel disposio para motivar os

    alunos, transmitindo seus vastos conhecimentos e estimulando o estudo dessa atividade

    to importante, mas ainda pouco conhecida e discutida no meio acadmico.

    Meu muito obrigada, tambm, a todos os professores do curso pela

    dedicao, seriedade e disposio para dirimir as dvidas, por mais simplrias que

    fossem, sem mencionar a boa vontade em compartilhar seus profundos conhecimentos

    acerca do assunto estudado.

    Tambm merecem meus sinceros agradecimentos todos aqueles que

    trabalham, ou trabalharam, na Fundao Escola Superior do Ministrio Pblico de

    Minas Gerais, pela simpatia e presteza com que atenderam as nossas demandas e

    solicitaes durante o curso, tornando nossa estada na escola bem mais agradvel.

    Um agradecimento muito especial aos companheiros de curso, agora

    amigos, pelo carinho, ateno e solidariedade, principalmente nos momentos de

    fragilidade, cansao e vulnerabilidade. Agradeo, ainda, pela oportunidade de troca de

    experincias, pessoais e profissionais, e pelo estreitamento dos laos de amizade e afeto,

    que, com certeza, se perpetuaro durante toda a nossa jornada.

    Como no poderia deixar de ser, minha eterna gratido famlia e aos

    amigos (que se tornaram minha famlia em Braslia) pelo incentivo minha participao

  • neste curso, pela pacincia com que me ouviram falar repetidamente sobre o mesmo

    assunto, e pelas palavras e gestos de carinho nos momentos mais difceis.

    Por fim, gostaria de agradecer aos colegas e amigos do TCU, em especial a

    Alexandre Barreto de Souza, Carla Ribeiro da Motta, Paulo Henrique Ramos Medeiros,

    Marcelo Cardoso Soares, Marcelo Luiz Souza da Eira e Carlos Roberto Takao Yoshioca

    pela inestimvel contribuio para a elaborao deste trabalho.

    Certamente deixei de citar algumas pessoas e, por essa falha, peo

    desculpas. Sei, contudo, que os amigos e colaboradores ho de compreender tal falta.

  • RESUMO

    O objetivo do presente estudo identificar como a atividade de inteligncia pode

    contribuir para uma atuao mais eficiente do Tribunal de Contas da Unio (TCU) no

    exerccio do controle externo da Administrao Pblica Federal. Parte-se de uma

    reviso terica acerca das origens, definies, conceitos, classificaes e princpios da

    atividade de inteligncia, para, em seguida, abordar o princpio da eficincia

    administrativa, principalmente no que se refere a sua origem, fundamento

    constitucional, contedo, extenso e implicaes para o Estado Democrtico de Direito,

    tratando, ainda, da atividade de inteligncia como instrumento de eficincia. So

    apresentadas, tambm, noes sobre a misso, estrutura, funcionamento e competncias

    do TCU, alm das aes de controle externo, assim como contextualizada a atividade

    de inteligncia no mbito do Tribunal. Conclui-se pela necessidade de consolidar o uso

    da atividade de inteligncia no TCU, com vistas a promover maior eficincia na sua

    atuao como rgo responsvel pelas aes de controle externo da Administrao

    Pblica Federal, em benefcio de toda a sociedade.

    Palavras-chave: atividade de inteligncia; princpio da eficincia; controle externo;

    Tribunal de Contas da Unio.

  • ABSTRACT

    The purpose of the present study is to identify how intelligence activitiy may contribute

    to a more efficient performance of the Brazilian Court of Audit (Tribunal de Contas da

    Unio - TCU) on the exercise of the external control of Federal Public Administration.

    The starting point is a theoretical review of the origins, definitions, concepts,

    classifications and principles of intelligence activity, following to the exam of the

    principle of administrative efficiency, especially concerning its origin, constitutional

    foundation, contents, reach and implications for the Democratic State of Right, covering

    also intelligence activitiy as an efficiency tool. In addition, there is a presentation of

    notions on the mission, structure, functioning and competences of TCU, together with

    the contextualization of intelligence activitiy within the institution. The conclusion is

    that there is a need to consolidate the use of intelligence activitiy in TCU to promote

    greater efficiency in its action as the institution responsible for the external control of

    Federal Public Administration, in the benefit of all society.

    Keywords: intelligence activity; priniciple of efficiency; external control; Brazilian

    Court of Audit (TCU)

  • SUMRIO

    1 INTRODUO 8

    2 ATIVIDADE DE INTELIGNCIA 10

    2.1 Origens histricas 10

    2.2 A atividade de inteligncia no Brasil 13

    2.3 Conceito 19

    2.4 Ramos 27

    2.4.1 Inteligncia stricto sensu 28

    2.4.2 Contra-inteligncia 37

    2.4.3 Operaes de inteligncia 40

    2.5 Classificao 43

    2.6 Princpios 50

    3 PRINCPIO DA EFICINCIA 53

    3.1 Consideraes iniciais 53

    3.2 Contedo do princpio da eficincia 59

    3.3 A atividade de inteligncia como instrumento de eficincia 63

    4 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIO 67

    4.1 A atividade de controle 67

    4.2 Estrutura, competncias e atividades 70

    4.2.1 Estrutura 70

    4.2.2 Competncias 71

    4.2.3 Atividades 76

    4.3 A atividade de inteligncia no Tribunal de Contas da Unio 78

    5 CONCLUSO 82

    REFERNCIAS 86

  • 8

    1 INTRODUO

    Atualmente, vivemos em um mundo onde o volume e a disponibilidade de

    informaes, principalmente com o advento da rede mundial de computadores

    (internet), ocasionam constantes mudanas na vida de pessoas, organizaes e

    governos, o que tem demandado, cada vez mais, a obteno de conhecimentos que

    proporcionem agilidade e velocidade na tomada de decises.

    Nesse contexto, a atividade de inteligncia, considerada como um

    instrumento que possibilita, por meio de mtodos e tcnicas prprios, a coleta e a busca

    de dados e informaes com vistas produo de conhecimento que servir como

    subsdio tomada de deciso, assume papel relevante.

    Assim, diversas organizaes, pblicas e privadas, esto lanando mo da

    atividade de inteligncia como meio de obter maior eficincia e otimizar seus

    resultados. Na esfera privada, a atividade de inteligncia, conhecida como inteligncia

    competitiva ou empresarial, j uma realidade.

    No mbito das instituies pblicas, em especial nos rgos de segurana, a

    atividade de inteligncia (inteligncia de Estado) vem sendo amplamente utilizada,

    principalmente no combate corrupo e ao crime organizado, tendo obtido timos

    resultados.

    O Tribunal de Contas da Unio, cuja misso institucional assegurar a

    efetiva e regular gesto dos recursos pblicos federais em benefcio da sociedade, por

    sua vez, a despeito de haver institudo em sua estrutura organizacional uma unidade de

    inteligncia, utiliza a atividade ainda de forma muito incipiente.

    Para cumprir sua misso, o TCU realiza diversas atividades, acessando e

    utilizando dados e informaes de vrias fontes, com inmeros contedos. Ocorre que a

    maneira pela qual o Tribunal vem trabalhando esses dados/informaes, de forma

    fragmentada, no permite uma viso integrada/sistmica da Administrao Pblica, o

    que dificulta seu trabalho, mormente a deteco de fraudes e desvios de recursos

    pblicos, e acaba por comprometer a eficincia das aes de controle externo de sua

    responsabilidade.

  • 9

    Dessa forma, considerando que a atividade de inteligncia voltada

    principalmente para a produo de conhecimento estratgico, que subsidia a tomada de

    deciso, buscamos, com este estudo, identificar: como a atividade de inteligncia pode

    contribuir para que o TCU atue com maior eficincia no exerccio do controle externo

    da Administrao Pblica federal, em respeito ao princpio da eficincia previsto no

    caput do art. 37 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil?

    Para tanto, o trabalho foi desenvolvido em trs captulos, alm da concluso.

    No captulo 1, so apresentados os conceitos, as origens histricas, os ramos, as

    classificaes e os princpios da atividade de inteligncia.

    O segundo captulo aborda o princpio da eficincia administrativa. Nesse

    tpico, so apresentadas as origens histricas, o fundamento constitucional, o contedo,

    a extenso e as implicaes do princpio da eficincia no Estado Democrtico de

    Direito. Alm disso, trata tambm da atividade de inteligncia como instrumento de

    eficincia.

    No ltimo captulo, so apresentadas noes gerais da atividade de controle

    da Administrao Pblica federal, com nfase no controle externo exercido pelo

    Tribunal de Contas da Unio. Ademais, so abordados aspectos especficos do TCU,

    tais como misso, estrutura organizacional, competncias e atividades, bem como

    analisado o atual papel da atividade de inteligncia no mbito do Tribunal.

    Finalmente, na concluso, com base no exposto nos captulos anteriores, so

    demonstradas a necessidade, a importncia e a viabilidade do uso da atividade de

    inteligncia pelo TCU, para que o rgo atue de forma mais eficiente no exerccio do

    controle externo da Administrao Pblica federal, conforme os preceitos

    constitucionais.

  • 10

    2 ATIVIDADE DE INTELIGNCIA

    2.1 Origens histricas

    A atividade de inteligncia, originalmente denominada de informaes,

    sempre esteve presente na histria da humanidade e afetou direta e profundamente a

    relao entre os povos. De acordo com a maior parte dos historiadores que estudam a

    inteligncia, a Bblia uma das fontes mais antigas sobre a atividade (GONALVES,

    2008, p. 133-134). A ttulo de ilustrao, apresentamos a seguir a citao bblica

    mencionada por Fregapani (2001, p. 13-14) ao abordar as origens da atividade em sua

    obra Segredos da espionagem: a influncia dos servios secretos nas decises

    estratgicas:

    [...] falou o Senhor a Moiss, dizendo: envia homens que espiem a terra de Cana, que Eu hei de dar aos filhos de Israel

    Enviou-os pois Moiss a espiar a terra de Cana; e disse-lhes: subi por aqui para a banda do sul, e subi a montanha; e verde que terra , e o povo que nela

    habita; se boa ou m e como so suas cidades, se arraiais ou fortalezas

    Retornando da misso, as pessoas dela incumbidas passaram a relatar os

    dados obtidos:

    E contaram-lhe e disseram: fomos terra que nos enviastes; e verdadeiramente mana leite e mel, e este o fruto. O povo porm que habita

    a terra poderoso e as cidades fortes e mui grandes. Vimos ali os filhos de

    Enaque

    Esta foi a primeira Ordem de Busca de que temos registro. Na verdade, a Bblia traz mais de uma centena de referncias a informaes e espionagem.

    Certamente houveram muitas aes de espionagem anteriores, de povos ainda

    mais antigos, mas certo que os que no colheram as informaes corretas

    tiveram menos chance de tomar as decises adequadas, e que isto

    freqentemente lhes custou a sobrevivncia.

    Pelo ano de 1251 a.C, quando Josu, sucessor de Moiss, enviou dois

    emissrios secretos cidade de Jeric, estes levaram consigo uma bela

    mulher chamada Raab, que acabou namorando com o rei da cidade. Pela

    histria bblica, parece que em Jeric os elementos de espionagem j estavam

    em vigor, pois muitos dos artifcios estavam presentes, mas um servio de

    contra-espionagem fazia falta.

    Sobre esse tema, Gonalves (2008, p. 133-134) esclarece que h registros do

    emprego da inteligncia desde as primeiras civilizaes conhecidas. Segundo o autor:

    John Hughes-Wilson lembra que as primeiras evidncias escritas do uso da

    inteligncia remontam aos sumrios e aos egpcios. As informaes estavam

    relacionadas tanto a assuntos militares quanto a matrias de administrao do

  • 11

    Estado. Um dos primeiros registros de relatrios de inteligncia produzidos

    remonta a 3.000 anos antes de Cristo: trata-se de um documento produzido

    para o Fara por uma patrulha da fronteira sul do Egito, em que informado

    que encontramos o rastro de 32 homens e 3 jumentos.

    Outro registro bem remoto da atividade, ainda na Antigidade, a obra do

    general chins Sun Tzu, intitulada A arte da guerra, escrita no sculo IV antes de

    Cristo (544 a 496 a.C). Esse livro, um tratado militar, considerado a bblia da

    estratgia e seus ensinamentos representam a filosofia da atividade de inteligncia,

    considerada um fator essencial para se chegar vitria. H, inclusive, um captulo

    especfico que trata do uso de espies, cujo excerto transcrevemos a seguir (SUN TZU,

    2007, p. 135):

    O que possibilita ao soberano inteligente e seu comandante conquistar o

    inimigo e realizar faanhas fora do comum a previso, conhecimento que s

    pode ser adquirido atravs de homens que estejam a par de toda

    movimentao do inimigo.

    Por isso, deve-se manter espies por toda parte e informar-se de tudo.

    Existem cinco tipos de espies que podem ser usados: espies locais, agentes

    internos, agentes duplos, espies dispensveis e espies indispensveis.

    Quando os cinco tipos de espies esto ativos e ningum pode descobrir o

    sistema secreto, chama-se a isso teia imperceptvel.

    Sobre a existncia e a evoluo da atividade de inteligncia, Almeida Neto

    (2009, p. 30) afirma que fato que, com a complexidade cada vez maior do corpo

    social e do Estado, a inteligncia tambm se aprimorou e ganhou novos contornos.

    Contudo, o autor ressalta: mas da no se conclua que o fenmeno somente surgiu

    quando o Estado passou a ter um grupo de pessoas responsveis por tal atividade em

    carter permanente, vale dizer, quando a mesma se institucionalizou (ALMEIDA

    NETO, 2009, p. 30).

    Assim, no que se refere s origens da inteligncia enquanto sistema

    organizacional institucionalizado, Cepik (2003, p. 86) relata que as primeiras

    organizaes permanentes e profissionais de inteligncia e de segurana surgiram na

    Europa moderna a partir do sculo XVI [...] no contexto da afirmao dos Estados

    nacionais como forma predominante de estruturao da autoridade poltica moderna.

    A respeito desse assunto, Almeida Neto (2009, p. 30-31) afirma o seguinte:

    Assim, a criao de organizaes especificamente voltadas para o exerccio

    de tal atividade, de algum modo, est ligada ao desenvolvimento do Estado

    nacional soberano e necessidade dos reis e governantes de incrementar seu

  • 12

    poder perante os outros Estados e perante a prpria populao, com a

    obteno permanente de informaes.

    Por fim, esse autor (ALMEIDA NETO, 2009, p. 31) apresenta, com base

    nos ensinamentos de Cepik (2003, p. 91-99), as idias a seguir:

    Em adendo a tais constataes, MARCO A. C. CEPIK, reportando-se s

    lies de MICHAEL HERMAN, destaca o lento processo de especializao e

    diferenciao organizacional por que passou a atividade, diferenciando as

    origens da inteligncia externa (no mbito da diplomacia, por volta dos

    sculos XVI e XVII), da inteligncia de defesa (no mbito da guerra, desde

    os primeiros registros bblicos, passando pelo quartel-general mvel de

    Napoleo at o estabelecimento, depois da II Guerra Mundial, de unidades

    especializadas de inteligncia para os nveis de comando inferior da fora e a

    criao de agncias de inteligncia de defesa) e da inteligncia de segurana

    (que, segundo o autor, remontam ao policiamento poltico desenvolvido na

    Europa na primeira metade do sculo XIX).

    Antunes (2002, p. 39-40), por sua vez, descreve a evoluo dos sistemas

    organizacionais, ou sistemas de inteligncia, da forma a seguir resumida:

    Por sistemas de inteligncia pode-se entender as organizaes que atendem

    funo de inteligncia dentro de um determinado governo. Fala-se em

    sistemas de inteligncia, em vez de organizao de inteligncia, devido ao

    fato de que esta atividade surgiu de duas etapas distintas, que historicamente

    foram se especializando. A atividade de inteligncia existe h muito tempo e

    sua importncia j reconhecida desde as guerras napolenicas. Entretanto, a

    atividade de inteligncia separada organizacionalmente surgiu apenas a partir

    da complexificao das guerras no final do sculo XIX.

    [...] Para atender a essas novas necessidades, criaram-se staffs permanentes

    nos exrcitos e, posteriormente, nas marinhas, responsveis pelo

    planejamento e suporte de informaes que pudessem auxiliar os comandos

    nas tomadas de deciso e de controle.

    Paralelamente ao seu desenvolvimento dentro do campo militar, a atividade

    de inteligncia passou tambm a se especializar como funo policial e

    repressiva. As polcias secretas surgiram no princpio do sculo XIX e tinham

    como objetivo evitar revolues populares, a exemplo da revoluo francesa.

    Passaram a desenvolver mecanismos de vigilncia, de informao e de

    receptao de cartas.

    No sculo XX, aps o fim da II Guerra, [...] emergiram os departamentos

    criminais de investigao [...] O crescimento internacional das organizaes

    de segurana e o medo da espionagem estrangeira ainda levaram os pases a

    desenvolverem suas agncias de contra-espionagem.

    [...] A partir de meados dos anos 1940 firmou-se a crena de que a

    inteligncia seria uma atividade fundamental para o processo de tomada de

    decises governamentais.

    [...] A organizao do sistema de inteligncia passou a fazer parte do

    planejamento governamental como mais um mecanismo capaz de atribuir

    racionalidade ao funcionamento do Estado, no obstante um governo poder

    funcionar sem uma atividade de inteligncia, que, afinal, apenas uma

    atividade subsidiria ao processo decisrio.

  • 13

    Assim, foi no sculo XX que a atividade de inteligncia alcanou seu

    apogeu. Nesse sentido, Gonalves (2008, p. 56) assevera que nunca os servios

    secretos estiveram to presentes nas relaes entre os povos e influindo nas polticas

    interna e externa dos pases, em tempos de paz ou de guerra, e acrescenta:

    [...] Nada em termos de atividade de inteligncia nos sculos anteriores pde-

    se comparar ltima centria do segundo milnio em termos de intensidade,

    abrangncia, profissionalizao e popularidade. Da se intitular o sculo XX

    como o sculo dos espies. No sculo XX, assim como o mundo alcanou um grau sem precedentes no

    desenvolvimento das relaes internacionais, tambm houve o surgimento e o

    fortalecimento dos servios secretos, das tcnicas de reunio de dados e do

    conhecimento produzido como inteligncia.

    A seguir, abordaremos, de forma sucinta, as origens histricas da atividade

    de inteligncia no Brasil.

    2.2 A atividade de inteligncia no Brasil

    Preliminarmente, faz-se necessrio esclarecer que, no Brasil, o termo

    inteligncia passou a ser utilizado em substituio a informaes a partir de 1990,

    por ocasio da extino do Servio Nacional de Informaes (SNI). O objetivo da

    mudana de nomenclatura foi tentar dissociar da atividade a imagem de represso e

    violao aos direitos civis, ocorridas durante os anos em que o SNI atuou a servio da

    ditadura militar (ANTUNES, 2002, p. 44-45), como ser visto mais adiante.

    Acerca da imagem negativa que a atividade de inteligncia carrega at os

    dias de hoje no Brasil, Antunes (2002, p. 30) expe o seguinte:

    O uso desse conceito (estigma) neste trabalho explica-se pelo fato de que a

    atividade de inteligncia, em si mesma, j carrega uma conotao negativa

    ante a sociedade democrtica, dado o conflito entre a vigilncia estatal que

    ela pressupe e os direitos individuais do cidado. No Brasil, onde a atuao

    dos rgos de informaes durante o governo militar, sobretudo no final da

    dcada de 1960 e no comeo da dcada de 1970, se encontra diretamente

    relacionada tortura, corrupo, violao dos direitos e liberdades civis, essa

    estigmatizao ainda mais forte.

    Nesse sentido, Gonalves (2009) considera que a atividade de inteligncia

    no Pas ainda vista com preconceito por parte da populao, fomentado por segmentos

    influentes da sociedade que menosprezam ou desconhecem a sua importncia, e

    acrescenta:

  • 14

    A sombra do passado ainda se faz presente, particularmente em virtude do

    significativo envolvimento dos rgos de inteligncia, tanto militares quanto

    civis, na represso aos opositores do regime no perodo militar. Nesse

    contexto, o Servio Nacional de Informaes (SNI), antecessor da Abin,

    ocupou papel central no aparato de informaes brasileiro e muitas vezes

    esteve associado aos mecanismos de represso, inclusive com violaes aos

    direitos humanos. Apesar de extinto em 1990, o SNI ainda lembrado

    quando se quer produzir crticas e comentrios pejorativos atividade de

    inteligncia no Brasil.

    Corroborando esse entendimento, Pacheco (2006) informa o seguinte:

    As expresses sistema de inteligncia e atividade de inteligncia possuem uma aura mtica, que, em razo das experincias repressivas e

    traumatizantes dos servios de informao durante a poca do regime militar no Brasil, passaram a gozar de grande preconceito. Foi por isto que, aps o trmino do regime militar, os servios de informao mudaram sua terminologia para inteligncia, a fim de ter a legitimidade perante a sociedade.

    Feitas essas consideraes iniciais, cumpre informar que o primeiro registro

    oficial da atividade de informaes no Brasil data de 1927, quando da criao do

    Conselho de Defesa Nacional1, ou seja, em perodo anterior ao regime autoritrio e ao

    SNI. O Conselho era um rgo de carter consultivo que se reunia ordinariamente duas

    vezes por ano e tinha a funo de estudar e coordenar as informaes sobre todas as

    questes de ordem financeira, econmica, blica e moral, relativas defesa da Ptria

    (ANTUNES, 2002, p. 45).

    Posteriormente, com o passar dos anos, foram ocorrendo modificaes na

    estrutura organizacional, na nomenclatura e nas competncias desse rgo, sem,

    contudo, ter havido mudanas significativas relacionadas s atividades de informaes,

    as quais permaneceram voltadas para a defesa da Ptria (ANTUNES, 2002, p. 46).

    Somente aps a II Guerra Mundial, em 1946, e no contexto da Guerra Fria,

    que se criou um rgo especfico para tratar das atividades de informaes no Brasil: o

    Servio Federal de Informaes e Contra-Informaes (SFICI). No entanto, o SFICI s

    foi efetivado 12 anos depois, o que, segundo Gonalves (2009), demonstrava o pouco

    interesse no assunto, em uma poca em que a vida poltica no Brasil era marcada por

    sua mais profunda fase de populismo.

    1 Institudo pelo Decreto 17.999, de 29 de dezembro de 1927. 2 Lei n 4.341, de 13 de junho de 1964.

  • 15

    Ainda sobre os primrdios da criao e da instituio de um rgo de

    inteligncia no Brasil, Figueiredo (2005, p. 13) relata os seguintes fatos:

    Os primeiros passos para o estabelecimento de um servio secreto no Brasil

    foram dados em 1927, no governo de Washington Lus. Naquele ano, foi

    criado um rgo civil federal, o Conselho de Defesa Nacional, que tinha

    como misso exclusiva produzir e analisar informaes relativas proteo

    do Estado. Estava longe de ser um servio secreto, mas foi seu embrio. O

    Servio seria legalmente institudo em 1946, na gesto de Eurico Gaspar

    Dutra, permaneceria dez anos somente no papel e seria implementado de fato

    apenas em 1956, por Juscelino Kubitschek.

    Logo aps o Golpe Militar, em 1964, foi criado o Servio Nacional de

    Informaes (SNI)2, unidade diretamente subordinada Presidncia da Repblica e que

    deveria ser o principal rgo de assessoramento do Chefe de Estado, por meio de

    conhecimentos de inteligncia. O SNI herdou a estrutura do SFICI, porm com mais

    atribuies e mais prestgio que este (GONALVES, 2009).

    Acerca dos poderes e do prestgio do Servio Nacional de Informaes,

    Figueiredo (2005, p. 130-131) resgatou matria veiculada em um jornal da poca,

    fazendo crtica ao projeto de criao do SNI. A seguir, transcrevemos parte dessa

    notcia:

    [...]

    Informar o governo? Mas no existem outros servios para tanto, em primeira

    linha a Agncia Nacional? No, o SNI ser diferente. Informar e agir em

    segredo.

    Ser, enquanto o texto permite compreender, um cruzamento do FBI com a

    CIA. [...] No Brasil, o SNI reunir as duas atribuies [ou seja, atuar nos

    campos interno e externo]. Far, como servio secreto, espionagem e contra-

    espionagem (de qu?) e agir como polcia poltica federal, acima dos

    Estados e tambm acima do Congresso, porque este no poder fiscalizar-

    lhes as atividades nem solicitar prestao de contas.

    um Ministrio de Polcia Poltica, instituio tpica do Estado policial e

    incompatvel com o regime democrtico.

    Ainda no que tange ao SNI, reportamo-nos descrio e anlise

    procedidas por Gonalves (2009), cujos excertos reproduzimos:

    Ao longo do perodo militar, o SNI foi adquirindo cada vez mais prestgio, ao

    mesmo tempo em que tambm cresceu seu poder. Logo, a singela estrutura

    do SFICI deu lugar a um amplo sistema de informaes, com rgos

    vinculados nos diferentes nveis de governo e com capilaridade que cobria

    todo o territrio brasileiro, tendo alguns postos tambm no exterior.

    2 Lei n 4.341, de 13 de junho de 1964.

  • 16

    No contexto da Guerra Fria, o SNI seguiu o modelo doutrinrio ocidental,

    tendo mantido um constante intercmbio com os rgos congneres do

    Ocidente. Uma particularidade era que cada vez mais o SNI voltava-se para a

    segurana interna, estruturando-se muito mais como os servios do bloco

    socialista, em especial como a KGB sovitica. Apesar de nele trabalharem

    civis e militares, o rgo era dirigido e orientado pelos militares.

    A partir do final da dcada de 1960, com incio da luta armada em reao ao

    regime militar, no que ficou conhecido como os anos de chumbo, o SNI passou a envolver-se cada vez mais com a represso. A eficincia e eficcia

    de seus agentes na vigilncia e deteno dos oponentes do regime e a

    violncia de alguns de seus mtodos deixariam feridas na sociedade brasileira

    que levariam anos para cicatrizar, com algumas ainda abertas. A atuao do

    servio naquele perodo contribuiria para o estigma que acompanha a

    atividade de inteligncia no Brasil at nossos dias.

    A respeito da extino do SNI, ocorrida em 1990, quando Fernando Collor

    de Mello passou a ocupar o cargo de presidente da repblica, Gonalves (2009) ressalta

    que:

    Em 15 de maro de 1990, entre os primeiros atos do novo Presidente

    Fernando Collor de Mello estava a extino do SNI, em um contexto de

    reestruturao da Administrao Pblica Federal.3 Tinha incio um dos

    perodos mais infaustos para a atividade de inteligncia no Brasil. Por meio

    de um ato do Chefe do Executivo, a superestrutura do sistema de informaes

    em torno do SNI desapareceu, e o rgo central perdeu seu mandato, seus

    objetivos e seu status de Ministrio, sendo reduzido a um pequeno

    departamento da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da

    Repblica (SAE).4 A ESNI

    5 foi tambm extinta e o Manual de Informaes

    banido. Muitos documentos foram perdidos, outros tantos destrudos.

    Sobre esse assunto, Antunes (2002, p. 103) nos ensina que, com a extino

    do SNI, criou-se um vcuo na rea civil de inteligncia e abriu-se um espao para a

    atuao de agentes sem regulamentao estabelecida. Desse modo, segundo a autora,

    at 1995, houve apenas tentativas, por parte dos Poderes Legislativo e Executivo, de

    implementao de uma nova agncia de inteligncia (que viria a ser a ABIN Agncia

    Brasileira de Inteligncia, criada pela Lei 9.883/1999).

    No que se refere ainda s conseqncias da extino do Servio, Gonalves

    (2009) destaca que talvez o maior impacto da medida do novo Governo tenha sido

    sobre os recursos humanos do sistema de informaes.

    3 Fernando Collor de Mello reestruturou a Presidncia da Repblica e os Ministrios por meio da Medida Provisria

    n 150, de 15 de maro de 1990, convertida na Lei n 8.028, de 12 de abril de 1990. 4 No mbito da SAE foi criado o Departamento de Inteligncia (DI), cuja nica funo era implementar medidas de proteo a assuntos sigilosos, em nvel nacional. 5 Escola Nacional de Informaes, criada em 1972.

  • 17

    Nesse sentido, aponta o autor, houve demisses em massa dos funcionrios

    civis que trabalhavam no SNI e os militares, profissionais competentes, de larga

    experincia, foram automaticamente reconduzidos s respectivas foras. Em

    decorrncia, houve prejuzos carreira dos profissionais que atuavam h muito tempo

    na rea e causou-se uma ruptura cronolgico-institucional com impactos arrasadores

    sobre a cultura de inteligncia no Brasil (GONALVES, 2009).

    Finalmente, sobre os passos que o Brasil deu em direo implementao

    de uma nova agncia de inteligncia, transcrevemos, a seguir, algumas linhas do estudo

    de Gonalves (2009):

    Durante a primeira metade da dcada de 1990, a atividade de inteligncia de

    Estado no Brasil permaneceu legada a segundo plano. Entretanto, apesar da

    quase inoperncia do rgo de inteligncia civil, os demais membros da

    comunidade de informaes do Pas continuaram atuando, muitos se

    fortalecendo em suas respectivas reas, particularmente a inteligncia militar

    e a criminal. De toda maneira, o fantasma do SNI e do autoritarismo

    continuava a assombrar o debate sobre o papel da inteligncia no regime

    democrtico.

    As mudanas na Ordem Internacional e a consolidao da democracia no

    Brasil acabaram possibilitando, a partir da segunda metade da dcada de

    1990, o ressurgimento da discusso sobre a importncia do Estado brasileiro

    possuir um servio de inteligncia. [...]

    [...]

    Em 1997, foi criado um grupo de trabalho encarregado de elaborar o texto de

    um Projeto de Lei para a criao do novo servio de inteligncia, a ser

    submetido ao Congresso. Vrios modelos e servios de inteligncia pelo

    mundo foram analisados. Dentre os vrios casos, o modelo canadense

    pareceu o mais interessante para a realidade brasileira: uma nica

    organizao civil, sem poder de polcia, com atribuies de inteligncia

    interna, externa e contra-inteligncia, voltada especialmente para a segurana

    interna, e conduzindo suas atividades na estrita observncia do ordenamento

    jurdico-constitucional em defesa do Estado democrtico e da sociedade.

    Ademais, as similitudes entre os dois pases, particularmente no que concerne

    a objetivos nacionais e a questes de segurana, evidenciaram-se. Os laos

    com o servio secreto canadense se estreitariam a partir de ento, por meio do

    aumento no intercmbio de informaes.

    Esse processo culminou, em 7 de dezembro de 1999, na promulgao da Lei

    n 9.883, que criava Agncia Brasileira de Inteligncia (Abin) e institua o

    Sistema Brasileiro de Inteligncia (Sisbin). Estava restabelecida a atividade

    de inteligncia de Estado no Brasil.

    A ABIN foi, portanto, criada com o intuito de ser um rgo de inteligncia

    adequado aos padres do regime democrtico, com estrita obedincia s leis, aos

  • 18

    princpios constitucionais, aos direitos e s garantias individuais (ROCHA, 2007, p.

    175).

    Como disposto no Decreto n 4.376, de 13 de setembro de 2002, a ABIN o

    rgo central do Sisbin, cujo objetivo integrar as aes de planejamento e execuo

    da atividade de inteligncia do Pas, com a finalidade de fornecer subsdios ao

    Presidente da Repblica nos assuntos de interesse nacional ( 1 do art. 1).

    De acordo, tambm, com o mencionado decreto, o Sisbin responsvel pelo

    processo de obteno e anlise de dados e informaes e pela produo e difuso de

    conhecimentos necessrios ao processo decisrio do Poder Executivo, em especial no

    tocante segurana da sociedade e do Estado, bem como pela salvaguarda de assuntos

    sigilosos de interesse nacional ( 2, art. 1).

    Consoante o Decreto n 4.872/2003, que alterou o 4.376/2002, o Sisbin

    composto pelos seguintes rgos:

    Art. 4 [...]

    I - Casa Civil da Presidncia da Repblica, por meio do Centro Gestor e

    Operacional do Sistema de Proteo da Amaznia - CENSIPAM;

    II - Gabinete de Segurana Institucional da Presidncia da Repblica, rgo

    de coordenao das atividades de inteligncia federal;

    III - Agncia Brasileira de Inteligncia - ABIN, do Gabinete de Segurana

    Institucional da Presidncia da Repblica, como rgo central do Sistema;

    IV - Ministrio da Justia, por meio da Secretaria Nacional de Segurana

    Pblica, da Diretoria de Inteligncia Policial do Departamento de Polcia

    Federal e do Departamento de Polcia Rodoviria Federal;

    V - Ministrio da Defesa, por meio do Departamento de Inteligncia

    Estratgica da Secretaria de Poltica, Estratgia e Assuntos Internacionais, da

    Subchefia de Inteligncia do Estado-Maior de Defesa, do Centro de

    Inteligncia da Marinha, do Centro de Inteligncia do Exrcito e da

    Secretaria de Inteligncia da Aeronutica;

    VI - Ministrio das Relaes Exteriores, por meio da Coordenao-Geral de

    Combate aos Ilcitos Transnacionais da Subsecretaria-Geral de Assuntos

    Polticos;

    VII - Ministrio da Fazenda, por meio da Secretaria-Executiva do Conselho

    de Controle de Atividades Financeiras, da Secretaria da Receita Federal e do

    Banco Central do Brasil;

    VIII - Ministrio do Trabalho e Emprego, por meio da Secretaria-Executiva;

    IX - Ministrio da Sade, por meio do Gabinete do Ministro de Estado e da

    Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria - ANVISA;

    X - Ministrio da Previdncia Social, por meio da Secretaria-Executiva;

  • 19

    XI - Ministrio da Cincia e Tecnologia, por meio do Gabinete do Ministro

    de Estado;

    XII - Ministrio do Meio Ambiente, por meio da Secretaria-Executiva; e

    XIII - Ministrio da Integrao Nacional, por meio da Secretaria Nacional de

    Defesa Civil;

    XIV - Controladoria-Geral da Unio, por meio da Secretaria-Executiva

    (redao dada pelo Decreto n 6.540/2008).

    2.3 Conceito

    A definio do que inteligncia no consenso entre os diversos autores

    que estudam e tratam do assunto. De um lado, h os que defendem a idia de que a

    atividade est baseada no segredo, conferindo-lhe um sentido mais estrito. De outro,

    aqueles que entendem a atividade de inteligncia de forma mais ampla, isto , como um

    instrumento que possibilita, por meio de tcnicas e mtodos prprios, a transformao

    de dados e informaes em conhecimento, com vistas a subsidiar a tomada de deciso.

    De acordo com Cepik6, inteligncia designa um conflito entre atores que

    lidam predominantemente com obteno/negao de informaes. Propositadamente

    vago e eufemstico, o termo inteligncia, segundo esse autor, refere-se ao que servios

    de inteligncia fazem concretamente em contextos poltico-organizacionais

    especficos. Ainda assim, conclui, inteligncia descreve melhor o arco operacional

    contemporneo dessa funo do que outras noes muito restritivas (espionagem) ou

    excessivamente amplas (informao).

    Desse modo, na viso do autor, o termo inteligncia utilizado em dois

    sentidos. O primeiro, amplo, diz que inteligncia toda informao coletada,

    organizada ou analisada para atender as demandas de um tomador de decises qualquer

    (CEPIK, 2003, p. 27).

    Nesse sentido, Cepik (2003, p. 27) esclarece que a sofisticao tecnolgica

    crescente dos sistemas de informao que apiam a tomada de decises tornou corrente

    o uso do termo inteligncia para designar essa funo suporte, seja na rotina dos

    governos, no meio empresarial ou mesmo em organizaes sociais.

    6 Notas da aula ministrada por Marco A. C. Cepik durante o curso de ps-graduao lato sensu de especializao em inteligncia de Estado e inteligncia de segurana pblica com inteligncia competitiva, oferecido pela Escola

    Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais em parceria com o Centro Universitrio Newton Paiva no perodo de

    abril/2008 a maro/2009.

  • 20

    O segundo sentido dado ao termo possui um carter mais restrito e

    representa o entendimento do citado autor. Nesse caso, a inteligncia definida como

    sendo a coleta de informaes sem o consentimento, a cooperao ou mesmo o

    conhecimento por parte dos alvos da ao, o que lhe confere o mesmo sentido de

    segredo ou informao secreta (CEPIK, 2003, p. 27).

    Assim, para demonstrar a problemtica conceitual em relao inteligncia,

    Cepik (2003, p. 28) assevera que:

    Ignorar a definio restrita implicaria perder de vista o que torna afinal essa

    atividade problemtica. No mundo real, porm, as atividades dos servios de

    inteligncia so mais amplas do que a espionagem, e tambm so mais

    restritas do que o provimento de informaes em geral sobre quaisquer temas

    relevantes para a deciso governamental. Isso coloca uma dificuldade muito

    concreta, no meramente semntica, para uma conceituao precisa da

    atividade de inteligncia que permita diferenci-la, simultaneamente, da

    noo excessivamente ampla de informao e da noo excessivamente

    restrita de espionagem.

    Buscando tambm demonstrar a dificuldade de entendimento sobre o que

    seja a atividade de inteligncia, Cardoso Jnior (2007, p. 56) tece o seguinte

    comentrio:

    H tambm uma causa etimolgica que contribui bastante para confundir as

    pessoas sobre a melhor conceituao dessa atividade. A palavra inteligncia

    apresenta uma srie de significados diferentes dentro do universo semntico

    nacional, o que lhe confere a caracterstica de baixo teor seletivo. Esse

    vocbulo nem sempre evoca um objeto preciso na mente, e at mesmo os

    dicionrios brasileiros mais modernos so evasivos quando se trata de

    caracterizar adequadamente a inteligncia com o sentido pretendido nesta

    obra, qual seja, como processo de tratamento de informaes, transformando

    dados e informaes em conhecimento aplicvel na conquista dos objetivos

    organizacionais.

    No tocante a essa divergncia de opinies, relativa ao conceito de

    inteligncia, Antunes (2002, p. 18-19) expe o seguinte:

    Em meio ao debate que surge na dcada de 1990, Jennifer Sims afirmou que

    a inteligncia no estaria envolvida apenas com o segredo, e que quaisquer

    tipos de informaes coletadas para o processo de deciso seriam

    considerados inteligncia. Em sua concepo, intelligence is best defined as

    information collected, organized, or analyzed on behalf of the actors or

    decision makers. Such information include technical data, trends, rumors,

    pictures, or hardware.

    De acordo com Sims, seria a organizao particular do material coletado, que

    se destina a auxiliar as tomadas de deciso, que transformaria simples

    recortes de jornais em produto de inteligncia: A pile of newspapers on a

    decision makers desk does not constitute intelligence. Even a set of clippings

    of those newspapers, organized by subjects matters, is not intelligence. A

  • 21

    subject clips, selected expressly for the needs of decision makers, is

    intelligence.

    Essa definio implicaria, necessariamente, que toda informao analisada

    para auxiliar uma tomada de decises seria um produto de inteligncia, desde

    uma pesquisa empresarial com a finalidade de saber a aceitao de um

    produto no mercado at o desenvolvimento de submarinos a propulso

    nuclear desenvolvidos na China. Conseqentemente, qualquer organismo ou

    instituio poderia ser considerado um servio de inteligncia em potencial.

    Em contrapartida posio de Sims, tem-se a definio de Abram Shulsky.

    Esse autor restringe a rea de atuao da atividade de inteligncia e a vincula

    sua forma de organizao, ao segredo e competio entre Estados.

    Ainda no que tange definio do que vem a ser a atividade inteligncia,

    Antunes (2002, p. 21) ressalta a importncia de se diferenciar inteligncia de

    espionagem. Nesse sentido, a autora esclarece que:

    O senso comum normalmente associa a atividade de inteligncia a

    espionagem, trapaas e chantagens, imagem amplamente incentivada pela

    literatura ficcional e pela mdia. No obstante o termo intelligence ser um

    eufemismo anglo-saxo para a espionagem, esta apenas uma parte do

    processo de inteligncia, que muito mais amplo [...].

    Portanto, a atividade de inteligncia refere-se a certos tipos de informaes,

    relacionadas segurana do Estado, s atividades desempenhadas no sentido

    de obt-las ou impedir que outros pases a obtenham e s organizaes

    responsveis pela realizao e coordenao da atividade na esfera estatal.

    Trata-se de uma definio mais precisa sobre o escopo da atividade de

    inteligncia, que permite iluminar certas incompreenses que vm sendo

    percebidas no debate brasileiro.

    Alinhado viso mais ampla de inteligncia, que no pressupe o segredo,

    mas sim aspectos metodolgicos da produo do conhecimento, Pacheco (2006)

    defende a idia de que a atividade de inteligncia, assim como a pesquisa cientfica, a

    investigao criminal e o processo penal, utiliza um conjunto de tcnicas e

    instrumentos, com a finalidade de buscar a verdade, como se segue:

    A pesquisa cientfica, as atividades e operaes de inteligncia, a

    investigao criminal e o processo penal buscam a verdade.

    A evoluo de seus mtodos, tcnicas e instrumentos de busca da verdade,

    portanto, podem ser reconduzidos a um modelo nico de comparao. Por

    exemplo, a tcnica de pesquisa denominada observao (participante ou no),

    utilizada na pesquisa cientfica, uma idia bsica que se denomina

    respectivamente vigilncia, na inteligncia, e campana, na investigao

    criminal.

    As diferenas fundamentais so os critrios de aceitabilidade da verdade,

    objetivos, marcos tericos e regras formais especficas de produo. Por

    exemplo, no processo penal, objetiva-se uma verdade processual, necessria

    tomada de deciso judicial, enquanto, numa atividade de inteligncia

  • 22

    destinada a um 'processo poltico', o grau de aceitabilidade do carter de

    verdade de um fato o necessrio para uma deciso poltica.

    Os mtodos, tcnicas e instrumentos das atividades e operaes de

    inteligncia e de investigao criminal podem ser reconduzidos ao modelo

    geral do mtodo cientfico.

    Todos estabelecem um problema, hiptese, objetivo, justificativa/relevncia,

    situao do tema/problema, marco terico, mtodos/tcnicas/instrumentos de

    pesquisa, populao/amostra, cronograma, concluso, produo do relatrio

    de pesquisa etc. As terminologias podem ser diferentes, mas a idia bsica a

    mesma.

    No existe um saber consolidado sobre a investigao criminal, ao contrrio

    do que ocorre, por exemplo, na metodologia cientfica (investigao

    cientfica ou pesquisa cientfica) e nas atividades de inteligncia

    ('investigao' de inteligncia, ou seja, operaes de inteligncia).

    Sobre o assunto, Platt (1974, p. 30) define informaes (intelligence) como

    sendo um termo especfico e significativo, derivado da informao, informe, fato ou

    dado que foi selecionado, avaliado, interpretado e, finalmente, expresso de forma tal que

    evidencie sua importncia para determinado problema de poltica nacional corrente.

    J Kent (1967, p. 17-153) descreve a inteligncia sob trs aspectos:

    conhecimento, organizao e atividade. Esses trs aspectos, segundo Gonalves (2008,

    p. 133-134), tambm podem ser entendidos como produto, organizao e processo.

    Nesse sentido, o autor apresenta as seguintes definies (GONALVES, 2008, p. 133-

    134):

    - Inteligncia como produto, conhecimento produzido: trata-se do resultado

    do processo de produo de conhecimento e que tem como cliente o tomador

    de deciso em diferentes nveis. Assim, relatrio/documento produzido com

    base em um processo que usa metodologia de inteligncia tambm chamado

    de inteligncia. Inteligncia , portanto, conhecimento produzido.

    - Inteligncia como organizao: diz respeito s estruturas funcionais que tm

    como funo primordial a obteno de informaes e produo de

    conhecimento de inteligncia. Em outras palavras, so as organizaes que

    atuam na busca do dado negado, na produo de inteligncia e na salvaguarda

    dessas informaes, os servios secretos.

    - Inteligncia como atividade ou processo: refere-se aos meios pelos quais

    certos tipos de informao so requeridos, coletados/buscados, analisados e

    difundidos, e, ainda, os procedimentos para a obteno de determinados

    dados, em especial, aqueles protegidos. Esse processo segue metodologia

    prpria.

    De modo semelhante, Shulsky e Schmitt (2002, p. 1-3, apud GONALVES,

    2008, p. 136) conceituam inteligncia como informao, atividades e organizaes.

    Gonalves (2008, p. 136), ao citar os mencionados autores, nos explica que:

  • 23

    Os autores identificam inteligncia com a informao relevante para se formular e implementar polticas voltadas aos interesses de segurana

    nacional e para lidar com as ameaas atuais ou potenciais a esses interesses. J como atividade, a inteligncia compreende a coleta e a anlise

    de informaes e inclui atividades destinadas a conter as aes de inteligncia

    adversas nesse sentido, a contra-inteligncia estaria contida na inteligncia. Por fim, o termo tambm diz respeito a organizaes que exeram a

    atividade, atribuindo a essas organizaes uma de suas caractersticas mais

    importantes, o secretismo necessrio conduta de suas atividades.

    Outra definio, apresentada por Lowenthal (2003, p. 1-2, apud

    GONALVES, 2008, p. 137), diz respeito diferena entre inteligncia e informao,

    como se segue:

    To many people, intelligence seems little different from information, except

    that it is probably secret. However, it is important to distinguish between the

    two. Information is anything that can be known, regardless of how it may be

    discovered. Intelligence refers to information that meets the stated or

    understood needs of policymakers and has been collected, refined and

    narrowed to meet those needs. Intelligence is a subset of the broader

    category of information; intelligence and the entire process by wich it is

    identified, obtained, and analyzed respond to the needs of policy makers. All

    intelligence is information; not all information is intelligence7.

    No Brasil, alis, quando se menciona a atividade de informaes,

    automaticamente se faz associao dessa atividade com o antigo Servio Nacional de

    Informaes (SNI). Tal fato no de se estranhar, vez que esse rgo concentrou

    enormes poderes durante os anos de ditadura militar a que fomos submetidos, como

    visto anteriormente. Convm, portanto, ressaltar mais uma vez esse aspecto, a partir das

    lies de Antunes (2002, p. 21-22), que assim esclarece:

    O termo inteligncia, entendido nesse sentido, passou a fazer parte do debate

    poltico brasileiro principalmente a partir da dcada de 1990, aps a extino

    do Servio Nacional de Informaes (SNI), no obstante haver referncias a

    este tipo de atividade desde 1927. O termo emergiu de uma tentativa de

    acobertar e superar uma identidade deteriorada que havia se formado em

    torno da atividade de informaes no regime militar, equivalente a represso

    e violao dos direitos civis. No Brasil, assim como nos demais pases do

    Cone Sul, existe uma forte desconfiana em relao a essa atividade, que

    decorre do perfil assumido por seus rgos de informaes durante o ltimo

    ciclo de regimes militares. Nesses pases, os servios de informaes

    7 Para muitas pessoas, inteligncia difere pouco de informao, exceto pelo fato de que provavelmente secreta.

    Entretanto, importante distinguir uma da outra. Informao qualquer coisa que pode ser conhecida, independente

    de como pode ser descoberta. Inteligncia se refere informao que vai ao encontro das necessidades estabelecidas

    ou conhecidas dos formuladores de polticas, e que foi coletada, analisada e relatada para satisfazer a essas

    necessidades. Inteligncia espcie do gnero informao; inteligncia e todo o processo pelo qual identificada, obtida e analisada atende s necessidades dos formuladores de polticas. Toda inteligncia informao; mas nem

    toda informao inteligncia. (Traduo livre)

  • 24

    converteram-se em Estados paralelos com alto grau de autonomia, enorme

    poder e capacidade operacional.

    Nesse sentido, ainda no que se refere distino conceitual entre

    informaes e inteligncia, no mbito do Estado brasileiro, Gonalves (2008, p.

    138) informa que:

    Assim, nessa perspectiva anglo-saxnica, inteligncia seria a informao

    processada e analisada com o objetivo de assessorar o processo decisrio.

    Essa percepo do termo inteligncia foi incorporada doutrina brasileira a

    partir da dcada de 1990, aps a redemocratizao, quando o termo

    informaes, mais adequado lngua portuguesa, foi substitudo por inteligncia. As razes dessa mudana foram sobretudo de ordem poltica, de modo a se tentar banir termos associados ao regime autoritrio. Fica o

    esclarecimento de que, na nova doutrina de segurana, informaes passou a ser entendido como inteligncia, que tambm no a mesma coisa de informao, mais relacionada com um conjunto de conhecimentos reunidos sobre determinados assuntos.

    O mencionado autor demonstra tambm a diferenciao dos conceitos de

    inteligncia e informao apresentada no Glossrio da Organizao do Tratado do

    Atlntico Norte (OTAN), conforme se segue (GONALVES, 2008, p. 138):

    [...] Na perspectiva da OTAN, a informao se refere aos dados brutos, que sero analisados para a produo de um conhecimento de inteligncia,

    informao processada com vistas a subsidiar o processo decisrio. E o

    Glossrio registra tambm o termo inteligncia estratgica, como inteligncia destinada a subsidiar a elaborao de planos militares e polticos em mbito nacional e internacional.

    J no entendimento de Antunes (2002, p. 20-21), a definio mais precisa

    sobre o que vem a ser a atividade de inteligncia apresentada por Michael Herman em

    Intelligence power in peace and war (1996). Segundo essa autora, alm de precisar as

    atividades relacionadas ao ciclo de inteligncia, [o autor] tambm analisa sua influncia

    e papel nas relaes polticas nacionais e internacionais (ANTUNES, 2002, p. 20).

    Para ilustrar seu entendimento, Antunes (2002, p. 21) cita o conceito de

    inteligncia descrito por Herman (1996), nos seguintes termos: Intelligence in

    government is based on the particular set of organizations with that name: the

    intelligence services or intelligence community. Intelligence activity is what they

    do, and intelligence knowledge, what they produce, e conclui que (ANTUNES, 2002, p.

    21):

  • 25

    Ao se definir que inteligncia o que as organizaes de inteligncia fazem,

    fica muito mais prtico estabelecer o que deve e o que no deve ser

    considerado inteligncia. A inteligncia neste caso no definida como um

    conceito a partir do qual se possa afirmar que informaes sobre o meio ambiente no dizem respeito atividade de inteligncia e que informaes

    sobre a fabricao de armamento nuclear dizem mas a partir do seu contexto organizacional.

    A concluso de Gonalves quanto ao significado de inteligncia pode ser

    assim descrita, conforme as palavras do prprio autor (GONALVES, 2008, p. 141-

    142):

    Assim, para se compreender o significado de inteligncia, fundamental que

    se entenda que se trata de um conhecimento processado a partir de matria bruta, com metodologia prpria , obtido de fontes com algum aspecto de sigilo e com o objetivo de assessorar o processo decisrio. Atente-se para o

    fato de que a inteligncia lida tambm com fontes abertas, ostensivas, mas

    para que se produza um conhecimento de inteligncia necessrio, de

    maneira geral, que haja alguma parcela de dados sigilosos em sua produo.

    Claro que pode haver produo de conhecimento de inteligncia que seja

    sigiloso no necessariamente pelos dados nele utilizados, mas pela anlise

    realizada. Alm de conhecimento, a atividade de inteligncia poder ser o

    processo de produo em si ou, ainda, a organizao encarregada de obter,

    produzir e difundir inteligncia, tambm chamada de servio secreto.

    Destarte, essa gama de definies acaba sintetizada na concepo original de

    Kent, que entende inteligncia como conhecimento (produto), atividade

    (processo) e organizao (produtor).

    A Lei n 9.883, de 7 de dezembro de 1999, que instituiu o Sistema

    Brasileiro de Inteligncia (Sisbin) e criou a Agncia Brasileira de Inteligncia (ABIN),

    por sua vez, apresenta, em seu artigo 1, 2 e 3, o seguinte conceito de inteligncia e

    contra-inteligncia:

    Art. 1 [...]

    2 Para os efeitos de aplicao desta Lei, entende-se como inteligncia a

    atividade que objetiva a obteno, anlise e disseminao de conhecimentos

    dentro e fora do territrio nacional sobre os fatos e situaes de imediata ou

    potencial influncia sobre o processo decisrio e a ao governamental e

    sobre a salvaguarda e a segurana da sociedade e do Estado.

    3 Entende-se como contra-inteligncia a atividade que objetiva neutralizar

    a inteligncia adversa.

    Com base em toda a discusso e divergncia doutrinria, a atividade de que

    trata o presente estudo corresponde ao conceito mais amplo de inteligncia, ou seja,

    considerada como um instrumento que possibilita, por meio de mtodos e tcnicas

  • 26

    prprios, a coleta e a busca de dados e informaes com vistas produo de

    conhecimento, que servir como subsdio tomada de deciso8.

    Assim, lanamos mo dos argumentos apresentados por Almeida Neto para

    justificar a adoo do conceito de atividade de inteligncia em sentido amplo. Eis o

    entendimento do autor, com o qual compartilhamos (ALMEIDA NETO, 2009, p. 23-

    24):

    Entendemos que o conceito restrito de inteligncia, identificando-a com

    segredo, no se revela suficiente para retratar, em todos os seus reveses, a

    atividade objeto do presente estudo, principalmente por desconsiderar, em

    larga medida, uma ingente parcela de sua dinmica analtica e operacional.

    O fato de a inteligncia ter que trabalhar, no raro, com o segredo (seja no

    que diz respeito ao que se busca, seja no que tange ao que se pretende

    proteger) no justifica a limitao do seu conceito coleta, apenas, de

    informao secreta.

    Contudo, esse autor reconhece que, em diversos casos, o segredo est

    presente na atividade de inteligncia, trazendo tona exatamente a face mais crtica e

    problemtica dessa atividade. No entanto, segundo ele, o que torna a atividade de

    inteligncia to singular no o secretismo, mas sim trs aspectos: 1) as regras formais

    especficas de produo do conhecimento; 2) os seus critrios de aceitabilidade da

    verdade e marcos tericos prprios; e 3) a finalidade de assessoramento de um tomador

    de deciso (ALMEIDA NETO, 2009, p. 25).

    Por fim, o citado autor resume a definio de inteligncia da seguinte forma

    (ALMEIDA NETO, 2009, p. 28):

    [...] possvel definir inteligncia como a atividade permanente e

    especializada de obteno de dados, produo e difuso metdica de

    conhecimentos, a fim de assessorar um decisor na tomada de uma deciso,

    com o resguardo do sigilo, quando necessrio para a preservao da prpria

    utilidade da deciso, da incolumidade da instituio ou do grupo de pessoas a

    que serve. Tal atividade, em sentido amplo, abrange, ainda, a preveno,

    deteco, obstruo e neutralizao das ameaas (internas e externas) s

    informaes, reas, instalaes, meios, pessoas e interesses a que a

    organizao serve (contra-inteligncia).

    8 Processo decisrio a escolha de uma linha de ao, dentre uma ou mais alternativas, que conduza eficcia dos objetivos pretendidos; pode ser tanto o ltimo passo de um planejamento estratgico, quanto a deliberao sobre uma

    situao rotineira e de momento; consubstancia-se na idia do timo. Conceito apresentado pelo Cel. Jos Eduardo da Silva em aula ministrada no curso de ps-graduao lato sensu de especializao em inteligncia de Estado e

    inteligncia de segurana pblica com inteligncia competitiva, oferecido pela Fundao Escola Superior do

    Ministrio Pblico de Minas Gerais, em parceria com o Centro Universitrio Newton Paiva, no perodo de abril/2008

    a maro/2009.

  • 27

    2.4 Ramos

    De modo geral, a doutrina entende que inteligncia (lato sensu), enquanto

    atividade de assessoramento informacional para a tomada de decises, compreende dois

    ramos, a saber: inteligncia stricto sensu e contra-inteligncia (ALMEIDA NETO,

    2009, p. 49-50).

    A inteligncia em sentido estrito, segundo Almeida Neto (2009, p. 49-50),

    corresponde a:

    A atividade permanente e especializada de coleta de dados, produo e

    difuso metdica de conhecimentos, a fim de assessorar o usurio na tomada

    de deciso relevante, com o resguardo do sigilo quando necessrio para a

    preservao da prpria utilidade da deciso, da incolumidade da instituio

    ou do grupo de pessoas a que serve.

    A contra-inteligncia, por sua vez, a atividade de deteco, identificao,

    avaliao, preveno, obstruo, explorao e neutralizao das ameaas, internas e

    externas, s informaes sensveis que a organizao detm ou s suas reas,

    instalaes, pessoas e interesses, inclusive provenientes de inteligncia adversa

    (ALMEIDA NETO, 2009, p. 50).

    De acordo com a Doutrina9 Nacional de Inteligncia de Segurana Pblica

    DNISP (2007, p. 16), esses dois ramos devem ser considerados indissoluvelmente

    ligados, ou seja, so partes de um todo, no possuindo limites precisos, uma vez que se

    interpenetram, se inter-relacionam e interdependem.

    Nesse sentido, Gonalves (2008, p. 174) ressalta que qualquer servio de

    inteligncia faz tanto inteligncia (anlise de informaes para produo de

    conhecimento) quanto contra-inteligncia (salvaguarda das informaes produzidas, da

    organizao, das pessoas e instalaes e dos processos contra a atividade de inteligncia

    adversa.

    Existem, ainda, as chamadas operaes de inteligncia, que no so

    propriamente um ramo autnomo da atividade de inteligncia, mas sim um conjunto de

    9 Pode-se conceituar doutrina de inteligncia como um conjunto de princpios, conceitos, normas, mtodos e valores

    que orienta e disciplina a atividade de inteligncia (notas da aula ministrada pelo Cel. Pedro Busch Neto no curso de

    ps-graduao lato sensu de especializao em inteligncia de Estado e inteligncia de segurana pblica com

    inteligncia competitiva, oferecido pela Escola Superior do Ministrio Pblico de Minas Gerais em parceria com o

    Centro Universitrio Newton Paiva, no perodo de abril/2008 a maro/2009).

  • 28

    tcnicas e procedimentos utilizados para auxiliar a atividade de inteligncia em sentido

    estrito e a contra-inteligncia a buscar dados negados ou indisponveis, bem como, em

    certas situaes, para neutralizar aes adversas (ALMEIDA NETO, 2009, p. 59), como

    ser visto mais frente, no item 2.4.3 deste trabalho.

    2.4.1 Inteligncia stricto sensu

    O cerne da atividade de inteligncia em sentido estrito a produo de

    conhecimento, que pode ser entendida como a transformao do dado em

    conhecimento, por meio da utilizao de determinado procedimento metodolgico e de

    tcnicas especficas (ALMEIDA NETO, 2009, p. 50).

    Segundo a DNISP (2007, p. 17), dado toda e qualquer representao de

    fato, situao, comunicao, notcia, documento, extrato de documento, fotografia,

    gravao, relato, denncia, etc., ainda no submetida pelo profissional de ISP

    metodologia de Produo de Conhecimento.

    J o conhecimento o resultado final expresso por escrito ou oralmente

    pelo profissional de ISP da utilizao da metodologia de Produo de Conhecimento

    sobre dados e/ou conhecimentos anteriores (DNISP, 2007, p. 17).

    Em sntese, produzir conhecimento transformar dados e/ou

    conhecimentos em conhecimentos avaliados, significativos, teis, oportunos e seguros,

    de acordo com metodologia prpria e especfica (DNISP, 2007, p. 17).

    Esse processo de transformao do dado em conhecimento til,

    significativo, avaliado, oportuno e seguro, a partir da adoo de uma seqncia lgica

    de aes, conhecido como ciclo da produo do conhecimento de inteligncia.

    Acerca do ciclo de inteligncia, Almeida Neto (2009, p. 50) assevera o

    seguinte:

    Despiciendo lembrar que o mtodo de construo do conhecimento de

    inteligncia e, por conseguinte, o ciclo de tal atividade, foram forjados a

    partir de um especfico critrio de aceitabilidade da verdade, imbudo da

    primazia dos princpios da oportunidade e utilidade sobre a prpria

    verificabilidade do conhecimento produzido (possibilidade de o

    conhecimento ser testado).

    Para a DNISP (2007, p. 20), o ciclo da produo de conhecimento (CPC)

    pode ser definido como um processo formal e regular separado em duas etapas

  • 29

    principais, uma vinculada reunio de dados e a outra ao processo de anlise. Nesse

    processo, o conhecimento produzido disponibilizado aos usurios agregando-se

    medidas de proteo e negao do conhecimento.

    Nesse sentido, Antunes (2002, p. 31) descreve o ciclo de inteligncia da

    seguinte forma:

    Entende-se por ciclo de inteligncia a descrio de um processo no qual as

    informaes coletadas principalmente pelas agncias de inteligncia so

    postas disposio de seus usurios. Na realidade, ele pode ser definido

    basicamente em duas grandes etapas: uma de coleta e outra de anlise, que se

    encontram organizacionalmente estabelecidas, vinculadas a diferentes rgos

    estatais.

    Em relao s etapas que constituem o ciclo de inteligncia, no h

    consenso entre os autores. De acordo com Cepik (2003, p. 32), as descries

    convencionais do ciclo da inteligncia chegam a destacar at 10 passos ou etapas

    principais que caracterizariam a atividade, quais sejam:

    1. Requerimentos informacionais. 2. Planejamento. 3. Gerenciamento dos

    meios tcnicos de coleta. 4. Coleta a partir de fontes singulares. 5.

    Processamento. 6. Anlise das informaes obtidas de fontes diversas. 7.

    Produo de relatrios, informes e estudos. 8. Disseminao dos produtos. 9.

    Consumo pelos usurios. 10. Avaliao (feedback).

    Sobre a diversidade de entendimentos acerca das etapas do ciclo de

    inteligncia, vale destacar a opinio de Cepik (2003, p. 32):

    A prpria idia de ciclo de inteligncia deve ser vista como uma metfora,

    um modelo simplificado que no corresponde exatamente a nenhum sistema

    de inteligncia realmente existente. Por outro lado, essa falta de acuidade

    descritiva no o que mais importa, pois a caracterizao das atividades de

    inteligncia enquanto um processo de trabalho complexo e dinmico

    importante para que se possam distinguir as mudanas qualitativas que a

    informao sofre ao longo de um ciclo ininterrupto e inter-relacionado de

    trabalho. A principal contribuio da idia de ciclo de inteligncia

    justamente ajudar a compreender essa transformao da informao e

    explicitar a existncia desses fluxos informacionais entre diferentes atores

    (usurios, gerentes, coletores, analistas etc.).

    Na viso de Kent (1967, p. 152-153), o mtodo de produo de informaes

    estratgicas admite sete passos ou estgios, a seguir resumidos: 1) aparecimento do

    problema; 2) anlise do problema; 3) busca de dados relacionados ao problema; 4)

    avaliao dos dados; 5) estudo dos dados avaliados momento da hiptese; 6) mais

  • 30

    busca de dados confirmao ou rejeio das hipteses mais provveis; e 7)

    apresentao.

    Washington Platt (1974, p. 102-107), por sua vez, tambm aponta sete fases

    no que ele chama de pesquisa de informaes, quais sejam: 1) levantamento geral; 2)

    definio dos termos; 3) coleta de informes; 4) interpretao dos informes; 5)

    formulao de hipteses; 6) concluses; e 7) apresentao.

    Ao tratar do assunto sob uma perspectiva mais acadmica, Pacheco (2005)

    atribui ao ciclo de produo de conhecimento de inteligncia as seguintes etapas:

    [...] identificao das necessidades informacionais do usurio final

    (requerimento ou determinao da produo de determinada

    informao/conhecimento), planejamento da obteno dos dados/informaes

    requeridos, gerenciamento dos meios tcnicos de obteno, obteno (coleta

    ou busca) dos dados/informaes, processamento dos dados/informaes

    (organizao, avaliao e armazenagem), produo do conhecimento

    (anlise, interpretao e sntese dos dados/informaes), disseminao do

    conhecimento, uso do conhecimento e avaliao do ciclo (feedback quanto ao

    uso do conhecimento para aperfeioamento do ciclo de inteligncia).

    Nos Estados Unidos, segundo Gonalves (2008, p. 185), o modelo mais

    utilizado possui somente cinco fases [planejamento e direo; reunio (coleta/busca);

    processamento; anlise e produo; e disseminao], podendo, inclusive, ser reduzido a

    quatro etapas, que ensejariam o ciclo bsico (reunio, processamento, anlise e

    disseminao).

    No Brasil, entretanto, a doutrina de informaes identifica o ciclo da

    informao em trs grandes etapas: orientao, produo e difuso (GONALVES,

    2008, p. 186).

    Ocorre que, nesse ciclo da informao, a fase de produo corresponde ao

    ciclo da produo do conhecimento, que compreende as seguintes etapas: planejamento;

    reunio (coleta/busca dos dados) e processamento (exame, anlise, integrao e

    interpretao). Assim, aps a produo do conhecimento, procede-se difuso do

    conhecimento produzido, ou seja, retorna-se ltima etapa do ciclo de informao

    (GONALVES, 2008, p. 186).

    A DNISP (2007, p. 20), do mesmo modo, considera que o ciclo da

    produo do conhecimento composto pelas seguintes fases: planejamento; reunio de

    dados, processamento e difuso. Observa-se, pois, que essa composio (com exceo

  • 31

    da difuso) corresponde exatamente ao ciclo da produo do conhecimento descrito no

    pargrafo anterior.

    Agora, passemos a discorrer, de forma sucinta, sobre cada uma das etapas

    que compem o ciclo de produo do conhecimento de inteligncia, conforme a

    doutrina de informaes (GONALVES, 2008, p. 187-192).

    1) Orientao

    Constitui a primeira etapa do ciclo de inteligncia e est relacionada s

    necessidades da atividade, melhor explicando, diz respeito s necessidades do usurio,

    do cliente da atividade, do tomador da deciso.

    Conforme Gonalves (2008, p. 187), em mbito estratgico, essa

    orientao deve ter por base, por exemplo, uma poltica nacional de inteligncia, na qual

    constem os objetivos nacionais, as reas prioritrias de atuao da inteligncia, bem

    como as diretrizes que nortearo as atividades dos servios de inteligncia.

    Ainda de acordo com esse autor, essa uma fase muito importante, pois a

    partir dela que o planejamento estratgico ser elaborado e que os dirigentes dos

    servios de inteligncia podero estabelecer seus planos de atividade.

    2) Produo

    nessa segunda etapa do ciclo que efetivamente ocorre a atividade de

    inteligncia e a produo do conhecimento. Como dito anteriormente, esta fase est

    subdividida em: planejamento, reunio de dados e processamento.

    Segundo Gonalves (2008, p. 188), a partir das orientaes do usurio ou

    das necessidades e diretrizes de uma poltica nacional de inteligncia, os servios de

    inteligncia buscaro reunir os dados, process-los e produzir um conhecimento de

    inteligncia a ser difundido.

    2.1) Planejamento

    Essa fase envolve o gerenciamento do aparato de inteligncia, desde a

    identificao das necessidades de dados a serem reunidos at a produo do documento

    final e sua difuso. Em termos metodolgicos, por meio do planejamento que sero

    direcionadas a coleta e a busca dos dados (GONALVES, 2008, p. 189).

    A DNISP (2007, p. 20), por seu turno, define planejamento com as

    seguintes palavras:

  • 32

    Planejamento a fase do CPC na qual so ordenadas, de forma sistematizada

    e lgica, as etapas do trabalho a ser desenvolvido. A so estabelecidos os

    objetivos e/ou as necessidades, os prazos, prioridades e cronologia, e so

    definidos os parmetros e as tcnicas a serem utilizadas, partindo-se, sempre,

    dos procedimentos mais simples para os mais complexos. Planejar deve

    constituir-se em uma ao rotineira do profissional de inteligncia.

    Para Almeida Neto (2009, p. 52), planejamento a fase na qual so

    traados e concatenados, numa ordem lgica, sistemtica e coerente, os passos em que o

    trabalho ser desenvolvido. O autor prossegue esclarecendo que, nessa fase, o

    profissional de inteligncia dever, de forma minuciosa, delimitar o assunto a ser

    pesquisado, a faixa de tempo a ser considerada, o usurio do conhecimento, a finalidade

    do conhecimento, o prazo para a produo desse conhecimento e os aspectos essenciais

    do assunto, tanto os conhecidos como aqueles a conhecer (ALMEIDA NETO, 2009, p.

    52).

    A partir do planejamento, parte-se ento para a reunio de dados, como ser

    visto a seguir.

    2.2) Reunio de dados

    Pode ocorrer tanto por meio de coleta (dados ostensivos, de fontes abertas),

    quanto de busca (dados negados). Sobre esse assunto, Gonalves (2008, p. 175)

    esclarece:

    A reunio de dados pode se dar por coleta ou busca, procedimentos distintos. A doutrina anglo-saxnica, de maneira geral, no diferencia

    coleta de busca. Nesse sentido, no importa qual a origem do dado, se provenientes de fontes abertas ou se o acesso a ele protegido/restringido. Na

    doutrina brasileira de inteligncia, entretanto, coleta refere-se obteno de informaes de fontes abertas livros, peridicos, documentos pblicos, programas de TV ou rdio, internet, enfim, dados disponveis enquanto busca o termo utilizado para qualquer procedimento de obteno do dado negado ou no-disponibilizado, ou seja, as chamadas informaes classificadas. Nesse segundo caso, h o recurso s tcnicas operacionais para se realizar a busca.

    Assim, por intermdio da etapa de reunio que sero obtidos dados, os

    quais, depois de processados, conduziro produo de um determinado conhecimento.

    No que diz respeito produo do conhecimento, Gonalves (2008, p. 190)

    ressalta uma dificuldade encontrada na atualidade, qual seja, a existncia de grande

    quantidade de informao reunida e a impossibilidade de processamento de toda essa

    informao. Segundo esse autor, em virtude disso, de extrema importncia que se

  • 33

    realize um bom planejamento, visando delimitao dos dados a serem obtidos, para

    evitar, com isso, um excesso de informaes que no tero condies de ser tratadas

    adequadamente (GONALVES, 2008, p. 190).

    Corroborando esse entendimento, Vidigal (2004, p. 36) menciona o

    seguinte:

    fora de dvida, porm, que o excesso de informaes pode ser prejudicial

    por entupir o sistema, tornando difcil para os analistas separar o que

    realmente importante e produzir material suficientemente maturado para os

    formuladores de polticas. Uma superabundncia de informaes coletadas

    resulta num excesso de informes acabados, muitos, de pouco uso para a

    formulao de polticas; acaba por existir demasiado nmero de informes,

    sobre demasiado nmero de assuntos, de tal forma que as pessoas a quem

    eles se dirigem so incapazes de us-los convenientemente.

    Ainda no que tange fase de reunio, convm apresentar, em linhas gerais,

    os diferentes mtodos de obteno de dados que tm como base a natureza das fontes.

    De acordo com Gonalves (2008, p. 192), as fontes podem ser classificadas

    quanto sua confidencialidade (fontes abertas ou fontes classificadas/dado negado) ou

    quanto origem dos dados (de fontes humanas ou de fontes tcnico-cientficas ou

    seja, aquelas obtidas por meios tcnicos).

    Para melhor compreenso do assunto, citamos a seguir os ensinamentos de

    Cepik (2003, p. 35-36) quanto classificao das fontes em relao origem dos dados:

    Os meios de coleta e as fontes tpicas de informao definem disciplinas

    bastante especializadas em inteligncia, que a literatura internacional designa

    atravs de acrnimos derivados do uso norte-americano: humint (human

    intelligence) para as informaes obtidas a partir de fontes humanas, sigint

    (signals intelligence) para as informaes obtidas a partir da interceptao e

    decodificao de comunicaes e sinais eletromagnticos, imint (imagery

    intelligence) para as informaes obtidas a partir da produo e da

    interpretao de imagens fotogrficas e multiespectrais, masint (measurement

    and signature intelligence) para as informaes obtidas a partir da

    mensurao de outros tipos de emanaes (ssmicas, trmicas etc.) e da

    identificao de assinaturas, ou seja, sinais caractersticos e individualizados de veculos, plataformas e sistemas de armas. Alm dessas

    disciplinas, que envolvem tanto fontes clandestinas quanto ostensivas,

    quando a obteno de informaes ocorre exclusivamente a partir de fontes

    pblicas, impressas ou eletrnicas, essa atividade de coleta ento chamada

    de osint (open sources intelligence).

    No tocante classificao apresentada por Cepik, Gonalves (2008, p. 193)

    destaca que se trata de terminologia sobretudo norte-americana, incorporada ao jargo

    internacional. No Brasil, de acordo com esse autor, costuma-se fazer referncia

  • 34

    basicamente inteligncia oriunda de fontes humanas e inteligncia obtida a partir de

    meios tcnicos ou tecnolgicos (GONALVES, 2008, p. 193).

    A forma mais tradicional, comum e barata de reunio de dados pela

    atividade de inteligncia por intermdio das pessoas, chamadas de fontes humanas.

    Segundo Cepik (2003, p. 36), o acrnimo em ingls que designa as fontes humanas

    (humint) um eufemismo tipicamente norte-americano, incorporado ao jargo

    internacional porque evita o uso do termo espionagem, muito mais pesado do ponto de

    vista legal e poltico. Esse autor acrescenta que o acrnimo tambm utilizado para

    demonstrar que a inteligncia obtida a partir de fontes humanas est longe de resumir-

    se aos arqutipos da espionagem (CEPIK, 2003, p. 36).

    J Gonalves (2008, p. 194), ao discorrer sobre o assunto, explica que:

    Assim, a forma organizada mais antiga de obteno de informaes aquela

    realizada por meio das fontes humanas, as quais podem ser oficiais ou no

    oficiais, orgnicas pertencentes aos servios de inteligncia ou no-orgnicas denominadas agentes , conscientes ou no de sua condio. As fontes humanas variam tambm conforme o seu grau de sensibilidade, ou

    seja, o nvel de conhecimento a que tm acesso e de confiabilidade. Nesse

    sentido, Herman estabeleceu um modelo baseado em uma pirmide de

    sensibilidade das fontes, em cujo pice se encontram os oficiais de

    inteligncia e seus agentes locais e na base, pessoas sem vnculo com a

    atividade de inteligncia, mas que podem fornecer informaes importantes

    para a inteligncia, entre os quais viajantes e acadmicos.

    As fontes tcnico-cientficas, por outro lado, so utilizadas pela chamada

    inteligncia tcnica ou tecnolgica, que privilegia o uso de tecnologias para a obteno

    de dados e informaes10

    . A inteligncia tcnica (techint) engloba uma srie de

    subcategorias, entre as quais destacam-se as seguintes: inteligncia de sinais;

    inteligncia fotogrfica ou de imagens; inteligncia de comunicaes; inteligncia

    eletrnica; telemtrica e relacionada interpretao de ondas e sinais eletromagnticos

    ou assinaturas fsicas (GONALVES, 2008, p. 200).

    Assim, pode-se afirmar que a inteligncia humana e a inteligncia

    tecnolgica so complementares e tm vantagens e desvantagens devido a suas

    peculiaridades (GONALVES, 2008, p. 205).

    10 Para maiores esclarecimentos sobre o assunto, consultar CEPIK, Marco A. C. (2003) e GONALVES, Joanisval

    Brito (2008).

  • 35

    Em relao classificao das fontes quanto sua confidencialidade (fontes

    abertas ou fontes classificadas/dado negado), cabe ressaltar que, assim como a humint e

    a techint, a coleta (dados de fontes abertas) e a busca (dados de fontes classificadas)

    tambm so complementares entre si (GONALVES, 2008, p. 207).

    De acordo com Gonalves (2008, p. 208), um meio importante de reunio

    de dados para a produo do conhecimento de inteligncia , sem dvida, a coleta, ou

    seja, a reunio de informaes a partir de fontes abertas.

    Nesse sentido, o autor esclarece que, antes de produzir o conhecimento, o

    analista deve procurar obter o maior nmero de dados/informaes sobre o tema por

    meio das fontes abertas, tambm chamadas de ostensivas (GONALVES, 2008, p.

    208).

    Alm disso, Gonalves (2008, p. 208) ressalta que a partir do que j

    dispe como fruto de coleta, que o analista poder identificar quais as necessidades em

    termos de dado negado e poder acionar os setores de operaes para a busca.

    Sobre as fontes abertas, ou osint (open sources intelligence), Cepik (2003, p.

    51) informa o seguinte:

    De modo geral, osint consiste na obteno legal de documentos oficiais sem

    restries de segurana, da observao direta e no-clandestina dos aspectos

    polticos, militares e econmicos da vida interna de outros pases ou alvos, do

    monitoramento da mdia (jornais, rdio e televiso), da aquisio legal de

    livros e revistas especializadas de carter tcnico-cientfico, enfim, de um

    leque mais ou menos amplo de fontes disponveis cujo acesso permitido

    sem restries especiais de segurana. Quanto mais abertos os regimes

    polticos e menos estritas as medidas de segurana de um alvo para a

    circulao de informaes, maior a quantidade de inteligncia potencialmente

    obtida a partir de programas de osint.

    Assim, Gonalves (2008, p. 209) destaca que a maior parte das informaes

    para a produo de conhecimento encontra-se em fontes abertas, principalmente com o

    advento da Internet.

    Contudo, esse autor ressalta que, de acordo com especialistas, apesar da

    grande quantidade de dados disponveis na Internet, a rede mundial de computadores

    constitui apenas uma fonte de informaes abertas, no sendo nem a mais importante

    (GONALVES, 2008, p. 210).

    J os dados negados, de fontes classificadas, so obtidos por intermdio de

    aes de busca, com a utilizao de tcnicas conhecidas como operaes de

  • 36

    inteligncia, que sero abordadas em momento oportuno (ver item 2.4.3 deste

    trabalho).

    2.3) Processamento

    Aps a reunio, os dados sero processados de acordo com mtodo prprio,

    que envolve as seguintes fases: exame11

    ou avaliao dos dados12

    ; anlise da informao

    neles contida13

    ; integrao dos dados analisados a outros j disponveis14

    e, por ltimo,

    interpretao15

    .

    Desse modo, por meio do processamento que se obtm um conhecimento

    de inteligncia, ou seja, que se chega inteligncia como produto de um mtodo

    especfico de anlise de informaes (GONALVES, 2008, p. 191).

    Cabe destacar, em relao s etapas do ciclo de inteligncia, que a anlise

    constitui o cerne da atividade de inteligncia, como nos mostra Gonalves (2008, p.

    176). Dada sua relevncia, transcrevemos a seguir a explicao desse autor

    (GONALVES, 2008, p. 176-177):

    A anlise o cerne da atividade de inteligncia. Afinal, todos os recursos so

    empregados com o objetivo de se produzir o conhecimento necessrio a

    assessorar o processo decisrio. A anlise vai nortear a reunio (seja por

    coleta ou busca) de informaes e ser o principal objeto de proteo da

    contra-inteligncia. A atividade de inteligncia gira em torno dos relatrios,

    estimativas, memrias e outros documentos elaborados pelos analistas e at

    exposies orais.

    [...]

    Assim, se a anlise para a produo de conhecimento ocupa a posio de

    relevncia na atividade, fundamental que essa anlise siga determinada

    metodologia e que efetivamente chegue ao tomador de deciso de maneira

    oportuna. Os documentos de inteligncia tm, portanto, forma prpria e

    seguem tcnica e metodologia prprias para sua produo. [...]

    11 O exame consiste na verificao inicial do grau de credibilidade dos conhecimentos obtidos e da pertinncia dos mesmos com o assunto da informao a ser produzida. ESG. Doutrina bsica. Rio de Janeiro: 1979. p. 282. Apud Gonalves (2008. p. 190). 12 Em especial no que diz respeito validade dos mesmos, sua veracidade, confiabilidade da fonte e pertinncia da informao (GONALVES, 2008, p. 190). 13 A anlise a decomposio dos conhecimentos j reunidos em fatos significativos que tenham relao com os aspectos essenciais levantados na etapa do planejamento. Comparando-se esses fatos significativos entre si, luz dos

    conhecimentos do analista, so relacionados os fatos que se confirmam. Esses fatos confirmados so considerados

    conhecimentos prontos para a etapa seguinte. ESG. Doutrina bsica. Rio de Janeiro: 1979. p. 282-283. Apud Gonalves (2008, p. 191). 14 A integrao consiste em formar conjuntos coerentes relacionados com os aspectos essenciais, a partir dos fatos significativos relacionados e confirmados. ESG. Doutrina bsica. Rio de Janeiro: 1979. p. 283. Apud Gonalves (2008, p. 191). 15 a etapa na qual o profissional de ISP esclarece o significado final do assunto tratado. Aps o processo de avaliao, anlise e integrao, deve-se buscar estabelecer as relaes de causa e efeito, apontar tendncias e padres

    e fazer previses, baseadas no raciocnio. DNISP, 2007, p. 25.

  • 37

    Por fim, o conhecimento produzido dever ser encaminhado ao tomador de

    deciso ou ser disseminado para outros rgos/servios de inteligncia, o que

    caracteriza a ltima etapa do ciclo de inteligncia, denominada de difuso.

    No obstante a difuso ser considerada como a ltima etapa do ciclo,

    Gonalves (2008, p. 191) alerta para o fato de que o ciclo da inteligncia s

    plenamente concludo quando esse conhecimento utilizado pelo usurio.

    Nesse sentido, o autor acrescenta que a partir da utilizao do

    conhecimento produzido pela inteligncia que so geradas novas demandas, decorrentes

    das necessidades do usurio, o que acaba gerando a retroalimentao do processo. Dessa

    forma, a fase de utilizao do conhecimento produzido pode ser subdividida em

    consumo e feedback (GONALVES, 2008, p. 192).

    2.4.2 Contra-inteligncia

    Como mencionado alhures, a Lei n 9.883, de 7 de dezembro de 1999, que

    instituiu o SISBIN e criou a ABIN, apresenta, em seu artigo 1, 2 e 3, o seguinte

    conceito de inteligncia e contra-inteligncia:

    Art. 1 [...]

    2 Para os efeitos de aplicao desta Lei, entende-se como inteligncia a

    atividade que objetiva a obteno, anlise e disseminao de conhecimentos

    dentro e fora do