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  • 7/31/2019 A arte vdeo_Processos de abstraco e domnio da sensorialidade nas novas linguagens visuais tecnolgicas

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    A arte vdeoProcessos de abstraco e domnio da sensorialidade

    nas novas linguagens visuais tecnolgicas

    Patrcia SilveirinhaUniversidade Nova de Lisboa

    ndice

    1 Introduo 12 O vdeo opera uma mudana 32.1 Vocao anti-televisiva do vdeo 42.2 A vocao narcisista do vdeo . . 62.3 A vocao formalista do vdeo . 82.3.1 Interpenetraes com o cinema

    experimental: algumas linhas

    de leitura . . . . . . . . . . . . 92.3.2 Processos e consequncias . . 153 A ps-modernidade do vdeo 183.1 Crticas e problematizaes . . . 233.2 Relao com o corpo do especta-

    dor: experincia sensorial . . . . 27

    1 Introduo

    Neste texto centrar-nos-emos sobre a ques-to das imagens geradas electrnica, ou di-

    gitalmente. Argumentaremos que as pr-ticas que fazem uso destas novas tecnolo-gias se podem inscrever na continuidade deum questionamento, iniciado com a arte mo-derna, do lugar da representao e do sujeito,operando, no entanto, em relao a esta, umamudana fundamental. Essa mudana dizrespeito ao tipo de comunicao estabelecido

    e ambincia criada pelos novos meios tec-nolgicos, designadamente, na relao esta-belecida com o prprio corpo e no desloca-mento de um enfoque nas possibilidades depercepo, para um nfase nas prprias sen-saes.

    Este deslocamento foi j antevisto porWalter Benjamin1 e por Marshall Ma-cLuhan2 Benjamin atribui um sentido tctil

    s cpias, ao qual ope o sentido ptico dooriginal. Tambm MacLuhan, imputa s no-vas tecnologias uma qualidade tctil, que seope ao domnio do ptico, operando umaruptura com o modernismo, concebido comoa elevao da razo instrumental ao abso-luto. A nova tecnologia, para MacLuhan,anuncia o declnio da razo ocidental ana-ltica (homognea, estandardizada, linear) einicia uma nova era, um retorno aos valores

    perdidos da poca pr-Gutenberg. nosso argumento que possibilidade demanipulao total das imagens, atravs dos

    1 Benjamin, Walter; A Obra de Arte na Erada Sua Reprodutibilidade Tcnica (1936), in Sobre

    Arte, Tcnica, Linguagem e Poltica, Relgio dgua,Lisboa, 1992, pp. 71-113.

    2 MacLuhan, Marshall, A Galxia de Gutenberg,Editora da Universidade de So Paulo, So Paulo,1972. (1a Edio 1962).

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    meios electrnicos e digitais, abre novoscampos de produo cultural que se carac-terizam por uma tendncia abstraccionista,campos onde, sistematicamente, o lugar darepresentao e do sujeito questionado, re-trabalhado, redimensionado. As novas tec-nologias de imagem permitem a criao deum espao e de objectos, sem recurso a qual-quer materialidade prvia, sem qualquer re-lao a referentes preexistentes.

    Este no , no entanto, um processo in-

    teiramente novo. Na pintura, j h muito sehavia rompido os cnones sagrados da repre-sentao. Por outro lado, no cinema - desde avanguarda europeia dos anos vinte ao under-ground americano - encontramos uma artetotalmente experimental, sem qualquer vin-culao a um real preexistente. o casode algumas experincias mais radicais do ci-nema, onde, inclusivamente, a intervenodirecta sobre a pelcula - atravs de riscos,

    pinturas ou colagens - e a sua posterior pro-jeco - convidava j a uma mudana na per-cepo das imagens.

    A questo parece ganhar maior pertinn-cia devido ao facto de a insero do com-putador no domnio artstico afectar todasas imagens produzidas por processos pticos(fotografia, cinema, televiso), na medidaem que todas elas sero, a curto prazo, di-gitalizadas, transmutadas em nmeros, paraserem transmitidas, difundidas, conservadase manipuladas. Com as novas tecnologias,suporte e mensagem confundem-se. As no-vas tecnologias tornam possvel uma produ-o infinita de imagens sem que nenhumadelas preexista como tal. A sua imateriali-dade permite-lhes uma actualizao poten-cial nos diversos meios. Isto provoca umaruptura em relao aos antigos conceitos dereprodutibilidade, cpia e original. Os dis-

    positivos electrnicos e informticos inaugu-ram aquilo que poderamos chamar como acultura do disponvel ou do virtual, algo queexiste em estado de pura possibilidade, masno em acto, e que pode ser actualizado dediversas maneiras. A reprodutibilidade estbaseada na gerao de cpias a partir de umamatriz nica. A digitalizao da imagempossibilita um nmero infinito de cpias semperda alguma de qualidade. A informaoaudiovisual, contida numa cpia de milsima

    gerao, exactamente a mesma contida namatriz de primeira gerao: nem um pixel amais ou a menos. No se trata de copiar, massim de aceder a informao que se encontradisponvel num qualquer banco de dados. Aabstraco, neste sentido lato, toma conta doltimo reduto de referencialidade ou repre-sentatividade material que o cinema domi-nante e a fotografia mantm ao longo destesculo. Sai do domnio estrito das artes para

    invadir a cultura popular.A questo que se coloca , ento, a de sa-ber como e onde se inscreve, e o que podesignificar, essa nova abstraco dos meioselectrnicos e digitais. Uma continuao doprojecto modernista, greenbergiano e forma-lista? Um retorno aos valores perdidos daera pr-Gutenberg, como parece crer o opti-mismo libertador de MacLuhan? Um dom-nio onde a realidade foi metamorfoseada ehibridizada em simulacro de hiperrealidadealienante como defende Baudrillard? Um re-torno a estratgias alegricas que indiciamuma crise de significao, patente na sepa-rao entre o significante e o significado,centrando-se sobre este ltimo, e perspecti-vando, no uma estratgia meramente for-malista, mas uma saturao de sentido euma consequente abertura semntica? Oponto culminar e o exemplo mximo de uma

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    srie de prticas culturais ps-modernas, ca-racterizados por um processo de esquizofre-nia, como argumenta Jameson ao reflectirsobre as prticas de vdeo actuais?

    Estas so algumas das questes que pro-curaremos problematizar ao longo das prxi-mas linhas. Para tal, estruturmos este textoda seguinte forma: em primeiro lugar, tent-mos descortinar as principais tendncias dasprticas do vdeo, nas suas diferenas e re-laes, tendo encontrado trs grandes dom-

    nios: vocao antitelevisiva, vocao narci-sista e vocao formalista do vdeo. Nestaltima, prestaremos particular ateno s in-terpenetraes entre o vdeo e o cinema ex-perimental. Em seguida, procuraremos esta-belecer os procedimentos e as consequnciasresultantes das prticas referidas. A relaodesses procedimentos e consequncias coma questo da ps-modernidade ocupar-nos-a terceira parte deste captulo. Para terminar,

    centrar-no-emos especificamente sobre umaquesto central no nosso argumento: o papeldesempenhado pela experincia sensorial nacomunicao estabelecida com o espectador.

    2 O vdeo opera uma mudana

    A responsabilidade pelo nascimento daquiloa que vir a ser designado como arte vdeo normalmente atribuda a Nam June Paik,quando este realiza, em 1965, Caf Gogo. Oseu nascimento coincide com uma operaocomercial, mais do que com uma descobertatcnica: o lanamento no mercado, por parteda SONY, da telecmara porttil e do vdeogravador.

    Desde o incio que a arte vdeo estabelecerelaes complexas, quer com os restantesdomnios artsticos - nomeadamente com apintura e com o cinema -, quer com os meios

    de cultura popular - designadamente a tele-viso. A hibridez desta nova forma arts-tica prende-se com vrias ordens de razes eencontra-se bem patente nas primeiras tenta-tivas de definir a lgica cultural do vdeo quedefendem, por um lado, uma lgica social-mente determinada (a vocao anti-televisivado vdeo); por outro, uma lgica interna-mente determinada, caracterizada, quer pelasua a vocao expressiva e narcisista, querpelo formalismo do novo meio artstico (se-

    guindo a ideia de que, desde o incio, a artevdeo mantm relaes mais estreitas com asartes plsticas do que com o cinema e com ateleviso).

    Em 1979, Stuart Marshall distingue duasgrandes categorias de obras vdeo efectua-das por artistas nos Estados Unidos. A pri-meira, aquilo que designa como syna-esthetic abstraction. A segunda, consistenum documentrio diarstico e pessoal, fre-

    quentemente tendendo em direco ao psico-drama. O termo synaesthetic abstraction utilizado para referir a gerao electr-nica de imagens abstractas usando sintetiza-dores vdeo e colorizadores de imagens. Nasua maior parte, a synaesthetic abstractiontende a evitar a representao e promove amistificao das formas de produo de ima-gens. Por sua vez, na categoria do docu-mentrio pessoal existe, para Marshall, umaforte sub-categoria que pode ser caracteri-zada como vdeo narcisista.

    Em relao aos trabalhos efectuados naEuropa, Marshall distingue igualmente duascategorias: uma, fortemente modernista,preocupada fundamentalmente, com as pos-sibilidades da tecnologia e com o processo

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    produo de imagens; e outra, centrada nasconvenes da representao televisiva.3

    Embora no concordemos com a distinoefectuada por Marshall em relao s dife-renas entre as tendncias encontradas nosEstados Unidos e na Europa,4 as quatros ca-tegorias distinguidas pelo autor so bastanteteis analiticamente e parecem-nos, de facto,agrupar diferentes tendncias e prticas da-quilo que tem sido indiscriminadamente de-signado como arte vdeo. No entanto, em

    vez de quatro grupos, e anulando a distinoentre a Europa e os Estados Unidos, encon-trmos apenas trs categorias. Estas coinci-dem com o que j acima designmos comoa vocao anti-televisiva, a vocao narci-sista e a vocao formalista do vdeo.

    2.1 Vocao anti-televisiva dovdeo

    O facto de o vdeo partilhar com a televi-so a sua tecnologia determina, desde logo,uma relao complexa e problemtica entreos dois meios: uma relao que insiste napartilha da mesma tecnologia, para, a partirda, operar, paradoxalmente, uma distino.O vdeo tenta demarcar-se e autonomizar-se, explorando uma srie de estratgias quepassam por uma crtica acrrima aos pr-prios mecanismos e processos da televisode massas, instituindo-se como uma anti-

    3Marshall, Stuart; Video: Technology and Pra-tice, Screen, Vol. 20, no 1, Primavera 1979, pp.109-113.

    4Cremos que estas estratgias se podem encontrarde forma indistinta nos dois continentes e mesmo naobra de um mesmo autor. Veja-se, por exemplo, a ex-tensa obra de Nam June Paik, realizada nos EstadosUnidos, onde a reflexo sobre a tecnologia e as con-venes da representao televisiva, so dados funda-mentais.

    televiso. Esta crtica efectuada atravsde um conjunto de procedimentos, que mar-cam a arte vdeo nos seus incios, e que pro-curam desmistificar, quer os contedos, queros prprios procedimentos formais da j en-to instituda linguagem televisiva. Destaforma, os anos sessenta so, para a arte v-deo, um perodo de crtica social, mas tam-bm uma poca marcada por uma tentativade destruir, pondo a nu, a perspectiva totali-zante da televiso, que se apresentava como

    uma janela para o mundo. Trata-se, por-tanto, de uma problematizao acerca do lu-gar da representao na televiso, bem comode um questionamento acerca da integraode novas formas de transformao e manipu-lao de imagens. Estas duas ltimas carac-tersticas manifestam-se atravs de um cen-tramento no prprio meio - insistindo na to-mada de conscincia da sua prpria materia-lidade -, bem como atravs da tendncia para

    atribuir um papel activo ao receptor (procu-rando redefinir o seu lugar de agente pas-sivo).

    Nesta linha, Rn Berger fala de uma artevdeo que nega o realismo da televiso edenuncia a sua presumida realidade (bemcomo a presumida objectividade de qualquerimagem). O vdeo denuncia o facto de ateleviso, que tende a fazer-se considerar ea ser considerada como a prpria ordem dascoisas, ser uma ordem fundada numa tecno-logia e em relaes sociais que a dominam.5

    A arte vdeo valoriza, e procura ex-plorar, as caractersticas tcnicas do meioelectrnico. Assim, joga com uma auto-referencialidade que insiste em tornar visvel

    5 Relatrio Crea, no 5, Unesco, Paris, 1983. Ci-tado em Aristarco, Guido e Teresa (Ed.); O Novo

    Mundo das Imagens Electrnicas, Lisboa, Edies70, 1990, pp. 130.

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    a materialidade do meio fazendo uso daquiloque a televiso considera erros tcnicos erudo: granulosidade, hipercolorao, defor-mao da relao espacial entre as linhas, au-sncia de imagem, procedimentos de acele-rao e desacelerao de imagens, sobrepo-sio. Por outro lado, procura redimensionara prpria relao espacial do aparelho tele-visivo, redefinindo o seu espao e a interac-o. Esta ltima estratgia encontra-se bempatente nas instalaes vdeo, que utilizam

    o aparelho de televiso como objecto escul-tural, procurando estender os limites do pe-queno ecr televisivo, de forma a criar umaenvolvncia maior com o receptor, insistindoem prticas que visam uma espacializao daimagem e o estabelecimento de uma relaosensorial com os objectos expostos e as ima-gens projectadas.

    Por outro lado, se o aparelho televisivo seencontra fora do seu habitual ambiente ca-

    seiro, a conscincia da postura passiva adop-tada pelo receptor frente ao monitor, torna-separte determinante da sua experincia, bemcomo a percepo do aparelho televisivocomo um objecto ocupando um determinadoespao e determinando as relaes com essemesmo espao. O vdeo pode, virtualmentedesconstruir a ordem espao/temporal. Temo potencial para participar na deslegitimaoda funcionalidade das aces e das narrati-vas de causalidade. Pode questionar a ordemnatural das coisas atravs da qual, e onde, alegitimao se baseia.

    Nam June Paik, por exemplo, joga coma prpria materialidade do aparelho televi-sivo, quando realiza instalaes onde o mo-nitor colocado, sem qualquer imagem noecr, em posies invertidas e disfuncionais,apresentando-se como um objecto escultural.O objectivo ltimo destas prticas descon-

    textualizar e desfamiliarizar o uso habitualdo monitor de forma a desmistificar a suapresumida neutralidade e objectividade.6

    A vocao anti-televisiva da arte vdeopartilha ainda a crtica social aos conte-dos ideolgicos televisivos com outros mo-vimentos da poca, nomeadamente com aGuerrilla Television que, nos Estados Uni-dos, propunha uma outra televiso, crticae desmistificadora dos contedos veiculadospela televiso oficial.7

    No entanto, e como j acima referimos, acrtica levada a cabo pela arte vdeo centrava-se, preferencialmente, nos seus procedimen-tos formais, procurando demonstrar a ilusode perspectiva operada pelas prprias ima-gens televisivas e pelos procedimentos tcni-cos que procuram apagar qualquer marca de

    6Segundo Margaret Morse, o deslocamento ope-rado por Paik do monitor em vesturio para o corpofeminino (...) ou a sua reorientao dos aparelhos de

    televiso em TV Clock(1968-81) consiste numa li-teralizao da ordem temporal da programao televi-siva. Mas, para alm dessas estratgias de refernciatelevisiva, Morse afirma ainda que o deslocamentodos aparelhos televisivos em objectos naturais em TVGarden (1974-78), naquilo que a cassete de GlobalGroove (1973) compilou de todo o mundo, demons-trou um mundo de imagens como ambiente natural einternacional. Isto , o nosso envolvente de imagens

    j no representa um mundo separado. As imagensprocessadas por computador, nas quais Paik desempe-nhou um papel pioneiro, outra indicao de que asimagens no so elas prprias a nossa matria prima,o mundo natural sobre o qual exercemos a nossa in-fluncia enquanto sujeitos. Morse Margaret; VideoArt: The Body, The Image, and Space-in-Between;in Hall, Doug e Figer, Sally Jo (Ed.), Illuminating Vi-deo. An Essential Guide to Video Art, Aperture, NewYork, 1990, pp. 161.

    7 Acerca da Guerrilla Televison ver o excelente ar-tigo de Boyle, Dierdre; A brief history of AmericanDocumentary Video, in Hall, Doug e Figer, Sally Jo(Ed.), Illuminating Video. An Essential Guide to Vi-deo Art, Op. Cit., pp. 51-69.

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    ilusionismo, apresentando-se com uma vo-cao eminentemente representativa e tota-lizante, neutral e objectiva do mundo.

    Nesta linha, e num artigo de 1975 intitu-lado Video; the Distinctive Features of theMedium,8 David Antin, discute o parentescodo vdeo, desde o seu incio, com aquilo queconsidera o seu parente mau (a televiso).O vdeo porttil, que consiste no ponto de re-ferncia do autor em 1975, ainda uma ima-gem de baixa resoluo e que no pode ser

    editada sem deixar marcas. Essas imperfei-es tcnicas mantm, para Antin, as inscri-es da interveno humana e caracterizamum meio que implica baixos custos de pro-duo - factores que o autor considera essen-ciais para a manuteno do vdeo como meioartstico, independente das leis do mercado.

    Maureen Turim, numa anlise crtica daposio de Antin, opera uma distino en-tre aquilo que designa como primeira fase

    do vdeo, ou seja, o vdeo antes da mon-tagem, do processamento de imagens e docontrolo pelo computador; e a segunda fasedo vdeo, na qual as capacidades tcnicasque vieram a caracterizar a especificidade daimagem vdeo mais adiante j se encontramdisponveis.9 O vdeo percorreu um longocaminho, partindo de um ponto em que era

    8Antin, David; Video; the Distinctive Features ofthe Medium Catlogo da Exposio Video Art, Ins-

    titute of Contemporary Art, University of Pennsylva-nia, 1975, reeditado em Hanhardt, John (Ed.); VdeoCulture: A Critical Investigation, Peregrine SmithBooks, New York, 1986 e citado em Maureen Turim;The Cultural Logic of Vdeo, in Hall, Doug e Fi-ger, Sally Jo (Ed.), Illuminating Video. An EssentialGuide to Video Art, Op. Cit., 1990.

    9 Maureen Turim; The Cultural Logic of Vdeo,in Hall, Doug e Figer, Sally Jo (Ed.), Illuminating Vi-deo. An Essential Guide to Video Art, Op. Cit., pp.335.

    menos malevel do que o cinema para setornar muito mais construtivista. A posiode Antin vista por Turim como historica-mente circunscrita. O vdeo, na opinio deTurim, caminhou muito para alm da sua de-finio primitiva e baseada no seu aparatotecnolgico. No entanto, Turim consideraque, estes primeiros vdeos, se considera-dos da perspectiva da manipulao de ima-gem so remarcavelmente evocativos do fu-turo. Que os artistas escolham humanizar as

    imagens, ou marc-las como assinaturas deauto-retrato, representa o contradio opera-tiva entre arte do passado e a tecnologia dopresente e do futuro.10

    2.2 A vocao narcisista do vdeoRosalind Krauss, em 1978,11 argumenta quea arte vdeo essencialmente narcisista. OEu do vdeo experimental visto comouma subjectividade narcisista, desligada docontexto social. Esse desligamento efectu-ado e potenciado pelo prprio meio. 12

    A vocao narcisista do vdeo advm dofacto de o prprio meio, devido s suas ca-ractersticas tcnicas e funcionais, permitiro estabelecimento de uma relao pessoal eautnoma entre o utilizador e a tecnologia,

    10 Maureen Turim; The Cultural Logic of Vdeo,in Hall, Doug e Figer, Sally Jo (Ed.), Illuminating Vi-deo. An Essential Guide to Video Art, Op. Cit., pp.335.

    11 Tambm Jean-Paul Fargier, em 1978, fala de re-laes muito particulares entre o vdeo e o narcisismo,e afirma mesmo que o narcisismo encontra um ins-trumento privilegiado no vdeo. Fargier, Jean-Paul;Vido et Narcissisme, Cahiers du Cinma, 292, Se-tembro 1978, pp. 68.

    12 Kraus, Rosalind; Vdeo: The Aesthetics of Nar-cissism, in Battcock, Gergory (Ed.), New Artits Vi-deo, E. P. Dutton, New York, 1978.

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    dispensando qualquer interveno de tercei-ros. 13

    O vdeo surge, ento, como o meio privi-legiado para funcionar como um dirio elec-trnico,14 no qual o artista pode expor assuas obsesses, fragilidades, sonhos; explo-rar a sua fisicalidade, exorcizar das suas me-mrias, medos, fobias etc., de forma intima,autnoma e privada. O vdeo retoma, assim,a funo expressiva no domnio das artes vi-suais e, particularmente, no domnio das no-

    vas tecnologias de imagem.Para Krauss, a auto-reflexividade prpria

    da arte vdeo aproxima-a das estratgias ps-modernas. Esta auto-reflexividade ope-se,segundo a autora, reflexividade caracters-tica das tendncias eminentemente moder-nas.

    De facto, mesmo neste campo de expres-so individual, colocam-se questes acercado que , ou em que que consiste, essa sub-

    jectividade que faz uso da tecnologia.15

    Me-13 Acerca da vocao narcisista do vdeo ver, por

    exemplo, Renov, Michael; Video Confessions, inRenov, Michael e Suderburg, Erika (Ed.); Resolu-tions; Contemporary Video Pratices, University ofMinnesota Press, Minneapolis & London, 1996, pp.78-101. Renov examina a emergncia da primeirapessoa na confisso vdeo, entendendo o vdeo comoum aparato que, devido ao seu potencial para produ-o e consumo privado, particularmente adequadoa papel de facilitador ou de auto-interrogao. Paraalm disso, Renov argumenta que as confisses vdeo,

    produzidas e trocadas num contexto no hegemnico,podem ser ferramentas poderosas, no s para a auto-compreenso, mas tambm para uma comunicao bi-lateral.

    14Ver Tamblyn, Christine; Qualifying the Quo-tidian: Artists Video and the Prodution of SocialSpace, in Renov, Michael e Suderburg, Erika (Ed.);

    Resolutions; Contemporary Video Pratices, Op. Cit.,pp. 13-28.

    15 A este respeito ver, por exemplo, James, DavidE; Lynn Hershman The Suject of Autobiography;

    diada pela tecnologia, a memria, a consci-ncia e a percepo distanciam-se do reale centram-se apenas na percepo subjectivado Eu individual.16

    Da a tese, segundo a qual a arte vdeo -ainda mais do que o cinema ou, pelo me-nos, naquele baseado em processos qumi-cos - est em condies de demonstrar queo verdadeiro referente de uma imagem no a realidade, naturalisticamente entendida,mas uma srie de outras imagens: imagens

    mentais; ou imagens situadas, para utilizaras categorizaes de Saussure, num eixo pa-radigmtico.

    Esta tese encerra em si mesmo as duas vo-caes, narcisista e formalista, do vdeo.

    A primeira, remete para um domnio desubjectividade, onde o verdadeiro referentede uma imagem a subjectividade indivi-dual do artista que a cria (imagens mentais),concebendo o vdeo como um meio expres-

    sivo e com uma vocao narcisista acentu-ada, insistindo na intertextualidade das pr-prias imagens, bem como na interpenetraoe interligao entre elas.

    Por outro lado, o facto de as imagensse construrem, constantemente, numa inter-

    in Renov, Michael e Suderburg, Erika (Ed.); Resoluti-ons; Contemporary Video Pratices, Op. Cit., pp. 124-133. David E. James analisa as prticas diarsticas deLynn Hershman na sua especificidade electrnica.

    16 Reflectindo sobre esta questo Timothy Druc-

    krey relaciona esta tendncia com a proposio deWittgenstein O sujeito no pertence ao mundo, uma fronteira do mundo, que o autor considera umapoderosa chave para se pensar na relao entre o Euindividual e a tecnologia. Druckrey defende que estaproposio, quando aplicada ao domnio tecnolgico,vem demonstrar que o sujeito mais ou menos umsistema que se adapta, mais do que um sistema adap-tativo. Druckrey, Timothy (Ed.); Electronic Cul-ture. Technology and Visual Representation, Aper-ture, New York, 1996, pp. 20.

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    textualidade significa que podem conceber-se como componentes semiticos operativos(variveis mnimas significantes e formais)que despoletam, atravs das suas relaesmutveis, uma rede de processos e transfor-maes qualitativas que geram a obra em v-rias dimenses favorecendo, quer uma aber-tura semntica, quer uma activao criativapor parte do espectador.

    A intertextualidade determina ainda es-tratgias puramente auto-referenciais, onde

    o significante apenas remete para ele pr-prio, e onde o artista se interessa essencial-mente pelo vdeo como dispositivo, utili-zando aqui a expresso de Ann-Marie Du-guet.17

    2.3 A vocao formalista dovdeo

    A vocao narcisista do vdeo, onde o autor

    tem um papel fundamental, ope-se s es-tratgias formalistas que se centram na pr-pria tecnologia e nas suas potencialidades,segundo as quais um objecto artstico no sed a ver como expresso de uma subjectivi-dade, mas antes como pura materialidade.

    17 A autora considera que muitos artistas, in-diferentes aos constrangimentos da fico clssica,interessam-se imediatamente pelo vdeo enquantoinstrumento de representao. O dispositivo electr-nico oferece-lhes uma grande liberdade no agencia-

    mento dos diferentes elementos que o constituem (au-tonomia da cmara e do monitor, objecto-imagem quepode ser colocado ou deslocado no importa onde...),uma gama mais vasta de modalidades de difuso (v-deo projectores reproduzem as condies do cinema,mas tambm monitores onde a imagem indepen-dente da luz envolvente. No h uma maneira de vera televiso. Duguet, Ann-Marie; Dispositifs, inBellour, Raymond e Duguet Ann-Marie (Ed.); Vido,Communications, 48, Seuil, Paris, pp. 227.

    A vocao formalista do vdeo determinaa sua relao privilegiada com os procedi-mentos iniciados nas artes plsticas18 e nocinema experimental, de duas formas.

    Uma primeira, cujo enfoque a prpriatecnologia e materialidade do meio: o impor-tante no produzir mais uma imagem, masmanifestar o processo da sua produo, re-velar as modalidades da sua percepo atra-vs de novas proposies. Esta ideia estligada s posies modernas de Greenberg,

    Arte Minimal e a algum cinema experi-mental, nomeadamente o cinema estrutural.Os trabalhos iniciais de Nam June Paik podeenquadrar-se nesta linha. o prprio artistaque afirma: No era a imagem que me in-teressava, mas a fabricao da imagem: ascondies tcnicas e materiais da sua produ-o ou, dito de outra forma, a explorao ver-tical e horizontal.19

    Uma segunda, que se interessa pelo para

    alm da realidade, atravs do estudo daforma, do inautntico, do abstracto ou dasensao, e que estabelece ligaes comalgumas correntes e autores vanguardis-tas, designadamente Kandinsky, o Supre-matismo, o Neoplasticismo e com algumasdas vanguardas cinematogrficas (nomeada-mente Fischinger e a escola abstraccionistaamericana.) Pode encontrar-se exemplifi-cado nos trabalhos de Bill Viola e nas obrasde Larry Cuba, Jane Veeder, Ronald Pel-legrino e Vibeke Sorensen, entre outros,embora estes, apesar de partilharem alguns

    18Para uma anlise da interpenetrao entre as artesplsticas e o vdeo ver: Turim, Maurin; The imageof Art in Video; in Renov, Michael e Suderburg,Erika (Ed.); Resolutions; Contemporary Video Pra-tices, Op. Cit., pp. 29-50.

    19 Paik, Nam June, Entretien avec Nam JunePaik, Cahiers du Cinma, 299, Abril, 1979, pp. 12.

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    pressupostos, sejam autores muito distintosno que diz respeito aos seus procedimentos eresultados.

    2.3.1 Interpenetraes com o cinema ex-perimental: algumas linhas de lei-tura

    Um exemplo da interpenetrao entre algu-mas vanguardas cinematogrficas dos anosvinte e as imagem vdeo actuais pode ser en-

    contrado no trabalho de Chris Marker, SilentMovie (1995)20.

    Fazendo uso de vinte e cinco monitores,onde so montados excertos de filmes dasvanguardas artsticas do cinema mudo, SilentMovie oferece mltiplas entradas de sentidoao permitir uma contemplao do trabalhoque enfatiza, simultaneamente, os aspectosfsicos e preceptivos da recepo. O espec-tador reconhece constantemente as imagens

    20Silent Movie (1995) a segunda instalao vdeode Chris Marker., seguindo a monumental Zapping

    Zone (1991). Subsidiada pelo Wexner Center for theArts na Ohio State University por ocasio do centen-rio do cinema, foi a inicialmente exibida de Janeiroa Abril de 1995. Entre Junho e Setembro do mesmoano esteve em exibio no Museu de Arte Modernade Nova Iorque, fazendo arte de uma exibio colec-tiva de instalao vdeo intitulada Video Spaces: Eight

    Installations, da qual faziam parte tambm trabalhosde Bill Douglas, Bill Viola, Gary Hill, Judith Barry eBrad Miskell, Teiji Furuhashi, Tony Oursler, e Marcel

    Odenbach. Em 1996, e incios de 1997, esteve pre-sente no Pacific Film Archive em Berkeley, Californiae no Walker Center for the Arts em Minneapolis, Mi-nesota. A propsito desta instalao, bem como daobra de Chris Marker ver: McElhaney, Joe; Primi-tive Projections: Chris Markers Silent Movie, Mi-lennium Film Journal, No 29, Fall 1996. A respeitoda exibio Video Spaces: Eight Installations ver De-bevoise, Clay; Mirror Spaces. A Review of VideoSpaces: Eight Installations, Milennium Film Jour-nal, No 29 Fall 1996.

    projectadas, tenta organiz-las e agrup-lasnum todo. No entanto, a montagem utili-zada por Marker refora apenas a qualidadealucinatria dessas mesmas imagens, prosse-guindo as estratgias e objectivos das van-guardas referidas, mas com uma virtuosi-dade tcnica impossvel de atingir com osmeios disponveis nos anos vinte. Indepen-dentemente da quantidade de vezes que assequncias so vistas, surgem sempre aosolhos do espectador como um trabalho dife-

    rente. A justaposio de imagens que ocorrenas sequncias computadorizadas oferece-secomo delirantemente infinita.

    Por outro lado, esta interaco com o es-pectador aposta num processo de descon-tinuidade, que tambm j havia sido pre-conizado pela vanguarda francesa dos anosvinte. Este investimento na descontinui-dade manifesta-se em tcnicas como a c-mara lenta e o movimento acelerado, as so-

    breposies de imagens, a montagem, a po-liviso.Marker multiplica e explora intensamente

    essas tcnicas que servem a sua funo pre-ceptiva, mas que permitem, tambm, estabe-lecer uma ponte entre o passado e o presente,fazendo uso de uma linguagem simultanea-mente histrica e actual, pondo a descobertotodas as suas analogias e semelhanas.

    Nesta linha mesma, Philippe e Colette Du-bois e Marc-Emmanuel Mlon, num artigocolectivo intitulado Cinma et Vido: Inter-prenetrations, que procura estabelecer as re-laes e influncias mtuas entre o cinema eo vdeo, consideram que o vdeo continua aexplorao de todo um conjunto de procedi-mentos formais desenvolvidos por vanguar-das cinematogrficas, nomeadamente na d-cada de vinte, e que tentam definir o cinema

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    como meio artstico.21 Os autores descorti-nam, assim, uma srie de figuras, pressen-tidas, durante os anos vinte, como singular-mente representativas das possibilidades no-vas da arte cinematogrfica que ecoam comos procedimentos do mesmo tipo que o vdeodesenvolve hoje por sua prpria conta.22

    Essas figuras dizem respeito, generica-mente aos procedimentos de manipulaodas imagens. No entanto, a par desses pro-cedimentos formais que podem ser encon-

    trados em vrios momentos da histria docinema, as vanguardas francesas e alemsdos anos vinte partilham ainda, com as ac-tuais imagens vdeo, uma semelhana dosprprios objectivos. A manipulao da ima-gem opera uma lgica de movimento, envol-vendo o espectador para l de qualquer hu-manismo da viso. O olhar do sujeito torna-se abstracto, etreo: o cinema dos anosvinte sonhava com fazer voar o espectador,

    at vertigem e ao balano do reconheci-mento identitrio. Realizar uma experimen-tao visual onde a relao com o espao no tanto uma questo de percepo, como desensao.23

    A questo do deslocamento da percep-o para o domnio das sensaes parece-nos ser uma questo fundamental. Segundoos autores, o cinema, partindo do tratamento

    21Acerca das relaes entre a arte vdeo e o cinema

    experimental ver tambm Small, Edward; Film andVideo Art, in Edgerton, Gary R, (Ed.); Film andthe Arts in Symbiosis, Greenwood Press, New York,1988, pp. 311-338.

    22 Dubois, Philippe; Mlon, Marc-Emmanuel; Du-bois, Collete; Cinma et vido: interprntrations,in Bellour, Raymond e Duguet Ann-Marie (Ed.); Vi-do, Op. Cit., pp. 267.

    23 Dubois, Philippe; Mlon, Marc-Emmanuel; Du-bois, Collete; Cinma et vido: interprntrations,Op. Cit., pp. 274.

    da cmara como instrumento de mobilidadeabsoluta da percepo, produz um inves-timento identificatrio do sujeito nessa hi-permobilizao; faz descolar a simples per-cepo em direco sensao; virginiza oespao, dando-o a ver, a perceber, a sen-tir como um novo mundo; desenvolve umsentimento de ultrapassagem quase extrasen-sorial, de acesso liberatrio a um mundosupra-humano; e, abre mesmo a porta aofantasma totalizante de apreenso panptica

    do mundo: ver tudo sempre no importa deonde e quase simultaneamente.24

    Por outro lado, revela-se um olho-mquina, separado do resto do corpo e quedespoja o corpo de qualquer matriz espa-cial; um olho que vai mais depressa do queo pensamento e torna o corpo do especta-dor num lugar perdido, preso no sofrimentoe na prazer: sofrimento de no poder se-guir, de no poder ver tudo, de estar despo-

    jado, e prazer de aceder a um universo quasesupra-humano, feito de velocidades e de mo-vimentos inauditos, onde tudo parece aindavirgem.25

    Os autores encontram, no entanto, uma di-ferena basilar nos sistemas de representa-o analisados, uma separao fundamentalentre as imagens cinematogrficas e as ima-gens electrnicas, e que pode ser resumidana seguinte constatao: passmos, grossomodo, de uma imagem ainda unitria, ho-mognea e de um espao ainda terrestre -resumidamente, de uma representao aindade tipo cinematogrfico -, a uma imagem

    24 Dubois, Philippe; Mlon, Marc-Emmanuel; Du-bois, Collete; Cinma et vido: interprntrations,Op. Cit., pp. 276.

    25 Dubois, Philippe; Mlon, Marc-Emmanuel; Du-bois, Collete; Cinma et vido: interprntrations,Op. Cit., pp. 276.

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    estilhaada e mltipla, a um espao flutu-ante, sem relao humana - resumidamente,a uma representao (quase) puramente tec-nolgica.26 Esta a diferena basilar en-tre as imagens cinematogrficas e as imagenselectrnicas: estas ltimas operam um dis-tanciamento e uma quase total anulao darelao com o real e com a interveno hu-mana.

    A poliviso, a mistura de imagens, os pro-cessos de acelerao e cmara lenta, so pro-

    cedimentos comuns ao vdeo e ao cinemavanguardista dos anos vinte. Por sua vez, amistura de imagens a operao mais fun-damental do vdeo e a tomada de perspec-tiva de vrios pontos de vista (com a utiliza-o de vrias cmaras registando simultane-amente o mesmo acontecimento) tornou-senum dos aspectos fundamentais das lingua-gens electrnicas, incluindo a televiso. Asimagens vdeo prolongam as imagens cine-

    matogrficas precedentes, estabelecendo, noentanto em relao a estas, diferenas signi-ficativas e criando um ponto de no retornoem relao aos processos iniciados pelo ci-nema. Este ponto de no retorno coincidecom o desaparecimento da cmara e com aabstraco total da imagem, que cria espaosvirtuais, inumanos, com recurso a lgicas elinguagens puramente matemticas.27

    26 Dubois, Philippe; Mlon, Marc-Emmanuel; Du-

    bois, Collete; Cinma et vido: interprntrations,pp. 271.27 O ponto de no retorno evidentemente atin-

    gido com as possibilidades de movimentos ainda maisinditos, porque tericos, da imagem de sntese aosquais a nossa percepo se encontra hoje cada vezmais habituada (travellings matemticos, perspecti-vas exacerbadas, enlaamentos fludos, rotaes emsimulao, reviravoltas de objectos em falsa gravi-dade). Assiste-se encenao de um novo espao,quase inumano, gerado pela tecnologia e electrnico

    Esta constatao tem implcita uma cr-tica nostlgica que aponta num sentido deniilismo das imagens electrnicas e digitais,com o desaparecimento do total do olhar hu-mano: os ngulos deram lugar aos robots.O olhar desapareceu. o vazio que joga so-zinho, num turbilho que aspirou qualquerpossibilidade de sujeito. O vdeo , talvezainda, eu voo (eu vejo o cinema), mas ateleviso tornou-se isso mesmo, voa (muitobaixo, geralmente).28

    Para alm da ligao da arte vdeo s van-guardas europeias dos anos vinte, encontra-mos ainda uma outra interpenetrao, me-nos explorada, das tecnologias com a ten-dncia iniciada por Oskar Fischinger e con-tinuada na escola abstraccionista americana.Esta tendncia que se encontra bem pa-tente na categoria que Stuart Marshall de-signa por synaesthetic abstraction - e quemantm uma forte ligao com estratgias

    mais msticas e abstractas, onde a manipu-lao de imagens atravs da tecnologia fun-ciona como revelao, ou desvelao -est fundamentalmente direccionada para acriao e manipulao de imagens atravs

    instituindo outros modos de relao com a imagem.No apenas o coro do operador j no faz par com acmara, mas mesmo a cmara j no existe. A ima-gem tornou-se abstracta. O movimento j no maisdo que realizar trajectrias numricas, programas ma-temticos e algoritmos. Dubois, Philippe; Mlon,

    Marc-Emmanuel; Dubois, Collete; Cinma et vido:interprntrations, Op. Cit., pp. 278.

    28Dubois, Philippe; Mlon, Marc-Emmanuel; Du-bois, Collete; Cinma et vido: interprntrations,in Bellour, Raymond e Duguet Ann-Marie (Ed.); Vi-do, Op. Cit., pp. 276-277. Jean-Paul Fargier j haviautilizado esta distino entre eu voo e eu vejo parase referir ao sentido ltimo da imagem electrnica naobra de Nam June Paik, por diferena com o cinema.Ver: Fargier, Jean-Paul; Paikologie; Cahiers du Ci-nma, 299, Abril, 1979, pp. 7.

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    de programas de computador, ou de sinteti-zadores visuais, no seguimento do trabalhode John Withney.29 Normalmente encontra-se restrita ao domnio designado de com-puter graphics ou msica visual. En-tre alguns dos seus principais representantesencontram-se Larry Cuba, Jane Veerder, Ro-nald Pellegrino e Vibeke Sorensen.

    Larry Cuba , segundo Gene Youngblood,um dos artistas mais importantes a trabalharactualmente na tradio conhecida indiscri-

    minadamente como animao abstracta, ab-soluta ou concreta.30 Os seus trabalhos nofazem uso do vdeo, mas apenas de computa-dores e de estruturas matemticas, de formaa explorar o equivalente visual da compo-sio musical, usando a matemtica paracriar imagens, tentando faz-las afectarem-nos da mesma forma que a msica.31 Cubainteressa-se assim, sobretudo, pela questoda imagem e do ritmo, servindo-se do com-

    putador como meio para revelar e trabalharcom base nas estruturas subjacentes s nos-sas percepes e sensaes.

    Jane Veerder, ao contrrio de Cuba, inte-gra imagens vdeo com imagens computado-rizadas em algumas das suas obras, nome-adamente em Montana (1982). Realizadoem conjunto com Phil Morton, esta obra foi,significativamente, o primeiro trabalho decomputer graphics a integrar a coleco devdeo do Museu de Arte Moderna de NovaIorque. Montana foi realizado com imagensvdeo gravadas nas montanhas dos estadosde Montana, Wyoming e Utah, nos Estados

    29Ver supra Captulo II.30 Youngblood, Gene; Calculated Movements. An

    Enterview with Larry Cuba; Vdeo and Arts Maga-zine, Inverno de 1986.

    31 Cuba, Larry; Calculated Movements. An En-terview with Larry Cuba, Op. Cit.

    Unidos, durante longas estadias de vero. Asimagens so processadas e complementadascom um trabalho de computer graphics.

    Ronald Pellegrino, nas suas obras multi-mdia, integra animao laser, imagens pu-ramente virtuais e imagens vdeo digitaliza-das. Em todas elas, Pellegrino procura umaestreita relao com a msica, de forma aque as imagens surjam como msica visu-alizada, atravs de uma multiplicidade desuportes e materiais. As formas puramente

    abstractas de Pellegrino so, por isso, umatranscrio visual da estrutura musical cor-respondente. Com base na ideia de sistemasperidicos (vibraes que ocorrem em in-tervalos regulares de tempo), Pellegrino pro-cura demonstrar que, com a ajuda de umtradutor adequado, os padres sonoros po-dem ser vistos, simultaneamente, como pa-dres visuais. No centro da noo de arteselectrnicas, para Pellegrino, encontra-se a

    ideia do sintetizador como um instrumentoque gera, controla e transforma ondas elc-tricas em modos anlogos a muito do que co-nhecemos, intuitiva, psicolgica e cientifica-mente, como o fenmeno do mundo. Pel-legrino acredita que as estruturas construdascom base nos sintetizadores e nas ondas so-noras partilham as mesmas leis dos fenme-nos naturais, psicolgicos e sensitivos e que,por isso, a comunicao com os espectadoresse constri em vrios nveis de percepo ede reconhecimento.

    Tambm Vikebe Sorensen trabalha comnovos media experimentais, incluindo com-puter graphics e animao. Sorensen par-tiu de trabalhos iniciais, em meados dosanos setenta, com sintetizadores vdeo, paraum crescente envolvimento com imagens tri-dimensionais de computer graphics, rea-

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    lizando uma srie de instalaes, filmes eobras interactivas.

    As suas obras iniciais, Fish and Chips(1985), Microfishe (1985), Parroty Bits(1986), Its Not a Bug, its a Creature (1987),e The Three Ring Circuit (1986), centram-sena explorao da percepo e da experin-cia atravs de formas no-objectivas. Soren-sen prossegue, desde essa altura, um trabalhocom imagens abstractas, linguagem, smbo-los, tecnologia e percepo, atravs, nome-

    adamente, de obras realizadas por computa-dor. Por outro lado, Sorensen tambm ex-plora a integrao entre as estruturas sonorase visuais. Em Nloops (1989), por exemplo,aplica estruturas musicais minimais a umaforma visual.

    Em 1993, Sorensen termina uma das suasobras mais importantes: Maya. Atravs deimagens digitais totalmente abstractas e, in-corporando referncias histria da abstrac-

    o na arte e na linguagem, Maya pode servisto como uma reflexo sobre a naturezada iluso. O prprio ttulo (Maya) foi ins-pirado na filosofia Hindu e significa literal-mente conflito entre a iluso e a realidade.

    De notar que as estratgias de integra-o de imagens computadorizadas e abstrac-tas com imagens gravadas electronicamente,confundem-se numa amlgama de obras e deintenes bastante diversas. Para Bill Viola,por exemplo, a total manipulao de ima-gens permitida pelo computador vai deter-minar uma mudana fundamental na nossaforma de percepo, conferindo uma maiorliberdade artstica s artes visuais, seme-lhana do que j aconteceu com a introdu-o da electrnica no domnio musical:32o

    32 Incessantemente, a nossa forma de abordar arealizao dos filmes vai mudar totalmente. As no-

    domnio da imagem por computador fas-cinante, ele acabar por substituir aquilo quechamamos imagens cinematogrficas. Eu es-pero impacientemente, espero que possamosver isso acontecer durante a nossa vida: ofim da cmara! S assim, ou seja, a partirdo momento em que a luz j no a condi-o e o material fundamental da imagem, nosencontramos no domnio do espao concep-tual.33

    No entanto, em vez de estruturas matem-

    ticas e algoritmos, Viola est particularmenteinteressado nas relaes do nosso espao in-terior com o mundo exterior. O espao con-ceptual vem demonstrar que a verdadeiranatureza da nossa relao com o real no re-side na impresso visual, mas nos modelos

    es de matrice e de mtrage vo desaparecer.Montar vai tornar-se escrever um programa de soft-ware que dir ao computador como dispor (isto ,rodar, cortar, dispersar, apagar) a informao sobre

    o disco, difundi-la na ordem especificada em temporeal ou permitir ao espectador intervir. Tornando-seintil cortar realmente ou registar a velocidade deprojeco, as incontornveis trinta imagens por se-gundo, vo tornar-se inteligivelmente variveis e, por-tanto, maleveis, como na msica electrnica, numafrequncia fundamental entre muitas outras que podeser modulada, aumentada ou diminuda, sobrepostaou interrompida, segundo os parmetros da teoria dasondas electrnicas. Podemos associar a diferentesseces uma projeco em velocidades especficas,invertidas; podemos parar as imagens no ecr por umperodo de tempo pr-determinado. Podemos repetir

    outras sequncias ao infinito. Viola, Bill; Y-aura-t-il coproprit dans l espace de donnes?; in Bellour,Raymond e Duguet Ann-Marie (Ed.); Vido, Op. Cit.pp. 71.

    33 Viola, Bill; Entretien avec Bill Viola: Lespacea pleine dent; in Fargier, Jean-Paul (Dir.), O va lavido, Cahiers du Cinma, ditions de ltoile, Paris,1986, pp. 70.

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    formalizados de objectos e de espao que ocrebro cria a partir de sensaes visuais.34

    Margaret Morse, compara a justaposi-o de elementos nos monitores vdeoaos processos operados pela msica serial.Referindo-se a Dachau (1974) de Beryl Ko-rot afirma: foi a primeira instalao vdeo aexplorar sistematicamente a justaposio domaterial nos monitores, num processo quepoderia ser comparado musica serial.35

    Tambm Nam June Paik mantm fortes

    relaes com a msica. De facto, Paikparte para o vdeo depois de um envolvi-mento inicial com a msica electrnica, par-ticularmente com os trabalhos de Stockhau-sen e de John Cage. Pode, inclusivamente,interpretar-se muitas das suas obras em v-deo como uma tentativa de transferir certosconceitos e tcnicas musicais para o domniovisual, partindo do princpio da existncia deuma analogia entre os diversos meios elec-

    trnicos: a msica electrnica um meioelectrnico, mas a televiso tambm elec-trnica.36Paik v o vdeo em geral, e asinstalaes vdeo em particular, como umaforma de abandonar as estruturas discursivasformais e de operar a um nvel mais transcen-dente nas relaes com o material. A pr-pria ideia de TV-Cello, em que a televiso vista como um violoncelo, uma mquinade som, pode enquadrar-se nesta perspectiva.Fargier afirma que a TV -Cello no produz

    34 Viola, Bill; Entretien avec Bill Viola: Lespacea pleine dent; in Fargier, Jean-Paul (Dir.), O va lavido, Op. Cit., pp. 70.

    35 Morse Margaret; Video Art: The Body, TheImage, and Space-in-Between; in Hall, Doug e Fi-ger, Sally Jo (Ed.), Illuminating Video. An EssentialGuide to Video Art, Op. Cit., pp. 163.

    36Nam June Paik: Entretien avec Nam June Paik,Cahiers du Cinma, 299, Abril, 1979, pp. 10.

    uma imagem, mas vrias imagens. Imagensda imagem: o que oferece por inteiro, oque resta da imagem na qual ela est contida,oferecendo uma parte, um fragmento, umgrande plano. Ou vice-versa: fragmentos nointerior e conjunto no exterior, no fundo.37

    A TV-Cello no produz som, mas relaesentre as imagens.

    Por outro lado, o primeiro sintetizador vi-sual construdo por Nam June Paik e porShuya Abe, em 1970, permite uma manipu-

    lao indita das imagens produzidas. Estesintetizador gera horas de imagens lumines-centes abstractas que podem ser, ou no,combinadas com imagens concretas eventu-almente manipuladas. Paik fala do seu sinte-tizador como um aparelho muito abstracto.As imagens que ele produz no tm nada aver com as imagens clssicas, realistas.38

    Com variaes, estas mquinas foramconcebidas para permitir uma manipulao

    sem precedentes do sinal electrnico e colo-car a tecnologia directamente nas mos dosartistas.39

    De facto, com a imagem electrnica e di-gital opera-se aquilo a que poderamos de-signar como a assimilao da viso pela tec-

    37 Fargier, Jean-Paul; Paik: le jour o la vidofut...: Premiers pas de lhomme dans le vide, in Far-gier, Jean-Paul (Dir.), O va la vido, Op. Cit., pp.19.

    38Paik, Nam June; Entretien avec Nam June

    Paik, Cahiers du Cinma, 299, Abril, 1979, pp. 13.39 Nam June paik afirma: Nietzsche disse h

    imenso tempo: Deus est morto. Eu digo agora: opapel est morto... parte do papel higinico. SeJoyce vivesse no nosso tempo, teria certamente es-crito o seu Finnegans Wake em banda vdeo, devido senormes possibilidades de manipulao que comportaa memria de informao magntica. Paik, NamJune, Videa, vidiot, vidologie in Bellour, Ray-mond e Duguet Ann-Marie (Ed.); Vido, Op. Cit., pp.40.

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    nologia. Mas atravs de que processos queessa assimilao tem lugar?

    2.3.2 Processos e consequncias

    Segundo Peter Wollen, o computador, com asua capacidade de manipulao e de simula-o, torna-se parte de um sistema integrado,que contm, tanto as velhas, como as novastecnologias de registo. Wollen resume as ca-ractersticas principais do novo sistema da

    seguinte forma: acesso a um banco de dadosde imagens em stockna memria electrnicaque permite reciclar o contedo de um bancode imagens para as recontextualizar total-mente; manipulao imediata (combinao,distoro, alterao, etc.) de imagens dis-ponveis de forma a que imagens de origensdiferentes possam ser combinadas; produode imagens por computador; simulao domundo real pelo computador; combinao

    de todos os procedimentos anteriores; e, porfim, outros domnios em curso de desenvol-vimento: hologramas e outros tipos de ima-gens a trs dimenses; a interactividade e ou-tras formas de interface espectador-imagem(dispositivos de ecrs mltiplos, bem comonovos tipos de transmisso e de recepo,como a fibra ptica)40.

    Partindo das caractersticas apontadas porWollen, podemos concluir que, na tecnologiadigital, a manipulao das imagens atravs

    da sua combinao um aspecto fundamen-tal, visto que a relao e as conexes entreimagens, ou conjuntos de dados, no fixa.A imagem permanece assim, sempre, comoimagem em potncia: uma imagem que podeser combinada e recombinada de acordo com

    40 Wollen, Peter; Le cinma, lamericanism et lerobot, in Bellour, Raymond e Duguet Ann-Marie(Ed.); Vido, Op. Cit., pp. 32.

    uma variedade infinita de princpios e per-mutaes. A imagem reduzida ao pixel,a um fragmento de luz digitalizado, a umconjunto de princpios que integram o mo-vimento, a luz e o som. Esta flexibilidadede relaes entre imagens e fragmentos deimagens oferecida pelos computadores de-termina, por sua vez, uma alterao radicalnos nossos sistemas de representao. O es-pao deixa de estar confinado, como no ci-nema e na fotografia, a uma perspectiva re-

    nascentista, monocular. neste sentido que Ann-Marie Duguet

    considera que a imagem electrnica vemoperar um questionamento nos nossos sis-temas de representao: uma certa catego-ria de instalaes vdeo desempenha o papelde analista daquilo que constituem os funda-mentos da representao dominantes desdea renascena, elaborados segundo o modeloperspectivista e que se prolongam atravs da

    concepo e das regras actuais de diversascmaras41. Para Duguet, essa alterao temlugar atravs de trs operaes essenciais:converso do ponto de fuga em ponto detempo, revelando perspectivas relativistas;confrontao do espao virtual e imaterial daelectrnica com espaos de referncia; tor-nar o corpo do visitante no instrumento pri-vilegiado de explorao, isto , de revelaodo dispositivo42.

    Nam June Paik considera que a princi-pal diferena entre a imagem do cinema e aimagem electrnica consiste no desapareci-mento do espao. Na imagem televisiva noh espao, no h imagem, mas apenas li-nhas electrnicas: o conceito essencial da

    41Duguet, Ann-Marie; Dispositifs, Op. Cit., pp.227.

    42Duguet, Ann-Marie; Dispositifs, Op. Cit., pp.228.

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    televiso o tempo (...). Em televiso noh verdade. Faa-se o que se fizer, j noh imagem. tudo inveno pura, tudo seproduz a partir de um entrelaamento elec-trnico e artificial43.

    Edmond Couchot, por sua vez, centra-sena prpria materialidade do meio electrnicode representao para, a partir da, retiraras consequncias de uma imagem materi-almente abstracta. Para isso, realiza umadistino entre os meios electrnicos e digi-

    tais. Se, do ponto de vista morfogentico, aimagem vdeo electrnica advm de um sis-tema de figurao (que consiste em registar,atravs de meios pticos, o trao luminosodeixado por um objecto que preexiste ima-gem), na imagem numrica, a numeriza-o, logo o clculo, permite exercer um con-trolo total sobre o ltimo constituinte fsicoda imagem: o ponto, que se designa pixelem sntese de imagem44. Essa manipula-

    o determina que o pixel seja, antes de tudo,linguagem: uma linguagem formalizada, verdade, mas uma linguagem. No traduznenhuma realidade preexistente, torna vis-veis modelos lgicos e matemticos, smbo-los abstractos45.

    Ainda segundo Couchot, quer a imagemelectrnica, quer a imagem numrica intro-duzem importantes mudanas em relao aossistemas representativos do cinema e foto-grafia. A imagem electrnica, ao contrrioda imagem cinematogrfica (ou fotogrfica),que funciona geometricamente como uma ja-

    43Paik, Nam June, Entretien avec Nam June Paik,Cahiers du Cinma, 299, Abril, 1979, pp. 10-11.

    44Couchot, Edmond; La mosaque ordonne oulecran saisi par le calcul; in Bellour, Raymond e Du-guet Ann-Marie (Ed.); Vido, Op. Cit., pp. 82-83.

    45Couchot, Edmond; La mosaque ordonne oulecran saisi par le calcul, Op. Cit., pp. 82-83.

    nela para o mundo (importando o olhar inte-rior para o exterior), faz entrar o exterior nointerior, produzindo um efeito de incrusta-o.46

    Por seu lado, a imagem numrica permitea criao de um universo de outro tipo,nas palavras do autor, oscilando entre o reale o imaginrio, nem objecto, nem imagem,composto de virtualidades infinitas; um uni-verso onde o espao, mas sobretudo o tempo,so de uma outra essncia47. Este , para

    Couchot, o maior interesse da imagem nu-mrica e dos procedimentos de simulao,mais do que qualquer tipo de hiperabstrac-o e de hiperformalismo, ou pelo contr-rio, de qualquer hiperrealismo cru ou aindade procedimentos e distanciamentos crticosexercidos sobre estas tcnicas.

    Florence de Mredieu, encontra duas ten-dncias de sentido inverso no tratamento daimagem vdeo. Uma primeira que tende

    para a imploso, a destruio, desfigurao46Couchot, Edmond; La mosaque ordonne ou

    lecran saisi par le calcul, Op. Cit., pp. 80. Tam-bm Jean-Paul Fargier j havia falado de incrustaocomo o prottipo de todas as operaes de anlisee de sntese geradas electronicamente. Fargier de-fine a incrustao como essa operao que consisteem incluir electronicamente um fragmento de ima-gem bem circunscrito (actor, jornalista, objecto, pa-lavra) numa outra imagem (dcor, fundo, paisagem,etc.) Fargier, Jean-Paul; Paikologie, Cahiers du Ci-nma, 299, Abril, 1979, pp. 6-7.

    47Couchot, Edmond; La mosaque ordonne oulecran saisi par le calcul, Op. Cit., pp. 85-86. Denotar que o efeito de incrustao defendido por Cou-chot entra directamente em conflito com a posio deViola que defende, pelo contrrio, que a conceptua-lizao progressiva permitida pela tecnologia levar-nos- a construir objectos segundo um processo quevai do interior para o exterior, em vez do inverso. Vi-ola, Bill; Entretien avec Bill Viola: Lespace a pleinedent; in Fargier, Jean-Paul (Dir.), O va la vido, Op.Cit., pp. 72.

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    ou desaparecimento de uma imagem, quecampos como a fotografia e o cinema - oumesmo a pintura - nos habituaram a per-cepcionar, desde a Renascena, como forte-mente organizados. E uma segunda, ondeas tcnicas de sntese desempenham um pa-pel decisivo, que visa, pelo contrrio, corri-gir e canalizar a imagem vdeo. Nivelada,encerrada na trama de ecrs mltiplos deesculturas, ou de ambientes estruturados deforma precisa, numerizada e digitalizada a

    imagem, segundo o autor, torna-se polida, eajuizada48.

    Mridieu, considera ainda que, enquantoque a imagem de sntese privilegia a linhae a tendncia para tratar a cor como umasimples colorao ou enchimento das for-mas, o processo de imploso, pelo contr-rio, insistindo no papel particular da cor,fez com que o vdeo tenha contribudo deci-sivamente para o reforo da velha oposio

    cor/desenho; forma/contedo49

    .Para Mredieu, a imploso da imagem re-leva o surgimento de uma libido fluo, elc-trica e ramificada que permite medir o graude integrao das prteses electrnicas nofuncionamento do aparelho psquico50.

    Roy Armes considera o vdeo como umaponto intermdio situado entre o real e o do-mnio virtual do computador. Encara as ima-gens electrnicas como uma forma de impri-mir memria e realidade no seio do abs-tracto. O vdeo seria, ento, o ponto inter-mdio que estabelece a relao entre o olharhumano e a lgica puramente abstracta e

    48Mredieu, Florence de; Limplosion dans lechamp des couleurs, Op. Cit., pp. 247.

    49Ver Mredieu, Florence de; Limplosion dans lechamp des couleurs, Op. Cit., pp. 247.

    50Mredieu, Florence de; Limplosion dans lechamp des couleurs, Op. Cit., pp. 258.

    conceptual dos computadores: O principalaspecto do vdeo no aquilo que partilhacom aquelas cassetes que servem como fon-tes de memria externa para um computador,ou mesmo a rea fascinante constituda porgrficos gerados por computador, mas antesaqueles elementos de aco ao vivo que otornam complementares ao computador.51

    Jean-Paul Fargier afirma que as novas tec-nologias permitem uma viagem sem retornodo concreto em direco ao abstracto.52e

    refere-se febrilidade instvel do electroafirmando que, na imagem electrnica, tudose torna voltil, irradiado...O vdeo dirige-senessa direco. Sempre. Isso atrai-o. essaa sua razo de ser: figurar um mundo em pro-cesso de desfigurao fora da figurao.Mostrar que tudo passagem. Mesmo o v-deo.53

    Alain Bourges importa os conceitos dehiperrealidade e de imagens simulacro de

    Baudrillard para se referir s imagens vdeo:A imagem simulacro no se refere a nada,afirma-se como real, mais real do que a re-alidade (...) Simulacro igual, seno superiorao seu modelo, a imagem de sntese no pre-tende representar nada: ela impe-se comoobjecto de conhecimento e de experimenta-o, como modelo.54

    51Armes, Roy; On Vdeo, Routlegde, London,1995, pp. 213 (1a edio, 1988).

    52

    Fargier, Jean-Paul; Paik: le jour o la vidofut...: Premiers pas de lhomme dans le vide, in Far-gier, Jean-Paul (Dir.), O va la vido, Op. Cit., pp.16.

    53Fargier, Jean-Paul; Les lectrons ont la viedure, in Fargier, Jean-Paul (Dir.), O va la vido, Op.Cit., pp. 7.

    54Bourges, Alain; Contre Limage numrique:Toutes les images sont-elles des images pieuses? inFargier, Jean-Paul (Dir.), O va la vido, Op. Cit.,pp.43. Segundo Bourges, O vdeo afirma-se como

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    Esta posio partilhada, embora comuma perspectiva mais optimista pelos pr-prios artistas vdeo. Bill Viola, por exemplo,afirma que partimos dos modelos do olhoe do ouvido para nos dirigirmos para mode-los de processos de pensamento, de estrutu-ras conceptuais do crebro. A arte concep-tual tomar um novo sentido.55

    Em qualquer destas posturas o vdeoencontra-se, mais do que qualquer outro dis-positivo, ligado fantasmagoria do imate-

    rial.56 A relao com o real praticamenteanulada em favor do centramento numa lin-guagem luminosa, ou matemtica, numa l-gica puramente abstracta.

    Por outro lado, estas posies partilhama conscincia de uma tendncia abstraccio-nista e formalizante das novas tecnologias,nomeadamente da imagem digital e electr-nica. Elas podem representar e, de algumaforma resumir, toda uma srie de teorias que

    se debruam sobre as alteraes na nossa or-dem de representao introduzidas pelos no-vos meios. De tnica mais ou menos pes-simista, ou optimista, centram-se na questo

    um suporte profundamente ligado expresso da suapoca. Lugar de passagem, superfcie sem profun-didade, tomada de velocidade, demasiado superficialpara exprimir um sentimento, agressiva para esquecera fragilidade da sua constituio, assexuada, e enfim,efmera por definio, a imagem vdeo um espelho ea proliferao dos seus reflexos sugere o labirinto mo-

    derno. Bourges, Alain; Contre Limage numrique:Toutes les images sont-elles des images pieuses?, inFargier, Jean-Paul (Dir.), O va la vido, Op. Cit.,pp.44.

    55 Viola, Bill; Y-aura-t-il coproprit dans l es-pace de donnes ?; in Bellour, Raymond e DuguetAnn-Marie (Ed.); Vido, Op. Cit. pp. 71.

    56 A expresso de Florence de Mredieu emLimplosion dans le champ des couleurs, in Bellour,Raymond e Duguet Ann-Marie (Ed.); Vido, Op. Cit.,pp. 249.

    da invaso da nossa viso pela tecnologia esobre as consequncias que da advm parao domnio da prpria imagem.

    A forma como estas questes se articu-lam com a problemtica da ps-modernidade evidente e ser alvo da nossa ateno nasprximas linhas.

    3 A ps-modernidade do vdeo

    A questo da relao da arte vdeo, nos in-

    cios dos anos sessenta, com uma arte mo-derna ou, pelo contrrio, com o surgimentode uma ps-modernidade bastante proble-mtica. Por um lado, a nova arte nascentenecessita de um reconhecimento por arte dosmuseus e das galerias que lhe valha o eptetode arte. Por outro, a sua hibridez enquantomeio, bem como a partilha da mesma tecno-logia com os meios da cultura popular, co-locam o vdeo numa posio pouco definida

    em relao ao meio artstico. As estratgiaformalistas de centramento no prprio meiovo de encontro perspectiva Greenbergianae Adorniana de arte e valem-lhe, de certomodo, um reconhecimento. No entanto, asua relao com a cultura popular, nomea-damente com a televiso, fazem com que,mesmo quando os objectos artsticos se cen-tram na materialidade do meio, contenhamsempre uma crtica implcita cultura popu-lar e ao prprio sistema representativo televi-sivo. As estratgias anti-televisivas, narcisis-tas e formalistas da arte vdeo podem ento,a esta luz, ser entendidas como um tendn-cia quadripartida, algo contraditria nos seustermos: a arte vdeo afasta-se e distancia-se dos meios de cultura popular, ao mesmotempo que se centra na materialidade domeio electrnico, atravs da explorao decaractersticas como a velocidade e a mon-

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    tagem, indo de encontro s perspectivas mo-dernas; a arte vdeo institui-se como um es-pao de questionamento e crtica dos meca-nismos, e mesmo dos contedos, da culturapopular; a arte vdeo enquadra-se numa s-rie de movimentos artsticos que questionamo prprio papel da arte e a sua relao como mundo e com o pblico; e, por ltimo, aarte vdeo coloca em causa a questo da pu-reza de um meio artstico enfatizando, pelocontrrio, uma grande mistura e interpene-

    trao entre as artes, e imagens, nomeada-mente atravs das instalaes multimdia.

    No podemos, assim, enquadrar os in-cios da arte vdeo, nem num domnio estri-tamente moderno, nem eminentemente ps-moderno. O vdeo encontra-se, antes, numaposio que testemunha uma passagem, umaencruzilhada. O vdeo institui-se, nos seusincios, como meio hbrido fazendo uso eintegrando tecnologias de massas, para le-

    var a cabo um projecto esttico moderno e,simultaneamente, lanar os alicerces e an-tecipando uma arte ps-moderna. O papeldo vdeo no transio de concepes mo-dernas para concepes ps-modernas con-tinua por explorar. Se o projecto estticomoderno pode ser encontrado nas estratgiasformalistas e numa preocupao com as pro-priedades e potencialidade de uma nova lin-guagem electrnica, procurando descortinaruma ontologia da prpria arte vdeo - ques-to que ocupou grande parte dos escritos so-bre esta arte57 -, a sua relao com estrat-

    57 A este respeito, ver, por exemplo: Sturken, Ma-rita; Paradox in the Evolution of na Art Form; inHall, Doug e Figer, Sally Jo (Ed.), Illuminating Video.

    An Essential Guide to Video Art, Op. Cit., pp. 101-121. A questo das propriedades inerentes do vdeoatingiu novos nveis de debate nos anos recentes, umdebate que se centra nas questes chave da relao

    gias ps-modernas tambm pode ser encon-trada facilmente. Ela diz respeito j refe-rida imploso das dicotomias caractersticasdo modernismo que operada pela arte v-deo. Por outro lado, as imagens electrnicasparecem ir de encontro (e medida que avan-amos no tempo, mais clara essa tendnciase torna) questo da desaparecimento dadicotomia sujeito/objecto e da consequentepossibilidade de distanciamento crtico, como surgimento de uma hiperrealidade, de si-

    mulacros, tal como preconizado por JeanBaudrillard. Baudrillard identifica a actualordem cultural com uma equivalncia entresujeito e objecto - que se encontram em situ-aes intermutveis.58 O monitor de vdeo,ou de computador, o exemplo mximo daimploso dessa dicotomia sujeito/objecto. Ainteraco entre o que se encontra efectiva-mente no ecr e o receptor uma relaonegociada. O que acontece no monitor no

    se encontra, nem nele, nem no seu especta-dor, mas num espao virtual e complexo en-tre ambos. A capacidade de distanciamentocrtico , portanto, anulado e Baudrillard ca-racteriza esse processo como um mecanismode alienao. Isto determina uma aproxi-

    do vdeo com o modernismo e o seu potencial parauma linguagem electrnica. A discusso das proprie-dades inerentes do vdeo tem sido o mtodo predomi-nante de traar a histria do meio desde o seu incio.Sturken avana com uma crtica a esta discusso sa-

    lientando que: crticos desta posio salientam quelimitar a discusso do vdeo s suas propriedades dis-tintivas restringem o discurso do meio s limitaesde uma teoria da arte modernista. Sturken, Marita;Paradox in the Evolution of na Art Form; in Hall,Doug e Figer, Sally Jo (Ed.), Illuminating Video. An

    Essential Guide to Video Art, Op. Cit., pp. 115.58Baudrillard, Jean; The Ecstasy of Communica-

    tion, in Foster, Hal (Ed.), The Anti-Aesthetic. Es-says in Postmodern Culture, Bay Press, Port Town-send, 1983, pp. 125-136.

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    mao entre o real e o irreal - a instituiode uma hiperrealidade.

    A exposio Les Immateriaux, organizadaem 1985, pelo Centre Georges Pompidou,emcuja concepo participaram uma srie depensadores defensores do surgimento deuma poca ps-moderna, bastante ilustra-tiva da relao entre os conceitos de ps-modernidade e as novas tecnologias de ima-gem. Uma definio precisa do que sera modernidade ou do que , efectivamente,

    essa ps-modernidade um trabalho que vaimuito para alm do nosso presente estudo.O que aqui surge como relevante que aps-modernidade, tal como entendida pelamaior parte dos autores, se caracteriza pelaapoteose do visual na nossa cultura. A pro-liferao de imagens que ultrapassam as di-cotomias do pensamento moderno, vem prem causa todo um sistema de representaoe de relao com o mundo. Caem as opo-

    sies entre espao e tempo e o que resulta um espao esquizofrnico de superfciesem movimento acelerado.

    Segundo Martin Jay, Les Immaterieauxsugere a emergncia da era do simulacro,profetizada na exposio pela prpria voz deBaudrillard. Indicia esse domnio fantasma-grico de imagens sem referentes, a prece-dncia do simulacro que Baudrillard identi-fica com a actual ordem cultural. A f mo-dernista de que a visualidade e a raciona-lidade podiam ser conciliadas foi decisiva-mente rejeitada. O que recepcionado pe-los sentidos e o que faz sentido desligado eseparado.59

    Uma caracterstica desta emergncia a

    59Jay, Martin; Downcast eyes. The denigration ofvision in Twentieth - Century French Thought, Uni-versity of California Press, California, 1994, pp. 584-586.

    crescente interveno das novas tecnologiasda imagem. Nestas, a distino entre meio emensagem desaparece. Os cdigos binriosdo computador, bem como as ondas electr-nicas da televiso e do vdeo consistem numadesmaterializao simultnea do significantee do significado. Por outro lado, anulam oprprio sujeito, j que implicam uma perdade autonomia que se caracteriza pela sepa-rao binria sujeito-objecto. Como notouJohn Rajchman, No mundo dos Immatri-

    aux, tudo comea no corpo e acaba na lin-guagem... Era o pesadelo de um fenomeno-logista; por todo o lado era mostrada a subs-tituio das actividades materiais do corpovivo, por artificiais, ou por linguagens for-mais ou imateriais. Entrava-se num mundode simulao do corpo.60

    Sean Cubbit classifica o vdeo como ummeio hbrido, isto , como um meio onde ainterpenetrao de materiais, prticas, con-

    ceitos e percepes o dado fundamental.61

    O vdeo ope-se, por isso, lgica moder-nista de separao entre cada domnio ar-tstico, operando uma mistura entre cinema,teatro, pintura, dana, escultura, msica, emesmo entre estes domnios artsticos e su-portes relacionados com a cultura popular,como a televiso. Ao ultrapassar as distin-es entre cada domnio artstico, o vdeoapela a uma interligao entre todas as for-mas de percepo e entre todos os sentidos,

    60 Rajchman, John; The postmodern MuseumArt in America, 73, 10, Outubro de 1985, pp. 14 e 16.Citado em Jay, Martin; Downcast eyes. The denigra-tion of vision in Twentieth - Century French Thought,Op. Cit., pp. 584.

    61Ver Cubitt, Sean; Timeshift on Video Culture,Routledge, London, 1991; e Cubbit, Sean; Video-graphy. Vdeo Media as Art and Culture, MacMillan,London, 1993.

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    permitindo uma experincia total que per-mite ultrapassar regimes de viso muito rgi-dos e especficos que advm, segundo Cub-bit, da fetichezao da viso nas artes mo-dernas.

    Por outro lado, a imagem vdeo, segundoCubbit, ultrapassa ainda uma outra dicoto-mia, caracterstica da arte moderna: a dico-tomia entre forma e contedo, entre signifi-cante e significado. Colocando o nfase noconceito de alegoria, Cubitt defende que o

    vdeo opera uma libertao da tirania da re-presentao, abrindo campos onde a comu-nicao se processa com base em domniosno racionais. A perspectiva de Cubitt podeenquadrar-se na linha do surrealismo, nome-adamente atravs das ideias de Jung acercado inconsciente colectivo.

    Por outro lado, a perspectiva de Cubittpode ser relacionada com aquilo que pode-ramos considerar a noo de sublime de

    Lyotard e a sua aplicao tecnologia dovdeo, ou seja, s imagens imateriais dasnovas tecnologias. Precisamente, para Lyo-tard, as imagens ps-modernas distinguem-se das imagens modernas devido s suas res-pectivas atitudes em relao esttica do su-blime. Ao contrrio das imagens eminente-mente modernas que se situam numa lgicade reconciliao, o ps-modernismo, pelocontrrio, deseja viver a dor da irrepresen-tabilidade. Trata-se de uma esquizofrenia,no sentido Lacaniano, potenciada pelas no-vas tecnologias da imagem, como o vdeo,hologramas, satlites e computadores.62

    No entanto, a maior defesa do vdeo comoo smbolo mximo da apoteose do ps-

    62A relao das teorias de Lyotard com as novastecnologias da imagem ser desenvolvido um poucomais adiante.

    modernismo feita por Frederic Jameson.Apesar de fortemente criticadas, as ideias deJameson relativamente ps-modernidadeaplicada ao vdeo experimental tm mar-cado e alimentado muito da produo cultu-ral neste domnio.

    Num texto dedicado exclusivamente a estaquesto Jameson traa claramente um enqua-dramento onde se salienta uma estreita rela-o do vdeo com a ps-modernidade.63 ParaJameson, o vdeo experimental, ou a arte v-

    deo, o candidato mais forte hegemonia naactual cultura ps-moderna. O vdeo tende adissolver as diferenas entre cultura populare cultura de elite. Por outro lado, a mescla designificantes que caracterizam o vdeo ps-moderno, resiste s interpretaes e pro-cura de um significado, ou referente. Por seuturno, a ideia de total flow tambm acen-tua a impossibilidade do vdeo comunicarum nico significado. O espectador assim

    obrigado a resistir construo de uma in-terpretao acerca do significado das obras,o que, segundo Jameson, teria como resul-tado uma simplificao redutora de um textoque constitudo, precisamente, por uma co-lagem de imagens efmeras que resistem interpretao. O mesmo espectador, pode,alis, retirar diversas concluses diferentesacerca da mesma obra. Por outro lado, vervdeo, diferente de ver um vdeo e envolve,para Jameson, uma imerso no fluir totaldas imagens, de preferncia numa sucessoaleatria de trs ou quatro horas de cassetes

    63Jameson, Frederic, Surrealism withouth the un-conscious in Postmodernism, or, the cultural logicof the late capitalism, Duke University Press e Verso,1991, pp. 67-96. Artigo traduzido para francs e edi-tado sob o ttulo La lecture sans linterpretation inBellour, Raymond e Duguet Ann-Marie (Ed.); Vido,Op. Cit. pp. 105 - 120.

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    em intervalos regulares.64 Isto determina odesaparecimento da noo de obra: no hobras de arte vdeo, nunca poder haver umcnon vdeo e muito menos uma poltica deautor vdeo. Determina, tambm, uma rela-o do espectador que passa por um processode submerso total do mecanismo presente.

    O vdeo ps-moderno distinge-se, assim,segundo Jameson, devido a uma srie de ca-ractersticas. Em primeiro lugar, a rotaoconstante de elementos, de forma a que estes

    mudem de lugar a cada instante. Em segundolugar, a mquina torna-se simultaneamentesujeito e objecto, entidades semelhantes eindiferenciadas. Em terceiro, opera-se umadespersonalizao mecnica do espectadore dos prprios autores que so dissolvidos ese tornam, durante um certo tempo, parte in-tegrante da tecnologia do meio. Em quarto,devido ao facto do vdeo ser uma arte tempo-ral, os efeitos mais paradoxais desta apropri-

    ao tecnolgica da subjectividade so ob-servveis na prpria experincia do tempo.O conceito de total flow institui uma esp-cie de durao pura e vazia, que contrastacom a suspenso ou reforma modernista daexperincia do tempo. Em quinto, o vdeoexperimental caracteriza-se pelas suas pro-priedades no ficcionais (mesmo a televi-so que aspira ficcionalidade do cinema,apenas produz um simulacro do tempo fict-cio). Em sexto, o contedo mais profundo dovdeo experimental pode ser descrita comosendo uma de aborrecimento (boredom,no original): o processo do vdeo carac-terizado por uma temporalidade de aborre-cimento, pelas badaladas do tempo real,

    64Jameson, Frederic, Surrealism withouth the un-conscious in Postmodernism, or, the cultural logic ofthe late capitalism, Op. Cit. pp. 78.

    minuto por minuto, a ansiosa realidade ir-revogvel subjacente ao acontecimento emcurso.65 E, por ltimo, o vdeo a nicaarte, ou meio, no qual a ltima ligao en-tre o espao e o tempo o prprio mago daforma.

    Jameson alia, assim, a espacializao dotempo ao desaparecimento da conscinciahistrica caracterstico da ps-modernidade.O vdeo pode tratar o tempo como umaconfigurao espacial, atribuindo uma nova

    acepo de concreto ao nosso sentido de ins-tantaneidade e simultaneidade. De facto,a capacidade do vdeo para espacializar otempo est inscrito no prprio sistema, vistoque a frame em vdeo uma discreta unidadede tempo.

    Atravs da anlise da obra AlieNATION(1979) de Edward Rankus, John Manninge Barbara Latham, Jameson desenvolve assuas concluses sobre os mecanismos e os

    efeitos utilizados pelos vdeos experimen-tais.66 Salienta o papel da montagem visualde retalhos (colagem), e da justaposio dematerial natural (as sequncias filmadas) ede material artificial (as imagens que j fo-ram misturadas pela mquina), onde o na-tural pior do que o artificial, operandoaqui uma inverso: o natural j no conota

    65Jameson, Frederic, Surrealism withouth the un-conscious, Op. Cit. pp. 75.

    66

    Segundo a descrio de Jameson, AlieNATIONconsiste numa colagem que inclui um fundo de fic-o cientfica (retirado de um filme japons de 1966intitulado Godzilla vs Monster Zero), reprodues depinturas clssicas, uma mulher deitada sob hipno-tismo, entradas de hotis ultra-modernos com eleva-dores em movimento, sonatas de Beethoven, discosvoadores sobre Chicago, publicidade a cozinhas dosanos cinquenta, e muito mais, sem ser possvel esta-belecer qualquer relao de hierarquia de conotaoentre eles.

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    a vida quotidiana segura de uma sociedadehumana, mas antes os sinais ruidosos e ba-ralhados, o inimaginvel lixo informacional,da nova sociedade dos media.67 Por outrolado, opera-se uma mistura de signos de v-rios sentidos e de vrios meios (musica, pin-tura, escultura). O efeito de alucinao umresultado da colagem aleatria, da rapidez demontagem, da intertextualidade, instituindoum tempo de delrio onde o mundo ob-jecto desfragmentado, desconectado. A

    memria anulada, o contedo abando-nado e o significante torna-se pouco maisdo que uma memria tnue de um signo an-terior e, sem dvida, da funo formal da-quele signo j extinto68

    Por outro lado Jameson, tomando empres-tadas a terminologia e as distines de Pi-erce, afirma que o que caracteriza o processodo vdeo (ou o fluir total experimental) uma incessante rotao de elementos. Isto

    significa que nenhum elemento pode ocupara posio de interpretante (ou de signo pri-mrio) por qualquer perodo de tempo, mastem antes de ser desalojado no instante se-guinte.69 Para alm das consequncias quedaqui advm para uma teoria da interpreta-o, esta caracterstica serve ainda para anu-lar as diferenas entre a cultura popular e cul-tura de elite: o vdeo apropria-se de materi-ais advindos de ambas e estabelece um pro-cesso de interaco onde os respectivos valo-res so equivalentes. Jameson destaca aindaaquilo que considera como as propriedadesfundamentais dos signos no contexto vdeo,

    67Jameson, Frederic, Surrealism withouth the un-conscious, Op. Cit., pp. 81.

    68Jameson, Frederic, Surrealism withouth the un-conscious, Op. Cit., pp. 84.

    69Jameson, Frederic, Surrealism withouth the un-conscious, Op. Cit., pp. 91.

    a saber: a mudana de lugares entre signos;o facto de no haver lugares prioritrios noprocesso; e a inconstncia, j que a situaoem que um signo funciona como interpre-tante de outro signo absolutamente provi-sria.70

    Assim, a realidade e a referncia desapa-recem simultaneamente e, nas palavras doautor: somos deixados com aquele jogopuro e aleatrio de significantes que cha-mamos ps-modernidade, que j no produz

    obras monumentais de tipo moderno, mas in-cessantemente remodelam os fragmentos detextos preexistentes (...): meta-livros que ca-nibalizam outros livros, meta-textos que co-lam bits de outros textos - esta a lgicada ps-modernidade em geral, que encontrauma das suas formas mais autnticas na novaarte do vdeo experimental.71

    3.1 Crticas e problematizaesFace a estas posies coloca-se a questo desaber se, e aonde, cabe a negatividade dasnovas formas artsticas e das novas tecnolo-gias da imagem. Dito de outra forma, exis-tir ainda lugar para o sublime, na nova arteps-moderna e nas novas tecnologias da ima-gem?

    A questo de atribuir um papel de nega-tividade s praticas artsticas do vdeo, tempassado por uma crtica s anlises de Jame-

    son relativas ao vdeo experimental. No inte-rior dos debates sobre o vdeo, estas crticasso inmeras e insurgem-se, principalmente,contra a ideia de total flow e consequente de-saparecimento do autor, anulao da mem-

    70Ver Jameson, Frederic, Surrealism withouth theunconscious, Op. Cit., pp. 88.

    71 Jameson, Frederic, Surrealism withouth the un-conscious, Op. Cit., pp. 96.

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    ria e da histria, e auto-referencialidade, queimpossibilitam qualquer relao, ou crtica,social ou poltica, produzida pelo vdeo ex-perimental.

    Nesta linha, Sean Curbitt considera, emtraos largos, que Jameson operou uma ge-neralizao abusiva, sustentada em exemplospouco demonstrativos e numa bibliografiamuito pobre. Afirma que Jameson se en-quadra numa srie de discursos que se pre-ocupam mais com aquilo que o vdeo , do

    que com aquilo que o vdeo faz.72 A redu-o de toda a arte vdeo s caractersticas dehiperralidade, abolio do contedo, auto-referencialidade e colagem so particular-mente atacadas por Cubitt, bem como, im-plicitamente, a impossibilidade de interpre-tao.

    As suas crticas incidem principalmentesobre o conceito de total flow que, segundoCubitt, manifesta uma confuso entre emis-

    so (broadcasting) e vdeo, ao mesmo tempoque remete para um tratamento do vdeocomo texto no qual os seus autores teriamdesaparecido. A esta dissoluo do au-tor, Cubitt ope o argumento de que existetodo um conjunto de vdeos, onde, precisa-mente, a sua utilizao confessional e auto-exploratria desempenha um papel funda-mental.73 o caso do que acima designmos

    72Cubitt, Sean; Timeshift on Video Culture, Op.Cit.,

    pp. 122. Esta parte do livro encontra-se previamenteeditado em Cubitt, Sean; Vdeo Art and Colonialism:An other and its others, Screen, vol. 30, 4, 1989.

    73Segundo Cubitt a confuso entre emisso e vdeo,aliada estratgia textual, permite ao vdeo juntar atextualidade indiferenciada da hiperrealidade de Bau-drillard removendo todas as qualidades que o tornamdistinto e que encontraram tanto reconhecimento en-tre os praticantes. Por exemplo, o vdeo , para Jame-son, num certo sentido annimo no bom sentido dapalavra (como na produo medieval, por exemplo),

    como a vocao narcisista do vdeo. ca-racterstica de rotao constante de elemen-tos, Cubitt ope o take longo, que consideraser uma estratgia importante entre os artis-tas vdeo, particularmente entre as feminis-tas perturbadas pelo machismo da monta-gem rpida nas emisses televisivas.74

    Tambm a impossibilidade de interpre-tao e o desaparecimento do contedoso contestados por Cubitt, nomeadamentequando afirma que regular o processo de

    significado pode servir os interesses da aca-demia, mas no fala pelos realizadores e es-pectadores das obras.75

    enquanto que o uso dos artistas do vdeo como umaforma de auto-explorao e confisso, uma das suasqualidades mas dramticas, e uma mais desenvolvidapor artistas com regularidade, pelo menos desde o in-cios dos anos setenta. Esta combinao de estratgiasliterrias com a confuso entre televiso e vdeo, per-mite falhas de anlise mais radicais e cumulativas.Cubitt, Sean; Timeshift on Video Culture, Op. Cit.,

    pp. 122-123.74Cubitt, Sean; Timeshift on Video Culture, Op.Cit., pp. 123.

    75Cubitt, Sean; Timeshift on Video Culture, Op.Cit., pp. 123. O ataque abolio do contedo deferido de outras frentes. Por exemplo, Maurren Tu-rim, na sua anlise da obra Signifying Nothing (1975)de Steina Vasulka, enfatiza o lado irnico contido noprprio ttulo. Defende que este emblematiza o ata-que ao modernismo e aos seus conceitos formalis-tas. A mesma crtica poderia ser aplicada a Jameson.A obra de Vasulka, segundo Turim, subverte e con-fronta o formalisto, insistindo na ideia de que a totalausncia de significado apenas possvel numa ima-gem cujos significantes sejam simultaneamente auto-referenciais e complexos: Sim, no significa nada(de decifrao imediata); no, no escapa signifi-cao nem nunca pretendeu faz-lo. Por outro lado,Maureen Turim centra a sua crtica na ideia de Ja-meson de que o vdeo opera uma espacializao dotempo, sendo isto um factor determinante na apreci-ao da histria e na definio de ps-modernidade.Segundo Turim, o modernismo j implicava um certo

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    Mas as crticas s concluses de Jamesonrelativamente ao vdeo experimental vm deuma srie de outros autores, empenhados emdefender um papel social crtico para a artevdeo, enfatizando as suas relaes com umasrie de movimentos artsticos que surgiramao mesmo tempo que esta arte e que preten-diam, nomeadamente, questionar o caminhode elitismo e fechamento excessivo tomadopelas artes modernas. Jameson acusado deter ignorado as linhas que ligam a arte v-

    deo arte da performance, onde, ao contr-rio do que afirma o autor, a categoria mo-dernista de obra de arte tambm j havia

    relativismo em relao temporalidade e espaciali-dade. O tempo e o espao eram vistas como catego-rias que se afectavam mutuamente. Para Turim, Ja-meson confunde o ambiente da imagem de televiso(que nos bombardeia com imagens sistematicamenteextradas do seu contexto, onde a justaposio apagaqualquer causa e efeito em favor de um mero valor dechoque) e o vdeo, que tambm utiliza esse tipo de co-

    lagem, mas com resultados diversos. Turim ope-se ideia de que a colagem age contrariamente compre-enso e comentrios histricos. Em vez disso, afirmao autor, pode-se ver a capacidade do vdeo para es-pacializar o tempo e temporalizar o espao como po-tencialmente um meio de continuar a dessecao daapreenso e significado de um acontecimento. Turimconsidera, ento o vdeo, como um meio que contribuipara aquilo que podemos considerar, no como ps-modernidade, mas como o projecto acabado da mo-dernidade. Argumenta que a prpria lgica internado computador contribui para esse facto, visto que, aoser exteriorizada atravs de uma configurao visual,contribui para a criao de uma forma artstica queresponde s mudanas dinmicas da tecnologia, comoacelerao ou como crtica - um dos impositivos domodernismo. Assim, na opinio de Turim, o vdeoenquanto aparato inscreveu a lgica das tecnologiasmodernas como um elemento primrio do seu desen-volvimento. Maureen Turim; The Cultural Logic ofVdeo, in Hall, Doug e Figer, Sally Jo (Ed.), Illumi-nating Video. An Essential Guide to Video Art, Op.Cit., pp. 331-342.

    sido posta em causa. Ann-Marie Duguet76 eJohn G. Hanhardt,77 por exemplo, salientamo facto de as estratgias dos incios da artevdeo, nomeadamente as desenvolvidas porPaik e Vostell, se encontrarem muito prxi-mas das do Fluxus e das dos Nouveaux Ra-listes, que questionavam as noes de artede elite, afastada da experincia quotidiana eque procuravam estabelecer um dilogo en-tre artistas de diversas reas, bem como en-tre as obras de arte e o pblico. Situam, as-

    sim, o surgimento da arte vdeo no interior deum movimento artstico, que teve incio nosanos sessenta, e que se insurgia contra a ideiamodernista de pureza da arte, da separaoarte/vida e do formalismo absoluto. Assim,os pioneiros da arte vdeo, fortemente influ-enciados pelas teorias de John Cage, tentamultrapassar a separao da arte e da vida epreconizam uma estreita relao e uma inter-penetrao entre vrios domnios artsticos.

    Por sua vez, Raymond Bellour, apesar deno efectuar uma crtica explcita a Jameson,fala do vdeo como um processo mais en-raizado na escrita (e mesmo na pintura) doque no cinema. Esta tese defende que, o v-deo deixa marcas como um desejo bsicode inscrever sentido e memria.78 Por ou-tro lado, tambm situa o vdeo como um lu-gar privilegiado de restaurao da memria,atravs da anlise de Art of Memory de Wo-

    76Ver Duguet, Ann-Marie; Dispositifs, in Bel-lour, Raymond e Duguet Ann-Marie (Ed.); Vido, Op.Cit., pp. 221-222.

    77Ver Hanhardt, John G.; D-collage/Collage:Notes toward a reexamination of the origins of videoart, in Hall, Doug e Figer, Sally Jo (Ed.), Illumina-ting Video. An Essential Guide to Video Art, Op. Cit.,pp. 78.

    78 Bellour, Raymond; Vdeo Writing; in Hall,Doug e Figer, Sally Jo (Ed.), Illuminating Video. An

    Essential Guide to Video Art, Op. Cit., pp.421-443.

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