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1 FACULDADE DE ENGENHARIA E ARQUITETURA CURSO DE ARQUITETURA Disciplina: História da Arte Profª Esp.Laile Almeria de Miranda Texto Sonia Leni Chamon ARTE MESOPOTÂMICA / ARTE EGÍPCIA A Arte Mesopotâmica A escassez de pedras para construções propiciou a variada utilização do barro como adobe e terracota para a confecção de utilitários, esculturas, tábuas para a escrita cuneiforme (fig. 13) e principalmente a arquitetura. A fragilidade do material nos legou poucos exemplares da arte e da arquitetura mesopotâmica, em comparação com povos que utilizaram materiais mais resistentes. Os sumérios foram os primeiros a dominar o vale mesopotâmico legando aos seus sucessores princípios e elementos artísticos. Crentes em deuses locais ligados às forças da natureza, desenvolveram um sistema econômico conhecido por “socialismo teocrático” (Janson, 1992), cidades-estado bastante organizadas urbanisticamente e centralizadas no templo. Esses templos eram os “Zigurates”, que chegavam atingiram a altura de colinas, elevações essenciais para a prática da fé, em uma região de planícies (Janson, 1992 ). O Velho Testamento descreve a Torre de Babel, provavelmente o zigurate Etemenanki, que significa “casa sobre a qual se erguem o céu e a terra”. Foi erigido no século XIX a.C. e destruído por Alexandre, o Grande. Segundo documentos antigos, tinha aproximadamente noventa metros de altura, sete patamares e revestimento vitrificado. Ficou sua representação fantasiosa pelo pincel do renascentista Brueguel (fig.14) Figura 141 Pieter Brueghel, A Torre de Babel (1563) Kunsthistorisches Museum Wien (Viena) . Figura 13 Texto cuneiforme de teor jurídico-administrativo (c.2300 a.C).

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FACULDADE DE ENGENHARIA E ARQUITETURA CURSO DE ARQUITETURA

Disciplina: História da Arte Profª Esp.Laile Almeria de Miranda Texto Sonia Leni Chamon

ARTE MESOPOTÂMICA / ARTE EGÍPCIA

A Arte Mesopotâmica A escassez de pedras para construções propiciou a variada utilização do barro como adobe e terracota para a confecção de utilitários, esculturas, tábuas para a escrita cuneiforme (fig. 13) e principalmente a arquitetura. A fragilidade do material nos legou poucos exemplares da arte e da

arquitetura mesopotâmica, em comparação com povos que utilizaram materiais mais

resistentes.

Os sumérios foram os primeiros a dominar o vale

mesopotâmico legando aos seus sucessores princípios

e elementos artísticos. Crentes em deuses locais

ligados às forças da natureza, desenvolveram um

sistema econômico conhecido por “socialismo

teocrático” (Janson, 1992), cidades-estado bastante

organizadas urbanisticamente e centralizadas no

templo. Esses templos eram os “Zigurates”, que chegavam atingiram a altura de colinas,

elevações essenciais para a prática da fé, em uma

região de planícies (Janson, 1992 ). O Velho

Testamento descreve a Torre de Babel,

provavelmente o zigurate Etemenanki, que significa

“casa sobre a qual se erguem o céu e a terra”. Foi

erigido no século XIX a.C. e destruído por

Alexandre, o Grande. Segundo documentos antigos,

tinha aproximadamente noventa metros de altura,

sete patamares e revestimento vitrificado. Ficou sua

representação fantasiosa pelo pincel do renascentista

Brueguel (fig.14)

Figura 141 Pieter Brueghel, A Torre de Babel (1563) Kunsthistorisches Museum Wien (Viena) .

Figura 13 Texto cuneiforme de teor jurídico-administrativo (c.2300 a.C).

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Em ruínas, subsiste outro zigurate, construído cerca de 3.000a.C., erguido em Warka, a

cidade sumeriana de Uruk. Escadarias e rampas conduzem à plataforma onde foi erigido o

Templo Branco (fig. 14), referência a sua fachada de tijolos caiados.

Durante os 2.500 anos seguintes, os zigurates foram

crescendo em altura, cada vez mais semelhantes a

torres de múltiplos andares decrescentes. A entrada

se dava lateralmente à fachada, de frente à escadaria

de acesso, a qual contornava o edifício em uma

espiral angulosa (Janson, 1992 ). Em Ur, cerca de

2.500a.C. restou um andar, de cerca de 16 metros de

altura, bastante conservado – o que nos permite

observar a complexidade da construção. É o zigurate

do rei Urnammu. A cella era a principal sala do

zigurate, onde ficavam as esculturas de deuses (e

não representações de deuses) e de substitutos dos

fiéis. Toda a escultura suméria caracterizava-se pela

simplificação geométrica do corpo (baseadas no

cilindro e cone) e imensos olhos, antigamente

incrustados de pedrarias (fig. 15).

Figura 15 – Grupo escultórico de Tell

Asmar (Templo de Abu), c. 2700 – 2500

a.C. Museu do Iraque,

Os primeiros reis sumérios eram sepultados com seus escravos e tesouros. O fragmento de uma harpa (fig. 16) foi encontrado em um desses túmulos em Ur e nos revela artífices requintados. Imagens de uma mitologia animista já perdida nos tempos são definidas por desenhos detalhados de animais sobre duas patas que executam tarefas humanas como tocar instrumentos e carregar objetos.

Figura 14 Templo Branco de Uruk –

( c. 3500 - 3000 a.C) Warka, Iraque

Figura 16 Harpa Suméria (2500 A.C)., Museu da

Universidade de Filadélfia (Filadélfia).

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Os sumérios forma substituídos pelos acadianos , povo que glorificava o seu soberano. A cabeça em bronze (fig.17) de um soberano acadiano exemplifica a majestade e ao mesmo tempo o detalhamento retratístico dados à escultura real. Os feitos de guerra foram enaltecidos em relevos, como o de Naran-Sin (fig. 18), no qual o rei, com uma coroa de chifres, trucida os inimigos. As antigas crenças no poder das imagens, e portanto a permanência das vitórias, podem ter levado a este tipo de representação (Gombrich, 1983 ).

O segundo milênio foi marcado pela dinastia babilônica, tendo Hamurabi como seu fundador. O seu código (fig. 19) é o mais antigo rol de leis e está gravado em uma estela de diorite (pedra extremamente rígida). Através do código conhecemos o papel social do artista mesopotâmico ao se referir ao arquiteto (mestre de obras) e ao escultor da mesma forma que ao sapateiro e ao ferreiro (Hauser, 1982 ). Encabeçando o código encontra-se o alto relevo representando Hamurabi em pé diante do deus Shamash.

Figura 19 Parte superior da Estela do Código de Hamurabi .(c.

1760a.C). Museu do Louvre (Paris).

Os assírios ascenderam tendo como inspiração os modelos sumerianos de arquitetura. Os palácios atingiram dimensões e riquezas exageradas. Apenas um deles , o de Sargão II, da segunda metade do século VIII a.C., permite uma reconstituição aproximada. Estava isolado do centro urbano, numa cidadela de muralhas torreadas, apenas com duas portas, ladeadas por touros alados com cabeças humanas , esculpidas em relevos (fig. 20). Essas figuras, cujo fim era impedir a entrada das forças do mal, demonstram uma atenção minuciosa com o detalhe linear, talvez um artifício, mas que em escala gigantesca, produz um efeito poderoso. Apresentam cinco pernas – duas em repouso, se vistas de frente; quatro em movimento, se vistas de lado. Dentro do palácio, uma série de relevos ilustrando as conquistas militares reforça a impressão de poder.

Figura 17 Retrato de um soberano

acadiano. Nínive (c. 2300 – 2200 a.C.)

. Museu do Iraque (Bagdá).

Figura 18 Estela da Vitoria do Rei Naram-Sin Acadiano

(c. 2200 a. C.). Museu do Louvre (Paris).

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Figura 20 Touro alado do Palácio de Sargão II . Museu do Louvre

(Paris).

São os neobabilônios que passam a usar largamente o tijolo vitrificado e queimado, utilizando cores vivas e animais graciosos. Podemos observar o Portão de Ishtar (fig. 21), construído durante o reinado de Nabucodonosor, e reconstruído no Vorderstaatische Museen, Berlim.

Figura 22 Ruínas da cidade de Persépolis - no atual Irã

Tribos nômades com forte tradição artística em seus objetos, dão origem ao requintado império Persa.Sob o governo de Dario I, Xerxes e Artaxerxes foi erigida a cidade de Persépolis (fig. 22) -séc. VI a C - fruto de influências de diversos povos dominados pelo império, mas que determinam um estilo único. A sala do trono de Dario I apresentava 36 colunas de 12 metros de altura, com fustes canelados ao estilo jônico e capitel de touros. Nas paredes, sóbrios relevos revelam narrativas sobre os reis. Tecidos, ourivesaria e objetos ricamente adornados permanecem com vestígios dos últimos povos mesopotâmicos até o período medieval.

Figura 21 Portão de Ishtar – reconstrução

Vorderasiatisches Museum

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ARTE EGÍPCIA

EGITO Introdução

As primeiras grandes civilizações surgiram aproximadamente na mesma época, em torno

de 3.500 a.C., atravessando de forma sutil o Neolítico para a Antiguidade. Egito e

Mesopotâmia – milenares civilizações já descritas nos primeiros relatos bíblicos -

tiveram em seu posicionamento geográfico a definição de sua história. A estreita faixa

fértil às margens do Nilo era protegida por amplas regiões desérticas e a noção de

divindade legada ao faraó possibilitou uma história e forma de governo homogênias. A

forte religião egípcia, agregadora de toda a cultura, possibilitou uma arte milenar e

imutável. A Mesopotâmia, vale entre os rios Tigre e Eufrates, designada assim pelos

gregos (Gombrich, 1983), apresentava poucas defesas naturais, tornando-se vulnerável

pela grande quantidade de afluentes, o que possibilitou a sucessão de governos (e povos)

diferenciados. Sumérios, acádios, assírios, babilônicos, persas sucederam-se desde a Pré-

História até o século IV a.C. assemelhando-se por ser eminentemente guerreiros e

produzindo uma arte que refletiu tanto o temor e adaptação a um ambiente inóspito como

suas conquistas de guerra.

A Arte Egípcia

A arte egípcia tem uma importância fundamental na cultura ocidental, posto que era

referência estética de vários povos, incluindo os gregos. Suas características essenciais

ligam-se à religião – principalmente à imortalidade da alma (o ka) – e à glorificação do

faraó – também visto como ser divinizado. A complexidade da vida social, que produz um

novo tipo de economia e divisão de trabalho, converte o artista em artífice, profissional

especializado e não mais um mágico inspirado (Hauser, 1982). Seu trabalho, agora, apesar

de essencial nos ritos religiosos, é considerado tão importante quanto o do sapateiro ou

oleiro e recebe orientações rigorosas sobre como fazê-lo. Toda a arte egípcia é baseada em

cânones (regras tradicionais e rigorosas) o que a conserva em uma imutabilidade de

aproximadamente 3.000 anos, com exceção de um breve período de modificações artísticas

no Novo Império, inaugurado por Akhenaton. Mas não é, de maneira alguma, uma arte

monótona: “As regras que governam toda a arte egípcia conferem a cada obra individual

o efeito de equilíbrio, estabilidade e austera harmonia”1.

Breve Cronologia

1 Gombrich, (vide bibliografia) p. 38

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Pré-dinástico (até cerca de 3.000a.C) – período de unificação das “Duas Terras”, o

Delta e o Vale do Nilo, realizado pelo rei Narmer (provavelmente Menés – fundador

mítico do Egito).

Arcaico (3.000 a 2.660a.C) – surge a escrita hieroglífica – paleta de Narmer (fig. 1),

que celebra a unificação (encontra-se no Museu do Cairo) é considerada a mais

antiga obra de arte após a Pré-História

Império Antigo (2660 a 2180 a.C) – período glorioso para os faraós e sua arte,

início das construções em pedra com a pirâmide de Sakara , do rei Djorser,

projetada por Imhotep e, na IV dinastia, as pirâmides (necrópole) de Gisé.

1º Período Intermediário (2180 a 2040 a.C)– declínio do faraó e da arte.

Império Médio (2040 a 1780) consolidação e centralização do poder do faraó. Culto

oficial ao deus Amon . Textos dos sarcófagos (texto de caráter mágico inscrito nos

sarcófagos de altos funcionários). Renascimento artístico – estatuária real com arte

nos retratos (ver Sanuseret III)e Amenembat III. Fase clássica da arte egípcia.

2ª Período Intermediário (1780 a 1560 a.C) – invasão dos hictos – enfraquecimento

real.

Novo Império – (1560 a 1070 a.C.) – período de ascensão. Rainha Hatchepsut –

governa no lugar de Tutmes III seu sobrinho, que era menor de idade (templo da

Rainha Hatchepsut).

- Amen-Hotep, ou Amenófis IV, rei da XVIII dinastia – determina o culto a Aton e

troca o nome para Akhenaton.

- Tutankhamon, restabelece o culto a Amon – seu túmulo foi encontrado em 1922,

no Vale dos Reis.

Fig. 1. Paleta de Narmer, que

celebra a unificação (Museu do

Cairo)

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- Ramsés II – XIX dinastia, marca o fim de um período de equilíbrio político -

templo de Abu-Simbel

3º Período Intermediário (1070 a 664 a.C.) – período de invasões e divisões

territoriais, porém manteve-se a qualidade artística funerária.

Baixo Império (664 a 332 a.C.) – ascensão do poder faraônico e produção de

importantes escultura, utilização do bronze, até o domínio de Alexandre, o Grande,

e a fundação de Alexandria.

Período Greco-Romano ou Egito Helênico (332a.C a 30d.C) – governo de

Alexandre e seus sucessores até 305a.C, após este período se inicia a dinastia

fundada por Ptolomeu, grande desenvolvimento cultural (fig. 2) em torno da nova

capital, Alexandria. Após 30 d.C., o Egito torna-se parte do Império Romano, na

forma de província. A partir de 395 d.C, passa a fazer parte do Império Bizantino.

Figura 2 Retrato de um Faraó – relevo. Princípio da época

ptolomaica (305-200 a.C.) Museu Calouste Gulbenkian (Lisboa)

Arquitetura

A preservação do corpo para a existência da alma após a morte através do complexo

sistema de mumificação foi o objetivo máximo da sociedade egípcia. A partir dela,

desenvolveu-se a medicina, as artes, artefatos e, de forma peculiar, a arquitetura dos

túmulos. A alta aristocracia mantinha sepulcros que propiciavam a manutenção do ka,

conservando objetos, miniaturas, alimentos, esculturas, afrescos e relevos essenciais aos

ritos funerários. Esses primeiros sepulcros eram as mastabas (fig. 3), espécie de bloco

trapezoidal erguido sobre câmara subterrânea. O grande arquiteto, divinizado ainda em

vida, Imhotep construiu a primeira pirâmide escalonada sobre uma mastaba – a pirâmide

de Zorzer (fig. 4), em Sacara, em aproximadamente 2600 a.C. A nova volumetria, que se

assemelha à concepção geral de pirâmide, não é a única inovação do arquiteto: a utilização

de cantaria (pedras talhadas com precisão) e meias-colunas com capitéis adornados em

forma de papiros (papiriformes) também são invenções de Imhotep, as quais tornaram-se

base da arquitetura não apenas egípcia.

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Figura . 4 Imhotep (arquiteto) Pirâmide em

degraus do rei Zozer (Djozer), Terceira Dinastia ( c. 2600a.C).

As pirâmides do deserto de Gizé formam a mais importante necrópole conhecida. Foram

edificadas durante a Quarta Dinastia do Antigo Império pelos faraós Quéops (c. 2.530 a.C),

Quéfren (c. 2.500 a.C) e Miquerinos (2.470 a.C.). Junto a essas três pirâmides encontram-se

mastabas e a esfinge mais conhecida do Egito, que provavelmente representa o faraó

Quéfren. A Grande Pirâmide ( do Faraó Quéops) de 146 metros da base ao vértice foi

considerada a mais alta construção do mundo por aproximadamente 4 mil anos. Foi erguida

por cem mil homens por vinte anos e a sua precisão é surpreendente, cada lado está

alinhado com um ponto cardeal e a Câmara Real encontra-se no meio da edificação, a 42

metros de altura. Durante os governos de Quéfren e Miquerinos foram erguidas as

pirâmides que levam seus nomes (Oliveira, 2001).

Fonte: Figura 5 Necrópole de Gisé. IV Dinastia do Império Antigo

Obras para a eternidade

Fig. 3 Esquema de uma mastaba.

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Os primeiros tempos da civilização egípcia foram testemunhas de ritos fúnebres perversos,

os quais escravos eram enterrados junto ao faraó para servi-lo na eternidade. A quarta

Dinastia do Antigo Império, período das belas pirâmides, substitui esse hábito por uma

imensa quantidade de obras de arte que preservavam a memória dos feitos e riquezas do

morto. Objetos de ourivesaria e vidro, miniaturas diversas, maquetes, maquiagens e

espelhos permaneciam nas câmaras mortuárias pela eternidade, ou melhor, até chegarem os

saqueadores de tumbas.

A imagem do faraó na forma de escultura também era essencial para a jornada do ka. A

escultura egípcia ligava-se ao retrato, porém de forma muito impessoal, realmente hierática.

A rigidez da escultura não diminuía a beleza das proporções e detalhes. É fácil perceber a

harmonia formal que influenciará a escultura arcaica dos gregos no retrato de Miquerinos e

a Rainha (fig.6): a absoluta frontalidade, as formas sugeridas pela transparência dos tecidos,

a unidade entre os membros e o corpo e a perna esquerda à frente como indicação de

movimento. Os escribas (fig. 7) também eram representados, em constante postura de

cócoras, rosto erguido, escritos apoiados sobre as pernas – não demonstram submissão de

um funcionário, mas um “mestre das letras sagradas e ocultas” (Janson, 1992 ).

Finalmente chegamos às representações

bidimensionais. Todos os afrescos, relevos e

pinturas em livros demonstram uma riqueza de

detalhamento e narração – os desenhos

“contam” as histórias relacionadas ao morto

sendo acompanhados, normalmente, de

hieróglifos. Os animais são apresentados de

forma natural e em movimento – ainda hoje

zoólogos podem reconhecer cada espécie

(Gombrich, 1992 ). A figura humana oferece

uma visualidade única, conhecida por Lei da

Frontalidade: cabeça de perfil, olho de frente,

tórax e braços de frente, pernas de lado vistas

pelo lado de dentro, isto é, pelo ângulo do

Figura 6 Miquerinos

e a Rainha (c.

2470a.C). Xisto, alt.

1,40 m. Museum of

Fine Arts (Boston).

Figura 7 Escriba

Sentado.( C. 2400 a. C).

Calcário, alt. 0,53 m. Louvre ( Paris).

Figura 8 Fragmento de afresco da tumba

de Nebamum (c. 1350 a.C). British Museum

( Londres).

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dedão. A finalidade mágica dessas

representações, ligada aos ritos fúnebres,

explicam essa caracterização como a maneira

mais imediata de perceber as partes do corpo,

sem deformações pelo escorço ( perspectiva da

figura humana). O tamanho das figuras também

tem caráter simbólico, ligado à hierarquia.

Observe estas características na fig. 8.

Podemos analisar uma dessas pinturas através da meticulosa descrição de Gobrich2, trata-se

de uma parede do (fig. 9), um alto dignitário egípcio, de cerca de 1.900 a.C.:

“As inscrições em hieróglifos dizem-nos exatamente quem era ele, e que títulos e

honrarias reunira durante sua vida(...) a esquerda vemo-lo caçando aves selvagens com

uma espécie de bumerangue, acompanhado de sua esposa Cheti, sua concumbina Jat, e um

de seus filhos, o qual, apesar de seu tamanho minúsculo na pintura, ostentava o título de

Superintendente das Fronteiras. Abaixo, no friso, vemos pescadores com seu capataz,

Mentuhotep, puxando para a terra uma farta pescaria. No topo da porta, Chnemhotep é

visto de novo, agora apanhando aves aquáticas numa rede. Compreendendo os métodos do

artista egípcio, podemos facilmente ver como esse estratagema funcionou. O caçador

sentou-se escondido atrás de uma cortina de juncos, segurando uma corda ligada á rede

aberta (vista de cima). Quando as aves acudiram à isca, ele puxou a corda e a rede fechou-

se sobre elas. Atrás de Chnemhotep está sue filho primogênito Nacht e seu Superintendente

dos Tesouros, que era também o responsável pela arrumação do túmulo. Do lado direito,

Chnemhotep, ..., apresenta-se no ato de traspassar um peixe com sua lança. Podemos

observar de novo as convenções do artista egípcio, que deixa a água subir junto aos juncos

a fim de nos mostrar a clareira com o peixe (...). No friso de baixo, um episódio divertido:

um homem que tinha caído na água está sendo pescado por seus companheiros. A

inscrição em torno da porta registra o dia em que as oferendas devem ser dadas aos

mortos e inclui preces aos deuses.”

Podemos pensar que cada desenho criado por artista egípcio contém uma historieta como

essa, assim como podemos perceber que ao longo de quase três mil anos a forma de

representação segue-se intacta, regida por regras determinadas e imutáveis, mas que

conferem equilíbrio e harmonia à arte egípcia como um todo e a cada obra em sua

2 Gombrich, (vide bibliografia) p.36 a 38

Fig. 9 Túmulo de Chnemhotep

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individualidade. Essa imutabilidade, porém, foi quebrada na 18ª Dinastia do Novo Reino,

cerca de 1.370 a.C., com o reinado de Amenófis IV um adorador do deus Aton e que

autointitulou-se Akhnaton. Talvez a partir de influências estrangeiras, as representações do

período tornaram-se muito naturalistas, fugindo à representação tradicional. Podemos

observar seu retrato (fig. 10) como a esfinge de um homem feio, e não com a solenidade

imposta aos retratos reais. Por outro lado, vemos a delicadeza absoluta de Nefertiti (fig. 11),

esposa de Akhnaton, “o mais belo perfil da história da arte”.

Um pouco deste naturalismo se perpetua no período de seu

sucessor, Tutankamon. Faraó falecido jovem teve a importância de

voltar o culto ao deus Amon, politeísta, e tornou-se conhecido nos

dias de hoje por seu túmulo ter sido descoberto intacto no início do

século XX. Toda a riqueza que o nosso imaginário liga à uma

Câmara Real encontrava-se plenamente, desde o ataúde de ouro de

mais de cem quilos, à perfeita máscara mortuária (fig. 12) e às

pinturas e relevos que – registrando uma revolução artística –

precediam a divisões e invasões territoriais que viriam a findar com

imutabilidade da civilização egípcia.

Figura 12 Máscara Mortuária de

Tutankamon ( c.1323a.C.).

Museu Egípcio (Cairo)

Para saber mais

Livros ou capítulos

História Social da Literatura e da Arte. A Segunda Parte: “Culturas Urbanas do

Oriente Antigo” analisa essa nova classe – a dos artistas e a importância de sua

arte, principalmente dentro das questões políticas e religiosas. A Terceira Parte:

“Grécia e Roma”contextualiza a arte sob uma nova dimensão: a do homem.

Sites

www.louvre.fr Que tal uma visita ao Museu do Louvre, com direito a percorrer seus

corredores e olhar de perto as obras de seu acervo? Na impossibilidade de ir ao museu de

Figura 10 Retrato de Akhenaton (c..1360 a. C.). Calcário, alt. 0,08m.

Museu do Estado ( Berlim)

Figura 11 A Rainha

Nefertiti (c. 1360 a.C.).

Calcário policromado, alt.

0,51m. Museu Egípcio (

Cairo).

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verdade, fique com a possibilidade virtual. O site é excelente e muito divertido. Para esta

Unidade, conheça boa parte do acervo dos departamentos (Collections & Départements):

Antiquités orientales – acádios, babilônios, fenícios, hebreus, árabes...obras

enigmáticas, exóticas e extremamente antigas do oriente médio.

Antiquités égyptiennes – o setor de egiptologia do Louvre é imenso e diversificado.

Uma grande parte foi trazida à França por Napoleão Bonaparte fruto de sua

expedição ao Egito entre 1798 e 1801.