a arte de comunicar · cananeia, a viúva, o centurião, zaqueu, a ... às suas ideias...

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67 | 19 | «Para responder aos desafios culturais: cultura do sujeito, cultura democrática, cultura crítica, científica e técnica e cultura da comunicação a catequese deverá estar assente numa espiritualidade forte. Uma espiritualidade que lhe seja própria e ao mesmo tempo adaptada à mutação que a atravessa neste momento.» André Fossion A espiritualidade do Catequista, não se limita à espiritualidade comum de todo o baptizado chamado a viver: a fé, esperança e caridade, a oração e a prática das virtudes evangélicas (devem viver este programa com excelência). Não reside na competência doutrinal do saber fazer metodológico. A espiritualidade do catequista reside na forma evangélica como é conduzido o acto catequético. Perante a crise de transmissão e de proposta da fé, que atitudes espirituais é chamado a desenvolver, o catequista, no exercício da sua missão, para trans- formar a crise que atravessa hoje a cate- quese em tempo de promessa? A espiritualidade do catequista é desafiada a ter uma dinâmica “abraâmica”, uma dinâ- mica que dá o toque da partida para uma aventura espiritual: “Vai, deixa a tua terra e dirige-te para a terra que eu te indicar”. Neste espírito de partida e de promessa propõem-se nove atitudes espirituais para serem vividas no acto catequético: três em ordem à comunicação, três em ordem à relação pedagógica e três relativas à organização da catequese. Comunicação 1. Aceitar o “largar as amarras” 2. Situar-se exactamente na sua responsa- bilidade 3. Não preencher com a “sua própria peque- nez os caminhos de acesso à fé” Relação Pedagógica 1. Arriscar-se ao acolhimento no “espaço” do outro 2. Abrir-se a todos e não excluir ninguém 3. Personalizar as relações Organização Catequética 1. Promover um espírito de investigação, de liberdade e de amizade 2. Adoptar um espírito de rigor 3. Desenvolver um espírito de participação – corresponsabilidade A Arte de Comunicar Repensar o “caminho da Iniciação cristã” obriga a repensar o papel e a espiritualidade do catequista. Ser “portador de uma boa notícia” implica estar a caminho com os que iniciam o caminho. Eis alguns desafios! A Espiritualidade do Catequista Hoje

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Page 1: A Arte de Comunicar · Cananeia, a viúva, o centurião, Zaqueu, a ... às suas ideias pré-concebidas no momento de atender ... O rigor em catequese não é só uma

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«Para responder aos desafios culturais:cultura do sujeito, cultura democrática, culturacrítica, científica e técnica e cultura dacomunicação a catequese deverá estarassente numa espiritualidade forte. Umaespiritualidade que lhe seja própria e aomesmo tempo adaptada à mutação que aatravessa neste momento.»

André Fossion

A espiritualidade do Catequista, não se limitaà espiritualidade comum de todo o baptizadochamado a viver: a fé, esperança e caridade,a oração e a prática das virtudes evangélicas(devem viver este programa com excelência).Não reside na competência doutrinal dosaber fazer metodológico. A espiritualidadedo catequista reside na forma evangélicacomo é conduzido o acto catequético.

Perante a crise de transmissão e deproposta da fé, que atitudes espirituaisé chamado a desenvolver, o catequista,no exercício da sua missão, para trans-formar a crise que atravessa hoje a cate-quese em tempo de promessa?

A espiritualidade do catequista é desafiadaa ter uma dinâmica “abraâmica”, uma dinâ-mica que dá o toque da partida para umaaventura espiritual: “Vai, deixa a tua terra e

dirige-te para a terra que eu te indicar”.Neste espírito de partida e de promessapropõem-se nove atitudes espirituais paraserem vividas no acto catequético: três emordem à comunicação, três em ordem àrelação pedagógica e três relativas àorganização da catequese.

Comunicação1. Aceitar o “largar as amarras”2. Situar-se exactamente na sua responsa-

bilidade3. Não preencher com a “sua própria peque-

nez os caminhos de acesso à fé”

Relação Pedagógica1. Arriscar-se ao acolhimento no “espaço”

do outro2. Abrir-se a todos e não excluir ninguém3. Personalizar as relações

Organização Catequética1. Promover um espírito de investigação,

de liberdade e de amizade2. Adoptar um espírito de rigor3. Desenvolver um espírito de participação

– corresponsabilidade

Proposta dePercurso de Trabalho

1º Reunião de análise

Ponto I - Momento de Oração - Seguir o percursoda Lectio Divina a partir do texto: Lc 4,14-22

Ponto II - Leitura de textos - ou partilhadas ideias essenciais (se os textosjá foram lidos)

Ponto III - Análise da realidade à luz dostextos

Ponto IV - Elaboração de uma lista dedesafios

2º Reunião de determinação de desafiose proposta de objectivos e linhas de acção

Ponto I - Momento de Oração - Seguir o percursoda Lectio Divina a partir do texto: Jo 14,12-14

Ponto II - Recordar os desafiosPonto III - Elaboração metas e objectivos

(pouco - pequeno - possível - avaliável)

Ponto IV - Procurar linhas de acção

3º Reunião de planificação de projectosou do ano catequético

Ponto I - Momento de Oração - Seguir o percursoda Lectio Divina a partir do texto: Jo 15,1-11

Ponto II - Recordar objectivos e linhas deacção

Ponto III - Realização dum plano de acçãotrienal - e anual

4ª reunião …

Recomendações

• Ao sugerir 3 reuniões, não se pretendeesgotar o processo. Seria importante, criaro hábito de regularmente, em reunião decatequistas, fazer uma leitura de documentossignificativos no âmbito das questõescatequéticas. A alteração da prática passapela lenta evolução da forma de pensare ver a realidade. Sem mudança de men-talidade, a renovação catequética terádificuldade em realizar o percurso quea Igreja propõem e o ser humano espera.

• Antes de cada reunião, o coordenador deveráenviar aos participantes a agenda da mesma(ordem de trabalhos), assim como os textosque serão objecto de reflexão, e eventualmentealgumas perguntas orientadoras (ver perguntasincluídas nesta MENSAGEM).

• No fim da reunião, devem ser sistema-tizadas e lidas as conclusões e decisõestomadas. Esse documento deverá ser poste-riormente enviado aos participantes paratomada de conhecimento, e para servir debase de trabalho para as reuniões posteriores.

• Durante a reunião, recomendamos umespecial cuidado na gestão do tempo e dasenergias do grupo, evitando dispersões egerindo possíveis resistências à reflexão eresponsabilização individual no processo.

• O sucesso dos projectos deve-se em parteao processo de avaliação. Avaliar, é analisaro percurso realizado para apontar os pontospositivos, os aspectos a melhorar e deter-minar novas estratégias. Sem este passo,os projectos correm o risco de não produziros frutos pretendidos.

A Arte de Comunicar

Repensar o “caminho da Iniciação cristã”obriga a repensar o papel e a espiritualidadedo catequista. Ser “portador de uma boanotícia” implica estar a caminho com osque iniciam o caminho. Eis alguns desafios!

A Espiritualidadedo Catequista Hoje

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Em Ordem àRelação Pedagógica

1. Arriscar-se ao acolhimento no“espaço” do outro

O tema do acolhimento faz parte do discursocatequético habitual. Todavia corremos orisco de posicionar o catequista como aqueleque acolhe e por esse motivo aquele quese coloca numa postura de superioridadeperante o catequizando. Nesta visão (porvezes inconsciente), o catequista é aqueleque tem o papel principal e está investidona função de acolher. Sobe este prisma, ooutro é colocado numa postura de inferiori-dade, de passividade como aquele queapenas recebe. Seguindo a lógica do Evan-gelho não será talvez necessário deixar--se acolher pelo outro, reconhecendo assuas virtudes de hospitalidade e as forçasde viver que o habitam? “Quem vos acolhe,me acolhe.” (Mt 10,40). “Quando encontrareshospitalidade numa casa, ficai aí até ao...”(Mc 6,10). Com Zaqueu, é Jesus que pede ahospitalidade, com os discípulos de Emaúsé Jesus que recebe a hospitalidade.

Esta atitude convida o catequista a sairdo seu mundo, a abrir-se ao mundo dooutro com tudo o que supõe de dife-rença, de inesperado, de desconcer-tante... deslocar-se do centro da sua vida,do seu universo de interesses permi-tindo que o outro possa exercer as suaspróprias virtudes de hospitalidade.

2. Abrir-se a todos e não excluirninguém

Abrir-se ao “espaço” do outro, deveria sera atitude do catequista que não presumeda disponibilidade do outro na escuta eacolhimento do Evangelho. Corre-se o riscode ir ao encontro das pessoas e dos meiosonde se pensa que “esses estão aptos” aoacolhimento da fé segundo critériospessoais. Quantas vezes o catequista filtrao campo dos destinatários a partir decritérios que têm a ver com afinidadespessoais, sociológicas ou culturais.Jesus contradiz profundamente esta atitudee actua contra qualquer expectativa: aCananeia, a viúva, o centurião, Zaqueu, apecadora, o ladrão... O acolhimento da féfaz-se onde menos se espera. “Os primeirosserão os últimos e os últimos os primeiros”(Mt 20,16) “As prostitutas e os pecadorespreceder-vos-ão no Reino de Deus.” (Mt 21,31)

Esta “reviravolta” evangélica não excluininguém e alerta contra a hierarquização eos preconceitos na atitude de fé. É um apeloa semear a palavra sem julgamentos.

O catequista é convidado a estar profundamente atentoàs suas ideias pré-concebidas no momento de atenderos seus destinatários: afinidade, horários, lugares, ritmos,hábitos, costumes, métodos... Estes condicionantes podemlimitar e excluir certos meios ou perfis...

Abrir-se a todos, é uma vigilância profun-damente evangélica é um desafio queconvida a partir para sendas desconhecidase a emigrar para lugares esquecidos(aqueles que habitualmente tendemos amarginalizar).

Em Ordem àComunicação da Fé

1. Aceitar o “largar as amarras” –confiança no Espírito

• Deixar a tentação da nostalgia e dasideologias da decadência;• Renunciar aos integrismos, a culpabili-zação das comunidades e do mundo;

e viver:

• na confiança e na alegria perante asituação de crise que se vive;• aceitar o desafio de “não dominar a situa-ção”, como nos convida o Evangelho:“Não vos preocupeis com o dia de amanhã.A cada dia basta a sua…” (Mt 6,34)

“Um semeia, outro colhe...” (J 4,37)

“Quando tiveres terminado o trabalho...” (Lc 17,10)

Não temos a possibilidade de “criar no outro”a disponibilidade à escuta do Evangelho,por isso somos chamados a:

• fazer confiança à humanidade (ela é capazde: interrogação ética, busca de sentido,preocupação com direitos humanos...);• ser disponíveis ao Espírito que age nomundo e na Igreja…

Estas atitudes não conduzem à passi-vidade mas tornam os catequistas maisaudaciosos e criativos, mais aptos atrabalhar intensamente hoje para oamanhã, sem ter o horizonte comoobjecto de conquista.

2. Situar-se exactamente na suaresponsabilidade

Não temos poderes sobre a comunicaçãoda fé todavia a fé não se comunica sem nós.O catequista tem a obrigação de criaras melhores condições para que a féseja possível, compreensível e desejável.Esta é a responsabilidade do catequista,tudo o resto é fruto da graça de Deus e daliberdade humana.O catequista é chamado a ter uma atitudeespiritual de reserva. Pode preparar o terreno,regar o jardim, cuidar dele mas atenção:não inundar as raízes! Quantos erros secometem pelo zelo religioso desordenadoque ultrapassa os limites do que está sobea responsabilidade do catequista!A forma evangélica de situar-se nacatequese é: nem a demissão de simesmo, nem a submissão ao outro, masa preocupação em oferecer condiçõespara que seja possível o crescimentodo outro a nível humano e na fé.

3. Não preencher com a sua “própriapequenez” o acesso à fé

O catequista não pode desejar que oscatequizandos sejam a reprodução delemesmo, a sua imagem, a imitação da suaforma de ser e viver a fé (os primeiroscristãos foram tentados em impor que todosos convertidos se sujeitassem aos costumesdo judaísmo). É importante o catequistaprocurar propor a fé sem impor a sua formade a viver (quantos obstáculos colocamosà fé a partir das nossas determinações pes-soais, culturais, e até posições teologicamenteincompletas ou psicologicamente duvidosas).O catequista deverá fazer a diferença entre:Acreditar como e acreditar com.

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2. Adoptar um espírito de rigor

O catequista não é um improvisador... a suatarefa exige rigor. O rigor implica manteruma distância crítica em relação ao que faz,ao que diz e ao que se passa à sua volta.

O rigor diz respeito aos conteúdos, aométodo, à organização e exige um trabalhode investigação, analise, avaliação, elabo-ração de hipóteses e de aprendizagens apartir da prática.

O rigor em catequese não é só umaexigência técnica, é autenticamente umaatitude espiritual no sentido em quemanifesta uma atenção à pessoa noprocesso de amadurecimento da fé.

Não tem a ver com o desejo de dominartudo, pelo contrário tem a ver com a atitudede colocar-se à escuta e na disponibilidadeperante o Espírito.

Rigor como busca suprema de fidelidade ecoerência aos planos de Deus para com oseu povo. Respeito para como os irmãos,para com a sua inteligência, procura eabertura ao Espírito.

3. Desenvolver um espírito de parti-cipação

A catequese é, por vezes, entendidacomo um poder, todavia a sua essênciaé serviço co-participado e corresponsa-bilizado. Nesta linha de pensamento, oSínodo de 1977 recomendava que se esta-belecesse estreitas ligações entre oscatequetas, os teólogos e os especialistasdas ciências humanas.A atitude espiritual do catequista implicaconsultar, escutar e colaborar com os váriosintervenientes do processo catequético,inclusive os catequizandos (Também elessão corresponsáveis e podem ser implicadosa nível de programação, iniciativas…).

Dieu toujours recommencéAndré Fossion

Lumen vitae Novalis, CERF, Belgique, 1997Traduzido e adaptado

3. Personalizar as relações

Jesus ensinava às multidões mas nãodeixava de estabelecer contactos pessoais:Nicodemos, Samaritana, jovem rico... O diá-logo pessoal é fundamental no percursocatequético. O catequista pode cair natentação de reduzir a sua missão à deum animador de grupo, sem estabeleceruma relação com cada um e desenvolvera relação entre todos.

A espiritualidade do catequista inclui aomesmo tempo o sentido da comunidade ea relação pessoal, acompanhamentoindividualizado. A confissão de fé é um actopessoal com o apoio de um “nós”. Nãopodemos esquecer que a cultura valoriza aliberdade individual. A espiritualidade docatequista é uma espiritualidade de“companheirismo”, do irmão mais velho quejá tocou a outra margem e acompanha ocaminhar do outro rumo ao futuro.

Em Ordem àOrganização daCatequese Ela Mesma

1. Promover um espírito de inves-tigação, de liberdade e de amizade

Três condições favoráveis no exercício dacatequese: procura assídua, respeito pelasliberdades e fraternidade:

Procura da VerdadeImplica humildade e questionamento. “Cate-quizar é levar alguém a procurar o mistériode Cristo em todas as suas dimensões.” Éimportante que o catequizando se sintaestimulado intelectualmente. O desafio éque ele possa experimentar por ele mesmoa fé, mesmo que ela ultrapasse a razãosabendo que ela não deixa de ter espaçosde “razão”.

LiberdadeRespeitar a inteligência dos catequizandosimplica renunciar a qualquer forma deviolência, de pressão, de manipulação. Édespertar para a liberdade respeitando-a.É situar a fé na ordem do reconhecimentoe da livre adesão... Permitir que o outroencontre o que se procura.

FraternidadeEla acontece como uma graça oferecidagratuitamente e sem condições. A catequesetorna-se assim uma experiência fraterna,eclesial.

Estes três dados favorecem o acolhimentodo Espírito e a disponibilidade à sua acção.

Q U E S T Õ E S A V I S I T A R

• Que interrogações convoca este olhar sobre a atitude espiritual do catequista?• Que desafios oferece à relação entre catequistas e catequizandos?• Que caminhos de resposta ao “humano em busca caminhos de acreditar” indicam este texto?• Que ligações podem ser feitas entre este texto e os desafios que a “iniciação à vida cristã”

oferece às nossas práticas catequéticas?• …

O catequista é ao mesmo tempo um“buscador” de Deus e um garante daliberdade, um amigo.

A espiritualidade do catequista seráentão a arte de cultivar de fazerconfluir e de organizar o espaçodo encontro entre a graça de Deuse a liberdade humana.