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A ARGUMENTAÇÃO EM TEXTOS ORAIS E ESCRITOS Maria Amélia Santana Lugão Bichibichi RESUMO: A argumentação busca convencer, influenciar, persuadir alguém, defender ou repudiar uma tese ou ponto de vista. E sendo a argumentatividade fundamental para a interação social por intermédio da língua, tem-se a importância de fazer um trabalho efetivo na escola que leve o aluno a desenvolver essa habilidade tão necessária para torná-lo um cidadão capaz de atuar plenamente na sociedade. Por isso, este trabalho apresenta as características básicas da argumentação e procura identificar essas características em diferentes gêneros textuais, para demonstrar que a argumentação é ato inerente à língua, independentemente do suporte de que a mesma se utiliza. Palavras Chaves: Argumentação. Gênero Textual. Língua ABSTRACT: Key Words: Argumentation. Kind of Text. Language The argumentation seeks for convincing, influencing, persuading somebody, defending or dismissing a thesis or a point of view. And it being the argumentation essential for the social interaction for intermediate from the language, there is the importance of doing an effective work at school that leads the student developing this ability so necessary for becoming him a citizen able of acting on society fully. So, this work shows the basic characteristics of argumentation, and it seeks for identifying those characteristics in different kind of writings, for demonstrating that the argumentation belongs to the language, independent of the support that it uses itself.

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Page 1: A ARGUMENTAÇÃO EM TEXTOS ORAIS E ESCRITOS · contra as idéias veiculadas nos mesmos. Os temas devem ser ... textos de opinião, artigos de jornais ou revistas, e-mails, debates,

A ARGUMENTAÇÃO EM TEXTOS ORAIS E ESCRITOS

Maria Amélia Santana Lugão Bichibichi

RESUMO:

A argumentação busca convencer, influenciar, persuadir

alguém, defender ou repudiar uma tese ou ponto de vista. E sendo a

argumentatividade fundamental para a interação social por

intermédio da língua, tem-se a importância de fazer um trabalho

efetivo na escola que leve o aluno a desenvolver essa habilidade tão

necessária para torná-lo um cidadão capaz de atuar plenamente na

sociedade. Por isso, este trabalho apresenta as características básicas

da argumentação e procura identificar essas características em

diferentes gêneros textuais, para demonstrar que a argumentação é

ato inerente à língua, independentemente do suporte de que a

mesma se utiliza.

Palavras Chaves: Argumentação. Gênero Textual. Língua

ABSTRACT:Key Words: Argumentation. Kind of Text. Language

The argumentation seeks for convincing, influencing,

persuading somebody, defending or dismissing a thesis or a point of

view. And it being the argumentation essential for the social

interaction for intermediate from the language, there is the

importance of doing an effective work at school that leads the student

developing this ability so necessary for becoming him a citizen able of

acting on society fully. So, this work shows the basic characteristics of

argumentation, and it seeks for identifying those characteristics in

different kind of writings, for demonstrating that the argumentation

belongs to the language, independent of the support that it uses

itself.

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1. INTRODUÇÃO

Este artigo constitui um dos requisitos do Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE)1 e tem como objetivo identificar

características argumentativas em diferentes gêneros textuais, para

demonstrar que a argumentação é ato inerente à língua,

independentemente do suporte de que a mesma se utiliza, e que o

ato de argumentar deve ser trabalhado em sala de aula através de

propostas a serem desenvolvidas com atividades de leitura, oralidade

e escrita para ampliar a capacidade argumentativa dos alunos.

Saber posicionar-se social e politicamente é fundamental para uma

pessoa se sentir uma cidadã plena. Por isso é importante que o aluno

desenvolva sua competência comunicativa e possa usar com

segurança os recursos comunicativos que forem necessários para

sair-se bem nos contextos sociais em que interage, sabendo

argumentar e defender suas opiniões com firmeza, clareza e

coerência ou discordar daquilo que lhe é apresentado, mas sem

recorrer a um bate-boca sem fundamento ou concordar simplesmente

por não saber argumentar.

KOCH (2006) defende que o ato lingüístico fundamental é a

argumentação “isto é, de orientar o discurso no sentido de

determinadas conclusões, constitui o ato lingüístico fundamental, pois

1 PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional, promovido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná, com o objetivo de proporcionar aos professores da rede pública estadual subsídios teórico-metodológicos para o desenvolvimento de ações educacionais sistematizadas e que resultem em redimensionamento de sua prática. Os docentes contemplados pelo programa foram orientados por professores de universidades paranaenses e, no caso específico deste artigo, bem como da prática docente o precedeu, a orientadora foi a mestre Maria Alice Maschio de Godoy, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.

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a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia, na acepção mais

ampla do termo”. (KOCH, 2006,p. 17).

Os alunos devem desenvolver a sua capacidade argumentativa,

desde cedo, não só para saberem defender seus pontos de vista, mas

também para conseguirem reconhecer a validade dos argumentos

que lhe são apresentados diariamente por outras pessoas e não

aceitarem simplesmente porque a fala do outro é atraente e

envolvente.

Argumentar é apresentar argumentos, razões no sentido de

suportar uma determinada tese subjacente a um determinado

discurso. A argumentação tem um carácter dialético (diferente da

demonstração lógica) pois implica uma resposta da parte do receptor,

um confronto de pontos de vista.

O professor de Português deve desenvolver a capacidade

argumentativa de seus alunos, se pautando em um ensino-

aprendizagem que leve em conta os textos, que se concretizam na

forma de gêneros textuais (falados e escritos), para que aprimorem o

domínio discursivo na oralidade, leitura e escrita e assim possam

desenvolver técnicas para realizar a argumentação e também

desenvolver o senso crítico para reconhecer argumentações vazias de

conteúdo, credibilidade, quando se depararem com elas e não se

deixarem envolver por um discurso eloqüente, envolvente, mas sem

grande significação.

O estudo da língua que se detém quase exclusivamente na

análise das palavras e, no máximo, da frase precisa ser abandonado

em favor de um ensino-aprendizagem que leve em conta as

realizações empíricas da língua, que são os textos (falados e

escritos), textos estes que se concretizam na forma de gêneros

textuais, segundo MARCUSCHI, (2005).

A escola quase nunca levou em conta a infinidade de gêneros

textuais existentes na vida social, limitando-se a abordar somente os

gêneros escritos literários de maior prestígio – o conto, o romance, às

vezes a crônica, raramente a poesia – e desprezou o estudo dos

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gêneros textuais característicos das práticas orais, principalmente

pelo preconceito contra a língua falada, tradicionalmente considerada

caótica e “sem gramática”. Acredito que o conceito de língua deva

ser atualizado e visto sem os preconceitos anteriores para que o

professor passe a ensinar de um modo mais prático o uso da língua

em suas variedades lingüísticas e crie condições para que o aluno

desenvolva seu poder de argumentação e aprimore o domínio

discursivo na oralidade, na leitura e na escrita e possa usar com

segurança os recursos comunicativos que forem necessários para

sair-se bem nos contextos sociais em que ele atue, sabendo

defender seus interesses e tomar posições com argumentações

coerentes e claras.

A linguagem, numa nova concepção, é vista como ação entre os

sujeitos histórica e socialmente situados que se constituem uns aos

outros em suas relações dialógicas. Como afirma Geraldi: “a

linguagem é uma forma de interação.” (1997, p.41).

Ao ressaltar o caráter social da linguagem, Bakhtin e seus

teóricos formulam conceitos de dialogismo e dos gêneros discursivos,

cujos novos caminhos para o trabalho pedagógico com a linguagem

verbal, demandam uma nova abordagem para o ensino da língua: “a

utilização de uma língua efetua-se em forma de enunciados (orais e

escritos) concretos e únicos que emanam dos integrantes duma ou de

outra esfera da atividade humana” (BAKHTIN,1997, p.279). Esses

enunciados são chamados de gêneros textuais, sem os quais não é

possível estabelecer comunicação verbal. Nesta concepção de língua,

o texto é visto como lugar onde os participantes da interação

dialógica se constroem e são construídos, a língua é tratada em seus

aspectos discursivos e enunciativos e não em suas peculiaridades

formais.

A Língua Portuguesa tem como conteúdo estruturante o

discurso, concebido como prática social desdobrado em três

modalidades: leitura, escrita e oralidade. E dessas modalidades

trabalha-se mais com a leitura e a escrita no ambiente escolar, a

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oralidade não é muito valorizada, apesar de constar na DCE do

Paraná como parte integrante do conteúdo estruturante para o ensino

da língua. Por isso a prática da oralidade no ensino deve oferecer

condições ao aluno de falar com fluência em situações formais,

adequar a linguagem conforme as circunstâncias (interlocutores,

assunto, intenções) e aproveitar os imensos recursos expressivos da

língua. Também é importante a prática democrática de saber ouvir

com atenção e respeito os diferentes interlocutores (colegas,

professores, diretor, etc.), pois se não houver ouvinte, a interação não

acontece. É necessário que se desenvolva a sensibilidade de saber

ouvir, tanto quanto falar, o que irá favorecer a convivência social.

Todo educador consciente que visa à formação de um educando

crítico, transformador, realmente tem o mesmo propósito, ou seja,

mediar o educando a fim de conduzi-lo na busca do conhecimento

significativo para que tenha condições de expor, impor e persuadir no

processo de sua comunicação, em seu discurso argumentativo.

O discurso bem estruturado deve conter, implícitos ou

explícitos, elementos necessários à sua compreensão e deve

obedecer às condições de coerência para produzir comunicação,

constituir um texto. Para argumentar, a pessoa (o aluno) precisa ter

conhecimento do assunto sem o qual ele não poderá convencer seu

leitor ou ouvinte. Portanto, para escrever/falar é preciso ter, antes de

tudo, um conhecimento que só a leitura poderá fornecer. Para

escrever é preciso antes de tudo ler e ler muito. Ao professor cabe a

tarefa de despertar no educando uma atitude crítica diante da

realidade em que se encontra inserido “ preparando-o para ler o

mundo: a princípio o seu mundo, mas daí em diante, e

paulatinamente, todos os mundos possíveis.” (KOCH, 2006, p.159). E

o conhecimento de mundo do educando deve ser buscado em

diversas áreas, podendo-se recorrer a disciplinas, tais como, filosofia,

história, geografia, ciências e outras. E isso será muito importante

para que ele estabeleça a coerência com o texto, pois se um texto

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falar de coisas que ele absolutamente conhece, será difícil calcular o

seu sentido e este texto parecerá destituído de coerência.

Se para argumentar é preciso ter conhecimento da causa e isto

só se adquire ouvindo e lendo, o aluno precisa fazer leituras. Mas não

uma leitura qualquer, e sim ler com atenção para buscar no texto a

intenção do autor e atribuir-lhe significados.

2. A argumentação deve ser desenvolvida com leituras e

técnicas

Sabemos que a realidade da sala de aula é permeada pelo

ensino de gramática e utiliza textos, muitas vezes, demasiadamente

limitados ao livro didático. Essa situação acaba conduzindo, não raro,

a aulas maçantes e não significativas do ponto de vista integrador,

transformador ou de uma exposição de análises e argumentações.

Ao planejar suas aulas, o professor de Português deve proceder a

escolha dos temas para serem trabalhados e os textos para as

atividades de leitura que servirão de base para as discussões podem

ser buscados em jornais (inclusive televisivos) e nos próprios livros

didáticos de História, Geografia, Filosofia e outras disciplinas,

recorrendo-se aos professores das diversas esferas do conhecimento,

a fim de poder haver integração. Um exemplo, na história do Brasil, a

República dos Palmares ou vida de Zumbi em geral é tratada em

poucas linhas nos livros didáticos, mas foi algo que aconteceu e

durou quase um século. Atualmente algumas cidades brasileiras

comemoram esse dia em novembro e há na mídia impressa e

televisiva menção ao fato. Os temas podem ser buscados não só no

noticiário de jornais e revistas, mas em comentários, editoriais,

reportagens, cartas do leitor e textos de ficção, lendas e contos. Que

sejam temas relevantes e despertem no aluno interesse em buscar

mais informações e argumentos para se posicionarem a favor ou

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contra as idéias veiculadas nos mesmos. Os temas devem ser

buscados em gêneros textuais diversificados.

Sendo os gêneros textuais fenômenos sócio-históricos e

culturalmente sensíveis, não há como fazer uma lista de todos os

gêneros. Este artigo pretende sugerir o ensino da língua materna do

Brasil com o emprego de gêneros textuais que exijam argumentação,

textos de opinião, artigos de jornais ou revistas, e-mails, debates,

resenha crítica, editoriais, enfim, textos orais e escritos que tratem da

discussão de problemas sociais controversos, para que o aluno possa

realmente atuar como um cidadão que sabe argumentar e defender

seus interesses, tomar posições na sociedade em que vivemos.

Argumentação

A Argumentação é o desenvolvimento de um raciocínio com o

fim de defender ou repudiar uma tese ou ponto de vista, para

convencer um oponente, um interlocutor circunstancial ou a nós

próprios. E sendo a argumentatividade fundamental para a interação

social por intermédio da língua, tem-se a importância de fazer um

trabalho efetivo na escola que leve o aluno a desenvolver essa

habilidade tão necessária para torná-lo um cidadão capaz de atuar

plenamente na sociedade.

Nos manuais de língua portuguesa não há, geralmente, a

distinção entre a dissertação da argumentação, considerando esta

apenas momentos daquela. Mas elas têm características próprias. A

dissertação tem como propósito principal expor, explicar ou

interpretar idéias. A argumentação visa, sobretudo, convencer,

persuadir ou influenciar o leitor ou o ouvinte. Garcia explica que:

Na dissertação, expressamos o que sabemos ou o que acreditamos saber a respeito de determinado assunto, externamos nossa opinião sobre o que é ou nos parece ser. Na argumentação, além disso, procuramos principalmente formar a opinião do leitor ou do ouvinte, tentando convencê-lo de que a razão está conosco, de que nós é que estamos posse da verdade.

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[...]Argumentar é, em última análise, convencer ou tentar convencer mediante a apresentação de razões, em face da evidência das provas e a luz de um raciocínio coerente e consistente. (GARCIA,1996, P.370).

Em alguns casos, quando o falante não tem argumentos

adequados, a argumentação pode acabar em “bate-boca”, em

insulto, ironia e sarcasmo. Por isso uma boa argumentação deve se

basear em dois elementos principais: a consistência do raciocínio e a

evidência das provas. São cinco os tipos mais comuns de evidência:

os fatos propriamente ditos, os exemplos, as ilustrações, os dados

estatísticos (tabelas, números, mapas, etc.) e o testemunho.

Quase toda conversa é essencialmente argumentativa, exceto

quando as pessoas só sabem conversar, “contando, narrando,

descrevendo, inventando incidentes do cotidiano”. Por isso a

argumentação informal está presente em quase tudo o que dizemos

ou escrevemos por força das contingências do cotidiano. E toda

argumentação informal consiste, em essência, numa declaração

seguida de prova. De acordo com Garcia (1996, p.374), “a

argumentação passa por quatro estágios: a argumentação, a

concordância ou concordância parcial, a contestação ou refutação e a

conclusão”, sem a qual não existe argumentação. O conhecimento

dessa estrutura pode ajudar o estudante a argumentar com

segurança, coerência e objetividade.

A argumentação formal pouco difere, em essência, da informal:

até sua estrutura e desenvolvimento podem ser em parte, os

mesmos. Mas a formal exige outros cuidados. A proposição (uma

declaração, uma tese, uma opinião) deve ser clara, definida, quanto

ao que afirma ou nega e deve ser suficientemente específica para

permitir uma tomada de posição contra ou a favor. O padrão de

argumentação formal, usado principalmente na escrita, de acordo

com Garcia (1996, p.381), é o seguinte:

1. Proposição (afirmativa, suficientemente definida e limitada; não deve conter em si mesma nenhum argumento, isto é, prova ou razão).

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2. Análise da proposição3. Formulação dos argumentos (evidências)a) fatosb) exemplosc) ilustraçõesd) dados estatísticose) testemunho4. Conclusão (GARCIA, 1996, p.381)

Ainda segundo GARCIA (1996), a análise da proposição é muito

importante na argumentação formal, principalmente na escrita e

nesse estágio é importante definir o sentido de alguns termos para

que o leitor ou ouvinte possa entender e tomar posição com

conhecimento do assunto. A formulação dos argumentos constitui a

argumentação propriamente dita. É o momento no qual o autor

apresenta as provas ou razões, os exemplos que são o suporte de

suas idéias. E as frases (orações) podem ser iniciadas usando-se os

seguintes termos: por certo, o referido, por exemplo, isto é, como, de

certo, provavelmente, exemplo disso é, para comprovar o que foi

dito. E se for uma argumentação de contestação ou refutação, o

período ou o trecho da fala deve ser iniciado por uma conjunção

adversativa ou expressão equivalente: mas, entretanto, porém,

todavia, contudo, ao contrário, em vez de, ainda que, por outro lado,

ao passo que.

O segundo passo da argumentação formal é a análise da

proposição, na qual procura-se eliminar qualquer tipo de

ambigüidade. Nesse estágio, segundo Garcia, há a concordância

parcial por parte do argumentador em relação à proposição. É

possível introduzir a concordância parcial através de expressões do

tipo:

"É verdade que em certos casos..."

"É possível que, em certos casos, você tenha razão..."

Em terceiro lugar, formulam-se os argumentos, que devem se

basear em fatos (exemplos, comparações, ilustrações, declarações,

narrações). Além disso, os argumentos mais frágeis precisam se

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apresentar antes dos mais contundentes. É recomendável também

que se crie um certo suspense, para prender a atenção do leitor.

Nesse estágio, segundo Garcia, o argumentador passa à contestação

ou refutação. Nessa fase, são expostos argumentos contrários à

proposição. Dessa forma, as provas utilizadas devem ser mais

contundentes que aquelas empregadas durante a fase de

concordância parcial. Além disso, usam-se as conjunções

adversativas: mas, entretanto, embora, porém, todavia, contudo:

"Mas, por outro lado..."

"Entretanto, na maioria dos casos..."

Por fim, passa-se à conclusão. Ao final da formulação dos

argumentos, segue-se a conclusão, sem a qual a argumentação ficará

vaga; e que deve ser iniciada por conjunções conclusivas ou locuções

conjuntivas conclusivas, como por exemplo: logo, portanto, pois

(posposto ao verbo), assim, por isso, por conseguinte. Pode-se

também iniciar esse trecho final da argumentação usando-se

locuções conjuntivas consecutivas: de modo que, de forma que, ao

passo que.

Vimos então a estrutura básica de um texto argumentativo,

mas convém lembrar que argumentar implica, segundo Garcia

(1996), divergência, portanto não se pode argumentar sobre

verdades universais, como por exemplo o fato de o homem ser um

ser vivo; e ainda convém ressaltar que o assunto a ser abordado deve

ser específico, pois para o autor, argumentar sobre generalidades

seria quase impossível. Podemos perceber então que existem

condições favorecedoras de uma argumentação realmente clara e

consistente, porém sempre refutável já que só se argumenta sobre

temas divergentes. Contudo, salientamos que estamos sempre

colocando a linguagem à disposição dos nossos ideais, da nossa

cultura, do que achamos que é verdade, já que somos seres dotados

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de vontades e formamos a todo instante juízo de valor sobre as

coisas.

Ao falarmos da estrutura do texto argumentativo e suas

condições, não usamos o termo persuadir e sim, convencer, isso

porque, para o autor que as descrevia, o conceito de argumentação

está relacionado aos princípios da lógica. Sobre isso Koch (2006) cita

Perelman (1970) para fazer certa distinção entre os termos persuadir

e convencer. Diz que a persuasão busca atingir o interlocutor

através dos sentimentos dos interlocutores, da vontade, por meio de

argumentos plausíveis ou verossímeis, e tem caráter ideológico,

subjetivo, temporal, dirigindo-se a um “auditório particular”, estando,

portanto vinculado à emoção; enquanto que convencer é

estritamente ligado à razão, por meio de provas objetivas e claras,

capaz de atingir “auditório universal”, possuindo caráter puramente

demonstrativo e atemporal, através de um raciocínio estritamente

lógico (KOCH, 2006, p.18). Conclui-se, portanto, que há maneiras

distintas de argumentar: por meio da persuasão ou convencimento,

que provavelmente serão utilizadas conforme for a intenção do

locutor, seu público alvo e, especialmente, o gênero que ele utilizará

para expor seus argumentos.

Ampliando a visão de mundo

Para argumentar, a pessoa (o aluno) precisa ter conhecimento

do assunto sem o qual ele não poderá convencer seu leitor ou

ouvinte. Portanto, para escrever/falar é preciso ter, antes de tudo, um

conhecimento que só a leitura poderá fornecer. Para escrever é

preciso antes de tudo ler e ler muito. Ao professor cabe a tarefa de

despertar no educando uma atitude crítica diante da realidade em

que se encontra inserido “preparando-o para ler o mundo: a princípio

o seu mundo, mas daí em diante e, paulatinamente, todos os mundos

possíveis.” (KOCH, 2006, p.159). E o conhecimento de mundo do

educando deve ser ampliado com as leituras que o professor oferecer

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a ele. E isso será muito importante para que ele estabeleça a

coerência com o texto, pois se um texto falar de coisas que ele

absolutamente conhece, será difícil calcular o seu sentido e este texto

parecerá destituído de coerência.

Se para argumentar é preciso ter conhecimento da causa e

conhecimento se adquire ouvindo e lendo, o aluno precisa ler mais.

Mas não fazer uma leitura qualquer, e sim ler com atenção para

buscar no texto a intenção do autor e atribuir-lhe significado. Marisa

Lajolo, citada por Geraldi (1997, p.91) diz a respeito da leitura que:

Ler não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o sentido de um texto. É, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos significativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista. (LAJOLO, 1982, p.59)

O trabalho de leitura/produção de textos na escola deve

favorecer ao aluno a identificação e incorporação de estratégias de

organização do discurso que garantam sua unidade e eficiência, já

que um enunciado oral ou escrito é considerado um texto quando

forma um todo coeso e coerente, constituindo um espaço de

produção e circulação de significados, resultado da interação que se

estabelece entre os interlocutores. Para isso, é necessário que

diferentes atividades sejam propostas aos alunos, para evidenciar,

nesses textos, os processos de construção lingüística, característicos

dos diferentes modos de organização do discurso: observar os

procedimentos que garantam a coesão e a coerência, exercitar o

vocabulário, relacionar classe e função dos vocábulos, ampliar frase

por meio de processos de subordinação e coordenação.

Uma sugestão seria partir de gêneros textuais mais familiares

aos alunos, para depois explorar outros, possibilitando-lhes uma

inserção cada vez maior na sociedade. Cabe à escola apresentar aos

alunos gêneros textuais diferentes, usados em diferentes situações,

produzidos em diferentes práticas sociais e pertencentes a diversas

esferas do conhecimento, de modo a ampliar sua competência

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comunicativa e argumentativa. Um texto crítico-literário

argumentativo deve trabalhar com dilemas, ou seja, deve partir

sempre da deliberação entre duas possibilidades de escolha, para que

o aluno observe os argumentos dos dois lados envolvidos no texto.

Tomemos, por exemplo, trechos de Dom Casmurro, de Machado de

Assis. O aluno buscará indícios ou não da traição de Capitu.

Todo trabalho oral ou escrito solicitado aos alunos deve ser

precedido da leitura de um texto ou dois sobre o assunto, ou exibição

de um filme ou execução de uma música, pois através do

conhecimento adquirido com leituras diferentes (um texto didático e

uma música, por exemplo), a visão de mundo dos alunos irá se

ampliar, assim como o seu léxico e a sua capacidade argumentativa.

É importante conscientizar o aluno da existência, em cada

texto, de diversos níveis de significação. Além da significação

explícita, existe toda uma gama de significações implícitas,

diretamente ligadas à intencionalidade do produtor. A atividade de

interpretação do texto deve sempre fundar-se na suposição de que o

produtor tem determinadas intenções e de que uma compreensão

adequada exige justamente a captação dessas intenções por parte

de quem lê ou ouve. E para ter essa maturidade para realizar a

interpretação o aluno precisa exercitar e muito o hábito da leitura.

GERALDI, em seu texto “Prática de Leitura na Escola” (1997),

propõe quatro formas de leituras possíveis em sala de aula:

A leitura como busca de informações, a leitura como estudo do

texto, a leitura como pretexto, a leitura como fruição do texto.

A leitura não pode ocorrer somente a partir dos livros didáticos.

O professor deve selecionar e propor textos significantes e que

pertençam a vários gêneros textuais, produzidos em diferentes

práticas sociais: notícias, crônicas, piadas, artigos científicos, charges,

letras de música, piadas, poemas, contos, romances, editoria de

jornal, carta do leitor de jornal e revista, propagandas, imagens

digitais e virtuais, fotos e obras literárias. Há uma grande variedade

de textos (lúdicos, informativos, didáticos, científicos, literários, entre

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tantos) que devem ser adequados a cada série escolar. Essas

atividades devem considerar a formação do leitor e o diálogo dos

estudantes com o texto e não sobre o texto apenas.

PERINI (2005) diz que “o ato de compreender o que nos dizem

não se resume, nem de longe, ao uso correto e eficiente da língua”.

Para que haja comunicação é preciso que os interlocutores tenham

em comum muito mais do que o conhecimento da mesma língua: “é

necessário que compartilhem grandes fatias do conhecimento do

mundo em geral”.

No momento em que o aluno se tornar capaz de descobrir tudo

aquilo que se encontra, de algum modo, implícito no texto, em seus

diversos níveis de significação, será mais fácil fugir à manipulação, ou

seja, saberá reconhecer as

manobras discursivas realizadas pelo produtor das mensagens,

reconhecer “as intenções por trás da palavras” que querem induzi-lo

a uma de determinada interpretação ou obter um determinado

comportamento. Tão importante quanto saber argumentar, é

reconhecer as manobras discursivas e não se deixar manipular por

elas.

Gêneros Textuais e Tipos Textuais

Os Gêneros textuais podem ser concebidos como formas de

manifestação lingüística orais e escritos, produzidos pelas pessoas

nas diferentes situações sociocomunicativas, que são nomeados em

razão de suas características de função (objetivo), conteúdo (tema),

organização (estrutura) e estilo (linguagem), segundo Marcuschi

(2005). Exemplos de gêneros textuais orais: conversa espontânea,

piada, entrevista, debate, declamação, seminário. Exemplos de

gêneros textuais escritos: receita culinária, fábula, piada, poema,

notícia de jornal, carta, entrevista, crônica, conto, ensaio escolar. Os

e-mails e os textos produzidos nas salas de bate-papo são gêneros

novos, que pertencem à escrita, mas tem características também dos

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orais, uma vez que são on-line, ou seja, a interação é imediata. Sendo

os gêneros textuais fenômenos sócio-históricos e culturalmente

sensíveis, não há como fazer uma lista de todos os gêneros (não

confundir com tipos textuais). O Tipo textual designa uma espécie de

seqüência lingüística ou seqüência de enunciado no interior dos

gêneros e não são textos empíricos. Sua nomenclatura abrange um

conjunto limitado de categorias teóricas determinadas pos aspectos

lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempos verbais. As designações

teóricas dos tipos são: narração, argumentação, descrição, exposição

e injunção, de acordo com Marcuschi (2005).

São inúmeros os gêneros textuais que circulam na nossa

sociedade. Quase incontáveis, já que são produtos do quotidiano da

mesma, e suscetíveis às mudanças e adaptações conforme a

necessidade de uso dos falantes.

Já os tipos de textos são limitados quanto ao seu número e não

partem de experiências sociais, estando mais ligados à forma. As

seqüências argumentativas têm como objetivo apresentar hipóteses

com base em argumentos, estabelecer relações lógicas entre os

argumentos e contra argumentos, exemplificar e encaminhar

conclusões.

Em um mesmo gênero textual encontramos geralmente mais

de um tipo dessas seqüências, cabendo ao gênero uma

heterogeneidade que faz dele um instrumento importante para

agirmos em situações de linguagem e ensino, potencializando a ação

do falante/ouvinte, a ação do educador e do educando.

Conforme já exposto anteriormente, este artigo procura

identificar essas características argumentativas em diferentes

gêneros textuais, para demonstrar que a argumentação é ato

inerente à língua, independentemente do suporte de que a mesma se

utiliza. Para isso, analisaremos três textos de diferentes gêneros e

identificaremos em cada um as estratégias argumentativas

encontradas, mostrando que, com menor ou maior grau de

intencionalidade, qualquer discurso está isento do mito da

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neutralidade, como afirma Koch (2006). E os alunos devem estar

atentos para identificar a verdadeira intenção de cada texto.

Após algumas observações relevantes sobre os gêneros e tipos

textuais, cabe-nos agora usarmos os textos escolhidos como corpus

para a nossa análise, nos quais iremos apontar algumas estratégias

argumentativas utilizadas. Esses textos são de diferentes gêneros,

sendo eles a música (rap), a coluna de opinião de revista e o artigo de

jornal.

Os três gêneros citados, embora diferentes, podem ser

encontrados num mesmo veículo de comunicação: a revista ou jornal,

por exemplo, mas assumem funções distintas diante da sociedade.

O artigo, gênero textual criado para circular exclusivamente na

imprensa, pode conter um teor informativo, mas tem uma

particularidade de envolver num mesmo texto fantasia, humor, certo

teor de criticidade e ficção, dependendo do toque pessoal que o autor

queira dar. Normalmente o leitor lê o artigo buscando uma

informação ou distração, já que lê uma crônica considerando-a uma

leitura leve e agradável, já que se trata de temas relacionados ao seu

cotidiano, podendo passar despercebido o teor argumentativo que

está presente. A coluna de opinião já é mais voltada para o leitor que

pretende saber a opinião de alguém sobre determinado assunto.

Espera-se, então, que o leitor já saiba que irá encontrar nessa leitura

algo de persuasivo. Por sua vez, o artigo pretende de início informar o

leitor sobre algo voltado a sua segurança, no caso deste artigo. No

entanto, notamos que, nesse tipo de texto, especialmente quando se

tratar de temas polêmicos, o autor usará provavelmente estratégias

de argumentação para convencer o leitor de suas teses científicas. E

no caso do rap, o letrista faz uma afirmação e em seguida aponta os

exemplos (os argumentos) que irão comprovar a veracidade de sua

afirmação.

Após algumas observações relevantes sobre os gêneros e tipos

textuais, cabe-nos agora usarmos os textos escolhidos como corpus

para a nossa análise, nos quais iremos apontar algumas estratégias

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argumentativas utilizadas. Esses textos são de diferentes gêneros,

sendo eles o rap, o artigo de jornal e a coluna de opinião de revista .

Os três gêneros citados, embora diferentes, podem ser

encontrados num mesmo veículo de comunicação: a revista ou jornal,

por exemplo, mas assumem funções distintas diante da sociedade.

3. Análise das estratégias argumentativas

Texto 1 : Música – Rap - Tempos Difíceis

Edy Rock e KL Jay; CD Racionais MC’s. Faixa 13; Zimbabwe Records

Disponível em

http://www.ladoleste.f2s.com/racionais/racionais.htm

Logo no início o autor já faz a sua afirmação apresentando uma contradição:

Eu vou dizer por que o mundo é assim.Poderia ser melhor mas ele é tão ruim

O autor aponta dados que compravam o que afirma:

(...)Milhões de pessoas boas morrem de fomeE o culpado, condenado, disto é o próprio homem.(...)

O autor aponta exemplos para comprovar a veracidade de sua

afirmação:

O homem construiu, criou armas nuclearesE no aperto de um botão o mundo irá pelos ares.Extra! – publicam, publicam – Extra! – os jornais;Corrupção e violência aumentam mais e mais,(...)Menores carentes se tornam delinqüentesE ninguém nada faz pelo futuro dessa gente.(...)

E faz um apelo dramático, confirmando sua afirmação:

Se algo não fizermos, estaremos acabados.

Tempos difíceis...

Esta música é um rap, um tipo de canto falado. Este tem um

tom dramático, pois aponta as várias causas para afirmação que é

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feita no início, ou seja, o porquê de o mundo estar tão ruim e conclui

dizendo que se algo não for feito, estaremos acabados.

Texto 2 – Coluna de opinião “Intenções por trás das palavras”, de Stephen Kanitz.2

Logo na primeira frase o autor já faz a sua proposição:

“Muitos escritores, cientistas e formadores de opinião usam e abusam de nossa confiança. Sutilmente nos enganam para defender os próprios interesses. É o que em epistemologia chamamos de “a agenda oculta”. (...) Eu sempre desconfio da agenda oculta dos escritores, colunistas e pseudocientistas.

Em seguida o autor começa a formulação dos seus argumentos:

Infelizmente, somos uma nação que idolatra quem faz parte da academia de letras, aqueles bons de papo, que escrevem bem e não aqueles que pesquisam ou calculam com rigor científico. (...) O último acadêmico de ciências nem sequer foi noticiado pela imprensa brasileira. “Imortais” no Brasil são aqueles bons de bico, que nos seduzem com belas frases e palavras, por isso somos um país do “me engana que eu gosto”.

Ele conclui fazendo uma advertência:

Se não mudarmos nossa mentalidade, se não nos preocuparmos em detectar a agenda oculta de todos aqueles que nos pregam alguma coisa, pagaremos caro pela nossa falta de Vigilância epistêmica. Seremos presas fáceis dos que falam bonito e escrevem melhor ainda.

Este artigo chama a atenção para um fato importante em nossa

sociedade, diante de um discurso eloqüente: pouco se presta

atenção na veracidade e profundidade dos argumentos, ou ainda, no

que está por trás das

notícias veiculadas pela mídia. Ou como bem disse Stephen Kanitz “a

agenda oculta”. Queremos que nossos alunos não se deixem

manipular facilmente.

2 Este texto poderá ser lido na íntegra em www.kanitz.com.br.

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Texto 3 – Artigo de jornal “A onde violência tem como principal causa

o tráfico, alimentado pelos usuários”, escrito por Marcelo Itagiba,

deputado federal (PMDB-RJ), delegado da Polícia Federal e ex-

secretário estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro.

Neste artigo a proposição aparece no primeiro parágrafo,

caracterizando a estrutura formal do texto argumentativo de forma

assertiva e direta da seguinte forma:

“Todos os dias, milhões de brasileiros saem de suas casas em direção aos locais de trabalho, para garantir, com honestidade e decência, a sofrida sobrevivência de suas famílias. Alguns nunca mais voltam para os seus lares. São assassinados pela onda de violência que atinge a todo o país, sobretudo as grandes metrópoles.

A verdadeira proposição aparece neste parágrafo, quando ele

fala dos policiais que também morrem em trabalho e atribui a culpa

pela onda de violência ao tráfico de drogas:

Todos os dias, milhares de policiais rumam para seus postos de trabalho (delegacias e quartéis) para prover o sustento de seus familiares, arriscando suas vidas em defesa da sociedade, ao enfrentar marginais cada vez mais impiedosos e violentos. Alguns policiais também nunca mais voltam para as suas casas. Morrem em confrontos com os bandidos. Essa onda brutal de violência tem como causa principal o tráfico de drogas, alimentado pelos usuários que dão aos traficantes o suporte financeiro para a compra das armas de guerra com as quais quadrilhas rivais se enfrentam e matam trabalhadores, crianças, adolescentes e policiais.

(...)

A solução não está nas teses daqueles que, absurdamente, consideram as favelas "fábricas de marginais" e defendem que o fato da legalização e massificação do aborto reduziria os elevados índices de criminalidade.

O autor apresenta exemplos na formulação de seus argumentos:

Noticiário recente mostrou a reunião, no Rio de Janeiro, de 10 mil jovens de classe média (o ingresso custava R$ 80) numa festa rave movida a drogas sintéticas. O encontro resultou na morte de um jovem de 17 anos supostamente por overdose e, logo depois, na prisão de uma quadrilha de traficantes de ecstasy da classe média.

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(...)

A conclusão acontece com a mesma instigação que é iniciada o

texto, sendo que o autor apela para a persuasão, tentando atingir o

leitor pela emoção e não pela razão, o que poderia nos induzir a crer

que trata-se de um texto polêmico:

O Estado ideal não é aquele que mata, nem mesmo no combate à criminalidade. É o que demonstra competência para resolver os seus graves problemas defendendo a vida, sem atender aos desejos fascistas de uma elite que vislumbra o extermínio daqueles que considera indesejáveis.

É um texto polêmico, sobre um tema polêmico, afinal quais as

causas da violência nas grandes cidades e sobretudo no Rio de

Janeiro? Este tema e este texto podem ser levados para a sala de aula

e isto renderá ótimas discussões e debates.

Com a análise feita nos textos selecionados, comprovamos esse

processo nato da língua de argumentar, visto que, até mesmo em

textos que não são de predominância persuasiva, como é o caso do

rap, encontramos estratégias argumentativas que atestam a

inexistência do mito da neutralidade da língua.

4. CONCLUSÕES

Partindo do pressuposto teórico apresentado no presente

trabalho, podemos comprovar que toda ação lingüística contém

traços argumentativos e que toda forma de comunicação se dá

através de algum gênero textual.

O que se pretendeu, neste artigo, foi discutir uma idéia, – a de

que a língua deva ser ensinada com base nos gêneros textuais, que

devem ser trabalhados com os alunos, com a prática intensa da

leitura, da fala e da escrita, da retextualização e identificar

características argumentativas em diferentes gêneros textuais, para

demonstrar que a argumentação é ato inerente à língua,

independente do suporte que a mesma se utiliza. A produção de um

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texto argumentativo coerente requer planejamento tanto por parte do

professor quanto do aluno: Planejar o que vai ser escrito ou dito e

socializar esse texto com outros colegas e se houver necessidade,

reestruturar e reescrever o texto. Espera-se ter, na medida do

possível, contribuído para que o trabalho diário do professor, no

entendimento de que textos - de qualquer gênero – trazem embutida

uma técnica específica. Compreendê-la e repassá-la ao alunado

talvez seja o portal para a formação crítica, atuante de fato. A tarefa

não é tão difícil, ao contrário, mostra-se prazerosa até porque o

profissional pode atuar com revistas, jornais, anúncios, músicas,

enfim, um sem-número de possibilidades já mencionadas para que o

educando absorva os fatos, comente-os, discuta-os, identifique

clichês ideológicos, deixe de escrever “aquilo que acha que os outros

querem” e descubra a verdadeira intenção por trás do discurso.

Nesse ponto, o ensino de técnicas argumentativas é fundamental.

Argumentar prescinde de amadurecimento cognitivo-intelectivo.

Resta saber como fazê-lo, como viabilizá-lo no dia a dia. Até mesmo

porque saber argumentar não é um luxo, mas uma necessidade. Não

saber argumentar não seria, aliás, uma das grandes causas

recorrentes da desigualdade cultural, que se sobrepõe às tradicionais

desigualdades sociais e econômicas, reforçando-as? O objetivo do

professor de português deve ser o de formar cidadãos capazes de

exprimir de modo adequado e competente oralmente e por escrito,

para que possam se inserir de pleno direito na sociedade e ajudar na

construção e transformação dessa sociedade. E reconhecer que a

língua, em qualquer situação discursiva, traz aspectos

argumentativos é de suma importância, não apenas para os

estudiosos da área, mas para qualquer cidadão, já que, saber dos

efeitos de sentido que a linguagem produz torna o falante/ouvinte

apto a utilizá-la com criticidade e autonomia.

5. REFERÊNCIAS

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ROCK, Edy e KL Jay. Tempos Difíceis . Diponível em http://www.ladoleste.f2s.com/racionais/racionais.htm

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