a aplicabilidade dos fundamentos da polÍtica...

107
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A APLICABILIDADE DOS FUNDAMENTOS DA POLÍTICA JURÍDICA PELO OPERADOR DO DIREITO JANARA DAS GRAÇAS PIRES ANDREON Itajaí, 2007

Upload: hoangdan

Post on 05-Dec-2018

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A APLICABILIDADE DOS FUNDAMENTOS DA POLÍTICA

JURÍDICA PELO OPERADOR DO DIREITO

JANARA DAS GRAÇAS PIRES ANDREON

Itajaí, 2007

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A APLICABILIDADE DOS FUNDAMENTOS DA POLÍTICA JURÍDICA PELO OPERADOR DO DIREITO

JANARA DAS GRAÇAS PIRES ANDREON

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora Doutora Maria da Graça dos Santos Dias

Itajaí, 2007

AGRADECIMENTO

Ao Divino Espírito Santo pela iluminação espiritual;

Aos meus irmãos pela força e pelo carinho ao longo desses anos de vida;

Aos meus amigos pelo apoio e incentivo em todas as horas;

A minha orientadora, Profª Drª. Maria da Graça dos Santos Dias, por ter acreditado na presente

pesquisa e me auxiliado a chegar a reta final;

Aos grandes mestres que tive na academia, em especial ao Prof°. MSc. Josemar Sidnei Soares,

Prof°. MSc. Marcus Pina e

Prof°. MSc. Natan Ben-Hur Braga pelos conhecimentos transmitidos;

A todos aqueles, que de uma forma ou de outra, me ajudaram a seguir o caminho certo.

DEDICATÓRIA

A minha mãe pelo amor e apoio em todas as horas, e pelas palavras de sabedoria e incentivo;

Ao meu pai pelas lições de vida que aprendi e continuo a aprender;

Aos meus filhos Thiago e Stephanie pelo carinho e compreensão pelas horas de brincadeiras

roubadas de seu convívio;

Ao Prof°. MSc. Antonio Carlos Bottan pela paciência e sabedoria, que me incentivaram a prosseguir nesse trabalho, a quem com muito

orgulho chamo de mestre.

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, 2007.

Janara das Graças Pires Andreon Graduanda

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Janara das Graças Pires Andreon,

sob o título A Aplicabilidade dos Fundamentos da Política Jurídica pelo Operador

do Direito, foi submetida em junho de 2007 à banca examinadora composta pelos

seguintes professores: Maria da Graça dos Santos Dias ([Função]), e aprovada

com a nota [Nota] ([nota Extenso]).

Itajaí, 2007.

Profª. Doutora Maria da Graça dos Santos Dias Orientadora e Presidente da Banca

Prof. Mestre Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CC/1916 Código Civil Brasileiro de 1916

CC/2002 Código Civil Brasileiro de 2002

ROL DE CATEGORIAS

Dogma: Aquilo que é posto, como princípio ou doutrina1.

Fundamentos: “No plano filosófico pode-se entender por fundamento o valor ou o

complexo de valores que legitima uma ordem jurídica, dando a razão de sua

obrigatoriedade”2.

Humanismo: “A idéia de humanismo que formulamos para este trabalho volta-se

para o reconhecimento do ser humano como centro de paradigma ético, moral e

espiritual3”.

Operador do Direito - “É o advogado, o parecerista, o professor, o assessor

jurídico, o juiz, o legislador, enfim todo aquele que, impregnado de humanismo

jurídico e treinado na crítica social, apresente-se com a perspectiva das

possibilidades, ponha sua sensibilidade e sua experiência a serviço da construção

de um direito que pareça: mais justo, legítimo e útil”4.

Política Jurídica: É a disciplina jurídica que se ocupa do direito que deve ser, e

de como deva ser. Construída de forma reflexiva, ampla, interdisciplinar, de

caráter axiológico, fundamentada em princípios éticos, legítimos, e em critérios

práticos e objetivos de Justiça, visando a adequação, correção do direito posto e

mesmo a criação de novo direito. Decorrente do aprofundamento do

conhecimento sobre a utilidade social da norma, sua legitimidade e

correspondência aos anseios sociais, com vistas a uma melhor convivência entre

os indivíduos.

1 REALE, Miguel. Filosofia do direito.18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 161. 2REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 594. 3SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão. Curitiba: Juruá, 2004. p. 157. 4MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio

Fabris /CPGD /UFSC, 1994. p. 132.

Princípio: Conforme Clemente de Diego5 Princípio “es el pensamiento directivo

que domina y sierve de base a la formación jurídica, de un Código o de todo un

Derecho de una institución jurídica, (...). El principio encarna el más alto sentido

de una ley o institución de Derecho, el motivo determinante, la razón informadora

Del Derecho (ratio juris), aquella Idea cardinal bajo la que se cobijan y por la que

se explican los preceptos particulares, a tal punto, que éstos se hallan con aquélla

en la propia relación lógica que la consecuencia al principio de donde se derivam”.

Racionalidade: “A racionalidade consistiria na singular capacidade da mente

humana em buscar a verdade6”.

Valor: O valor constitui um parâmetro objetivo que dá conteúdo específico e

sentido à ação humana, sendo considerado entidade objetiva, existente por si

mesmo e apenas descoberto pelo homem7.

5ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma

formulação dogmática constitucional adequada. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 54.

6TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais.São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. 128 p.

7ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmam). 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 39.

SUMÁRIO

RESUMO...............................................................................................................X

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 1

CAPÍTULO 1...........................................................................................................4

A COMPLEXIDADE E INCOMPLETUDE DA DOGMÁTICA JURÍDICA................4 1.1 CONCEITO DE DOGMÁTICA JURÍDICA ........................................................4 1.2 OS FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO E DO SISTEMA DOGMÁTICO..............................................................................................................................11 1.2.1 OBJETO DO DIREITO .......................................................................................21 1.2.2 AS ESCOLAS FILOSÓFICAS .............................................................................21 1.2.3 A ESCOLA EXEGÉTICA....................................................................................25 1.2.4 A DOUTRINA DO UTILITARISMO........................................................................27 1.3 DEFICIÊNCIA DA NORMA JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO.....29 1.4 UTILIDADE (SOCIAL) DA NORMA JURÍDICA..............................................32 CAPÍTULO 2.........................................................................................................34 FUNDAMENTOS DA POLÍTICA JURÍDICA.........................................................35 2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ............................................................35 2.2 A POLÍTICA JURÍDICA NA CONCEPÇÃO DE AUTORES ...........................38 2.2.1 O PENSAMENTO DE OSVALDO FERREIRA DE MELO...........................................38 2.2.2 A POLÍTICA JURÍDICA NA VISÃO DE HANS KELSEN............................................42 2.2.3 POLÍTICA JURÍDICA NA CONCEPÇÃO DE GILBERTO CALLADO DE OLIVEIRA .........44 2.2.4 A POLÍTICA JURÍDICA NO ENTENDIMENTO DE MIGUEL REALE.............................47 2.2.5 POLÍTICA JURÍDICA NA PERCEPÇÃO DE ALF ROSS ............................................49 2.2.6 A POLÍTICA JURÍDICA PARA MARIA DA GRAÇA DOS SANTOS DIAS .....................50 2.3 A NATUREZA E AS FUNÇÕES DA POLÍTICA JURÍDICA ...........................52 2.4 OBJETO E O OBJETIVO DA POLÍTICA JURÍDICA .....................................54 2.5 FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA POLÍTICA JURÍDICA...............56 2.6 FUNDAMENTOS AXIOLÓGICOS DA POLÍTICA JURÍDICA ........................58 CAPÍTULO 3.........................................................................................................60 A PRODUÇÃO DO DIREITO E OPAPEL DO OPERADOR JURIDICO ..............60 3.1 TEORIA DA PRODUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO: ASPECTOS GERAIS DA RACIONALIDADE DA PRODUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO ...............60 3.2 TEORIA DA PRODUÇÃO JUDICIAL DO DIREITO: ASPECTOS GERAIS DA RACIONALIDADE DA PRODUÇÃO JUDICIAL DO DIREITO.............................65 3.3 O PAPEL DO OPERADOR DO DIREITO SEGUNDO A DOGMÁTICA JURÍDICA .............................................................................................................76 3.4 PAPEL DO OPERADOR DO DIREITO COMO POLÍTICO JURÍDICO ..........78 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................91 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS..............................................................94

RESUMO

O tema da pesquisa vincula-se aos Fundamentos da Política

Jurídica, delimitado à análise das possibilidades de aplicação destes, pelo

operador do direito. Quanto ao problema da pesquisa, a Política Jurídica constitui

instrumento relevante, para o político do direito, na busca da implementação dos

valores do justo, da eqüidade, da ética e da utilidade (social) da norma, mediante

ajuste dos princípios de justiça política, compromissada com as necessidades

básicas do homem e com os anseios da Sociedade, em um determinado

momento histórico, respeitadas as singularidades políticas, sócio-culturais e

econômicas, através de critérios práticos, que possam nortear a produção das

normas jurídicas que devem visar o direito almejado pela coletividade, que, muitas

vezes, se opõe à dogmática jurídica, apenas preocupada com a interpretação e a

aplicação do direito vigente. Empreende-se esta pesquisa por intermédio da

pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, servindo-se do método indutivo. Percebe-

se como resultado a efetivação do objeto da Política Jurídica como o Direito que

deve ser e as possibilidades de aplicação dos fundamentos da Política Jurídica,

pelos operadores do direito, na construção de um Direito mais justo, com vista ao

social. A Política Jurídica preocupa-se com o direito que deve ser. Não objetiva

desestabilizar o direito posto, mas, vivificá-lo, pelo confronto deste com a

realidade social complexa e em constante transformação, atenta à legitimidade e

utilidade da norma, para a resolução dos conflitos com justiça, fornecendo ao

operador jurídico fundamentos para a aplicação, interpretação e adequação da

norma ao caso concreto.

Palavras-chave: Política Jurídica; Utilidade Social e Direito Positivo.

INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a análise das

possibilidades de Aplicação dos Fundamentos da Política Jurídica pelo Operador

do Direito.

O seu objetivo institucional é produzir Monografia para

obtenção do Título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí-

UNIVALI.

Como objetivo geral busca-se à compreensão e o

aprofundamento do tema - A Aplicabilidade dos Fundamentos da Política Jurídica

pelo Operador do Direito, relativamente à sua esfera de competência e à sua

atividade profissional.

Os objetivos específicos são: Categorizar o conceito de

Política Jurídica e identificar seus Fundamentos.

Examinar a tarefa do Juspolítico, no enfrentamento do jus

positum, visando tornar a Sociedade mais justa, como Oliveira8 explicita, através

de um Direito também mais justo, mais perfeito e mais útil ao conjunto da

Comunidade.

Realizar um exercício reflexivo acerca das realidades

sociais, face à Política Jurídica, através da percepção, da comparação e da

descrição daquelas, objetivando verificar o grau de influência do Juspolítico na

atividade da produção legislativa e da produção judicial, pelo próprio magistrado,

nas situações de deficiência ou de injustiça do comando legal.

8O L I V E I R A , G i l b e r t o C a l l a d o . F i l o s o f i a d a p o l í t i c a j u r í d i c a : p r o p o s t a s

e p i s t e m o l ó g i c a s p a r a a p o l í t i c a d o d i r e i t o . I t a j a í : U N I V A L I , 2 0 0 1 , p . 4 8 .

2

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando da

Complexidade e Incompletude da Dogmática Jurídica, conceito de Dogmática

Jurídica, os Fundamentos do Direito Positivo e o Sistema Dogmático, o objeto do

Direito, As Escolas Filosóficas, a Escola Exegética, A Doutrina do Utilitarismo,

Deficiência da Norma Jurídica e por derradeiro, da Utilidade (social) da Norma

Jurídica.

No Capítulo 2, tratando da Política Jurídica, propriamente

dita, procura-se identificar, em alguns autores o conceito de Política Jurídica, sua

natureza, suas funções, seu objeto e objetivo, seus fundamentos epistemológicos

e axiológicos.

No Capítulo 3, tratando da Produção e Aplicabilidade do

Direito e do Papel do Operador Jurídico, analisa-se a Teoria da Produção

Legislativa do Direito: aspectos gerais da Racionalidade da Produção Legislativa

do Direito, Teoria da Produção Judicial do Direito: aspectos gerais da

Racionalidade da Produção Judicial do Direito, Papel do Operador do Direito

segundo a Dogmática Jurídica e por fim o Papel do Operador do Direito como

Político do Direito.

O presente Relatório de Pesquisa encerra-se com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre as possibilidades de aplicação dos fundamentos da Política Jurídica pelo

operador do direito.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

Os Fundamentos da Política Jurídica são substrato eficaz,

cujo emprego pode implicar a prevalência da justiça, da eqüidade, da ética e da

utilidade social, no desenvolvimento da atividade de aplicação do direito?

Por meio da utilização dos Fundamentos da Política do

Direito, o Operador do Direito pode conduzir-se, no exercício de seus misteres, de

modo a amoldar sua atuação aos fins sociais a que a Norma de Direito se destina

3

e aos princípios axiológicos regentes da Sociedade em que se insere e pode

influenciar na própria produção do Direito Positivo, com suporte nos fundamentos

e/ou níveis de racionalidade da produção legislativa e nos Fundamentos e/ou

níveis de racionalidade da produção judicial do direito.

O Operador do Direito poderá aplicar os Fundamentos da

Política Jurídica através da interpretação da norma e mesmo na ausência de

norma com fundamento nos Princípios Gerais do Direito, com vista a efetivação da

Justiça e a utilidade social da norma.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas, do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

CAPÍTULO 1

A COMPLEXIDADE E INCOMPLETUDE DA DOGMÁTICA JURÍDICA

1.1 CONCEITO DE DOGMÁTICA JURÍDICA

Ao tratar-se deste tema, faz-se necessário um breve

entendimento a respeito do que é um Dogma. É possível definir dogma, segundo

Reale9, como “aquilo que é posto, como princípio ou doutrina”. Consoante o

mesmo autor10, o dogmatismo revela, na maioria das vezes, uma convicção no

poder da razão ou da intuição como instrumentos de acesso ao real em si, sem

limites a priori.

Inicialmente, far-se-á uma incursão pela doutrina para

melhor compreender o surgimento e a formação do pensamento dogmático no

mundo jurídico.

A primeira herança que marcou a Dogmática Jurídica

conforme, Ferraz Júnior, citado por Andrade11: “é o pensamento prudencial

romano, cujo desenvolvimento, através do uso da técnica dialética, conduziu os

romanos a um saber considerado de natureza prática, isto é, que procura fornecer

diretivas para a ação”. Onde os conflitos seriam resolvidos por decisões de

autoridade. Mas para que as decisões fossem corretas, era indispensável possuir

condições para tal. Desta necessidade surge o pensamento prudencial, com suas

9 REALE, Miguel. Filosofia do direito.18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 161. 10REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 162. 11ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003. p. 31.

5

regras, princípios, figuras retóricas, meios de interpretação, instrumento de

persuasão, etc.

O Direito passa a ser visualizado como “uma ordem

reguladora dotada de validade para todos, em nome da qual se discute e se

argumenta”, conforme esclarece Andrade12.

Na concepção de Andrade13, a segunda herança latente, na

idade medieval, que iria marcar a Dogmática Jurídica, é a proveniente da tradição

exegética, que cumulando com o pensamento prudencial, passa a ser

caracterizada pela sua dogmaticidade.

Apesar do surgimento da dogmaticidade, não foi extinto o

pensamento prudencial romano e sim redefinido, atuando conjuntamente com a

dogmática de forma combinada, prudência e dogmática, conforme coloca Ferraz

Junior14: “a prudência se fez dogmática”.

Surge, então, segundo Andrade15 a terceira grande herança

que irá marcar o paradigma dogmático: “a herança sistemática proveniente do

jusnaturalismo racionalista da era moderna”.

O pensamento jurídico medieval era dominado pela

tendência exegética de caráter dogmático. Que foi sendo alterado, pelo Direito

Racional, que proporcionará o elo entre pensamento jurídico e pensamento

sistemático.

Decorrente disto, a credibilidade que era posta nos textos

romanos, passa a ser suprida pela crença nos princípios da razão. No entanto,

estes deveriam ter sua aplicação sistematizada. 12ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. p. 32. 13ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. p. 32/33. 14FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,

dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 63. 15ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. p. 34.

6

Com isso, esclarece Andrade16 a teoria jurídica além da

exegese e da interpretação passa a possuir um caráter “lógico-demonstrativo de

um sistema fechado, cuja estrutura dominou e domina até hoje os códigos e o

pensamento jurídico”.

A teoria jurídica da autoridade desloca-se para a razão.

Sobre esse aspecto introduziu-se a noção de sistemas na Dogmática, como uma

herança. Herança esta que constitui uma das notas típicas do paradigma

dogmático17.

O paradigma Dogmático define suas linhas mestras de

forma mais concisa a partir do século XIX, onde ocorre a configuração definitiva

de seus elementos característicos, a qual já foi tratada anteriormente e, agora, de

forma sintetizada, conforme o pensamento de Ferraz Júnior mencionado por

Andrade18:

A verdade é que nos países de tradição românica o conhecimento do Direito tomou, inicialmente, a forma de uma técnica elaborada que os romanos chamaram de jurisprudentia, caracterizada como um modo peculiar de pensar problemas sob forma de conflitos a serem resolvidos por decisão de autoridade, mas procurando, sempre, fórmulas, generalizadoras que constituíram as chamadas doutrinas. Na Idade Média, sobretudo na época dos glosadores, àquela técnica jurisprudencial acrescentou-se ainda, como um ponto de partida para qualquer discussão, a vinculação a certos textos romanos, especialmente o ‘Código Justiniano’, o que foi dando às disciplinas jurídicas uma forma de pensar eminentemente exegética, base da Dogmática Jurídica. Com o advento do Racionalismo, nos séculos XVII e XVIII, a crença nos textos romanos acabou substituída pela crença nos princípios da razão, os quais deveriam ser investigados para serem aplicados de modo sistemático. No entanto, foi no século XIX que as grandes linhas mestras da Dogmática Jurídica se definiram. A herança jurisprudencial, a herança exegética e a herança sistemática converteram-se na base sobre a qual se erigiu a Dogmática Jurídica, tal qual a conhecemos hoje, à qual o século XIX acrescentou a perspectiva histórica e social.

16ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. p. 35. 17ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. p. 36. 18ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. p. 22/23.

7

Todavia, não pode ser concebida como mero produto de

recepção linear e cumulativa destas tradições, pois, resulta de exigências e

condicionamentos específicos do século XIX, sendo considerada como produto

deste tempo e fruto de uma confluência de fatores. Sob este enfoque, Faria apud

Andrade19 sustenta:

(...) a dogmática Jurídica não pode ser vista como o produto ou resultado de uma evolução de conceitos e métodos através da história do pensamento científico. Ela deve ser entendida, também, como resposta a certos imperativos institucionais que permeiam, moldam e conformam a própria cultura jurídica de natureza positivista e de inspiração liberal. (...) representa, igualmente, uma atitude ideológica que lhe serve de base e um ethos cultural específico.

A Dogmática Jurídica é entendida como “um paradigma

científico”, situando as heranças e matizes que o condicionam e a identidade

(metodológica, ideológica, funcional e epistemológica) que, ao longo desta

configuração foi assumindo, conforme explicita Andrade20:

Na auto-imagem da Dogmática Jurídica ela se identifica com a idéia de Ciência do Direito que tendo por objeto o Direito Positivo vigente em um dado tempo e espaço e por tarefa metódica (imanente) a “construção” de um “sistema” de conceitos elaborados a partir da “interpretação” do material normativo, segundo procedimentos intelectuais (lógico-formais) de coerência interna, tem por finalidade ser útil à vida, isto é, à aplicação do Direito.

A Dogmática Jurídica é considerada uma Ciência

axiologicamente neutra, cuja tarefa está em interpretar as normas jurídicas, sendo

classificada entre as Ciências sistemáticas, descritiva e prática, dotada de total

neutralidade valorativa, cuja finalidade é propor a partir da interpretação do Direito

Positivo, uma maior segurança normativa, oferecendo aos juristas a possibilidade

19ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. p. 23. 20ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. p. 18.

8

da aplicação de decisões iguais para situações iguais, conforme se identifica no

pensamento de Andrade21:

Desta forma, na sua tarefa de elaboração técnico-jurídica do Direito vigente a Dogmática, partindo da interpretação das normas jurídicas produzidas pelo legislador e explicando-as em sua conexão interna, desenvolve um sistema de teorias e conceitos que, resultando congruente com as normas, teria a função de garantir a maior uniformização e previsibilidade possível das decisões judiciais e, conseqüentemente, uma aplicação igualitária (decisões iguais para casos iguais) do Direito que, subtraída à arbitrariedade, garante essencialmente a segurança jurídica.

A Dogmática Jurídica é compreendida, no pensamento de

Adeodato22, como sendo a forma predominante do Estado moderno. O autor23

define a Dogmática como sendo “um fenômeno histórico sem precedentes”.

Tendo como principais requisitos a obrigatoriedade de argumentar “tomando por

base uma norma alegadamente preexistente e elemento componente do sistema

ou ordenamento jurídico, a inegabilidade dos pontos de partida”. O outro requisito

defendido por Adeodato é a obrigatoriedade de decidir: o juiz não pode eximir-se

de decidir, sob alegação de lacuna ou obscuridade da lei e até mesmo por

qualquer outro motivo.

Consoante Alexy, narrado por Atienza24, tratando da

argumentação jurídica, procura identificar as funções da Dogmática Jurídica da

seguinte maneira:

(...) de estabilização (uma vez que fixa durante longos períodos de tempo determinadas formas de decisão), de progresso (amplia a discussão jurídica em sua dimensão temporal, de objeto e pessoal), de descarga (não é preciso voltar a discutir tudo a cada vez), técnica (a apresentação unificada e sistemática da matéria serve como informação e promove o ensino e a capacidade de transmissão), de controle (ao permitir decidir casos, referindo-se aos já decididos e aos por decidir, acrescenta a eficácia do

21ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. p. 18. 22 ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência

(através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmam). p. 13. 23 ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência

(através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmam). p. 13. 24 ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 2. ed. Trad. Cristina

Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2002. p. 260/270.

9

princípio da universalidade e da justiça) e heurística (as dogmáticas contém modelos de solução e sugerem novas perguntas e respostas).

O autor25 defende o uso das regras da argumentação

dogmática. Contudo, observa a necessidade de alicerçar os enunciados

dogmáticos, em proposições práticas de tipo geral, possibilitando que os

enunciados dogmáticos sejam comprovados sistematicamente, em sentido estrito

e em sentido amplo.

Para Bobbio26, o “juspositivismo concebe a ciência jurídica

como uma ciência construtiva e dedutiva; (...) que consiste na elaboração de

conceitos jurídicos fundamentais, extraídos da base do próprio ordenamento

jurídico e, enquanto tais, não sujeitas à revisão ou discussão”.

Neste ponto, se observa a grande falha da dogmática, ou

seja, no momento que trata o direito como uma estrutura fechada, deixa de

considerar a própria evolução da sociedade, que é constante e mutável.

Desta forma, acrescenta27:

O juspositivismo tem uma concepção formalista da ciência jurídica, visto que na interpretação dá absoluta prevalência às formas, isto é, aos conceitos jurídicos abstratos e às deduções puramente lógicas que se possam fazer com base neles, com prejuízo da realidade social que se encontra por trás de tais formas, dos conflitos de interesses que o direito regula, e que deveriam (segundo os adversários do positivismo jurídico) guiar o jurista na sua atividade interpretativa.

Ao tratar-se a Dogmática Jurídica como uma Ciência, vale

mencionar que não é um posicionamento unânime quanto a sua cientificidade no

campo epistemológico, conforme menciona Andrade28 em duas grandes

objeções, inicialmente, por seu objeto não estar diretamente ligado a fatos e pela

25 ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 2. ed. Trad. Cristina

Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2002. p. 260/270. 26 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 220. 27 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 221. 28 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. p. 99/100.

10

inexistência de controle empírico ou lógico, como as demais ciências. A

dogmática não tem como compromisso primordial à produção do conhecimento

de seu objeto. Ela tem como foco um compromisso imediato e um fim prático. Seu

compromisso intrínseco é aprimorar o conhecimento do seu objeto, de forma

objetiva e desinteressada. Seu esforço concentra-se em numa função prática,

com enunciados prescritivos.

Conforme explicita Atienza29, a dogmática pode cumprir uma

função social útil independente de tratar-se ou não de uma atividade científica.

A Dogmática Jurídica configura-se, portanto, através de um

processo multifário, apresenta uma origem plural, que impossibilita captar nela um

corpo doutrinário homogêneo. Trata-se não apenas de um conceito histórico, mas

de um conceito essencialmente complexo, no entanto, não faz parte da dogmática

o processo sendo essa a inteligência de Andrade30.

Na Dogmática inexiste um processo criativo, mas somente

uma função meramente interpretativa.

Nesta senda, Atienza31 pontua, que a Dogmática parte das

leis, das normas jurídicas enquanto realidade já formulada, para sobre esta base,

abordar os problemas conectados com a interpretação e aplicação do direito

enquanto produto. A Dogmática jurídica dirige-se basicamente aos interpretes do

direito. Ou seja, ela tem como preocupação, única e exclusiva, à interpretação do

direito após a sua elaboração, visa tão somente interpretar e aplicar o direito já

concebido, de forma neutra, sem cunho axiológico. O seu objeto está diretamente

ligado ao direito já concebido, não possuindo um papel criativo.

29ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. Madrid: Civitas, 1997. p.16. 30ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. p. 29. 31ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. Madrid: Civitas, 1997. p. 21.

11

1.2 OS FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO E DO SISTEMA DOGMÁTICO

Verifica-se na obra de Jaeger32, que na civilização grega

começa a surgir a necessidade de leis escritas, por parte da população, em

decorrência de algumas decisões serem consideradas arbitrárias pela maioria dos

indivíduos, por falta de leis previamente conhecidas para que as pessoas

possuíssem um parâmetro o qual deveria ser a referência comportamental

individual para cada cidadão. Essa necessidade ocorre também na evolução do

direito, mas com o argumento de que as leis teriam que ser previamente

formuladas e conhecidas, e não que fossem elaboradas conforme surgissem os

conflitos a serem decididos como ocorriam nos primórdios, pois, segundo alguns

pensadores, esta elaboração da lei segundo o caso a ser resolvido poderia levar a

arbitrariedades por parte do julgador e causaria instabilidade na sociedade.

Na história da humanidade houve duas grandes correntes de

Direito: Direito Natural e Direito Positivo.

Para buscar os fundamentos do Direito Positivo, é mister

uma construção evolutiva do Direito. Inicia-se pela compreensão destes dois

fenômenos jurídicos: Direito Natural e Direito Positivo, suas características e suas

diferenças, tanto no campo teórico como no campo prático.

Nos primórdios, o Direito Natural e o Direito Positivo

equiparavam-se no sentido de que nenhum se sobrepunha ao outro.

Na Idade Média, ao contrário, o Direito Natural passa a ser

considerado superior ao Direito Positivo, por tratar-se de norma posta pela

vontade de Deus, à razão humana ou, como diz São Paulo lembrado por

Bobbio33, “como a lei escrita no coração dos homens”. Desta forma os

jusnaturalistas consideravam que o Direito Natural era superior ao Direito Positivo,

mas, ambos eram qualificados como Direito. 32JAEGER, Werner. Paidéia: a formação do homem grego. 4 ed. Trad. Artur M. Parreira. São

Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 137/138. 33BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,

Edson Bini, Carlos E. Rodríguez. São Paulo: Ícone, 1995. p. 25.

12

No fim do século XVIII, (limiar do positivismo jurídico)

Bobbio34 citando Glück afirma que se encontra em seu Commetario alle Pandette

uma distinção entre Direito Natural e Direito Positivo:

O direito se distingue, segundo o modo pelo qual advém à nossa consciência, em natural e positivo. Chama-se direito natural o conjunto de todas as leis, que por meio da razão fizeram-se conhecer tanto pela natureza, quanto por aquelas coisas que a natureza humana requer como condições e meios de consecução dos próprios objetivos... Chama-se direito positivo, ao contrário, o conjunto daquelas leis que se fundam apenas na vontade declarada de um legislador e que, por aquela declaração, vêm a ser conhecidas.

O surgimento do Positivismo Jurídico ocorre quando o

Direito positivo e o Direito Natural não são mais concebidos como direito no

mesmo sentido. Acontece a incorporação do Direito Natural pelo Direito Positivo.

O Direito Natural deixa de ser considerado como Direito.

De acordo com Bobbio35, esta passagem do jusnaturalismo

ao positivismo vem com o surgimento do Estado moderno:

(...) as sociedades medievais eram pluralistas, posto serem constituídas por uma pluralidade de agrupamentos sociais cada um dos quais dispondo de um ordenamento jurídico próprio: o direito aí se apresenta como um fenômeno social, produzido não pelo Estado, mas pela sociedade civil. Com a formação do Estado moderno, ao contrário, a sociedade assume uma estrutura monista, no sentido de que o Estado concentra em si todos os poderes, em primeiro lugar aquele de criar o direito: não se contenta em concorrer para esta criação, mas quer ser o único a estabelecer o direito, ou diretamente através da lei, ou indiretamente através do reconhecimento e controle das normas de formação consuetudinárias.

Surge o chamado processo de monopolização da produção

jurídica pelo Estado36. No Estado primitivo não existia a preocupação de produzir

normas jurídicas, isto ficava a cargo do desenvolvimento da própria sociedade

civil.

34 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 21. 35 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 27. 36 Denominação dada por BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito.

p. 27.

13

Nesta época, o juiz, de tempos em tempos, elaborava a

norma geral que deveria ser seguida e respeitada por todos e a qual era a base

para a solução dos conflitos. Todavia, o juiz ao resolver os conflitos não ficava

preso à lei, poderia fazer uso de regras de costumes, ou ainda poderia basear-se

em critérios eqüitativos retirados do próprio conflito que estava decidindo.

Com o surgimento do Estado moderno, o juiz, de membro da

sociedade civil, passa para a categoria de funcionário do Estado. Perde a

liberdade que possuía ao dirimir os conflitos, e não pode mais fazer uso de

normas sociais, somente as que eram postas pelo Estado.

Na Inglaterra, Hobbes combate o estado de natureza, por

entender que nesta época não existia um direito que fosse respeitado por todos,

por não haver um poder que os obrigasse a tal comportamento. Combate, então,

a Cammon law37 (que era fruto da sapiência dos juizes), negando seu valor, pois,

para ele o direito “é a expressão de quem tem o poder”.

Hobbes referido por Bobbio38 acrescenta: “Direito é o que

aquele ou aqueles que detêm o poder soberano ordenam aos seus súditos,

proclamando em público e em claras palavras que coisas eles podem fazer e

quais não podem”.

Bobbio39 identifica, nesta afirmação de Hobbes, dois

caracteres típicos da concepção positivista do direito, que são o formalismo e o

imperativismo.

No formalismo, a definição do direito é fornecida apenas

com base na autoridade que a impõem, não definindo seu conteúdo e nem

tampouco sua finalidade.

37 Direito consuetudinário tipicamente anglo-saxônico que surge diretamente das relações sociais,

e é acolhido pelos juízes nomeados pelo rei. Era um direito que limitava o soberano. Entendimento retirado da obra de: BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 31/32.

38 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 36. 39 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 37.

14

Já o Imperativismo define o direito como um conjunto de

normas, onde o soberano determina o que os súditos podem ou não fazer. Sendo

também definido como um comando que está ligado a concepção absolutista do

Estado.

Esta concepção do direito defendida por Hobbes tem por

objetivo a realização da paz social, em contra partida com as guerras religiosas

que estavam ocorrendo na Inglaterra e na Europa em geral. Defendia a

necessidade de desvincular o poder da Igreja do Poder do Estado, para que este

prevalecesse e fosse o único poder e que a igreja fosse apenas um serviço.

Hobbes apud Bobbio40 também traz uma outra resposta.

Além da absolutista, apresenta a resposta liberal. Esta resposta baseia-se: “(...)

na tolerância religiosa: o Estado não elimina as partes em conflito e sim deixa que

o próprio embate se desenvolva entre os limites do ordenamento jurídico posto

pelo próprio Estado”.Ocorre, então, a passagem da concepção absolutista para a

liberal. Desta forma, acrescenta o mesmo autor41:

(...) a concepção liberal acolhe a solução dada pelo absolutismo ao problema das relações entre legislador e juiz, a saber, o assim dito dogma da onipotência do legislador (a teoria da monopolização da produção jurídica pelo legislador) as codificações, que representam o máximo triunfo celebrado por este dogma, não são um produto do absolutismo, mas do iluminismo e da concepção liberal do Estado.

No entanto, tal teoria, segundo Bobbio, apresenta duas

faces: a absolutista e a liberal. Absolutista porque só o legislativo criava as leis,

evitando as possíveis arbitrariedades por parte do judiciário, por estar restrito ao

ordenamento criado pelo legislativo. Porém, como evitar arbitrariedades por parte

do legislativo, que seriam mais graves (por serem feitas para toda uma

sociedade), que a arbitrariedade judicial, pois esta atingiria apenas as partes do

conflito em questão. Para impedir tal arbitrariedade por parte do legislativo

instigou-se alguns expedientes constitucionais. Os principais são: A separação

40 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 37-38. 41 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 38.

15

dos poderes – onde o poder legislativo não era atribuído ao príncipe (executivo),

mas a um colegiado e que subordinava o príncipe a ele- e a Representatividade-

onde o legislativo representa toda a sociedade, mediante a técnica da

representatividade política.

O significado histórico do positivismo jurídico na

compreensão de Bobbio42 é: “(...) aquela doutrina segundo a qual não existe outro

direito senão o positivo”, atualmente tal doutrina é definida como direito positivo.

Nesta senda, Bobbio43 consigna:

(...) que o termo direito positivo de maneira bem específica, como direito posto pelo poder soberano do Estado, mediante normas gerais e abstratas, isto é, como ‘lei’. Logo, o positivismo jurídico nasce do impulso histórico para a legislação, se realiza quando a lei se torna fonte exclusiva -ou, de qualquer modo, absolutamente prevalecente - do direito, e seu resultado último é representado pela codificação.

De acordo com o entendimento de Bobbio44, as

características fundamentais do positivismo jurídico podem ser resumidas em sete

pontos ou problemas:

O primeiro deles relaciona-se com o modo de abordar o

direito: o positivismo jurídico considera “o direito como um fato e não como um

valor”. Decorrente deste ponto, surge a teoria da validade do direito, ou teoria do

formalismo, a qual funda a validade do direito na sua estrutura formal, e não em

seu conteúdo. Para o positivismo jurídico a validade da norma não requer atestar

seu valor.

O segundo problema apresentado por Bobbio45 refere-se à

definição do direito: “o juspositivismo define o direito em função do elemento da

coação, de onde deriva a teoria da coatividade do direito”. Ou seja, é o direito que

42 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 119. 43 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 131. 44 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 131. 45 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 131.

16

vigora e se faz valer pelo uso da força. Tal teoria foi formulada não pelo

positivismo, mas pelo jusnaturalista alemão de Christian Thomasius.

No pensamento de Jhering apud Bobbio,46 esta teoria

assume um significado diverso do anterior: “o direito é um conjunto de normas

que regulam o uso da força coativa”. Esta teoria é mencionada também por

Kelsen apud Bobbio47: “Uma regra é uma regra jurídica não porque a sua eficácia

é assegurada por uma outra regra que dispõe uma sansão; uma regra é uma

regra jurídica porque dispõe uma sansão”. Para Kelsen, a sansão não é um meio

para realizar a norma, mas sim um componente da própria norma. Esse

pensamento é também assegurado por Ross48: a relação existente entre a norma

e força, está relacionada a aplicação da força para assegurar o cumprimento da

norma, sendo imprescindível a um sistema jurídico tal uso.

O terceiro problema, segundo o mesmo autor,49 diz respeito

às fontes do direito. O positivismo jurídico afirma:

(...), a teoria da legislação como fonte preeminente do direito, isto é, como este considera o direito sub specie legis (...). O positivismo jurídico elabora toda uma complexa doutrina das relações entre a lei e o costume (excluindo-se o costume contra legem ou costume ab-rogativo e admitindo somente o costume secundum legem e eventualmente o praeter legem), das relações entre lei e direito judiciário e entre lei e direito consuetudinário.

O quarto problema encontrado por Bobbio50 refere-se à

teoria da norma jurídica, a qual é compreendida como um comando, formulando a

“teoria imperativa do direito”.

O quinto problema diz respeito, segundo Bobbio51, à “teoria

do ordenamento jurídico, que considera a estrutura não mais da norma

isoladamente tomada, mas do conjunto de normas jurídicas vigentes numa

46 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 155. 47 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 157. 48 ALF, Ross. Direito e justiça. p. 53. 49 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 132. 50 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 132. 51 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 132.

17

sociedade”. Por ela, o positivismo sustenta a teoria da coerência e da

completude: na teoria da coerência, afirma que não podem existir duas normas

contrárias, pois uma das duas, ou as duas serão inválidas. De acordo com o

requisito da completitude, Bobbio52 argumenta:

(...), o positivismo jurídico afirma que, de normas explicita ou implicitamente contidas no ordenamento jurídico, o juiz pode sempre extrair uma regula decidendi para resolver qualquer caso que lhe seja submetido; o positivismo jurídico exclui assim definitivamente a existência de lacunas no direito.

O sexto ponto destacado por Bobbio refere-se ao método da

Ciência Jurídica, concernente à interpretação53, em que, para o positivismo

jurídico, o juiz é uma “calculadora”.

O sétimo ponto está ligado à teoria da obediência. Por ele, a

lei deve ser sempre obedecida.

Do pensamento de Melo54, extrai-se a síntese do ideal

positivista: “Tudo no Estado e para o Estado, nada fora dele”. Eis que o

Positivismo Jurídico não admitia a criação do Direito pelo poder judiciário.

Para Melo55, o direito é mais que uma disciplina explicativa:

“O Direito não é uma disciplina apenas explicativa, mas principalmente uma

disciplina normativa que tem por fim último à criação de uma sociedade tão

harmoniosa e justa quanto for possível”.

Bobbio56 defini o Direito Positivo “como o conjunto daquelas

leis que se fundam apenas na vontade declarada de um legislador e que, por

aquela declaração, vêm a ser conhecidas”.

52 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 133. 53 Entender a interpretação em sentido lato, para poder compreender toda a atividade científica do

jurista, interpretação stricto sensu, integração, construção, criação. Bobbio, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 133.

54 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política jurídica. p. 82. 55 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política jurídica. p. 82. 56 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 25.

18

Bergel57 coloca que o direito visa “a estabelecer uma ordem

social harmoniosa e a reger as relações sociais com o cuidado de nelas

promover, em graus diferente conforme os casos, uma certa ordem moral, a

segurança jurídica ou progresso social”.

O Direito tem por objetivo regular a livre convivência entre os

indivíduos, de diferentes grupos, de forma pacífica. Em caso de rompimento

dessa harmonia, por desrespeito a direito de outrem, essa poderá ser

restabelecida, através da aplicação, da norma, ao caso concreto.

O Direito deve ser entendido como sistema composto, ou

seja, que englobe todo o aparato normativo, o caso concreto e que tenha como

preocupação constante, o reflexo que sua aplicação terá no contexto social em

que surgiu o conflito a ser resolvido. Por isso, não pode ser uma disciplina

estática, engessada. É imprescindível entender que o Direito encontra-se em

constante evolução.

Para a formulação de um conceito de Direito, tem-se que ter

em vista, a sua abrangência, que esta seja a mais ampla possível. Tentar estreitar

o conceito de Direito corre-se o risco de reduzir-lhe a aplicação e legitimidade. O

cuidado que se busca ter é de compactar em seu núcleo suas principais fontes,

que são os Princípios, a Regra, os Costumes, a Jurisprudência, a Doutrina e sem

nunca perder de vista o contexto social, em que será criado e aplicado.

Para compreender o Direito e visualizar seu campo de

atuação, é necessário que se responda a certos questionamentos: Por quê?

Quando? Como?

O porquê, no entendimento de Bergel58

permite detectar-lhe a finalidade e o espírito que tem de ser respeitado para a interpretação, a evolução e a aplicação das

57 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. Introdução XXI. 58 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. Introdução XXIV.

19

normas, a fim de que não sejam desviadas de seu objeto e de que a coerência do sistema não seja corrompida.

O doutrinador59, afirma que o quando “determina o campo

de aplicação e os limites de um sistema, de uma instituição ou de uma regra”. O

quando fornece as limitações, subordina à reunião de condições rigorosas, ou

residual, mas sempre sem perder de vista sua possibilidade de elasticidade.

O como corresponde “ao caráter imperativo ou supletivo das

disposições ou dos estudos considerados, a possibilidade de derrogá-los, a força

obrigatória deles, o tipo de sanções aplicáveis”60.

O fundamentar é “apegar-se à essência do direito para

poder apreender-lhe a substância, pois a execução do direito é indissociável de

uma boa compreensão do fenômeno jurídico”61.

O Direito é um fenômeno espontâneo que nasce da relação

das pessoas que vivem em grupos e se impõe por si só a toda a vida social, ou é

só o conjunto de regras impostas pelo poder público?

No decorrer dos argumentos, constata-se que o Direito é um

fenômeno espontâneo, que nasce do núcleo social. Pois, elabora-se uma linha

evolutiva do direito, observar-se-á que ele decorre do seio da sociedade. Por isso,

que com os novos paradigmas que surgem e desabrocham de forma interna dos

grupos, o direito brota junto, de forma tímida, mas com o decorrer do tempo vai

tomando forma, e firma-se através do direito positivo, por vontade do legislador,

legitimado pelo povo.

Neste contexto, não se pode afirmar que o direito é apenas

um conjunto de regras impostas pelo poder público. Para assegurar o seu zelo

existe a necessidade de atuação do poder público, por isso, a existência da

59 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. Introdução XXIV. 60 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. Introdução XXV. 61 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. Introdução XXX.

20

possibilidade de aplicação de uma sansão, para impor respeito e observância a

norma concebida. No entanto, a grande nascente do direito vem do âmago social.

Definir o Direito de forma homogênea e definitiva parece

impossível, afirma Bergel62.

O termo Direito pode ser interpretado por diversos

estudiosos, nas várias áreas do saber, no sentido de justiça, de justo. Enquanto,

para os juristas, significa, “regras de direito”. Ou seja, na sua maioria, aplica-se a

lei sem uma análise de cunho axiológico, desvinculando-se do contexto social em

que o caso singular está sendo julgado.

Para Del Vecchio63 o Direito é “a coordenação objetiva das

ações possível entre vários sujeitos, segundo um princípio ético que as determina,

excluindo qualquer impedimento”.

Enquanto para Kelsen64 o Direito “é uma ordem da conduta

humana. Uma ‘ordem’ é um sistema de regras. O Direito não é, como às vezes se

diz, uma regra. É um conjunto de regras que possui o tipo de unidade que

entendemos por sistema”.

Já para Kant65 o “direito é, portanto, a soma das condições

sob as quais a escolha de alguém pode ser unida à escolha de outrem de acordo

com uma lei universal de liberdade”.

Provisoriamente, afirma Bergel66 que o Direito é “uma

disciplina social constituída pelo conjunto das regras de conduta que, numa

sociedade com maior ou menor organização, regem as relações sociais e cujo

respeito é garantido, quando necessário, pela coerção pública”.

62 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. 5. 63 DEL VECCHIO, Giorgio. Lições de filosofia do direito. Trad. Antonio José Brandão. 5 ed.

Coimbra: Armênio Amado, 1979, p. 363. 64 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. 1988, p. 5. 65 KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Bauru, São Paulo: Edipro, 2003, p. 76. 66 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. 6.

21

Neste contexto, Bergel67 identifica o Direito, de forma

concomitante, como sendo “o produto dos fatos e da vontade do homem, um

fenômeno material e um conjunto de valores morais e sociais, um ideal e uma

realidade, um fenômeno histórico e uma ordem normativa, um conjunto de atos de

vontade e de atos de autoridade, de liberdade e de coerção”.

1.2.1 Objeto do Direito

Poder-se-ia perguntar o que é o Direito? Haveria respostas

diversas, de acordo com o pensamento de cada um nas mais variadas áreas do

saber.

Definir o objeto da Teoria do Direito é o que se propôs

Kelsen, quando escreveu suas célebres obras Teoria Pura do Direito e Teoria

Geral das Normas.

Segundo Kelsen68, o Direito é a ciência que tem por objeto

as normas, negando qualquer tipo de valoração às mesmas, estudando seu

objeto nos aspectos estático e dinâmico. O estático refere-se ao sistema de

normas que regulam as condutas humanas em sua reciprocidade e o dinâmico diz

respeito a uma série de atos pelos quais o Direito é criado e, a seguir aplicado.

Caracterizando-o como uma técnica de coação social estreitamente ligada a uma

ordem social que tem por finalidade manter.

Para Reale69, a “ciência do Direito tem por objeto o mesmo

fenômeno histórico-social que chamamos fenômeno jurídico”.

1.2.2 As Escolas Filosóficas

As diversas formas e concepções apresentadas até o

momento estão sempre relacionadas a determinados pensadores de determinada

época. Cada pensador pertencia às chamadas Escolas Filosóficas, que auxiliaram

67 BERGEL, Jean-Louis. Teoria geral do direito. p. 6. 68 KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. p. 410. 69 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 75.

22

na formação e no entendimento da ciência do direito. Com isto, procura-se

identificar as principais características dessas escolas para uma melhor

compreensão da evolução e do fundamento do Direito atual.

Inicialmente, tem-se a análise da Escola Histórica, em

contrapartida ao pensamento iluminista.

A principal característica do Historicismo, encontrada na

obra de Bobbio70, é considerar o homem na sua individualidade e todas as

possíveis variações que esta individualidade comporta. O Historicismo tem a

concepção do irracional, diferente do Iluminismo, para quem a razão é a grande

protagonista da história.

O Historicismo é pessimista, pois não acredita na evolução

da humanidade. Já o Iluminismo é altamente otimista por acreditar, que o homem

com o uso da razão possa aprimorar a sociedade em que está inserido.

Outra característica do Historicismo é seu apego ao

passado. Por isso, os historicistas se interessam pelas origens das civilizações

antigas, por considerá-las civilizações mais plenas. Em contrapartida, o

Iluminismo despreza o passado, zombando da ignorância dos antigos, exaltando

as luzes da idade racionalista.

O maior expoente da escola Histórica foi Savigny que, das

características já apresentadas, era contra a codificação do direito, por considerar

inadequado ao povo o direito posto em uma única coletânea legislativa e por

entender também que isso imobilizaria o Direito, colocando em risco seu

dinamismo, afastando-o da consciência popular, a qual considerava a legítima

fonte do Direito.

Para o Iluminismo, o direito é fruto da razão e da autoridade.

Este movimento favorável à codificação do direito afirma ser necessária a

substituição das normas consuetudinárias por um direito constituído de normas 70 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 50-51.

23

elaboradas de forma racional e que prevalecesse através da lei. Esta última

característica do Iluminismo representa o movimento extremo do racionalismo.

O Iluminismo foi definido por Kant, apud Mora71, como:

(...) a saída do homem do estado de minoridade que deve imputar a si mesmo. Minoridade é a incapacidade de se valer do próprio intelecto sem a orientação de um outro. Imputável a si mesma é essa minoridade, se a sua causa não depende da deficiência de inteligência, mas da falta de decisão e de coragem de fazer uso do próprio intelecto sem ser guiado por um outro. Sapere aude! Tenha a coragem para servir-te da tua própria inteligência! É este o mote do iluminismo.

Sintetizando o pensamento Historicista, Bastos72 pontua:

O mundo jurídico não era uma construção racional ideal, mas um processo de sedimentação tradicional dos usos e costumes resistentes às novas proposições de valores e à recuperação dos velhos institutos pré-medievais. Não cabe à razão construir e interpretar o mundo, mas o conhecimento de experiência feita tradicionalmente e historicamente acumulado.

Bastos73 acrescenta que o Historicismo jurídico estimulou a

abordagem do direito “não como um idealismo, mas como um fenômeno social,

integrado ao seu tempo e as suas circunstâncias”. Ele observa que o direito não

decorre da racionalidade do indivíduo, mas das próprias experiências vividas.

O Historicismo, como a Política Jurídica visualiza o direito

como fenômeno social, pois, o que a sociedade já evoluiu não pode ser

desconsiderado quando se trata do direito. Na seqüência passar-se-á a analisar a

doutrina do Sociologismo Jurídico.

2.2.2 O Sociologismo Jurídico

71 MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. 2. ed. Trad. Roberto Leal Ferreira e Álvaro Cabral.

São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 534. 72 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do direito. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris,

2000. p. 22. 73 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do direito. p. 27.

24

O Sociologismo, de origem francesa, conforme Bastos74

explicita: “embora seja uma negação da recuperação racionalista romanista, é

uma teoria que abre o estudo do direito para o fenômeno social e recupera sobre

muitos aspectos o iluminismo crítico da revolução francesa cujo mais ostensivo

desdobramento teórico foi a teoria classista do Direito”.

Observa-se, neste ponto, uma aproximação ao pensamento

historicista fechado. O Sociologismo evolui como uma crítica ao positivismo,

colaborando para reverter a discussão metodológica da Ciência Jurídica. Por

meio dele o direito é encarado não como um fato racional, mas social,

possibilitando uma abertura para o experimentalismo anglo-saxônico. O direito é

fato concreto, ocorrendo na experiência. Não pode ser, como observa Bastos75,

“dedutível de qualquer pressuposto de valor, mas do próprio fato social”.

Nesse diapasão, Bastos acrescenta:

Se para os historicista o Direito deve ser aquilo que sempre foi (o costume), para os sociologistas o Direito deve acompanhar a sociedade no seu processo de mudança. Embora o fenômeno social seja referência para ambos, para os histocicistas o Direito é uma consolidação retrospectiva e estática, enquanto que os sociologistas têm uma visão prospectiva: o Direito não é um instrumento de contenção da mudança social, mas, se não é um agente de mudanças, deve acompanhar o processo de mudança social.

Para o Sociologismo, o direito deve basear-se nos fatos

sociais e não só na lei como pretende o positivismo. O direito não pode ser um

agente de retração ou estabilização (como no pensamento positivista), mas

suficientemente dinâmico. Para o Sociologismo, o juiz ao decidir não está preso

somente à lei. Poderá decidir segundo a experiência social vivida e acumulada. O

método utilizado para as decisões, segundo o Sociologismo, é empirista e

dedutível. Sob este enfoque, Bastos76 observa: (...) a referência de decisão é o

fato ocorrido, o caso de significância legal, ou mesmo decisões sobre situações

74 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do direito. p. 28. 75 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do direito. p. 33. 76 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do direito. p. 35.

25

parecidas proferidas anteriormente pelos tribunais, mas não necessariamente a

lei”.

Para poder compreender o Sociologismo, tem-se que

estudar duas variantes analíticas: o fato social novo e a jurisprudência. Para

Duguit, segundo Bastos77, o fundamento da Ciência do Direito está na análise dos

fatos sociais:

(...), observação dos puros fatos sociais que trazem em si mesmos o fenômeno jurídico. As normas jurídicas não têm qualquer autonomia, muito ao contrário, são meras manifestações escritas ou transcritas para resguardar os sentimentos sociais dominantes de solidariedade e justiça implícitos nas normas morais e econômicas.

Verifica-se que o Sociologismo busca nos fatos sócias a

fundamentação e a própria origem da norma jurídica, ressalta que o ordenamento

não pode se valer apenas da norma posta, mas deve sempre observar os

sentimentos sociais. Passa-se a examinar, no decorrer do próximo item a Escola

Exegética.

1.2.3 A Escola Exegética

A Escola Exegética surgiu na França, tendo como finalidade

interpretar, de forma passiva e mecânica, o Código de Napoleão, baseando-se no

próprio enunciado da art. 14, do referido Código, que trazia tal possibilidade. A

Escola Exegética inicialmente foi conhecida como a Escola de intérpretes do

Código Civil. Essa Escola, conforme Bobbio78, possui cinco pontos fundamentais:

a “primeira causa é representada pelo próprio fato da codificação”, pela qual os

operadores do direito extraíam do Código todos os fundamentos para resolver os

conflitos, desprezando as outras fontes do direito como a doutrina, a

jurisprudência, os costumes, etc.

77 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do direito. p. 35. 78 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 78.

26

A Escola Exegética é criticada por considerar o Código o

único Direito existente. Bobbio79 expõe: “como se tivesse sepultado todo o direito

precedente e contivesse em si as normas para todos os possíveis casos futuros, e

pretendia fundar a resolução de quaisquer questões na intenção do legislador”.

Outra razão que leva os juristas a superestimar o Código “é

representada pela mentalidade dos juristas dominada pelo princípio da

autoridade”, cujo entendimento é que as normas elaboradas pelo legislador

representam a vontade do mesmo, de maneira segura e completa aos operadores

do direito. Portalis, apud Bobbio80 , faz um discurso preliminar, onde declara:

Ai de nós em relação à época em que, como no passado, se buscará menos o que diz a lei do que aquilo que se a faz dizer! Onde a opinião de um homem... terá a mesma autoridade que a lei! Quando um erro cometido por um sucessivamente adotado pelos outros, se converterá em verdade! Quando uma série de preconceitos coletados pelos compiladores, cegos ou servis, violentará a consciência dos juízes e sufocará a voz do legislador.

Para Bobbio81, “uma terceira causa que pode ser

considerada como a justificação jurídico-filosófica da fidelidade ao Código, é

representada pela doutrina da separação dos poderes82, que constitui o

fundamento ideológico do Estado moderno”. De acordo com esta teoria, o juiz

deveria limitar-se à norma posta pelo legislador, não podendo criar o direito, caso

contrário, ele estaria interferindo na própria competência do poder legislativo, pois

este era o único poder legitimo para criar as leis. O juiz seria somente, como diz

Montesquieu, “a boca através da qual fala a lei”.

Segundo o mesmo autor83, “Outro fator de natureza

ideológica é representado pelo princípio da certeza do direito”, onde o direito só

teria credibilidade por parte dos indivíduos, se existisse um corpo de leis estáveis,

79 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 77. 80 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 79. 81 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 79. 82 Teoria elabora por Montesquieu. 83 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 81.

27

que fosse previamente conhecido e que a lei não fosse mutável. Isto mais uma

vez, impossibilitando ao juiz qualquer tipo de interpretação criativa da lei.

Como última razão, que é de ordem política, Bobbio84

acrescenta que “é representado pelas pressões exercidas pelo regime

napoleônico sobre os estabelecimentos de ensino superior do direito”. O governo

queria que somente o direito positivo fosse ministrado aos alunos de direito. Estes

não poderiam ser influenciados por nenhuma outra fonte de direito que não o

direito positivo, tampouco as concepções jusnaturalistas por considerá-las inúteis

e muito temerárias ao próprio governo, que era extremamente autoritário.

Acerca desta questão, Bonnecase, apud, Bobbio85 adiciona:

“(...) o governo imperial quase que ordenou a exegese, tendo as faculdades de

Direito por primeiro objetivo lutar contra as tendências filosóficas que se

manifestavam, precariamente, aliás, na maior parte do tempo, no curso de

legislação das escolas centrais”.

No estudo acima citado, fica explícito que, de acordo com a

Escola da Exegese, a lei não pode ser interpretada, baseando-se em critérios de

razoabilidade ou sobre o prisma dos valores de quem deve aplicá-la, ao contrário,

este tem a obrigação de assujeitar-se à razão expressa na própria lei.

1.2.4 A Doutrina do Utilitarismo

Doutrina que tem como fundador o filósofo Jeremy Bentham,

tendo também como representantes James Mill e John Stuart Mill. Referenciada

doutrina desenvolve-se na Inglaterra por volta do século XVIII até o século XIX.

De acordo com as máximas desta doutrina, o valor supremo é o da utilidade86,

com uma tendência prática e teórica ao mesmo tempo.

84 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 81. 85 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 82. 86 Entende-se por utilidade algo que é considerado como útil ou inútil, podendo ser certas coisas

ou certas ações. O conceito de utilidade muitas vezes está vinculado ao valor, no sentido de que sirva para algo.

28

Bentham, segundo Peluso87, aduz:

Por princípio de utilidade entende-se aquele princípio que aprova ou desaprova qualquer ação, segundo a tendência de promover ou comprometer a referida felicidade. Eu digo qualquer ação, com que tenciono dizer que isto vale não somente para qualquer ação de um indivíduo particular, mas também de qualquer ato ou medida de governo”.

Bentham considerou que o utilitarismo está a serviço de uma

reforma da sociedade humana. Tem como base, segundo o filósofo, citado por

Mora88, o reconhecimento de que “a natureza colocou-nos sob o domínio de dois

soberanos: o prazer e a dor”. Ou seja, para o utilitarismo clássico, há fato que se

impõe, de frente, à toda consideração racional sobre a ação humana, isto é, uma

força que move o ser humano, que é a busca do prazer e a eliminação da dor.

Esse entendimento sintetiza o fundamento da ética utilitarista.

Os Utilitaristas substituem a consideração de fim, “derivada

de uma suposta natureza metafísica do ser humano, pela consideração dos meios

(motivos, causas) que, de fato, determinam a ação desse mesmo ser humano.89”.

Outro ponto a destacar da doutrina do utilitarismo refere-se

aos interesses. Quando um interesse individual coincide com um coletivo, os

Utilitaristas convertem a questão do bem-estar coletivo em uma questão moral e

as reformas sociais passam a ter sentido como “(...) expressão do compromisso

moral que cada indivíduo tem em minimizar o sofrimento alheio”, na lição de

Peluso90.

John Stuart Mill identifica o caráter qualitativo dos prazeres,

elencando alguns como superiores a outros. John Stuart Mill considera os

prazeres intelectuais, os sentimentos morais, etc., como superiores aos demais

prazeres.

87 PELUSO, Luis Alberto. Org. Ética e Utilitarismo. Campinas, SP: Alínea, 1998. p. 18. 88 MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. 2 ed. Trad. Roberto Leal Ferreira e Álvaro Cabral.

São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 693. 89 PELUSO, Luis Alberto. Org. Ética e Utilitarismo. Campinas, SP: Alínea, 1998. p. 18. 90 PELUSO, Luis Alberto. Org. Ética e Utilitarismo. Campinas, SP: Alínea, 1998. p. 19.

29

Mais tarde, surgem outros adeptos do Utilitarismo, com

Henry Sidwick. Surgem algumas disputas em torno do Utilitarismo no sentido de

fundamentar uma ética utilitarista, desligada dos pressupostos elaborados por

Jeremy Bentham e James Mill.

Observa-se que nesta doutrina o primordial é o caráter

utilitário dos atos praticados pelos indivíduos, como também pelos representantes

do governo. Onde os fatos sobrepõem-se a qualquer consideração racional. O

princípio mor é que os meios e as causas é que determinam as próprias ações

dos seres humanos.

No item seguinte, passar-se-á a análise da deficiência da

norma jurídica presente no ordenamento jurídico.

1.3 DEFICIÊNCIA DA NORMA JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO

Na esfera jurídica, dificilmente pode-se afirmar que as

normas existentes não possuem deficiência. Constantemente observa-se que,

muitas vezes, as normas que se encontram no ordenamento jurídico já não são

suficientes para a solução dos conflitos de forma adequada e satisfatória, levando

o jurista a optar por outras fontes do direito para a resolução de determinado

conflito. Existem atualmente duas teorias, que afirmam não haver lacunas na lei.

São as denominadas Teoria do espaço jurídico vazio e a Teoria da norma geral

exclusiva.

A Teoria do espaço jurídico vazio, que foi sustentada na

Itália por Santi Romano, segundo Bobbio91, sustenta não ser lógico afirmar que

existem lacunas na lei, pois quando um determinado fato possui uma norma que o

regule, não se pode falar em lacuna. Caso este fato não for regulamentado por

nenhuma norma, também não possui lacuna, pois não pertence ao mundo jurídico

(é considerado juridicamente irrelevante) e sim ao chamado espaço jurídico vazio.

91 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 208.

30

Nesta teoria não se questiona, se a norma posta é adequada ou não, se satisfaz

na integra tal situação. Basta a existência da previsão legal, eis que já não se fala

em lacuna na norma.

A Teoria da norma geral exclusiva, diferente da Teoria do

espaço jurídico vazio, não reconhece fato juridicamente irrelevante, mas sim fato

lícito. Para tal teoria não existem lacunas na lei, porque sempre existe uma norma

geral, para toda situação. A simples existência desta norma geral já exclui a

possibilidade da existência de lacunas. Para uma melhor compreensão, remete-

se a Bobbio:

Se, por exemplo, existe uma norma que diz: ‘É proibido importar cigarros’; tal norma contém implicitamente em si uma outra norma que diz: ‘É permitido importar todas as outras coisas que não sejam cigarros’; assim, se uma norma estabelece que para realizar um dado ato jurídico são necessárias certas formalidades, tal norma é acompanhada, como se fosse sua sombra, por uma outra norma geral exclusiva, que estabelece que para todos os outros atos tais formalidades não são necessárias.

Segundo o pensamento de Bobbio92, o que na Teoria do

espaço jurídico vazio é considerado como fato juridicamente irrelevante, para

afirmar não haver lacuna na norma, na Teoria da norma geral exclusiva, é fato

lícito, pois, se não é proibido, é permitido, sendo considerado como algo lícito. Ou

seja, de acordo com tais Teorias, a legislação não possui deficiência em nenhuma

situação.

Na atualidade, pode-se encontrar algumas situações, as

quais não se encontram regulamentadas pelo ordenamento jurídico, mas diferente

do que a Teoria do Espaço Jurídico Vazio ou a Teoria da Norma Geral Exclusiva

afirmam, são situações que já deveriam estar regulamentadas pelo atual

ordenamento, visto corresponderem a dilemas presentes entre os indivíduos e

que merecem atenção.

92BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,

Edson Bini, Carlos E. Rodríguez. São Paulo: Ícone, 1995. p. 210.

31

Como se pode observar, a seguir existem tais deficiências

na norma. Cita-se como exemplo o caso de uma união homo-afetiva, quando um

indivíduo (homossexual) após a morte de seu companheiro de anos, e do qual era

dependente, encaminhou-se ao INSS para solicitar a pensão do órgão federal

para sua subsistência, em decorrência do ocorrido. O INSS negou tal

possibilidade, pois não havia previsão legal que possibilitasse ao requerente tal

garantia. Inconformado com tal resposta, o indivíduo leva sua solicitação para a

apreciação do poder judiciário, demonstrando, através de provas, a

caracterização de seu convívio e a necessidade da pensão para sobreviver.

Diante do exposto (de forma resumida), o judiciário baseando-se nos princípios

constitucionais, garante-lhe o direito, mandando que o INSS providenciasse a

pensão do requerente. De acordo com o caso exemplificado, pode-se observar

que as lacunas existem e que os chamados espaços vazios não passam de

elucubrações utópicas que não acompanham a realidade e nem tampouco a

própria evolução da sociedade. Conclui-se, então, que a Teoria da Norma Geral

Exclusiva também não satisfaz a realidade na totalidade.

De acordo com Oliveira93, por mais que a norma seja

retamente determinada, a lei pode tornar-se deficiente em alguns casos. Segundo

Oliveira94, a idéia de suprimir o vazio da lei é comparada à antiga orientação

aristotélica, referida a necessidade “de dizer o que o próprio legislador teria dito

se estivesse presente, e que teria incluído na lei se tivesse conhecimento do

caso”. Para tanto, aplica-se à eqüidade, não apenas para os casos em que ocorre

lacuna na norma, mas também para moderar seus rigores. O que se prega na

eqüidade é matizar a justiça, onde o interprete tem que considerar a relação

existente com o bem comum, caracterizando-se assim, como uma qualidade do

devido, como uma virtude.

93OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. Itajaí: UNIVALI, 2001. p. 153. 94OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 153/154.

32

Depois de demonstrado que existe deficiência, e, até mesmo

em alguns casos ausência de norma, para a resolução de situações pontuais,

passar-se-á a demonstrar a necessidade de que a norma jurídica seja útil.

1.4 UTILIDADE (SOCIAL) DA NORMA JURÍDICA

Consoante o anteriormente exposto, utilizar-se-á alguns

postulados da doutrina utilitarista como base de enunciado da utilidade da norma

posta. Primeiramente, será definido o útil como tudo que satisfaz a uma

necessidade, que busca, de forma ordenada, à realização de um valor95,

conforme define Silva96. E por valor de Utilidade, Silva97 acrescenta: “como a

propriedade que possui a coisa, no sentido de determinada necessidade”.

Verifica-se, que o conceito de utilidade, está sempre ligado a um valor, no sentido

de que sirva para algo, tanto no que se refere à coisa ou no que diz respeito a

ações. Sob tal prisma, procurar-se-á demonstrar que a norma carece do valor de

utilidade no âmbito de sua formulação e também de sua aplicação. Necessário

observar a questão da utilidade em conexão com o valor do agradável98, a ser

refletido, não de forma individual, mas em consonância com a sociedade, sem

reduzir o justo ao útil. Conforme pontua Melo99:

No que concerne às realidades sócio-culturais, ou seja, das atividades e experiências do cotidiano, no entanto, esse valor utilidade pode e deve ser considerado na elaboração, modificação ou revogação de uma norma, desde que se leve em conta as perspectivas de respostas a necessidades sociais.

A consciência jurídica, manifestada através das

representações jurídicas do direito informal e da opinião pública, revela a

95 O valor constitui um parâmetro objetivo que dá conteúdo específico e sentido à ação humana,

sendo consideradas entidades objetivas, existentes por si mesmas e apenas descobertas pelo homem, tal entendimento obteve-se da obra de ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmam). p. 39.

96 SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão. Curitiba: Juruá, 2004. p. 154. 97 SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão. Curitiba: Juruá, 2004. p. 153. 98 SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão. Curitiba: Juruá, 2004. p. 154. 99 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris Editor/CPGD-UFSC, 1994. p.118.

33

concepção de Direito mais como um dado cultural do que como norma ou fato, de

acordo com o entendimento de Melo100.

As normas têm vida e morte, pois são postas, retiradas e às

vezes, retornam ao ordenamento jurídico, refletindo o conflito de seus criadores.

Esse comportamento da vida da norma nem sempre decorre da vontade da

maioria101. Algumas vezes por inconstitucionalidade em sua formulação ou

mesmo pelo seu caráter arbitrário, as leis são editadas em desacordo com as

aspirações sociais. As normas técnicas pouco ou nada têm a ver com o valor

justiça. Na dicção de Kelsen102, o caráter de justiça não integra o conteúdo da

norma jurídica. Ela é desprovida de valor. Há que se observar que tal

argumentação não pode mais ser aceitável, frente aos novos paradigmas sociais.

Segundo Melo103, “A natureza humana é incompadecente com um direito rígido,

cristalizado, insuscetível de ser valorado ou submetido a estratégias de

aperfeiçoamento”.

Note-se que ao se tratar da utilidade social da norma como

um valor da sociedade e para a sociedade, esse critério não necessita estar sob o

julgamento do Estado, informa Melo104.

De acordo com Angélico, apud Oliveira105, a lei deve conter

valores:

A lei deve ser honesta, justa, possível, conforme à natureza, apropriada aos costumes do país, conveniente ao lugar e ao tempo, necessária, útil, claramente expressa, para que não se oculte nela nenhum engano, e instituída não para satisfazer a algum interesse privado, mas para a utilidade comum dos cidadãos.

100 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p.119. 101 Vale salientar que esta vontade é de uma minoria que decide pela maioria. Conforme

observado por Calera (Introducción al Estudio del Derecho. p. 246), as conseqüências de (possíveis) erros são suportados por aqueles mesmos que participaram na tomada da decisão. E na regra da minoria, os erros de poucos são suportados pela maioria que não participou da tomada de decisão.

102 HANS, Kelsen. Teoria geral das normas. 103 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 31. 104 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 120. 105 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 291.

34

Oliveira assevera que não basta que a norma seja invariável

e perene de licitude, de probidade, se for incômoda ou prejudicial à comunidade.

Inegavelmente não terá a esperada observância e perderá a sua eficácia.

A existência da norma por si só não basta, ela tem que

trazer em seu bojo um conteúdo axiológico, com o objetivo maior de atender a

todos os indivíduos de forma igualitária, proporcionando maior grau de satisfação

a todos que dela se fazem valer.

35

CAPÍTULO 2

FUNDAMENTOS DA POLÍTICA JURÍDICA

2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O direito surge no seio da sociedade, com base nas

relações sociais, dirimindo conflitos, garantindo e ordenando a vida pública e

privada.

O direito não nasce arbitrariamente, necessita de fontes

originais que o legitimem. Ross106 concebe o direito como um produto de forças

anônimas e obscuras e não como criação de deliberações e de decisões

arbitrárias. O autor acredita que a consciência ético-jurídica comum dos

indivíduos é a verdadeira fonte de todo o direito e acrescenta que essa

consciência jurídica é também a fonte da retidão ou da validade do direito.

Tendo por base tais pressupostos e as transformações pelas

quais a sociedade passa, torna-se inevitável que o direito também as acompanhe,

adequando a ordem jurídica aos novos costumes, aos valores e às várias formas

de relações que se estabelecem.

A sociedade atual mudou: os valores, os costumes, a

economia, a tecnologia, as ciências em geral encontram-se vinculados a novos

paradigmas, bem como às novas necessidades humano-sociais. Cabe ao direito

seguir a direção dessas mudanças, adequando-se ao contexto social,

fundamentando-se na ética, com o propósito de sempre fazer prevalecer a justiça.

Com a correta adequação do direito às demandas sociais,

não será possível aos indivíduos alegarem que realizam determinada conduta

106 ROSS, Alf. Direito e justiça. Trad: Edson Bini. Bauru: Edipro, 2003. p. 395-397.

36

porque o direito lhes foi injusto ou inadequado. Um direito ético, útil e legitimado

fundado nas próprias reivindicações da sociedade em geral, e não apenas no

interesse individual de determinados grupos, criará nos indivíduos a verdadeira

consciência jurídica.

Reale107, refletindo sobre a expressão direito como

experiência, consegue traduzir seu pensamento de forma pontual:

Cumpre, pois pesquisar e aferir o direito como experiência jurídica concreta, isto é, como realidade histórico-cultural, enquanto atual e concretamente presente à consciência em geral, tanto em seus aspectos teóricos como práticos, ou, por outras palavras, enquanto constitui o complexo de valores e comportamentos que os homens realizam em seu viver comum, atribuindo-lhes um significado suscetível de qualificação jurídica no plano teórico, e correlatamente, o valor efetivo das idéias, normas, instituições e providências técnicos vigentes em função daquela tomada de consciência teórica e dos fins a que se destinam.

Conforme Melo, o direito flexível, ajustado à realidade e às

aspirações sociais, será mais facilmente respeitado. É inadmissível, em nosso

tempo, a existência de uma norma engessada pelo dogmatismo jurídico. Urge

reconstruir-se o direito calcado na evolução social, por que passa a Sociedade. A

utilidade (necessidade) da norma de direito implicará na recepção da idéia de

justiça e de valor, que nela será incorporada e positivada, diante das

transformações sociais de toda ordem e da existência de novos valores

individuais e coletivos presentes na comunidade.

Calera, apud Dias108, prevê a legitimação social do direito

pelo seu caráter de justiça, ou seja, esta é seu referente de legitimação:

Através da categoria justiça democrática, sustenta que a legitimação social do direito se realizará, unicamente quando

107 REALE, Miguel. O direito como experiência:introdução à epistemologia jurídica. 2. ed. São

Paulo: Saraiva, 1992. p. 31. 108 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. Florianópolis: Momento Atual,

2003. p.70.

37

responder aos valores - de igualdade, liberdade, soberania- compartilhados pela sociedade. O direito para ser legítimo, justo, terá que cumprir sua vocação de realizar a justiça, de assegurar uma vida social justa.

Na concepção de Dias109, “A justiça caracteriza-se como

uma práxis humana, cuja pretensão é a resolução das questões próprias da vida

social”.

A valoração do direito está relacionada ao critério de justiça,

esta reconhecida como o fim por excelência do direito.

Neste contexto, à Política Jurídica cabe a busca constante

do direito que deve ser (o direito justo), no lugar do direito que é (do direito

estático), pois só assim a utilidade da norma jurídica far-se-á sentir e produzirá

resultados satisfatórios para a Sociedade.

Atentando para os fundamentos e proposições da Política

Jurídica, o operador jurídico sentir-se-á confortável para propor as modificações

na norma vigente, ante o Poder Legislativo. Este, a seu turno, melhor

compreenderá a importância de sua atividade legiferante, agasalhando as

aspirações sociais.

O magistrado poderá valer-se dos fundamentos da Política

Jurídica para a criação judicial do direito, frente à realidade, por vezes, injusta,

inaceitável e lacunosa dos textos legais. Enfim, com sustentáculo na Política do

Direito, os juspolíticos atuarão, em suas áreas específicas, com racionalidade e

com ética.

Partindo-se do conceito de utilidade social e justiça da

norma jurídica, concebe-se a Política Jurídica, de forma reflexiva, decorrente do

aprofundamento do conhecimento não só teórico, mas também, da realidade

109 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. p. 70.

38

social e do mundo dos valores (Ética). Visa-se à adequação da norma posta,

vinculando-a a seu caráter de utilidade e justiça para uma melhor

correspondência à realidade.

A Política do Direito não almeja desestabilizar o direito

positivado, mas sim adequá-lo à realidade da vida da Sociedade. Conforme

menciona Pérez110:

A vida da comunidade está circunscrita por um conjunto de disposições jurídicas dotadas de ação. Repudiar todo o sistema jurídico positivo, além de sua impossibilidade prática, seria substituir uma imperfeição por outra certamente mais defeituosa. Se a Política do Direito se orienta por observações fenomenológicas, precisa aproveitar a experiência acumulada no ordenamento positivo existente. Daí provêm à possibilidade do dado comparativo entre a realidade e a lei.

Desta forma, a Aplicabilidade dos Fundamentos da Política

do Direito, está vinculada diretamente ao direito positivado no ordenamento

jurídico, o que busca é possibilitar a sua aplicação ao caso concreto, sem perder

de vista o social, de forma que seja visualizado o contexto social da circunscrição

do caso singular para a aplicação da norma jurídica.

2.2 A POLÍTICA JURÍDICA NA CONCEPÇÃO DE AUTORES

2.2.1 O Pensamento de Osvaldo Ferreira de Melo

A busca de um direito que acompanhe as mudanças sociais,

por que passa a sociedade, com vistas a uma convivência mais adequada entre

os indivíduos, passa por uma concepção de direito mais flexível, voltado às

mutações resultantes da evolução social que vivenciamos. Essa busca leva-nos a

crer na possibilidade da revisão do atual conceito de direito, fundamentado na

110 PERÉZ, Pascual Marím. La política del derecho. Barcelona: Bosh, 1963. p. 65.

39

necessidade própria de cada grupo social, inspirado, realizado e embasado na

justiça, considerando as mutações sociais, as características dos mais diversos

agrupamentos humanos, suas peculiaridades, sua história e as espécies de

conflitos ali vivenciados. O direito, assim concebido, estaria em consonância com

um movimento próprio de cada grupo, da comunidade, da sociedade. Adequar-se-

ia às necessidades emergentes da própria e natural evolução, em direção

contrária ao engessamento propiciado e aplicado pelo positivismo jurídico radical,

opor-se-ia à inflexibilidade da norma, conduta que tem sido o norte da maioria dos

aplicadores do direito contemporâneo.

Em tal contexto, a Política Jurídica surge para auxiliar a

necessária evolução, transformação, correção e criação de um novo conceito de

Direito, objetivando a convivência harmônica, a inclusão dos cidadãos como

membros legitimadores da norma positivada. Melo111 compreende os Novos

Direitos “como direitos que vão surgindo em razão da crescente complexidade

das novas relações econômicas, de melhor percepção do universo cultural, dos

avanços científicos e dos impactos tecnológicos deles decorrentes”.

Na lição de Melo112, para a melhor construção dessa nova

ordem, ou para auxiliar na correta interpretação da norma ao caso concreto, ou na

criação do direito, tem-se que levar em consideração uma nova forma de pensar,

não descartando a utopia – no sentido de atender aos anseios dos indivíduos –

dentro do processo criativo do direito:

A Política Jurídica, descomprometida com fórmulas e paradigmas em perecimento, estará engajada com esse novo pensar e participará da realização de novas utopias carregadas de esperanças. Para isso se espera que sejam recuperadas e privilegiadas duas áreas da Filosofia que a Modernidade relegou em favor da Lógica e do Método, que são a Ética e a Estética.

111 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política jurídica. Porto Alegre: Sérgio Antonio

Fabris/CMCJ- Univali, 1998. p. 31. 112 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. p. 19.

40

Melo113 considera a Ética e a Estética como elementos

universais de disposição bem ordenada entre as pessoas, para que possam

conviver, de forma harmônica, com criatividade e respeito ao outro, possibilitando

desta forma, também, uma melhor adesão as normas postas.

Quando as normas são excessivamente injustas geram uma

desobediência natural, por parte dos indivíduos. Höffe114, em sua obra Justiça

Política, menciona que na Grécia antiga, principalmente em Atenas, ocorria uma

falta de adesão, por parte dos indivíduos, às normas injustas e excessivamente

penosas: “Na Grécia antiga, acontece algo que há muito nos parece óbvio na

‘perspectiva da história universal’, mas que é extraordinário: leis ou mesmo

formas de estado não são reconhecidas cegamente ou são recusadas no caso de

excessiva dureza e injustiça”.

Decorrido algum tempo, muitas transformações situam-se na

“pós-modernidade”-conforme caracterizado por Melo115: “estamos vivendo um

período de transição, o que significa a ruptura dos paradigmas da modernidade e

a passagem para uma fase subseqüente que, à falta de batismo (...),

chamaremos precariamente de pós-modernidade”. E esta fase, pode-se afirmar

que se caracteriza, também, pelo surgimento de normas mais justas e adequadas

aos anseios da sociedade.

Para Ross, apud Melo116, a Política Jurídica persegue a

idéia de justiça: “Política Jurídica é a doutrina que ensina como alcançar o

objetivo do Direito que é: aperfeiçoar a idéia de justiça a ele inerente”. A Política

do Direito estaria ainda comprometida, na ótica de Melo117, com a idéia de

Justiça, de Ética, de Legitimidade e de Utilidade: “À Política Jurídica,

considerando seu comprometimento com o Justo, o Ético, o Legítimo e o

Necessário (útil), cumpriria observar as tendências indesejáveis e propor as

correções adequadas para mudanças de rumo”.

113 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 19. 114 HÖFFE, Otfried. Justiça política. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 15. 115 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 18. 116 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política jurídica. p. 44. 117 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 22.

41

Refletindo sobre o pensamento do autor referenciado,

compreende-se que a norma ideal é a norma que melhor responde às demandas

sociais dos dias atuais, com suas necessidades e aspirações específicas bem

como seus diferentes conflitos, de forma a adequar, interpretar, sanar as

possíveis lacunas observadas na norma positivada para aplicação ao caso

concreto.

A proposição de criar normas mais adequadas, na lição de

Dias118 não “visa desestabilizar o Direito positivado existente no mundo jurídico,

mas vivificá-lo, pelo confronto deste com a realidade social, que é complexa,

precária e em constante e profunda transformação”.

Melo119 define a Política do Direito de forma bastante clara:

À Política Jurídica, cabe essa ação corretiva (...), em favorecer um ambiente de ecologia político-jurídica que permita às pessoas e à própria sociedade ganharem autonomia para decidirem sobre como devam construir a sua paz, sua segurança, seu bem-estar, a qualidade e diretrizes de sua cultura.

Face às constantes mutações sociais, Melo observa que não

é mais possível permanecer a norma engessada pelo dogmatismo, devendo ser

reconstruída pelo Direito baseado nas necessidades decorrentes do processo

dinâmico da vida em Sociedade.

A Política Jurídica tem uma preocupação teleológica

relacionada à validade da norma jurídica, muito bem definida por Melo120: “As

preocupações teleológicas da Política Jurídica exigem que a validade de uma lei

seja percebida não apenas por seus aspectos formais (vigência e eficácia), mas

por suas características intrínsecas de natureza material e valorativa (legitimidade

e justiça)”.

118 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. p. 119 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 22. 120 MELO, Osvaldo Ferreira de. Sobre política jurídica. In: Revista Seqüência. n. 1. 1980. p. 15.

42

Muitos são os anseios reclamados pelas sociedades atuais;

sociedades estas que enfrentam uma gama cada vez mais elevada de desafios

inerentes à condição da vida humano-social.

Cabe à Política Jurídica o papel de transformar o direito

posto, visando inserir o valor de justiça na norma, renunciando aos dogmas já

incutidos no mundo jurídico e atendendo aos clamores sociais, fornecendo

resolutividade ao caso concreto de forma adequada e justa, priorizando o caráter

de utilidade social e de eticidade da norma jurídica frente ao contexto social

referido.

Identificado o caráter interdisciplinar da Política do Direito,

frente à outras áreas do conhecimento, estende-se seu campo de atuação, que

pode manifestar-se tanto na interpretação da norma positivada como no

preenchimento das lacunas que porventura possam existir, adequando a norma à

necessidade existente e também à própria produção normativa. Conforme

explicita Melo121 “A Política Jurídica se preocupará com as metas sociais,

passando a exercer papel censor do produto legislativo, ao oferecer

argumentação para a reciclagem permanente das leis, tendo como marco

fundamental os valores, a justiça e a legitimidade”.

A Política do Direito procura seu espaço no mundo jurídico,

de forma atuante, eficaz e sempre vinculada à idéia do útil, do justo, do legítimo e

do e do ético.

2.2.2 A Política Jurídica na visão de Hans Kelsen

Através de Kelsen122 entrevê-se o reconhecimento da

existência da Política Jurídica em oposição ao positivismo jurídico, delimitando a

atuação desta: “O problema da Justiça, enquanto problema valorativo, situa-se

fora de uma teoria do Direito que se limita à análise do Direito positivo como

sendo a realidade jurídica”. Para Kelsen, a questão da justiça está fora do 121 MELO, Osvaldo Ferreira de. Sobre política jurídica. In: Revista Seqüência. n. 1. 1980. p. 16. 122 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad.: João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo:

Martins Fontes, 1998. In Prefácio à segunda edição.

43

contexto do direito positivo, deixando essa problemática à cargo da Política

Jurídica.

Frente a tal reconhecimento, pelo jurisconsulto do

positivismo, observa-se a existência da Política Jurídica, mas não seu

reconhecimento como ciência, reduzindo sua importância e seu campo de

atuação. Para o autor123, o fundamental não estava em como deve ser o direito e

nem como ele deve ser feito e sim o que é o direito e como ele é: “Procura

responder a esta questão: o que é e como é o Direito? Mas já não lhe importa a

questão de saber como deve ser o Direito, ou como deve ser feito. É ciência

jurídica e não política do Direito”. Essa temática de valoração deixa a cargo da

Política do Direito.

O autor124 enfatiza, em sua obra Teoria Pura do Direito, a

desvinculação do direito positivo da preocupação com dever ser do Direito; este

colocado apenas em caráter sociológico. Reconhece a possibilidade da existência

do ‘dever ser’, do ‘Direito justo’, porém, não o admite como fundamental na

Ciência Jurídica. “(...) o dever ser, não pode -segundo uma consideração

meramente sociológica-, como ilusão ideológica, ter expressão numa descrição

científica do Direito”.

Para Kelsen125, o ‘dever ser’ do direito encontra-se

caracterizado como uma ideologia, da qual defende que a Teoria Pura do Direito

deve ficar livre e sem vínculo algum com qualquer possibilidade de valoração da

norma positivada, recusa-se a valorar o direito positivo, saliente que: “(...) o Direito

positivo, deve manter-se isento de qualquer confusão com um Direito ‘ideal’ ou

‘justo’. Neste sentido é uma teoria do Direito radicalmente realista”.

É possível admitir-se este argumento na época em que foi

concebida esta teoria. Todavia, não nos dias atuais, onde se verificam

transformações sociais, avanços tecnológicos, e novos paradigmas para a

123 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 1. 124 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 115. 125 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 118.

44

ciência. Permanecer-se vinculado a um Direito sem a sua preocupação valorativa

não parece concebível. O Direito não pode eliminar de seu contexto o fim a que

se destina - que é a concretização da justiça frente ao caso concreto, deixando de

considerar o meio social no qual está inserido.É difícil imaginar um Direito que

visa a resolução dos conflitos sem o caráter primordial de justiça.

De certa forma, é possível compreender porque Melo

fundamentou-se no pensamento de Kelsen, no que concerne à Política Jurídica,

pois é na obra deste, que se identifica o conceito e o objeto da Política do Direito.

Pillati126 questiona o porquê de Melo fundamentar a Política

Jurídica em Kelsen e não em Reale: “A maior reflexão, talvez, advenha de uma

pergunta muito simples: por que Melo não partiu, imediatamente, do pensamento

de Miguel Reale, preferindo lançar-se das íngremes asperezas da obra de Hans

Kelsen?”.

O questionamento acima transcrito leva-nos a refletir sobre o

mesmo; por ser merecedor de uma análise mais profunda. Mas, por ora, limitamo-

nos a constatar que Kelsen, em busca da Teoria Pura do Direito, livre de qualquer

valoração, consegue identificar o conceito e o objeto da Política do Direito. Esse

enfoque é mais que suficiente para responder ao questionamento de Pillati.

2.2.3 Política Jurídica na Concepção de Gilberto Callado de Oliveira

Com fortes raízes no direito natural, Oliveira127 explica a

relevância da Política do Direito para a construção do futuro:

(...), pois, dela dependerá em grande medida o almejado ambiente de paz e de perfectibilidade dos homens em qualquer sociedade. Seu estudo assume uma importância vital para o enfrentamento das múltiplas crises por que passam os corpos legislativos das

126 Pillati, José Isaac.O dilema da política jurídica.In Novos Estudos Jurídicos. Ano V- nº 10-

abri./2000 p. 07. 127 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. Itajaí: UNIVALI, 2001. p. 19.

45

nações, quase todos apinhados de disciplinamentos estéreis e desvinculados da realidade mais profunda da vida social.

Para este autor128, a Política Jurídica é “ciência autônoma e

prática, é o estudo crítico do ordenamento jurídico positivo e o estudo preceptivo

da nova ordem”.

Oliveira129 situa a Política Jurídica como “algo realizável ou

algo operável”, no âmbito das ciências operativas, que se preocupam como as

coisas devem ser, visando sempre uma finalidade operativa. O citado jurista

assim posiciona-se acerca dessa questão130:

A política jurídica (...), dirige-se sempre a uma finalidade operativa, tendo em mira o agir humano, um agir que ainda não é, mas que deve ser. Sua praticabilidade e sua finalidade como em todo o conhecimento operativo, expressam o dinamismo ontológico do homem e da sociedade, apoiado sobre os irrecusáveis desígnios da liberdade, já que é vedado ao homem recusar-se a si mesmo as exigências da ordem prática que o impulsionam à felicidade.

A Política Jurídica encontra-se entre as ciências operativas,

que são aquelas que cuidam das coisas como devem ser, buscando as formas

mais adequadas, para alcançar um determinado fim, uma sociedade mais

primorosa e feliz para todos que a compõem.

Claro está que todo homem tem como objetivo prioritário

atingir a sua felicidade e também proporcioná-la aos seus, e alcançar seus

propósitos individuais, comunitários e sociais, dentro do contexto social em que se

encontra inserido.

128 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 31. 129 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 33. 130 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 34.

46

A Política do Direito visa esse fim - adequar a norma ao

contexto social - para uma melhor equação do direito posto, frente à dinâmica

social. Sob tal visão, Oliveira131 assevera que “a política jurídica se guia por dois

princípios diretivos: conveniência (ou de utilidade) e justiça”. Coloca também a

necessidade de se levar em consideração a tradição, pois conforme Pio XII132,

“não se trata de remar contra a corrente, de retroceder para as formas de vida e

de ação de idades já passadas, mas sim de tomando e seguindo o que o passado

tem de melhor, caminhar ao encontro do porvir com o vigor imutável da

juventude”.

Para o juspolítico133, seria pura utopia buscar formas de

contemporização da sociedade, através de inúmeros direitos, se não for levada

em conta a mais ilustre das virtudes morais, ou seja, a justiça.

O autor134 assevera que para se formular uma teoria político-

jurídica, o direito deve ser concebido sob um método genuinamente científico,

seguindo os padrões tradicionais de observância e averiguação, convergindo

todos os esforços em direção às questões práticas e buscando aprimorar a

condição dos indivíduos no mundo.

Neste contexto, quando o autor menciona a necessidade de

um método genuinamente científico, está reduzindo a teoria político-jurídica

somente a razão lógica, o que não é concebível quando trata-se de Política

Jurídica, pois esta não é reducionista, mas abrangente.

131 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. Itajaí: UNIVALI, 2001. p. 35. 132 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p.193. 133 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. Itajaí: UNIVALI, 2001. p. 35. 134 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 93.

47

Oliveira135 explicita as dimensões da Política Jurídica da

seguinte forma:

(...), a dimensão prudencial e criadora da política jurídica tem seus alicerceres no domínio do saber. Ela constitui um conhecimento crítico-diretivo, transformador da captação teorética da experiência social, da consciência axiológica e da tradição cultural, em resolução normativa. Em síntese, contempla o que já é, com vistas a realizar o que ainda não é.

A grande diferença observada nas visões de Melo e Oliveira

está na fundamentação da Política Jurídica, eis que, para Melo, jusfilósofo

humanista, a fundamentação da Política Jurídica se dá através da análise dos

conteúdos reivindicados pelos movimentos sociais, expressos pela ética, pela

idéia de utilidade, de legitimidade e de justiça da norma. Já para Oliveira, a maior

fonte de fundamentação encontra-se vinculada ao Direito Natural, às questões

metafísicas, à tradição e ao Cristianismo.

2.2.4 A Política Jurídica no entendimento de Miguel Reale

Reale136 destaca o conceito da palavra Fundamento para

melhor delinear sua análise sobre a Política Jurídica, por considerá-la de cunho

axiológico:

Em suma, entendemos por fundamento, no plano filosófico, o valor ou o complexo de valores que legitima uma ordem jurídica, dando a razão de sua obrigatoriedade, e dizemos que uma regra tem fundamento quando visa realizar ou tutelar um valor reconhecido, necessário à coletividade. O mesmo problema é posto empiricamente pela Política do Direito, que assim se liga logicamente à especulação axiológica, por atender aos meios práticos, de sua atualização, segundo a tábua dos valores dominantes.

135 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 135. 136 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 594.

48

É necessário que se atribua um valor à regra jurídica para

assegurar que esta tenha um caráter de justiça, proporcionando uma melhor

aceitação e conseqüentemente maior adesão por parte dos cidadãos.

A Política do Direito, preocupada com a justiça, na dicção de

Reale137 procura pautar-se na ética, esta “entendida como doutrina do valor do

bem e da conduta humana que o visa realizar”, em incessante tarefa de forjar a

norma válida, para que alcance seu principal propósito, ou seja, a eficácia. Na

definição deste juspolítico138, eficaz é “o direito efetivamente observado e que

atinge a sua finalidade”.

Para o autor139, tem-se a preocupação da regra jurídica ser

amparada por um valor, mas sempre visando uma ação possível e realizável, em

que a possibilidade e a realizabilidade são, em suma, qualidades inseparáveis do

valor:

A regra jurídica, portanto, deve ter, em primeiro lugar, este requisito: deve procurar realizar ou amparar um valor, ou impedir a ocorrência de um desvalor. Isto significa que não se legisla sem finalidade e que o Direito é uma realização de fins úteis e necessários à vida, ou por ela reclamados.

Tem-se que considerar se a norma aparece calcada em

valores que encontrem eco no seio da sociedade, sendo por ela desejada como

forma legítima de realização de direitos e de resolução de conflitos e situações

que façam parte de seu cotidiano, assegurando, dessa forma, a sua adesão e a

verdadeira prática dos princípios por ela apregoado. Somente na medida em que

a norma se fizer necessária e útil, terá o aval da sociedade, gerando, em

conseqüência, o respeito e acatamento que deve, necessariamente, convalidá-la,

sem instar o conflito e a revolta ante um ordenamento que não condiz com a

realidade vivenciada. 137 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 37. 138 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. p. 59. 139 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 594.

49

No entendimento de Reale140,

É a razão pela qual, certas regras, repelidas com veemência ao serem promulgadas, dado seu caráter manifestamente injusto, perdem muito de sua novidade quando interpretadas como deve ser, não em si mesmas, mas em função de todo o Direito vigente.

Em decorrência de fatos semelhantes é que a Política do

Direito busca a adequação do Direito posto aos ditames da Justiça Social, para

que o sistema jurídico seja mais adequado aos anseios sociais. Efetivar a Justiça

deve ser a maior preocupação do Direito vigente, assim também se posiciona o

doutrinador Alf Ross do qual passaremos a explanar.

2.2.5 Política Jurídica na percepção de Alf Ross

Ross141 reconhece a Política Jurídica como doutrina

fundamentada na justiça: “o direito tem o seu objetivo em si mesmo: aperfeiçoar a

idéia de justiça a ele inerente. A Política Jurídica é a doutrina que ensina como

atingir esse objetivo”. O jurista142 consigna também: “(...) a política jurídica é um

ramo específico da política cultural, aquele ramo que está na idéia cultural

específica do direito”.

Ross143 identifica o problema da Política Jurídica como uma

questão de adequação, apontando “para uma mudança nas condições existentes,

nunca para uma reformulação radical do direito a partir de seus fundamentos em

direção do espaço vazio sem fundo histórico”.

Acresce que as questões político-jurídicas, em sentido

estrito, necessitam buscar premissas em sentido mais elevado, na tradição

cultural, no corpo de idéias compartilhadas e relativamente definitivas. “Uma das

140 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 594. 141 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 375. 142 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 375. 143 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 384.

50

formas mais importantes de se revelar essa tradição é a legislação prévia e a

tradição política como um todo144”.

Neste prisma145, sustenta:

A exigência programática deve também ser qualificada no sentido de que nenhuma investigação político-jurídica pode ser requerida começando por um resumo completo de todas as atividades hipotéticas aceitas. As atitudes e considerações146 relevantes para um problema legislativo se revelam, com freqüência, somente por meio da investigação dos efeitos causais de uma lei proposta.

De acordo com o entendimento de Ross, é necessário

observar o efeito das leis já existentes, para posteriormente identificar as

possíveis falhas e propor as devidas correções. E é nessas correções que o autor

menciona a aplicabilidade da Política Jurídica como uma doutrina que objetiva a

adequação do direito posto para que este cumpra seu objetivo maior que é a

realização da Justiça.

Na seqüência analisaremos a concepção de Política Jurídica

para a autora Dias, que tem como preocupação maior à efetivação da Justiça

Social.

2.2.6 A Política Jurídica para Maria da Graça dos Santos Dias

A Política Jurídica na concepção de Dias147 “é o espaço, por

excelência, do debate sobre o dever-ser do Direito”.

144 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 384. 145 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 384. 146 O que se denomina consideração é precisamente a combinação orgânica de uma crença

operativa e uma atitude de valoração. 147 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. p. 83.

51

Para a autora148, a avaliação e a criação do Direito, na

conformidade com os anseios sociais, não implica na volta ao modelo

jusnaturalista, mas sim:

Fundamentar o processo de avaliação e criação do Direito nas exigências da consciência jurídica da comunidade implica a superação do dogmatismo da Ciência de modelo positivista. Isto não significa um retorno ao paradigma jusnaturalista – que concebeu o Direito Natural como um metadireito- mas, a admissão do caráter histórico- cultural do Direito.

Dias149 complementa seu pensamento, a respeito dessa

questão, consignando que a Política Jurídica é o referente de apreciação crítica

do direito:

A proposição da Política Jurídica não consiste em resguardar a mitificação da Justiça, tal como desvelada no Jusnaturalismo, mas atualizar, resignificar seu sentido, enquanto categoria histórico-cultural; referente de avaliação crítica do Direito. Assim, o paradigma do Direito instituído vai sofrer a avaliação crítica de um novo paradigma.

A doutrinadora é favorável a avaliação e revisão do Direito

posto, adequando-o às necessidades básicas dos cidadãos, mas de forma

criteriosa e com adequação ao sentido de direito justo que porta a Sociedade.

A autora fundamentada em Calera150 reflete que é

imprescindível ao direito seu caráter valorativo, pois, trata-se de uma necessidade

vital, tendo em vista, que o direito trata da vida e da liberdade dos indivíduos.

Entende que o direito tem que alcançar sua fundamentação e sua finalidade, sem

perder de vista as aspirações sociais.

Calera considera que vincular o direito ao valor é dar razão

ao direito, e, que esta valoração está diretamente ligada à concepção de justiça,

148 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. p. 84. 149 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. p. 84. 150 CALERA, Nicolas Maria Lopes. Introducción al estudio Del derecho. 2. ed. Granada: Gráficas

del Sur, S/A, 1987. p. 190.

52

desta forma coloca a valoração do direito em qualquer circunstância

fundamentada em torno das relações de direito e moral e direito e justiça.

Segundo Dias, a reflexão crítica sobre o Direito posto não

visa desestabilizá-lo, mas adequá-lo à realidade e aos valores existentes na

sociedade, com vistas ao aprimoramento do Direito vigente, no sentido de vivificá-

lo. Salienta que legítimo é o Estado e o Direito que realiza a Justiça. E esta se

reflete no bem estar social.

2.3 A NATUREZA E AS FUNÇÕES DA POLÍTICA JURÍDICA

A Política Jurídica tem como compromisso permanente,

priorizar a adequação, a criação, ou a renovação do sistema jurídico, para que

realize o fim a que se propõe, no contexto social, conforme define Melo151:

(...), no exame das possibilidades da Política Jurídica quanto à renovação do sistema dogmático, não só de suas normas, mas dos conceitos informadores de seus sistemas e categorias, pois só assim, parece-nos seria possível fazer com que a busca da decidibilidade das demandas não se dirija, apenas a consagrar a segurança jurídica, mas também a garantir a justiça social.

Para Melo, a Política Jurídica surge para auxiliar a

evolução, a transformação, a correção e a criação da norma jurídica, objetivando

a convivência harmônica, a inclusão dos cidadãos nos processos de legitimação

da norma positivada.

A Política Jurídica preocupa-se desde o nascimento da

norma, não visando apenas a sua adequação, mas sua tenra criação, para que a

norma já nasça preocupada em atender os anseios dos indivíduos, dos grupos,

comunidade, sociedade conforme Melo152 pondera:

151 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. p. 17. 152 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. p. 19/20.

53

(...) No campo da práxis, a Política Jurídica se interessa pela norma, desde a sua forma embrionária no útero social. Os valores, fundamentos e conseqüências sociais da norma são suas principais preocupações. Para ela, dentro dessa dimensão prática e imediata, importante é alcançar a norma que responda tão bem quanto possível as necessidades gerais, garantindo o bem estar social pelo justo, pelo verdadeiro e pelo útil, sem descurar da necessária segurança jurídica e sem por em risco o Estado de Direito.

Melo menciona a necessária preocupação que se deve ter

com relação a norma jurídica, para que esta já nasça legitimada pela sociedade e

com o objetivo final de efetivar a Justiça social, de forma a garantir a segurança

jurídica.

Já para Ross153, a natureza da Política Jurídica não é

delimitada de forma específica, contendo um objetivo peculiar, mas reconhece

sua natureza particular como sendo condicionada:

(...) tem que se achar condicionada por um corpo particular de conhecimentos, que é relevante logo que a técnica do direito seja empregada para a solução de problemas sociais, independente do objetivo destes. Este corpo especial de conhecimentos só pode ser buscado no conhecimento sociológico-jurídico que versa sobre a conexão causal do direito e a conduta humana.

O doutrinador154 adiciona, que a primeira tarefa da Política

Jurídica consiste em examinar os objetivos e atitudes que, de fato, prevalecem

nos grupos sociais influentes e determinantes para os órgãos legislativos. E

completa155:

A tarefa da Política Jurídica consiste em lograr um suave ajuste do direito às condições técnicas e ideológicas modificadas, com a consciência jurídica como estrela polar. É mister preservar a continuidade na tradição jurídica e tentar, ao mesmo tempo, satisfazer novas aspirações.

153 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 377. 154 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 383. 155 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 429/430.

54

O pensamento de Ross assemelha-se em um ponto com o

de Kelsen, quando ambos identificam a Política Jurídica como sociologia. Para

Kelsen, ela é sociologia no que tange ao dever-ser. Já para Ross, é a sociologia-

jurídica aplicada ou técnica jurídica.

A natureza da Política do Direito é axiológica, pois é na

questão do valor que busca sua autenticidade para firmar-se no mundo jurídico

como disciplina autônoma.

Oliveira identifica a Política Jurídica como um saber

essencialmente prático, mas de natureza teórica. E complementa156: “Embora se

possa extrair da política jurídica um saber essencialmente prático, há nela uma

natureza completamente teórica, em virtude do conjunto de seus conceitos e da

estrutura nocional que encerra”. Ou seja, o seu estudo constitui, assim “(...)

verdadeira ciência de conteúdo estritamente teórico, mas, enquanto voltada para

um objeto operável, pertencerá ao gênero prático”.

Visualiza-se que a Política Jurídica, apesar de possuir

natureza teórica, sua aplicação está diretamente ligada ao campo prático, pois é

neste campo que possibilitará ao operador jurídico utilizar-se de seus

fundamentos teóricos. Passar-se-á a análise de seu objeto, bem como seu

objetivo.

2.4 OBJETO E O OBJETIVO DA POLÍTICA JURÍDICA

O objeto da Política Jurídica, para Melo, encontra-se no

campo do deve-ser, posicionado frente ao atual ordenamento, visando a

concretização de normas adequadas, justas, de caráter utilitário e valorativo,

embasado na ética. O mesmo jurisconsulto aponta a necessidade do conceito de

valor na definição do objetivo e objeto da Política Jurídica.

156 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 112.

55

Já para Ross157, a Política Jurídica não tem um objetivo

especifico, mas sim a necessidade de uma técnica específica: “a política jurídica

não é determinada por um objetivo específico, mas por uma técnica específica:

abarca todos os problemas práticos que surgem do uso, para o atingimento de

objetivos sociais, da técnica do direito, em particular da legislação”.

No entendimento de Oliveira158, “O objeto da política jurídica

é uma verdade operável desde a perspectiva da juridicidade”. E o conhecimento

político não teria outro objetivo senão definir retamente e pôr em prática os meios

de governo mais adequados para que as condutas humanas, não se desviem do

bem comum.

Segundo o mesmo jusfilósofo159, “O objeto real, que também

exige preocupações metafísicas, permanece o mesmo: a produção do direito

numa ordem social justa”.

Nesta trilha, o autor160 enfoca que a Política Jurídica deve

sempre atuar no plano ético-jurídico, em que os bens almejados pelo homem

devem estar em consonância com a reta razão, e não bens no seu aspecto

imediato e psicológico, simplesmente úteis e deleitáveis, que não coincidem com

aqueles. “No plano ético, o bem é moral; no plano jurídico, o bem se torna o

justo”161.

Na lição de Perez162, o objeto da Política Jurídica está na

adequação entre Política e Direito, consignando que: “a discordância entre

Política e Direito é a discondância entre fins e meios de regulação da vida social

157 ROSS, Alf. Direito e justiça. p. 375-376. 158 Oliveira, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 40. 159 Oliveira, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 185. 160 Oliveira, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 289. 161 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 289. 162 PERÉZ, Pascual Marím. La política del derecho. Barcelona: Bosh, 1963. p. 11.

56

humana e que a adequação entre esses fins e meios seria o objeto da Política

Jurídica”.

Entende-se que a Política Jurídica tem como objeto a busca

do dever ser frente ao ordenamento, numa incansável procura para que as

normas vigentes sejam mais justas e éticas, de forma a valorizar seu caráter

utilitário.

2.5 FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA POLÍTICA JURÍDICA

Para Reale163, Epistemologia “é a teoria de cada ciência”

(...). Ainda segundo o mesmo164, é o estudo “do conhecimento relativo ao campo

de pesquisa de cada ramo das ciências”. Este conceito é o que será adotado no

desenvolver desta pesquisa.

A Política do Direito não busca seus fundamentos

epistemológicos no positivismo, mas na história, de acordo com o pensamento de

Melo165:

Em vez de compromissos tão só com o método, prefere a inserção do Direito na História, portanto na vida social, com todos seus imprevistos. É a lição Waratiana: ‘Agora a tarefa que se impõe ao investigador do Direito é a de construir uma nova prática objetiva que, desmascarando a auréola de abstração das teorias dominantes, mostra sua história efetiva como fundamento de sua existência e possibilidade’. Essa posição epistemológica da Política Jurídica tem enormes implicações, pois, admitindo uma racionalidade fora do positivismo, e trabalhando com abordagens interdisciplinares, redimensiona a visão tradicional das fontes do Direito (...).

A Política Jurídica, busca na evolução social, nos novos

paradigmas seus fundamentos epistemológicos, de forma a aprofundar o

conhecimento, possibilitando um saber mais abrangente.

163 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 31. 164 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 32. 165 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 70.

57

O referido autor166, quando trata da função epistemológica

da Política do Direito, divide esta função em duas etapas distintas:

A primeira se realiza na crítica ao direito vigente, cujos princípios, normas e enunciados devem ser cotejados com critérios racionais de Justiça, Utilidade e Legitimidade, sem que seja preciso apelar para quaisquer justificações de natureza metafísica ou para proposições neo-anarquistas que possam desconstruir o território duramente já conquistado do Estado de Direito. A segunda atividade é buscar, em fontes formais e informais, as representações jurídicas do imaginário social que se legitimem na Ética, nos princípios de Liberdade e Igualdade e na Estética da convivência humana.

Na reunião das pesquisas epistemológicas da Política

Jurídica, promovem-se tanto questões de natureza científica, como a validade e a

eficácia da norma, quanto questões de cunho filosófico.

Oliveira167, demonstra a necessidade de um labor filosófico

mais aprofundado para a fundamentação da Política do Direito e não apenas a

preocupação com a questão dos métodos, pois, grande parte de seus problemas

não se resolve apenas com o emprego da ciência:

Há um nível fundamental, o filosófico, (...) que investiga mais profundamente a realidade jurídica, na sua essência e nos seus fundamentos, um nível propriamente científico, operando num plano de abstração fenomênica, com suas concepções críticas e valorativas, e, finalmente, no limite fronteiriço em que o conhecimento se transforma em atividade, no próprio momento realizador daquela decisão, num nível prudencial.

Nessa linha, Oliveira168 observa que para a Política Jurídica

cumprir sua função científica precisa estar “orientada, portanto, para a análise e

para a resolução de problemas concretos, quer pela via legislativa, quer pela via

judicial”. Conclui que desse primeiro elemento epistemológico pode-se extrair “(...)

duas realidades fundamentais sobre as quais a política do direito deve formar

sedimentos teóricos: tradição e opinião pública”. 166 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 131. 167 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 131. 168 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 191.

58

Oliveira169 também afirma ser imprescindível:

(...) que a pesquisa jurídico-político arroste método próprio, desde que às perspectivas ou diversas formas de intelegibilidade que vão revelando, em níveis cada vez mais profundos, o seu objeto. Essas características epistemológicas apresentam-se, no prisma científico, como: a) referencia à realidade prática, b) teorização dos princípios e c) condicionamentos aparentes.

2.6 FUNDAMENTOS AXIOLÓGICOS DA POLÍTICA JURÍDICA

Segundo Reale170, Axiologia “pressupõe, porém, problemas

concernentes à essência de ‘algo’ que se valora e às condições do conhecimento

válido, assim como põe problemas relativos à projeção histórica do que é

valorado”.

Consoante o mesmo juspolítico171, “segundo o prisma dos

valores dominantes, a Axiologia se manifesta, pois, como Ética, Estética”.

De acordo com Melo172, as “preocupações axiológicas do

político-jurídico fazem-no analisar a validade material da norma sob dois

aspectos: do justo e do útil”. Sem submeter o justo ao útil, também não

privilegiando o caráter individual do útil, distinguindo a ética humanística da moral

teológica.

É imprescindível neste campo de reflexão que não se

confunda a concepção de moral com a concepção de ética. Para uma melhor

compreensão desses conceitos, citamos Pasold173.

A moral como uma disposição subjetiva de determinação do que é correto e do que é incorreto, e, sob tal pressuposto, estabelece uma noção do Bem e do Mal e a ética pode ser entendida como a

169 OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. p. 188. 170 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 37. 171 REALE, Miguel. Filosofia do direito. p. 37. 172 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 118. 173 PASOLD, César Luiz. O advogado e a advocacia: uma percepção pessoal. Florianópolis:

OAB/SC Editora, 2001. p. 141.

59

atribuição- também subjetiva- de valor ou importância a pessoas, condições e acompanhamento e, sob tal dimensão, estabelecer uma noção específica de Bem a ser alcançada em determinadas realidades concretas, sejam elas institucionais ou sejam as históricas.

Oliveira, afirma estar faltando nos indivíduos justamente

esse enfoque teológico, o qual coloca como imprescindível. No seu entendimento

o direito natural e a teologia são às bases da sociedade e também da Política do

Direito. Salienta, a necessidade de um retorno a esses fundamentos para justificar

uma nova ordem vigente. Considera a teologia e o direito natural como um dos

principais fundamentos axiológicos da Política Jurídica. Reconhece como

necessário, o caráter metafísico, o que muitos pensadores renegam em suas

teorizações no campo da Política Jurídica.

Através da presente pesquisa a respeito dos fundamentos

da Política Jurídica foi possível identificar seu objeto, bem como seus

fundamentos e possibilidade de aplicação de seus ensinamentos pelo Político do

Direito nas várias áreas de atuação deste.

A Política do Direito tem como busca constante o Direito

ideal, que procura consolidar seus pilares na vida da sociedade, sem nunca

deixar de observar os fundamentos axiológicos que estão referidos à vida social.

Após a apresentação do conceito, sua natureza, seu objeto e objetivo, bem como,

seus fundamentos, no campo epistemológico e axiológico se fará uma incursão,

de forma breve, pelas teorias de produção do direito, no campo legislativo e

judiciário, para então apresentar como o operador do direito, pode atuar como

dogmático e como político jurídico.

CAPÍTULO 3

A PRODUÇÃO DO DIREITO E O PAPEL DO OPERADOR JURÍDICO

3.1 TEORIA DA PRODUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO: ASPECTOS GERAIS DA RACIONALIDADE DA PRODUÇÃO LEGISLATIVA DO DIREITO

O poder legislativo ordinário, no entendimento de Bobbio174,

detém a competência legislativa para elaborar normas pautadas nos critérios

constitucionais:

aparece como o poder delegado para emanar normas segundo as diretrizes da Constituição; a mesma relação de delegação pode-se ver entre o poder legislativo e o poder judiciário; este último pode ser considerado o poder delegado para disciplinar os casos concretos, dando execução às diretrizes gerais contidas na lei.

No entanto, pode-se observar que na atualidade o poder

judicial não é apenas um robô para efetuar os comandos legislativos.

A tarefa do legislador, no entendimento de Ross175, é

“motivar os seres humanos a certo comportamento desejado”. Com essa postura,

procura elaborar leis que regulem a vida em sociedade e que permitam aos

indivíduos conviver em harmonia. Por mais que se saiba que na elaboração das

leis, não existe a efetiva contribuição dos cidadãos. Entretanto, a legitimidade da

norma, que deveria resultar do próprio clamor dos sujeitos frente a realidade em

que vivem, (pois, sua finalidade é de regular a vida em sociedade, e, não para um

indivíduo idealizado), na prática, isto não ocorre. Consoante com este

174 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,

Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 165. 175 ROSS, Alf. p. 404.

61

pensamento, Oliveira176 pontua que: “a lei não se faz para o cidadão anônimo ou

idealizado, senão para o indivíduo real e concreto, cujas práticas de vida

comunitária vão formando concretamente características próprias”.

Decorrente disto constitui-se um amplo ordenamento

jurídico, do qual a grande maioria da população não tem conhecimento e nem

discernimento para compreender a intenção do legislador. Na realidade, há leis

que mesmo os detentores de conhecimento jurídico não alcançam a real

pretensão do legislador.

A produção legislativa, defendida pelo direito positivo, é

considerada a única fonte legítima para a produção normativa, eis que decorre da

própria Carta Magna que lhe concedeu tais poderes.

A grande base para a defesa da produção normativa pelo

legislativo é decorrente dos defensores do Iluminismo, do Historicismo, do

Utilitarismo e do próprio Positivismo, por considerarem a fonte mais segura e

menos passível de arbitrariedades. Base, que, no entanto, não foi suficiente para

erigir o direito que “deve ser”, como propõe a Política Jurídica.

Sob este aspecto, Austin, apud Bobbio177, combate a

produção judiciária, por considerá-la de difícil controle, podendo existir uma

pluralidade de regras a serem seguidas, dificultando ao cidadão saber qual delas

deverá cumprir, gerando uma grande insegurança na própria legislação. Na ótica

do mencionado jurista, a produção legislativa, no entanto, possui uma maior

facilidade de cumprimento.

176 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. Itajaí: UNIVALI, 2001. p. 44. 177 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,

Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 111/112.

62

Para formular uma teoria da legislação analisou-se a obra de

Atienza178, na qual o autor identifica os níveis de racionalidade da produção

legislativa.

A teoria da legislação ocupa-se com o processo de

atividade, cujo resultado é a produção normativa. Dirige-se aos políticos

(membros do poder legislativo), aos técnicos (funcionários da administração), que

asseguram a redação correta destas normas, e tem como objetivo explicar o

fenômeno da legislação numa perspectiva geral. Possui também uma pluralidade

de funções, que vai da descrição da atividade legislativa, como também explicar,

criticar e propiciar medidas de aperfeiçoamento da norma. Tendo um caráter

prático. O autor menciona a existência de cinco níveis de racionalidade, a saber:

1°) Uma racionalidade comunicativa ou lingüística, em

que o emissor deve ser capaz de transmitir com fluência uma mensagem ao

receptor. O sistema jurídico é essencialmente um sistema de informação, no qual

o editor e o destinatário das leis são, respectivamente, emissor e receptor das

mensagens. Este consistirá em uma série de enunciados lingüísticos organizados

a partir de um Código, comum tanto ao emissor como ao receptor. O autor179

observa que uma norma pode não ser clara, para quem tem que obedecê-la (ex.

uma norma fiscal), mas isto não significa que a mesma contenha defeitos

lingüísticos. Todavia, a norma pode ser clara para assessores fiscais. A norma

também pode conter defeitos sintáticos ou obscuridades semânticas, ou mesmo

que os destinatários não possuam nível de preparação para entender o conteúdo

da norma. Para evitar possíveis erros, é imprescindível conhecimento procedente

da lingüística, da lógica, da informática, da psicologia cognitiva, para evitar erros

de inferência. Mencionada técnica possibilitará que o redator tenha uma visão

clara do conjunto da norma, evitando lacunas ou incoerências, conforme pontua

Atienza180.

178 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. Madrid: Civitas, 1997. p. 21. 179 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 28-29. 180 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 32.

63

2°) Uma racionalidade jurídico-formal- a nova lei deve ser

inserida de forma harmoniosa no ordenamento jurídico. Para Atienza181, neste

nível de racionalidade, entende-se o sistema jurídico como um conjunto de

normas validamente estabelecidas e estruturadas em um sistema, cujo fim da

atividade legislativa é a sistematicidade. Através dela o Direito agirá como um

mecanismo de previsão da conduta humana e de suas conseqüências, como um

sistema seguro. Acrescenta o autor, que as idéias de segurança e previsibilidade

em si mesmas, implicam em um valor, (pois sem um mínimo de segurança não

haveria Direito, nem leis e nem organização social). Porém, este valor é gradual e

remete a outros valores como liberdade e igualdade. Este nível de racionalidade

da atividade legislativa deve aprimorar a lógica jurídica, melhorando a própria

técnica jurídica.

3°) Uma racionalidade Pragmática- a conduta dos

destinatários tem que se ajustar ao prescrito na lei. Neste nível de racionalidade o

autor182 demonstra que o editor é essencialmente o soberano político, entendido

como tal, quem tem poder para ser obedecido. E os destinatários são aqueles que

prestam obediência (ativa ou passiva), àqueles a quem a lei se destina, porém, à

medida em que amoldam seu comportamento ao que está prescrito na lei. Neste

nível, o ordenamento é visto como um conjunto de normas eficazes, como um

conjunto de comportamentos e de atos. Considera-se uma lei irracional, neste

nível, à medida que fracassa como diretiva, ou seja, em seu propósito de influir no

comportamento humano.

4°) Uma racionalidade teleológica- Aqui o autor183

menciona que a lei precisa alcançar os fins sociais perseguidos. Neste nível de

racionalidade, os editores são os portadores dos interesses sociais, particulares

ou gerais, que são traduzidos em leis. E os destinatários das normas não são

unicamente os particulares, ou os órgãos administrativos (a que se dirige a

disposição normativa), mas os indivíduos ou grupos comprometidos com o

cumprimento da norma. Aqui o que se pretende não é verificar se o Direito

181 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 32. 182 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 36. 183 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 36.

64

persegue certos fins, mas se os fins perseguidos são os fins que deveria

perseguir. Neste nível de racionalidade, uma lei é considerada irracional na

medida que não produz efeitos, ou produz efeitos não previstos e que não podem

ser considerados como desejáveis.

Neste passo, vale lembrar o que já se disse, linhas atrás,

repetindo o ensinamento de Oliveira184 no sentido de que a Política do Direito tem

por fim adequar a norma ao contexto social, para uma melhor equacionar o direito

posto frente a dinâmica social.

5°) Uma racionalidade ética- Cabe a este nível de

racionalidade, na ótica de Atienza185, verificar se os editores são vistos sob o

ponto de vista de quem é legitimado e em quais circunstâncias são legitimados

para exercer poder normativo sobre os outros, pois as condutas prescritas e os

fins das leis pressupõem valores que tendem a ser suscetíveis de justificação

ética. Os valores éticos são as idéias que permitem justificar tais fins. O autor

referido considera uma lei irracional se não está justificada eticamente, ou seja,

quem ditou a norma carece de legitimação ética, ou a norma prescrita não

prescreveu o que moralmente seria obrigatório prescrever. Segundo Atienza186,

este nível de racionalidade desenvolve uma função mais negativa do que

construtiva. Cujo nível, diferente dos demais níveis, não gera nenhuma técnica

legislativa específica. O único instrumento que dispõe a ética é o discurso moral.

Atienza187 observa que a dificuldade de distinguir claramente

os momentos de produção, de interpretação e de aplicação das normas dificulta a

distinção entre as duas teorias. Acrescenta que, quando se produz novas leis,

também ocorre a interpretação e a aplicação das já existentes. Mas afirma que

tanto na Dogmática como na Teoria da legislação não se explica um fenômeno,

mas, como é possível produzir um resultado, observadas certas condições, no

184 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: proposta epistemológica para a

política do direito. 2001, p. 44. 185 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 39. 186 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 39. 187 ATIENZA, Manuel. Contribución a una teoría de la legislación. p. 21.

65

que tange à realidade, é possível obter resultados práticos valendo-se de certos

conhecimentos e dados prévios.

A busca da verdade passa, necessariamente, pela

observação racional da realidade, ou seja, dados ou conhecimentos já adquiridos.

É deste procedimento racional que se tratará no próximo item.

3.2 TEORIA DA PRODUÇÃO JUDICIAL DO DIREITO: ASPECTOS GERAIS DA RACIONALIDADE DA PRODUÇÃO JUDICIAL DO DIREITO

Inicialmente, define-se a racionalidade, para tratar da

produção judicial do direito, valendo-se do entendimento de Teixeira188: “(...) na

singular capacidade da mente humana em buscar a verdade. Isto seria possível

através da adoção de uma forma de pensar capaz de estabelecer uma relação de

necessidade entre os pontos de partida e os pontos de chegada”. A produção

judicial do Direito, também possui seus pontos de partida e chegada. Essa

relação de necessidade, acima mencionada, na produção judicial está

diretamente ligada aos novos paradigmas por que passa a humanidade, pois, se

a sociedade está se transformando, o Direito há de acompanhar essas

transformações. Ao juiz caberá a definição das demandas que chegam ao seu

conhecimento de forma a ligar os pontos, acima referidos, da lei com as

necessidades e singularidades das demandas em questão, possibilitando, desta

forma, uma decisão com racionalidade, mas, acima de tudo vinculada à

realização efetiva da justiça.

Para o positivismo jurídico, falar em Produção Judicial do

Direito é algo inequívoco, pois, consideram a jurisprudência, por exemplo, não

uma produção ou criação, mas apenas uma interpretação da norma existente no

mundo jurídico.

188 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. São Paulo: Editora Juarez

de Oliveira, 2002. p. 7.

66

A respeito, Bobbio189 observa: “(...), a atividade da

jurisprudência como sendo voltada não para produzir, mas para reproduzir o

direito, isto é, para explicar com meios puramente lógico-racionais o conteúdo de

normas jurídicas já dadas”. Tal posicionamento da corrente positivista equipara a

jurisprudência com a Ciência Jurídica, que tem como tarefa esta interpretação do

direito posto.

Kelsen190 quando explana a respeito da interpretação divide-

a em duas espécies: “a interpretação do Direito pelo órgão que o aplica, e a

interpretação do Direito que não é realizado por um órgão jurídico, mas por uma

pessoa privada e, especialmente, pela Ciência Jurídica”.

Toda norma positivada, que se encontra inserida no

ordenamento jurídico, deixa margem à interpretação, podendo ser expressa por

diferentes doutrinas, não possuindo, nenhuma delas um caráter exclusivo. Isto

possibilita que seja interpretada, de forma diversa, dependendo de quem a está

traduzindo. Esta característica da norma jurídica apresenta uma forma de criação

do direito.

Neste sentido, Ross191 define:

A autoridade que administra o direito, em particular o juiz, se sente obrigado pelas palavras da lei e as outras fontes do direito. Todavia, estas sempre deixam espaços para a interpretação, e a norma jurídica concreta na qual se traduz a decisão, é sempre criação no sentido de que não é mera derivação de regras dadas.

Tratando da interpretação, Arnaud, apud Melo192,

acrescenta: “A natureza da interpretação é fazer progredir o direito: sem

interpretação originária, o sistema jurídico se acha congelado; sem interpretação

devida o mecanismo corre o risco de se achar bloqueado”.

189 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad. Márcio Pugliesi,

Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. p. 212. 190 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 388. 191 ROSS, Alf. p. 380. 192 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre. Sergio Antonio

Fabris/CPGD/UFSC, 1994. p. 76.

67

O direito precisa ser criativo, conforme o alerta de Arnaud

apud Melo193 “(...) a vida sócio-jurídica do século é constituída pela intersecção

das diferentes linhas de fronteiras e o respeito de uma implica necessariamente a

violação de outras”. E adiciona: “O juiz que tiver uma postura criativa, com relação a

essa fenomenologia, ajudará a construir o direito justo porque o trabalho de interpretação

que aproveitar todas as fontes legítimas de Direito será muito mais conseqüente e capaz

de ganhar consenso social”.

Reale194 coloca como dever moral do juiz o cumprimento da

lei, mas reconhece também como seu dever: “reconduzir a lei singular à inteira

razão objetiva que se exprime e se concretiza na experiência jurídica, em todo

ordenamento do mundo do Direito, em todos os princípios que o sustem. É esta a

moralidade verdadeira do jurista”.

No decorrer do estudo, foi possível verificar algumas críticas

frente à produção judicial do direito.

Austin, no entendimento de Bobbio195, apresenta algumas

objeções a tal criação: “(...) a produção do direito judiciário não pode ser

controlada pela comunidade política, enquanto a do direito legislativo, permite tal

controle”. Todavia, reconhece que o poder judiciário não está totalmente

desprovido de controle, pois possui órgãos superiores aos quais está sujeito. A

falta de controle argüida pelo autor está intimamente relacionada com o controle

político.

Outra objeção apresentada por Austin, apud Bobbio196,

refere-se ao conhecimento da Lei por parte da população. Considera o direito

judiciário de difícil acesso se comparado com o legislativo. O mesmo autor197

também acresce: “(...) o direito é freqüentemente emitido ex post facto (isto é,

com eficácia retroativa)” ou seja, ao deparar-se com um conflito que não encontra 193 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre. Sergio Antonio

Fabris/CPGD/UFSC, 1994. p. 76. 194 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 596. 195 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 110. 196 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 111. 197 BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. p. 111.

68

fundamento na norma, irá “criar” uma norma para dirimir tal conflito. Tal

posicionamento foi também defendido pela Escola da Exegese.

Na atualidade, o que se observa é que as políticas que

orientam o ensino do Direito, e que deveriam ser fontes motivadoras de políticas

sociais, apenas reproduzem o conhecimento formal (dogmático), não propiciando

ao graduando dos cursos de Direito a elevação do conhecimento para outros

campos além do positivismo, postura necessária para que os futuros operadores

do Direito possuam realmente uma consciência jurídica capaz de operar

transformações no meio em que estejam inseridos.

De acordo com o pensamento de Souto198, a maior

dificuldade encontrada na possibilidade de produção jurídica, por parte do poder

judiciário, está no grande obstáculo do formalismo, que o próprio ensino das

escolas de direito estimula:

Uma abertura significativa do sistema judicial -ou, se prefere, do subsistema judicial - a dados de ciência empírica tem o seu grande obstáculo no formalismo jurídico, que não é algo meramente teórico, mas tem o poder das leis, dos juízes e das autoridades administrativas, e assim dispõe de forte influência social. E, pois, se reproduz poderosamente a si mesmo através de uma educação jurídica quase exclusivamente feita em termos formais.

Pode-se definir que quando o autor refere-se ao próprio juiz,

como barreira a uma abertura do direito, está tratando dos juízes como altamente

dogmáticos e presos a secundum legem. Consoante com o mesmo tema,

Oliveira199 observa que, mesmo a mais sublime obra do legislador não produzirá

efeito se os juízes não possuírem o espírito de colocá-las em prática. Atualmente,

é possível encontrar, no judiciário brasileiro, juízes que não mais compartilham de

tal pensamento, caracterizando uma nova forma de ver o direito. Souto200 também

identifica como fato novo:

198 SOUTO, Cláudio. Ciência e ética no direito: uma alternativa de modernidade. 2. ed. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 72. 199 OLIVEIRA, Gilberto Callado. p. 232. 200 SOUTO, Cláudio. Ciência e ética no direito: uma alternativa de modernidade. p. 85.

69

Vários juízes mais jovens já receberam nos bancos acadêmicos esse tipo de educação jurídica, se bem que em muito menor dosagem que a educação jurídica dogmática tradicional. Esses juízes tendem a ver o julgamento praeter legem como algo perfeitamente natural e a encarar a própria decisão judicial contra legem como algo socialmente existente, embora excepcional, e inevitável em sua excepcionalidade.

Todavia, o comportamento por parte dos operadores do

direito é decorrente da falta de observância das Universidades em criar nos

graduandos um sentido mínimo de mentalidade científica substantiva que leve o

prático do direito a uma abertura sistemática - e não apenas autodidática e

eventua l - aos dados científicos201.

Nesta vertente, Souto202 complementa, consiguinando que

um Curso Superior que “não contribui significativamente à mudança de uma

mentalidade academicamente conservadora, tradicional, para aquela de uma

abertura a inovações, está já nisso contribuindo para a reprodução do

conservadorismo acadêmico”. No entanto, o autor afirma haver a possibilidade de

uma abertura para o social, por parte do juiz, ao ver a atividade judicante também

como uma técnica científico-substantiva, pode contrariar a tradição ideológica

profissional do juiz de uma alegada exclusividade cognitiva, entendida

formalmente, mas será decerto uma exigência da racionalidade científico-

empírica, a qual facilitará a incursão do juiz ao social.

Neste diapasão, Bottan203 e Silva, explicitam: “São notórias

e antigas, aliás, as críticas que se fazem às formas tradicionais de positivismos

legalistas, próprias da civilização burguesa liberal”. Na interpretação destes

juristas, são produtoras de sistemas jurídicos que defendem tão somente pelo

abrigo das liberdades e igualdades abstratas e formais. Segundo os mesmos, a

tutela processual é apenas formal e retórica, à medida, em que, de maneira

acelerada, se distancia da vida social. E ainda: O Juiz deve servir à justiça,

201 SOUTO, Cláudio. Ciência e ética no direito: uma alternativa de modernidade. p. 75. 202 SOUTO, Cláudio. Ciência e ética no direito: uma alternativa de modernidade. p. 77. 203 BOTTAN, A.C.; SILVA, M. M. da. O conceito de justiça segundo o pensamento de Immanuel

Kant na criação judicial do direito In: II SEMANA DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DO CURSO DE DIREITO, 2004. Itajaí. Anais da semana de Divulgação do CEJURPS. Itajaí: UNIVALI, 2004, p. 29.

70

respeitar e descobrir a verdade e não priorizar outras vontades subalternas ou

secundárias, nem mesmo apelar a um silogismo, no intuito de sacrificar a

verdade, ou disfarçar e encobrir a realidade visível, através de atos de hipocrisia

simulada. O meio a ele conferido, para a resolução dos conflitos não é apenas a

lei, nem sua consciência isolada, mas os princípios do Direito204.

Em consonância com este entendimento, destaca-se a

posição do juiz federal David Diniz Dantas205, de Ribeirão Preto, que afirma estar

na árdua tarefa de tornar a justiça mais humana, invocando os princípios na

solução dos conflitos quando a lei não corresponde ao caráter de justiça ou

possua lacunas, que inviabilize a efetivação da justiça ao caso singular que está

apreciando. Cita, como exemplos de suas decisões dois casos singulares. Revela

que, se seguisse à risca o que está expresso na lei, prolataria decisões injustas.

Como primeiro exemplo, cita o caso de uma menina de um

ano e meio, que sofre de doença raríssima e que, sem um remédio importado,

não disponível na rede pública, morreria. Pelo que estabelece a lei, a criança não

teria direito ao medicamento gratuito - mas a Justiça Federal a contemplou com

base no princípio do direito à vida.

Como segundo exemplo, aponta a lei previdenciária, que

exige a idade mínima de 65 anos ou a invalidez, para que o contribuinte possa se

aposentar. A demanda que veio para a sua apreciação, é de um senhor que

sempre trabalhou no campo, desde os sete anos, sem carteira assinada, e que

aos 59 anos veio a requerer a aposentadoria. O juiz observa, que o demandante

era mesmo idoso, visivelmente idoso, e o princípio que estava por trás da decisão

era o de proteção ao idoso. Afirma o juiz que se aplicasse à lei consideraria

improcedente o pedido de um homem de 59 anos, que mais parecia um homem

de 80 anos e vivia da pensão de sua mãe, uma senhora de 94 anos. Como diz o

juiz a lei impede um julgamento justo para estes tipos de casos. Por mais singela

204 BOTTAN, Antonio Carlos. O conceito de justiça segundo o pensamento de Immanuel Kant na

criação judicial do direito. p. 31. 205 DANTAS, David Diniz. A humanização da justiça, Revista ISTO É, p. 7, maio. 2004.

71

que uma decisão judicial seja, há uma concepção filosófica por traz dela. E que

sem essa concepção filosófica o juiz não terá decisões efetivamente justas.

O caso a ser julgado precisa corresponder a uma concepção

de justiça do próprio julgador, subjetiva, individual, ser algo que a sociedade olhe

e compreenda. As decisões precisam aplicar o construtivismo ético, a decisão

não está pronta no texto da lei, a decisão precisa ser construída, para fazer

sentido aos cidadãos.

Afirma o juiz Dantas206: “Não adianta incluir na Constituição

princípios lindos de justiça social, de proteção aos pobres, se continuo aplicando

o legalismo formal”.

Diante de todo o exposto e de acordo com o entendimento

de Melo207, a produção da norma concreta pelo poder judiciário se dá através da

interpretação e da aplicação da lei. Na questão da interpretação (hermenêutica),

não apenas como interpretação decorrente das fontes do direito, mas como

observa Melo208: “ela mesmo como fonte do Direito, ao mediar conflitos e

colaborar para harmonizar a lei com a realidade social”.

Neste contexto é importante mencionar Arnaud209,que traduz

a natureza da interpretação como:

(...) fazer progredir o Direito: sem interpretação originária o sistema jurídico se acha congelado; sem interpretação devida o mecanismo corre o risco de se achar bloqueado. A questão do progresso do Direito está então intimamente ligada ao problema da natureza da interpretação.

Neste senda, Teixeira210 observa que apesar do êxito para

estabelecer os critérios objetivos para a decisão judicial, o apego à forma, ao que

206 DANTAS, David Diniz. A humanização da justiça, Revista ISTO É, p. 11, maio. 2004. 207 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 74. 208 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 74. 209 ARNAUD, André-Jean. O direito traído pela filosofia. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1990.

p. 193. 210 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. São Paulo: Editora Juarez

de Oliveira, 2002. p. 49.

72

está prescrito em lei, acabou por afastar o direito da justiça. As escolas

hermenêuticas abrangem uma perspectiva de possibilidade de o julgamento,

mesmo diverso da lei, seja possível, desde que ajustado à realização da justiça.

A justiça à que o autor se reporta é a justiça que se encontra

vinculada às necessidades dos indivíduos, aquela que visa a realização de um

bem, do que é justo, ao caso em tela. Diversa da justiça pregada pela Escola da

Exegese, que defende a justiça como a segurança jurídica proporcionada pelo

Estado. Neste sentido, acrescenta o autor211, “revela-se com isso a necessidade

da conciliação entre segurança e justiça no ato de interpretação-aplicação do

direito”. Daí a necessidade de transcender as raias do direito estatal, quando este

não alcance a realização da justiça212.

Não se pode perder de vista a observação de Dias213,

também, já destacada neste relatório, no sentido de que “A justiça caracteriza-se

como uma práxis humana, cuja pretensão é a resolução das questões próprias da

vida social”. Entendimento que revela a importância e fundamentos da Política

Jurídica.

Importante observar que ao mencionar-se a interpretação,

vale dizer que não são apenas para os casos de lacunas na lei ou mesmo de

inexistência de norma regulamentadora, há que se inserir a interpretação também

nos casos em que à aplicação da lei, nos moldes do pragmatismo, cause grande

injustiça social.

Imprescindível salientar que com as mudanças sociais que

estão ocorrendo na sociedade, vislumbra-se o dever do Direito de adaptar-se a

estas mudanças, dever este, que não pode ficar vinculado ao formalismo do

positivismo, mas sim, em possibilidades de resolução dos casos, não apenas

decorrentes do que a lei prevê, mas fruto da necessária análise do contexto social

em que o caso está inserido.

211 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 51. 212 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 51. 213 DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. p. 70.

73

Para que esta perspectiva se torne efetiva e paulatinamente,

vá tomando força na aplicação do Direito, tem-se a Política Jurídica, com seus

fundamentos e princípios, caracterizada, principalmente pela prescrição de

legitimação do Direito, pela sociedade, possibilitando uma maior observância e

respeito às normas postas.

Teixeira214 observa que Kelsen “parte da distinção Kantiana

entre o mundo do ser (Sein) e o mundo do dever-ser (Sollen). Essa distinção

torna possível a formulação de duas categorias diferenciadas de juízos. De um

lado, os juízos descritivos, de outro lado, os juízos prescritivos”.

Os juízos descritivos denotam algo que ocorre na natureza.

Seus pressupostos estão internamente ligados à certificação da verdade. Os

juízos prescritivos, diferentes daqueles, estão vinculados ao critério de validade

da norma jurídica.

Diz-se então que uma lei natural, expressão de um juízo descritivo, como são as leis químicas ou físicas, será verdadeira se houver uma verdadeira correspondência entre o conteúdo enunciado e a realidade dos fatos empiricamente observáveis. Inexistente tal correspondência, a lei é falsa215.

Por outro lado, Teixeira216 pontua:

Os juízos prescritivos não são passíveis de avaliação pelo

critério de verdade. Sua durabilidade é assegurada através dos critérios

específicos de validade normativa. Ou seja, uma prescrição não pode ser

considerada verdadeira e nem falsa. Mas exatamente será válida se houver sido

estabelecida de acordo com os critérios superiores, ou inválida, se tais critérios

não forem observados.

Observa o autor217, no universo do ser, as questões são

avaliadas pelo preceito da ordem meramente causal, através dos juízos de

214 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 55. 215 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 56. 216 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 56.

74

realidade, como os que descrevem fenômenos físicos. Por outro lado no mundo

do dever-ser, trata-se não de descrições, mas sim, de prescrições “orientadas por

finalidades perseguidas218”, revelando-se assim o evidente conteúdo ético dos

juízos.

É mister avançar no sentido da construção de uma teoria

jurídica verdadeiramente consistente. Coelho219 demonstra que “tanto o jurista

comprometido com uma luta insurrecional quanto o defensor do modelo burguês

de sociedade, desenvolvem, ao interpretarem uma norma jurídica, um mesmo

trabalho de elaboração teórica, de cunho exclusivamente retórico”.

Vale salientar que a tarefa da hermenêutica encontra-se

associada à pacificação social, possibilitando identificá-la como agente que atua

no sentido da ‘domesticação’ dos conflitos sociais220.

Sintetizando o estudo da hermenêutica na interpretação e

aplicação do direito, Aarnio, apud Teixeira,221 assevera: “Na verdade, o ato

hermenêutico não consiste exatamente no desentranhamento de um significado

contido na lei e nem na vontade do legislador. Mais do que encontrar um sentido

oculto na norma, a tarefa do hermeneuta consiste em dar sentido à norma”.

Para tanto Melo222 propõe a construção de uma nova ordem,

para auxiliar na correta interpretação da norma ao caso concreto, ou na criação

do direito, que leve em consideração uma nova forma de pensar, uma Política

Jurídica descomprometida com formas e paradigmas em perecimento.

Theodor Viehweg, citado por Teixeira223, introduzindo novas

perspectivas de análise do jurídico, explica que o problema é algo determinado à

priori, e que atua como orientador. Seria, assim, uma questão que aparentemente

217 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 56. 218 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 56. 219 COELHO, Fábio Ulhoa. Direito e poder. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 113. 220 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 69. 221 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 81. 222 MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política jurídica. p. 19. 223 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 82.

75

admite mais de uma resposta e que requer um reconhecimento prévio, tomando-

se um aspecto da questão para a qual há que se buscar uma resposta:

A mudança de referencial teórico acontece através da rearticulação da metodologia jurídica em torno da tópica aristotélica e ciceroniana em contraposição ao método sistemático tradicional. Assim, a tópica representa uma técnica de pensamento por problemas, desenvolvida pela retórica, sendo desenvolvida então em um contexto nitidamente cultural. É, portanto, uma técnica de pensamento que se orienta para o problema e não para o sistema.

Como afirma Ferraz Junior224, existe uma íntima correlação

entre sistema e problema, mas isto não determina que um ou o outro pólo da

relação possa ser acentuado. As várias formas de salientar a relação determinam

as diferenças entre o pensamento sistemático e o pensamento problemático.

Complementando seu pensamento, Ferraz Junior225, refere-

se à jurisprudência, afirmando :

(...) a tópica vinculada à jurisprudência fez desta menos um método e mais um estilo de pensar, que dizia respeito mais a aptidões e habilidades e que se reproduzia por imitação e invenção, na medida em que constituía para os juristas, uma atitude cultural de alto grau de confiabilidade nas suas tarefas práticas.

A tópica poderá auxiliar na experiência da jurisprudência,

pois trabalha com conceitos basilares de demonstrativa força persuasiva,

variáveis no tempo e no espaço.

Outro ponto que é importante observar na produção judicial

do pensamento tópico-problemático, proposto por Recaséns, segundo Teixeira226,

é de uma metodologia fundada no logos do razoável. Primeiro o autor faz a

diferença entre a lógica formal e a lógica material do direito, enquanto lógica dos

conteúdos das normas jurídicas. Assevera que a lógica formal ocupa-se de 224 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,

dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 296. 225 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,

dominação. p. 298. 226 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 83.

76

conceitos a priori, enquanto conceitos universais constantes e necessários. A

lógica material por seu turno ocupa-se com aspectos particulares, individuais,

essencialmente contingentes.

No entanto, afirma ser impossível tratar dos problemas

referentes à conduta do ser humano, de acordo com a lógica formal, pois,

apresentarão neste caso, resultados inservíveis. Afirma o Autor227: “A

supervalorização da lógica formal que enxerga a sentença como um silogismo

produziu na jurisprudência conseqüências funestas, por não considerar

importantes aspectos axiológicos, típicos da realidade humana”.

Recaséns mencionado por Teixeira228, afirma que o ponto

crucial da função jurisdicional, não é decidir em cima de duas ou mais premissas,

mas sim, em estabelecer corretamente as premissas que serão utilizadas de

alicerce para a conclusão, onde a decisão passa por uma eleição das premissas,

em consonância com uma avaliação discricionária do magistrado, que se

encontra fora dos domínios da lógica formal.

Das idéias aqui reproduzidas extrai-se a necessidade do

julgador afastar-se da lógica absolutamente formal, caracterizada pelo silogismo

perfeito, para adotar uma postura mais de acordo com a Política Jurídica,

consistente em estabelecer as premissas que serão os pilares da decisão. É o

que se verá no item a seguir.

3.3 O PAPEL DO OPERADOR DO DIREITO SEGUNDO A DOGMÁTICA JURÍDICA

O político-jurídico poderá utilizar-se da Dogmática na função

orientadora, conforme o pensamento de Andrade229:

227 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 85. 228 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais. p. 85. 229 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003. p. 90.

77

Podemos referir, enfim, uma função político-jurídica da Dogmática, materializando junto ao Poder Legislativo, pois ela exerce também uma função orientadora das decisões políticas de criação legislativa (que podemos denominar função racionalizadora de lege lata) aspirando a converter a política jurídica em política científica. Comumente, os juristas dogmáticos encontram-se encarregados, por órgãos oficiais, de constituírem comissões para estudos sobre criação de leis ou reformas de códigos, fundamentados em construções dogmáticas.

É possível identificar uma atuação da Dogmática tanto no

campo legislativo como no campo judiciário. Do entendimento de Baratta, apud

Andrade230, extrai-se:

Na função orientadora e racionalizadora de decisões que está chamada a desempenhar, ela atua assim duplamente junto a legisladores e juízes, preparando, respectivamente, as decisões de criação e aplicação de normas jurídicas. Em ambos os casos-orientação da política legislativa ou das decisões judiciais - sua competência não consiste em “tomar” decisões, mas em prepará-las.

Kelsen231, afirma que a função do interprete do direito

enquanto cientista é determinar os limites do que é juridicamente possível, ou

seja, os limites da moldura dentro da qual a interpretação é possível. Afirma o

autor que ir, além disso, é afastar-se da cientificidade do direito em prol da

política.

A afirmação de Kelsen divorcia-se daquilo que foi examinado

em relação a Política Jurídica e as formas mais modernas de fazer atuar o direito,

seja na sua interpretação, na sua criação ou na sua aplicação.

230 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua configuração e

identidade. p. 91. 231 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. p. 363.

78

3.4 PAPEL DO OPERADOR DO DIREITO COMO POLÍTICO JURÍDICO

O papel do operador jurídico, como político, pode ser

extraído do pensamento de Ross232,

O espírito com que se empreende a investigação é decisiva;

que o investigador seja consciente de que suas diretivas político-jurídicas devem

ser necessariamente baseadas não só em fatos, como também em atitudes

pressupostas; que seja consciente de que essas premissas emocionais devem

ser eleitas de forma objetiva, não como a expressão de seu próprio credo e

vontade.

Outro importante papel do político jurídico, na análise de

Ross233, será o de influir, na medida do possível, como “(...) um técnico racional;

neste papel ele não é nem conservador, nem progressista. Como outros técnicos,

simplesmente coloca seu conhecimento e habilidade à disposição de outros, em

seu caso aqueles que seguram as rédeas do poder político”. Todo o esforço

espiritual há de concentrar-se nas questões técnico-jurídicas. Como devem ser

formuladas as normas jurídicas para estimular aquela conduta que melhor se

harmonize com as atitudes e objetivos pressupostos.

Neste contexto, Ross afirma que, nos diversos papéis que

desempenha (o juiz), o saber jurídico especialista se reproduz na composição das

comissões que se costuma designar para exibir relatórios sobre reformas

legislativas. O papel do jurista em tais situações é, com freqüência, duplo. Por um

lado, é especialista em seu campo específico; por outro lado, ele é quem pesa e

estima todas as considerações e alcança a formulação que integra, da melhor

maneira, todos os componentes motivadores.

232 ROSS, Alf. p. 384. 233 ROSS, Alf. p. 430.

79

Atua, assim, o juiz como auxiliar importantíssimo na

construção do direito legislado, fornecendo todo seu conhecimento, e a habilidade

adquiridos ao longo do exercício de seu mister.

Ross234 define a natureza da atividade político-jurídica como

prática:

(...), não é de natureza teórica, mas prática. A Política Jurídica, nessa medida, é uma arte, uma habilidade prática, na qual o valor do resultado é medido por ser, de fato, aceito pelos outros, particularmente por aqueles que detêm o poder, como a decisão que melhor harmonize todas as atitudes dominantes e as crenças operativas.

No entendimento de Melo235, “o juiz exercerá um papel

político-jurídico quando, sem pôr em risco o Estado de Direito, corrigir os

excessos da abstração da norma, adaptando seu preceito à realidade dos fatos,

para criar a norma concreta”. O autor acrescenta que a partir do momento em que

o juiz assume a responsabilidade na construção de um direito melhor e ajustado

às necessidades da sociedade, já estará executando papéis de Política Jurídica,

“que vão de simples aconselhamento até a responsabilidade por um projeto de

reforma constitucional236”.

Todavia, não se pode confundir essa atividade do juiz com o

poder legiferante dos legisladores por excelência. Como Oliveira237 assevera, a

“norma extraordinariamente gerada seria produto intelectivo, da autoridade de

quem diz o direito e não por imposição de quem tenha o poder de legislar ou

reger a sociedade”.

234 ROSS, Alf. p. 379. 235 MELO, Osvaldo Ferreira de. Jus strictum x jus aequum: um dilema a ser resolvido, In Novos

Estudos Jurídicos. Itajaí, UNIVALI, 1999, n. 9. 236 MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da política jurídica. p. 76. 237 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a

política do direito. Itajaí: UNIVALI, 2001. p. 155.

80

Andrade, apud Bottan238:

O novo juiz, inspirado nos princípios da Política do Direito, haverá de considerá-la, bem como todos os seus elementos formadores, inclusive os antecedentes. O novo julgador evitará interpretar a realidade sob julgamento como se fosse irreal e não construirá, em sua sentença, a idéia do falso. Deixará de lado o exagerado formalismo e o insistente legalismo.

Com o apoio da Política Jurídica, o julgador do futuro deverá

ser educado a exercer o papel de político de direito, não como simples legitimador

do status quo de quem detém o poder político, mas como observador e estudioso

da norma desejável, nos precisos termos de Oliveira mencionado por Bottan239:

“(...) galgando posições epistemológicas e aplicando métodos construtivos,

assumem a condição de juspolíticos”, criando uma norma completamente nova,

voltada para a priorização da justiça, de forma adequada aos anseios e ao bem -

comum da sociedade, em uma tarefa prudencial240.

Oliveira pontua que a partir do momento em que se

consagra, para a posteridade, o direito assim ajustado, já se está fazendo Política

Jurídica: “(...) já inicia um processo mental típico desta disciplina sob as diversas

categorias de fundamentação para elaborar, na decisão preceptiva da prudência,

um projeto acabado ou provisório241”.

Como assinala Oliveira242, não basta ao político-jurídico,

seja o legislador, o pesquisador, ou mesmo o operador do direito, teorizar um

quadro legislativo com estrutura lógica, se lhe faltar a efetiva observância e a

adaptação ao corpo social. Tudo estará sujeito não só a partir da legitimidade da

238 BOTTAN, Antonio Carlos. O conceito de justiça segundo o pensamento de Immanuel Kant na

criação judicial do direito, em Anais da Semana de Divulgação Científica do Curso de Direito. Itajaí: UNIVALI, 2004. p. 33.

239 BOTTAN, Antonio Carlos. O conceito de justiça segundo o pensamento de Immanuel Kant na criação judicial do direito. p. 34.

240 BOTTAN, Antonio Carlos. O conceito de justiça segundo o pensamento de Immanuel Kant na criação judicial do direito. p. 34.

241 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a política do direito. p. 125.

242 OLIVEIRA, Gilberto Callado de. Filosofia da política jurídica: propostas epistemológicas para a política do direito. p. 233.;

81

representação democrática, através da qual os legisladores tornarão exeqüível o

desejo de seus eleitores, senão também de suas efetivas opiniões, considerada

condição básica para qualquer regime de democracia representativa. Por isso o

autor243 afirma “(...) que antes de qualquer trabalho preceptivo o juspolítico há de

atrever-se a denunciar os erros, pelo esforço crítico de seus estudos, para o fim

de propiciar ambiente favorável à mudança”.

A Política do Direito tem como busca constante o Direito que

deve ser, sem, no entanto, afastar-se do ordenamento jurídico positivado, de

modo a possibilitar que se alcance a justiça que a sociedade reclama, a cada

momento evolutivo da vida social, objetivando a convivência harmônica, a

inclusão dos cidadãos como membros legitimadores da norma positivada.

Como forma de demonstrar, efetivamente, os argumentos

acima alinhavados, segue sentença do Juiz Federal, de Itajaí que em vez de

aplicar a pena privativa de liberdade optou por substituir por penas restritiva de

direito, impondo a ré a freqüentar os bancos escolares, como forma de punição a

pratica delituosa.

1ª Vara Federal de Itajaí - SC

Ação Penal

Autos nº 2003.72.08.005897-4 Autor: Ministério Público Federal

Ré: -----

S E N T E N Ç A

1. RELATÓRIO

Tratam os autos de ação penal que o Ministério Público Federal

instaurou contra -----------, brasileira, divorciada, diarista, portadora do RG nº ------,

nascida em Ibirama/SC, aos 23.02.1960, filha de ----------, residente e domiciliada na Rua

243 OLIVEIRA, Gilberto Callado. p. 235.

82

-------------------, Navegantes-SC, dando-a como incursa nas sanções do artigo 334,

parágrafo primeiro, alínea “d”, do Código Penal.

Segundo consta na denúncia, a acusada teria tido apreendidos em

seu poder diversos maços de cigarros de origem estrangeira, desacompanhados de

documentação legal e sem a comprovação de recolhimento de tributos, no valor total de

R$ 9.225,00 (nove mil, duzentos e vinte e cinco reais).

Conforme a denúncia (fls. 02/04), assim consistia o fato criminoso:

No dia 21 de agosto de 2003, na rua Anastácio Antônio Nascimento,

Bairro Bambuzal, Itajaí/SC, --------------, ora denunciada, estava

ocultando, em proveito próprio, no exercício de atividade comercial,

10.500 (dez mil e quinhentos) maços de cigarros, de origem

paraguaia, avaliada a apreensão em R$9.225,00 (nove mil duzentos

e vinte e cinco reais), não havendo a indispensável documentação

legal de importação.

A denunciada -------------- chegara de Foz do Iguaçu no dia da prisão

em flagrante (21 de agosto de 2003), às 15 horas, tendo esclarecido

que foi efetuar compras em Ciudad Del Est, Paraguai, de lá trazendo

a mercadoria. Seu objetivo era a comercialização dos cigarros na

região, em locais não determinados, merecendo destaque que ela,

anteriormente, iludiu, no todo, o pagamento devido pela entrada da

mercadoria no território nacional.

Quando da prisão em flagrante, contava com o apoio ocasional e não

doloso de seu irmão, -------, que dirigia camionete branca de placa ---

---/Navegantes, com o objetivo de levar a sua irmã para a cidade de

Navegantes/SC.

A denúncia foi recebida em 30.06.2004 (fl. 07). Citada, a acusada foi

interrogada (fl. 34), após verificar-se ser incabível à acusada a suspensão condicional do

processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95, em razão da mesma responder a

outros processos. Defesa prévia apresentada (fls. 37-41) por defensor constituído.

Foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela acusação (fls. 44-

45). Não foram arroladas testemunhas pela Defesa.

83

Na fase do artigo 499 do Código de Processo Penal as partes nada

requereram.

Em alegações finais, o Ministério Público Federal sustentou, em

síntese, que: a) a materialidade restou comprovada por meio do auto de prisão em

flagrante e do auto de apresentação e apreensão (fls. 02-05 do IP) assim como do

Exame Merceológico de fl.10-12; e b) quanto a autoria, a mesma restou igualmente

comprovada, mormente pela confissão da acusada, assim como o dolo restou

plenamente caracterizado. Pugnou pela condenação da acusada (fls. 49-53).

A Defesa, em suas alegações finais, alega que: a) a acusada seria

apenas uma “laranja” pois trazia mercadorias adquiridas por terceiro; e b) o depoimento

da testemunha de acusação ------------corrobora a inocência da acusada. Pede a

absolvição (fls. 55-56).

2. MOTIVAÇÃO 2.1 Dos elementos do crime, materialidade e autoria.

Imputa-se a ré a prática do crime descrito pelo art. 334, § 1º, “d”, do

Código Penal. Passo, portanto, à sua análise:

Art. 334. Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo

ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada,

pela saída ou pelo consumo de mercadoria:

Pena: reclusão de 01 (um) a 04 (quatro) anos.

§ 1º. Incorre na mesma pena quem:

(...)

d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no

exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de

procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal,

ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

Na segunda parte do caput, o tipo descreve o delito de descaminho,

em que o crime se configura pela fraude empregada para evitar o pagamento de direito

ou imposto devido pela entrada ou saída da mercadoria não proibida. A figura também se

84

encontra descrita no parágrafo 1º, alínea “d”, sendo que neste caso pune-se aquele que,

no exercício de atividade comercial, adquire, recebe ou oculta mercadoria estrangeira

sem o devido pagamento dos tributos. Exige-se o dolo direto, isto é, o agente tem plena

certeza da origem delituosa da mercadoria.

O tipo penal em apreço tem como objeto jurídico de proteção a

Administração Pública, em especial o controle de entrada e saída de mercadorias do

País.

Assim delimitado, observo que o fato narrado pela inicial acusatória

se amolda ao delito em apreço, porquanto se imputa a acusada a conduta de adquirir

mercadoria de origem estrangeira, sem a comprovação de pagamento de tributos e

desacompanhada de documentação legal, com o intuito de comercializá-la.

Passo a análise da materialidade e da autoria.

a. Da materialidade.

A ocorrência do delito imputado à acusada restou plenamente

demonstrada nos autos, notadamente através do auto de apresentação e apreensão (fl.

05-IP) e do auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal de fls. 47-56.

b. Da autoria Quanto à autoria, esta igualmente restou suficientemente

comprovada, conforme as provas produzidas na instrução e na fase inquisitorial,

notadamente o auto de prisão em flagrante (fls. 02-04-IP).

--------------------, em 21.08.2003, foi abordada por policiais federais na

posse de 10.500 maços de cigarros de origem estrangeira, desacompanhados de

documentação legal e comprovação de pagamento dos tributos devidos.

A acusada, em momento algum, negou que os produtos lhe

pertenciam, tendo inclusive dito que os mesmos eram destinados à venda.

Com efeito, ouvida na fase inquisitorial, quando de sua prisão em

flagrante, assim declarou:

85

... que trouxe vinte caixas contendo pacotes de cigarros, para serem

vendidos nesta região; que venderia os cigarros em pequenas

quantidades, oferecendo em locais não determinados. (fl. 03).

O seu depoimento, na fase judicial, também aponta para a sua

responsabilidade penal. Senão vejamos:

É verdadeira a imputação que lhe é feita, pois realmente estava

voltando do Paraguai e o cigarro apreendido era de sua propriedade;

estava com 350 pacotes, sendo que cada pacote possui 10 maços;

(...) “eu não sabia que era crime” “todo mundo trazia”; nesta época

estava passando por dificuldades financeiras; quando foi autuada,

em 28 de janeiro de 2004, em Jaraguá do Sul, também perdeu

mercadorias; além desta vez também foi autuada uma última vez em

Foz do Iguaçu e depois desta não voltou mais ao Paraguai comprar

mercadorias. (fl. 34).

Da análise de todo o contexto probatório coligido conclui-se que

incorreu a acusada no tipo penal acima descrito.

O fato de desconhecer a ilicitude da conduta não é escusa idônea

para retirar a culpabilidade do agir, pois é noção elementar que todos devem conhecer a

lei. Era exigível nas circunstâncias agir de modo diverso e pelas pautas sociais.

Obviamente a ré tinha pleno conhecimento da ilicitude, agindo assim de forma consciente

e voluntária.

2.2. Conclusão

Em conclusão, não havendo nenhuma causa de exclusão da

antijuridicidade, culpabilidade ou que isente a ré de pena, a condenação é medida que se

impõe.

3. DISPOSITIVO

86

Em assim sendo, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva do

Estado deduzida na denúncia para CONDENAR a ré ---------------------------, como incursa

nas sanções previstas pelo art. 334, § 1º, “d”, do Código Penal.

Passo a dosimetria da pena. Atendendo as diretrizes do art. 59 do Código Penal, verifico que a

culpabilidade (-) é grave, mormente considerando que a ré mesmo tendo sido

surpreendida em ocasião anterior insistiu na prática criminosa demonstrando dolo intenso

e total descaso para com a justiça. A ré não registra maus antecedentes (=), pois, em

face do princípio da presunção de inocência, não se pode ter ações penais ainda em

andamento, mesmo que sobre os mesmos crimes, como maus antecedentes, segundo a

posição do STF. Quanto a conduta social (=) nada há nos autos, além da prova do

crime sob comento que indique conduta social deturpada ou arredia aos demais valores

que regem a coletividade. A personalidade (=) não demonstra ser excessivamente

desvirtuada. A motivação (+) foi a obtenção de vantagem ilícita o que é própria do delito,

merecendo destaque especial a situação econômica e a falta de emprego. As

Circunstâncias (=) são normais à espécie de delito não tendo dificultado a atuação da

autoridade policial. Conseqüências (=): a elisão fiscal possui graves conseqüências

sociais, visto que através dos tributos o Estado arrecada valores com vistas a realizar o

bem comum. Contudo, tais conseqüências podem ser amenizadas pelo perdimento dos

bens apreendidos em posse da acusada. O comportamento da vítima (=) em nada

influenciou na conduta criminosa.

Por tais razões, fixo a pena base em um ano e seis meses de

reclusão, tendo em vista a presença de circunstância judicial negativa preponderante

(intensa culpabilidade).

Não há agravantes a considerar. Reconheço a atenuante da

confissão tendo em vista que tanto no inquérito policial quanto em seu interrogatório

judicial a ré admitiu a prática do delito e assim alivio a pena para o um ano e um mês de reclusão.

Dos autos não verifico a ocorrência de qualquer causa de aumento

ou diminuição da pena.

87

Não há cominação de pena de multa para o crime em apreço.

Assim, fica a ré definitivamente apenada em um ano e um mês de reclusão.

Do cumprimento da pena pela condenada: Para cumprimento da pena pela condenada estabeleço inicialmente

o regime aberto, nos termos do art. 33, §2º, “c”, do Código Penal.

Considerando que a pena ora aplicada não excede a quatro anos e

incidentes as hipóteses do art. 44 do Código Penal (alterado pela Lei 9.714, de 25 de

novembro de 1998), faculto à sentenciada a substituição da pena privativa de liberdade

por duas penas restritivas de direito: 1. Comprovar a freqüência regular a aulas em estabelecimento oficial ou reconhecido de ensino ou a curso profissionalizante; 2.

Prestar serviços à comunidade ou à entidade pública (art. 43, inc. IV, do CP). (grifou-se)

A freqüência à escola ou a curso profissionalizante é fundamental neste tipo de infração penal que é motivada na maioria das vezes pela falta de opções de vida e de emprego, pois a educação é a chave estratégica para o pleno desenvolvimento humano. Destaque-se que a própria ré declarou em seu interrogatório (“quero este ano ir para a escola” - fl. 34). (grifou-se)

A prestação de serviços à comunidade deverá ser cumprida durante

o tempo de cumprimento da pena, consoante prevê o artigo 46, do Código Penal. O

serviço será prestado em local a ser designado por ocasião da audiência admonitória (art.

149 da LEP), quando será a condenada devidamente advertida do que consta dos §§ 4º

e 5º, do art. 44, do Código Penal.

Entendo que a pena alternativa no caso é suficiente para a

reprovação da conduta e a medida mais adequada socialmente para a condenada.

A escolha das penas alternativas levou em conta a sua necessidade

e adequação considerando a idade da apenada, bem como o seu caráter nitidamente

pedagógico e ressocializador e ainda a facilidade de cumprimento, sem sacrifício para o

exercício regular da profissão.

88

Aceitas tais condições de substituição, fica a condenada desobrigada

do recolhimento em prisão domiciliar.

Por fim, condeno a ré no pagamento das custas processuais. Faculto

à condenada apelar em liberdade, nos termos do artigo 594 do Código de Processo

Penal.

Nos termos do art. 91, inciso II, alínea b, do Código Penal, decreto o

perdimento definitivo dos bens indicados na denúncia, em favor da União, posto que

neles se consubstancia o proveito auferido pela ré em detrimento do erário público. Como

se tratam de cigarros, determino a sua incineração, mediante termo.

Transitada em julgado:

a) lance-se o nome da apenada no rol dos culpados (CF, art. 5º, LVII);

b) comunique-se ao Tribunal Regional Eleitoral para os fins do artigo

15, III, da Constituição Federal; e

c) informe-se ao Departamento de Polícia Federal remetendo-se o

boletim individual de estatística (CPP, art. 809, § 3º) e à Distribuição

para as devidas anotações.

Dou esta por publicada com a sua entrega em Secretaria. Sentença

registrada eletronicamente. Intimem-se.

Itajaí, 04 de julho de 2005.

Zenildo Bodnar Juiz Federal Substituto

Esta sentença que acima se transcreveu, serve como

demonstração clara da possibilidade da Aplicação dos Fundamentos da Política

Jurídica pelo Operador do Direito. Senão vejamos, no dispositivo relativo ao

cumprimento da pena (parte que se encontra grifada), o juiz aplica a pena de

forma a possibilitar a ressocialização da apenada, sem, no entanto, deixar de

aplicá-la. O Código Penal, não traz como possibilidade de substituição, o efetivo

comprometimento do apenado, em freqüentar os bancos escolares. No entanto,

89

visualiza-se pela sentença que neste caso, tal possibilidade é medida bastante

justa e com certeza eficaz. Demonstrando de forma cabal que os ensinamentos

fornecidos pela Política Jurídica aos Operadores do Direito produzirão uma maior

eficácia da norma, fazendo valer seu caráter utilitário e ético, com vista a

efetivação da justiça.

90

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da pesquisa, ficou demonstrado que a Política

Jurídica tem como objeto o Direito que deve ser, no lugar do Direito que é. Com

os fundamentos e pressupostos da Política Jurídica foi possível identificar as

possibilidades de aplicação dos mesmos pelo Operador do Direito, frente às

lacunas, ausências ou mesmo possíveis correções que se façam necessária às

normas jurídicas.

A Política Jurídica possibilitará uma adequação ao Direito

vigente, para que este priorize a utilidade da norma, frente ao contexto social com

vista à realização da justiça.

O atual ordenamento jurídico não está vinculado à

realização da justiça, pois tal caráter não é imprescindível e nem se faz

necessário ao Direito Positivo, de acordo com os positivistas.

Vislumbra-se, com a Política Jurídica, um ordenamento que

possibilite a real efetivação da justiça aos conflitos existente na sociedade. No

entanto, não se procura desestabilizar o direito existente, mas sim vivificá-lo, para

que ocorra uma adequação deste às demandas de Justiça da sociedade,

possibilitando uma melhor adesão por parte dos indivíduos.

Para a Política Jurídica, a validade da norma encontra-se

amparada nos anseios de Justiça presentes na sociedade.

Durante a execução da pesquisa, restaram demonstradas

as hipóteses previstas, consideradas as possíveis variáveis, seguindo-se as

primeiras e as respectivas respostas.

1ª) Os Fundamentos da Política Jurídica são substratos eficazes, cujo emprego

pode implicar a prevalência da justiça, da eqüidade, da ética e da utilidade social,

no desenvolvimento da atividade de aplicação do direito?

92

Em consonância com a pesquisa realizada, foi possível verificar que os

pressupostos da Política Jurídica possibilitarão a efetivação da justiça, da

eqüidade, da ética e da utilidade social, na produção e aplicação do Direito.

2ª) Por meio da utilização dos Fundamentos da Política do

Direito, o Juspolítico pode conduzir-se, no exercício de seus misteres, de modo a

amoldar sua atuação aos fins sociais a que a Norma de Direito se destina e aos

princípios axiológicos regentes da Sociedade em que se insere e pode influenciar

na própria produção do Direito Positivo, com suporte nos fundamentos e/ou níveis

de racionalidade da produção legislativa e nos Fundamentos e/ou níveis de

racionalidade da produção judicial do direito?

Com o apoio dos fundamentos da Política Jurídica, o político

do Direito conduzir-se-á, na sua atividade, de forma a fazer prevalecer os fins

sociais, possibilitando que a norma ao ser produzida e aplicada reverencie aos

princípios éticos, vigentes na sociedade.

O juspolítico não mais se conformará com a posição

dogmática, prevalecente hoje no ordenamento jurídico, e poderá apoiar-se nos

fundamentos da Política Jurídica para o exercício de sua atividade, vinculando a

aplicação da norma ao seu caráter de Utilidade Social, Justiça e Legitimidade.

2ª) O Operador Jurídico, investido na função de Político do

Direito, procuraria politizar o Direito, obrando em três dimensões, que são a

essência da Política Jurídica: a epistemológica, a ideológica e a operacional. Em

assim agindo, teria, como tarefa, a missão corretiva da norma jurídica, em sua

produção e na sua aplicabilidade. Em suas ações, oportunizaria a criatividade na

esfera legislativa e na função jurisdicional, na busca da incidência, nos casos

concretos, dos fundamentos da Política Jurídica, que se refletiriam no atendimento

aos anseios sociais, e, sobremodo, na Utilidade (social) da norma.

Diante do exposto foi possível constatar que a Política

Jurídica servirá de grande ferramenta na implementação e construção da norma

93

visando o fim almejado para toda a ordem jurídica vigente, qual seja o

imprescindível caráter de justiça pautado na ética.

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

ADEODATO, João Maurício. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e

na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmam). 2. ed. São

Paulo: Saraiva, 2002. 280 p.

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Dogmática jurídica: escorço de sua

configuração e identidade. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,

2003. 118 p.

ARNAUD, André-Jean. O direito traído pela filosofia. Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris, 1990. 193. p.

ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 2. ed.

Trad. Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2002. 351 p.

______________. Contribución a una teoría de la legislación. Madrid: Civitas,

1997. 110 p.

BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à teoria do direito. 3. ed. Rio de Janeiro:

Lúmen Júris, 2000. 333 p.

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Trad.

Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1995. 239 p.

BOTTAN, A.C.; SILVA, M. M. da. O conceito de justiça segundo o pensamento de

Immanuel Kant na criação judicial do direito In: II SEMANA DE DIVULGAÇÃO

CIENTÍFICA DO CURSO DE DIREITO,2004. Itajaí. Anais da semana de

Divulgação do CEJURPS. Itajaí: UNIVALI, 2004, p. 29.

CALERA, Nicolas Maria Lopes. Introducción al estudio Del derecho. 2. ed.

Granada: Gráficas del Sur, 1987. 270 p.

COELHO, Fábio Ulhoa. Direito e poder. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 113.

95

DANTAS, David Diniz. A humanização da justiça, Revista ISTO É, p. 7, maio.

2004.

DIAS, Maria da Graça dos Santos. A justiça e o imaginário social. Florianópolis:

Momento Atual, 2003.152 p.

ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos

teóricos para uma formulação dogmática constitucional adequada. 2. ed. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 274 p.

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica,

decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. 370 p.

HÖFFE, Otfried. Justiça política: fundamentação de uma filosofia crítica do direito

e do estado. Tradução: Ernildo Stein. Petrópolis: Vozes, 1991. 404 p.

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito, p. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito: Tradução: João Baptista Machado. 6. ed.

São Paulo: Martins Fontes, 1998. 427 p.

______________. Teoria geral das normas. p. 410.

MELO, Osvaldo Ferreira de. Temas atuais de política do direito. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris/CMCJ-UNIVALI, 1998. 133 p.

________________________. Fundamentos da política jurídica. Porto Alegre:

Sérgio Antonio Fabris/CPGD-UFSC, 1994. 133 p.

________________________. Jus strictum x jus aequum: um dilema a ser

resolvido, In: Novos Estudos Jurídicos. Itajaí, UNIVALI, 1999, n. 9.

_________________________. Sobre política jurídica. In: Revista Seqüência.

n. 1. 1980. p. 16.

MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. 2. ed. Trad. Roberto Leal Ferreira e

Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 534.

96

OLIVEIRA, Gilberto Callado. Filosofia da política jurídica: propostas

epistemológicas para a política do direito. Itajaí: UNIVALI, 2001. 332 p.

PASSOLD, César Luiz. O advogado e a advocacia: uma percepção pessoal.

Florianópolis: OAB/SC Editora, 2001. 176 p.

PELUSO, Luis Alberto. Org. Ética e Utilitarismo. Campinas, SP: Alínea, 1998.

238 p.

PERÉZ, Pascual Marím. La política del derecho. Barcelona: Bosh, 1963. PILLATI, José Isaac.O dilema da política jurídica. In: Novos Estudos Jurídicos.

Ano V- nº 10-abri./2000 p. 07.

REALE, Miguel. Filosofia do direito.18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. 749 p.

ROSS, Alf. Direito e justiça: Tradução: Edson Bini. 1ª reimpressão. Bauru: Edipro,

2003. 432 p.

SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão. Curitiba: Juruá,

2004. 200 p.

SOUTO, Cláudio. Ciência e ética no direito: uma alternativa de modernidade. 2.

ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. 174 p.

TEIXEIRA, João Paulo Allain. Racionalidade das decisões judiciais.São Paulo:

Editora Juarez de Oliveira, 2002. 128 p.