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Page 1: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos

de Histoacuteria do Amapaacute o ensino da histoacuteria local do

Municiacutepio Laranjal do Jari (Amazocircnia Brasileira)

Mariacutelia Pantoja do Nascimento

Andrius Estevam Noronha

Resumo o municiacutepio de Laranjal do Jari o terceiro maior municiacutepio do estado do A-mapaacute (IBGE 2016) localizado cerca de 265km da capital Macapaacute frequentemente eacute estereotipado como ldquoa maior favela fluvial do mundordquo Este discurso eacute reforccedilado nos principais materiais didaacuteticos destinado ao ensino de Histoacuteria do Amapaacute publicados nesta uacuteltima deacutecada como Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008) escrito por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia Brito Rodrigues e Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espe-lho do presente (2009) escrito por Paulo Dias Morais O objetivo deste artigo consiste em problematizar as narrativas referentes formaccedilatildeo de Laranjal do Jari nestes materi-ais didaacuteticos A partir das problematizaccedilotildees a relevacircncia deste artigo consiste em con-tribuir com as reflexotildees sobre as possibilidades dos usos destes materiais para o ensi-no de histoacuteria local Palavras-chave Livro Didaacutetico e Paradidaacutetico Histoacuteria Local Laranjal do Jari

The ldquolargest flavor favel of the worldrdquo in Amapaacute history materials the teaching of the local history of the Laranjal do Jari (Brazilian Amazon) municipality

Abstract The municipality of Laranjal do Jari the third largest municipality in the state of Amapaacute (IBGE 2016) located about 265km from the capital Macapaacute is often stereo-typed as the largest river favela in the world This discourse is reinforced in the main didactic material destined to the teaching of History of Amapaacute published in the last decade as Amapaacute living our history (2008) written by Marcelo Andreacute Soares and Ma-ria Emiacutelia Brito Rodrigues and History of Amapaacute the past is the mirror of the present (2009) written by Paulo Dias Morais The objective of this article is to problematize the narratives concerning the formation of Laranjal do Jari in these didactic materials From the problematizations the relevance of this article is to contribute with the re-flections on the possibilities of the uses of these materials for the teaching of local his-tory Keywords Didactic and Paradidatic Book Local History Laranjal do Jari

Introduccedilatildeo

De acordo com a professora e historiadora Circe Bittencourt existe uma

forma de distinguir os tatildeo variados materiais didaacuteticos utilizados na mediaccedilatildeo do pro-

cesso de aquisiccedilatildeo de conhecimento na atualidade dividindo-os em duas categorias

Historiadora Especialista em Histoacuteria da Amazocircnia Mestre em Ensino de Histoacuteria pela Universidade Federal do Amapaacute Professora de Histoacuteria da rede puacuteblica estadual de ensino do Amapaacute

Doutor em Histoacuteria pela Pontifiacutecia Universidade Catoacutelica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Professor da Universidade Federal do Amapaacute Vice-Coordenador do Mestrado Profissional em Ensino de Histoacuteria da Universidade Federal do Amapaacute

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principais os suportes informativos e os documentos (Bittencourt 2011 p 296)

Os suportes informativos ldquocorrespondem a todo discurso produzido com a

intenccedilatildeo de comunicar elementos do saber das disciplinas escolaresrdquo (Bittencourt

2011) Alguns exemplos de suportes informativos satildeo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos

apostilas dos sistemas de ensino particulares atlas escolares dicionaacuterios escolares e

determinados produtos como viacutedeos CDs DVDs etc Eles fazem parte da induacutestria

cultural e satildeo elaborados previamente com o intuito de serem utilizados em meios

educacionais por apresentarem linguagem proacutepria para determinada faixa etaacuteria

constituiacuterem saberes mais teacutecnicos e possuiacuterem princiacutepios pedagoacutegicos (Bittencourt

2011)

Jaacute os documentos satildeo aqueles produzidos em uma perspectiva que natildeo fa-

zem parte originalmente dos saberes das disciplinas escolares mas que posteriormen-

te podem ser utilizados com a finalidade didaacutetica Assim eles satildeo produzidos para

atingirem um puacuteblico mais amplo e natildeo tecircm preocupaccedilatildeo e intenccedilatildeo didaacuteticas prede-

finidas Sua utilizaccedilatildeo em meios escolares depende da seleccedilatildeo eou produccedilatildeo feita por

professores ou pela escola Alguns exemplos de documentos satildeo contos lendas fil-

mes de ficccedilatildeo textos jornaliacutesticos documentaacuterios revistas fotografias pinturas car-

tas etc (Bittencourt 2011 p 296-297)

Para este escrito consideraremos essencialmente dois tipos de materiais

didaacuteticos os livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Segundo o filoacutesofo Joumlrn Ruumlsen (2011

p109) ldquotodos os especialistas estatildeo de acordo em que o livro didaacutetico eacute a ferramenta

mais importante no ensino de histoacuteriardquo aleacutem disso ldquoeacute o segundo gecircnero de leitura

mais lido pelos leitores brasileiros ficando atraacutes apenas da Biacutebliardquo (Guimaratildees 2012 p

92) Sua influecircncia dentro do processo de ensino e aprendizagem eacute inegaacutevel por conta

disso o livro didaacutetico tem sido investigado sob diversos acircngulos em diversos paiacuteses

O pesquisador Alain Choppin afirma que ldquoapoacutes ter sido negligenciado tan-

to pelos historiadores quanto pelos biblioacutegrafos os livros didaacuteticos vecircm suscitando um

vivo interesse entre os pesquisadores de uns trinta anos para caacuterdquo (2004 p 549) As

pesquisas histoacutericas acerca dos manuais e ediccedilotildees escolares apresentam muacuteltiplas

possibilidades de abordagens e Choppin destaca duas categorias principais de anaacutelise

a primeira refere-se agraves pesquisas que concebem o livro didaacutetico como um documento

histoacuterico e a segunda que os analisa como um produto uma mercadoria (Choppin

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2004 p 554)

Sem descartar a segunda categoria de anaacutelise ldquoonde o historiador dirige

sua atenccedilatildeo diretamente para os livros didaacuteticos recolocando-os no ambiente em que

foram concebidos produzidos distribuiacutedos utilizados e recebidosrdquo (Choppin 2004)

analisando especialmente suas formas de produccedilatildeo editoraccedilatildeo distribuiccedilatildeo em de-

trimento de seus conteuacutedos Neste artigo pretendemos nos voltar para a primeira ca-

tegoria que privilegia a anaacutelise dos conteuacutedos dos textos escolares onde ldquoa histoacuteria

que o pesquisador escreve natildeo eacute na verdade a histoacuteria dos livros didaacuteticos eacute a histoacute-

ria de um tema [] de como a literatura escolar foi apresentada por meio dessa miacutedia

particularrdquo (Choppin 2004)

Esse trabalho preocupa-se com a maneira como a histoacuteria do municiacutepio de

Laranjal do Jari eacute apresentada nos materiais destinados ao ensino de Histoacuteria do Ama-

paacute problematizando e analisando tais narrativas no intuito de contribuir com as pos-

sibilidades dos usos para o ensino da histoacuteria local do mencionado municiacutepio Para

isso nosso texto encontra-se dividido em quatro partes a primeira uma discussatildeo

sobre o ensino da histoacuteria local e a contribuiccedilatildeo dos materiais didaacuteticos no processo de

ensino e aprendizagem a segunda uma apresentaccedilatildeo e problematizaccedilatildeo de como a

histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari eacute propagada pelos materiais didaacuteticos

estudados a terceira uma recuperaccedilatildeo historiograacutefica da formaccedilatildeo do municiacutepio de

Laranjal do Jari a quarta uma proposta alternativa ao ensino de histoacuteria local que natildeo

seja reduzida ao estereoacutetipo vigente aos livros Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008)

escrito por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia Brito Rodrigues e Histoacuteria do Amapaacute

o passado eacute o espelho do presente (2009) escrito por Paulo Dias Morais

1 Ensino da histoacuteria local e materiais didaacuteticos

O Ensino de Histoacuteria Local natildeo eacute uma temaacutetica recente na historiografia

brasileira muito pelo contraacuterio desde as primeiras deacutecadas do seacuteculo passado este

tema tem sido abordado nos debates sobre o Ensino de Histoacuteria no Brasil Assim sen-

do a produccedilatildeo historiograacutefica sobre a referida temaacutetica eacute recorrente Para este escri-

to pretendemos analisar agraves produccedilotildees das uacuteltimas duas deacutecadas

De acordo com as historiadoras Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene Cai-

nelli (2009 p 137) atualmente na produccedilatildeo historiograacutefica brasileira ldquoalgumas obras

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indicam um novo enfoque sobre a histoacuteria local motivado principalmente pelo inte-

resse pela histoacuteria socialrdquo este novo enfoque tem a intenccedilatildeo de ldquorecuperar a histoacuteria

das sociedades como um todo a histoacuteria das pessoas comunsrdquo

A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Brasileira nordm 939496 e

dos Paracircmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental (1997) e meacutedio

(1999) como afirma Schmidt e Cainelli (2009 p 138) houve maior valorizaccedilatildeo da his-

toacuteria local pelos historiadores nesse contexto ldquoas atividades relacionadas com o estu-

do do meio e da localidade satildeo enfaticamente indicadas como renovadoras para o

ensino da Histoacuteria e salutares para o desenvolvimento da aprendizagemrdquo A LDB nordm

939496 precisamente no artigo nordm 26 estabelece como diretriz curricular para todo

territoacuterio nacional

Os curriacuteculos do ensino fundamental e meacutedio devem ter uma base nacional comum a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar por uma parte diversificada exigida pelas caracteriacutesticas regionais e locais da sociedade da cultura da econo-mia e da clientela (Brasil 1996 p 16)

Assim sendo os curriacuteculos devem adotar os conhecimentos comuns ao

acircmbito nacional mas tambeacutem considerar as singularidades dos saberes do lugar de

vivecircncia dos alunos e professores

Os Paracircmetros Curriculares Nacionais elaborados pelo Ministeacuterio da Edu-

caccedilatildeo para a disciplina de Histoacuteria dentro do Ensino Fundamental tambeacutem discorrem

sobre o estudo da histoacuteria local e regional corroborando com o direcionamento da

LDB anteriormente citado

A escolha dos conteuacutedos relevantes a serem estudados feita neste documento parte das problemaacuteticas locais em que estatildeo inseridas as crianccedilas e as escolas natildeo perdendo de vista que as questotildees que di-mensionam essas realidades estatildeo envolvidas em problemaacuteticas re-gionais nacionais e mundiais (Brasil 1997 p 43)

Os PCN enfatizam que a partir do ensino e aprendizagem da histoacuteria local

os alunos poderatildeo compreender as semelhanccedilas e as diferenccedilas as permanecircncias e as

transformaccedilotildees no modo de vida social cultural econocircmico de sua cidade no passado

e no presente mediante a leitura de diferentes obras Ou seja este ensino contribui

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significativamente para a educaccedilatildeo e formaccedilatildeo do pensamento histoacuterico do estudante

A historiadora Maria Auxiliadora Schmidt coloca a histoacuteria local como uma estrateacutegia

de ensino pois

Trata-se de uma forma de abordar a aprendizagem a construccedilatildeo e a compreensatildeo do conhecimento histoacuterico a partir de proposiccedilotildees que tenham a ver com os interesses dos alunos suas aproximaccedilotildees cogni-tivas e afetivas suas vivecircncias culturais com as possibilidades de de-senvolver atividades vinculadas diretamente com a vida cotidiana

entendida como expressatildeo concreta de problemas mais amplos (S-chmidt 2007 p 190)

Colocada como meacutetodo por Geraldo Balduiacuteno Horn e Geyso Dongley Ger-

minari (2010) a histoacuteria local tem sua importacircncia reafirmada Os autores apresentam

algumas metodologias que podem ser utilizadas para se ministrar essa temaacutetica para

aleacutem dos livros didaacuteticos Horn e Germinari (2010 p118) entendem a histoacuteria local

como aquela que desenvolve anaacutelises de pequenos e meacutedios municiacutepios e que se trata

de uma temaacutetica que jaacute vem sendo proposta nos curriacuteculos do ensino fundamental

brasileiro haacute pelo menos duas deacutecadas assumindo diferentes formas de abordagem

De acordo com estes autores

Utilizando-se do tempo presente para retroceder ao passado local regional nacional e internacional Isto significa definir accedilotildees pedagoacute-gicas que privilegiem o tempo vivido do aluno como ponto de partida para outros tempos estabelecendo assim uma relaccedilatildeo do presente com o passado Para alcanccedilar essa dimensatildeo no ensino de Histoacuteria eacute necessaacuterio bus-car uma estrateacutegia pedagoacutegica que tome o processo histoacuterico local construiacutedo pelas pessoas comuns como elemento para relacionar as experiecircncias do aluno com questotildees experimentadas coletivamente para entatildeo buscar articulaccedilotildees com contextos regionais nacionais e internacionais Nessa perspectiva a Histoacuteria Local deixa de ser ape-nas conteuacutedo para ser um meacutetodo de ensino (Horn Germinari 2010 p 142)

Utilizando-se das palavras de Maria Cacircndida Proenccedila os autores apontam

que a histoacuteria local tem aproveitado as novas metodologias utilizando-se de novas

fontes quantitativas eou qualitativas apresentando temas que poderatildeo ter um apro-

veitamento didaacutetico motivador e estimulante (Proenccedila apud Horn Germinari 2010 p

119)

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Neste contexto de acordo com Bittencourt (2011 p 117) eacute necessaacuterio

que o aluno desenvolva a capacidade de observaccedilatildeo do meio proacuteximo para que possa

atribuir cada vez mais importacircncia aos elementos de sua vivecircncia tais como a proacutepria

moradia fotografias artigos de jornais e revistas considerando-os como objeto de

estudo portadores de informaccedilotildees histoacutericas possiacuteveis de serem recuperadas

Tanto como conteuacutedo ou como meacutetodo o ensino da histoacuteria local e regio-

nal inserido num contexto amplo permite compreender e alcanccedilar o papel e os objeti-

vos pensados para a histoacuteria enquanto disciplina escolar Nesse sentido a professora

Selva Guimaratildees (2012 p 114) analisa que devemos ldquopensar a histoacuteria como disciplina

fundamentalmente educativa formativa e emancipadorardquo partindo desta premissa

como disciplina escolar ldquoseu papel central eacute a formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica dos

homens possibilitando a construccedilatildeo de identidades a elucidaccedilatildeo do vivido potenciali-

zando a intervenccedilatildeo social a praacutexis individual e coletivardquo Se o papel central da disci-

plina Histoacuteria eacute a formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica devemos entender melhor esta

funccedilatildeo

Agrave priori faz-se necessaacuterio deixar claro o papel da consciecircncia histoacuterica na

vida praacutetica dos sujeitos utilizando as leituras de Maria Auxiliadora Schmidt e Tacircnia

Maria Garcia (2005 p 301) que colocam a consciecircncia histoacuterica sob funccedilatildeo de relacio-

nar o ldquoserrdquo (identidade) e o ldquodeverrdquo (accedilatildeo) em uma ldquonarrativa significativa que toma os

acontecimentos do passado com o objetivo de dar identidade aos sujeitos a partir de

suas experiecircncias individuais e coletivasrdquo com isso a consciecircncia histoacuterica tem a mis-

satildeo de ldquotornar inteligiacutevel o seu presente conferindo uma expectativa futura a essa

atividade atualrdquo Assim a consciecircncia histoacuterica tem uma ldquofunccedilatildeo praacuteticardquo funccedilatildeo esta

que se concretiza em ldquodar identidade aos sujeitos e fornecer agrave realidade em que eles

vivem numa dimensatildeo temporal uma orientaccedilatildeo que pode guiar a accedilatildeo intencional-

mente por meio da mediaccedilatildeo da memoacuteria histoacutericardquo (Schmidt Garcia 2005 p 301)

Consciecircncia histoacuterica eacute entendida aqui a partir dos argumentos do filoacutesofo

alematildeo Joumlrn Ruumlsen que a conceitua como ldquoa suma das operaccedilotildees mentais com as

quais os homens interpretam sua experiecircncia da evoluccedilatildeo temporal de seu mundo e

de si mesmo de forma tal que possam orientar intencionalmente sua vida praacutetica no

tempordquo (Ruumlsen apud Cerri 2011 p 30)

Evidenciada a importacircncia da consciecircncia histoacuterica e do ensino de histoacuteria

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na sua formaccedilatildeo cabe destacar o papel do ensino da histoacuteria local e regional para que

o objetivo central da disciplina histoacuteria de acordo com Guimaratildees (acima citada) seja

alcanccedilado para isto tomamos mais uma vez as palavras de Maria Auxiliadora Schmidt

(2004 p 182) que aponta que tanto crianccedilas quanto jovens ou adultos por intermeacute-

dio de uma reflexatildeo sobre o local visto como uma unidade proacutexima e contiacutegua podem

historicizar e problematizar o sentido de suas identidades relacionando-se com o

mundo de forma criacutetica a partir do local da formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica podem

mudar ou natildeo como sujeitos a proacutepria vida

Dito isto afirmamos que o ensino da histoacuteria local desempenha um papel

muito importante na formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica dos alunos sem contar que

concordando com os argumentos de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky (2003 p

28) quanto mais o aluno sentir a Histoacuteria proacutexima a ele natildeo como uma coisa externa e

distante mais se sentiraacute qualificado e inclinado a exercer seu papel de sujeito de a-

gente histoacuterico

Eacute sabido que o ensino de histoacuteria local sempre esteve presente nos debates

e diretrizes educacionais brasileiros seja como conteuacutedo ou como meacutetodo Contudo

como nos assevera Guimaratildees (2012 p 239) apesar das diretrizes e dos consensos

construiacutedos sobre a importacircncia do estudo da histoacuteria local e regional para a formaccedilatildeo

de crianccedilas e jovens ainda nos deparamos no cotidiano escolar com uma seacuterie de

dificuldades para a praacutetica deste ensino uma das dificuldades apontadas diz respeito agrave

disponibilidade de materiais didaacuteticos

No primeiro capiacutetulo da sua dissertaccedilatildeo de mestrado Flaacutevio Batista dos

Santos discute sobre o Ensino da Histoacuteria Local na Educaccedilatildeo Baacutesica iniciando sua ar-

gumentaccedilatildeo pelo lugar que o Local ocupa na historiografia e no curriacuteculo brasileiro

nesse iacutenterim aponta as dificuldades que o ensino da histoacuteria local enfrenta mais es-

pecificamente nas seacuteries finais do ensino fundamental e no ensino meacutedio

Santos afirma que

Para as seacuteries iniciais do ensino fundamental eacute comum se encontrar materiais e livros didaacuteticos voltados para o ensino da histoacuteria local ainda que os conteuacutedos sejam apresentados de maneira generalizan-te Mas para as seacuteries finais e para o ensino meacutedio os recursos didaacute-ticos referentes ao ensino e aprendizado da histoacuteria local satildeo escas-sos jaacute que os livros satildeo definidos a partir de uma avaliaccedilatildeo nacional

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as particularidades locais quase sempre ficam de fora em segundo plano isto acaba restringindo o trabalho do professor reduzindo o local a accedilotildees esporaacutedicas e particulares por parte dos professores jaacute que natildeo contam com um material didaacuteticos agrave disposiccedilatildeo para utilizar em suas aulas (Santos 2014 p 26)

Jaacute fora apresentado anteriormente outras maneiras de se trabalhar com a

histoacuteria local para aleacutem dos livros didaacuteticos como propuseram Horn e Germinari

(2010 p135) a partir de arquivos familiares por exemplo Assim sendo ldquoo livro didaacute-

tico eacute uma fonte uacutetil desde que natildeo seja considerado o lugar de toda a Histoacuteriardquo (Gui-

maratildees 2012 p 106) ou seja o livro didaacutetico eacute uma importante ferramenta mas natildeo

eacute a uacutenica Contudo como aponta Maria Laura P B Franco apesar de deixarem a dese-

jar em muitos aspectos os livros didaacuteticos acabam sendo adotados porque o profes-

sor obrigado a lecionar o dia todo em com um volume muito grande de provas para

corrigir natildeo tem tempo para preparar seus proacuteprios textos aceitando a comodidade

de contar com um material pronto para ser utilizado (Franco 1982 p 15)

Segundo Bittencourt os livros didaacuteticos satildeo os instrumentos de trabalho

mais utilizados por professores e alunos sendo muito faacutecil diferenciaacute-los dos demais

livros contudo de difiacutecil definiccedilatildeo pois trata-se de um objeto de ldquomuacuteltiplas facetasrdquo

cujo processo de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo sofrem interferecircncia de inuacutemeros

sujeitos (Bittencourt 2011 p 301) A autora acrescenta agraves muacuteltiplas facetas que o

livro didaacutetico possui ao serem analisadas como suporte de conhecimentos escolares

propostos pelos curriacuteculos educacionais tambeacutem como mercadoria como veiacuteculos de

um sistema de valores etc (Ibidem p 301-306)

Corroborando e utilizando as proacuteprias palavras de Bittencourt (1993) e Ka-

zumi Munakata (1994) entre outros autores e autoras Deacutecio Gatti Juacutenior define o livro

didaacutetico da seguinte forma

Material impresso estruturado ou adequado a ser utilizado num pro-cesso de aprendizagem ou formaccedilatildeo materiais caracterizados pela seriaccedilatildeo dos conteuacutedos mercadoria depositaacuterio de conteuacutedos edu-cacionais instrumento pedagoacutegico portador de um sistema de valo-res suporte na formulaccedilatildeo de uma Histoacuteria Nacional fontes de regis-tros de experiecircncias e de relaccedilotildees pedagoacutegicas da eacutepoca e ainda co-mo materiais reveladores de acircngulos do cotidiano escolar e do fazer-se da cultura nacional (Gatti Juacutenior 2004 p 34-35)

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Como podemos perceber trata-se de um objeto multifacetado que preci-

sar ser contextualizado e analisado considerando essas muacuteltiplas facetas Com relaccedilatildeo

aos paradidaacuteticos de acordo com Ernesta Zamboni (1991) considera-se na visatildeo dos

editores as publicaccedilotildees que tecircm como objetivo subsidiar o trabalho docente diferen-

ciando-se do livro didaacutetico natildeo em conteuacutedo mas em forma Esta denominaccedilatildeo ndash pa-

radidaacutetico segundo Zamboni apareceu em cataacutelogos editoriais no final da deacutecada de

1970 (Zamboni 1991 p 11)

Kazumi Munakata (1997) caracteriza os livros paradidaacuteticos como livros

que diferem de um livro didaacutetico na estrutura de apresentaccedilatildeo do conteuacutedo mas satildeo

adotados no processo de ensino e aprendizagem nas escolas seja como material de

consulta do professor seja como material de pesquisa e de apoio agraves atividades do e-

ducando (Munakata 1997 p 103)

Gatti Juacutenior (2004) ratifica o exposto por Zamboni (1991) e Munakata

(1997) apontando que em finais da deacutecada de 1970 os chamados paradidaacuteticos eram

pequenos livros com temas uacutenico empregados como auxiacutelio do processo de ensino

para aleacutem do livro didaacutetico (Gatti Juacutenior 2004 p 167) O autor afirma que para aten-

der agrave demanda referente ao estudo e ao ensino da Histoacuteria RegionalLocal os livros

paradidaacuteticos foram uma opccedilatildeo especialmente antes do surgimento dos livros didaacuteti-

cos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209

Os livros didaacuteticos em vias de regra satildeo produzidos para o mercado na-

cional Gatti Juacutenior (2004) mostra que isto eacute preocupante inclusive para os proacuteprios

autores de livros didaacuteticos como o demonstrado nas palavras de alguns entrevistados

ao pensarem sobre as diversidades regionais brasileiras ldquoquando fico sabendo que o

meu livro estaacute sendo adotado no Amazonas fico pensando se realmente seria o livro

mais indicado para o Amazonas porque eu natildeo conheccedilo a realidade do Amazonasrdquo

(Faria Berutti apud Gatti Juacutenior 2004 p 208) Gatti Juacutenior acrescenta

Haacute dificuldades enormes mas tambeacutem alguns avanccedilos em diversos Estados brasileiros com o desdobramento da pesquisa regional tecircm sido possiacuteveis a produccedilatildeo de livros didaacuteticos que abordam com pro-priedade as questotildees e especificidades locais [] mas antes mesmo desta tendecircncia em produccedilatildeo de livros regionalizados aparecer esta-vam consolidados no mercado brasileiro os chamados livros paradi-daacuteticos que para alguns editores poderiam suprir essa carecircncia por

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textos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209)

Satildeo poucas as cidades brasileiras que contam com livros didaacuteticos destina-

dos ao ensino da Histoacuteria Local os tiacutetulos sobre a histoacuteria regional satildeo encontrados

com mais facilidade como no caso do Amapaacute com os livros sobre a histoacuteria regional -

Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008 e 2011) e tiacutetulos paradidaacuteticos como Histoacuteria do

Amapaacute o passado eacute o espelho do presente (2009 e 2011) que constituem os objetos de

anaacutelise deste artigo a partir de agora

2 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute

Ao se iniciar o ano de 2008 a Assembleia Legislativa do Estado do Amapaacute

(ALAP) aprovou a lei nordm 1183 (referente ao projeto de lei nordm 01152007) de autoria do

deputado Manoel Mandi autorizando o Poder Executivo a instituir no Ensino Funda-

mental eou Meacutedio da rede puacuteblica estadual de ensino a disciplina de Histoacuteria do A-

mapaacute O objetivo da criaccedilatildeo da disciplina consiste em formar cidadatildeos conscientes da

identidade potencial e valorizaccedilatildeo do nosso Estado para isto permanecendo na parte

diversificada do curriacuteculo o conteuacutedo poderia ser disposto em uma seacuterie determinada

ou distribuiacutedo em vaacuterias seacuteries

Com o exposto na lei verificou-se a necessidade de se desenvolver materi-

ais didaacuteticos para tornar mais viaacutevel a comunicaccedilatildeo dos conteuacutedos aos alunos e o al-

cance dos objetivos propostos para a disciplina Diante desta demanda no mesmo ano

foi publicado o livro didaacutetico intitulado Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008) de auto-

ria do professor de histoacuteria Marcelo Andreacute Soares e da pedagoga Maria Emiacutelia Brito

Rodrigues este livro fora reeditado em 2011 adquirido pelo PNLD ndash Programa Nacio-

nal do Livro Didaacutetico do MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e distribuiacutedo para as escolas

estaduais e municipais para serem utilizados nos anos letivos de 2013 2014 e 2015

O livro eacute composto por 128 paacuteginas dividido em sete unidades de estudo

que abordam vaacuterios aspectos da histoacuteria do Amapaacute como a presenccedila indiacutegena e africa-

na a organizaccedilatildeo amapaense na eacutepoca da colonizaccedilatildeo brasileira a criaccedilatildeo do Territoacute-

rio Federal do Amapaacute o Amapaacute apoacutes se transformar em Estado e na atualidade enfati-

zando aspectos poliacuteticos econocircmico sociais e culturais desse processo histoacuterico Den-

tro das unidades encontramos algumas narrativas sobre a histoacuteria de alguns municiacute-

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pios amapaenses como Mazagatildeo Oiapoque Serra do Navio Santana Laranjal do Jari

etc

Tal material didaacutetico fora recebido com entusiasmo no municiacutepio de Laran-

jal do Jari contudo em uma reuniatildeo para leitura e planejamento com professores da

disciplina de Histoacuteria e Oficina de Trabalho que contemplavam em suas matrizes curri-

culares os conteuacutedos de Histoacuteria do Amapaacute observou-se inuacutemeras lacunas e superfici-

alidades nos textos apresentados por Soares e Rodrigues

A narrativa apresentada contribui para a legitimaccedilatildeo de alguns estereoacuteti-

pos como por exemplo ao abordar a formaccedilatildeo do municiacutepio de Laranjal do Jari os

autores ainda se referem a ele pelo antigo nome de ldquoBeiradatildeordquo e limitam suas argu-

mentaccedilotildees a trecircs paraacutegrafos colocando a constituiccedilatildeo da vila como um problema so-

cial causado pela implantaccedilatildeo do Projeto Jari enfatizando as condiccedilotildees precaacuterias em

que a vila foi criada caracterizando-a como uma verdadeira ldquofavela sobre o riordquo

Quanto ao aspecto social o maior problema provocado pelo Projeto Jari foi a ocupaccedilatildeo desordenada da regiatildeo por migrantes de todas as partes do paiacutes principalmente do Norte e Nordeste que foram para laacute em busca de emprego Como grande parte desses migrantes natildeo conseguiu o tatildeo sonhado emprego o resultado foi a formaccedilatildeo de um enorme aglomerado de casebres conhecido como Beiradatildeo agraves mar-gens do rio Jari em condiccedilotildees precaacuterias O contraste que existe no local eacute muito evidente numa margem do rio Jari estatildeo as palafitas do Beiradatildeo e na outra margem as casas preacute-fabricadas feitas para funcionaacuterios do Projeto Jari Aleacutem das condiccedilotildees miseraacuteveis o desemprego na regiatildeo provocou tambeacutem outros seacuterios problemas como os altos iacutendices de violecircncia a prostituiccedilatildeo e inuacutemeras doenccedilas provocadas pelas precaacuterias condi-ccedilotildees de saneamento baacutesico tornando a regiatildeo uma verdadeira ldquofave-la sobre o riordquo (Soares Rodrigues 2011 p76-77)

Esta narrativa contida na quinta unidade do livro em questatildeo precisamen-

te no subtema ndash O Projeto Jari riqueza e miseacuteria no Amapaacute ndash permite questionar uma

seacuterie de elementos dentre eles qual a representaccedilatildeo desse discurso no imaginaacuterio

social da ou sobre a cidade como ela pode influenciar na formaccedilatildeo da consciecircncia

histoacuterica dos alunos a construccedilatildeo desse estereoacutetipo eacute corroborada por outros meios

de comunicaccedilatildeo e difusatildeo do saber

Este uacuteltimo questionamento pode ser facilmente respondido pois Laranjal

do Jari eacute retratado em inuacutemeras outras narrativas como uma enorme favela fluvial

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surgida como consequecircncia social de um empreendimento empresarial implantado na

regiatildeo ao final da deacutecada de 1960 Em um livro paradidaacutetico intitulado Histoacuteria do A-

mapaacute o passado eacute o espelho do presente de autoria de Paulo Dias Morais publicado

no ano de 2009 e reeditado em 2011 a histoacuteria de Laranjal eacute retratada da seguinte

forma

O Projeto Jari [] por se tratar de um projeto grandioso necessitava de bastante matildeo-de-obra Muitos trabalhadores se dirigiram para laacute visando melhores condiccedilotildees de vida Uma grande parte dos trabalha-dores eram contratados temporariamente por empreiteiras que natildeo asseguravam os direitos trabalhistas quando eram dispensados pela companhia Estes natildeo dispunham de recursos para moradia e nem para retornarem aos seus locais de origem Por isso a maioria foi obrigada a viver agraves margens do Rio Jari e Vitoacute-ria do Jari em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene Isso fez com que surgissem aacutereas como lsquoBeiradatildeo e Beiradinhorsquo que se tor-naram as maiores favelas fluviais do mundo sendo uma das mais po-bres e violentas da populaccedilatildeo brasileira A prostituiccedilatildeo chegou a iacutendi-ce alarmante e para completar essas aacutereas passaram pelo esqueci-mento do governo por muito tempo (Morais 2011 p 94 e 95)

Podemos notar que tanto a produccedilatildeo didaacutetica como a paradidaacutetica acima

citadas apresentam narrativas semelhantes ao se referirem ao surgimento do municiacute-

pio de Laranjal do Jari o que leva as seguintes questotildees quais fontes os autores utili-

zaram como foi instituiacutedo o estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo Na ten-

tativa de responder a tais interrogaccedilotildees cabe conhecer um pouco mais a historiografia

sobre a formaccedilatildeo do municiacutepio

3 A dita ldquomaior favela fluvial do mundordquo um breve histoacuterico sobre o municiacutepio de

Laranjal do Jari

Laranjal do Jari eacute uma cidade situada ao norte da Amazocircnia Brasileira pre-

cisamente sudoeste do Estado do Amapaacute distante cerca de 265km da capital Macapaacute

Atualmente constitui o 3ordm maior municiacutepio do Estado com uma populaccedilatildeo estimada

em torno de 47000 habitantes (dados do IBGE2016) Foi criado oficialmente atraveacutes

do Decreto nordm 7639 publicado em 17 de dezembro de 1987 que o desmembrou do

municiacutepio de Mazagatildeo com o qual faz limite aleacutem dos municiacutepios de Oiapoque Pedra

Branca do Amapari Almeirim (Estado do Paraacute) e territoacuterios internacionais como Guia-

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na Francesa e Suriname Segundo a professora Socircnia Maria Clareto (2003)

A ocupaccedilatildeo da regiatildeo Laranjal do Jari teve iniacutecio com holandeses e ingleses que em busca de especiarias subiam o rio Amazonas O lo-cal fora praticamente esquecido pelos portugueses ateacute que em 1623 comeccedilou uma longa batalha para expulsar os estrangeiros Padres je-suiacutetas e franciscanos tiveram um forte envolvimento na ocupaccedilatildeo da regiatildeo fundando conventos e catequizando indiacutegenas Tambeacutem os nordestinos desempenharam aiacute importante papel sobretudo no auge do ciclo da borracha entre 1872 e 1920 (Clareto 2003 p 83)

De acordo com o escritor Cristoacutevatildeo Lins (2001) dentre os nordestinos que

desempenharam papel importante na ocupaccedilatildeo da regiatildeo eacute importante destacar a

pessoa de Joseacute Juacutelio de Andrade o cearense que aos 28 anos de idade jaacute era conside-

rado o maior comerciante da regiatildeo do Jari e um dos maiores latifundiaacuterios do mundo

proprietaacuterio de cerca de trecircs milhotildees de hectares de terras com propriedades nos

municiacutepios de Almeirim e Porto de Moz (no Estado do Paraacute) e Mazagatildeo (Laranjal e Vi-

toacuteria do Jari no Estado do Amapaacute)

Segundo Anna Greissing (2011) a regiatildeo do Jari se caracteriza por uma flo-

resta primaacuteria tropical muito rica em recursos naturais principalmente a castanha do

Paraacute (bertholletia excelsa) e a seringa (hevea brasiliensis) cuja exploraccedilatildeo sempre

constituiu a fonte principal de subsistecircncia para as populaccedilotildees extrativistas Jaacute nos

tempos da colonizaccedilatildeo os missionaacuterios instalados na regiatildeo do Jari enriqueciam-se

com a comercializaccedilatildeo das ldquodrogas do sertatildeordquo

A organizaccedilatildeo da atividade extrativista no Jari em uma comercializaccedilatildeo no

estilo de uma empresa desenvolveu-se a partir do final do seacuteculo XIX com a apariccedilatildeo

na regiatildeo do cearense Joseacute Juacutelio de Andrade em 1882 em pleno apogeu do ciclo da

borracha (Greissing 2011 p 46) Mesmo quando o ciclo da borracha comeccedilou a decli-

nar entre 1907 e 1920 ele se manteve como forte comerciante pois tinha atividades

econocircmicas tambeacutem na pecuaacuteria e na coleta de castanha (Clareto 2003 p 83)

Joseacute Juacutelio adquiriu o tiacutetulo honoriacutefico militar do Exeacutercito de Coronel da

Guarda Nacional Elegeu-se Senador da Cacircmara de Beleacutem com sucessivos mandatos

tornando-se um homem extremamente influente no campo poliacutetico social e econocircmi-

co do Baixo Amazonas ateacute a revoluccedilatildeo de 1930 quando o Tenente Magalhatildees Barata

Interventor Federal no Paraacute declarou o ldquocoronelrdquo como inimigo devido o mesmo ser

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 2: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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principais os suportes informativos e os documentos (Bittencourt 2011 p 296)

Os suportes informativos ldquocorrespondem a todo discurso produzido com a

intenccedilatildeo de comunicar elementos do saber das disciplinas escolaresrdquo (Bittencourt

2011) Alguns exemplos de suportes informativos satildeo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos

apostilas dos sistemas de ensino particulares atlas escolares dicionaacuterios escolares e

determinados produtos como viacutedeos CDs DVDs etc Eles fazem parte da induacutestria

cultural e satildeo elaborados previamente com o intuito de serem utilizados em meios

educacionais por apresentarem linguagem proacutepria para determinada faixa etaacuteria

constituiacuterem saberes mais teacutecnicos e possuiacuterem princiacutepios pedagoacutegicos (Bittencourt

2011)

Jaacute os documentos satildeo aqueles produzidos em uma perspectiva que natildeo fa-

zem parte originalmente dos saberes das disciplinas escolares mas que posteriormen-

te podem ser utilizados com a finalidade didaacutetica Assim eles satildeo produzidos para

atingirem um puacuteblico mais amplo e natildeo tecircm preocupaccedilatildeo e intenccedilatildeo didaacuteticas prede-

finidas Sua utilizaccedilatildeo em meios escolares depende da seleccedilatildeo eou produccedilatildeo feita por

professores ou pela escola Alguns exemplos de documentos satildeo contos lendas fil-

mes de ficccedilatildeo textos jornaliacutesticos documentaacuterios revistas fotografias pinturas car-

tas etc (Bittencourt 2011 p 296-297)

Para este escrito consideraremos essencialmente dois tipos de materiais

didaacuteticos os livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Segundo o filoacutesofo Joumlrn Ruumlsen (2011

p109) ldquotodos os especialistas estatildeo de acordo em que o livro didaacutetico eacute a ferramenta

mais importante no ensino de histoacuteriardquo aleacutem disso ldquoeacute o segundo gecircnero de leitura

mais lido pelos leitores brasileiros ficando atraacutes apenas da Biacutebliardquo (Guimaratildees 2012 p

92) Sua influecircncia dentro do processo de ensino e aprendizagem eacute inegaacutevel por conta

disso o livro didaacutetico tem sido investigado sob diversos acircngulos em diversos paiacuteses

O pesquisador Alain Choppin afirma que ldquoapoacutes ter sido negligenciado tan-

to pelos historiadores quanto pelos biblioacutegrafos os livros didaacuteticos vecircm suscitando um

vivo interesse entre os pesquisadores de uns trinta anos para caacuterdquo (2004 p 549) As

pesquisas histoacutericas acerca dos manuais e ediccedilotildees escolares apresentam muacuteltiplas

possibilidades de abordagens e Choppin destaca duas categorias principais de anaacutelise

a primeira refere-se agraves pesquisas que concebem o livro didaacutetico como um documento

histoacuterico e a segunda que os analisa como um produto uma mercadoria (Choppin

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2004 p 554)

Sem descartar a segunda categoria de anaacutelise ldquoonde o historiador dirige

sua atenccedilatildeo diretamente para os livros didaacuteticos recolocando-os no ambiente em que

foram concebidos produzidos distribuiacutedos utilizados e recebidosrdquo (Choppin 2004)

analisando especialmente suas formas de produccedilatildeo editoraccedilatildeo distribuiccedilatildeo em de-

trimento de seus conteuacutedos Neste artigo pretendemos nos voltar para a primeira ca-

tegoria que privilegia a anaacutelise dos conteuacutedos dos textos escolares onde ldquoa histoacuteria

que o pesquisador escreve natildeo eacute na verdade a histoacuteria dos livros didaacuteticos eacute a histoacute-

ria de um tema [] de como a literatura escolar foi apresentada por meio dessa miacutedia

particularrdquo (Choppin 2004)

Esse trabalho preocupa-se com a maneira como a histoacuteria do municiacutepio de

Laranjal do Jari eacute apresentada nos materiais destinados ao ensino de Histoacuteria do Ama-

paacute problematizando e analisando tais narrativas no intuito de contribuir com as pos-

sibilidades dos usos para o ensino da histoacuteria local do mencionado municiacutepio Para

isso nosso texto encontra-se dividido em quatro partes a primeira uma discussatildeo

sobre o ensino da histoacuteria local e a contribuiccedilatildeo dos materiais didaacuteticos no processo de

ensino e aprendizagem a segunda uma apresentaccedilatildeo e problematizaccedilatildeo de como a

histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari eacute propagada pelos materiais didaacuteticos

estudados a terceira uma recuperaccedilatildeo historiograacutefica da formaccedilatildeo do municiacutepio de

Laranjal do Jari a quarta uma proposta alternativa ao ensino de histoacuteria local que natildeo

seja reduzida ao estereoacutetipo vigente aos livros Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008)

escrito por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia Brito Rodrigues e Histoacuteria do Amapaacute

o passado eacute o espelho do presente (2009) escrito por Paulo Dias Morais

1 Ensino da histoacuteria local e materiais didaacuteticos

O Ensino de Histoacuteria Local natildeo eacute uma temaacutetica recente na historiografia

brasileira muito pelo contraacuterio desde as primeiras deacutecadas do seacuteculo passado este

tema tem sido abordado nos debates sobre o Ensino de Histoacuteria no Brasil Assim sen-

do a produccedilatildeo historiograacutefica sobre a referida temaacutetica eacute recorrente Para este escri-

to pretendemos analisar agraves produccedilotildees das uacuteltimas duas deacutecadas

De acordo com as historiadoras Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene Cai-

nelli (2009 p 137) atualmente na produccedilatildeo historiograacutefica brasileira ldquoalgumas obras

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indicam um novo enfoque sobre a histoacuteria local motivado principalmente pelo inte-

resse pela histoacuteria socialrdquo este novo enfoque tem a intenccedilatildeo de ldquorecuperar a histoacuteria

das sociedades como um todo a histoacuteria das pessoas comunsrdquo

A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Brasileira nordm 939496 e

dos Paracircmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental (1997) e meacutedio

(1999) como afirma Schmidt e Cainelli (2009 p 138) houve maior valorizaccedilatildeo da his-

toacuteria local pelos historiadores nesse contexto ldquoas atividades relacionadas com o estu-

do do meio e da localidade satildeo enfaticamente indicadas como renovadoras para o

ensino da Histoacuteria e salutares para o desenvolvimento da aprendizagemrdquo A LDB nordm

939496 precisamente no artigo nordm 26 estabelece como diretriz curricular para todo

territoacuterio nacional

Os curriacuteculos do ensino fundamental e meacutedio devem ter uma base nacional comum a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar por uma parte diversificada exigida pelas caracteriacutesticas regionais e locais da sociedade da cultura da econo-mia e da clientela (Brasil 1996 p 16)

Assim sendo os curriacuteculos devem adotar os conhecimentos comuns ao

acircmbito nacional mas tambeacutem considerar as singularidades dos saberes do lugar de

vivecircncia dos alunos e professores

Os Paracircmetros Curriculares Nacionais elaborados pelo Ministeacuterio da Edu-

caccedilatildeo para a disciplina de Histoacuteria dentro do Ensino Fundamental tambeacutem discorrem

sobre o estudo da histoacuteria local e regional corroborando com o direcionamento da

LDB anteriormente citado

A escolha dos conteuacutedos relevantes a serem estudados feita neste documento parte das problemaacuteticas locais em que estatildeo inseridas as crianccedilas e as escolas natildeo perdendo de vista que as questotildees que di-mensionam essas realidades estatildeo envolvidas em problemaacuteticas re-gionais nacionais e mundiais (Brasil 1997 p 43)

Os PCN enfatizam que a partir do ensino e aprendizagem da histoacuteria local

os alunos poderatildeo compreender as semelhanccedilas e as diferenccedilas as permanecircncias e as

transformaccedilotildees no modo de vida social cultural econocircmico de sua cidade no passado

e no presente mediante a leitura de diferentes obras Ou seja este ensino contribui

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significativamente para a educaccedilatildeo e formaccedilatildeo do pensamento histoacuterico do estudante

A historiadora Maria Auxiliadora Schmidt coloca a histoacuteria local como uma estrateacutegia

de ensino pois

Trata-se de uma forma de abordar a aprendizagem a construccedilatildeo e a compreensatildeo do conhecimento histoacuterico a partir de proposiccedilotildees que tenham a ver com os interesses dos alunos suas aproximaccedilotildees cogni-tivas e afetivas suas vivecircncias culturais com as possibilidades de de-senvolver atividades vinculadas diretamente com a vida cotidiana

entendida como expressatildeo concreta de problemas mais amplos (S-chmidt 2007 p 190)

Colocada como meacutetodo por Geraldo Balduiacuteno Horn e Geyso Dongley Ger-

minari (2010) a histoacuteria local tem sua importacircncia reafirmada Os autores apresentam

algumas metodologias que podem ser utilizadas para se ministrar essa temaacutetica para

aleacutem dos livros didaacuteticos Horn e Germinari (2010 p118) entendem a histoacuteria local

como aquela que desenvolve anaacutelises de pequenos e meacutedios municiacutepios e que se trata

de uma temaacutetica que jaacute vem sendo proposta nos curriacuteculos do ensino fundamental

brasileiro haacute pelo menos duas deacutecadas assumindo diferentes formas de abordagem

De acordo com estes autores

Utilizando-se do tempo presente para retroceder ao passado local regional nacional e internacional Isto significa definir accedilotildees pedagoacute-gicas que privilegiem o tempo vivido do aluno como ponto de partida para outros tempos estabelecendo assim uma relaccedilatildeo do presente com o passado Para alcanccedilar essa dimensatildeo no ensino de Histoacuteria eacute necessaacuterio bus-car uma estrateacutegia pedagoacutegica que tome o processo histoacuterico local construiacutedo pelas pessoas comuns como elemento para relacionar as experiecircncias do aluno com questotildees experimentadas coletivamente para entatildeo buscar articulaccedilotildees com contextos regionais nacionais e internacionais Nessa perspectiva a Histoacuteria Local deixa de ser ape-nas conteuacutedo para ser um meacutetodo de ensino (Horn Germinari 2010 p 142)

Utilizando-se das palavras de Maria Cacircndida Proenccedila os autores apontam

que a histoacuteria local tem aproveitado as novas metodologias utilizando-se de novas

fontes quantitativas eou qualitativas apresentando temas que poderatildeo ter um apro-

veitamento didaacutetico motivador e estimulante (Proenccedila apud Horn Germinari 2010 p

119)

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Neste contexto de acordo com Bittencourt (2011 p 117) eacute necessaacuterio

que o aluno desenvolva a capacidade de observaccedilatildeo do meio proacuteximo para que possa

atribuir cada vez mais importacircncia aos elementos de sua vivecircncia tais como a proacutepria

moradia fotografias artigos de jornais e revistas considerando-os como objeto de

estudo portadores de informaccedilotildees histoacutericas possiacuteveis de serem recuperadas

Tanto como conteuacutedo ou como meacutetodo o ensino da histoacuteria local e regio-

nal inserido num contexto amplo permite compreender e alcanccedilar o papel e os objeti-

vos pensados para a histoacuteria enquanto disciplina escolar Nesse sentido a professora

Selva Guimaratildees (2012 p 114) analisa que devemos ldquopensar a histoacuteria como disciplina

fundamentalmente educativa formativa e emancipadorardquo partindo desta premissa

como disciplina escolar ldquoseu papel central eacute a formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica dos

homens possibilitando a construccedilatildeo de identidades a elucidaccedilatildeo do vivido potenciali-

zando a intervenccedilatildeo social a praacutexis individual e coletivardquo Se o papel central da disci-

plina Histoacuteria eacute a formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica devemos entender melhor esta

funccedilatildeo

Agrave priori faz-se necessaacuterio deixar claro o papel da consciecircncia histoacuterica na

vida praacutetica dos sujeitos utilizando as leituras de Maria Auxiliadora Schmidt e Tacircnia

Maria Garcia (2005 p 301) que colocam a consciecircncia histoacuterica sob funccedilatildeo de relacio-

nar o ldquoserrdquo (identidade) e o ldquodeverrdquo (accedilatildeo) em uma ldquonarrativa significativa que toma os

acontecimentos do passado com o objetivo de dar identidade aos sujeitos a partir de

suas experiecircncias individuais e coletivasrdquo com isso a consciecircncia histoacuterica tem a mis-

satildeo de ldquotornar inteligiacutevel o seu presente conferindo uma expectativa futura a essa

atividade atualrdquo Assim a consciecircncia histoacuterica tem uma ldquofunccedilatildeo praacuteticardquo funccedilatildeo esta

que se concretiza em ldquodar identidade aos sujeitos e fornecer agrave realidade em que eles

vivem numa dimensatildeo temporal uma orientaccedilatildeo que pode guiar a accedilatildeo intencional-

mente por meio da mediaccedilatildeo da memoacuteria histoacutericardquo (Schmidt Garcia 2005 p 301)

Consciecircncia histoacuterica eacute entendida aqui a partir dos argumentos do filoacutesofo

alematildeo Joumlrn Ruumlsen que a conceitua como ldquoa suma das operaccedilotildees mentais com as

quais os homens interpretam sua experiecircncia da evoluccedilatildeo temporal de seu mundo e

de si mesmo de forma tal que possam orientar intencionalmente sua vida praacutetica no

tempordquo (Ruumlsen apud Cerri 2011 p 30)

Evidenciada a importacircncia da consciecircncia histoacuterica e do ensino de histoacuteria

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na sua formaccedilatildeo cabe destacar o papel do ensino da histoacuteria local e regional para que

o objetivo central da disciplina histoacuteria de acordo com Guimaratildees (acima citada) seja

alcanccedilado para isto tomamos mais uma vez as palavras de Maria Auxiliadora Schmidt

(2004 p 182) que aponta que tanto crianccedilas quanto jovens ou adultos por intermeacute-

dio de uma reflexatildeo sobre o local visto como uma unidade proacutexima e contiacutegua podem

historicizar e problematizar o sentido de suas identidades relacionando-se com o

mundo de forma criacutetica a partir do local da formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica podem

mudar ou natildeo como sujeitos a proacutepria vida

Dito isto afirmamos que o ensino da histoacuteria local desempenha um papel

muito importante na formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica dos alunos sem contar que

concordando com os argumentos de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky (2003 p

28) quanto mais o aluno sentir a Histoacuteria proacutexima a ele natildeo como uma coisa externa e

distante mais se sentiraacute qualificado e inclinado a exercer seu papel de sujeito de a-

gente histoacuterico

Eacute sabido que o ensino de histoacuteria local sempre esteve presente nos debates

e diretrizes educacionais brasileiros seja como conteuacutedo ou como meacutetodo Contudo

como nos assevera Guimaratildees (2012 p 239) apesar das diretrizes e dos consensos

construiacutedos sobre a importacircncia do estudo da histoacuteria local e regional para a formaccedilatildeo

de crianccedilas e jovens ainda nos deparamos no cotidiano escolar com uma seacuterie de

dificuldades para a praacutetica deste ensino uma das dificuldades apontadas diz respeito agrave

disponibilidade de materiais didaacuteticos

No primeiro capiacutetulo da sua dissertaccedilatildeo de mestrado Flaacutevio Batista dos

Santos discute sobre o Ensino da Histoacuteria Local na Educaccedilatildeo Baacutesica iniciando sua ar-

gumentaccedilatildeo pelo lugar que o Local ocupa na historiografia e no curriacuteculo brasileiro

nesse iacutenterim aponta as dificuldades que o ensino da histoacuteria local enfrenta mais es-

pecificamente nas seacuteries finais do ensino fundamental e no ensino meacutedio

Santos afirma que

Para as seacuteries iniciais do ensino fundamental eacute comum se encontrar materiais e livros didaacuteticos voltados para o ensino da histoacuteria local ainda que os conteuacutedos sejam apresentados de maneira generalizan-te Mas para as seacuteries finais e para o ensino meacutedio os recursos didaacute-ticos referentes ao ensino e aprendizado da histoacuteria local satildeo escas-sos jaacute que os livros satildeo definidos a partir de uma avaliaccedilatildeo nacional

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as particularidades locais quase sempre ficam de fora em segundo plano isto acaba restringindo o trabalho do professor reduzindo o local a accedilotildees esporaacutedicas e particulares por parte dos professores jaacute que natildeo contam com um material didaacuteticos agrave disposiccedilatildeo para utilizar em suas aulas (Santos 2014 p 26)

Jaacute fora apresentado anteriormente outras maneiras de se trabalhar com a

histoacuteria local para aleacutem dos livros didaacuteticos como propuseram Horn e Germinari

(2010 p135) a partir de arquivos familiares por exemplo Assim sendo ldquoo livro didaacute-

tico eacute uma fonte uacutetil desde que natildeo seja considerado o lugar de toda a Histoacuteriardquo (Gui-

maratildees 2012 p 106) ou seja o livro didaacutetico eacute uma importante ferramenta mas natildeo

eacute a uacutenica Contudo como aponta Maria Laura P B Franco apesar de deixarem a dese-

jar em muitos aspectos os livros didaacuteticos acabam sendo adotados porque o profes-

sor obrigado a lecionar o dia todo em com um volume muito grande de provas para

corrigir natildeo tem tempo para preparar seus proacuteprios textos aceitando a comodidade

de contar com um material pronto para ser utilizado (Franco 1982 p 15)

Segundo Bittencourt os livros didaacuteticos satildeo os instrumentos de trabalho

mais utilizados por professores e alunos sendo muito faacutecil diferenciaacute-los dos demais

livros contudo de difiacutecil definiccedilatildeo pois trata-se de um objeto de ldquomuacuteltiplas facetasrdquo

cujo processo de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo sofrem interferecircncia de inuacutemeros

sujeitos (Bittencourt 2011 p 301) A autora acrescenta agraves muacuteltiplas facetas que o

livro didaacutetico possui ao serem analisadas como suporte de conhecimentos escolares

propostos pelos curriacuteculos educacionais tambeacutem como mercadoria como veiacuteculos de

um sistema de valores etc (Ibidem p 301-306)

Corroborando e utilizando as proacuteprias palavras de Bittencourt (1993) e Ka-

zumi Munakata (1994) entre outros autores e autoras Deacutecio Gatti Juacutenior define o livro

didaacutetico da seguinte forma

Material impresso estruturado ou adequado a ser utilizado num pro-cesso de aprendizagem ou formaccedilatildeo materiais caracterizados pela seriaccedilatildeo dos conteuacutedos mercadoria depositaacuterio de conteuacutedos edu-cacionais instrumento pedagoacutegico portador de um sistema de valo-res suporte na formulaccedilatildeo de uma Histoacuteria Nacional fontes de regis-tros de experiecircncias e de relaccedilotildees pedagoacutegicas da eacutepoca e ainda co-mo materiais reveladores de acircngulos do cotidiano escolar e do fazer-se da cultura nacional (Gatti Juacutenior 2004 p 34-35)

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Como podemos perceber trata-se de um objeto multifacetado que preci-

sar ser contextualizado e analisado considerando essas muacuteltiplas facetas Com relaccedilatildeo

aos paradidaacuteticos de acordo com Ernesta Zamboni (1991) considera-se na visatildeo dos

editores as publicaccedilotildees que tecircm como objetivo subsidiar o trabalho docente diferen-

ciando-se do livro didaacutetico natildeo em conteuacutedo mas em forma Esta denominaccedilatildeo ndash pa-

radidaacutetico segundo Zamboni apareceu em cataacutelogos editoriais no final da deacutecada de

1970 (Zamboni 1991 p 11)

Kazumi Munakata (1997) caracteriza os livros paradidaacuteticos como livros

que diferem de um livro didaacutetico na estrutura de apresentaccedilatildeo do conteuacutedo mas satildeo

adotados no processo de ensino e aprendizagem nas escolas seja como material de

consulta do professor seja como material de pesquisa e de apoio agraves atividades do e-

ducando (Munakata 1997 p 103)

Gatti Juacutenior (2004) ratifica o exposto por Zamboni (1991) e Munakata

(1997) apontando que em finais da deacutecada de 1970 os chamados paradidaacuteticos eram

pequenos livros com temas uacutenico empregados como auxiacutelio do processo de ensino

para aleacutem do livro didaacutetico (Gatti Juacutenior 2004 p 167) O autor afirma que para aten-

der agrave demanda referente ao estudo e ao ensino da Histoacuteria RegionalLocal os livros

paradidaacuteticos foram uma opccedilatildeo especialmente antes do surgimento dos livros didaacuteti-

cos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209

Os livros didaacuteticos em vias de regra satildeo produzidos para o mercado na-

cional Gatti Juacutenior (2004) mostra que isto eacute preocupante inclusive para os proacuteprios

autores de livros didaacuteticos como o demonstrado nas palavras de alguns entrevistados

ao pensarem sobre as diversidades regionais brasileiras ldquoquando fico sabendo que o

meu livro estaacute sendo adotado no Amazonas fico pensando se realmente seria o livro

mais indicado para o Amazonas porque eu natildeo conheccedilo a realidade do Amazonasrdquo

(Faria Berutti apud Gatti Juacutenior 2004 p 208) Gatti Juacutenior acrescenta

Haacute dificuldades enormes mas tambeacutem alguns avanccedilos em diversos Estados brasileiros com o desdobramento da pesquisa regional tecircm sido possiacuteveis a produccedilatildeo de livros didaacuteticos que abordam com pro-priedade as questotildees e especificidades locais [] mas antes mesmo desta tendecircncia em produccedilatildeo de livros regionalizados aparecer esta-vam consolidados no mercado brasileiro os chamados livros paradi-daacuteticos que para alguns editores poderiam suprir essa carecircncia por

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textos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209)

Satildeo poucas as cidades brasileiras que contam com livros didaacuteticos destina-

dos ao ensino da Histoacuteria Local os tiacutetulos sobre a histoacuteria regional satildeo encontrados

com mais facilidade como no caso do Amapaacute com os livros sobre a histoacuteria regional -

Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008 e 2011) e tiacutetulos paradidaacuteticos como Histoacuteria do

Amapaacute o passado eacute o espelho do presente (2009 e 2011) que constituem os objetos de

anaacutelise deste artigo a partir de agora

2 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute

Ao se iniciar o ano de 2008 a Assembleia Legislativa do Estado do Amapaacute

(ALAP) aprovou a lei nordm 1183 (referente ao projeto de lei nordm 01152007) de autoria do

deputado Manoel Mandi autorizando o Poder Executivo a instituir no Ensino Funda-

mental eou Meacutedio da rede puacuteblica estadual de ensino a disciplina de Histoacuteria do A-

mapaacute O objetivo da criaccedilatildeo da disciplina consiste em formar cidadatildeos conscientes da

identidade potencial e valorizaccedilatildeo do nosso Estado para isto permanecendo na parte

diversificada do curriacuteculo o conteuacutedo poderia ser disposto em uma seacuterie determinada

ou distribuiacutedo em vaacuterias seacuteries

Com o exposto na lei verificou-se a necessidade de se desenvolver materi-

ais didaacuteticos para tornar mais viaacutevel a comunicaccedilatildeo dos conteuacutedos aos alunos e o al-

cance dos objetivos propostos para a disciplina Diante desta demanda no mesmo ano

foi publicado o livro didaacutetico intitulado Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008) de auto-

ria do professor de histoacuteria Marcelo Andreacute Soares e da pedagoga Maria Emiacutelia Brito

Rodrigues este livro fora reeditado em 2011 adquirido pelo PNLD ndash Programa Nacio-

nal do Livro Didaacutetico do MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e distribuiacutedo para as escolas

estaduais e municipais para serem utilizados nos anos letivos de 2013 2014 e 2015

O livro eacute composto por 128 paacuteginas dividido em sete unidades de estudo

que abordam vaacuterios aspectos da histoacuteria do Amapaacute como a presenccedila indiacutegena e africa-

na a organizaccedilatildeo amapaense na eacutepoca da colonizaccedilatildeo brasileira a criaccedilatildeo do Territoacute-

rio Federal do Amapaacute o Amapaacute apoacutes se transformar em Estado e na atualidade enfati-

zando aspectos poliacuteticos econocircmico sociais e culturais desse processo histoacuterico Den-

tro das unidades encontramos algumas narrativas sobre a histoacuteria de alguns municiacute-

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pios amapaenses como Mazagatildeo Oiapoque Serra do Navio Santana Laranjal do Jari

etc

Tal material didaacutetico fora recebido com entusiasmo no municiacutepio de Laran-

jal do Jari contudo em uma reuniatildeo para leitura e planejamento com professores da

disciplina de Histoacuteria e Oficina de Trabalho que contemplavam em suas matrizes curri-

culares os conteuacutedos de Histoacuteria do Amapaacute observou-se inuacutemeras lacunas e superfici-

alidades nos textos apresentados por Soares e Rodrigues

A narrativa apresentada contribui para a legitimaccedilatildeo de alguns estereoacuteti-

pos como por exemplo ao abordar a formaccedilatildeo do municiacutepio de Laranjal do Jari os

autores ainda se referem a ele pelo antigo nome de ldquoBeiradatildeordquo e limitam suas argu-

mentaccedilotildees a trecircs paraacutegrafos colocando a constituiccedilatildeo da vila como um problema so-

cial causado pela implantaccedilatildeo do Projeto Jari enfatizando as condiccedilotildees precaacuterias em

que a vila foi criada caracterizando-a como uma verdadeira ldquofavela sobre o riordquo

Quanto ao aspecto social o maior problema provocado pelo Projeto Jari foi a ocupaccedilatildeo desordenada da regiatildeo por migrantes de todas as partes do paiacutes principalmente do Norte e Nordeste que foram para laacute em busca de emprego Como grande parte desses migrantes natildeo conseguiu o tatildeo sonhado emprego o resultado foi a formaccedilatildeo de um enorme aglomerado de casebres conhecido como Beiradatildeo agraves mar-gens do rio Jari em condiccedilotildees precaacuterias O contraste que existe no local eacute muito evidente numa margem do rio Jari estatildeo as palafitas do Beiradatildeo e na outra margem as casas preacute-fabricadas feitas para funcionaacuterios do Projeto Jari Aleacutem das condiccedilotildees miseraacuteveis o desemprego na regiatildeo provocou tambeacutem outros seacuterios problemas como os altos iacutendices de violecircncia a prostituiccedilatildeo e inuacutemeras doenccedilas provocadas pelas precaacuterias condi-ccedilotildees de saneamento baacutesico tornando a regiatildeo uma verdadeira ldquofave-la sobre o riordquo (Soares Rodrigues 2011 p76-77)

Esta narrativa contida na quinta unidade do livro em questatildeo precisamen-

te no subtema ndash O Projeto Jari riqueza e miseacuteria no Amapaacute ndash permite questionar uma

seacuterie de elementos dentre eles qual a representaccedilatildeo desse discurso no imaginaacuterio

social da ou sobre a cidade como ela pode influenciar na formaccedilatildeo da consciecircncia

histoacuterica dos alunos a construccedilatildeo desse estereoacutetipo eacute corroborada por outros meios

de comunicaccedilatildeo e difusatildeo do saber

Este uacuteltimo questionamento pode ser facilmente respondido pois Laranjal

do Jari eacute retratado em inuacutemeras outras narrativas como uma enorme favela fluvial

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surgida como consequecircncia social de um empreendimento empresarial implantado na

regiatildeo ao final da deacutecada de 1960 Em um livro paradidaacutetico intitulado Histoacuteria do A-

mapaacute o passado eacute o espelho do presente de autoria de Paulo Dias Morais publicado

no ano de 2009 e reeditado em 2011 a histoacuteria de Laranjal eacute retratada da seguinte

forma

O Projeto Jari [] por se tratar de um projeto grandioso necessitava de bastante matildeo-de-obra Muitos trabalhadores se dirigiram para laacute visando melhores condiccedilotildees de vida Uma grande parte dos trabalha-dores eram contratados temporariamente por empreiteiras que natildeo asseguravam os direitos trabalhistas quando eram dispensados pela companhia Estes natildeo dispunham de recursos para moradia e nem para retornarem aos seus locais de origem Por isso a maioria foi obrigada a viver agraves margens do Rio Jari e Vitoacute-ria do Jari em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene Isso fez com que surgissem aacutereas como lsquoBeiradatildeo e Beiradinhorsquo que se tor-naram as maiores favelas fluviais do mundo sendo uma das mais po-bres e violentas da populaccedilatildeo brasileira A prostituiccedilatildeo chegou a iacutendi-ce alarmante e para completar essas aacutereas passaram pelo esqueci-mento do governo por muito tempo (Morais 2011 p 94 e 95)

Podemos notar que tanto a produccedilatildeo didaacutetica como a paradidaacutetica acima

citadas apresentam narrativas semelhantes ao se referirem ao surgimento do municiacute-

pio de Laranjal do Jari o que leva as seguintes questotildees quais fontes os autores utili-

zaram como foi instituiacutedo o estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo Na ten-

tativa de responder a tais interrogaccedilotildees cabe conhecer um pouco mais a historiografia

sobre a formaccedilatildeo do municiacutepio

3 A dita ldquomaior favela fluvial do mundordquo um breve histoacuterico sobre o municiacutepio de

Laranjal do Jari

Laranjal do Jari eacute uma cidade situada ao norte da Amazocircnia Brasileira pre-

cisamente sudoeste do Estado do Amapaacute distante cerca de 265km da capital Macapaacute

Atualmente constitui o 3ordm maior municiacutepio do Estado com uma populaccedilatildeo estimada

em torno de 47000 habitantes (dados do IBGE2016) Foi criado oficialmente atraveacutes

do Decreto nordm 7639 publicado em 17 de dezembro de 1987 que o desmembrou do

municiacutepio de Mazagatildeo com o qual faz limite aleacutem dos municiacutepios de Oiapoque Pedra

Branca do Amapari Almeirim (Estado do Paraacute) e territoacuterios internacionais como Guia-

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na Francesa e Suriname Segundo a professora Socircnia Maria Clareto (2003)

A ocupaccedilatildeo da regiatildeo Laranjal do Jari teve iniacutecio com holandeses e ingleses que em busca de especiarias subiam o rio Amazonas O lo-cal fora praticamente esquecido pelos portugueses ateacute que em 1623 comeccedilou uma longa batalha para expulsar os estrangeiros Padres je-suiacutetas e franciscanos tiveram um forte envolvimento na ocupaccedilatildeo da regiatildeo fundando conventos e catequizando indiacutegenas Tambeacutem os nordestinos desempenharam aiacute importante papel sobretudo no auge do ciclo da borracha entre 1872 e 1920 (Clareto 2003 p 83)

De acordo com o escritor Cristoacutevatildeo Lins (2001) dentre os nordestinos que

desempenharam papel importante na ocupaccedilatildeo da regiatildeo eacute importante destacar a

pessoa de Joseacute Juacutelio de Andrade o cearense que aos 28 anos de idade jaacute era conside-

rado o maior comerciante da regiatildeo do Jari e um dos maiores latifundiaacuterios do mundo

proprietaacuterio de cerca de trecircs milhotildees de hectares de terras com propriedades nos

municiacutepios de Almeirim e Porto de Moz (no Estado do Paraacute) e Mazagatildeo (Laranjal e Vi-

toacuteria do Jari no Estado do Amapaacute)

Segundo Anna Greissing (2011) a regiatildeo do Jari se caracteriza por uma flo-

resta primaacuteria tropical muito rica em recursos naturais principalmente a castanha do

Paraacute (bertholletia excelsa) e a seringa (hevea brasiliensis) cuja exploraccedilatildeo sempre

constituiu a fonte principal de subsistecircncia para as populaccedilotildees extrativistas Jaacute nos

tempos da colonizaccedilatildeo os missionaacuterios instalados na regiatildeo do Jari enriqueciam-se

com a comercializaccedilatildeo das ldquodrogas do sertatildeordquo

A organizaccedilatildeo da atividade extrativista no Jari em uma comercializaccedilatildeo no

estilo de uma empresa desenvolveu-se a partir do final do seacuteculo XIX com a apariccedilatildeo

na regiatildeo do cearense Joseacute Juacutelio de Andrade em 1882 em pleno apogeu do ciclo da

borracha (Greissing 2011 p 46) Mesmo quando o ciclo da borracha comeccedilou a decli-

nar entre 1907 e 1920 ele se manteve como forte comerciante pois tinha atividades

econocircmicas tambeacutem na pecuaacuteria e na coleta de castanha (Clareto 2003 p 83)

Joseacute Juacutelio adquiriu o tiacutetulo honoriacutefico militar do Exeacutercito de Coronel da

Guarda Nacional Elegeu-se Senador da Cacircmara de Beleacutem com sucessivos mandatos

tornando-se um homem extremamente influente no campo poliacutetico social e econocircmi-

co do Baixo Amazonas ateacute a revoluccedilatildeo de 1930 quando o Tenente Magalhatildees Barata

Interventor Federal no Paraacute declarou o ldquocoronelrdquo como inimigo devido o mesmo ser

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 3: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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2004 p 554)

Sem descartar a segunda categoria de anaacutelise ldquoonde o historiador dirige

sua atenccedilatildeo diretamente para os livros didaacuteticos recolocando-os no ambiente em que

foram concebidos produzidos distribuiacutedos utilizados e recebidosrdquo (Choppin 2004)

analisando especialmente suas formas de produccedilatildeo editoraccedilatildeo distribuiccedilatildeo em de-

trimento de seus conteuacutedos Neste artigo pretendemos nos voltar para a primeira ca-

tegoria que privilegia a anaacutelise dos conteuacutedos dos textos escolares onde ldquoa histoacuteria

que o pesquisador escreve natildeo eacute na verdade a histoacuteria dos livros didaacuteticos eacute a histoacute-

ria de um tema [] de como a literatura escolar foi apresentada por meio dessa miacutedia

particularrdquo (Choppin 2004)

Esse trabalho preocupa-se com a maneira como a histoacuteria do municiacutepio de

Laranjal do Jari eacute apresentada nos materiais destinados ao ensino de Histoacuteria do Ama-

paacute problematizando e analisando tais narrativas no intuito de contribuir com as pos-

sibilidades dos usos para o ensino da histoacuteria local do mencionado municiacutepio Para

isso nosso texto encontra-se dividido em quatro partes a primeira uma discussatildeo

sobre o ensino da histoacuteria local e a contribuiccedilatildeo dos materiais didaacuteticos no processo de

ensino e aprendizagem a segunda uma apresentaccedilatildeo e problematizaccedilatildeo de como a

histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari eacute propagada pelos materiais didaacuteticos

estudados a terceira uma recuperaccedilatildeo historiograacutefica da formaccedilatildeo do municiacutepio de

Laranjal do Jari a quarta uma proposta alternativa ao ensino de histoacuteria local que natildeo

seja reduzida ao estereoacutetipo vigente aos livros Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008)

escrito por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia Brito Rodrigues e Histoacuteria do Amapaacute

o passado eacute o espelho do presente (2009) escrito por Paulo Dias Morais

1 Ensino da histoacuteria local e materiais didaacuteticos

O Ensino de Histoacuteria Local natildeo eacute uma temaacutetica recente na historiografia

brasileira muito pelo contraacuterio desde as primeiras deacutecadas do seacuteculo passado este

tema tem sido abordado nos debates sobre o Ensino de Histoacuteria no Brasil Assim sen-

do a produccedilatildeo historiograacutefica sobre a referida temaacutetica eacute recorrente Para este escri-

to pretendemos analisar agraves produccedilotildees das uacuteltimas duas deacutecadas

De acordo com as historiadoras Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene Cai-

nelli (2009 p 137) atualmente na produccedilatildeo historiograacutefica brasileira ldquoalgumas obras

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indicam um novo enfoque sobre a histoacuteria local motivado principalmente pelo inte-

resse pela histoacuteria socialrdquo este novo enfoque tem a intenccedilatildeo de ldquorecuperar a histoacuteria

das sociedades como um todo a histoacuteria das pessoas comunsrdquo

A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Brasileira nordm 939496 e

dos Paracircmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental (1997) e meacutedio

(1999) como afirma Schmidt e Cainelli (2009 p 138) houve maior valorizaccedilatildeo da his-

toacuteria local pelos historiadores nesse contexto ldquoas atividades relacionadas com o estu-

do do meio e da localidade satildeo enfaticamente indicadas como renovadoras para o

ensino da Histoacuteria e salutares para o desenvolvimento da aprendizagemrdquo A LDB nordm

939496 precisamente no artigo nordm 26 estabelece como diretriz curricular para todo

territoacuterio nacional

Os curriacuteculos do ensino fundamental e meacutedio devem ter uma base nacional comum a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar por uma parte diversificada exigida pelas caracteriacutesticas regionais e locais da sociedade da cultura da econo-mia e da clientela (Brasil 1996 p 16)

Assim sendo os curriacuteculos devem adotar os conhecimentos comuns ao

acircmbito nacional mas tambeacutem considerar as singularidades dos saberes do lugar de

vivecircncia dos alunos e professores

Os Paracircmetros Curriculares Nacionais elaborados pelo Ministeacuterio da Edu-

caccedilatildeo para a disciplina de Histoacuteria dentro do Ensino Fundamental tambeacutem discorrem

sobre o estudo da histoacuteria local e regional corroborando com o direcionamento da

LDB anteriormente citado

A escolha dos conteuacutedos relevantes a serem estudados feita neste documento parte das problemaacuteticas locais em que estatildeo inseridas as crianccedilas e as escolas natildeo perdendo de vista que as questotildees que di-mensionam essas realidades estatildeo envolvidas em problemaacuteticas re-gionais nacionais e mundiais (Brasil 1997 p 43)

Os PCN enfatizam que a partir do ensino e aprendizagem da histoacuteria local

os alunos poderatildeo compreender as semelhanccedilas e as diferenccedilas as permanecircncias e as

transformaccedilotildees no modo de vida social cultural econocircmico de sua cidade no passado

e no presente mediante a leitura de diferentes obras Ou seja este ensino contribui

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significativamente para a educaccedilatildeo e formaccedilatildeo do pensamento histoacuterico do estudante

A historiadora Maria Auxiliadora Schmidt coloca a histoacuteria local como uma estrateacutegia

de ensino pois

Trata-se de uma forma de abordar a aprendizagem a construccedilatildeo e a compreensatildeo do conhecimento histoacuterico a partir de proposiccedilotildees que tenham a ver com os interesses dos alunos suas aproximaccedilotildees cogni-tivas e afetivas suas vivecircncias culturais com as possibilidades de de-senvolver atividades vinculadas diretamente com a vida cotidiana

entendida como expressatildeo concreta de problemas mais amplos (S-chmidt 2007 p 190)

Colocada como meacutetodo por Geraldo Balduiacuteno Horn e Geyso Dongley Ger-

minari (2010) a histoacuteria local tem sua importacircncia reafirmada Os autores apresentam

algumas metodologias que podem ser utilizadas para se ministrar essa temaacutetica para

aleacutem dos livros didaacuteticos Horn e Germinari (2010 p118) entendem a histoacuteria local

como aquela que desenvolve anaacutelises de pequenos e meacutedios municiacutepios e que se trata

de uma temaacutetica que jaacute vem sendo proposta nos curriacuteculos do ensino fundamental

brasileiro haacute pelo menos duas deacutecadas assumindo diferentes formas de abordagem

De acordo com estes autores

Utilizando-se do tempo presente para retroceder ao passado local regional nacional e internacional Isto significa definir accedilotildees pedagoacute-gicas que privilegiem o tempo vivido do aluno como ponto de partida para outros tempos estabelecendo assim uma relaccedilatildeo do presente com o passado Para alcanccedilar essa dimensatildeo no ensino de Histoacuteria eacute necessaacuterio bus-car uma estrateacutegia pedagoacutegica que tome o processo histoacuterico local construiacutedo pelas pessoas comuns como elemento para relacionar as experiecircncias do aluno com questotildees experimentadas coletivamente para entatildeo buscar articulaccedilotildees com contextos regionais nacionais e internacionais Nessa perspectiva a Histoacuteria Local deixa de ser ape-nas conteuacutedo para ser um meacutetodo de ensino (Horn Germinari 2010 p 142)

Utilizando-se das palavras de Maria Cacircndida Proenccedila os autores apontam

que a histoacuteria local tem aproveitado as novas metodologias utilizando-se de novas

fontes quantitativas eou qualitativas apresentando temas que poderatildeo ter um apro-

veitamento didaacutetico motivador e estimulante (Proenccedila apud Horn Germinari 2010 p

119)

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Neste contexto de acordo com Bittencourt (2011 p 117) eacute necessaacuterio

que o aluno desenvolva a capacidade de observaccedilatildeo do meio proacuteximo para que possa

atribuir cada vez mais importacircncia aos elementos de sua vivecircncia tais como a proacutepria

moradia fotografias artigos de jornais e revistas considerando-os como objeto de

estudo portadores de informaccedilotildees histoacutericas possiacuteveis de serem recuperadas

Tanto como conteuacutedo ou como meacutetodo o ensino da histoacuteria local e regio-

nal inserido num contexto amplo permite compreender e alcanccedilar o papel e os objeti-

vos pensados para a histoacuteria enquanto disciplina escolar Nesse sentido a professora

Selva Guimaratildees (2012 p 114) analisa que devemos ldquopensar a histoacuteria como disciplina

fundamentalmente educativa formativa e emancipadorardquo partindo desta premissa

como disciplina escolar ldquoseu papel central eacute a formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica dos

homens possibilitando a construccedilatildeo de identidades a elucidaccedilatildeo do vivido potenciali-

zando a intervenccedilatildeo social a praacutexis individual e coletivardquo Se o papel central da disci-

plina Histoacuteria eacute a formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica devemos entender melhor esta

funccedilatildeo

Agrave priori faz-se necessaacuterio deixar claro o papel da consciecircncia histoacuterica na

vida praacutetica dos sujeitos utilizando as leituras de Maria Auxiliadora Schmidt e Tacircnia

Maria Garcia (2005 p 301) que colocam a consciecircncia histoacuterica sob funccedilatildeo de relacio-

nar o ldquoserrdquo (identidade) e o ldquodeverrdquo (accedilatildeo) em uma ldquonarrativa significativa que toma os

acontecimentos do passado com o objetivo de dar identidade aos sujeitos a partir de

suas experiecircncias individuais e coletivasrdquo com isso a consciecircncia histoacuterica tem a mis-

satildeo de ldquotornar inteligiacutevel o seu presente conferindo uma expectativa futura a essa

atividade atualrdquo Assim a consciecircncia histoacuterica tem uma ldquofunccedilatildeo praacuteticardquo funccedilatildeo esta

que se concretiza em ldquodar identidade aos sujeitos e fornecer agrave realidade em que eles

vivem numa dimensatildeo temporal uma orientaccedilatildeo que pode guiar a accedilatildeo intencional-

mente por meio da mediaccedilatildeo da memoacuteria histoacutericardquo (Schmidt Garcia 2005 p 301)

Consciecircncia histoacuterica eacute entendida aqui a partir dos argumentos do filoacutesofo

alematildeo Joumlrn Ruumlsen que a conceitua como ldquoa suma das operaccedilotildees mentais com as

quais os homens interpretam sua experiecircncia da evoluccedilatildeo temporal de seu mundo e

de si mesmo de forma tal que possam orientar intencionalmente sua vida praacutetica no

tempordquo (Ruumlsen apud Cerri 2011 p 30)

Evidenciada a importacircncia da consciecircncia histoacuterica e do ensino de histoacuteria

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na sua formaccedilatildeo cabe destacar o papel do ensino da histoacuteria local e regional para que

o objetivo central da disciplina histoacuteria de acordo com Guimaratildees (acima citada) seja

alcanccedilado para isto tomamos mais uma vez as palavras de Maria Auxiliadora Schmidt

(2004 p 182) que aponta que tanto crianccedilas quanto jovens ou adultos por intermeacute-

dio de uma reflexatildeo sobre o local visto como uma unidade proacutexima e contiacutegua podem

historicizar e problematizar o sentido de suas identidades relacionando-se com o

mundo de forma criacutetica a partir do local da formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica podem

mudar ou natildeo como sujeitos a proacutepria vida

Dito isto afirmamos que o ensino da histoacuteria local desempenha um papel

muito importante na formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica dos alunos sem contar que

concordando com os argumentos de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky (2003 p

28) quanto mais o aluno sentir a Histoacuteria proacutexima a ele natildeo como uma coisa externa e

distante mais se sentiraacute qualificado e inclinado a exercer seu papel de sujeito de a-

gente histoacuterico

Eacute sabido que o ensino de histoacuteria local sempre esteve presente nos debates

e diretrizes educacionais brasileiros seja como conteuacutedo ou como meacutetodo Contudo

como nos assevera Guimaratildees (2012 p 239) apesar das diretrizes e dos consensos

construiacutedos sobre a importacircncia do estudo da histoacuteria local e regional para a formaccedilatildeo

de crianccedilas e jovens ainda nos deparamos no cotidiano escolar com uma seacuterie de

dificuldades para a praacutetica deste ensino uma das dificuldades apontadas diz respeito agrave

disponibilidade de materiais didaacuteticos

No primeiro capiacutetulo da sua dissertaccedilatildeo de mestrado Flaacutevio Batista dos

Santos discute sobre o Ensino da Histoacuteria Local na Educaccedilatildeo Baacutesica iniciando sua ar-

gumentaccedilatildeo pelo lugar que o Local ocupa na historiografia e no curriacuteculo brasileiro

nesse iacutenterim aponta as dificuldades que o ensino da histoacuteria local enfrenta mais es-

pecificamente nas seacuteries finais do ensino fundamental e no ensino meacutedio

Santos afirma que

Para as seacuteries iniciais do ensino fundamental eacute comum se encontrar materiais e livros didaacuteticos voltados para o ensino da histoacuteria local ainda que os conteuacutedos sejam apresentados de maneira generalizan-te Mas para as seacuteries finais e para o ensino meacutedio os recursos didaacute-ticos referentes ao ensino e aprendizado da histoacuteria local satildeo escas-sos jaacute que os livros satildeo definidos a partir de uma avaliaccedilatildeo nacional

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as particularidades locais quase sempre ficam de fora em segundo plano isto acaba restringindo o trabalho do professor reduzindo o local a accedilotildees esporaacutedicas e particulares por parte dos professores jaacute que natildeo contam com um material didaacuteticos agrave disposiccedilatildeo para utilizar em suas aulas (Santos 2014 p 26)

Jaacute fora apresentado anteriormente outras maneiras de se trabalhar com a

histoacuteria local para aleacutem dos livros didaacuteticos como propuseram Horn e Germinari

(2010 p135) a partir de arquivos familiares por exemplo Assim sendo ldquoo livro didaacute-

tico eacute uma fonte uacutetil desde que natildeo seja considerado o lugar de toda a Histoacuteriardquo (Gui-

maratildees 2012 p 106) ou seja o livro didaacutetico eacute uma importante ferramenta mas natildeo

eacute a uacutenica Contudo como aponta Maria Laura P B Franco apesar de deixarem a dese-

jar em muitos aspectos os livros didaacuteticos acabam sendo adotados porque o profes-

sor obrigado a lecionar o dia todo em com um volume muito grande de provas para

corrigir natildeo tem tempo para preparar seus proacuteprios textos aceitando a comodidade

de contar com um material pronto para ser utilizado (Franco 1982 p 15)

Segundo Bittencourt os livros didaacuteticos satildeo os instrumentos de trabalho

mais utilizados por professores e alunos sendo muito faacutecil diferenciaacute-los dos demais

livros contudo de difiacutecil definiccedilatildeo pois trata-se de um objeto de ldquomuacuteltiplas facetasrdquo

cujo processo de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo sofrem interferecircncia de inuacutemeros

sujeitos (Bittencourt 2011 p 301) A autora acrescenta agraves muacuteltiplas facetas que o

livro didaacutetico possui ao serem analisadas como suporte de conhecimentos escolares

propostos pelos curriacuteculos educacionais tambeacutem como mercadoria como veiacuteculos de

um sistema de valores etc (Ibidem p 301-306)

Corroborando e utilizando as proacuteprias palavras de Bittencourt (1993) e Ka-

zumi Munakata (1994) entre outros autores e autoras Deacutecio Gatti Juacutenior define o livro

didaacutetico da seguinte forma

Material impresso estruturado ou adequado a ser utilizado num pro-cesso de aprendizagem ou formaccedilatildeo materiais caracterizados pela seriaccedilatildeo dos conteuacutedos mercadoria depositaacuterio de conteuacutedos edu-cacionais instrumento pedagoacutegico portador de um sistema de valo-res suporte na formulaccedilatildeo de uma Histoacuteria Nacional fontes de regis-tros de experiecircncias e de relaccedilotildees pedagoacutegicas da eacutepoca e ainda co-mo materiais reveladores de acircngulos do cotidiano escolar e do fazer-se da cultura nacional (Gatti Juacutenior 2004 p 34-35)

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Como podemos perceber trata-se de um objeto multifacetado que preci-

sar ser contextualizado e analisado considerando essas muacuteltiplas facetas Com relaccedilatildeo

aos paradidaacuteticos de acordo com Ernesta Zamboni (1991) considera-se na visatildeo dos

editores as publicaccedilotildees que tecircm como objetivo subsidiar o trabalho docente diferen-

ciando-se do livro didaacutetico natildeo em conteuacutedo mas em forma Esta denominaccedilatildeo ndash pa-

radidaacutetico segundo Zamboni apareceu em cataacutelogos editoriais no final da deacutecada de

1970 (Zamboni 1991 p 11)

Kazumi Munakata (1997) caracteriza os livros paradidaacuteticos como livros

que diferem de um livro didaacutetico na estrutura de apresentaccedilatildeo do conteuacutedo mas satildeo

adotados no processo de ensino e aprendizagem nas escolas seja como material de

consulta do professor seja como material de pesquisa e de apoio agraves atividades do e-

ducando (Munakata 1997 p 103)

Gatti Juacutenior (2004) ratifica o exposto por Zamboni (1991) e Munakata

(1997) apontando que em finais da deacutecada de 1970 os chamados paradidaacuteticos eram

pequenos livros com temas uacutenico empregados como auxiacutelio do processo de ensino

para aleacutem do livro didaacutetico (Gatti Juacutenior 2004 p 167) O autor afirma que para aten-

der agrave demanda referente ao estudo e ao ensino da Histoacuteria RegionalLocal os livros

paradidaacuteticos foram uma opccedilatildeo especialmente antes do surgimento dos livros didaacuteti-

cos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209

Os livros didaacuteticos em vias de regra satildeo produzidos para o mercado na-

cional Gatti Juacutenior (2004) mostra que isto eacute preocupante inclusive para os proacuteprios

autores de livros didaacuteticos como o demonstrado nas palavras de alguns entrevistados

ao pensarem sobre as diversidades regionais brasileiras ldquoquando fico sabendo que o

meu livro estaacute sendo adotado no Amazonas fico pensando se realmente seria o livro

mais indicado para o Amazonas porque eu natildeo conheccedilo a realidade do Amazonasrdquo

(Faria Berutti apud Gatti Juacutenior 2004 p 208) Gatti Juacutenior acrescenta

Haacute dificuldades enormes mas tambeacutem alguns avanccedilos em diversos Estados brasileiros com o desdobramento da pesquisa regional tecircm sido possiacuteveis a produccedilatildeo de livros didaacuteticos que abordam com pro-priedade as questotildees e especificidades locais [] mas antes mesmo desta tendecircncia em produccedilatildeo de livros regionalizados aparecer esta-vam consolidados no mercado brasileiro os chamados livros paradi-daacuteticos que para alguns editores poderiam suprir essa carecircncia por

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textos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209)

Satildeo poucas as cidades brasileiras que contam com livros didaacuteticos destina-

dos ao ensino da Histoacuteria Local os tiacutetulos sobre a histoacuteria regional satildeo encontrados

com mais facilidade como no caso do Amapaacute com os livros sobre a histoacuteria regional -

Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008 e 2011) e tiacutetulos paradidaacuteticos como Histoacuteria do

Amapaacute o passado eacute o espelho do presente (2009 e 2011) que constituem os objetos de

anaacutelise deste artigo a partir de agora

2 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute

Ao se iniciar o ano de 2008 a Assembleia Legislativa do Estado do Amapaacute

(ALAP) aprovou a lei nordm 1183 (referente ao projeto de lei nordm 01152007) de autoria do

deputado Manoel Mandi autorizando o Poder Executivo a instituir no Ensino Funda-

mental eou Meacutedio da rede puacuteblica estadual de ensino a disciplina de Histoacuteria do A-

mapaacute O objetivo da criaccedilatildeo da disciplina consiste em formar cidadatildeos conscientes da

identidade potencial e valorizaccedilatildeo do nosso Estado para isto permanecendo na parte

diversificada do curriacuteculo o conteuacutedo poderia ser disposto em uma seacuterie determinada

ou distribuiacutedo em vaacuterias seacuteries

Com o exposto na lei verificou-se a necessidade de se desenvolver materi-

ais didaacuteticos para tornar mais viaacutevel a comunicaccedilatildeo dos conteuacutedos aos alunos e o al-

cance dos objetivos propostos para a disciplina Diante desta demanda no mesmo ano

foi publicado o livro didaacutetico intitulado Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008) de auto-

ria do professor de histoacuteria Marcelo Andreacute Soares e da pedagoga Maria Emiacutelia Brito

Rodrigues este livro fora reeditado em 2011 adquirido pelo PNLD ndash Programa Nacio-

nal do Livro Didaacutetico do MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e distribuiacutedo para as escolas

estaduais e municipais para serem utilizados nos anos letivos de 2013 2014 e 2015

O livro eacute composto por 128 paacuteginas dividido em sete unidades de estudo

que abordam vaacuterios aspectos da histoacuteria do Amapaacute como a presenccedila indiacutegena e africa-

na a organizaccedilatildeo amapaense na eacutepoca da colonizaccedilatildeo brasileira a criaccedilatildeo do Territoacute-

rio Federal do Amapaacute o Amapaacute apoacutes se transformar em Estado e na atualidade enfati-

zando aspectos poliacuteticos econocircmico sociais e culturais desse processo histoacuterico Den-

tro das unidades encontramos algumas narrativas sobre a histoacuteria de alguns municiacute-

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pios amapaenses como Mazagatildeo Oiapoque Serra do Navio Santana Laranjal do Jari

etc

Tal material didaacutetico fora recebido com entusiasmo no municiacutepio de Laran-

jal do Jari contudo em uma reuniatildeo para leitura e planejamento com professores da

disciplina de Histoacuteria e Oficina de Trabalho que contemplavam em suas matrizes curri-

culares os conteuacutedos de Histoacuteria do Amapaacute observou-se inuacutemeras lacunas e superfici-

alidades nos textos apresentados por Soares e Rodrigues

A narrativa apresentada contribui para a legitimaccedilatildeo de alguns estereoacuteti-

pos como por exemplo ao abordar a formaccedilatildeo do municiacutepio de Laranjal do Jari os

autores ainda se referem a ele pelo antigo nome de ldquoBeiradatildeordquo e limitam suas argu-

mentaccedilotildees a trecircs paraacutegrafos colocando a constituiccedilatildeo da vila como um problema so-

cial causado pela implantaccedilatildeo do Projeto Jari enfatizando as condiccedilotildees precaacuterias em

que a vila foi criada caracterizando-a como uma verdadeira ldquofavela sobre o riordquo

Quanto ao aspecto social o maior problema provocado pelo Projeto Jari foi a ocupaccedilatildeo desordenada da regiatildeo por migrantes de todas as partes do paiacutes principalmente do Norte e Nordeste que foram para laacute em busca de emprego Como grande parte desses migrantes natildeo conseguiu o tatildeo sonhado emprego o resultado foi a formaccedilatildeo de um enorme aglomerado de casebres conhecido como Beiradatildeo agraves mar-gens do rio Jari em condiccedilotildees precaacuterias O contraste que existe no local eacute muito evidente numa margem do rio Jari estatildeo as palafitas do Beiradatildeo e na outra margem as casas preacute-fabricadas feitas para funcionaacuterios do Projeto Jari Aleacutem das condiccedilotildees miseraacuteveis o desemprego na regiatildeo provocou tambeacutem outros seacuterios problemas como os altos iacutendices de violecircncia a prostituiccedilatildeo e inuacutemeras doenccedilas provocadas pelas precaacuterias condi-ccedilotildees de saneamento baacutesico tornando a regiatildeo uma verdadeira ldquofave-la sobre o riordquo (Soares Rodrigues 2011 p76-77)

Esta narrativa contida na quinta unidade do livro em questatildeo precisamen-

te no subtema ndash O Projeto Jari riqueza e miseacuteria no Amapaacute ndash permite questionar uma

seacuterie de elementos dentre eles qual a representaccedilatildeo desse discurso no imaginaacuterio

social da ou sobre a cidade como ela pode influenciar na formaccedilatildeo da consciecircncia

histoacuterica dos alunos a construccedilatildeo desse estereoacutetipo eacute corroborada por outros meios

de comunicaccedilatildeo e difusatildeo do saber

Este uacuteltimo questionamento pode ser facilmente respondido pois Laranjal

do Jari eacute retratado em inuacutemeras outras narrativas como uma enorme favela fluvial

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surgida como consequecircncia social de um empreendimento empresarial implantado na

regiatildeo ao final da deacutecada de 1960 Em um livro paradidaacutetico intitulado Histoacuteria do A-

mapaacute o passado eacute o espelho do presente de autoria de Paulo Dias Morais publicado

no ano de 2009 e reeditado em 2011 a histoacuteria de Laranjal eacute retratada da seguinte

forma

O Projeto Jari [] por se tratar de um projeto grandioso necessitava de bastante matildeo-de-obra Muitos trabalhadores se dirigiram para laacute visando melhores condiccedilotildees de vida Uma grande parte dos trabalha-dores eram contratados temporariamente por empreiteiras que natildeo asseguravam os direitos trabalhistas quando eram dispensados pela companhia Estes natildeo dispunham de recursos para moradia e nem para retornarem aos seus locais de origem Por isso a maioria foi obrigada a viver agraves margens do Rio Jari e Vitoacute-ria do Jari em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene Isso fez com que surgissem aacutereas como lsquoBeiradatildeo e Beiradinhorsquo que se tor-naram as maiores favelas fluviais do mundo sendo uma das mais po-bres e violentas da populaccedilatildeo brasileira A prostituiccedilatildeo chegou a iacutendi-ce alarmante e para completar essas aacutereas passaram pelo esqueci-mento do governo por muito tempo (Morais 2011 p 94 e 95)

Podemos notar que tanto a produccedilatildeo didaacutetica como a paradidaacutetica acima

citadas apresentam narrativas semelhantes ao se referirem ao surgimento do municiacute-

pio de Laranjal do Jari o que leva as seguintes questotildees quais fontes os autores utili-

zaram como foi instituiacutedo o estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo Na ten-

tativa de responder a tais interrogaccedilotildees cabe conhecer um pouco mais a historiografia

sobre a formaccedilatildeo do municiacutepio

3 A dita ldquomaior favela fluvial do mundordquo um breve histoacuterico sobre o municiacutepio de

Laranjal do Jari

Laranjal do Jari eacute uma cidade situada ao norte da Amazocircnia Brasileira pre-

cisamente sudoeste do Estado do Amapaacute distante cerca de 265km da capital Macapaacute

Atualmente constitui o 3ordm maior municiacutepio do Estado com uma populaccedilatildeo estimada

em torno de 47000 habitantes (dados do IBGE2016) Foi criado oficialmente atraveacutes

do Decreto nordm 7639 publicado em 17 de dezembro de 1987 que o desmembrou do

municiacutepio de Mazagatildeo com o qual faz limite aleacutem dos municiacutepios de Oiapoque Pedra

Branca do Amapari Almeirim (Estado do Paraacute) e territoacuterios internacionais como Guia-

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na Francesa e Suriname Segundo a professora Socircnia Maria Clareto (2003)

A ocupaccedilatildeo da regiatildeo Laranjal do Jari teve iniacutecio com holandeses e ingleses que em busca de especiarias subiam o rio Amazonas O lo-cal fora praticamente esquecido pelos portugueses ateacute que em 1623 comeccedilou uma longa batalha para expulsar os estrangeiros Padres je-suiacutetas e franciscanos tiveram um forte envolvimento na ocupaccedilatildeo da regiatildeo fundando conventos e catequizando indiacutegenas Tambeacutem os nordestinos desempenharam aiacute importante papel sobretudo no auge do ciclo da borracha entre 1872 e 1920 (Clareto 2003 p 83)

De acordo com o escritor Cristoacutevatildeo Lins (2001) dentre os nordestinos que

desempenharam papel importante na ocupaccedilatildeo da regiatildeo eacute importante destacar a

pessoa de Joseacute Juacutelio de Andrade o cearense que aos 28 anos de idade jaacute era conside-

rado o maior comerciante da regiatildeo do Jari e um dos maiores latifundiaacuterios do mundo

proprietaacuterio de cerca de trecircs milhotildees de hectares de terras com propriedades nos

municiacutepios de Almeirim e Porto de Moz (no Estado do Paraacute) e Mazagatildeo (Laranjal e Vi-

toacuteria do Jari no Estado do Amapaacute)

Segundo Anna Greissing (2011) a regiatildeo do Jari se caracteriza por uma flo-

resta primaacuteria tropical muito rica em recursos naturais principalmente a castanha do

Paraacute (bertholletia excelsa) e a seringa (hevea brasiliensis) cuja exploraccedilatildeo sempre

constituiu a fonte principal de subsistecircncia para as populaccedilotildees extrativistas Jaacute nos

tempos da colonizaccedilatildeo os missionaacuterios instalados na regiatildeo do Jari enriqueciam-se

com a comercializaccedilatildeo das ldquodrogas do sertatildeordquo

A organizaccedilatildeo da atividade extrativista no Jari em uma comercializaccedilatildeo no

estilo de uma empresa desenvolveu-se a partir do final do seacuteculo XIX com a apariccedilatildeo

na regiatildeo do cearense Joseacute Juacutelio de Andrade em 1882 em pleno apogeu do ciclo da

borracha (Greissing 2011 p 46) Mesmo quando o ciclo da borracha comeccedilou a decli-

nar entre 1907 e 1920 ele se manteve como forte comerciante pois tinha atividades

econocircmicas tambeacutem na pecuaacuteria e na coleta de castanha (Clareto 2003 p 83)

Joseacute Juacutelio adquiriu o tiacutetulo honoriacutefico militar do Exeacutercito de Coronel da

Guarda Nacional Elegeu-se Senador da Cacircmara de Beleacutem com sucessivos mandatos

tornando-se um homem extremamente influente no campo poliacutetico social e econocircmi-

co do Baixo Amazonas ateacute a revoluccedilatildeo de 1930 quando o Tenente Magalhatildees Barata

Interventor Federal no Paraacute declarou o ldquocoronelrdquo como inimigo devido o mesmo ser

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 4: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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indicam um novo enfoque sobre a histoacuteria local motivado principalmente pelo inte-

resse pela histoacuteria socialrdquo este novo enfoque tem a intenccedilatildeo de ldquorecuperar a histoacuteria

das sociedades como um todo a histoacuteria das pessoas comunsrdquo

A partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Brasileira nordm 939496 e

dos Paracircmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental (1997) e meacutedio

(1999) como afirma Schmidt e Cainelli (2009 p 138) houve maior valorizaccedilatildeo da his-

toacuteria local pelos historiadores nesse contexto ldquoas atividades relacionadas com o estu-

do do meio e da localidade satildeo enfaticamente indicadas como renovadoras para o

ensino da Histoacuteria e salutares para o desenvolvimento da aprendizagemrdquo A LDB nordm

939496 precisamente no artigo nordm 26 estabelece como diretriz curricular para todo

territoacuterio nacional

Os curriacuteculos do ensino fundamental e meacutedio devem ter uma base nacional comum a ser complementada em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar por uma parte diversificada exigida pelas caracteriacutesticas regionais e locais da sociedade da cultura da econo-mia e da clientela (Brasil 1996 p 16)

Assim sendo os curriacuteculos devem adotar os conhecimentos comuns ao

acircmbito nacional mas tambeacutem considerar as singularidades dos saberes do lugar de

vivecircncia dos alunos e professores

Os Paracircmetros Curriculares Nacionais elaborados pelo Ministeacuterio da Edu-

caccedilatildeo para a disciplina de Histoacuteria dentro do Ensino Fundamental tambeacutem discorrem

sobre o estudo da histoacuteria local e regional corroborando com o direcionamento da

LDB anteriormente citado

A escolha dos conteuacutedos relevantes a serem estudados feita neste documento parte das problemaacuteticas locais em que estatildeo inseridas as crianccedilas e as escolas natildeo perdendo de vista que as questotildees que di-mensionam essas realidades estatildeo envolvidas em problemaacuteticas re-gionais nacionais e mundiais (Brasil 1997 p 43)

Os PCN enfatizam que a partir do ensino e aprendizagem da histoacuteria local

os alunos poderatildeo compreender as semelhanccedilas e as diferenccedilas as permanecircncias e as

transformaccedilotildees no modo de vida social cultural econocircmico de sua cidade no passado

e no presente mediante a leitura de diferentes obras Ou seja este ensino contribui

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significativamente para a educaccedilatildeo e formaccedilatildeo do pensamento histoacuterico do estudante

A historiadora Maria Auxiliadora Schmidt coloca a histoacuteria local como uma estrateacutegia

de ensino pois

Trata-se de uma forma de abordar a aprendizagem a construccedilatildeo e a compreensatildeo do conhecimento histoacuterico a partir de proposiccedilotildees que tenham a ver com os interesses dos alunos suas aproximaccedilotildees cogni-tivas e afetivas suas vivecircncias culturais com as possibilidades de de-senvolver atividades vinculadas diretamente com a vida cotidiana

entendida como expressatildeo concreta de problemas mais amplos (S-chmidt 2007 p 190)

Colocada como meacutetodo por Geraldo Balduiacuteno Horn e Geyso Dongley Ger-

minari (2010) a histoacuteria local tem sua importacircncia reafirmada Os autores apresentam

algumas metodologias que podem ser utilizadas para se ministrar essa temaacutetica para

aleacutem dos livros didaacuteticos Horn e Germinari (2010 p118) entendem a histoacuteria local

como aquela que desenvolve anaacutelises de pequenos e meacutedios municiacutepios e que se trata

de uma temaacutetica que jaacute vem sendo proposta nos curriacuteculos do ensino fundamental

brasileiro haacute pelo menos duas deacutecadas assumindo diferentes formas de abordagem

De acordo com estes autores

Utilizando-se do tempo presente para retroceder ao passado local regional nacional e internacional Isto significa definir accedilotildees pedagoacute-gicas que privilegiem o tempo vivido do aluno como ponto de partida para outros tempos estabelecendo assim uma relaccedilatildeo do presente com o passado Para alcanccedilar essa dimensatildeo no ensino de Histoacuteria eacute necessaacuterio bus-car uma estrateacutegia pedagoacutegica que tome o processo histoacuterico local construiacutedo pelas pessoas comuns como elemento para relacionar as experiecircncias do aluno com questotildees experimentadas coletivamente para entatildeo buscar articulaccedilotildees com contextos regionais nacionais e internacionais Nessa perspectiva a Histoacuteria Local deixa de ser ape-nas conteuacutedo para ser um meacutetodo de ensino (Horn Germinari 2010 p 142)

Utilizando-se das palavras de Maria Cacircndida Proenccedila os autores apontam

que a histoacuteria local tem aproveitado as novas metodologias utilizando-se de novas

fontes quantitativas eou qualitativas apresentando temas que poderatildeo ter um apro-

veitamento didaacutetico motivador e estimulante (Proenccedila apud Horn Germinari 2010 p

119)

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Neste contexto de acordo com Bittencourt (2011 p 117) eacute necessaacuterio

que o aluno desenvolva a capacidade de observaccedilatildeo do meio proacuteximo para que possa

atribuir cada vez mais importacircncia aos elementos de sua vivecircncia tais como a proacutepria

moradia fotografias artigos de jornais e revistas considerando-os como objeto de

estudo portadores de informaccedilotildees histoacutericas possiacuteveis de serem recuperadas

Tanto como conteuacutedo ou como meacutetodo o ensino da histoacuteria local e regio-

nal inserido num contexto amplo permite compreender e alcanccedilar o papel e os objeti-

vos pensados para a histoacuteria enquanto disciplina escolar Nesse sentido a professora

Selva Guimaratildees (2012 p 114) analisa que devemos ldquopensar a histoacuteria como disciplina

fundamentalmente educativa formativa e emancipadorardquo partindo desta premissa

como disciplina escolar ldquoseu papel central eacute a formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica dos

homens possibilitando a construccedilatildeo de identidades a elucidaccedilatildeo do vivido potenciali-

zando a intervenccedilatildeo social a praacutexis individual e coletivardquo Se o papel central da disci-

plina Histoacuteria eacute a formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica devemos entender melhor esta

funccedilatildeo

Agrave priori faz-se necessaacuterio deixar claro o papel da consciecircncia histoacuterica na

vida praacutetica dos sujeitos utilizando as leituras de Maria Auxiliadora Schmidt e Tacircnia

Maria Garcia (2005 p 301) que colocam a consciecircncia histoacuterica sob funccedilatildeo de relacio-

nar o ldquoserrdquo (identidade) e o ldquodeverrdquo (accedilatildeo) em uma ldquonarrativa significativa que toma os

acontecimentos do passado com o objetivo de dar identidade aos sujeitos a partir de

suas experiecircncias individuais e coletivasrdquo com isso a consciecircncia histoacuterica tem a mis-

satildeo de ldquotornar inteligiacutevel o seu presente conferindo uma expectativa futura a essa

atividade atualrdquo Assim a consciecircncia histoacuterica tem uma ldquofunccedilatildeo praacuteticardquo funccedilatildeo esta

que se concretiza em ldquodar identidade aos sujeitos e fornecer agrave realidade em que eles

vivem numa dimensatildeo temporal uma orientaccedilatildeo que pode guiar a accedilatildeo intencional-

mente por meio da mediaccedilatildeo da memoacuteria histoacutericardquo (Schmidt Garcia 2005 p 301)

Consciecircncia histoacuterica eacute entendida aqui a partir dos argumentos do filoacutesofo

alematildeo Joumlrn Ruumlsen que a conceitua como ldquoa suma das operaccedilotildees mentais com as

quais os homens interpretam sua experiecircncia da evoluccedilatildeo temporal de seu mundo e

de si mesmo de forma tal que possam orientar intencionalmente sua vida praacutetica no

tempordquo (Ruumlsen apud Cerri 2011 p 30)

Evidenciada a importacircncia da consciecircncia histoacuterica e do ensino de histoacuteria

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na sua formaccedilatildeo cabe destacar o papel do ensino da histoacuteria local e regional para que

o objetivo central da disciplina histoacuteria de acordo com Guimaratildees (acima citada) seja

alcanccedilado para isto tomamos mais uma vez as palavras de Maria Auxiliadora Schmidt

(2004 p 182) que aponta que tanto crianccedilas quanto jovens ou adultos por intermeacute-

dio de uma reflexatildeo sobre o local visto como uma unidade proacutexima e contiacutegua podem

historicizar e problematizar o sentido de suas identidades relacionando-se com o

mundo de forma criacutetica a partir do local da formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica podem

mudar ou natildeo como sujeitos a proacutepria vida

Dito isto afirmamos que o ensino da histoacuteria local desempenha um papel

muito importante na formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica dos alunos sem contar que

concordando com os argumentos de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky (2003 p

28) quanto mais o aluno sentir a Histoacuteria proacutexima a ele natildeo como uma coisa externa e

distante mais se sentiraacute qualificado e inclinado a exercer seu papel de sujeito de a-

gente histoacuterico

Eacute sabido que o ensino de histoacuteria local sempre esteve presente nos debates

e diretrizes educacionais brasileiros seja como conteuacutedo ou como meacutetodo Contudo

como nos assevera Guimaratildees (2012 p 239) apesar das diretrizes e dos consensos

construiacutedos sobre a importacircncia do estudo da histoacuteria local e regional para a formaccedilatildeo

de crianccedilas e jovens ainda nos deparamos no cotidiano escolar com uma seacuterie de

dificuldades para a praacutetica deste ensino uma das dificuldades apontadas diz respeito agrave

disponibilidade de materiais didaacuteticos

No primeiro capiacutetulo da sua dissertaccedilatildeo de mestrado Flaacutevio Batista dos

Santos discute sobre o Ensino da Histoacuteria Local na Educaccedilatildeo Baacutesica iniciando sua ar-

gumentaccedilatildeo pelo lugar que o Local ocupa na historiografia e no curriacuteculo brasileiro

nesse iacutenterim aponta as dificuldades que o ensino da histoacuteria local enfrenta mais es-

pecificamente nas seacuteries finais do ensino fundamental e no ensino meacutedio

Santos afirma que

Para as seacuteries iniciais do ensino fundamental eacute comum se encontrar materiais e livros didaacuteticos voltados para o ensino da histoacuteria local ainda que os conteuacutedos sejam apresentados de maneira generalizan-te Mas para as seacuteries finais e para o ensino meacutedio os recursos didaacute-ticos referentes ao ensino e aprendizado da histoacuteria local satildeo escas-sos jaacute que os livros satildeo definidos a partir de uma avaliaccedilatildeo nacional

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as particularidades locais quase sempre ficam de fora em segundo plano isto acaba restringindo o trabalho do professor reduzindo o local a accedilotildees esporaacutedicas e particulares por parte dos professores jaacute que natildeo contam com um material didaacuteticos agrave disposiccedilatildeo para utilizar em suas aulas (Santos 2014 p 26)

Jaacute fora apresentado anteriormente outras maneiras de se trabalhar com a

histoacuteria local para aleacutem dos livros didaacuteticos como propuseram Horn e Germinari

(2010 p135) a partir de arquivos familiares por exemplo Assim sendo ldquoo livro didaacute-

tico eacute uma fonte uacutetil desde que natildeo seja considerado o lugar de toda a Histoacuteriardquo (Gui-

maratildees 2012 p 106) ou seja o livro didaacutetico eacute uma importante ferramenta mas natildeo

eacute a uacutenica Contudo como aponta Maria Laura P B Franco apesar de deixarem a dese-

jar em muitos aspectos os livros didaacuteticos acabam sendo adotados porque o profes-

sor obrigado a lecionar o dia todo em com um volume muito grande de provas para

corrigir natildeo tem tempo para preparar seus proacuteprios textos aceitando a comodidade

de contar com um material pronto para ser utilizado (Franco 1982 p 15)

Segundo Bittencourt os livros didaacuteticos satildeo os instrumentos de trabalho

mais utilizados por professores e alunos sendo muito faacutecil diferenciaacute-los dos demais

livros contudo de difiacutecil definiccedilatildeo pois trata-se de um objeto de ldquomuacuteltiplas facetasrdquo

cujo processo de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo sofrem interferecircncia de inuacutemeros

sujeitos (Bittencourt 2011 p 301) A autora acrescenta agraves muacuteltiplas facetas que o

livro didaacutetico possui ao serem analisadas como suporte de conhecimentos escolares

propostos pelos curriacuteculos educacionais tambeacutem como mercadoria como veiacuteculos de

um sistema de valores etc (Ibidem p 301-306)

Corroborando e utilizando as proacuteprias palavras de Bittencourt (1993) e Ka-

zumi Munakata (1994) entre outros autores e autoras Deacutecio Gatti Juacutenior define o livro

didaacutetico da seguinte forma

Material impresso estruturado ou adequado a ser utilizado num pro-cesso de aprendizagem ou formaccedilatildeo materiais caracterizados pela seriaccedilatildeo dos conteuacutedos mercadoria depositaacuterio de conteuacutedos edu-cacionais instrumento pedagoacutegico portador de um sistema de valo-res suporte na formulaccedilatildeo de uma Histoacuteria Nacional fontes de regis-tros de experiecircncias e de relaccedilotildees pedagoacutegicas da eacutepoca e ainda co-mo materiais reveladores de acircngulos do cotidiano escolar e do fazer-se da cultura nacional (Gatti Juacutenior 2004 p 34-35)

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Como podemos perceber trata-se de um objeto multifacetado que preci-

sar ser contextualizado e analisado considerando essas muacuteltiplas facetas Com relaccedilatildeo

aos paradidaacuteticos de acordo com Ernesta Zamboni (1991) considera-se na visatildeo dos

editores as publicaccedilotildees que tecircm como objetivo subsidiar o trabalho docente diferen-

ciando-se do livro didaacutetico natildeo em conteuacutedo mas em forma Esta denominaccedilatildeo ndash pa-

radidaacutetico segundo Zamboni apareceu em cataacutelogos editoriais no final da deacutecada de

1970 (Zamboni 1991 p 11)

Kazumi Munakata (1997) caracteriza os livros paradidaacuteticos como livros

que diferem de um livro didaacutetico na estrutura de apresentaccedilatildeo do conteuacutedo mas satildeo

adotados no processo de ensino e aprendizagem nas escolas seja como material de

consulta do professor seja como material de pesquisa e de apoio agraves atividades do e-

ducando (Munakata 1997 p 103)

Gatti Juacutenior (2004) ratifica o exposto por Zamboni (1991) e Munakata

(1997) apontando que em finais da deacutecada de 1970 os chamados paradidaacuteticos eram

pequenos livros com temas uacutenico empregados como auxiacutelio do processo de ensino

para aleacutem do livro didaacutetico (Gatti Juacutenior 2004 p 167) O autor afirma que para aten-

der agrave demanda referente ao estudo e ao ensino da Histoacuteria RegionalLocal os livros

paradidaacuteticos foram uma opccedilatildeo especialmente antes do surgimento dos livros didaacuteti-

cos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209

Os livros didaacuteticos em vias de regra satildeo produzidos para o mercado na-

cional Gatti Juacutenior (2004) mostra que isto eacute preocupante inclusive para os proacuteprios

autores de livros didaacuteticos como o demonstrado nas palavras de alguns entrevistados

ao pensarem sobre as diversidades regionais brasileiras ldquoquando fico sabendo que o

meu livro estaacute sendo adotado no Amazonas fico pensando se realmente seria o livro

mais indicado para o Amazonas porque eu natildeo conheccedilo a realidade do Amazonasrdquo

(Faria Berutti apud Gatti Juacutenior 2004 p 208) Gatti Juacutenior acrescenta

Haacute dificuldades enormes mas tambeacutem alguns avanccedilos em diversos Estados brasileiros com o desdobramento da pesquisa regional tecircm sido possiacuteveis a produccedilatildeo de livros didaacuteticos que abordam com pro-priedade as questotildees e especificidades locais [] mas antes mesmo desta tendecircncia em produccedilatildeo de livros regionalizados aparecer esta-vam consolidados no mercado brasileiro os chamados livros paradi-daacuteticos que para alguns editores poderiam suprir essa carecircncia por

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textos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209)

Satildeo poucas as cidades brasileiras que contam com livros didaacuteticos destina-

dos ao ensino da Histoacuteria Local os tiacutetulos sobre a histoacuteria regional satildeo encontrados

com mais facilidade como no caso do Amapaacute com os livros sobre a histoacuteria regional -

Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008 e 2011) e tiacutetulos paradidaacuteticos como Histoacuteria do

Amapaacute o passado eacute o espelho do presente (2009 e 2011) que constituem os objetos de

anaacutelise deste artigo a partir de agora

2 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute

Ao se iniciar o ano de 2008 a Assembleia Legislativa do Estado do Amapaacute

(ALAP) aprovou a lei nordm 1183 (referente ao projeto de lei nordm 01152007) de autoria do

deputado Manoel Mandi autorizando o Poder Executivo a instituir no Ensino Funda-

mental eou Meacutedio da rede puacuteblica estadual de ensino a disciplina de Histoacuteria do A-

mapaacute O objetivo da criaccedilatildeo da disciplina consiste em formar cidadatildeos conscientes da

identidade potencial e valorizaccedilatildeo do nosso Estado para isto permanecendo na parte

diversificada do curriacuteculo o conteuacutedo poderia ser disposto em uma seacuterie determinada

ou distribuiacutedo em vaacuterias seacuteries

Com o exposto na lei verificou-se a necessidade de se desenvolver materi-

ais didaacuteticos para tornar mais viaacutevel a comunicaccedilatildeo dos conteuacutedos aos alunos e o al-

cance dos objetivos propostos para a disciplina Diante desta demanda no mesmo ano

foi publicado o livro didaacutetico intitulado Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008) de auto-

ria do professor de histoacuteria Marcelo Andreacute Soares e da pedagoga Maria Emiacutelia Brito

Rodrigues este livro fora reeditado em 2011 adquirido pelo PNLD ndash Programa Nacio-

nal do Livro Didaacutetico do MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e distribuiacutedo para as escolas

estaduais e municipais para serem utilizados nos anos letivos de 2013 2014 e 2015

O livro eacute composto por 128 paacuteginas dividido em sete unidades de estudo

que abordam vaacuterios aspectos da histoacuteria do Amapaacute como a presenccedila indiacutegena e africa-

na a organizaccedilatildeo amapaense na eacutepoca da colonizaccedilatildeo brasileira a criaccedilatildeo do Territoacute-

rio Federal do Amapaacute o Amapaacute apoacutes se transformar em Estado e na atualidade enfati-

zando aspectos poliacuteticos econocircmico sociais e culturais desse processo histoacuterico Den-

tro das unidades encontramos algumas narrativas sobre a histoacuteria de alguns municiacute-

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pios amapaenses como Mazagatildeo Oiapoque Serra do Navio Santana Laranjal do Jari

etc

Tal material didaacutetico fora recebido com entusiasmo no municiacutepio de Laran-

jal do Jari contudo em uma reuniatildeo para leitura e planejamento com professores da

disciplina de Histoacuteria e Oficina de Trabalho que contemplavam em suas matrizes curri-

culares os conteuacutedos de Histoacuteria do Amapaacute observou-se inuacutemeras lacunas e superfici-

alidades nos textos apresentados por Soares e Rodrigues

A narrativa apresentada contribui para a legitimaccedilatildeo de alguns estereoacuteti-

pos como por exemplo ao abordar a formaccedilatildeo do municiacutepio de Laranjal do Jari os

autores ainda se referem a ele pelo antigo nome de ldquoBeiradatildeordquo e limitam suas argu-

mentaccedilotildees a trecircs paraacutegrafos colocando a constituiccedilatildeo da vila como um problema so-

cial causado pela implantaccedilatildeo do Projeto Jari enfatizando as condiccedilotildees precaacuterias em

que a vila foi criada caracterizando-a como uma verdadeira ldquofavela sobre o riordquo

Quanto ao aspecto social o maior problema provocado pelo Projeto Jari foi a ocupaccedilatildeo desordenada da regiatildeo por migrantes de todas as partes do paiacutes principalmente do Norte e Nordeste que foram para laacute em busca de emprego Como grande parte desses migrantes natildeo conseguiu o tatildeo sonhado emprego o resultado foi a formaccedilatildeo de um enorme aglomerado de casebres conhecido como Beiradatildeo agraves mar-gens do rio Jari em condiccedilotildees precaacuterias O contraste que existe no local eacute muito evidente numa margem do rio Jari estatildeo as palafitas do Beiradatildeo e na outra margem as casas preacute-fabricadas feitas para funcionaacuterios do Projeto Jari Aleacutem das condiccedilotildees miseraacuteveis o desemprego na regiatildeo provocou tambeacutem outros seacuterios problemas como os altos iacutendices de violecircncia a prostituiccedilatildeo e inuacutemeras doenccedilas provocadas pelas precaacuterias condi-ccedilotildees de saneamento baacutesico tornando a regiatildeo uma verdadeira ldquofave-la sobre o riordquo (Soares Rodrigues 2011 p76-77)

Esta narrativa contida na quinta unidade do livro em questatildeo precisamen-

te no subtema ndash O Projeto Jari riqueza e miseacuteria no Amapaacute ndash permite questionar uma

seacuterie de elementos dentre eles qual a representaccedilatildeo desse discurso no imaginaacuterio

social da ou sobre a cidade como ela pode influenciar na formaccedilatildeo da consciecircncia

histoacuterica dos alunos a construccedilatildeo desse estereoacutetipo eacute corroborada por outros meios

de comunicaccedilatildeo e difusatildeo do saber

Este uacuteltimo questionamento pode ser facilmente respondido pois Laranjal

do Jari eacute retratado em inuacutemeras outras narrativas como uma enorme favela fluvial

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surgida como consequecircncia social de um empreendimento empresarial implantado na

regiatildeo ao final da deacutecada de 1960 Em um livro paradidaacutetico intitulado Histoacuteria do A-

mapaacute o passado eacute o espelho do presente de autoria de Paulo Dias Morais publicado

no ano de 2009 e reeditado em 2011 a histoacuteria de Laranjal eacute retratada da seguinte

forma

O Projeto Jari [] por se tratar de um projeto grandioso necessitava de bastante matildeo-de-obra Muitos trabalhadores se dirigiram para laacute visando melhores condiccedilotildees de vida Uma grande parte dos trabalha-dores eram contratados temporariamente por empreiteiras que natildeo asseguravam os direitos trabalhistas quando eram dispensados pela companhia Estes natildeo dispunham de recursos para moradia e nem para retornarem aos seus locais de origem Por isso a maioria foi obrigada a viver agraves margens do Rio Jari e Vitoacute-ria do Jari em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene Isso fez com que surgissem aacutereas como lsquoBeiradatildeo e Beiradinhorsquo que se tor-naram as maiores favelas fluviais do mundo sendo uma das mais po-bres e violentas da populaccedilatildeo brasileira A prostituiccedilatildeo chegou a iacutendi-ce alarmante e para completar essas aacutereas passaram pelo esqueci-mento do governo por muito tempo (Morais 2011 p 94 e 95)

Podemos notar que tanto a produccedilatildeo didaacutetica como a paradidaacutetica acima

citadas apresentam narrativas semelhantes ao se referirem ao surgimento do municiacute-

pio de Laranjal do Jari o que leva as seguintes questotildees quais fontes os autores utili-

zaram como foi instituiacutedo o estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo Na ten-

tativa de responder a tais interrogaccedilotildees cabe conhecer um pouco mais a historiografia

sobre a formaccedilatildeo do municiacutepio

3 A dita ldquomaior favela fluvial do mundordquo um breve histoacuterico sobre o municiacutepio de

Laranjal do Jari

Laranjal do Jari eacute uma cidade situada ao norte da Amazocircnia Brasileira pre-

cisamente sudoeste do Estado do Amapaacute distante cerca de 265km da capital Macapaacute

Atualmente constitui o 3ordm maior municiacutepio do Estado com uma populaccedilatildeo estimada

em torno de 47000 habitantes (dados do IBGE2016) Foi criado oficialmente atraveacutes

do Decreto nordm 7639 publicado em 17 de dezembro de 1987 que o desmembrou do

municiacutepio de Mazagatildeo com o qual faz limite aleacutem dos municiacutepios de Oiapoque Pedra

Branca do Amapari Almeirim (Estado do Paraacute) e territoacuterios internacionais como Guia-

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na Francesa e Suriname Segundo a professora Socircnia Maria Clareto (2003)

A ocupaccedilatildeo da regiatildeo Laranjal do Jari teve iniacutecio com holandeses e ingleses que em busca de especiarias subiam o rio Amazonas O lo-cal fora praticamente esquecido pelos portugueses ateacute que em 1623 comeccedilou uma longa batalha para expulsar os estrangeiros Padres je-suiacutetas e franciscanos tiveram um forte envolvimento na ocupaccedilatildeo da regiatildeo fundando conventos e catequizando indiacutegenas Tambeacutem os nordestinos desempenharam aiacute importante papel sobretudo no auge do ciclo da borracha entre 1872 e 1920 (Clareto 2003 p 83)

De acordo com o escritor Cristoacutevatildeo Lins (2001) dentre os nordestinos que

desempenharam papel importante na ocupaccedilatildeo da regiatildeo eacute importante destacar a

pessoa de Joseacute Juacutelio de Andrade o cearense que aos 28 anos de idade jaacute era conside-

rado o maior comerciante da regiatildeo do Jari e um dos maiores latifundiaacuterios do mundo

proprietaacuterio de cerca de trecircs milhotildees de hectares de terras com propriedades nos

municiacutepios de Almeirim e Porto de Moz (no Estado do Paraacute) e Mazagatildeo (Laranjal e Vi-

toacuteria do Jari no Estado do Amapaacute)

Segundo Anna Greissing (2011) a regiatildeo do Jari se caracteriza por uma flo-

resta primaacuteria tropical muito rica em recursos naturais principalmente a castanha do

Paraacute (bertholletia excelsa) e a seringa (hevea brasiliensis) cuja exploraccedilatildeo sempre

constituiu a fonte principal de subsistecircncia para as populaccedilotildees extrativistas Jaacute nos

tempos da colonizaccedilatildeo os missionaacuterios instalados na regiatildeo do Jari enriqueciam-se

com a comercializaccedilatildeo das ldquodrogas do sertatildeordquo

A organizaccedilatildeo da atividade extrativista no Jari em uma comercializaccedilatildeo no

estilo de uma empresa desenvolveu-se a partir do final do seacuteculo XIX com a apariccedilatildeo

na regiatildeo do cearense Joseacute Juacutelio de Andrade em 1882 em pleno apogeu do ciclo da

borracha (Greissing 2011 p 46) Mesmo quando o ciclo da borracha comeccedilou a decli-

nar entre 1907 e 1920 ele se manteve como forte comerciante pois tinha atividades

econocircmicas tambeacutem na pecuaacuteria e na coleta de castanha (Clareto 2003 p 83)

Joseacute Juacutelio adquiriu o tiacutetulo honoriacutefico militar do Exeacutercito de Coronel da

Guarda Nacional Elegeu-se Senador da Cacircmara de Beleacutem com sucessivos mandatos

tornando-se um homem extremamente influente no campo poliacutetico social e econocircmi-

co do Baixo Amazonas ateacute a revoluccedilatildeo de 1930 quando o Tenente Magalhatildees Barata

Interventor Federal no Paraacute declarou o ldquocoronelrdquo como inimigo devido o mesmo ser

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 5: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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significativamente para a educaccedilatildeo e formaccedilatildeo do pensamento histoacuterico do estudante

A historiadora Maria Auxiliadora Schmidt coloca a histoacuteria local como uma estrateacutegia

de ensino pois

Trata-se de uma forma de abordar a aprendizagem a construccedilatildeo e a compreensatildeo do conhecimento histoacuterico a partir de proposiccedilotildees que tenham a ver com os interesses dos alunos suas aproximaccedilotildees cogni-tivas e afetivas suas vivecircncias culturais com as possibilidades de de-senvolver atividades vinculadas diretamente com a vida cotidiana

entendida como expressatildeo concreta de problemas mais amplos (S-chmidt 2007 p 190)

Colocada como meacutetodo por Geraldo Balduiacuteno Horn e Geyso Dongley Ger-

minari (2010) a histoacuteria local tem sua importacircncia reafirmada Os autores apresentam

algumas metodologias que podem ser utilizadas para se ministrar essa temaacutetica para

aleacutem dos livros didaacuteticos Horn e Germinari (2010 p118) entendem a histoacuteria local

como aquela que desenvolve anaacutelises de pequenos e meacutedios municiacutepios e que se trata

de uma temaacutetica que jaacute vem sendo proposta nos curriacuteculos do ensino fundamental

brasileiro haacute pelo menos duas deacutecadas assumindo diferentes formas de abordagem

De acordo com estes autores

Utilizando-se do tempo presente para retroceder ao passado local regional nacional e internacional Isto significa definir accedilotildees pedagoacute-gicas que privilegiem o tempo vivido do aluno como ponto de partida para outros tempos estabelecendo assim uma relaccedilatildeo do presente com o passado Para alcanccedilar essa dimensatildeo no ensino de Histoacuteria eacute necessaacuterio bus-car uma estrateacutegia pedagoacutegica que tome o processo histoacuterico local construiacutedo pelas pessoas comuns como elemento para relacionar as experiecircncias do aluno com questotildees experimentadas coletivamente para entatildeo buscar articulaccedilotildees com contextos regionais nacionais e internacionais Nessa perspectiva a Histoacuteria Local deixa de ser ape-nas conteuacutedo para ser um meacutetodo de ensino (Horn Germinari 2010 p 142)

Utilizando-se das palavras de Maria Cacircndida Proenccedila os autores apontam

que a histoacuteria local tem aproveitado as novas metodologias utilizando-se de novas

fontes quantitativas eou qualitativas apresentando temas que poderatildeo ter um apro-

veitamento didaacutetico motivador e estimulante (Proenccedila apud Horn Germinari 2010 p

119)

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Neste contexto de acordo com Bittencourt (2011 p 117) eacute necessaacuterio

que o aluno desenvolva a capacidade de observaccedilatildeo do meio proacuteximo para que possa

atribuir cada vez mais importacircncia aos elementos de sua vivecircncia tais como a proacutepria

moradia fotografias artigos de jornais e revistas considerando-os como objeto de

estudo portadores de informaccedilotildees histoacutericas possiacuteveis de serem recuperadas

Tanto como conteuacutedo ou como meacutetodo o ensino da histoacuteria local e regio-

nal inserido num contexto amplo permite compreender e alcanccedilar o papel e os objeti-

vos pensados para a histoacuteria enquanto disciplina escolar Nesse sentido a professora

Selva Guimaratildees (2012 p 114) analisa que devemos ldquopensar a histoacuteria como disciplina

fundamentalmente educativa formativa e emancipadorardquo partindo desta premissa

como disciplina escolar ldquoseu papel central eacute a formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica dos

homens possibilitando a construccedilatildeo de identidades a elucidaccedilatildeo do vivido potenciali-

zando a intervenccedilatildeo social a praacutexis individual e coletivardquo Se o papel central da disci-

plina Histoacuteria eacute a formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica devemos entender melhor esta

funccedilatildeo

Agrave priori faz-se necessaacuterio deixar claro o papel da consciecircncia histoacuterica na

vida praacutetica dos sujeitos utilizando as leituras de Maria Auxiliadora Schmidt e Tacircnia

Maria Garcia (2005 p 301) que colocam a consciecircncia histoacuterica sob funccedilatildeo de relacio-

nar o ldquoserrdquo (identidade) e o ldquodeverrdquo (accedilatildeo) em uma ldquonarrativa significativa que toma os

acontecimentos do passado com o objetivo de dar identidade aos sujeitos a partir de

suas experiecircncias individuais e coletivasrdquo com isso a consciecircncia histoacuterica tem a mis-

satildeo de ldquotornar inteligiacutevel o seu presente conferindo uma expectativa futura a essa

atividade atualrdquo Assim a consciecircncia histoacuterica tem uma ldquofunccedilatildeo praacuteticardquo funccedilatildeo esta

que se concretiza em ldquodar identidade aos sujeitos e fornecer agrave realidade em que eles

vivem numa dimensatildeo temporal uma orientaccedilatildeo que pode guiar a accedilatildeo intencional-

mente por meio da mediaccedilatildeo da memoacuteria histoacutericardquo (Schmidt Garcia 2005 p 301)

Consciecircncia histoacuterica eacute entendida aqui a partir dos argumentos do filoacutesofo

alematildeo Joumlrn Ruumlsen que a conceitua como ldquoa suma das operaccedilotildees mentais com as

quais os homens interpretam sua experiecircncia da evoluccedilatildeo temporal de seu mundo e

de si mesmo de forma tal que possam orientar intencionalmente sua vida praacutetica no

tempordquo (Ruumlsen apud Cerri 2011 p 30)

Evidenciada a importacircncia da consciecircncia histoacuterica e do ensino de histoacuteria

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na sua formaccedilatildeo cabe destacar o papel do ensino da histoacuteria local e regional para que

o objetivo central da disciplina histoacuteria de acordo com Guimaratildees (acima citada) seja

alcanccedilado para isto tomamos mais uma vez as palavras de Maria Auxiliadora Schmidt

(2004 p 182) que aponta que tanto crianccedilas quanto jovens ou adultos por intermeacute-

dio de uma reflexatildeo sobre o local visto como uma unidade proacutexima e contiacutegua podem

historicizar e problematizar o sentido de suas identidades relacionando-se com o

mundo de forma criacutetica a partir do local da formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica podem

mudar ou natildeo como sujeitos a proacutepria vida

Dito isto afirmamos que o ensino da histoacuteria local desempenha um papel

muito importante na formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica dos alunos sem contar que

concordando com os argumentos de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky (2003 p

28) quanto mais o aluno sentir a Histoacuteria proacutexima a ele natildeo como uma coisa externa e

distante mais se sentiraacute qualificado e inclinado a exercer seu papel de sujeito de a-

gente histoacuterico

Eacute sabido que o ensino de histoacuteria local sempre esteve presente nos debates

e diretrizes educacionais brasileiros seja como conteuacutedo ou como meacutetodo Contudo

como nos assevera Guimaratildees (2012 p 239) apesar das diretrizes e dos consensos

construiacutedos sobre a importacircncia do estudo da histoacuteria local e regional para a formaccedilatildeo

de crianccedilas e jovens ainda nos deparamos no cotidiano escolar com uma seacuterie de

dificuldades para a praacutetica deste ensino uma das dificuldades apontadas diz respeito agrave

disponibilidade de materiais didaacuteticos

No primeiro capiacutetulo da sua dissertaccedilatildeo de mestrado Flaacutevio Batista dos

Santos discute sobre o Ensino da Histoacuteria Local na Educaccedilatildeo Baacutesica iniciando sua ar-

gumentaccedilatildeo pelo lugar que o Local ocupa na historiografia e no curriacuteculo brasileiro

nesse iacutenterim aponta as dificuldades que o ensino da histoacuteria local enfrenta mais es-

pecificamente nas seacuteries finais do ensino fundamental e no ensino meacutedio

Santos afirma que

Para as seacuteries iniciais do ensino fundamental eacute comum se encontrar materiais e livros didaacuteticos voltados para o ensino da histoacuteria local ainda que os conteuacutedos sejam apresentados de maneira generalizan-te Mas para as seacuteries finais e para o ensino meacutedio os recursos didaacute-ticos referentes ao ensino e aprendizado da histoacuteria local satildeo escas-sos jaacute que os livros satildeo definidos a partir de uma avaliaccedilatildeo nacional

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as particularidades locais quase sempre ficam de fora em segundo plano isto acaba restringindo o trabalho do professor reduzindo o local a accedilotildees esporaacutedicas e particulares por parte dos professores jaacute que natildeo contam com um material didaacuteticos agrave disposiccedilatildeo para utilizar em suas aulas (Santos 2014 p 26)

Jaacute fora apresentado anteriormente outras maneiras de se trabalhar com a

histoacuteria local para aleacutem dos livros didaacuteticos como propuseram Horn e Germinari

(2010 p135) a partir de arquivos familiares por exemplo Assim sendo ldquoo livro didaacute-

tico eacute uma fonte uacutetil desde que natildeo seja considerado o lugar de toda a Histoacuteriardquo (Gui-

maratildees 2012 p 106) ou seja o livro didaacutetico eacute uma importante ferramenta mas natildeo

eacute a uacutenica Contudo como aponta Maria Laura P B Franco apesar de deixarem a dese-

jar em muitos aspectos os livros didaacuteticos acabam sendo adotados porque o profes-

sor obrigado a lecionar o dia todo em com um volume muito grande de provas para

corrigir natildeo tem tempo para preparar seus proacuteprios textos aceitando a comodidade

de contar com um material pronto para ser utilizado (Franco 1982 p 15)

Segundo Bittencourt os livros didaacuteticos satildeo os instrumentos de trabalho

mais utilizados por professores e alunos sendo muito faacutecil diferenciaacute-los dos demais

livros contudo de difiacutecil definiccedilatildeo pois trata-se de um objeto de ldquomuacuteltiplas facetasrdquo

cujo processo de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo sofrem interferecircncia de inuacutemeros

sujeitos (Bittencourt 2011 p 301) A autora acrescenta agraves muacuteltiplas facetas que o

livro didaacutetico possui ao serem analisadas como suporte de conhecimentos escolares

propostos pelos curriacuteculos educacionais tambeacutem como mercadoria como veiacuteculos de

um sistema de valores etc (Ibidem p 301-306)

Corroborando e utilizando as proacuteprias palavras de Bittencourt (1993) e Ka-

zumi Munakata (1994) entre outros autores e autoras Deacutecio Gatti Juacutenior define o livro

didaacutetico da seguinte forma

Material impresso estruturado ou adequado a ser utilizado num pro-cesso de aprendizagem ou formaccedilatildeo materiais caracterizados pela seriaccedilatildeo dos conteuacutedos mercadoria depositaacuterio de conteuacutedos edu-cacionais instrumento pedagoacutegico portador de um sistema de valo-res suporte na formulaccedilatildeo de uma Histoacuteria Nacional fontes de regis-tros de experiecircncias e de relaccedilotildees pedagoacutegicas da eacutepoca e ainda co-mo materiais reveladores de acircngulos do cotidiano escolar e do fazer-se da cultura nacional (Gatti Juacutenior 2004 p 34-35)

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Como podemos perceber trata-se de um objeto multifacetado que preci-

sar ser contextualizado e analisado considerando essas muacuteltiplas facetas Com relaccedilatildeo

aos paradidaacuteticos de acordo com Ernesta Zamboni (1991) considera-se na visatildeo dos

editores as publicaccedilotildees que tecircm como objetivo subsidiar o trabalho docente diferen-

ciando-se do livro didaacutetico natildeo em conteuacutedo mas em forma Esta denominaccedilatildeo ndash pa-

radidaacutetico segundo Zamboni apareceu em cataacutelogos editoriais no final da deacutecada de

1970 (Zamboni 1991 p 11)

Kazumi Munakata (1997) caracteriza os livros paradidaacuteticos como livros

que diferem de um livro didaacutetico na estrutura de apresentaccedilatildeo do conteuacutedo mas satildeo

adotados no processo de ensino e aprendizagem nas escolas seja como material de

consulta do professor seja como material de pesquisa e de apoio agraves atividades do e-

ducando (Munakata 1997 p 103)

Gatti Juacutenior (2004) ratifica o exposto por Zamboni (1991) e Munakata

(1997) apontando que em finais da deacutecada de 1970 os chamados paradidaacuteticos eram

pequenos livros com temas uacutenico empregados como auxiacutelio do processo de ensino

para aleacutem do livro didaacutetico (Gatti Juacutenior 2004 p 167) O autor afirma que para aten-

der agrave demanda referente ao estudo e ao ensino da Histoacuteria RegionalLocal os livros

paradidaacuteticos foram uma opccedilatildeo especialmente antes do surgimento dos livros didaacuteti-

cos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209

Os livros didaacuteticos em vias de regra satildeo produzidos para o mercado na-

cional Gatti Juacutenior (2004) mostra que isto eacute preocupante inclusive para os proacuteprios

autores de livros didaacuteticos como o demonstrado nas palavras de alguns entrevistados

ao pensarem sobre as diversidades regionais brasileiras ldquoquando fico sabendo que o

meu livro estaacute sendo adotado no Amazonas fico pensando se realmente seria o livro

mais indicado para o Amazonas porque eu natildeo conheccedilo a realidade do Amazonasrdquo

(Faria Berutti apud Gatti Juacutenior 2004 p 208) Gatti Juacutenior acrescenta

Haacute dificuldades enormes mas tambeacutem alguns avanccedilos em diversos Estados brasileiros com o desdobramento da pesquisa regional tecircm sido possiacuteveis a produccedilatildeo de livros didaacuteticos que abordam com pro-priedade as questotildees e especificidades locais [] mas antes mesmo desta tendecircncia em produccedilatildeo de livros regionalizados aparecer esta-vam consolidados no mercado brasileiro os chamados livros paradi-daacuteticos que para alguns editores poderiam suprir essa carecircncia por

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textos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209)

Satildeo poucas as cidades brasileiras que contam com livros didaacuteticos destina-

dos ao ensino da Histoacuteria Local os tiacutetulos sobre a histoacuteria regional satildeo encontrados

com mais facilidade como no caso do Amapaacute com os livros sobre a histoacuteria regional -

Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008 e 2011) e tiacutetulos paradidaacuteticos como Histoacuteria do

Amapaacute o passado eacute o espelho do presente (2009 e 2011) que constituem os objetos de

anaacutelise deste artigo a partir de agora

2 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute

Ao se iniciar o ano de 2008 a Assembleia Legislativa do Estado do Amapaacute

(ALAP) aprovou a lei nordm 1183 (referente ao projeto de lei nordm 01152007) de autoria do

deputado Manoel Mandi autorizando o Poder Executivo a instituir no Ensino Funda-

mental eou Meacutedio da rede puacuteblica estadual de ensino a disciplina de Histoacuteria do A-

mapaacute O objetivo da criaccedilatildeo da disciplina consiste em formar cidadatildeos conscientes da

identidade potencial e valorizaccedilatildeo do nosso Estado para isto permanecendo na parte

diversificada do curriacuteculo o conteuacutedo poderia ser disposto em uma seacuterie determinada

ou distribuiacutedo em vaacuterias seacuteries

Com o exposto na lei verificou-se a necessidade de se desenvolver materi-

ais didaacuteticos para tornar mais viaacutevel a comunicaccedilatildeo dos conteuacutedos aos alunos e o al-

cance dos objetivos propostos para a disciplina Diante desta demanda no mesmo ano

foi publicado o livro didaacutetico intitulado Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008) de auto-

ria do professor de histoacuteria Marcelo Andreacute Soares e da pedagoga Maria Emiacutelia Brito

Rodrigues este livro fora reeditado em 2011 adquirido pelo PNLD ndash Programa Nacio-

nal do Livro Didaacutetico do MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e distribuiacutedo para as escolas

estaduais e municipais para serem utilizados nos anos letivos de 2013 2014 e 2015

O livro eacute composto por 128 paacuteginas dividido em sete unidades de estudo

que abordam vaacuterios aspectos da histoacuteria do Amapaacute como a presenccedila indiacutegena e africa-

na a organizaccedilatildeo amapaense na eacutepoca da colonizaccedilatildeo brasileira a criaccedilatildeo do Territoacute-

rio Federal do Amapaacute o Amapaacute apoacutes se transformar em Estado e na atualidade enfati-

zando aspectos poliacuteticos econocircmico sociais e culturais desse processo histoacuterico Den-

tro das unidades encontramos algumas narrativas sobre a histoacuteria de alguns municiacute-

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pios amapaenses como Mazagatildeo Oiapoque Serra do Navio Santana Laranjal do Jari

etc

Tal material didaacutetico fora recebido com entusiasmo no municiacutepio de Laran-

jal do Jari contudo em uma reuniatildeo para leitura e planejamento com professores da

disciplina de Histoacuteria e Oficina de Trabalho que contemplavam em suas matrizes curri-

culares os conteuacutedos de Histoacuteria do Amapaacute observou-se inuacutemeras lacunas e superfici-

alidades nos textos apresentados por Soares e Rodrigues

A narrativa apresentada contribui para a legitimaccedilatildeo de alguns estereoacuteti-

pos como por exemplo ao abordar a formaccedilatildeo do municiacutepio de Laranjal do Jari os

autores ainda se referem a ele pelo antigo nome de ldquoBeiradatildeordquo e limitam suas argu-

mentaccedilotildees a trecircs paraacutegrafos colocando a constituiccedilatildeo da vila como um problema so-

cial causado pela implantaccedilatildeo do Projeto Jari enfatizando as condiccedilotildees precaacuterias em

que a vila foi criada caracterizando-a como uma verdadeira ldquofavela sobre o riordquo

Quanto ao aspecto social o maior problema provocado pelo Projeto Jari foi a ocupaccedilatildeo desordenada da regiatildeo por migrantes de todas as partes do paiacutes principalmente do Norte e Nordeste que foram para laacute em busca de emprego Como grande parte desses migrantes natildeo conseguiu o tatildeo sonhado emprego o resultado foi a formaccedilatildeo de um enorme aglomerado de casebres conhecido como Beiradatildeo agraves mar-gens do rio Jari em condiccedilotildees precaacuterias O contraste que existe no local eacute muito evidente numa margem do rio Jari estatildeo as palafitas do Beiradatildeo e na outra margem as casas preacute-fabricadas feitas para funcionaacuterios do Projeto Jari Aleacutem das condiccedilotildees miseraacuteveis o desemprego na regiatildeo provocou tambeacutem outros seacuterios problemas como os altos iacutendices de violecircncia a prostituiccedilatildeo e inuacutemeras doenccedilas provocadas pelas precaacuterias condi-ccedilotildees de saneamento baacutesico tornando a regiatildeo uma verdadeira ldquofave-la sobre o riordquo (Soares Rodrigues 2011 p76-77)

Esta narrativa contida na quinta unidade do livro em questatildeo precisamen-

te no subtema ndash O Projeto Jari riqueza e miseacuteria no Amapaacute ndash permite questionar uma

seacuterie de elementos dentre eles qual a representaccedilatildeo desse discurso no imaginaacuterio

social da ou sobre a cidade como ela pode influenciar na formaccedilatildeo da consciecircncia

histoacuterica dos alunos a construccedilatildeo desse estereoacutetipo eacute corroborada por outros meios

de comunicaccedilatildeo e difusatildeo do saber

Este uacuteltimo questionamento pode ser facilmente respondido pois Laranjal

do Jari eacute retratado em inuacutemeras outras narrativas como uma enorme favela fluvial

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surgida como consequecircncia social de um empreendimento empresarial implantado na

regiatildeo ao final da deacutecada de 1960 Em um livro paradidaacutetico intitulado Histoacuteria do A-

mapaacute o passado eacute o espelho do presente de autoria de Paulo Dias Morais publicado

no ano de 2009 e reeditado em 2011 a histoacuteria de Laranjal eacute retratada da seguinte

forma

O Projeto Jari [] por se tratar de um projeto grandioso necessitava de bastante matildeo-de-obra Muitos trabalhadores se dirigiram para laacute visando melhores condiccedilotildees de vida Uma grande parte dos trabalha-dores eram contratados temporariamente por empreiteiras que natildeo asseguravam os direitos trabalhistas quando eram dispensados pela companhia Estes natildeo dispunham de recursos para moradia e nem para retornarem aos seus locais de origem Por isso a maioria foi obrigada a viver agraves margens do Rio Jari e Vitoacute-ria do Jari em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene Isso fez com que surgissem aacutereas como lsquoBeiradatildeo e Beiradinhorsquo que se tor-naram as maiores favelas fluviais do mundo sendo uma das mais po-bres e violentas da populaccedilatildeo brasileira A prostituiccedilatildeo chegou a iacutendi-ce alarmante e para completar essas aacutereas passaram pelo esqueci-mento do governo por muito tempo (Morais 2011 p 94 e 95)

Podemos notar que tanto a produccedilatildeo didaacutetica como a paradidaacutetica acima

citadas apresentam narrativas semelhantes ao se referirem ao surgimento do municiacute-

pio de Laranjal do Jari o que leva as seguintes questotildees quais fontes os autores utili-

zaram como foi instituiacutedo o estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo Na ten-

tativa de responder a tais interrogaccedilotildees cabe conhecer um pouco mais a historiografia

sobre a formaccedilatildeo do municiacutepio

3 A dita ldquomaior favela fluvial do mundordquo um breve histoacuterico sobre o municiacutepio de

Laranjal do Jari

Laranjal do Jari eacute uma cidade situada ao norte da Amazocircnia Brasileira pre-

cisamente sudoeste do Estado do Amapaacute distante cerca de 265km da capital Macapaacute

Atualmente constitui o 3ordm maior municiacutepio do Estado com uma populaccedilatildeo estimada

em torno de 47000 habitantes (dados do IBGE2016) Foi criado oficialmente atraveacutes

do Decreto nordm 7639 publicado em 17 de dezembro de 1987 que o desmembrou do

municiacutepio de Mazagatildeo com o qual faz limite aleacutem dos municiacutepios de Oiapoque Pedra

Branca do Amapari Almeirim (Estado do Paraacute) e territoacuterios internacionais como Guia-

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na Francesa e Suriname Segundo a professora Socircnia Maria Clareto (2003)

A ocupaccedilatildeo da regiatildeo Laranjal do Jari teve iniacutecio com holandeses e ingleses que em busca de especiarias subiam o rio Amazonas O lo-cal fora praticamente esquecido pelos portugueses ateacute que em 1623 comeccedilou uma longa batalha para expulsar os estrangeiros Padres je-suiacutetas e franciscanos tiveram um forte envolvimento na ocupaccedilatildeo da regiatildeo fundando conventos e catequizando indiacutegenas Tambeacutem os nordestinos desempenharam aiacute importante papel sobretudo no auge do ciclo da borracha entre 1872 e 1920 (Clareto 2003 p 83)

De acordo com o escritor Cristoacutevatildeo Lins (2001) dentre os nordestinos que

desempenharam papel importante na ocupaccedilatildeo da regiatildeo eacute importante destacar a

pessoa de Joseacute Juacutelio de Andrade o cearense que aos 28 anos de idade jaacute era conside-

rado o maior comerciante da regiatildeo do Jari e um dos maiores latifundiaacuterios do mundo

proprietaacuterio de cerca de trecircs milhotildees de hectares de terras com propriedades nos

municiacutepios de Almeirim e Porto de Moz (no Estado do Paraacute) e Mazagatildeo (Laranjal e Vi-

toacuteria do Jari no Estado do Amapaacute)

Segundo Anna Greissing (2011) a regiatildeo do Jari se caracteriza por uma flo-

resta primaacuteria tropical muito rica em recursos naturais principalmente a castanha do

Paraacute (bertholletia excelsa) e a seringa (hevea brasiliensis) cuja exploraccedilatildeo sempre

constituiu a fonte principal de subsistecircncia para as populaccedilotildees extrativistas Jaacute nos

tempos da colonizaccedilatildeo os missionaacuterios instalados na regiatildeo do Jari enriqueciam-se

com a comercializaccedilatildeo das ldquodrogas do sertatildeordquo

A organizaccedilatildeo da atividade extrativista no Jari em uma comercializaccedilatildeo no

estilo de uma empresa desenvolveu-se a partir do final do seacuteculo XIX com a apariccedilatildeo

na regiatildeo do cearense Joseacute Juacutelio de Andrade em 1882 em pleno apogeu do ciclo da

borracha (Greissing 2011 p 46) Mesmo quando o ciclo da borracha comeccedilou a decli-

nar entre 1907 e 1920 ele se manteve como forte comerciante pois tinha atividades

econocircmicas tambeacutem na pecuaacuteria e na coleta de castanha (Clareto 2003 p 83)

Joseacute Juacutelio adquiriu o tiacutetulo honoriacutefico militar do Exeacutercito de Coronel da

Guarda Nacional Elegeu-se Senador da Cacircmara de Beleacutem com sucessivos mandatos

tornando-se um homem extremamente influente no campo poliacutetico social e econocircmi-

co do Baixo Amazonas ateacute a revoluccedilatildeo de 1930 quando o Tenente Magalhatildees Barata

Interventor Federal no Paraacute declarou o ldquocoronelrdquo como inimigo devido o mesmo ser

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 6: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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Neste contexto de acordo com Bittencourt (2011 p 117) eacute necessaacuterio

que o aluno desenvolva a capacidade de observaccedilatildeo do meio proacuteximo para que possa

atribuir cada vez mais importacircncia aos elementos de sua vivecircncia tais como a proacutepria

moradia fotografias artigos de jornais e revistas considerando-os como objeto de

estudo portadores de informaccedilotildees histoacutericas possiacuteveis de serem recuperadas

Tanto como conteuacutedo ou como meacutetodo o ensino da histoacuteria local e regio-

nal inserido num contexto amplo permite compreender e alcanccedilar o papel e os objeti-

vos pensados para a histoacuteria enquanto disciplina escolar Nesse sentido a professora

Selva Guimaratildees (2012 p 114) analisa que devemos ldquopensar a histoacuteria como disciplina

fundamentalmente educativa formativa e emancipadorardquo partindo desta premissa

como disciplina escolar ldquoseu papel central eacute a formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica dos

homens possibilitando a construccedilatildeo de identidades a elucidaccedilatildeo do vivido potenciali-

zando a intervenccedilatildeo social a praacutexis individual e coletivardquo Se o papel central da disci-

plina Histoacuteria eacute a formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica devemos entender melhor esta

funccedilatildeo

Agrave priori faz-se necessaacuterio deixar claro o papel da consciecircncia histoacuterica na

vida praacutetica dos sujeitos utilizando as leituras de Maria Auxiliadora Schmidt e Tacircnia

Maria Garcia (2005 p 301) que colocam a consciecircncia histoacuterica sob funccedilatildeo de relacio-

nar o ldquoserrdquo (identidade) e o ldquodeverrdquo (accedilatildeo) em uma ldquonarrativa significativa que toma os

acontecimentos do passado com o objetivo de dar identidade aos sujeitos a partir de

suas experiecircncias individuais e coletivasrdquo com isso a consciecircncia histoacuterica tem a mis-

satildeo de ldquotornar inteligiacutevel o seu presente conferindo uma expectativa futura a essa

atividade atualrdquo Assim a consciecircncia histoacuterica tem uma ldquofunccedilatildeo praacuteticardquo funccedilatildeo esta

que se concretiza em ldquodar identidade aos sujeitos e fornecer agrave realidade em que eles

vivem numa dimensatildeo temporal uma orientaccedilatildeo que pode guiar a accedilatildeo intencional-

mente por meio da mediaccedilatildeo da memoacuteria histoacutericardquo (Schmidt Garcia 2005 p 301)

Consciecircncia histoacuterica eacute entendida aqui a partir dos argumentos do filoacutesofo

alematildeo Joumlrn Ruumlsen que a conceitua como ldquoa suma das operaccedilotildees mentais com as

quais os homens interpretam sua experiecircncia da evoluccedilatildeo temporal de seu mundo e

de si mesmo de forma tal que possam orientar intencionalmente sua vida praacutetica no

tempordquo (Ruumlsen apud Cerri 2011 p 30)

Evidenciada a importacircncia da consciecircncia histoacuterica e do ensino de histoacuteria

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na sua formaccedilatildeo cabe destacar o papel do ensino da histoacuteria local e regional para que

o objetivo central da disciplina histoacuteria de acordo com Guimaratildees (acima citada) seja

alcanccedilado para isto tomamos mais uma vez as palavras de Maria Auxiliadora Schmidt

(2004 p 182) que aponta que tanto crianccedilas quanto jovens ou adultos por intermeacute-

dio de uma reflexatildeo sobre o local visto como uma unidade proacutexima e contiacutegua podem

historicizar e problematizar o sentido de suas identidades relacionando-se com o

mundo de forma criacutetica a partir do local da formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica podem

mudar ou natildeo como sujeitos a proacutepria vida

Dito isto afirmamos que o ensino da histoacuteria local desempenha um papel

muito importante na formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica dos alunos sem contar que

concordando com os argumentos de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky (2003 p

28) quanto mais o aluno sentir a Histoacuteria proacutexima a ele natildeo como uma coisa externa e

distante mais se sentiraacute qualificado e inclinado a exercer seu papel de sujeito de a-

gente histoacuterico

Eacute sabido que o ensino de histoacuteria local sempre esteve presente nos debates

e diretrizes educacionais brasileiros seja como conteuacutedo ou como meacutetodo Contudo

como nos assevera Guimaratildees (2012 p 239) apesar das diretrizes e dos consensos

construiacutedos sobre a importacircncia do estudo da histoacuteria local e regional para a formaccedilatildeo

de crianccedilas e jovens ainda nos deparamos no cotidiano escolar com uma seacuterie de

dificuldades para a praacutetica deste ensino uma das dificuldades apontadas diz respeito agrave

disponibilidade de materiais didaacuteticos

No primeiro capiacutetulo da sua dissertaccedilatildeo de mestrado Flaacutevio Batista dos

Santos discute sobre o Ensino da Histoacuteria Local na Educaccedilatildeo Baacutesica iniciando sua ar-

gumentaccedilatildeo pelo lugar que o Local ocupa na historiografia e no curriacuteculo brasileiro

nesse iacutenterim aponta as dificuldades que o ensino da histoacuteria local enfrenta mais es-

pecificamente nas seacuteries finais do ensino fundamental e no ensino meacutedio

Santos afirma que

Para as seacuteries iniciais do ensino fundamental eacute comum se encontrar materiais e livros didaacuteticos voltados para o ensino da histoacuteria local ainda que os conteuacutedos sejam apresentados de maneira generalizan-te Mas para as seacuteries finais e para o ensino meacutedio os recursos didaacute-ticos referentes ao ensino e aprendizado da histoacuteria local satildeo escas-sos jaacute que os livros satildeo definidos a partir de uma avaliaccedilatildeo nacional

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as particularidades locais quase sempre ficam de fora em segundo plano isto acaba restringindo o trabalho do professor reduzindo o local a accedilotildees esporaacutedicas e particulares por parte dos professores jaacute que natildeo contam com um material didaacuteticos agrave disposiccedilatildeo para utilizar em suas aulas (Santos 2014 p 26)

Jaacute fora apresentado anteriormente outras maneiras de se trabalhar com a

histoacuteria local para aleacutem dos livros didaacuteticos como propuseram Horn e Germinari

(2010 p135) a partir de arquivos familiares por exemplo Assim sendo ldquoo livro didaacute-

tico eacute uma fonte uacutetil desde que natildeo seja considerado o lugar de toda a Histoacuteriardquo (Gui-

maratildees 2012 p 106) ou seja o livro didaacutetico eacute uma importante ferramenta mas natildeo

eacute a uacutenica Contudo como aponta Maria Laura P B Franco apesar de deixarem a dese-

jar em muitos aspectos os livros didaacuteticos acabam sendo adotados porque o profes-

sor obrigado a lecionar o dia todo em com um volume muito grande de provas para

corrigir natildeo tem tempo para preparar seus proacuteprios textos aceitando a comodidade

de contar com um material pronto para ser utilizado (Franco 1982 p 15)

Segundo Bittencourt os livros didaacuteticos satildeo os instrumentos de trabalho

mais utilizados por professores e alunos sendo muito faacutecil diferenciaacute-los dos demais

livros contudo de difiacutecil definiccedilatildeo pois trata-se de um objeto de ldquomuacuteltiplas facetasrdquo

cujo processo de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo sofrem interferecircncia de inuacutemeros

sujeitos (Bittencourt 2011 p 301) A autora acrescenta agraves muacuteltiplas facetas que o

livro didaacutetico possui ao serem analisadas como suporte de conhecimentos escolares

propostos pelos curriacuteculos educacionais tambeacutem como mercadoria como veiacuteculos de

um sistema de valores etc (Ibidem p 301-306)

Corroborando e utilizando as proacuteprias palavras de Bittencourt (1993) e Ka-

zumi Munakata (1994) entre outros autores e autoras Deacutecio Gatti Juacutenior define o livro

didaacutetico da seguinte forma

Material impresso estruturado ou adequado a ser utilizado num pro-cesso de aprendizagem ou formaccedilatildeo materiais caracterizados pela seriaccedilatildeo dos conteuacutedos mercadoria depositaacuterio de conteuacutedos edu-cacionais instrumento pedagoacutegico portador de um sistema de valo-res suporte na formulaccedilatildeo de uma Histoacuteria Nacional fontes de regis-tros de experiecircncias e de relaccedilotildees pedagoacutegicas da eacutepoca e ainda co-mo materiais reveladores de acircngulos do cotidiano escolar e do fazer-se da cultura nacional (Gatti Juacutenior 2004 p 34-35)

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Como podemos perceber trata-se de um objeto multifacetado que preci-

sar ser contextualizado e analisado considerando essas muacuteltiplas facetas Com relaccedilatildeo

aos paradidaacuteticos de acordo com Ernesta Zamboni (1991) considera-se na visatildeo dos

editores as publicaccedilotildees que tecircm como objetivo subsidiar o trabalho docente diferen-

ciando-se do livro didaacutetico natildeo em conteuacutedo mas em forma Esta denominaccedilatildeo ndash pa-

radidaacutetico segundo Zamboni apareceu em cataacutelogos editoriais no final da deacutecada de

1970 (Zamboni 1991 p 11)

Kazumi Munakata (1997) caracteriza os livros paradidaacuteticos como livros

que diferem de um livro didaacutetico na estrutura de apresentaccedilatildeo do conteuacutedo mas satildeo

adotados no processo de ensino e aprendizagem nas escolas seja como material de

consulta do professor seja como material de pesquisa e de apoio agraves atividades do e-

ducando (Munakata 1997 p 103)

Gatti Juacutenior (2004) ratifica o exposto por Zamboni (1991) e Munakata

(1997) apontando que em finais da deacutecada de 1970 os chamados paradidaacuteticos eram

pequenos livros com temas uacutenico empregados como auxiacutelio do processo de ensino

para aleacutem do livro didaacutetico (Gatti Juacutenior 2004 p 167) O autor afirma que para aten-

der agrave demanda referente ao estudo e ao ensino da Histoacuteria RegionalLocal os livros

paradidaacuteticos foram uma opccedilatildeo especialmente antes do surgimento dos livros didaacuteti-

cos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209

Os livros didaacuteticos em vias de regra satildeo produzidos para o mercado na-

cional Gatti Juacutenior (2004) mostra que isto eacute preocupante inclusive para os proacuteprios

autores de livros didaacuteticos como o demonstrado nas palavras de alguns entrevistados

ao pensarem sobre as diversidades regionais brasileiras ldquoquando fico sabendo que o

meu livro estaacute sendo adotado no Amazonas fico pensando se realmente seria o livro

mais indicado para o Amazonas porque eu natildeo conheccedilo a realidade do Amazonasrdquo

(Faria Berutti apud Gatti Juacutenior 2004 p 208) Gatti Juacutenior acrescenta

Haacute dificuldades enormes mas tambeacutem alguns avanccedilos em diversos Estados brasileiros com o desdobramento da pesquisa regional tecircm sido possiacuteveis a produccedilatildeo de livros didaacuteticos que abordam com pro-priedade as questotildees e especificidades locais [] mas antes mesmo desta tendecircncia em produccedilatildeo de livros regionalizados aparecer esta-vam consolidados no mercado brasileiro os chamados livros paradi-daacuteticos que para alguns editores poderiam suprir essa carecircncia por

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textos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209)

Satildeo poucas as cidades brasileiras que contam com livros didaacuteticos destina-

dos ao ensino da Histoacuteria Local os tiacutetulos sobre a histoacuteria regional satildeo encontrados

com mais facilidade como no caso do Amapaacute com os livros sobre a histoacuteria regional -

Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008 e 2011) e tiacutetulos paradidaacuteticos como Histoacuteria do

Amapaacute o passado eacute o espelho do presente (2009 e 2011) que constituem os objetos de

anaacutelise deste artigo a partir de agora

2 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute

Ao se iniciar o ano de 2008 a Assembleia Legislativa do Estado do Amapaacute

(ALAP) aprovou a lei nordm 1183 (referente ao projeto de lei nordm 01152007) de autoria do

deputado Manoel Mandi autorizando o Poder Executivo a instituir no Ensino Funda-

mental eou Meacutedio da rede puacuteblica estadual de ensino a disciplina de Histoacuteria do A-

mapaacute O objetivo da criaccedilatildeo da disciplina consiste em formar cidadatildeos conscientes da

identidade potencial e valorizaccedilatildeo do nosso Estado para isto permanecendo na parte

diversificada do curriacuteculo o conteuacutedo poderia ser disposto em uma seacuterie determinada

ou distribuiacutedo em vaacuterias seacuteries

Com o exposto na lei verificou-se a necessidade de se desenvolver materi-

ais didaacuteticos para tornar mais viaacutevel a comunicaccedilatildeo dos conteuacutedos aos alunos e o al-

cance dos objetivos propostos para a disciplina Diante desta demanda no mesmo ano

foi publicado o livro didaacutetico intitulado Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008) de auto-

ria do professor de histoacuteria Marcelo Andreacute Soares e da pedagoga Maria Emiacutelia Brito

Rodrigues este livro fora reeditado em 2011 adquirido pelo PNLD ndash Programa Nacio-

nal do Livro Didaacutetico do MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e distribuiacutedo para as escolas

estaduais e municipais para serem utilizados nos anos letivos de 2013 2014 e 2015

O livro eacute composto por 128 paacuteginas dividido em sete unidades de estudo

que abordam vaacuterios aspectos da histoacuteria do Amapaacute como a presenccedila indiacutegena e africa-

na a organizaccedilatildeo amapaense na eacutepoca da colonizaccedilatildeo brasileira a criaccedilatildeo do Territoacute-

rio Federal do Amapaacute o Amapaacute apoacutes se transformar em Estado e na atualidade enfati-

zando aspectos poliacuteticos econocircmico sociais e culturais desse processo histoacuterico Den-

tro das unidades encontramos algumas narrativas sobre a histoacuteria de alguns municiacute-

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pios amapaenses como Mazagatildeo Oiapoque Serra do Navio Santana Laranjal do Jari

etc

Tal material didaacutetico fora recebido com entusiasmo no municiacutepio de Laran-

jal do Jari contudo em uma reuniatildeo para leitura e planejamento com professores da

disciplina de Histoacuteria e Oficina de Trabalho que contemplavam em suas matrizes curri-

culares os conteuacutedos de Histoacuteria do Amapaacute observou-se inuacutemeras lacunas e superfici-

alidades nos textos apresentados por Soares e Rodrigues

A narrativa apresentada contribui para a legitimaccedilatildeo de alguns estereoacuteti-

pos como por exemplo ao abordar a formaccedilatildeo do municiacutepio de Laranjal do Jari os

autores ainda se referem a ele pelo antigo nome de ldquoBeiradatildeordquo e limitam suas argu-

mentaccedilotildees a trecircs paraacutegrafos colocando a constituiccedilatildeo da vila como um problema so-

cial causado pela implantaccedilatildeo do Projeto Jari enfatizando as condiccedilotildees precaacuterias em

que a vila foi criada caracterizando-a como uma verdadeira ldquofavela sobre o riordquo

Quanto ao aspecto social o maior problema provocado pelo Projeto Jari foi a ocupaccedilatildeo desordenada da regiatildeo por migrantes de todas as partes do paiacutes principalmente do Norte e Nordeste que foram para laacute em busca de emprego Como grande parte desses migrantes natildeo conseguiu o tatildeo sonhado emprego o resultado foi a formaccedilatildeo de um enorme aglomerado de casebres conhecido como Beiradatildeo agraves mar-gens do rio Jari em condiccedilotildees precaacuterias O contraste que existe no local eacute muito evidente numa margem do rio Jari estatildeo as palafitas do Beiradatildeo e na outra margem as casas preacute-fabricadas feitas para funcionaacuterios do Projeto Jari Aleacutem das condiccedilotildees miseraacuteveis o desemprego na regiatildeo provocou tambeacutem outros seacuterios problemas como os altos iacutendices de violecircncia a prostituiccedilatildeo e inuacutemeras doenccedilas provocadas pelas precaacuterias condi-ccedilotildees de saneamento baacutesico tornando a regiatildeo uma verdadeira ldquofave-la sobre o riordquo (Soares Rodrigues 2011 p76-77)

Esta narrativa contida na quinta unidade do livro em questatildeo precisamen-

te no subtema ndash O Projeto Jari riqueza e miseacuteria no Amapaacute ndash permite questionar uma

seacuterie de elementos dentre eles qual a representaccedilatildeo desse discurso no imaginaacuterio

social da ou sobre a cidade como ela pode influenciar na formaccedilatildeo da consciecircncia

histoacuterica dos alunos a construccedilatildeo desse estereoacutetipo eacute corroborada por outros meios

de comunicaccedilatildeo e difusatildeo do saber

Este uacuteltimo questionamento pode ser facilmente respondido pois Laranjal

do Jari eacute retratado em inuacutemeras outras narrativas como uma enorme favela fluvial

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surgida como consequecircncia social de um empreendimento empresarial implantado na

regiatildeo ao final da deacutecada de 1960 Em um livro paradidaacutetico intitulado Histoacuteria do A-

mapaacute o passado eacute o espelho do presente de autoria de Paulo Dias Morais publicado

no ano de 2009 e reeditado em 2011 a histoacuteria de Laranjal eacute retratada da seguinte

forma

O Projeto Jari [] por se tratar de um projeto grandioso necessitava de bastante matildeo-de-obra Muitos trabalhadores se dirigiram para laacute visando melhores condiccedilotildees de vida Uma grande parte dos trabalha-dores eram contratados temporariamente por empreiteiras que natildeo asseguravam os direitos trabalhistas quando eram dispensados pela companhia Estes natildeo dispunham de recursos para moradia e nem para retornarem aos seus locais de origem Por isso a maioria foi obrigada a viver agraves margens do Rio Jari e Vitoacute-ria do Jari em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene Isso fez com que surgissem aacutereas como lsquoBeiradatildeo e Beiradinhorsquo que se tor-naram as maiores favelas fluviais do mundo sendo uma das mais po-bres e violentas da populaccedilatildeo brasileira A prostituiccedilatildeo chegou a iacutendi-ce alarmante e para completar essas aacutereas passaram pelo esqueci-mento do governo por muito tempo (Morais 2011 p 94 e 95)

Podemos notar que tanto a produccedilatildeo didaacutetica como a paradidaacutetica acima

citadas apresentam narrativas semelhantes ao se referirem ao surgimento do municiacute-

pio de Laranjal do Jari o que leva as seguintes questotildees quais fontes os autores utili-

zaram como foi instituiacutedo o estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo Na ten-

tativa de responder a tais interrogaccedilotildees cabe conhecer um pouco mais a historiografia

sobre a formaccedilatildeo do municiacutepio

3 A dita ldquomaior favela fluvial do mundordquo um breve histoacuterico sobre o municiacutepio de

Laranjal do Jari

Laranjal do Jari eacute uma cidade situada ao norte da Amazocircnia Brasileira pre-

cisamente sudoeste do Estado do Amapaacute distante cerca de 265km da capital Macapaacute

Atualmente constitui o 3ordm maior municiacutepio do Estado com uma populaccedilatildeo estimada

em torno de 47000 habitantes (dados do IBGE2016) Foi criado oficialmente atraveacutes

do Decreto nordm 7639 publicado em 17 de dezembro de 1987 que o desmembrou do

municiacutepio de Mazagatildeo com o qual faz limite aleacutem dos municiacutepios de Oiapoque Pedra

Branca do Amapari Almeirim (Estado do Paraacute) e territoacuterios internacionais como Guia-

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na Francesa e Suriname Segundo a professora Socircnia Maria Clareto (2003)

A ocupaccedilatildeo da regiatildeo Laranjal do Jari teve iniacutecio com holandeses e ingleses que em busca de especiarias subiam o rio Amazonas O lo-cal fora praticamente esquecido pelos portugueses ateacute que em 1623 comeccedilou uma longa batalha para expulsar os estrangeiros Padres je-suiacutetas e franciscanos tiveram um forte envolvimento na ocupaccedilatildeo da regiatildeo fundando conventos e catequizando indiacutegenas Tambeacutem os nordestinos desempenharam aiacute importante papel sobretudo no auge do ciclo da borracha entre 1872 e 1920 (Clareto 2003 p 83)

De acordo com o escritor Cristoacutevatildeo Lins (2001) dentre os nordestinos que

desempenharam papel importante na ocupaccedilatildeo da regiatildeo eacute importante destacar a

pessoa de Joseacute Juacutelio de Andrade o cearense que aos 28 anos de idade jaacute era conside-

rado o maior comerciante da regiatildeo do Jari e um dos maiores latifundiaacuterios do mundo

proprietaacuterio de cerca de trecircs milhotildees de hectares de terras com propriedades nos

municiacutepios de Almeirim e Porto de Moz (no Estado do Paraacute) e Mazagatildeo (Laranjal e Vi-

toacuteria do Jari no Estado do Amapaacute)

Segundo Anna Greissing (2011) a regiatildeo do Jari se caracteriza por uma flo-

resta primaacuteria tropical muito rica em recursos naturais principalmente a castanha do

Paraacute (bertholletia excelsa) e a seringa (hevea brasiliensis) cuja exploraccedilatildeo sempre

constituiu a fonte principal de subsistecircncia para as populaccedilotildees extrativistas Jaacute nos

tempos da colonizaccedilatildeo os missionaacuterios instalados na regiatildeo do Jari enriqueciam-se

com a comercializaccedilatildeo das ldquodrogas do sertatildeordquo

A organizaccedilatildeo da atividade extrativista no Jari em uma comercializaccedilatildeo no

estilo de uma empresa desenvolveu-se a partir do final do seacuteculo XIX com a apariccedilatildeo

na regiatildeo do cearense Joseacute Juacutelio de Andrade em 1882 em pleno apogeu do ciclo da

borracha (Greissing 2011 p 46) Mesmo quando o ciclo da borracha comeccedilou a decli-

nar entre 1907 e 1920 ele se manteve como forte comerciante pois tinha atividades

econocircmicas tambeacutem na pecuaacuteria e na coleta de castanha (Clareto 2003 p 83)

Joseacute Juacutelio adquiriu o tiacutetulo honoriacutefico militar do Exeacutercito de Coronel da

Guarda Nacional Elegeu-se Senador da Cacircmara de Beleacutem com sucessivos mandatos

tornando-se um homem extremamente influente no campo poliacutetico social e econocircmi-

co do Baixo Amazonas ateacute a revoluccedilatildeo de 1930 quando o Tenente Magalhatildees Barata

Interventor Federal no Paraacute declarou o ldquocoronelrdquo como inimigo devido o mesmo ser

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 7: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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na sua formaccedilatildeo cabe destacar o papel do ensino da histoacuteria local e regional para que

o objetivo central da disciplina histoacuteria de acordo com Guimaratildees (acima citada) seja

alcanccedilado para isto tomamos mais uma vez as palavras de Maria Auxiliadora Schmidt

(2004 p 182) que aponta que tanto crianccedilas quanto jovens ou adultos por intermeacute-

dio de uma reflexatildeo sobre o local visto como uma unidade proacutexima e contiacutegua podem

historicizar e problematizar o sentido de suas identidades relacionando-se com o

mundo de forma criacutetica a partir do local da formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica podem

mudar ou natildeo como sujeitos a proacutepria vida

Dito isto afirmamos que o ensino da histoacuteria local desempenha um papel

muito importante na formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica dos alunos sem contar que

concordando com os argumentos de Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky (2003 p

28) quanto mais o aluno sentir a Histoacuteria proacutexima a ele natildeo como uma coisa externa e

distante mais se sentiraacute qualificado e inclinado a exercer seu papel de sujeito de a-

gente histoacuterico

Eacute sabido que o ensino de histoacuteria local sempre esteve presente nos debates

e diretrizes educacionais brasileiros seja como conteuacutedo ou como meacutetodo Contudo

como nos assevera Guimaratildees (2012 p 239) apesar das diretrizes e dos consensos

construiacutedos sobre a importacircncia do estudo da histoacuteria local e regional para a formaccedilatildeo

de crianccedilas e jovens ainda nos deparamos no cotidiano escolar com uma seacuterie de

dificuldades para a praacutetica deste ensino uma das dificuldades apontadas diz respeito agrave

disponibilidade de materiais didaacuteticos

No primeiro capiacutetulo da sua dissertaccedilatildeo de mestrado Flaacutevio Batista dos

Santos discute sobre o Ensino da Histoacuteria Local na Educaccedilatildeo Baacutesica iniciando sua ar-

gumentaccedilatildeo pelo lugar que o Local ocupa na historiografia e no curriacuteculo brasileiro

nesse iacutenterim aponta as dificuldades que o ensino da histoacuteria local enfrenta mais es-

pecificamente nas seacuteries finais do ensino fundamental e no ensino meacutedio

Santos afirma que

Para as seacuteries iniciais do ensino fundamental eacute comum se encontrar materiais e livros didaacuteticos voltados para o ensino da histoacuteria local ainda que os conteuacutedos sejam apresentados de maneira generalizan-te Mas para as seacuteries finais e para o ensino meacutedio os recursos didaacute-ticos referentes ao ensino e aprendizado da histoacuteria local satildeo escas-sos jaacute que os livros satildeo definidos a partir de uma avaliaccedilatildeo nacional

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as particularidades locais quase sempre ficam de fora em segundo plano isto acaba restringindo o trabalho do professor reduzindo o local a accedilotildees esporaacutedicas e particulares por parte dos professores jaacute que natildeo contam com um material didaacuteticos agrave disposiccedilatildeo para utilizar em suas aulas (Santos 2014 p 26)

Jaacute fora apresentado anteriormente outras maneiras de se trabalhar com a

histoacuteria local para aleacutem dos livros didaacuteticos como propuseram Horn e Germinari

(2010 p135) a partir de arquivos familiares por exemplo Assim sendo ldquoo livro didaacute-

tico eacute uma fonte uacutetil desde que natildeo seja considerado o lugar de toda a Histoacuteriardquo (Gui-

maratildees 2012 p 106) ou seja o livro didaacutetico eacute uma importante ferramenta mas natildeo

eacute a uacutenica Contudo como aponta Maria Laura P B Franco apesar de deixarem a dese-

jar em muitos aspectos os livros didaacuteticos acabam sendo adotados porque o profes-

sor obrigado a lecionar o dia todo em com um volume muito grande de provas para

corrigir natildeo tem tempo para preparar seus proacuteprios textos aceitando a comodidade

de contar com um material pronto para ser utilizado (Franco 1982 p 15)

Segundo Bittencourt os livros didaacuteticos satildeo os instrumentos de trabalho

mais utilizados por professores e alunos sendo muito faacutecil diferenciaacute-los dos demais

livros contudo de difiacutecil definiccedilatildeo pois trata-se de um objeto de ldquomuacuteltiplas facetasrdquo

cujo processo de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo sofrem interferecircncia de inuacutemeros

sujeitos (Bittencourt 2011 p 301) A autora acrescenta agraves muacuteltiplas facetas que o

livro didaacutetico possui ao serem analisadas como suporte de conhecimentos escolares

propostos pelos curriacuteculos educacionais tambeacutem como mercadoria como veiacuteculos de

um sistema de valores etc (Ibidem p 301-306)

Corroborando e utilizando as proacuteprias palavras de Bittencourt (1993) e Ka-

zumi Munakata (1994) entre outros autores e autoras Deacutecio Gatti Juacutenior define o livro

didaacutetico da seguinte forma

Material impresso estruturado ou adequado a ser utilizado num pro-cesso de aprendizagem ou formaccedilatildeo materiais caracterizados pela seriaccedilatildeo dos conteuacutedos mercadoria depositaacuterio de conteuacutedos edu-cacionais instrumento pedagoacutegico portador de um sistema de valo-res suporte na formulaccedilatildeo de uma Histoacuteria Nacional fontes de regis-tros de experiecircncias e de relaccedilotildees pedagoacutegicas da eacutepoca e ainda co-mo materiais reveladores de acircngulos do cotidiano escolar e do fazer-se da cultura nacional (Gatti Juacutenior 2004 p 34-35)

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Como podemos perceber trata-se de um objeto multifacetado que preci-

sar ser contextualizado e analisado considerando essas muacuteltiplas facetas Com relaccedilatildeo

aos paradidaacuteticos de acordo com Ernesta Zamboni (1991) considera-se na visatildeo dos

editores as publicaccedilotildees que tecircm como objetivo subsidiar o trabalho docente diferen-

ciando-se do livro didaacutetico natildeo em conteuacutedo mas em forma Esta denominaccedilatildeo ndash pa-

radidaacutetico segundo Zamboni apareceu em cataacutelogos editoriais no final da deacutecada de

1970 (Zamboni 1991 p 11)

Kazumi Munakata (1997) caracteriza os livros paradidaacuteticos como livros

que diferem de um livro didaacutetico na estrutura de apresentaccedilatildeo do conteuacutedo mas satildeo

adotados no processo de ensino e aprendizagem nas escolas seja como material de

consulta do professor seja como material de pesquisa e de apoio agraves atividades do e-

ducando (Munakata 1997 p 103)

Gatti Juacutenior (2004) ratifica o exposto por Zamboni (1991) e Munakata

(1997) apontando que em finais da deacutecada de 1970 os chamados paradidaacuteticos eram

pequenos livros com temas uacutenico empregados como auxiacutelio do processo de ensino

para aleacutem do livro didaacutetico (Gatti Juacutenior 2004 p 167) O autor afirma que para aten-

der agrave demanda referente ao estudo e ao ensino da Histoacuteria RegionalLocal os livros

paradidaacuteticos foram uma opccedilatildeo especialmente antes do surgimento dos livros didaacuteti-

cos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209

Os livros didaacuteticos em vias de regra satildeo produzidos para o mercado na-

cional Gatti Juacutenior (2004) mostra que isto eacute preocupante inclusive para os proacuteprios

autores de livros didaacuteticos como o demonstrado nas palavras de alguns entrevistados

ao pensarem sobre as diversidades regionais brasileiras ldquoquando fico sabendo que o

meu livro estaacute sendo adotado no Amazonas fico pensando se realmente seria o livro

mais indicado para o Amazonas porque eu natildeo conheccedilo a realidade do Amazonasrdquo

(Faria Berutti apud Gatti Juacutenior 2004 p 208) Gatti Juacutenior acrescenta

Haacute dificuldades enormes mas tambeacutem alguns avanccedilos em diversos Estados brasileiros com o desdobramento da pesquisa regional tecircm sido possiacuteveis a produccedilatildeo de livros didaacuteticos que abordam com pro-priedade as questotildees e especificidades locais [] mas antes mesmo desta tendecircncia em produccedilatildeo de livros regionalizados aparecer esta-vam consolidados no mercado brasileiro os chamados livros paradi-daacuteticos que para alguns editores poderiam suprir essa carecircncia por

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textos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209)

Satildeo poucas as cidades brasileiras que contam com livros didaacuteticos destina-

dos ao ensino da Histoacuteria Local os tiacutetulos sobre a histoacuteria regional satildeo encontrados

com mais facilidade como no caso do Amapaacute com os livros sobre a histoacuteria regional -

Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008 e 2011) e tiacutetulos paradidaacuteticos como Histoacuteria do

Amapaacute o passado eacute o espelho do presente (2009 e 2011) que constituem os objetos de

anaacutelise deste artigo a partir de agora

2 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute

Ao se iniciar o ano de 2008 a Assembleia Legislativa do Estado do Amapaacute

(ALAP) aprovou a lei nordm 1183 (referente ao projeto de lei nordm 01152007) de autoria do

deputado Manoel Mandi autorizando o Poder Executivo a instituir no Ensino Funda-

mental eou Meacutedio da rede puacuteblica estadual de ensino a disciplina de Histoacuteria do A-

mapaacute O objetivo da criaccedilatildeo da disciplina consiste em formar cidadatildeos conscientes da

identidade potencial e valorizaccedilatildeo do nosso Estado para isto permanecendo na parte

diversificada do curriacuteculo o conteuacutedo poderia ser disposto em uma seacuterie determinada

ou distribuiacutedo em vaacuterias seacuteries

Com o exposto na lei verificou-se a necessidade de se desenvolver materi-

ais didaacuteticos para tornar mais viaacutevel a comunicaccedilatildeo dos conteuacutedos aos alunos e o al-

cance dos objetivos propostos para a disciplina Diante desta demanda no mesmo ano

foi publicado o livro didaacutetico intitulado Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008) de auto-

ria do professor de histoacuteria Marcelo Andreacute Soares e da pedagoga Maria Emiacutelia Brito

Rodrigues este livro fora reeditado em 2011 adquirido pelo PNLD ndash Programa Nacio-

nal do Livro Didaacutetico do MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e distribuiacutedo para as escolas

estaduais e municipais para serem utilizados nos anos letivos de 2013 2014 e 2015

O livro eacute composto por 128 paacuteginas dividido em sete unidades de estudo

que abordam vaacuterios aspectos da histoacuteria do Amapaacute como a presenccedila indiacutegena e africa-

na a organizaccedilatildeo amapaense na eacutepoca da colonizaccedilatildeo brasileira a criaccedilatildeo do Territoacute-

rio Federal do Amapaacute o Amapaacute apoacutes se transformar em Estado e na atualidade enfati-

zando aspectos poliacuteticos econocircmico sociais e culturais desse processo histoacuterico Den-

tro das unidades encontramos algumas narrativas sobre a histoacuteria de alguns municiacute-

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pios amapaenses como Mazagatildeo Oiapoque Serra do Navio Santana Laranjal do Jari

etc

Tal material didaacutetico fora recebido com entusiasmo no municiacutepio de Laran-

jal do Jari contudo em uma reuniatildeo para leitura e planejamento com professores da

disciplina de Histoacuteria e Oficina de Trabalho que contemplavam em suas matrizes curri-

culares os conteuacutedos de Histoacuteria do Amapaacute observou-se inuacutemeras lacunas e superfici-

alidades nos textos apresentados por Soares e Rodrigues

A narrativa apresentada contribui para a legitimaccedilatildeo de alguns estereoacuteti-

pos como por exemplo ao abordar a formaccedilatildeo do municiacutepio de Laranjal do Jari os

autores ainda se referem a ele pelo antigo nome de ldquoBeiradatildeordquo e limitam suas argu-

mentaccedilotildees a trecircs paraacutegrafos colocando a constituiccedilatildeo da vila como um problema so-

cial causado pela implantaccedilatildeo do Projeto Jari enfatizando as condiccedilotildees precaacuterias em

que a vila foi criada caracterizando-a como uma verdadeira ldquofavela sobre o riordquo

Quanto ao aspecto social o maior problema provocado pelo Projeto Jari foi a ocupaccedilatildeo desordenada da regiatildeo por migrantes de todas as partes do paiacutes principalmente do Norte e Nordeste que foram para laacute em busca de emprego Como grande parte desses migrantes natildeo conseguiu o tatildeo sonhado emprego o resultado foi a formaccedilatildeo de um enorme aglomerado de casebres conhecido como Beiradatildeo agraves mar-gens do rio Jari em condiccedilotildees precaacuterias O contraste que existe no local eacute muito evidente numa margem do rio Jari estatildeo as palafitas do Beiradatildeo e na outra margem as casas preacute-fabricadas feitas para funcionaacuterios do Projeto Jari Aleacutem das condiccedilotildees miseraacuteveis o desemprego na regiatildeo provocou tambeacutem outros seacuterios problemas como os altos iacutendices de violecircncia a prostituiccedilatildeo e inuacutemeras doenccedilas provocadas pelas precaacuterias condi-ccedilotildees de saneamento baacutesico tornando a regiatildeo uma verdadeira ldquofave-la sobre o riordquo (Soares Rodrigues 2011 p76-77)

Esta narrativa contida na quinta unidade do livro em questatildeo precisamen-

te no subtema ndash O Projeto Jari riqueza e miseacuteria no Amapaacute ndash permite questionar uma

seacuterie de elementos dentre eles qual a representaccedilatildeo desse discurso no imaginaacuterio

social da ou sobre a cidade como ela pode influenciar na formaccedilatildeo da consciecircncia

histoacuterica dos alunos a construccedilatildeo desse estereoacutetipo eacute corroborada por outros meios

de comunicaccedilatildeo e difusatildeo do saber

Este uacuteltimo questionamento pode ser facilmente respondido pois Laranjal

do Jari eacute retratado em inuacutemeras outras narrativas como uma enorme favela fluvial

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surgida como consequecircncia social de um empreendimento empresarial implantado na

regiatildeo ao final da deacutecada de 1960 Em um livro paradidaacutetico intitulado Histoacuteria do A-

mapaacute o passado eacute o espelho do presente de autoria de Paulo Dias Morais publicado

no ano de 2009 e reeditado em 2011 a histoacuteria de Laranjal eacute retratada da seguinte

forma

O Projeto Jari [] por se tratar de um projeto grandioso necessitava de bastante matildeo-de-obra Muitos trabalhadores se dirigiram para laacute visando melhores condiccedilotildees de vida Uma grande parte dos trabalha-dores eram contratados temporariamente por empreiteiras que natildeo asseguravam os direitos trabalhistas quando eram dispensados pela companhia Estes natildeo dispunham de recursos para moradia e nem para retornarem aos seus locais de origem Por isso a maioria foi obrigada a viver agraves margens do Rio Jari e Vitoacute-ria do Jari em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene Isso fez com que surgissem aacutereas como lsquoBeiradatildeo e Beiradinhorsquo que se tor-naram as maiores favelas fluviais do mundo sendo uma das mais po-bres e violentas da populaccedilatildeo brasileira A prostituiccedilatildeo chegou a iacutendi-ce alarmante e para completar essas aacutereas passaram pelo esqueci-mento do governo por muito tempo (Morais 2011 p 94 e 95)

Podemos notar que tanto a produccedilatildeo didaacutetica como a paradidaacutetica acima

citadas apresentam narrativas semelhantes ao se referirem ao surgimento do municiacute-

pio de Laranjal do Jari o que leva as seguintes questotildees quais fontes os autores utili-

zaram como foi instituiacutedo o estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo Na ten-

tativa de responder a tais interrogaccedilotildees cabe conhecer um pouco mais a historiografia

sobre a formaccedilatildeo do municiacutepio

3 A dita ldquomaior favela fluvial do mundordquo um breve histoacuterico sobre o municiacutepio de

Laranjal do Jari

Laranjal do Jari eacute uma cidade situada ao norte da Amazocircnia Brasileira pre-

cisamente sudoeste do Estado do Amapaacute distante cerca de 265km da capital Macapaacute

Atualmente constitui o 3ordm maior municiacutepio do Estado com uma populaccedilatildeo estimada

em torno de 47000 habitantes (dados do IBGE2016) Foi criado oficialmente atraveacutes

do Decreto nordm 7639 publicado em 17 de dezembro de 1987 que o desmembrou do

municiacutepio de Mazagatildeo com o qual faz limite aleacutem dos municiacutepios de Oiapoque Pedra

Branca do Amapari Almeirim (Estado do Paraacute) e territoacuterios internacionais como Guia-

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na Francesa e Suriname Segundo a professora Socircnia Maria Clareto (2003)

A ocupaccedilatildeo da regiatildeo Laranjal do Jari teve iniacutecio com holandeses e ingleses que em busca de especiarias subiam o rio Amazonas O lo-cal fora praticamente esquecido pelos portugueses ateacute que em 1623 comeccedilou uma longa batalha para expulsar os estrangeiros Padres je-suiacutetas e franciscanos tiveram um forte envolvimento na ocupaccedilatildeo da regiatildeo fundando conventos e catequizando indiacutegenas Tambeacutem os nordestinos desempenharam aiacute importante papel sobretudo no auge do ciclo da borracha entre 1872 e 1920 (Clareto 2003 p 83)

De acordo com o escritor Cristoacutevatildeo Lins (2001) dentre os nordestinos que

desempenharam papel importante na ocupaccedilatildeo da regiatildeo eacute importante destacar a

pessoa de Joseacute Juacutelio de Andrade o cearense que aos 28 anos de idade jaacute era conside-

rado o maior comerciante da regiatildeo do Jari e um dos maiores latifundiaacuterios do mundo

proprietaacuterio de cerca de trecircs milhotildees de hectares de terras com propriedades nos

municiacutepios de Almeirim e Porto de Moz (no Estado do Paraacute) e Mazagatildeo (Laranjal e Vi-

toacuteria do Jari no Estado do Amapaacute)

Segundo Anna Greissing (2011) a regiatildeo do Jari se caracteriza por uma flo-

resta primaacuteria tropical muito rica em recursos naturais principalmente a castanha do

Paraacute (bertholletia excelsa) e a seringa (hevea brasiliensis) cuja exploraccedilatildeo sempre

constituiu a fonte principal de subsistecircncia para as populaccedilotildees extrativistas Jaacute nos

tempos da colonizaccedilatildeo os missionaacuterios instalados na regiatildeo do Jari enriqueciam-se

com a comercializaccedilatildeo das ldquodrogas do sertatildeordquo

A organizaccedilatildeo da atividade extrativista no Jari em uma comercializaccedilatildeo no

estilo de uma empresa desenvolveu-se a partir do final do seacuteculo XIX com a apariccedilatildeo

na regiatildeo do cearense Joseacute Juacutelio de Andrade em 1882 em pleno apogeu do ciclo da

borracha (Greissing 2011 p 46) Mesmo quando o ciclo da borracha comeccedilou a decli-

nar entre 1907 e 1920 ele se manteve como forte comerciante pois tinha atividades

econocircmicas tambeacutem na pecuaacuteria e na coleta de castanha (Clareto 2003 p 83)

Joseacute Juacutelio adquiriu o tiacutetulo honoriacutefico militar do Exeacutercito de Coronel da

Guarda Nacional Elegeu-se Senador da Cacircmara de Beleacutem com sucessivos mandatos

tornando-se um homem extremamente influente no campo poliacutetico social e econocircmi-

co do Baixo Amazonas ateacute a revoluccedilatildeo de 1930 quando o Tenente Magalhatildees Barata

Interventor Federal no Paraacute declarou o ldquocoronelrdquo como inimigo devido o mesmo ser

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 8: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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as particularidades locais quase sempre ficam de fora em segundo plano isto acaba restringindo o trabalho do professor reduzindo o local a accedilotildees esporaacutedicas e particulares por parte dos professores jaacute que natildeo contam com um material didaacuteticos agrave disposiccedilatildeo para utilizar em suas aulas (Santos 2014 p 26)

Jaacute fora apresentado anteriormente outras maneiras de se trabalhar com a

histoacuteria local para aleacutem dos livros didaacuteticos como propuseram Horn e Germinari

(2010 p135) a partir de arquivos familiares por exemplo Assim sendo ldquoo livro didaacute-

tico eacute uma fonte uacutetil desde que natildeo seja considerado o lugar de toda a Histoacuteriardquo (Gui-

maratildees 2012 p 106) ou seja o livro didaacutetico eacute uma importante ferramenta mas natildeo

eacute a uacutenica Contudo como aponta Maria Laura P B Franco apesar de deixarem a dese-

jar em muitos aspectos os livros didaacuteticos acabam sendo adotados porque o profes-

sor obrigado a lecionar o dia todo em com um volume muito grande de provas para

corrigir natildeo tem tempo para preparar seus proacuteprios textos aceitando a comodidade

de contar com um material pronto para ser utilizado (Franco 1982 p 15)

Segundo Bittencourt os livros didaacuteticos satildeo os instrumentos de trabalho

mais utilizados por professores e alunos sendo muito faacutecil diferenciaacute-los dos demais

livros contudo de difiacutecil definiccedilatildeo pois trata-se de um objeto de ldquomuacuteltiplas facetasrdquo

cujo processo de produccedilatildeo circulaccedilatildeo e consumo sofrem interferecircncia de inuacutemeros

sujeitos (Bittencourt 2011 p 301) A autora acrescenta agraves muacuteltiplas facetas que o

livro didaacutetico possui ao serem analisadas como suporte de conhecimentos escolares

propostos pelos curriacuteculos educacionais tambeacutem como mercadoria como veiacuteculos de

um sistema de valores etc (Ibidem p 301-306)

Corroborando e utilizando as proacuteprias palavras de Bittencourt (1993) e Ka-

zumi Munakata (1994) entre outros autores e autoras Deacutecio Gatti Juacutenior define o livro

didaacutetico da seguinte forma

Material impresso estruturado ou adequado a ser utilizado num pro-cesso de aprendizagem ou formaccedilatildeo materiais caracterizados pela seriaccedilatildeo dos conteuacutedos mercadoria depositaacuterio de conteuacutedos edu-cacionais instrumento pedagoacutegico portador de um sistema de valo-res suporte na formulaccedilatildeo de uma Histoacuteria Nacional fontes de regis-tros de experiecircncias e de relaccedilotildees pedagoacutegicas da eacutepoca e ainda co-mo materiais reveladores de acircngulos do cotidiano escolar e do fazer-se da cultura nacional (Gatti Juacutenior 2004 p 34-35)

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Como podemos perceber trata-se de um objeto multifacetado que preci-

sar ser contextualizado e analisado considerando essas muacuteltiplas facetas Com relaccedilatildeo

aos paradidaacuteticos de acordo com Ernesta Zamboni (1991) considera-se na visatildeo dos

editores as publicaccedilotildees que tecircm como objetivo subsidiar o trabalho docente diferen-

ciando-se do livro didaacutetico natildeo em conteuacutedo mas em forma Esta denominaccedilatildeo ndash pa-

radidaacutetico segundo Zamboni apareceu em cataacutelogos editoriais no final da deacutecada de

1970 (Zamboni 1991 p 11)

Kazumi Munakata (1997) caracteriza os livros paradidaacuteticos como livros

que diferem de um livro didaacutetico na estrutura de apresentaccedilatildeo do conteuacutedo mas satildeo

adotados no processo de ensino e aprendizagem nas escolas seja como material de

consulta do professor seja como material de pesquisa e de apoio agraves atividades do e-

ducando (Munakata 1997 p 103)

Gatti Juacutenior (2004) ratifica o exposto por Zamboni (1991) e Munakata

(1997) apontando que em finais da deacutecada de 1970 os chamados paradidaacuteticos eram

pequenos livros com temas uacutenico empregados como auxiacutelio do processo de ensino

para aleacutem do livro didaacutetico (Gatti Juacutenior 2004 p 167) O autor afirma que para aten-

der agrave demanda referente ao estudo e ao ensino da Histoacuteria RegionalLocal os livros

paradidaacuteticos foram uma opccedilatildeo especialmente antes do surgimento dos livros didaacuteti-

cos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209

Os livros didaacuteticos em vias de regra satildeo produzidos para o mercado na-

cional Gatti Juacutenior (2004) mostra que isto eacute preocupante inclusive para os proacuteprios

autores de livros didaacuteticos como o demonstrado nas palavras de alguns entrevistados

ao pensarem sobre as diversidades regionais brasileiras ldquoquando fico sabendo que o

meu livro estaacute sendo adotado no Amazonas fico pensando se realmente seria o livro

mais indicado para o Amazonas porque eu natildeo conheccedilo a realidade do Amazonasrdquo

(Faria Berutti apud Gatti Juacutenior 2004 p 208) Gatti Juacutenior acrescenta

Haacute dificuldades enormes mas tambeacutem alguns avanccedilos em diversos Estados brasileiros com o desdobramento da pesquisa regional tecircm sido possiacuteveis a produccedilatildeo de livros didaacuteticos que abordam com pro-priedade as questotildees e especificidades locais [] mas antes mesmo desta tendecircncia em produccedilatildeo de livros regionalizados aparecer esta-vam consolidados no mercado brasileiro os chamados livros paradi-daacuteticos que para alguns editores poderiam suprir essa carecircncia por

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textos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209)

Satildeo poucas as cidades brasileiras que contam com livros didaacuteticos destina-

dos ao ensino da Histoacuteria Local os tiacutetulos sobre a histoacuteria regional satildeo encontrados

com mais facilidade como no caso do Amapaacute com os livros sobre a histoacuteria regional -

Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008 e 2011) e tiacutetulos paradidaacuteticos como Histoacuteria do

Amapaacute o passado eacute o espelho do presente (2009 e 2011) que constituem os objetos de

anaacutelise deste artigo a partir de agora

2 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute

Ao se iniciar o ano de 2008 a Assembleia Legislativa do Estado do Amapaacute

(ALAP) aprovou a lei nordm 1183 (referente ao projeto de lei nordm 01152007) de autoria do

deputado Manoel Mandi autorizando o Poder Executivo a instituir no Ensino Funda-

mental eou Meacutedio da rede puacuteblica estadual de ensino a disciplina de Histoacuteria do A-

mapaacute O objetivo da criaccedilatildeo da disciplina consiste em formar cidadatildeos conscientes da

identidade potencial e valorizaccedilatildeo do nosso Estado para isto permanecendo na parte

diversificada do curriacuteculo o conteuacutedo poderia ser disposto em uma seacuterie determinada

ou distribuiacutedo em vaacuterias seacuteries

Com o exposto na lei verificou-se a necessidade de se desenvolver materi-

ais didaacuteticos para tornar mais viaacutevel a comunicaccedilatildeo dos conteuacutedos aos alunos e o al-

cance dos objetivos propostos para a disciplina Diante desta demanda no mesmo ano

foi publicado o livro didaacutetico intitulado Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008) de auto-

ria do professor de histoacuteria Marcelo Andreacute Soares e da pedagoga Maria Emiacutelia Brito

Rodrigues este livro fora reeditado em 2011 adquirido pelo PNLD ndash Programa Nacio-

nal do Livro Didaacutetico do MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e distribuiacutedo para as escolas

estaduais e municipais para serem utilizados nos anos letivos de 2013 2014 e 2015

O livro eacute composto por 128 paacuteginas dividido em sete unidades de estudo

que abordam vaacuterios aspectos da histoacuteria do Amapaacute como a presenccedila indiacutegena e africa-

na a organizaccedilatildeo amapaense na eacutepoca da colonizaccedilatildeo brasileira a criaccedilatildeo do Territoacute-

rio Federal do Amapaacute o Amapaacute apoacutes se transformar em Estado e na atualidade enfati-

zando aspectos poliacuteticos econocircmico sociais e culturais desse processo histoacuterico Den-

tro das unidades encontramos algumas narrativas sobre a histoacuteria de alguns municiacute-

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pios amapaenses como Mazagatildeo Oiapoque Serra do Navio Santana Laranjal do Jari

etc

Tal material didaacutetico fora recebido com entusiasmo no municiacutepio de Laran-

jal do Jari contudo em uma reuniatildeo para leitura e planejamento com professores da

disciplina de Histoacuteria e Oficina de Trabalho que contemplavam em suas matrizes curri-

culares os conteuacutedos de Histoacuteria do Amapaacute observou-se inuacutemeras lacunas e superfici-

alidades nos textos apresentados por Soares e Rodrigues

A narrativa apresentada contribui para a legitimaccedilatildeo de alguns estereoacuteti-

pos como por exemplo ao abordar a formaccedilatildeo do municiacutepio de Laranjal do Jari os

autores ainda se referem a ele pelo antigo nome de ldquoBeiradatildeordquo e limitam suas argu-

mentaccedilotildees a trecircs paraacutegrafos colocando a constituiccedilatildeo da vila como um problema so-

cial causado pela implantaccedilatildeo do Projeto Jari enfatizando as condiccedilotildees precaacuterias em

que a vila foi criada caracterizando-a como uma verdadeira ldquofavela sobre o riordquo

Quanto ao aspecto social o maior problema provocado pelo Projeto Jari foi a ocupaccedilatildeo desordenada da regiatildeo por migrantes de todas as partes do paiacutes principalmente do Norte e Nordeste que foram para laacute em busca de emprego Como grande parte desses migrantes natildeo conseguiu o tatildeo sonhado emprego o resultado foi a formaccedilatildeo de um enorme aglomerado de casebres conhecido como Beiradatildeo agraves mar-gens do rio Jari em condiccedilotildees precaacuterias O contraste que existe no local eacute muito evidente numa margem do rio Jari estatildeo as palafitas do Beiradatildeo e na outra margem as casas preacute-fabricadas feitas para funcionaacuterios do Projeto Jari Aleacutem das condiccedilotildees miseraacuteveis o desemprego na regiatildeo provocou tambeacutem outros seacuterios problemas como os altos iacutendices de violecircncia a prostituiccedilatildeo e inuacutemeras doenccedilas provocadas pelas precaacuterias condi-ccedilotildees de saneamento baacutesico tornando a regiatildeo uma verdadeira ldquofave-la sobre o riordquo (Soares Rodrigues 2011 p76-77)

Esta narrativa contida na quinta unidade do livro em questatildeo precisamen-

te no subtema ndash O Projeto Jari riqueza e miseacuteria no Amapaacute ndash permite questionar uma

seacuterie de elementos dentre eles qual a representaccedilatildeo desse discurso no imaginaacuterio

social da ou sobre a cidade como ela pode influenciar na formaccedilatildeo da consciecircncia

histoacuterica dos alunos a construccedilatildeo desse estereoacutetipo eacute corroborada por outros meios

de comunicaccedilatildeo e difusatildeo do saber

Este uacuteltimo questionamento pode ser facilmente respondido pois Laranjal

do Jari eacute retratado em inuacutemeras outras narrativas como uma enorme favela fluvial

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surgida como consequecircncia social de um empreendimento empresarial implantado na

regiatildeo ao final da deacutecada de 1960 Em um livro paradidaacutetico intitulado Histoacuteria do A-

mapaacute o passado eacute o espelho do presente de autoria de Paulo Dias Morais publicado

no ano de 2009 e reeditado em 2011 a histoacuteria de Laranjal eacute retratada da seguinte

forma

O Projeto Jari [] por se tratar de um projeto grandioso necessitava de bastante matildeo-de-obra Muitos trabalhadores se dirigiram para laacute visando melhores condiccedilotildees de vida Uma grande parte dos trabalha-dores eram contratados temporariamente por empreiteiras que natildeo asseguravam os direitos trabalhistas quando eram dispensados pela companhia Estes natildeo dispunham de recursos para moradia e nem para retornarem aos seus locais de origem Por isso a maioria foi obrigada a viver agraves margens do Rio Jari e Vitoacute-ria do Jari em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene Isso fez com que surgissem aacutereas como lsquoBeiradatildeo e Beiradinhorsquo que se tor-naram as maiores favelas fluviais do mundo sendo uma das mais po-bres e violentas da populaccedilatildeo brasileira A prostituiccedilatildeo chegou a iacutendi-ce alarmante e para completar essas aacutereas passaram pelo esqueci-mento do governo por muito tempo (Morais 2011 p 94 e 95)

Podemos notar que tanto a produccedilatildeo didaacutetica como a paradidaacutetica acima

citadas apresentam narrativas semelhantes ao se referirem ao surgimento do municiacute-

pio de Laranjal do Jari o que leva as seguintes questotildees quais fontes os autores utili-

zaram como foi instituiacutedo o estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo Na ten-

tativa de responder a tais interrogaccedilotildees cabe conhecer um pouco mais a historiografia

sobre a formaccedilatildeo do municiacutepio

3 A dita ldquomaior favela fluvial do mundordquo um breve histoacuterico sobre o municiacutepio de

Laranjal do Jari

Laranjal do Jari eacute uma cidade situada ao norte da Amazocircnia Brasileira pre-

cisamente sudoeste do Estado do Amapaacute distante cerca de 265km da capital Macapaacute

Atualmente constitui o 3ordm maior municiacutepio do Estado com uma populaccedilatildeo estimada

em torno de 47000 habitantes (dados do IBGE2016) Foi criado oficialmente atraveacutes

do Decreto nordm 7639 publicado em 17 de dezembro de 1987 que o desmembrou do

municiacutepio de Mazagatildeo com o qual faz limite aleacutem dos municiacutepios de Oiapoque Pedra

Branca do Amapari Almeirim (Estado do Paraacute) e territoacuterios internacionais como Guia-

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na Francesa e Suriname Segundo a professora Socircnia Maria Clareto (2003)

A ocupaccedilatildeo da regiatildeo Laranjal do Jari teve iniacutecio com holandeses e ingleses que em busca de especiarias subiam o rio Amazonas O lo-cal fora praticamente esquecido pelos portugueses ateacute que em 1623 comeccedilou uma longa batalha para expulsar os estrangeiros Padres je-suiacutetas e franciscanos tiveram um forte envolvimento na ocupaccedilatildeo da regiatildeo fundando conventos e catequizando indiacutegenas Tambeacutem os nordestinos desempenharam aiacute importante papel sobretudo no auge do ciclo da borracha entre 1872 e 1920 (Clareto 2003 p 83)

De acordo com o escritor Cristoacutevatildeo Lins (2001) dentre os nordestinos que

desempenharam papel importante na ocupaccedilatildeo da regiatildeo eacute importante destacar a

pessoa de Joseacute Juacutelio de Andrade o cearense que aos 28 anos de idade jaacute era conside-

rado o maior comerciante da regiatildeo do Jari e um dos maiores latifundiaacuterios do mundo

proprietaacuterio de cerca de trecircs milhotildees de hectares de terras com propriedades nos

municiacutepios de Almeirim e Porto de Moz (no Estado do Paraacute) e Mazagatildeo (Laranjal e Vi-

toacuteria do Jari no Estado do Amapaacute)

Segundo Anna Greissing (2011) a regiatildeo do Jari se caracteriza por uma flo-

resta primaacuteria tropical muito rica em recursos naturais principalmente a castanha do

Paraacute (bertholletia excelsa) e a seringa (hevea brasiliensis) cuja exploraccedilatildeo sempre

constituiu a fonte principal de subsistecircncia para as populaccedilotildees extrativistas Jaacute nos

tempos da colonizaccedilatildeo os missionaacuterios instalados na regiatildeo do Jari enriqueciam-se

com a comercializaccedilatildeo das ldquodrogas do sertatildeordquo

A organizaccedilatildeo da atividade extrativista no Jari em uma comercializaccedilatildeo no

estilo de uma empresa desenvolveu-se a partir do final do seacuteculo XIX com a apariccedilatildeo

na regiatildeo do cearense Joseacute Juacutelio de Andrade em 1882 em pleno apogeu do ciclo da

borracha (Greissing 2011 p 46) Mesmo quando o ciclo da borracha comeccedilou a decli-

nar entre 1907 e 1920 ele se manteve como forte comerciante pois tinha atividades

econocircmicas tambeacutem na pecuaacuteria e na coleta de castanha (Clareto 2003 p 83)

Joseacute Juacutelio adquiriu o tiacutetulo honoriacutefico militar do Exeacutercito de Coronel da

Guarda Nacional Elegeu-se Senador da Cacircmara de Beleacutem com sucessivos mandatos

tornando-se um homem extremamente influente no campo poliacutetico social e econocircmi-

co do Baixo Amazonas ateacute a revoluccedilatildeo de 1930 quando o Tenente Magalhatildees Barata

Interventor Federal no Paraacute declarou o ldquocoronelrdquo como inimigo devido o mesmo ser

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 9: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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Como podemos perceber trata-se de um objeto multifacetado que preci-

sar ser contextualizado e analisado considerando essas muacuteltiplas facetas Com relaccedilatildeo

aos paradidaacuteticos de acordo com Ernesta Zamboni (1991) considera-se na visatildeo dos

editores as publicaccedilotildees que tecircm como objetivo subsidiar o trabalho docente diferen-

ciando-se do livro didaacutetico natildeo em conteuacutedo mas em forma Esta denominaccedilatildeo ndash pa-

radidaacutetico segundo Zamboni apareceu em cataacutelogos editoriais no final da deacutecada de

1970 (Zamboni 1991 p 11)

Kazumi Munakata (1997) caracteriza os livros paradidaacuteticos como livros

que diferem de um livro didaacutetico na estrutura de apresentaccedilatildeo do conteuacutedo mas satildeo

adotados no processo de ensino e aprendizagem nas escolas seja como material de

consulta do professor seja como material de pesquisa e de apoio agraves atividades do e-

ducando (Munakata 1997 p 103)

Gatti Juacutenior (2004) ratifica o exposto por Zamboni (1991) e Munakata

(1997) apontando que em finais da deacutecada de 1970 os chamados paradidaacuteticos eram

pequenos livros com temas uacutenico empregados como auxiacutelio do processo de ensino

para aleacutem do livro didaacutetico (Gatti Juacutenior 2004 p 167) O autor afirma que para aten-

der agrave demanda referente ao estudo e ao ensino da Histoacuteria RegionalLocal os livros

paradidaacuteticos foram uma opccedilatildeo especialmente antes do surgimento dos livros didaacuteti-

cos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209

Os livros didaacuteticos em vias de regra satildeo produzidos para o mercado na-

cional Gatti Juacutenior (2004) mostra que isto eacute preocupante inclusive para os proacuteprios

autores de livros didaacuteticos como o demonstrado nas palavras de alguns entrevistados

ao pensarem sobre as diversidades regionais brasileiras ldquoquando fico sabendo que o

meu livro estaacute sendo adotado no Amazonas fico pensando se realmente seria o livro

mais indicado para o Amazonas porque eu natildeo conheccedilo a realidade do Amazonasrdquo

(Faria Berutti apud Gatti Juacutenior 2004 p 208) Gatti Juacutenior acrescenta

Haacute dificuldades enormes mas tambeacutem alguns avanccedilos em diversos Estados brasileiros com o desdobramento da pesquisa regional tecircm sido possiacuteveis a produccedilatildeo de livros didaacuteticos que abordam com pro-priedade as questotildees e especificidades locais [] mas antes mesmo desta tendecircncia em produccedilatildeo de livros regionalizados aparecer esta-vam consolidados no mercado brasileiro os chamados livros paradi-daacuteticos que para alguns editores poderiam suprir essa carecircncia por

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textos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209)

Satildeo poucas as cidades brasileiras que contam com livros didaacuteticos destina-

dos ao ensino da Histoacuteria Local os tiacutetulos sobre a histoacuteria regional satildeo encontrados

com mais facilidade como no caso do Amapaacute com os livros sobre a histoacuteria regional -

Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008 e 2011) e tiacutetulos paradidaacuteticos como Histoacuteria do

Amapaacute o passado eacute o espelho do presente (2009 e 2011) que constituem os objetos de

anaacutelise deste artigo a partir de agora

2 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute

Ao se iniciar o ano de 2008 a Assembleia Legislativa do Estado do Amapaacute

(ALAP) aprovou a lei nordm 1183 (referente ao projeto de lei nordm 01152007) de autoria do

deputado Manoel Mandi autorizando o Poder Executivo a instituir no Ensino Funda-

mental eou Meacutedio da rede puacuteblica estadual de ensino a disciplina de Histoacuteria do A-

mapaacute O objetivo da criaccedilatildeo da disciplina consiste em formar cidadatildeos conscientes da

identidade potencial e valorizaccedilatildeo do nosso Estado para isto permanecendo na parte

diversificada do curriacuteculo o conteuacutedo poderia ser disposto em uma seacuterie determinada

ou distribuiacutedo em vaacuterias seacuteries

Com o exposto na lei verificou-se a necessidade de se desenvolver materi-

ais didaacuteticos para tornar mais viaacutevel a comunicaccedilatildeo dos conteuacutedos aos alunos e o al-

cance dos objetivos propostos para a disciplina Diante desta demanda no mesmo ano

foi publicado o livro didaacutetico intitulado Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008) de auto-

ria do professor de histoacuteria Marcelo Andreacute Soares e da pedagoga Maria Emiacutelia Brito

Rodrigues este livro fora reeditado em 2011 adquirido pelo PNLD ndash Programa Nacio-

nal do Livro Didaacutetico do MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e distribuiacutedo para as escolas

estaduais e municipais para serem utilizados nos anos letivos de 2013 2014 e 2015

O livro eacute composto por 128 paacuteginas dividido em sete unidades de estudo

que abordam vaacuterios aspectos da histoacuteria do Amapaacute como a presenccedila indiacutegena e africa-

na a organizaccedilatildeo amapaense na eacutepoca da colonizaccedilatildeo brasileira a criaccedilatildeo do Territoacute-

rio Federal do Amapaacute o Amapaacute apoacutes se transformar em Estado e na atualidade enfati-

zando aspectos poliacuteticos econocircmico sociais e culturais desse processo histoacuterico Den-

tro das unidades encontramos algumas narrativas sobre a histoacuteria de alguns municiacute-

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pios amapaenses como Mazagatildeo Oiapoque Serra do Navio Santana Laranjal do Jari

etc

Tal material didaacutetico fora recebido com entusiasmo no municiacutepio de Laran-

jal do Jari contudo em uma reuniatildeo para leitura e planejamento com professores da

disciplina de Histoacuteria e Oficina de Trabalho que contemplavam em suas matrizes curri-

culares os conteuacutedos de Histoacuteria do Amapaacute observou-se inuacutemeras lacunas e superfici-

alidades nos textos apresentados por Soares e Rodrigues

A narrativa apresentada contribui para a legitimaccedilatildeo de alguns estereoacuteti-

pos como por exemplo ao abordar a formaccedilatildeo do municiacutepio de Laranjal do Jari os

autores ainda se referem a ele pelo antigo nome de ldquoBeiradatildeordquo e limitam suas argu-

mentaccedilotildees a trecircs paraacutegrafos colocando a constituiccedilatildeo da vila como um problema so-

cial causado pela implantaccedilatildeo do Projeto Jari enfatizando as condiccedilotildees precaacuterias em

que a vila foi criada caracterizando-a como uma verdadeira ldquofavela sobre o riordquo

Quanto ao aspecto social o maior problema provocado pelo Projeto Jari foi a ocupaccedilatildeo desordenada da regiatildeo por migrantes de todas as partes do paiacutes principalmente do Norte e Nordeste que foram para laacute em busca de emprego Como grande parte desses migrantes natildeo conseguiu o tatildeo sonhado emprego o resultado foi a formaccedilatildeo de um enorme aglomerado de casebres conhecido como Beiradatildeo agraves mar-gens do rio Jari em condiccedilotildees precaacuterias O contraste que existe no local eacute muito evidente numa margem do rio Jari estatildeo as palafitas do Beiradatildeo e na outra margem as casas preacute-fabricadas feitas para funcionaacuterios do Projeto Jari Aleacutem das condiccedilotildees miseraacuteveis o desemprego na regiatildeo provocou tambeacutem outros seacuterios problemas como os altos iacutendices de violecircncia a prostituiccedilatildeo e inuacutemeras doenccedilas provocadas pelas precaacuterias condi-ccedilotildees de saneamento baacutesico tornando a regiatildeo uma verdadeira ldquofave-la sobre o riordquo (Soares Rodrigues 2011 p76-77)

Esta narrativa contida na quinta unidade do livro em questatildeo precisamen-

te no subtema ndash O Projeto Jari riqueza e miseacuteria no Amapaacute ndash permite questionar uma

seacuterie de elementos dentre eles qual a representaccedilatildeo desse discurso no imaginaacuterio

social da ou sobre a cidade como ela pode influenciar na formaccedilatildeo da consciecircncia

histoacuterica dos alunos a construccedilatildeo desse estereoacutetipo eacute corroborada por outros meios

de comunicaccedilatildeo e difusatildeo do saber

Este uacuteltimo questionamento pode ser facilmente respondido pois Laranjal

do Jari eacute retratado em inuacutemeras outras narrativas como uma enorme favela fluvial

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surgida como consequecircncia social de um empreendimento empresarial implantado na

regiatildeo ao final da deacutecada de 1960 Em um livro paradidaacutetico intitulado Histoacuteria do A-

mapaacute o passado eacute o espelho do presente de autoria de Paulo Dias Morais publicado

no ano de 2009 e reeditado em 2011 a histoacuteria de Laranjal eacute retratada da seguinte

forma

O Projeto Jari [] por se tratar de um projeto grandioso necessitava de bastante matildeo-de-obra Muitos trabalhadores se dirigiram para laacute visando melhores condiccedilotildees de vida Uma grande parte dos trabalha-dores eram contratados temporariamente por empreiteiras que natildeo asseguravam os direitos trabalhistas quando eram dispensados pela companhia Estes natildeo dispunham de recursos para moradia e nem para retornarem aos seus locais de origem Por isso a maioria foi obrigada a viver agraves margens do Rio Jari e Vitoacute-ria do Jari em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene Isso fez com que surgissem aacutereas como lsquoBeiradatildeo e Beiradinhorsquo que se tor-naram as maiores favelas fluviais do mundo sendo uma das mais po-bres e violentas da populaccedilatildeo brasileira A prostituiccedilatildeo chegou a iacutendi-ce alarmante e para completar essas aacutereas passaram pelo esqueci-mento do governo por muito tempo (Morais 2011 p 94 e 95)

Podemos notar que tanto a produccedilatildeo didaacutetica como a paradidaacutetica acima

citadas apresentam narrativas semelhantes ao se referirem ao surgimento do municiacute-

pio de Laranjal do Jari o que leva as seguintes questotildees quais fontes os autores utili-

zaram como foi instituiacutedo o estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo Na ten-

tativa de responder a tais interrogaccedilotildees cabe conhecer um pouco mais a historiografia

sobre a formaccedilatildeo do municiacutepio

3 A dita ldquomaior favela fluvial do mundordquo um breve histoacuterico sobre o municiacutepio de

Laranjal do Jari

Laranjal do Jari eacute uma cidade situada ao norte da Amazocircnia Brasileira pre-

cisamente sudoeste do Estado do Amapaacute distante cerca de 265km da capital Macapaacute

Atualmente constitui o 3ordm maior municiacutepio do Estado com uma populaccedilatildeo estimada

em torno de 47000 habitantes (dados do IBGE2016) Foi criado oficialmente atraveacutes

do Decreto nordm 7639 publicado em 17 de dezembro de 1987 que o desmembrou do

municiacutepio de Mazagatildeo com o qual faz limite aleacutem dos municiacutepios de Oiapoque Pedra

Branca do Amapari Almeirim (Estado do Paraacute) e territoacuterios internacionais como Guia-

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na Francesa e Suriname Segundo a professora Socircnia Maria Clareto (2003)

A ocupaccedilatildeo da regiatildeo Laranjal do Jari teve iniacutecio com holandeses e ingleses que em busca de especiarias subiam o rio Amazonas O lo-cal fora praticamente esquecido pelos portugueses ateacute que em 1623 comeccedilou uma longa batalha para expulsar os estrangeiros Padres je-suiacutetas e franciscanos tiveram um forte envolvimento na ocupaccedilatildeo da regiatildeo fundando conventos e catequizando indiacutegenas Tambeacutem os nordestinos desempenharam aiacute importante papel sobretudo no auge do ciclo da borracha entre 1872 e 1920 (Clareto 2003 p 83)

De acordo com o escritor Cristoacutevatildeo Lins (2001) dentre os nordestinos que

desempenharam papel importante na ocupaccedilatildeo da regiatildeo eacute importante destacar a

pessoa de Joseacute Juacutelio de Andrade o cearense que aos 28 anos de idade jaacute era conside-

rado o maior comerciante da regiatildeo do Jari e um dos maiores latifundiaacuterios do mundo

proprietaacuterio de cerca de trecircs milhotildees de hectares de terras com propriedades nos

municiacutepios de Almeirim e Porto de Moz (no Estado do Paraacute) e Mazagatildeo (Laranjal e Vi-

toacuteria do Jari no Estado do Amapaacute)

Segundo Anna Greissing (2011) a regiatildeo do Jari se caracteriza por uma flo-

resta primaacuteria tropical muito rica em recursos naturais principalmente a castanha do

Paraacute (bertholletia excelsa) e a seringa (hevea brasiliensis) cuja exploraccedilatildeo sempre

constituiu a fonte principal de subsistecircncia para as populaccedilotildees extrativistas Jaacute nos

tempos da colonizaccedilatildeo os missionaacuterios instalados na regiatildeo do Jari enriqueciam-se

com a comercializaccedilatildeo das ldquodrogas do sertatildeordquo

A organizaccedilatildeo da atividade extrativista no Jari em uma comercializaccedilatildeo no

estilo de uma empresa desenvolveu-se a partir do final do seacuteculo XIX com a apariccedilatildeo

na regiatildeo do cearense Joseacute Juacutelio de Andrade em 1882 em pleno apogeu do ciclo da

borracha (Greissing 2011 p 46) Mesmo quando o ciclo da borracha comeccedilou a decli-

nar entre 1907 e 1920 ele se manteve como forte comerciante pois tinha atividades

econocircmicas tambeacutem na pecuaacuteria e na coleta de castanha (Clareto 2003 p 83)

Joseacute Juacutelio adquiriu o tiacutetulo honoriacutefico militar do Exeacutercito de Coronel da

Guarda Nacional Elegeu-se Senador da Cacircmara de Beleacutem com sucessivos mandatos

tornando-se um homem extremamente influente no campo poliacutetico social e econocircmi-

co do Baixo Amazonas ateacute a revoluccedilatildeo de 1930 quando o Tenente Magalhatildees Barata

Interventor Federal no Paraacute declarou o ldquocoronelrdquo como inimigo devido o mesmo ser

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 10: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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textos regionalizados (Gatti Juacutenior 2004 p 209)

Satildeo poucas as cidades brasileiras que contam com livros didaacuteticos destina-

dos ao ensino da Histoacuteria Local os tiacutetulos sobre a histoacuteria regional satildeo encontrados

com mais facilidade como no caso do Amapaacute com os livros sobre a histoacuteria regional -

Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008 e 2011) e tiacutetulos paradidaacuteticos como Histoacuteria do

Amapaacute o passado eacute o espelho do presente (2009 e 2011) que constituem os objetos de

anaacutelise deste artigo a partir de agora

2 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute

Ao se iniciar o ano de 2008 a Assembleia Legislativa do Estado do Amapaacute

(ALAP) aprovou a lei nordm 1183 (referente ao projeto de lei nordm 01152007) de autoria do

deputado Manoel Mandi autorizando o Poder Executivo a instituir no Ensino Funda-

mental eou Meacutedio da rede puacuteblica estadual de ensino a disciplina de Histoacuteria do A-

mapaacute O objetivo da criaccedilatildeo da disciplina consiste em formar cidadatildeos conscientes da

identidade potencial e valorizaccedilatildeo do nosso Estado para isto permanecendo na parte

diversificada do curriacuteculo o conteuacutedo poderia ser disposto em uma seacuterie determinada

ou distribuiacutedo em vaacuterias seacuteries

Com o exposto na lei verificou-se a necessidade de se desenvolver materi-

ais didaacuteticos para tornar mais viaacutevel a comunicaccedilatildeo dos conteuacutedos aos alunos e o al-

cance dos objetivos propostos para a disciplina Diante desta demanda no mesmo ano

foi publicado o livro didaacutetico intitulado Amapaacute vivendo nossa histoacuteria (2008) de auto-

ria do professor de histoacuteria Marcelo Andreacute Soares e da pedagoga Maria Emiacutelia Brito

Rodrigues este livro fora reeditado em 2011 adquirido pelo PNLD ndash Programa Nacio-

nal do Livro Didaacutetico do MEC ndash Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e distribuiacutedo para as escolas

estaduais e municipais para serem utilizados nos anos letivos de 2013 2014 e 2015

O livro eacute composto por 128 paacuteginas dividido em sete unidades de estudo

que abordam vaacuterios aspectos da histoacuteria do Amapaacute como a presenccedila indiacutegena e africa-

na a organizaccedilatildeo amapaense na eacutepoca da colonizaccedilatildeo brasileira a criaccedilatildeo do Territoacute-

rio Federal do Amapaacute o Amapaacute apoacutes se transformar em Estado e na atualidade enfati-

zando aspectos poliacuteticos econocircmico sociais e culturais desse processo histoacuterico Den-

tro das unidades encontramos algumas narrativas sobre a histoacuteria de alguns municiacute-

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pios amapaenses como Mazagatildeo Oiapoque Serra do Navio Santana Laranjal do Jari

etc

Tal material didaacutetico fora recebido com entusiasmo no municiacutepio de Laran-

jal do Jari contudo em uma reuniatildeo para leitura e planejamento com professores da

disciplina de Histoacuteria e Oficina de Trabalho que contemplavam em suas matrizes curri-

culares os conteuacutedos de Histoacuteria do Amapaacute observou-se inuacutemeras lacunas e superfici-

alidades nos textos apresentados por Soares e Rodrigues

A narrativa apresentada contribui para a legitimaccedilatildeo de alguns estereoacuteti-

pos como por exemplo ao abordar a formaccedilatildeo do municiacutepio de Laranjal do Jari os

autores ainda se referem a ele pelo antigo nome de ldquoBeiradatildeordquo e limitam suas argu-

mentaccedilotildees a trecircs paraacutegrafos colocando a constituiccedilatildeo da vila como um problema so-

cial causado pela implantaccedilatildeo do Projeto Jari enfatizando as condiccedilotildees precaacuterias em

que a vila foi criada caracterizando-a como uma verdadeira ldquofavela sobre o riordquo

Quanto ao aspecto social o maior problema provocado pelo Projeto Jari foi a ocupaccedilatildeo desordenada da regiatildeo por migrantes de todas as partes do paiacutes principalmente do Norte e Nordeste que foram para laacute em busca de emprego Como grande parte desses migrantes natildeo conseguiu o tatildeo sonhado emprego o resultado foi a formaccedilatildeo de um enorme aglomerado de casebres conhecido como Beiradatildeo agraves mar-gens do rio Jari em condiccedilotildees precaacuterias O contraste que existe no local eacute muito evidente numa margem do rio Jari estatildeo as palafitas do Beiradatildeo e na outra margem as casas preacute-fabricadas feitas para funcionaacuterios do Projeto Jari Aleacutem das condiccedilotildees miseraacuteveis o desemprego na regiatildeo provocou tambeacutem outros seacuterios problemas como os altos iacutendices de violecircncia a prostituiccedilatildeo e inuacutemeras doenccedilas provocadas pelas precaacuterias condi-ccedilotildees de saneamento baacutesico tornando a regiatildeo uma verdadeira ldquofave-la sobre o riordquo (Soares Rodrigues 2011 p76-77)

Esta narrativa contida na quinta unidade do livro em questatildeo precisamen-

te no subtema ndash O Projeto Jari riqueza e miseacuteria no Amapaacute ndash permite questionar uma

seacuterie de elementos dentre eles qual a representaccedilatildeo desse discurso no imaginaacuterio

social da ou sobre a cidade como ela pode influenciar na formaccedilatildeo da consciecircncia

histoacuterica dos alunos a construccedilatildeo desse estereoacutetipo eacute corroborada por outros meios

de comunicaccedilatildeo e difusatildeo do saber

Este uacuteltimo questionamento pode ser facilmente respondido pois Laranjal

do Jari eacute retratado em inuacutemeras outras narrativas como uma enorme favela fluvial

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surgida como consequecircncia social de um empreendimento empresarial implantado na

regiatildeo ao final da deacutecada de 1960 Em um livro paradidaacutetico intitulado Histoacuteria do A-

mapaacute o passado eacute o espelho do presente de autoria de Paulo Dias Morais publicado

no ano de 2009 e reeditado em 2011 a histoacuteria de Laranjal eacute retratada da seguinte

forma

O Projeto Jari [] por se tratar de um projeto grandioso necessitava de bastante matildeo-de-obra Muitos trabalhadores se dirigiram para laacute visando melhores condiccedilotildees de vida Uma grande parte dos trabalha-dores eram contratados temporariamente por empreiteiras que natildeo asseguravam os direitos trabalhistas quando eram dispensados pela companhia Estes natildeo dispunham de recursos para moradia e nem para retornarem aos seus locais de origem Por isso a maioria foi obrigada a viver agraves margens do Rio Jari e Vitoacute-ria do Jari em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene Isso fez com que surgissem aacutereas como lsquoBeiradatildeo e Beiradinhorsquo que se tor-naram as maiores favelas fluviais do mundo sendo uma das mais po-bres e violentas da populaccedilatildeo brasileira A prostituiccedilatildeo chegou a iacutendi-ce alarmante e para completar essas aacutereas passaram pelo esqueci-mento do governo por muito tempo (Morais 2011 p 94 e 95)

Podemos notar que tanto a produccedilatildeo didaacutetica como a paradidaacutetica acima

citadas apresentam narrativas semelhantes ao se referirem ao surgimento do municiacute-

pio de Laranjal do Jari o que leva as seguintes questotildees quais fontes os autores utili-

zaram como foi instituiacutedo o estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo Na ten-

tativa de responder a tais interrogaccedilotildees cabe conhecer um pouco mais a historiografia

sobre a formaccedilatildeo do municiacutepio

3 A dita ldquomaior favela fluvial do mundordquo um breve histoacuterico sobre o municiacutepio de

Laranjal do Jari

Laranjal do Jari eacute uma cidade situada ao norte da Amazocircnia Brasileira pre-

cisamente sudoeste do Estado do Amapaacute distante cerca de 265km da capital Macapaacute

Atualmente constitui o 3ordm maior municiacutepio do Estado com uma populaccedilatildeo estimada

em torno de 47000 habitantes (dados do IBGE2016) Foi criado oficialmente atraveacutes

do Decreto nordm 7639 publicado em 17 de dezembro de 1987 que o desmembrou do

municiacutepio de Mazagatildeo com o qual faz limite aleacutem dos municiacutepios de Oiapoque Pedra

Branca do Amapari Almeirim (Estado do Paraacute) e territoacuterios internacionais como Guia-

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na Francesa e Suriname Segundo a professora Socircnia Maria Clareto (2003)

A ocupaccedilatildeo da regiatildeo Laranjal do Jari teve iniacutecio com holandeses e ingleses que em busca de especiarias subiam o rio Amazonas O lo-cal fora praticamente esquecido pelos portugueses ateacute que em 1623 comeccedilou uma longa batalha para expulsar os estrangeiros Padres je-suiacutetas e franciscanos tiveram um forte envolvimento na ocupaccedilatildeo da regiatildeo fundando conventos e catequizando indiacutegenas Tambeacutem os nordestinos desempenharam aiacute importante papel sobretudo no auge do ciclo da borracha entre 1872 e 1920 (Clareto 2003 p 83)

De acordo com o escritor Cristoacutevatildeo Lins (2001) dentre os nordestinos que

desempenharam papel importante na ocupaccedilatildeo da regiatildeo eacute importante destacar a

pessoa de Joseacute Juacutelio de Andrade o cearense que aos 28 anos de idade jaacute era conside-

rado o maior comerciante da regiatildeo do Jari e um dos maiores latifundiaacuterios do mundo

proprietaacuterio de cerca de trecircs milhotildees de hectares de terras com propriedades nos

municiacutepios de Almeirim e Porto de Moz (no Estado do Paraacute) e Mazagatildeo (Laranjal e Vi-

toacuteria do Jari no Estado do Amapaacute)

Segundo Anna Greissing (2011) a regiatildeo do Jari se caracteriza por uma flo-

resta primaacuteria tropical muito rica em recursos naturais principalmente a castanha do

Paraacute (bertholletia excelsa) e a seringa (hevea brasiliensis) cuja exploraccedilatildeo sempre

constituiu a fonte principal de subsistecircncia para as populaccedilotildees extrativistas Jaacute nos

tempos da colonizaccedilatildeo os missionaacuterios instalados na regiatildeo do Jari enriqueciam-se

com a comercializaccedilatildeo das ldquodrogas do sertatildeordquo

A organizaccedilatildeo da atividade extrativista no Jari em uma comercializaccedilatildeo no

estilo de uma empresa desenvolveu-se a partir do final do seacuteculo XIX com a apariccedilatildeo

na regiatildeo do cearense Joseacute Juacutelio de Andrade em 1882 em pleno apogeu do ciclo da

borracha (Greissing 2011 p 46) Mesmo quando o ciclo da borracha comeccedilou a decli-

nar entre 1907 e 1920 ele se manteve como forte comerciante pois tinha atividades

econocircmicas tambeacutem na pecuaacuteria e na coleta de castanha (Clareto 2003 p 83)

Joseacute Juacutelio adquiriu o tiacutetulo honoriacutefico militar do Exeacutercito de Coronel da

Guarda Nacional Elegeu-se Senador da Cacircmara de Beleacutem com sucessivos mandatos

tornando-se um homem extremamente influente no campo poliacutetico social e econocircmi-

co do Baixo Amazonas ateacute a revoluccedilatildeo de 1930 quando o Tenente Magalhatildees Barata

Interventor Federal no Paraacute declarou o ldquocoronelrdquo como inimigo devido o mesmo ser

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 11: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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pios amapaenses como Mazagatildeo Oiapoque Serra do Navio Santana Laranjal do Jari

etc

Tal material didaacutetico fora recebido com entusiasmo no municiacutepio de Laran-

jal do Jari contudo em uma reuniatildeo para leitura e planejamento com professores da

disciplina de Histoacuteria e Oficina de Trabalho que contemplavam em suas matrizes curri-

culares os conteuacutedos de Histoacuteria do Amapaacute observou-se inuacutemeras lacunas e superfici-

alidades nos textos apresentados por Soares e Rodrigues

A narrativa apresentada contribui para a legitimaccedilatildeo de alguns estereoacuteti-

pos como por exemplo ao abordar a formaccedilatildeo do municiacutepio de Laranjal do Jari os

autores ainda se referem a ele pelo antigo nome de ldquoBeiradatildeordquo e limitam suas argu-

mentaccedilotildees a trecircs paraacutegrafos colocando a constituiccedilatildeo da vila como um problema so-

cial causado pela implantaccedilatildeo do Projeto Jari enfatizando as condiccedilotildees precaacuterias em

que a vila foi criada caracterizando-a como uma verdadeira ldquofavela sobre o riordquo

Quanto ao aspecto social o maior problema provocado pelo Projeto Jari foi a ocupaccedilatildeo desordenada da regiatildeo por migrantes de todas as partes do paiacutes principalmente do Norte e Nordeste que foram para laacute em busca de emprego Como grande parte desses migrantes natildeo conseguiu o tatildeo sonhado emprego o resultado foi a formaccedilatildeo de um enorme aglomerado de casebres conhecido como Beiradatildeo agraves mar-gens do rio Jari em condiccedilotildees precaacuterias O contraste que existe no local eacute muito evidente numa margem do rio Jari estatildeo as palafitas do Beiradatildeo e na outra margem as casas preacute-fabricadas feitas para funcionaacuterios do Projeto Jari Aleacutem das condiccedilotildees miseraacuteveis o desemprego na regiatildeo provocou tambeacutem outros seacuterios problemas como os altos iacutendices de violecircncia a prostituiccedilatildeo e inuacutemeras doenccedilas provocadas pelas precaacuterias condi-ccedilotildees de saneamento baacutesico tornando a regiatildeo uma verdadeira ldquofave-la sobre o riordquo (Soares Rodrigues 2011 p76-77)

Esta narrativa contida na quinta unidade do livro em questatildeo precisamen-

te no subtema ndash O Projeto Jari riqueza e miseacuteria no Amapaacute ndash permite questionar uma

seacuterie de elementos dentre eles qual a representaccedilatildeo desse discurso no imaginaacuterio

social da ou sobre a cidade como ela pode influenciar na formaccedilatildeo da consciecircncia

histoacuterica dos alunos a construccedilatildeo desse estereoacutetipo eacute corroborada por outros meios

de comunicaccedilatildeo e difusatildeo do saber

Este uacuteltimo questionamento pode ser facilmente respondido pois Laranjal

do Jari eacute retratado em inuacutemeras outras narrativas como uma enorme favela fluvial

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surgida como consequecircncia social de um empreendimento empresarial implantado na

regiatildeo ao final da deacutecada de 1960 Em um livro paradidaacutetico intitulado Histoacuteria do A-

mapaacute o passado eacute o espelho do presente de autoria de Paulo Dias Morais publicado

no ano de 2009 e reeditado em 2011 a histoacuteria de Laranjal eacute retratada da seguinte

forma

O Projeto Jari [] por se tratar de um projeto grandioso necessitava de bastante matildeo-de-obra Muitos trabalhadores se dirigiram para laacute visando melhores condiccedilotildees de vida Uma grande parte dos trabalha-dores eram contratados temporariamente por empreiteiras que natildeo asseguravam os direitos trabalhistas quando eram dispensados pela companhia Estes natildeo dispunham de recursos para moradia e nem para retornarem aos seus locais de origem Por isso a maioria foi obrigada a viver agraves margens do Rio Jari e Vitoacute-ria do Jari em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene Isso fez com que surgissem aacutereas como lsquoBeiradatildeo e Beiradinhorsquo que se tor-naram as maiores favelas fluviais do mundo sendo uma das mais po-bres e violentas da populaccedilatildeo brasileira A prostituiccedilatildeo chegou a iacutendi-ce alarmante e para completar essas aacutereas passaram pelo esqueci-mento do governo por muito tempo (Morais 2011 p 94 e 95)

Podemos notar que tanto a produccedilatildeo didaacutetica como a paradidaacutetica acima

citadas apresentam narrativas semelhantes ao se referirem ao surgimento do municiacute-

pio de Laranjal do Jari o que leva as seguintes questotildees quais fontes os autores utili-

zaram como foi instituiacutedo o estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo Na ten-

tativa de responder a tais interrogaccedilotildees cabe conhecer um pouco mais a historiografia

sobre a formaccedilatildeo do municiacutepio

3 A dita ldquomaior favela fluvial do mundordquo um breve histoacuterico sobre o municiacutepio de

Laranjal do Jari

Laranjal do Jari eacute uma cidade situada ao norte da Amazocircnia Brasileira pre-

cisamente sudoeste do Estado do Amapaacute distante cerca de 265km da capital Macapaacute

Atualmente constitui o 3ordm maior municiacutepio do Estado com uma populaccedilatildeo estimada

em torno de 47000 habitantes (dados do IBGE2016) Foi criado oficialmente atraveacutes

do Decreto nordm 7639 publicado em 17 de dezembro de 1987 que o desmembrou do

municiacutepio de Mazagatildeo com o qual faz limite aleacutem dos municiacutepios de Oiapoque Pedra

Branca do Amapari Almeirim (Estado do Paraacute) e territoacuterios internacionais como Guia-

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na Francesa e Suriname Segundo a professora Socircnia Maria Clareto (2003)

A ocupaccedilatildeo da regiatildeo Laranjal do Jari teve iniacutecio com holandeses e ingleses que em busca de especiarias subiam o rio Amazonas O lo-cal fora praticamente esquecido pelos portugueses ateacute que em 1623 comeccedilou uma longa batalha para expulsar os estrangeiros Padres je-suiacutetas e franciscanos tiveram um forte envolvimento na ocupaccedilatildeo da regiatildeo fundando conventos e catequizando indiacutegenas Tambeacutem os nordestinos desempenharam aiacute importante papel sobretudo no auge do ciclo da borracha entre 1872 e 1920 (Clareto 2003 p 83)

De acordo com o escritor Cristoacutevatildeo Lins (2001) dentre os nordestinos que

desempenharam papel importante na ocupaccedilatildeo da regiatildeo eacute importante destacar a

pessoa de Joseacute Juacutelio de Andrade o cearense que aos 28 anos de idade jaacute era conside-

rado o maior comerciante da regiatildeo do Jari e um dos maiores latifundiaacuterios do mundo

proprietaacuterio de cerca de trecircs milhotildees de hectares de terras com propriedades nos

municiacutepios de Almeirim e Porto de Moz (no Estado do Paraacute) e Mazagatildeo (Laranjal e Vi-

toacuteria do Jari no Estado do Amapaacute)

Segundo Anna Greissing (2011) a regiatildeo do Jari se caracteriza por uma flo-

resta primaacuteria tropical muito rica em recursos naturais principalmente a castanha do

Paraacute (bertholletia excelsa) e a seringa (hevea brasiliensis) cuja exploraccedilatildeo sempre

constituiu a fonte principal de subsistecircncia para as populaccedilotildees extrativistas Jaacute nos

tempos da colonizaccedilatildeo os missionaacuterios instalados na regiatildeo do Jari enriqueciam-se

com a comercializaccedilatildeo das ldquodrogas do sertatildeordquo

A organizaccedilatildeo da atividade extrativista no Jari em uma comercializaccedilatildeo no

estilo de uma empresa desenvolveu-se a partir do final do seacuteculo XIX com a apariccedilatildeo

na regiatildeo do cearense Joseacute Juacutelio de Andrade em 1882 em pleno apogeu do ciclo da

borracha (Greissing 2011 p 46) Mesmo quando o ciclo da borracha comeccedilou a decli-

nar entre 1907 e 1920 ele se manteve como forte comerciante pois tinha atividades

econocircmicas tambeacutem na pecuaacuteria e na coleta de castanha (Clareto 2003 p 83)

Joseacute Juacutelio adquiriu o tiacutetulo honoriacutefico militar do Exeacutercito de Coronel da

Guarda Nacional Elegeu-se Senador da Cacircmara de Beleacutem com sucessivos mandatos

tornando-se um homem extremamente influente no campo poliacutetico social e econocircmi-

co do Baixo Amazonas ateacute a revoluccedilatildeo de 1930 quando o Tenente Magalhatildees Barata

Interventor Federal no Paraacute declarou o ldquocoronelrdquo como inimigo devido o mesmo ser

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 12: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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surgida como consequecircncia social de um empreendimento empresarial implantado na

regiatildeo ao final da deacutecada de 1960 Em um livro paradidaacutetico intitulado Histoacuteria do A-

mapaacute o passado eacute o espelho do presente de autoria de Paulo Dias Morais publicado

no ano de 2009 e reeditado em 2011 a histoacuteria de Laranjal eacute retratada da seguinte

forma

O Projeto Jari [] por se tratar de um projeto grandioso necessitava de bastante matildeo-de-obra Muitos trabalhadores se dirigiram para laacute visando melhores condiccedilotildees de vida Uma grande parte dos trabalha-dores eram contratados temporariamente por empreiteiras que natildeo asseguravam os direitos trabalhistas quando eram dispensados pela companhia Estes natildeo dispunham de recursos para moradia e nem para retornarem aos seus locais de origem Por isso a maioria foi obrigada a viver agraves margens do Rio Jari e Vitoacute-ria do Jari em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene Isso fez com que surgissem aacutereas como lsquoBeiradatildeo e Beiradinhorsquo que se tor-naram as maiores favelas fluviais do mundo sendo uma das mais po-bres e violentas da populaccedilatildeo brasileira A prostituiccedilatildeo chegou a iacutendi-ce alarmante e para completar essas aacutereas passaram pelo esqueci-mento do governo por muito tempo (Morais 2011 p 94 e 95)

Podemos notar que tanto a produccedilatildeo didaacutetica como a paradidaacutetica acima

citadas apresentam narrativas semelhantes ao se referirem ao surgimento do municiacute-

pio de Laranjal do Jari o que leva as seguintes questotildees quais fontes os autores utili-

zaram como foi instituiacutedo o estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo Na ten-

tativa de responder a tais interrogaccedilotildees cabe conhecer um pouco mais a historiografia

sobre a formaccedilatildeo do municiacutepio

3 A dita ldquomaior favela fluvial do mundordquo um breve histoacuterico sobre o municiacutepio de

Laranjal do Jari

Laranjal do Jari eacute uma cidade situada ao norte da Amazocircnia Brasileira pre-

cisamente sudoeste do Estado do Amapaacute distante cerca de 265km da capital Macapaacute

Atualmente constitui o 3ordm maior municiacutepio do Estado com uma populaccedilatildeo estimada

em torno de 47000 habitantes (dados do IBGE2016) Foi criado oficialmente atraveacutes

do Decreto nordm 7639 publicado em 17 de dezembro de 1987 que o desmembrou do

municiacutepio de Mazagatildeo com o qual faz limite aleacutem dos municiacutepios de Oiapoque Pedra

Branca do Amapari Almeirim (Estado do Paraacute) e territoacuterios internacionais como Guia-

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na Francesa e Suriname Segundo a professora Socircnia Maria Clareto (2003)

A ocupaccedilatildeo da regiatildeo Laranjal do Jari teve iniacutecio com holandeses e ingleses que em busca de especiarias subiam o rio Amazonas O lo-cal fora praticamente esquecido pelos portugueses ateacute que em 1623 comeccedilou uma longa batalha para expulsar os estrangeiros Padres je-suiacutetas e franciscanos tiveram um forte envolvimento na ocupaccedilatildeo da regiatildeo fundando conventos e catequizando indiacutegenas Tambeacutem os nordestinos desempenharam aiacute importante papel sobretudo no auge do ciclo da borracha entre 1872 e 1920 (Clareto 2003 p 83)

De acordo com o escritor Cristoacutevatildeo Lins (2001) dentre os nordestinos que

desempenharam papel importante na ocupaccedilatildeo da regiatildeo eacute importante destacar a

pessoa de Joseacute Juacutelio de Andrade o cearense que aos 28 anos de idade jaacute era conside-

rado o maior comerciante da regiatildeo do Jari e um dos maiores latifundiaacuterios do mundo

proprietaacuterio de cerca de trecircs milhotildees de hectares de terras com propriedades nos

municiacutepios de Almeirim e Porto de Moz (no Estado do Paraacute) e Mazagatildeo (Laranjal e Vi-

toacuteria do Jari no Estado do Amapaacute)

Segundo Anna Greissing (2011) a regiatildeo do Jari se caracteriza por uma flo-

resta primaacuteria tropical muito rica em recursos naturais principalmente a castanha do

Paraacute (bertholletia excelsa) e a seringa (hevea brasiliensis) cuja exploraccedilatildeo sempre

constituiu a fonte principal de subsistecircncia para as populaccedilotildees extrativistas Jaacute nos

tempos da colonizaccedilatildeo os missionaacuterios instalados na regiatildeo do Jari enriqueciam-se

com a comercializaccedilatildeo das ldquodrogas do sertatildeordquo

A organizaccedilatildeo da atividade extrativista no Jari em uma comercializaccedilatildeo no

estilo de uma empresa desenvolveu-se a partir do final do seacuteculo XIX com a apariccedilatildeo

na regiatildeo do cearense Joseacute Juacutelio de Andrade em 1882 em pleno apogeu do ciclo da

borracha (Greissing 2011 p 46) Mesmo quando o ciclo da borracha comeccedilou a decli-

nar entre 1907 e 1920 ele se manteve como forte comerciante pois tinha atividades

econocircmicas tambeacutem na pecuaacuteria e na coleta de castanha (Clareto 2003 p 83)

Joseacute Juacutelio adquiriu o tiacutetulo honoriacutefico militar do Exeacutercito de Coronel da

Guarda Nacional Elegeu-se Senador da Cacircmara de Beleacutem com sucessivos mandatos

tornando-se um homem extremamente influente no campo poliacutetico social e econocircmi-

co do Baixo Amazonas ateacute a revoluccedilatildeo de 1930 quando o Tenente Magalhatildees Barata

Interventor Federal no Paraacute declarou o ldquocoronelrdquo como inimigo devido o mesmo ser

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 13: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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na Francesa e Suriname Segundo a professora Socircnia Maria Clareto (2003)

A ocupaccedilatildeo da regiatildeo Laranjal do Jari teve iniacutecio com holandeses e ingleses que em busca de especiarias subiam o rio Amazonas O lo-cal fora praticamente esquecido pelos portugueses ateacute que em 1623 comeccedilou uma longa batalha para expulsar os estrangeiros Padres je-suiacutetas e franciscanos tiveram um forte envolvimento na ocupaccedilatildeo da regiatildeo fundando conventos e catequizando indiacutegenas Tambeacutem os nordestinos desempenharam aiacute importante papel sobretudo no auge do ciclo da borracha entre 1872 e 1920 (Clareto 2003 p 83)

De acordo com o escritor Cristoacutevatildeo Lins (2001) dentre os nordestinos que

desempenharam papel importante na ocupaccedilatildeo da regiatildeo eacute importante destacar a

pessoa de Joseacute Juacutelio de Andrade o cearense que aos 28 anos de idade jaacute era conside-

rado o maior comerciante da regiatildeo do Jari e um dos maiores latifundiaacuterios do mundo

proprietaacuterio de cerca de trecircs milhotildees de hectares de terras com propriedades nos

municiacutepios de Almeirim e Porto de Moz (no Estado do Paraacute) e Mazagatildeo (Laranjal e Vi-

toacuteria do Jari no Estado do Amapaacute)

Segundo Anna Greissing (2011) a regiatildeo do Jari se caracteriza por uma flo-

resta primaacuteria tropical muito rica em recursos naturais principalmente a castanha do

Paraacute (bertholletia excelsa) e a seringa (hevea brasiliensis) cuja exploraccedilatildeo sempre

constituiu a fonte principal de subsistecircncia para as populaccedilotildees extrativistas Jaacute nos

tempos da colonizaccedilatildeo os missionaacuterios instalados na regiatildeo do Jari enriqueciam-se

com a comercializaccedilatildeo das ldquodrogas do sertatildeordquo

A organizaccedilatildeo da atividade extrativista no Jari em uma comercializaccedilatildeo no

estilo de uma empresa desenvolveu-se a partir do final do seacuteculo XIX com a apariccedilatildeo

na regiatildeo do cearense Joseacute Juacutelio de Andrade em 1882 em pleno apogeu do ciclo da

borracha (Greissing 2011 p 46) Mesmo quando o ciclo da borracha comeccedilou a decli-

nar entre 1907 e 1920 ele se manteve como forte comerciante pois tinha atividades

econocircmicas tambeacutem na pecuaacuteria e na coleta de castanha (Clareto 2003 p 83)

Joseacute Juacutelio adquiriu o tiacutetulo honoriacutefico militar do Exeacutercito de Coronel da

Guarda Nacional Elegeu-se Senador da Cacircmara de Beleacutem com sucessivos mandatos

tornando-se um homem extremamente influente no campo poliacutetico social e econocircmi-

co do Baixo Amazonas ateacute a revoluccedilatildeo de 1930 quando o Tenente Magalhatildees Barata

Interventor Federal no Paraacute declarou o ldquocoronelrdquo como inimigo devido o mesmo ser

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

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amigo do jornalista Paulo Maranhatildeo desafeto de Barata Este fato o obrigou a vender

sua empresa Jari para um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormen-

te a empresa foi vendida para Daniel Keith Ludwig

Desde a eacutepoca de Joseacute Juacutelio a regiatildeo do Jari era habitada por pequenas

comunidades locais disseminadas pela floresta no entanto como constata Regina Fer-

reira (2008 p 79) a intervenccedilatildeo do ldquocoronelrdquo natildeo foi tatildeo marcante quanto a do em-

presaacuterio norte americano Daniel Ludwig que liderou a instalaccedilatildeo do Complexo Indus-

trial Jari

O objetivo deste empresaacuterio era construir em plena selva um gigantesco

poacutelo industrial substituindo a floresta nativa por uma floresta homogecircnea para abas-

tecer o mercado internacional de celulose bem como exportar em grande escala a

carne bovina o arroz e o caulim Para alcanccedilar os objetivos propostos a empresa pre-

cisaria de muitos trabalhadores o que atraiu milhares de imigrantes para a regiatildeo

Para Clareto

Existem diferentes versotildees para as origens de Laranjal do Jari mas todas concordam que o surgimento da cidade estaria atrelado ao empreendimento do empresaacuterio americano Ludwig e a Monte Dou-rado Assim o iniacutecio da ocupaccedilatildeo daquele espaccedilo agraves margens do Jari teria acontecido como opccedilatildeo para aqueles que haviam se deslocado para a regiatildeo em busca de emprego e melhores condiccedilotildees de vida Houve um grande deslocamento de pessoas para a regiatildeo com essa intenccedilatildeo sobretudo nordestinos - do Maranhatildeo Piauiacute e Cearaacute prin-cipalmente ndash e nortistas de outras localidades Como natildeo havia em-prego para todos muitos sem condiccedilotildees de voltarem para seus lo-cais de origem acabavam ficando e ocupando um local agrave beira do rio Jari para habitar temporariamente na margem oposta a Monte Dou-rado no estado do Amapaacute (antigo Territoacuterio do Amapaacute) em terras que pertenciam a Ludwig e seu Projeto (Clareto 2003 p 86)

De fato com a implantaccedilatildeo da empresa Jari Celulose entre as deacutecadas de

1960 e 1970 com sede em Monte Dourado no municiacutepio de Almeirim-PA estimulou a

migraccedilatildeo principalmente da regiatildeo norte e nordeste propiciando o crescimento popu-

lacional da aacuterea sul do Estado do Amapaacute em concentraccedilotildees como o da ldquoVila do Beira-

datildeordquo (margem esquerda do rio Jari) aacuterea fronteiriccedila de Monte Dourado Eacute importante

ressaltar que a cidade de Monte Dourado foi projetada e construiacuteda especificamente

para atender os funcionaacuterios da empresa com toda a infraestrutura que as cidades no

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 15: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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padratildeo norte americano possuiacuteam De acordo com Ferreira

O marco de sua formaccedilatildeo foi no ano de 1967 quando ocorre o levan-tamento dos primeiros barracos erguidos com finalidade de atender pessoas que estariam ligadas agrave empresa Em 1968 a empresa autori-zou a construccedilatildeo da Vila do Pau Roliccedilo acampamento proacuteximo de Monte Dourado que abrigou alguns empregados ex-empregados ou receacutem-admitidos da Jari Nesse momento o nuacutemero de casas era bem reduzido existiam 26 casas nas quais residiam 229 pessoas mesmo a Jari tendo autorizado o acampamento os moradores natildeo eram bem vistos isso ocorreu em razatildeo das condiccedilotildees da falta de higiene e insalubridade que existiam no local (Ferreira 2008 p 80)

A Vila do Pau Roliccedilo chegou a ser derrubada a mando da empresa contu-

do do outro lado do rio em frente a Monte Dourado iniciou-se a construccedilatildeo de um

novo povoado agrave revelia da Jari Com o crescimento do povoado em 1971 iniciou-se a

formaccedilatildeo de um pequeno nuacutecleo urbano que situado agrave margem esquerda do Rio Jari

passou a ser chamado de ldquoBeiradatildeordquo

Em menos de dez anos o nuacutemero de habitantes do Beiradatildeo jaacute somava o

dobro de habitantes de Monte Dourado ldquoem 1977 enquanto Monte Dourado tinha

2096 habitantes no Beiradatildeo jaacute existiam 5 mil [] Em 1983 no Beiradatildeo moravam 12

mil pessoas e em Monte Dourado 8500rdquo (Ferreira 2008 p 82) nesta eacutepoca a Vila do

Beiradatildeo crescia muito rapidamente com isso a realidade passou a ser outra pois pas-

sou a chamar a atenccedilatildeo do poder puacuteblico que em 1987 elevou a Vila do Beiradatildeo agrave

categoria de Municiacutepio de Laranjal do Jari

Os objetivos de Ludwig em relaccedilatildeo ao seu mega empreendimento natildeo fo-

ram alcanccedilados devido principalmente agrave improdutividade das plantaccedilotildees Em 1982 o

americano viu-se obrigado a abandonar o projeto sem resultados satisfatoacuterios e com a

sua saiacuteda a empresa passou a ser gerida pelo grupo CAEMI (Companhia Auxiliar de

Empresas e Mineraccedilatildeo) uma corporaccedilatildeo de empresaacuterios brasileiros e estrangeiros

dirigida pelo portuguecircs Augusto Trajano de Azevedo Antunes Contudo sob essa ges-

tatildeo a empresa tambeacutem natildeo caminhou conforme o desejado Apesar de generosas

intervenccedilotildees do BNDES o projeto encontrou-se proacuteximo agrave falecircncia total em 1997 mas

em 1999 foi adquiro pelo Grupo Orsa dirigido pelo empresaacuterio brasileiro Seacutergio Amo-

roso De acordo com Anna Greissing

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 16: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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Os objetivos da nova empresa na direccedilatildeo do projeto satildeo principal-mente dois levar a produccedilatildeo de celulose a uma viabilidade econocircmi-ca (a partir de importantes investimentos e inovaccedilotildees teacutecnicas visan-do tambeacutem agrave reduccedilatildeo dos impactos ambientais) e restabelecer a le-gitimidade do projeto frente aos atores da poliacutetica e da sociedade ci-vil Para isso a empresa cria uma Fundaccedilatildeo (a Fundaccedilatildeo ORSA) inspi-rada nos princiacutepios da responsabilidade social e ambiental que desde 2000 compromete-se com o desenvolvimento de pequenos projetos econocircmicos e sociais junto a populaccedilotildees locais (Greissing 2011 p

45)

Para concretizar este segundo intuito acima citado a Fundaccedilatildeo Orsa con-

tratou uma equipe de pesquisadores da qual fez parte a professora Socircnia Maria Clare-

to que visitou o municiacutepio de Laranjal do Jari nos anos 2000 Clareto afirma que antes

de saiacuterem a campo ldquoouvimos muitas histoacuterias acerca da maior favela fluvial do mundo

como Laranjal eacute considerada pela imprensa em geral e por algumas pessoas que mo-

ram na regiatildeo mais especificamente em Monte Douradordquo (Clareto 2003 p 70)

Sua pesquisa sobre o referido municiacutepio resultou em sua tese de doutora-

do ldquoTerceiras Margens um estudo etnomatemaacutetico de espacialidades em Laranjal do

Jari (Amapaacute)rdquo defendida no ano de 2003 nela a autora afirma que o estereoacutetipo de

ldquomaior favela fluvial do mundordquo que recai sobre o municiacutepio foi instituiacutedo pela impren-

sa (Clareto 2003 p 65)

A afirmaccedilatildeo da autora de que a imprensa eacute a responsaacutevel pela propagaccedilatildeo

do estereoacutetipo que caracteriza a parte baixa do municiacutepio de Laranjal do Jari como a

ldquomaior favela fluvial do mundordquo se fundamenta em uma pesquisa documental reali-

zada pela equipe antes da saiacuteda agrave campo junto agrave imprensa sobre o Projeto Jari envol-

vendo documentos desde a deacutecada de 1970 ateacute os dias atuais A pesquisa foi realizada

na imprensa brasileira e internacional e cobriu revistas como Visatildeo Movimento Pas-

quim Veja Isto Eacute e jornais como Folha de Satildeo Paulo Estado de Satildeo Paulo O Liberal do

Paraacute Gazeta Mercantil entre outros tiacutetulos internacionais o Herald Tribune (Clareto

2003)

Oacutergatildeos oficiais do Governo Federal como o IBGE (Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatiacutesticas) tambeacutem corroboram o estereoacutetipo instituiacutedo pela imprensa

Ao se referir ao histoacuterico do municiacutepio de Laranjal do Jari na paacutegina oficial da internet

o Instituto aponta que a regiatildeo que hoje corresponde o Vale do Jariacute foi habitada pri-

meiramente por indiacutegenas Wayana e Apalai e mais tarde por nordestinos que vieram

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

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trabalhar na extraccedilatildeo da borracha

Dentre esses nordestinos destacou-se um cearense chamado Joseacute Juacutelio de

Andrade tambeacutem conhecido como Coronel Zeacute Juacutelio que se consolidou como o maior

latifundiaacuterio do mundo adquirindo cerca de 35 milhotildees de hectares de terra Foi

combatido pela revolta tenentista fato que o obrigou a vender sua empresa Jariacute para

um grupo de empresaacuterios portugueses em 1948 Posteriormente a empresa foi vendi-

da para o milionaacuterio norte americano Daniel Ludwig

Suas origens remontam agrave eacutepoca da colonizaccedilatildeo do rio Jariacute recebendo ain-

da influecircncias mais recente da implantaccedilatildeo do projeto Jariacute Florestal em 1967 idealiza-

do por Ludwig Este pretendia substituir a floresta nativa por uma plantaccedilatildeo homogecirc-

nea de uma planta denominada gmelina arboacuterea para a fabricaccedilatildeo de celulose e tam-

beacutem pretendia torna-se o maior produtor mundial de carne bovina suiacutena e arroz

Como se tratava de um projeto de grande porte a empresa necessitava de

bastante matildeo de obra Motivado pelo afatilde nacionalista (deacutecada de 60) e visando melho-

res condiccedilotildees de vida muitos trabalhadores dirigiram-se para a regiatildeo Boa parte foi

contratada de forma temporaacuteria e indireta por empreiteiras que natildeo lhes assegura-

vam os direitos trabalhistas

Dispensados pela companhia natildeo dispunham de recursos nem para mora-

dia tampouco para retornar aos seus locais de origem A maioria foi obrigada a viver

agraves margens do rio em palafitas sem as miacutenimas condiccedilotildees de higiene e sobrevivecircncia

Isto fez com que o ldquoBeiradatildeordquo se tornasse conhecido como ldquoa maior favela fluvial do

mundordquo aleacutem dos altos iacutendices de prostituiccedilatildeo tambeacutem foi considerada uma das mais

pobres e violentas populaccedilotildees brasileiras

A narrativa apresentada pelos IBGE coloca o municiacutepio de Laranjal do Jari

como uma imensa favela fluvial e acaba por influenciar as narrativas apresentadas

pelos livros didaacutetico e paradidaacutetico mencionados anteriormente

4 A ldquomaior favela fluvial do mundordquo nos materiais didaacuteticos de histoacuteria do Amapaacute o

ensino da histoacuteria local do municiacutepio Laranjal do Jari

Tanto a narrativa apresentada por Marcelo Andreacute Soares e Maria Emiacutelia

Brito Rodrigues (2008) quanto a de Paulo Dias Morais (2009) eacute permeada de estereoacuteti-

pos que perduram no senso comum desde finais da deacutecada de 1970 O conceito de

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

Page 18: A “maior favela fluvial do mundo” nos materiais didáticos ......de História do Amapá: o ensino da história local do Município Laranjal do Jari (Amazônia Brasileira) Marília

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estereoacutetipo eacute entendido a partir da ideia defendida por Maria Aparecida Baccega que

refere-se a ldquogeneralizaccedilotildees que as pessoas fazem a partir de imagens preconcebidas

um reflexo ou refraccedilatildeo da realidade que traz em si juiacutezo de valor e preconceitosrdquo A

conceituaccedilatildeo de estereoacutetipo proposta pela autora evidencia o seu significado como

preacute-juiacutezo na maioria das vezes absorvido como senso comum e transmitido de gera-

ccedilatildeo a geraccedilatildeo (Baccega 1998 p 7-14) Retomou o debate do 2

Este conceito eacute corroborado pelo historiador britacircnico Peter Burke na obra

Testemunha Ocular Histoacuteria e Imagem (2004) A obra propotildee um incentivo agraves possibi-

lidades de uso de gravuras pinturas e fotografias como fontes documentais da pesqui-

sa histoacuterico-cultural com isso dedica um capiacutetulo para problematizar as visotildees estere-

otipadas do ldquoOutrordquo registradas atraveacutes das imagens Trata-se do seacutetimo capiacutetulo da

obra - Estereoacutetipos do Outro ndash em que o autor analisa a ligaccedilatildeo entre as imagens men-

tais e visuais que preacute-concebemos salientando que

Quando ocorrem encontros entre culturas eacute provaacutevel que a imagem que cada cultura possui da outra seja estereotipada A palavra ldquoeste-reotipordquo (originalmente uma placa da qual a imagem podia ser im-pressa) como a palavra clichecirc (originalmente o termo francecircs para a mesma placa) eacute um sinal claro da ligaccedilatildeo entre imagens visuais e mentais O estereoacutetipo pode natildeo ser completamente falso mas fre-quentemente exagera alguns traccedilos da realidade e omite outros O estereoacutetipo pode ser mais ou menos tosco mais ou menos violento [] (Burke 2004 p 155-156)

Esta afirmaccedilatildeo de Burke se faz presente na narrativa apresentada sobre o

municiacutepio de Laranjal do Jari no livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria pois tra-

ta-se de uma argumentaccedilatildeo veriacutedica mas que natildeo daacute conta da construccedilatildeo histoacuterica do

municiacutepio (deixa de lado fatos sujeitos caracteriacutesticas poliacuteticas sociais culturais e

econocircmicas) e datildeo importacircncia aos aspectos negativos

Segundo Burke ldquoinfelizmente a maioria dos estereoacutetipos de outros ndash ju-

deus vistos por natildeo-judeus muccedilulmanos por cristatildeos negros por brancos camponeses

por pessoas da cidade [] etc_ era ou eacute hostil desdenhosa ou no miacutenimo condes-

cendenterdquo (Burke 2004 p 157) no caso do municiacutepio de Laranjal do Jari percebido

em contraste com o distrito de Monte Dourado a narrativa apresenta caracteriacutesticas

deste desdeacutem principalmente no discurso da primeira ediccedilatildeo do livro do ano de 2008

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

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em que um texto complementar evidencia os aspectos mais violentos da oposiccedilatildeo en-

tre os dois locais em questatildeo

Em Monte Dourado vive-se o ldquoprimeiro mundordquo em casas com gra-ma aparada quadra de esportes loja de cosmeacuteticos escola de in-formaacutetica e escritoacuterio de companhia aeacuterea No Beiradatildeo onde mo-ram quatro em cada cinco habitantes do Laranjal estampa-se o re-trato do ldquoterceiro mundordquo nas dezenas de palafitas cercadas por an-tenas paraboacutelicas e erguidas sobre um tapete de aacutegua feacutetida onde os moradores despejam seu esgoto e as crianccedilas se refestelam Quando a noite cai os bares e boates patrocinam uma guerra de decibeacuteis luz colorida e muita cachaccedila [] (Revista Isto Eacute 13 de julho de 2002 a-pud Rodrigues Soares 2008 p 77)

A professora Kaacutetia Maria Abud (1984) alerta para o cuidado com as narra-

tivas estereotipadas que os livros didaacuteticos destinados ao ensino de Histoacuteria podem

conter pois ldquoo livro didaacutetico tem sido um dos mais utilizados canais de transmissatildeo e

sobretudo de manutenccedilatildeo dos mitos e estereoacutetipos que povoam a Histoacuteria do Brasilrdquo

(Abud 1984 p 81)

Franco (1982) afirma que os conteuacutedos transmitem valores crenccedilas e as vi-

sotildees de mundo dos autores que o produzem e isto eacute absorvido pelo aluno daiacute a im-

portacircncia em considerar que os livros didaacuteticos podem funcionar como instrumentos

de reproduccedilatildeo ideoloacutegica (Franco 1982 p 17-18) Assim sendo as narrativas apresen-

tadas pelos livros didaacuteticos sempre devem ser problematizadas pois de acordo com

Guimaratildees a difusatildeo de determinada narrativa histoacuterica ldquopode tornar definitivas insti-

tucionalizadas e legitimadas determinadas visotildees e explicaccedilotildees histoacutericasrdquo (Guimaratildees

2012 p 97)

Contudo mesmo que a narrativa presente nos livros didaacuteticos e paradidaacuteti-

cos aqui estudados apresentem a histoacuteria do municiacutepio de Laranjal do Jari ressaltando

suas carateriacutesticas pejorativas eacute possiacutevel que o (a) professor (a) os utilize como base

para excelentes aulas

Como jaacute foi dito concordamos com o que aponta a professora Selva Gui-

maratildees

O livro didaacutetico eacute uma fonte uacutetil para toda a cultura escolar desde que natildeo seja considerado o lugar de toda histoacuteria Submetido agrave leitu-

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

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ra criacutetica com a ajuda interpretativa do professor e colocado em diaacute-logo com outras fontes de estudo ndash acervos de museus e arquivos li-vros natildeo didaacuteticos produccedilatildeo literaacuteria e artiacutestica por exemplo ele pode contribuir de modo significativo para a aprendizagem histoacuterica (Guimaratildees 2012 p 106)

O fato eacute que todo livro didaacutetico (eou paradidaacutetico) precisa ser visto como

um instrumento a mais dentro do processo de ensino e aprendizagem Em sala de au-

la como qualquer outra fonte os livros precisam ser ampliados complementados

criticados e revistos Para que isso aconteccedila assevera Guimaratildees ldquoo professor deve

ter uma posiccedilatildeo criacutetica nunca de submissatildeo em relaccedilatildeo ao livro de Histoacuteria que como

todo texto toda fonte merece ser questionado problematizado e amplamente explo-

rado com os alunosrdquo (Guimaratildees 2012 p 107)

Desta feita ao se utilizar do livro didaacutetico Amapaacute vivendo nossa histoacuteria

(Soares Rodrigues 2008) e o paradidaacutetico Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho

do presente (Morais 2009) para trabalhar o ensino da histoacuteria local do municiacutepio de

Laranjal do Jari o (a) professor (a) deve considerar outras fontes sobre a narrativa

apresentada a origem do estereoacutetipo de ldquomaior favela fluvial do mundordquo o contexto

em que a vila do Beiradatildeo surgiu como surgiu como se desenvolveu como se trans-

formou no terceiro maior municiacutepio do Estado do Amapaacute entre outros fatores Para

isso o (a) professor (a) precisa contextualizar a temaacutetica e fomentar a pesquisa histoacuteri-

ca dos alunos em jornais revistas fotografias arquivos familiares fontes orais etc

As narrativas apresentadas pelos livros acima citados precisam ser proble-

matizadas e criticadas pelos alunos que quando em contato com outras fontes de co-

nhecimento sobre o assunto podem construir suas proacuteprias opiniotildees A respeito disto

Guimaratildees acrescenta que

O processo de renovaccedilatildeo nos livros didaacuteticos e a ampliaccedilatildeo do mer-cado de paradidaacuteticos nos levam a concluir que as empresas editori-ais tornaram-se nas uacuteltimas duas deacutecadas agentes poderosos na de-finiccedilatildeo sobre o que ensinar em Histoacuteria e como ensinaacute-las na escola fundamental O ensino de Histoacuteria eacute um espaccedilo complexo no qual atuam diferentes propostas de saber e poder cabendo aos professo-res desta disciplina o papel fundamental de desenvolver um ensino que contribua para a formaccedilatildeo do pensamento criacutetico e reflexivo pa-ra a construccedilatildeo da cidadania e a consolidaccedilatildeo da democracia entre noacutes [] Nem tudo eacute o livro didaacutetico o ensino se daacute por muacuteltiplos caminhos [] O livro didaacutetico eacute uma fonte importante mas natildeo deve

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

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ser a uacutenica

Quando problematizados e trabalhados em conjunto com outras fontes do

conhecimento histoacuterico os livros citados neste artigo podem estimular a formaccedilatildeo do

pensamento criacutetico e reflexivo dos alunos Para isso destacamos o papel do professor

em sala de aula para que de fato o ensino de Histoacuteria fomente a formaccedilatildeo de sujei-

tos livres cidadatildeos capazes de refletir sobre o mundo no qual vivem e o mundo no

qual querem viver

Consideraccedilotildees Finais

Atraveacutes da leitura deste escrito pode-se constatar que os livros didaacuteticos e

paradidaacuteticos satildeo instrumentos pedagoacutegicos valiosos dentro do processo de ensino e

aprendizagem constituem suportes privilegiados dos conteuacutedos educativos que por

mais que propaguem estereoacutetipos trata-se de um recurso vaacutelido que natildeo precisa ser

necessariamente rejeitado e descartado pelo professor

Salientamos que o livro didaacutetico ideal aquele que possa atender a todos os

criteacuterios avaliativos e qualitativos agradando a toda clientela de professores natildeo exis-

te Assim ao inveacutes do descarte reiteramos que tais materiais podem servir de suporte

para excelentes aulas desde que utilizados com cautela e criticidade pelo professor

O ensino da histoacuteria local do municiacutepio de Laranjal do Jari pode ser viabili-

zado atraveacutes dos livros didaacutetico e paradidaacutetico que aqui analisamos desde que a me-

todologia do professor possa problematizar as narrativas apresentadas no objetivo de

fomentar uma postura criacutetica e reflexiva de seus alunos e contribuir para a construccedilatildeo

de sua consciecircncia histoacuterica

REFEREcircNCIAS

ABUD Kaacutetia Maria O Livro Didaacutetico e a Popularizaccedilatildeo do Saber Histoacuterico In SILVA M Repensando a Histoacuteria Satildeo Paulo AnpuhMarco Zero 1984 AMAPAacute Assembleia Legislativa do Estado Lei 11832008 BACCEGA Maria Aparecida O estereoacutetipo e as diversidades Comunicaccedilatildeo amp Educa-ccedilatildeo Satildeo Paulo n 13 p 7-14 dec 1998 ISSN 2316-9125 Disponiacutevel em lthttpwwwrevistasuspbrcomueducarticleview36820gt Acesso em 31 oct 2016 BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de Histoacuteria Fundamentos e Meacutetodos Satildeo Paulo Cortez 2011 4 ed BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo nordm 939496

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

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BRASIL Ministeacuterio da Educaccedilatildeo Paracircmetros Curriculares Nacionais Histoacuteria e Geogra-fia Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MEC 1997 BURKE Peter Testemunha ocular histoacuteria e imagem Bauru EDUSC 2004 CERRI Luis Fernando Ensino de Histoacuteria e Consciecircncia Histoacuterica Rio de Janeiro Editora FGV 2011 CLARETO Socircnia Maria Terceiras margens um estudo etnomatemaacuteticos de espaciali-dades em Laranjal do Jari (Amapaacute) Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo Etnomatemaacutetica orientada pelo Prof Dr Ubiratan DrsquoAmbroacutesio) Universidade Estadual Paulista Rio Cla-ro ndash SP 2003 CHOPPIN Alain Histoacuteria dos livros e das ediccedilotildees didaacuteticas sobre o estado da arte Re-vista Educaccedilatildeo e Pesquisa Satildeo Paulo v30 n3 p 549-566 setdez 2004 FERREIRA Regina Ceacutelis Martins Cidade de Laranjal do Jari expansatildeo urbana planeja-mento e poliacuteticas puacuteblicas Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Desenvolvimento Regional ori-entada pelo Prof Dr Joseacute Alberto Tostes) Universidade Federal do Amapaacute ndash Macapaacute 2008 FRANCO Maria Laura P B O Livro Didaacutetico de Histoacuteria no Brasil a versatildeo fabricada Satildeo Paulo Global Editora 1982 GATTI Juacutenir Deacutecio A Escrita Escolar da Histoacuteria livro didaacutetico e ensino no Brasil (1970-1990) Bauru SP Edusc Uberlacircnida MG Edufu 2004 GONCcedilALVES Maacutercia de Almeida Histoacuteria Local o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificacircncia In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria Sujeitos Saberes e Praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 GREISSING Anna A Regiatildeo do Jari do extrativismo ao agronegoacutecio as contradiccedilotildees do desenvolvimento econocircmico na Amazocircnia Florestal no exemplo do Projeto Jari Revis-ta de Estudos Universitaacuterios da Universidade de Sorocaba 2011 36 (3) pp20-37 Dis-poniacutevel em httpshalshsarchives-ouvertesfrhalshs-00560647 Acesso em 12 nov 2016 GUIMARAtildeES Selva Didaacutetica e Praacutetica de Ensino de Histoacuteria Satildeo Paulo Papirus 2012 13 ed Histoacuterico do Municiacutepio de Laranjal do Jari IN INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICAS httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=160027ampsearch=amapa|laranjal-do-jari|infograficos-historico Acessado em 12 de ago de 2016 HORN Geraldo Balduiacuteno GERMINARI Geyso Dongley O Ensino de Histoacuteria e seu curriacute-culo teoria e meacutetodo Rio de Janeiro Vozes 2010 3 ed LINS Cristoacutevatildeo A Jari e a Amazocircnia Rio de Janeiro Dataforma e Prefeitura de Almei-rim-PA 3ordf ed 2001 MORAIS Paulo Dias Histoacuteria do Amapaacute o passado eacute o espelho do presente JM Edito-ra Graacutefica Macapaacute ndash Amapaacute 2009 MUNAKATA Kazumi Produzindo livros didaacuteticos e paradidaacuteticos Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo Tese (Doutorado em Histoacuteria e Filosofia da Educaccedilatildeo orientado pela Profa Dra Mirian Warde) PUC-SP 1997 PINSKY Jaime PINSKY Carla Bassanezi Por uma Histoacuteria Prazerosa e Consequente In KARNAL Leandro (org) Histoacuteria na sala de aula conceitos praacuteticas e propostas Satildeo Paulo Contexto 2003 SANTOS Flaacutevio Batista dos O ensino da histoacuteria local na formaccedilatildeo da consciecircncia his-

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018

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toacuterica um estudo com os alunos do Ensino Fundamental da cidade de Ibaiti-PR 2014 130f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Educaccedilatildeo ndash orientaccedilatildeo Profordf Drordf Marlene Cainelli) Universidade Estadual de Londrina Paranaacute SCHMIDT Maria Auxiliadora O Ensino de Histoacuteria Local e os Desafios da Formaccedilatildeo da Consciecircncia Histoacuterica In MONTEIRO Ana Maria GASPARELHO Arlette Medeiros MAGALHAtildeES Marcelo de Souza (orgs) Ensino de Histoacuteria sujeitos saberes e praacuteticas Rio de Janeiro Mauad X FAPERJ 2007 SCHMIDT Maria Auxiliadora GARCIA Tacircnia Maria A formaccedilatildeo da consciecircncia histoacuterica de alunos e professores e o cotidiano em aulas de histoacuteria Cad Cedes Campinas vol 25 n 67 p 297-308 setdez 2005 p 297-308 Disponiacutevel em httpwwwcedesunicampbr acessado em 31102016 SCHMIDT Maria Auxiliadora CAINELLI Marlene Ensinar Histoacuteria Satildeo Paulo Scipione 2009 2 ed SCHMIDT Maria Auxiliadora BARCA Isabel MARTINS Estevatildeo Rezende (orgs) Joumlrn Ruumlsen e o ensino de histoacuteria Curitiba Editora UFPR 2011 SILVA Isaiacutede Bandeira da Oacute Glauceane Magalhatildees do PIMENTEL Luciana Maria Fer-nandes Histoacuteria e Livro Didaacutetico In MAGALHAtildeES JUNIOR Antocircnio Germano ARAUacuteJO Faacutetima Maria Leitatildeo Ensino amp linguagens da histoacuteria (orgs) Fortaleza EdUECE 2015 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Curitiba ndash PR Base Editoria 2008 SOARES Marcelo Andreacute RODRIGUES Maria Emiacutelia Brito Amapaacute vivendo nossa histoacute-ria Histoacuteria Regional Curitiba-PR Base Editoria 4ordm e 5ordm ano do Ensino Fundamental 2011 ZAMBONI Ernesta Que Histoacuteria eacute essa Uma proposta analiacutetica dos livros paradidaacuteti-cos de Histoacuteria Tese (Doutorado em Educaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Elza Nadai) Universidade Estadual de Campinas ndash Satildeo Paulo 1991 Artigo recebido em outubro de 2018 e aceito em novembro de 2018