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1 1 DEBORA AMARAL AUDI A adolescência e suas expectativas quanto à inserção no mundo do trabalho Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Psicologia Social Área de Concentração: Psicologia Social Orientadora: Yvette Piha Lehman São Paulo 2006

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DEBORA AMARAL AUDI

A adolescência e suas expectativas quanto à

inserção no mundo do trabalho

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Psicologia Social Área de Concentração: Psicologia Social Orientadora: Yvette Piha Lehman

São Paulo

2006

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Audi, D. A. (2006) A adolescência e suas expectativas quanto à inserção no mundo do

trabalho. 111 p. São Paulo. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Psicologia, Universidade de

São Paulo.

A construção dos projetos profissionais e acadêmicos de jovens que se encontram no

final do ensino médio coincide com um momento de profundas transformações físicas e

psíquicas, compreendido pela adolescência. Este estudo teve por objetivo analisar a maneira

com que as expectativas de inclusão em um mercado de trabalho marcado por incertezas

influenciam nos projetos de jovens de distintas classes sociais. Também procurou contribuir

para o entendimento da adolescência na sociedade atual. Foram entrevistados dezesseis

adolescentes que cursavam o terceiro ano do ensino médio, sendo oito em uma escola pública

e oito em uma particular. O conteúdo revelado nas entrevistas foi analisado qualitativamente.

Constatou-se que tanto os adolescentes da escola particular quanto os da escola pública

tinham planos de cursar uma faculdade, sendo que os da escola pública vinculavam este plano

à possibilidade de estarem empregados. Observou-se também, que os jovens da escola

particular estavam comprometidos com a manutenção de um status econômico conquistado

pela família, e planejavam a entrada no mercado de trabalho apoiando-se nas possibilidades

abertas por seus pais. Desta maneira concluiu-se que os mecanismos que os adolescentes

utilizam para tentar conquistar autonomia financeira variam nas diferentes classes sociais,

sendo que para os da escola pública estudada, estes mecanismos estão relacionados à

dedicação aos estudos e ao esforço pessoal, e para os da escola particular, muitas vezes se

apóiam nas possibilidades de trabalho abertas em negócios familiares, não contribuindo, desta

maneira, para uma autonomia real desde jovens em relação aos seus pais.

Palavras-chave: Adolescentes. Orientação Vocacional. Expectativas. Mercado de Trabalho.

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1 INTRODUÇÃO

Ao final do ensino médio, prestes a finalizar um ciclo escolar, os jovens deparam-se

com a necessidade de tomar decisões quanto aos novos caminhos que irão trilhar, seja dando

continuidade aos estudos, seja enfrentando o mercado de trabalho no caso daqueles que ainda

não trabalham. Este momento da vida é compreendido pela adolescência, fase de grandes

definições, dentre elas, a escolha do que fazer e como fazer, escolha esta que parece ser um

dos ajustamentos mais importantes desta fase, da qual a construção da identidade depende.

A adolescência é um período bastante valorizado, principalmente por seus aspectos

relacionados à vivacidade, contestação, descompromisso. No entanto, esta fase é também um

período de grandes sofrimentos, entre eles, o resultante da busca por um lugar na sociedade.

Este lugar relaciona-se principalmente à conquista de um espaço dentro do mercado de

trabalho. No entanto, aparentemente, não há um paralelo entre o que os jovens anseiam e o

que lhes é oferecido em termos de possibilidades de crescimento e autonomia no que se refere

à aquisição de um papel adulto na sociedade por meio do trabalho. É a partir das experiências

presentes e passadas que mantém com o meio em que vive que o jovem, no momento de

decidir quais caminhos quer seguir no âmbito do estudo e do trabalho, lida com as

antecipações e previsões a respeito destes papéis futuros.

O mundo do trabalho parece muito incerto. Atravessamos um momento no qual todos,

mas principalmente os jovens, vivem sob a ameaça do desemprego e da desestruturação das

relações formais de trabalho. (Pochmann, 1998). Por este motivo vemos aumentar o número

de estudos que apontam para um alongamento das fases de juventude e adolescência e do

maior tempo de permanência dos jovens na casa dos pais, estudos estes que atribuem tais

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problemáticas às condições sociais atuais, principalmente no que se refere ao mercado de

trabalho.

Torna-se necessário, portanto, que a adolescência não seja vista apenas como uma

crise pré-programada psicobiologicamente, deixando de lado fatores cruciais como as

condições culturais e sociais de cada época. (Calligares, 2000 e Bock & Liebesny, 2003). Por

outro lado, soma-se aos desafios da adolescência a tarefa que tem o adolescente de adaptar-se

às grandes modificações hormonais que seu corpo sofre. Segundo Jeammet (2005), este é um

trabalho psíquico inerente à vida de todo e qualquer ser humano, mas não se traduz,

necessariamente, em uma patologia. Assim sendo, a adolescência compreende dificuldades

não somente biológicas mais sociais que variam consideravelmente em relação à suas

manifestações e resoluções de uma época e de uma cultura para outra, mas para as quais, toda

sociedade sem exceção se esforça para encontrar uma solução.

Na nossa sociedade atual, as incertezas provenientes do mercado de trabalho, que na

experiência destes adolescentes acontecem como antecipações de um possível desemprego ou

de dificuldades para se manter em uma carreira, parecem influenciar os projetos profissionais

e acadêmicos e, principalmente, segundo Dubar (1997) situam-se hoje como o desafio

identitário mais importante dos indivíduos.

Neste sentido, no intuito de contribuir para o entendimento da adolescência na

atualidade dentro de uma perspectiva psicossocial este trabalho teve como objetivo explorar a

maneira com que jovens de uma escola pública e de outra particular elaboram seus projetos,

levando em consideração a imagem que constroem do mercado de trabalho e a expectativa

que criam em relação à sua inserção neste mercado.

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2 ADOLESCÊNCIA E DESEMPREGO

Adolescência é um termo bastante difundido em nossa sociedade, está relacionado à

juventude, ao conflito geracional, ao descompromisso, mas também a um momento

privilegiado, quando é possível questionar o mundo infantil e o adulto, por não se pertencer

nem a um nem a outro. Parece um estado de exceção, de experimentação ou, como definiu

Erikson (1972), se trata de uma moratória psicossocial. Os lugares que este “ser”, que não é

mais criança nem adulto, pode ocupar na sociedade ainda são muito indefinidos,

principalmente em termos de papéis na sociedade do trabalho.

Atualmente a adolescência é alvo de vários estudos e se configura como um período

rico e complexo, quando se relacionam fatores de ordem biológica, decorrentes das variações

hormonais da puberdade, e sociais, por estarem relacionados ao momento histórico e a cultura

na qual estamos inseridos.

A noção de juventude, que compreende o período da adolescência, parece ser um

produto das sociedades modernas.

De acordo com Áries (1986), nas sociedades tradicionais a infância correspondia ao

período em que a criança era extremamente frágil e dependente, e tão cedo esta adquiria certa

autonomia física, era misturada aos adultos. Então, de criança pequena ela logo se

transformava num jovem adulto, e sua educação e a aprendizagem aconteciam neste convívio

com os adultos, sem passar pelas etapas da juventude que, segundo o autor, se constitui como

um aspecto fundamental das sociedades evoluídas de hoje. A partir do fim do séc. XVII, a

escola substitui a aprendizagem como modo de educação, e a criança é separada dos adultos e

mantida a certa distância antes de ser solta no mundo e, ao mesmo tempo, a família se

constitui como um núcleo no qual a educação dos filhos se torna o centro das preocupações.

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Além disso, quando a criança é separada dos adultos ela acaba por ser excluída do mundo do

trabalho e das responsabilidades e se torna dependente dos pais. Dentro desta perspectiva

histórica, podemos compreender que o reconhecimento da juventude como um período

distinto da infância e a da idade adulta é um fenômeno relativamente recente na nossa

sociedade, e está ligado ao sistema educacional e à noção de família.

Neste sentido, a noção de juventude em nossa sociedade carrega esta marca de

ambigüidade entre ser criança e ser adulto e vai se constituindo como um espaço diferenciado

para as experiências da vida adulta.

A partir das considerações de (Erikson, 1976; Aberastury, 1981; Bloss, 1985)

podemos perceber que o conceito de juventude difere do conceito de adolescência, no sentido

deste último incluir as variações hormonais que têm início na puberdade e que anunciam uma

crise.

Há uma divergência entre estudiosos que afirmam que a adolescência abriga, por

definição, uma crise, e outros que dizem que seus sintomas são produtos de uma construção

social, e se não forem assim considerados acabam por ser naturalizados. Apesar de se advogar

pela prevalência de um ou outro, é sabido que tanto os fatores de ordem individual,

compreendidos pela puberdade, quanto os de ordem social e cultural, são importantes para a

compreensão do fenômeno da adolescência. Jeammet (2005) faz uma intermediação

interessante neste debate ao dizer que os incômodos físicos da puberdade são tantos que

obrigam o aparelho psíquico a trabalhar de forma a integrar os novos dados, e que esta é uma

tarefa que todo ser humano tem que realizar, em qualquer sociedade, porém a forma e o

resultado deste trabalho estão muito relacionados com a cultura a que cada um pertence.

É em função da teoria Freudiana que a adolescência é reconhecida no plano da

personalidade como o ajuste psicológico por conseqüência das mudanças nas condições

físicas advindas da puberdade. A partir do estudo psicanalítico da primeira infância que foi

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possível se compreender esses aspectos psicológicos. De acordo com Bloss (1985), a

adolescência ficou conhecida como a etapa final da fase genital de desenvolvimento

psicossexual, em um momento em que ocorre a reedição do complexo de Édipo e sua possível

elaboração. Antes da psicanálise a puberdade era considerada o momento do início físico e

emocional do desenvolvimento sexual, porém Freud dizia que a vida sexual da criança

começa ainda na primeira infância. Segundo Bloss (1985), a adolescência seria a soma de

todas as tentativas do indivíduo de ajuste ao estágio da puberdade e a nova série de condições

interiores e exteriores enfrentadas por ele. Nesta concepção fica claro que esta não é uma fase

separada no desenvolvimento humano, e sim faz parte de um processo no quais as

especificidades de cada adolescente vão sendo construídas desde muito cedo na primeira

infância.

Para vários autores a grande questão da adolescência é a crise de identidade, Erikson

(1972) entende esta crise como um momento crucial do desenvolvimento em que o jovem

sente suas vulnerabilidades e potencialidades.

Carvajal (1998) aponta as crises de identidade, de autoridade e sexual pelas quais os

jovens têm que passar, e diz que estas são vistas como processos naturais, não

necessariamente vividos como perdas ou sofrimentos.

Aberastury (1981) também fala de crise e enfatiza o processo de luto, de perdas. Para

ela, o adolescente enfrenta três lutos fundamentais nessa fase do desenvolvimento, sendo eles:

o luto pelo corpo infantil perdido, o luto pelo papel e identidade perdidos e o luto pelos pais

da infância.

Bohoslavsky (1998) define crise como algo que morre e algo que nasce, portanto se

relaciona com a idéia de desestruturação e reestruturação da personalidade. Para ele todo

adolescente é uma pessoa em crise, na medida em que está desestruturando e reestruturando

tanto seu mundo interior quanto seu mundo exterior.

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Atualmente alguns autores como Calligares (2000) e Bock & Liebesny (2003)

questionam as teorias que dizem que adolescência é, necessariamente, um período de crise,

pois ao assumir isto,acabaríamos por naturalizar sintomas que são históricos e culturais.

Calligaris (2000) enfatiza o aspecto social ao considerar as condutas e comportamentos da

adolescência como sendo produtos “dos sonhos dos adultos”. Ele diz que os jovens não têm

definições de como ser e agir e por isso acabam impelidos a descobrir e atender os desejos dos

adultos para serem aceitos e amados.

Segundo Bock & Liebesny (2003), é a própria contradição entre as condições que os

jovens possuem e a falta de autorização para o ingresso no mundo social adulto, adicionada

das dificuldades de entrada no mercado de trabalho, que são responsáveis pela maior parte das

características conhecidas hoje como dos adolescentes, entre elas, a rebeldia, o conflito

geracional e a indefinição de identidade.

Independente de a adolescência ser ou não um período de crise por definição, este é

um momento de grandes rearranjos na vida do jovem e na relação que este mantém com o

mundo. O que se nota nos dias de hoje é que este período tem se prolongado, e podemos

atribuir esta constatação, além de outros fatores, às condições atuais do mercado de trabalho.

Esta percepção, no entanto, não é tão recente, pois Erickson (1972) já comenta que o homem

tem uma longa infância biológica, e os progressos tecnológicos vêm ampliando ainda mais o

intervalo de tempo entre o fim da vida escolar e o acesso do indivíduo ao trabalho

especializado.

Além da dificuldade de entrada no mercado de trabalho, um outro fator que também

contribui para este prolongamento é a dificuldade de construção de uma identidade em uma

sociedade sem um referencial claro, que indique que caminhos seguir. A ausência de ritos de

passagem na sociedade ocidental exige que se abra um novo espaço para a expressão do

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conflito adolescente e suas contradições. O papel da sociedade é oferecer continência nesta

passagem, o que não se nota atualmente.

Segundo Salles (2005), antes a seqüência do ciclo de vida era clara. O jovem primeiro

estudava, e ao fim da escola se empregava e daí casava. Hoje, no entanto, começa a ocorrer

um processo de alongamento dessas fases, o que está, entre outros fatores, associado às

dificuldades cada vez maiores de obtenção de emprego e ao prolongamento do estudo. A falta

de autonomia financeira e o desemprego contribuem para que os jovens permaneçam mais

tempo com os seus pais. Hoje os jovens estudam, trabalham, se especializam, adiam a saída

da família de origem e a constituição da própria família. Embora esse processo seja mais

acentuado nas camadas médias da população, há uma tendência para que se generalize para

toda a sociedade.

Pochmann (1998), também atribui este alongamento aos atuais índices de desemprego

desta faixa etária da população. Dados mundiais mostram que na década de 90 a taxa de

desemprego dos jovens permaneceu cerca de 10 vezes superior à do final da década de 60, o

que, segundo o autor, reflete uma profunda modificação no padrão de inserção ocupacional

desta faixa da população se compararmos com as condições encontradas após a Segunda

Grande Guerra, quando a situação de pleno emprego possibilitava uma transição simplificada

e rápida do sistema escolar para o aparelho reprodutivo. Não parece ser por outro motivo, pelo

menos no Brasil, que parcela da população juvenil procurou reverter o processo de passagem

da escola para o trabalho. O aumento do tempo dedicado à formação decorreu de uma

preocupação em reforçar a educação como antídoto ao agravamento do desemprego. Este

adiamento da entrada no mercado de trabalho trouxe grandes efeitos sobre os mecanismos de

emancipação da juventude, pois a ampliação do tempo de estudo acarretou em uma maior

permanência destes na casa dos pais. Ao mesmo tempo, a ausência de rendimentos suficientes

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dificultou a possibilidade de independência financeira e de planos de constituição de uma

nova moradia e de família.

Ao analisar o desemprego no modelo capitalista atual, Dupás (2002) comenta que se

no século XX a preocupação era a exploração que se dava no modelo fordista de produção,

com o trabalho alienante e repetitivo, agora a grande preocupação é encontrar formas do

indivíduo se inserir no mercado, pois o trabalho formal apresenta uma nítida tendência de

queda.

Os índices de desemprego na camada jovem da população são alarmantes e parecem

aumentar. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, no Brasil existem 3,5

milhões de jovens com idade entre 16 e 24 anos desempregados, o que representa cerca de 45

% da força de trabalho do país. Análises do IBGE do mercado de trabalho nos três últimos

anos mostram que o jovem é o segmento da população que vem encontrando maiores

dificuldades para conseguir um emprego. E também, de acordo com Pochmann (1998), há

uma piora nas condições de trabalho, pois parcela crescente das ocupações dos jovens é

precária.

Há um discurso corrente de que a educação e a contínua atualização dos

conhecimentos é o único meio para os adolescentes entrarem no mercado de trabalho e se

tornarem competitivos. Lehman (2005) comenta que em um mercado de trabalho em

constante mudança, o indivíduo busca cada vez mais na educação as possibilidades de crescer

e sobreviver na carreira e, portanto, acaba tomando para si a responsabilidade pelo seu êxito

ou pelo fracasso no mundo profissional.

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3 IDENTIDADE OCUPACIONAL

Ao focalizarmos um jovem que está no fim do ciclo do ensino médio encontramos

alguém que, provavelmente, já criou planos e expectativas a cerca da mudança de ciclo que

está prestes a vivenciar, seja cursar uma faculdade ou curso técnico, e daí a grande questão se

torna saber qual o curso, ou então entrar no mercado de trabalho se ainda não está

trabalhando.

Esse momento de grandes planos e expectativas profissionais e acadêmicas coincide

com a época na qual o jovem tem que definir “quem é”, e “quem quer ser” (Bohoslavsy,

1998). Ao definir quais papéis quer desempenhar para si e para a sociedade, o adolescente

coloca em jogo toda sua identidade. O conceito de identidade utilizado por Dubar (1997) faz

esta articulação entre os aspectos internos e externos, ao colocar a identidade no interior do

processo de socialização. Ele a define da seguinte maneira: “A identidade não é mais do que o

resultado simultâneo, estável e provisório, individual e coletivo, subjetivo e objetivo,

biográfico e estrutural, dos diversos processos de socialização que, em conjunto, constroem o

indivíduo e definem as instituições.” (Dubar, 1997: 105).

Ele quer dizer que não há distinção entre identidade individual e coletiva e sim uma

identidade social, e que esta nunca é dada, é sempre construída. A identidade se dá por meio

de “identificações”, e esta utiliza categorias socialmente disponíveis para “atribuir” que tipo

de pessoa você é (identidade para o outro), e para “pertencer” aquele tipo de pessoa que você

quer ser (identidade para si). Não há correspondência necessária entre essas duas identidades,

mas é a articulação entre essas transições a chave do processo de construção da identidade. As

categorias que servem para identificar os outros e para identificar a si mesmo variam de

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acordo com os espaços sociais onde se exercem as interações, e se modificam no decorrer do

tempo.

Dubar (1997) também diz que a esfera do trabalho, do emprego e da formação, são

domínios que fazem parte das identificações sociais do próprio indivíduo, e que antes de se

identificar com o grupo profissional ou de formação, o indivíduo, desde a infância, herda uma

identidade sexual, étnica e da classe social a qual seus pais pertencem.

Apesar de alguns teóricos, entre eles Offe (1985) apontarem para o fim do trabalho e

da posição dos trabalhadores como princípios básicos da organização das estruturas sociais,

Dubar (1997), ao enfatizar a esfera do trabalho como esfera de socialização e, portanto, de

construção da identidade, afirma a importância do emprego para a formação e transformação

do homem.

Bohoslavsky (1998), ao construir o conceito de identidade ocupacional, também

enfatiza os papéis que o jovem ocupa na sociedade do trabalho, e as expectativas a cerca dos

papéis que ele poderá ocupar nesta sociedade, como um dos fatores, senão o mais importante,

na aquisição da identidade do sujeito.

Ele condiciona a passagem da adolescência para a vida adulta à aquisição destes

papéis ao dizer que uma das áreas críticas, nas quais o adolescente tem que realizar um

ajustamento, refere-se ao estudo e ao trabalho, como meio e forma de ascender a papéis

sociais adultos. Quando ele atinge essa realização diz-se que alcançou sua identidade

ocupacional que, segundo o autor, é um dos aspectos da identidade do sujeito, parte de um

sistema mais amplo que a compreende, e é determinada e determinante na relação com toda a

personalidade. A identidade ocupacional significa a auto-percepção, ao longo do tempo, dos

papéis ocupacionais, sendo que a ocupação é entendida como o conjunto de expectativas dos

papeis de um indivíduo ao longo de sua vida. Portanto, o adolescente se relaciona com o que

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poderá vir a “fazer”, mas também com o que poderá vir a “ser” no futuro, portanto seus

projetos profissionais se articulam com a construção de sua identidade.

De acordo com Dubar (1997), o emprego tem sido cada vez mais central para os

processos identidários, e é o confronto com o mercado de trabalho que situa-se hoje como o

desafio identitário mais importante dos indivíduos. Para as atuais gerações, este

confrontamento com a incerteza acontece em uma condição histórica particular, marcada pela

alta taxa de desemprego, pelo rápido processo de modernização tecnológica e mudanças

organizacionais nas empresas, administração, serviço e prolongamento da transição entre

saída da escola e acesso a um emprego cada vez menos estável. Dos resultados deste

confrontamento dependem as modalidades de construção de uma identidade no trabalho, mas

também e, sobretudo, uma projeção de si no futuro, a antecipação de uma trajetória de

emprego e de formação. De acordo com o autor, não se trata somente de uma situação de

escolha de ofício, ou de obtenção de diplomas, mas da construção pessoal de uma estratégia

identitária que põe em jogo a imagem do eu, a apreciação de suas capacidades e a realização

de seus desejos.

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4 PROJETO PROFISSIONAL.

Será que o mundo do trabalho, da maneira que vêm se apresentando, com a crescente

instabilidade ocupacional, bem como pela piora nas condições de trabalho e aumento do

desemprego, influencia a construção de projetos profissionais? E a área de Orientação

Profissional, como tem lidado com esta questão? Para podermos refletir sobre estas questões

se faz necessária uma delimitação do que se entende por projeto.

O jovem que está no final do ensino médio se encontra em um momento em que se

colocam as questões do que fazer profissionalmente e, mais do que isso, está em jogo a

maneira com a qual este indivíduo elege estar no mundo. Não se trata apenas de escolher uma

profissão, o jovem tem como tarefa se implicar com seu futuro, e o faz levando em

consideração as experiências passadas e presentes que mantém com seu meio.

Por esse motivo vários autores, entre eles Guichard (1995), Uvaldo (2002) tem

trabalhado com a noção de projeto profissional, que se mostra mais adequada do que a noção

de escolha por incluir uma perspectiva temporal ao reconhecer que o indivíduo é

continuamente construído na interação com seu meio, e que as escolhas acontecem em

diversos momentos durante a vida.

Super (1972) foi o primeiro autor a trabalhar com noções que viriam ser as bases do

que tomamos por projeto. Ao formular sua teoria dentro de uma perspectiva

desenvolvimentista, é o primeiro a propor de forma concisa um processo de desenvolvimento

de habilidades e/ou interesses ao longo da vida do sujeito, fugindo da noção clássica de que o

sujeito teria apenas uma vocação a ser diagnosticada e, na medida do possível atendida. Ele

cria a noção de longo prazo dentro da Orientação, frisando a necessidade do diálogo entre

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presente, passado e futuro e o papel estruturante deste diálogo na construção das perspectivas

do sujeito.

Pelletier, Noiseux e Bujold (1981) retomam os postulados de Super a fim de criar uma

forma de trabalho na elaboração e instrumentação deste diálogo passado-presente-futuro, e

constroem o modelo da ADVP (do francês, ativação do desenvolvimento vocacional e

profissional), mais conhecido por modelo da ativação.

Paralelamente aos autores canadenses, Bohoslavsky (1983) também aponta para o fato

de que a Orientação Profissional tem uma relação mais ampla com o sujeito do que o simples

lidar com o final da escola secundária. Segundo o autor, no trabalho de orientação, “trata-se

de escolher o futuro, mas, ao mesmo tempo, de traçar um projeto.”

Conforme apontado por Guichard (1995), a idéia de projeto assume o lugar que

entendemos hoje dentro de uma filosofia da ação, na qual se concebe que o homem se

converte naquilo que ele mesmo se propõe fazer. Nas palavras do autor Guichard (1995: 15)

“Segundo esta concepção, todos os projetos particulares de um indivíduo se mostram como

funções de um projeto fundamental: a maneira que [o indivíduo] elege de estar no mundo”.

Projetar é “lançar para frente”. Designa uma ação a ser realizada e, portanto, se

relaciona à atividade passada ou presente, mas se articula com o futuro para o qual aponta.

Além de tradicionalmente se referir a um momento pontual na vida do indivíduo, o

conceito de escolha, ao colocar o indivíduo como sujeito da ação, pressupõe que todos são

igualmente livres para escolher, porém sabemos que algumas escolhas são permitidas para

determinados grupos enquanto outras não. Uvaldo (2002) ao utilizar o conceito de projeto,

reconhece que o indivíduo é determinado pelas condições objetivas de sua realidade, ou seja,

contexto social, familiar e escolar, mas que mantêm certa liberdade para alterar esta realidade.

De acordo com o autor, o projeto se refere a um homem que não está completamente

determinado pelas circunstâncias, por seu passado e seu presente. “Pressupões que o homem

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possa perceber, analisar e compreender a situação passada e presente e, a partir desta leitura

criar um projeto com intenção futura”. (Uvaldo, 2002: 60)

4.1 Projeto profissional em um mundo de incertezas.

Aparentemente, a antecipação de um possível desemprego e de dificuldades de se

manter na carreira afetam os planos atuais. Estudos indicam que as transformações no mundo

do trabalho são sentidas como fatores de indefinição e preocupação tanto pelos jovens, como

pelos adultos.

Em pesquisa com estudantes universitários em fase de conclusão do curso, Gondim

(2002) destaca que não há uma clara definição do perfil profissional exigido no mercado de

trabalho, o que prejudica a elaboração de planos futuros mais definidos. Neiva (1996) ao

estudar os efeitos das dificuldades do mercado de trabalho sobre as representações da

profissão, do futuro profissional e do estabelecimento de projetos, com universitários em fim

de curso, constatou que algumas das reações observadas em desempregados também ocorrem

em estudantes universitários sujeitos à possibilidade de vir a não encontrar emprego após a

formatura.

Jovens que se encontram no final do ensino médio e, portanto, no momento de tomar

uma decisão sobre que caminhos seguir como profissão, também parecem incluir em seus

projetos, muito mais do que um interesse, uma estratégia racional de inserção no mundo

profissional.

Costa (2002) destaca as mudanças provocadas pelos avanços tecnológicos e pela

globalização da economia nas últimas décadas, bem como os sentimentos ambíguos que tais

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mudanças refletem nas aspirações profissionais como fatores que intervêm no processo de

escolha. Ao ocasionar uma inversão total de antigos valores, essas mudanças levam

freqüentemente a uma desestruturação de valores tidos como essenciais na construção da

subjetividade e na formação do futuro cidadão. De um modo geral, neste estudo percebeu-se

que os jovens sentem receio de escolher uma profissão que não lhes permita um retorno

financeiro garantido. Quanto aos fatores que exercem maior influência na opção vocacional,

constatou-se que 63% dos jovens considera a possibilidade de emprego como um fator

determinante, e apenas 26% aponta o interesse por determinado campo do saber como fator

essencial.

Um levantamento publicado pelo jornal Folha de São Paulo em outubro de 2003

mostra que para os jovens, tanto de faculdades públicas, quanto de particulares, a expectativa

de uma facilidade para entrar no mercado de trabalho praticamente empata com o fator

“afinidade com a área”. Jovens comentam que hoje em dia é muito comum basear a escolha

na disponibilidade de vagas de trabalho. A reportagem coloca que a população enxerga a

educação como uma forma de proteção ao desemprego, de melhorar o nível dos salários.

A pesquisa de Silva (2003) também nos mostra como as recentes mudanças e

exigências do mercado de trabalho vêm influenciando a construção de projetos dos jovens

atualmente, seja criando a sensação de que eles nunca vão conseguir ter bons retornos com

seu projeto, ou então, trazendo a ilusória idéia de que se adaptando totalmente as exigências

do mercado de trabalho eles terão seu sucesso assegurado.

Segundo o autor, os alunos de escolas privadas teriam um projeto pouco realista, na

medida em que não levam em consideração as recentes transformações do mercado de

trabalho, e ficam centrados no vestibular. Já os alunos de escolas públicas teriam um projeto

mais realista, pois a intenção é ingressar neste mercado, e isto se torna sinônimo de

sobrevivência. Em ambos os casos o que se percebe é um desânimo em relação ao que se

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poderá obter do trabalho no futuro, e o processo de construção de um projeto profissional dos

jovens, aparentemente, já carrega esta marca de descrédito.

Lehman (1988) verificou que desde 1980 vem havendo, por parte dos jovens, uma

crescente busca pela mesma profissão dos pais, o que até então, era visto como elemento

negativo e de submissão. Esta constatação também aponta para o entendimento da

preocupação com a entrada no mercado de trabalho como um fator predominante no momento

da escolha profissional, na medida em que estes jovens procuram seguir por um caminho já

trilhado ao invés de se aventurar pelas incertezas do mundo profissional.

Na área de orientação profissional também se observa que esta têm sido uma grande

preocupação que está sendo apontada em estudos recentes. Vários autores (Bock (2002),

Guichard (2002), Savickas (1995)) comentam que na medida em que o mundo se torna mais

complexo, é necessário que novas teorias que sejam capazes de contemplar essas mudanças

seja desenvolvidadas.

Lehman (2005) define a época atual como era de Kairós, sobretudo a partir dos anos

90, na qual a instabilidade no mundo do trabalho, seja em relação às novas tecnologias, seja

em relação às condições político-sociais em constantes mudanças, acaba por deixar a tarefa de

escolha profissional, bem como a tarefa de orientar muito mais árdua, muito mais complexa.

Para entendermos de que maneira os indivíduos elaboram seus projetos profissionais e,

então, podermos refletir sobre a preocupação com a entrada no mercado de trabalho como um

fator atual e importante, se torna necessária uma revisão geral das teorias de escolha.

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5 TEORIAS DE ESCOLHA PROFISSIONAL

Crites (1974) propõe uma classificação ampla, em três grandes grupos: as teorias não

psicológicas, as psicológicas e as gerais.

As Teorias não Psicológicas seriam aquelas que atribuem a escolha a algum sistema

exterior ao indivíduo desprezando, desta maneira, sua inteligência, interesses e características,

e levando em conta apenas fatores ambientais. De acordo com Crites (1974), existem três

classes de fatores que determinam três tipos de teorias dentro das teorias não psicológicas:

Fatores de causalidade, que determinam a Teoria do Acidente; na qual a escolha se dá

por acidente, ou seja, por uma série de circunstâncias não planejadas.

As leis de oferta e demanda, que determinam as Teorias Econômicas; nas quais o

indivíduo procuraria sempre as carreiras que oferecessem melhor retorno financeiro. As

escolhas seriam feitas de forma livre, o que levaria a um equilíbrio de vantagens e

desvantagens nas diversas ocupações. Silva (2003) comenta que isso não é o que se observa

na realidade, há um desequilíbrio social e algumas escolhas são permitidas para determinados

grupos, enquanto outras não.

Costumes e instituições sociais que determinam as Teorias Sociológicas, nas quais os

fatores fundamentais para a decisão seriam a influência da cultura ampla, da subcultura ou

cultura local, da comunidade e do ambiente mais imedia to.

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Já as Teorias Psicológicas, ao contrário das últimas, se concentram nas características

do indivíduo e tem em comum a idéia de que o indivíduo mantém certa liberdade de escolha

e, pelo menos, um pouco de controle sobre seu futuro profissional. Estas foram divididas por

Crites (1974) em quatro grupos: teoria traço fator, teorias psicodinâmicas, teorias

desenvolvimentistas e teorias de tomada de decisões.

Teoria Traço-Fator: esta teoria parte do princípio que os indivíduos diferem em

aptidões, interesses e habilidades, e as ocupações demandam diferentes qualidades e

quantidades destes traços e fatores, portanto, seria possível isolar esses elementos e adequar as

pessoas aos postos de trabalho. De acordo com Campos Silva (1996) esta é a teoria que

preconiza “o homem certo no lugar certo”. “Trata-se, portanto, de uma teoria essencialmente

normativa que visa antes fornecer parâmetros para as tarefas de seleção e orientação do que a

construção de um modelo teórico sobre os determinantes da escolha.” (Campos Silva, 1996)

Teorias Psicodinâmicas: estas propõem que o fator mais significativo na eleição

vocacional é a variável motivacional. As teorías psicoanalíticas fazem parte deste grupo e a

idéia central é a de que o indivíduo sublima seus desejos para se adaptar as exigências sociais,

e um exemplo deste tipo de teoria é a de Roe (apud Silva, 2003), que afirma serem as

experiências infantis e o ambiente familiar fundamentais para a escolha da profissão. De

acordo com Bock (2002) estas teorias representam uma superação da visão inatista de

personalidade, pois é a partir da relação dos impulsos com o meio que as pessoas constituem

sua individualidade. Porém, no Brasil, estas não alcançaram grande repercussão nas práticas

de orientação profissional, ao contrário das teorias traço-fator e das desenvolvimentistas.

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Teorias Desenvolvimentistas: em contraste com as teorias apresentadas até o

momento, a desenvolvimentista propõe que as decisões ocupacionais são tomadas em

diferentes momentos da vida de um indivíduo, e constituem um processo contínuo que

começa na infância e termina nos primeiros anos da vida adulta. A teoria de Ginzberg (apud

Crites, 1974) propõe que os interesses mudam e evoluem com a idade, e faz parte de um

processo que abarca toda a adolescência, aproximadamente, dos 10 aos 21 anos. Este é,

também, um processo praticamente irreversível, pois uma vez que o indivíduo toma um rumo

vai ficando cada vez mais difícil alterar suas metas no decorrer do tempo. O processo termina

com um compromisso que envolve os interesses, capacidades e valores do indivíduo. O

último postulado desta teoria é a afirmação de que há três períodos na escolha ocupacional: o

período da escolha fantasia, decorrente em larga escala do desejo de ser adulto; o período de

tentativa de escolha, que começa por volta dos 11 anos e é determinado principalmente pelos

interesses, a seguir pelas capacidades e depois pelos valores; por fim, o período de escolha

realista que tem início mais ou menos aos dezessete anos e no qual se distribuem

sucessivamente as fases exploratória, de cristalização e de especificação.

Super (1972) coloca mais ênfase na escolha profissional como um processo e sugere

que ele se inicia já nas primeiras escolhas infantis e se estende ao longo da vida e chega até a

aposentadoria. Super (1972) propõe as seguintes fases para o desenvolvimento vocacional: a

primeira fase é a de crescimento que vai dos primeiros anos de vida até os 15 anos e tem

como característica a identificação com figuras importantes na família e escola. Esta é uma

fase subdividida em fantasia; interesse e capacidade. A segunda fase é de exploração e tem

como característica a exploração de si mesmo e das ocupações. Esta é subdividida em

tentativa, transição e ensaio. A terceira fase é a de estabelecimento e nesta o indivíduo faz

força para se estabilizar na área de atuação escolhida. Esta é subdividida em ensaio e

estabilização e consolidação. A quarta fase é a de manutenção, que vai dos 45 aos 65, quando

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o indivíduo alcançou o máximo de suas aspirações profissionais. A quinta e última fase é a de

declínio, na qual o indivíduo diminui seu ritmo de trabalho até a aposentadoria.

A tese fundamental de Super segundo Pelletier, Noiseux & Bujold (1981) é de que os

indivíduos que procuram papéis profissionais tendem a traduzir em termos ocupacionais a

imagem que têm de si mesmos, e que a sua escolha profissional seria uma tentativa de

atualizar essa imagem, embora em alguns indivíduos a escolha possa se constituir, ao que

parece, uma tentativa de antes atualizar a imagem ideal que a imagem real que tem de si

mesmo.

Teorias de Tomada de Decisões: se originam de modelos propostos pela Economia e

visam racionalizar a escolha em três passos: uma estimativa das probabilidades de êxito

associadas com os possíveis cursos de ações, a conveniência dos resultados determinada por

um sistema de valores do indivíduo, e por último, a seleção de um determinada conduta

aplicando-se um critério de avaliação.

Teorias Gerais: se tratam de teorias que reconhecem que muitos fatores podem

influenciar nas escolhas profissionais e não dão ênfase somente para os aspectos psicológicos,

ou somente para os aspectos socioeconômicos.

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5.1 Novas Aproximações das Teorias em Orientação Profissional.

Porém, esta classificação entre teorias psicológicas, não psicológicas e gerais, é antiga

e não é suficiente para abarcar a questão atual e complexa que se tornou a escolha da

profissão no mundo atual.

Bock (2002) questiona esta classificação e afirma que esta carece de substrato mais

rigoroso, uma vez que implica em uma dissociação entre indivíduo e sociedade, o que acaba

por obrigar o leitor a uma tomada de posição. Ele então propõe uma nova classificação em

três grupos: as teorias tradicionais, as teorias críticas e as teorias para além da crítica.

As Teorias Tradicionais entendem que uma boa escolha seria aquela resultante da

harmonia entre um perfil profissional e o perfil pessoal. A escolha da profissão seria uma

atividade de comparação entre esses dois perfis e a função do orientador seria a de

conscientizar o indivíduo de suas características pessoais, além de ajudá- lo a conhecer as

profissões. Segundo Bock (2002), todas as teorias denominadas psicológicas se utilizam do

modelo de perfis, e apenas se diferenciam quanto ao entendimento da origem das

características do indivíduo, algumas consideram essas características inatas, outras

consideram que estas são construídas a partir da relação afetivo sexual estabelecida na

primeira infância, e outras entendem que estas são construídas ao logo do desenvolvimento da

pessoa. Porém, todas, ao final comparam essas características com os perfis de cada profissão.

Além disso, as teorias psicológicas fundamentam-se na ideologia liberal, com os princípios de

individualidade, liberdade e igualdade. Esta preconiza que o indivíduo tem em suas mãos a

possibilidade de ultrapassar os obstáculos colocados pela realidade, e a função do orientador

seria a de ajudar o indivíduo a descobrir sua “vocação” para ter chances de subir na vida.

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De acordo com Bock (2002), as Teorias Críticas seriam aquelas surgidas no Brasil no

final dos anos 70 e início dos 80. Estas propõem questionar as teorias até então existentes,

analisando criticamente a função da educação escolar, e por conseqüência, a função da

orientação profissional, principalmente, por meio do trabalho de Celso Ferreti. Na perspectiva

tradicional, a função do orientador acabava por dissimular a realidade, ao esconder os

determinantes econômicos, políticos e sociais, e enfatizar apenas os individuais.

No terceiro grupo, das Teorias para Além da Crítica, Bock (2002) sugere uma

abordagem sócio-histórica, propondo que esta abordagem representa um avanço na relação

indivíduo-sociedade, de uma maneira dialética, e não idealista ou liberal. Esta abordagem

trabalha com a idéia de multideterminação do humano, e nisto reside certa possibilidade de

mudança, ou seja, os indivíduos podem intervir sobre suas condições sociais. Ele não seria

nem um mero reflexo da sociedade e nem totalmente autônomo em relação a ela. Bock (2002)

trabalha com o conceito de zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky para embasar

suas idéias.

Silva (2003) comenta que a divisão das teorias propostas por Bock (2002) é

interessante, porém é questionável pelo fato de defender apenas a proposta sócio-histórica

como capaz de fazer a relação entre indivíduo e sociedade na explicação do processo de

escolha. Campos Silva (1996) relaciona o conceito de habitus em Bourdieu e o conceito de

identidade ocupacional de Bohoslavsky para tentar articular os fatores externos e internos, ou

seja, os mecanismos através dos quais as determinações sociais são vividas e atualizadas na

experiência do sujeito.

Savickas (1995) faz uma ampla análise das atuais tendências nos estudos e práticas

compreendidos pela psicologia vocacional e elege a questão acerca das convergências e

divergências dentro das teorias como o assunto de maior importância para a psicologia

vocacional nos nossos dias. Essa dicotomia, de um lado teóricos que apontam para a

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convergência e de outro, teóricos que apontam para a divergência ocorre, de acordo com

Savickas (1995), dentro de quatro diferentes cismas. O primeiro é a visão de que existem de

duas diferentes ciências, a da teoria e a da prática. Do ponto de vista dos teóricos da

convergência a prática seria muito melhor informada pela aplicação de modelos científicos, e

do ponto de vista dos teóricos da divergência, a prática tem avançado muito além da teoria.

Apesar disto, ambos concordam que pesquisadores deveriam se concentrar em produzir

conhecimentos úteis para a prática, que contemplem a complexidade dos clientes e das

situações.

O segundo cisma ocorre na visão de que as teorias de orientação vocacional se

encontrarem isoladas de outras áreas da psicologia. Neste caso os teóricos da convergência

argumentam para uma maior integração com as ciências básicas da psicologia, e os teóricos

da divergência argumentam para uma união com outras ciências que não a psicologia, como

por exemplo, a crítica literária, os estudos de gênero, a antropologia, etc.

O terceiro cisma é sobre a separação entre orientação profissional e psicoterapia, neste

caso a convergência enfatiza o trabalho como papel principal da vida e tenta convencer os

psicoterapeutas a incluírem intervenções sobre a carreira no processo de psicoterapia, por

outro lado, a divergência argumenta que o aconselhamento sobre a carreira deveria se focar na

auto-definição e não no ajustamento do indivíduo dentro de uma estrutura ocupacional. O

quarto e último cisma é a respeito do fato dos pesquisadores não terem uma agenda de

pesquisa em comum, os convergentes estão prontos para investir em projetos conjuntos, ao

passo que os divergentes preferem uma orientação profissional que seja mais politicamente

ativa e que se foque na necessidade das pessoas, e não nas necessidades das teorias.

Segundo Savickas (1995), uma teoria multiperspectiva poderia coligar teorias de

diversas origens e encorajá- las a colaborar em interesses comuns, considerando, ao mesmo

tempo, suas diferenças intrínsecas. A psicologia vocacional poderia se beneficiar

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simultaneamente dos refinamentos de ambos teóricos, da convergência e da divergência, com

os avanços produzidos pelos primeiros nas macroteorias e também, pelas reformulações de

pensamentos produzidas pelos segundos nas microteorias.

Desta maneira percebe-se que o campo da psicologia vocacional, que compreende as

teorias de escolha, é um campo polêmico. Neste momento não há um consenso a respeito de

uma teoria que possa dar conta de todos os seus determinantes.

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6 OBJETIVOS

Este estudo tem por objetivo investigar como jovens vêm pensando seus projetos de

inserção no mundo profissional, tendo em vista as condições atuais do mercado de trabalho. O

desemprego e a instabilidade ocupacional são fatores que intervêm na construção de projetos,

como vimos em pesquisas acima. Este trabalho procurou explorar a maneira com que estes

afetam os planos profissionais e acadêmicos dos jovens de classes sociais distintas, e quais

são as conseqüências disto para o entendimento da adolescência na sociedade atual.

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7 PROCEDIMENTO

7.1 Amostra.

Foram entrevistados 16 jovens, com idades entre 17 e 18 anos, que estavam cursando

o terceiro ano do ensino médio nos meses de junho e agosto de 2006, em duas escolas da

grande São Paulo. Optou-se por estudantes do terceiro ano porque este é o último ano em que

os jovens têm a proteção da escola, e a partir daí eles precisam optar por quais caminhos

seguir, seja continuar os estudos, trabalhar, ou outros. Jovens que cursam o terceiro ano do

ensino médio na época esperada têm entre 17 e 18 anos.

Oito entrevistados cursavam uma escola estadual de ensino médio no período noturno.

Esta se localiza na região Sul da cidade de São Paulo, próximo a uma estação do Metrô. A

escola tem aulas no período matutino, vespertino e noturno, sendo que o terceiro ano do

ensino médio é oferecido apenas nos períodos matutino e noturno.

O restante, ou seja, oito jovens estudavam em uma escola particular da grande São

Paulo, localizada em uma região reconhecida por aglutinar pessoas de alto poder aquisitivo,

sendo que a mensalidade do colégio estava em torno de mil e trezentos reais à época das

entrevistas.

Entrevistamos estudantes de uma escola pública e de uma escola particular de classe

média alta, pois tínhamos a idéia de que os projetos dos adolescentes não se constituem da

mesma maneira para essas duas populações. De acordo com Silva (2003), a origem

socioeconômica é um dos fatores que influenciam nos projetos, juntamente com a família,

tipo de escola e outros, e segundo Campos Silva (1996), os determinantes econômicos são os

determinantes primeiros da colocação profissional.

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Todos os entrevistados da escola pública no período noturno já haviam se introduzido

no mercado de trabalho, diferentemente dos jovens entrevistados na escola particular, que não

tinham tido nenhuma experiência neste sentido. Optamos por não entrevistar estudantes do

período diurno de escola pública, pois para alguns o projeto profissional pode ser semelhante

ao dos estudantes de escola particular, na medida em que dedicam grande parte do seu dia à

escola.

7.2 Coleta de dados e análise das entrevistas.

Foi utilizada a entrevista individual e semi-dirigida como técnica de coleta de dados.

Optou-se pelas entrevistas individuais por se entender que o objetivo deste estudo é captar os

planos e as expectativas dos jovens a respeito de sua inserção profissional, portanto uma

questão que depende tanto da subjetividade do indivíduo quanto de uma avaliação do mundo

que o rodeia. Acreditamos a que simples aplicação de um questionário, por exemplo, não

daria conta de captar esta dinâmica.

Segundo Lüdke e André (1986), a entrevista representa um dos instrumentos básicos

para a coleta de dados, e é uma das principais técnicas de trabalho de quase todos os tipos de

pesquisa em ciências sociais, ela permite a captação imediata e corrente das informações

desejadas. As entrevistas do tipo semi-dirigidas ou semi-estruturadas se desenrolam a partir de

um esquema básico, porém não aplicado rigidamente. Neste sentido foi criado um roteiro para

as entrevistas (Apêndice A), que permitia certa flexibilidade. Quando se trata de entrevista

semi-dirigida, quem determina a seqüência dos assuntos é o próprio entrevistado. Nesta se

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busca avaliar a maneira como o sujeito ocupa o espaço que lhe é proporcionado, e o roteiro

tem a função de completar os tópicos que não tenham sido abordados espontaneamente.

As entrevistas foram gravadas com consentimento dos entrevistados buscando, desta

maneira, maior fidedignidade para a análise do conteúdo revelado pelo sujeito. Também

estivemos atentos para os aspectos não verbais na comunicação, pois estes podem ter

relevância por indicarem as emoções relacionadas aos temas abordados.

As entrevistas foram analisadas qualitativamente, pois este tipo de análise se mostra

mais adequada aos objetivos deste estudo, que pretende explorar a maneira com que os

adolescentes constroem seus projetos. Segundo Bogdan e Biklen (1994), os investigadores

qualitativos se interessam mais pelo processo do que pelo resultado do produto, ou seja, pela

maneira com que as pessoas negociam significados, e o modo com que dão sentido às suas

vidas.

7.3 Convite e apresentação do tema ao entrevistado.

Em ambas as escolas a primeira abordagem foi feita por um professor ou pelo

coordenador que indagou para uma classe, ou grupo de alunos, quais deles gostariam de

participar de uma pesquisa que tratasse dos projetos de vida dos jovens. Para os que se

dispuseram foi feito um convite formal que se deu da seguinte maneira:

A entrevistadora comunicou que esta pesquisa fazia parte de um estudo de pós-

graduação em psicologia que tratava das aspirações profissionais dos jovens. Informou

também, que a entrevista teria duração de, aproximadamente, 40 minutos.

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Já na sala disponibilizada pela escola foi esclarecido o caráter sigiloso do que o jovem

dissesse e o uso do gravador. O entrevistado recebia um termo de consentimento (Apêndice

B), que configurava formalmente a liberdade e a consciência da participação. Ressaltamos

que neste documento estavam explícitos os objetivos gerais da pesquisa, a identidade e a

formação da pesquisadora, o caráter voluntário e sigiloso da participação, os procedimentos a

serem tomados no decorrer da entrevista e o uso do gravador. A pesquisadora lia o termo de

consentimento em voz alta antes de entregá- lo para o sujeito, como forma de se certificar que

este tivesse sido bem entendido.

Após esta etapa introdutória a entrevista se iniciava. O jovem poderia não participar da

entrevista ou, se desejasse, poderia interromper a mesma a qualquer momento no seu

decorrer.

Feitos todos os esclarecimentos, a entrevistadora pedia que o entrevistado preenchesse

uma ficha (Apêndice C) com alguns de seus dados. Após esta etapa, o gravador era ligado e a

entrevista era iniciada formalmente.

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8 DESCRIÇÃO DA AMOSTRA

8.1 Adolescentes da escola pública.

Foram entrevistados oito adolescentes na escola pública, sendo seis do sexo masculino

e dois do sexo feminino. A faixa etária variava entre 17 e 18 anos, sendo que um menino e

uma menina tinham 18 anos, e o restante estava com 17 anos à época das entrevistas.

Quanto ao ingresso no mercado de trabalho, do total de entrevistados, cinco

trabalhavam, e três não estavam trabalhando no momento, sendo um do sexo masculino e dois

do feminino.

Em relação à composição familiar, temos quatro famílias compostas por três filhos,

duas compostas por cinco filhos, uma composta por seis filhos e uma composta por dois

filhos. Quanto à posição dos entrevistados na família, temos seis caçulas, um primogênito e

um segundo filho.

Em relação à escolaridade dos pais, temos três pais e quatro mães com ensino

fundamental, três pais e uma mãe com ensino médio, um pai e uma mãe que não estudaram, e

apenas uma mãe com ensino superior Também temos um pai que se desconhece a

escolaridade.

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8.2 Adolescentes da escola particular.

Foram entrevistados oito adolescentes na escola particular, sendo seis do sexo

feminino e dois do sexo masculino. Todos estavam com dezessete anos à época das

entrevistas. Nenhum destes jovens tinha tido contato com o mercado de trabalho.

Em relação à composição familiar, temos três famílias compostas por filhos únicos,

três por um casal de filhos e duas por três filhos. Quanto à posição dos entrevistados na

família, temos três primogênitos, três filhos únicos e dois caçulas.

Em relação à escolaridade dos pais, temos seis pais e sete mães com ensino superior, e

dois pais e uma mãe com ensino médio.

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9 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

A análise do conteúdo das entrevistas evidenciou quatro categorias, sendo que

algumas já eram previsíveis em decorrência do próprio roteiro, e outras foram estruturando-se

a partir da leitura das experiências vividas.

Em primeiro lugar foram levantados os projetos profissionais e acadêmicos dos

adolescentes, e em função desses planos as outras perguntas foram sendo colocadas. O

mercado de trabalho, na medida em que interfere nos projetos, colocou-se como um dos

pontos centrais na análise.

Os papéis da família e do estudo foram aparecendo como importantes apoios para os

projetos dos jovens no decorrer da leitura das entrevistas.

Ficaram então estabelecidas quatro categorias assim definidas:

A) Projetos: esta inclui os planos acadêmicos e profissionais, os motivos que levaram

os jovens a escolher um determinado curso e uma determinada faculdade (quando já pensaram

nisto), as dificuldades que sentem no presente e as que acreditam que encontrarão no futuro

em função desse projeto.

B) Mercado de trabalho: imagem que os jovens constroem a respeito do mercado de

trabalho, vivências e expectativas a respeito da entrada nesse mercado.

C) Família: a maneira com que a família se relaciona com os projetos dos

adolescentes, a família como modelo de identificação e as expectativas e possibilidade de

autonomia dos jovens em relação à família.

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D) Estudo: importância que eles próprios e os seus colegas atribuem ao estudo.

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9.1 Análise das entrevistas com adolescentes da escola pública.

A) Projetos.

Levantando o que os jovens tinham traçado como projetos profissionais e acadêmicos,

verificamos que do total de entrevistados do colégio público, sete tinham planos de cursar

uma faculdade, e já haviam se decidido pela profissão que gostariam de seguir. Ao serem

indagados sobre os motivos que os levaram a optar por um ou outro curso, todos responderam

que haviam escolhido por gosto.

Apenas um dos entrevistados disse que pretendia fazer um curso técnico na área de

informática porque, segundo ele, este seria um caminho mais lucrativo. O jovem Y. fala do

abandono de um sonho em função da necessidade de ingressar no mercado de trabalho, como

percebemos no seguinte trecho:

Do jeito que o mundo anda, a gente tem que pensar no que dá mais lucro, é claro, eu quero algo que envolva informática, seja manutenção de micro, seja webdesign, seja fazer página, eu to pensando nisso. Mas o que eu gostaria de fazer é outra coisa (...) Eu gostaria de fazer hotelaria, mas vou fazer curso técnico em informática.

Em outro trecho o mesmo jovem diz que considera o sonho de cursar faculdade uma

perda de tempo, porque não será garantia de ascensão social. Ele diz:

(...) Mas é assim, a gente tem nossos sonhos, mas a gente acaba caindo em um trabalho mediano porque não têm como subir, ainda mais a gente que é de classe baixa. Mesmo que saia daqui e vá fazer meu curso, vai ser muito difícil, eu tenho uns amigos que discutem sobre fazer faculdade, mas outros falam que fazer faculdade é perda de tempo.

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Seis depoimentos, ou seja, a grande maioria dos jovens entrevistados na escola pública

enfatiza a condição econômica (falta de dinheiro) como o fator de maior dificuldade para

concretização do projeto profissional. Eles demonstram ter clareza de que seu projeto de

cursar uma faculdade depende deste suporte, pois eles precisam trabalhar para arcar com suas

despesas e, muitas vezes precisam auxiliar no orçamento familiar, como fica claro na seguinte

fala de um entrevistado: “(...) a pessoa que está aqui é porque não está tendo aquela

condição ampla, ainda mais de noite, que está tendo que trabalhar de dia e ajudar a mãe.”

Os depoimentos demonstram a importância de ter um emprego para que possam

sustentar o projeto de continuar estudando e fazer uma faculdade. Ao mesmo tempo, eles

atribuem às condições econômicas toda fonte de risco do projeto não vir a se concretizar no

futuro. Um deles comenta: “(...) igual meu primo, desde que ele nasceu o pai já colocava um

dinheirinho na popança dele, então ele vai ter um futuro brilhante (...)”

O seguinte trecho de outro depoimento também fala deste fator de grande dificuldade:

“(...) dinheiro facilita porque meu pai foi dispensado e está só minha mãe trabalhando, e se

eu estiver trabalhando eu consigo fazer o que eu quero(...)”

A necessidade financeira faz com que eles se introduzam precocemente no mercado de

trabalho, em funções que não exigem qualificação e que não correspondem ao que eles

almejam. Ao ser perguntado se este gostava do seu emprego o entrevistado M. respondeu:

“Mais ou menos, porque não é uma coisa que vá me dar futuro, ser recepcionista, é que eu

trabalho mais para as pessoas, não para mim, seria melhor estar no lugar de algumas

profissionais que trabalham lá”.

É também a necessidade de trabalhar que faz com que estes jovens optem por estudar

no período noturno. À época da coleta de dados, dos oito entrevistados, cinco estavam

trabalhando, dois estavam procurando emprego e um deles estava dispondo da pensão de uma

avó. Ter algum suporte financeiro, que na maioria dos casos está relacionado a ter um

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emprego, aparece como uma garantia de que eles poderão cursar uma faculdade e no futuro

trabalhar na profissão escolhida.

Levantamos também, que metade dos entrevistados pensa em tentar entrar em uma

faculdade pública, sendo que a outra metade nem cogita esta possibilidade e fala diretamente

em fazer uma faculdade particular. Dos que almejam ingressar em uma faculdade particular,

aparece uma ligação deste projeto à possibilidade de estar empregado. Um deles fala

claramente que para fazer faculdade é preciso ter dinheiro para pagar.

O jovem D. comenta que pretende cursar alguma faculdade que lhe dê bolsa integral.

Ela diz: “(...) tem a Unisantana, que jogando pela faculdade você ganha bolsa integral, tem

também uma outra que você vai todo final de semana e trabalha com as crianças (...) daí

você ganha bolsa integral.”

Um outro diz que pretende fazer um cursinho pré-vestibular também para tentar uma

bolsa em uma faculdade particular. Ele diz: “Dificuldade na verdade têm, porque eu não

tenho condições de pagar uma faculdade, mas eu pretendo fazer o cursinho pré-vestibular

para prestar uma prova para pelo menos ganhar meia mensalidade para conseguir pagar”.

De acordo com o depoimento acima percebemos que, para esta população, o cursinho

pré-vestibular com uma mensalidade acessível, se constitui como um fator de apoio para o

projeto.

Os jovens que dizem que pretendem prestar uma faculdade pública já colocam esta

possibilidade como muito remota, dizem que demandaria muito esforço, e também

consideram como opção ir para uma faculdade particular. Esta idéia pode ser exemplificada

nas seguintes falas:

(...) eu comecei agora a ver isso, eu vou tentar faculdade pública, mas tem que estuda muito, eu sei que é difícil, mas depende de mim. Senão eu vou fazer particular e tentar uma bolsa e também trabalhar para pagar, mas é difícil, eu não vi isso ainda.”

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(...) têm que ser pública, ou eu tenho que lutar por uma vaga com, pelo menos, 50 % de desconto. Porque USP é raro a pessoa entrar porque é muito concorrida, é muito difícil, ou melhor, difícil não é, tem que ir atrás do que quer.

Os jovens que dizem que pretendem cursar faculdade particular não colocam esta

opção como desvalorizada ou pior em relação à faculdade pública, muito pelo contrário,

consideram esta uma boa opção.

Assim, levantamos que os adolescentes da escola pública têm como projeto cursar

uma faculdade, e a maioria diz estar pensando em determinado curso baseando-se em

interesses pessoais. O dinheiro foi apontado como um fator essencial para realização destes

planos, sendo que, para esta população é a possibilidade de estar empregado que determina

sua condição financeira, na medida em que eles têm que se preocupar com seu próprio

sustento. A faculdade particular é colocada como melhor opção em relação à faculdade

pública, que é tida como muito difícil de ingressar. As estratégias que estes jovens criam para

poder cursar uma faculdade particular são tentar algum tipo de bolsa ou incentivo financeiro

da própria faculdade e trabalhar enquanto estudam.

B) Mercado de trabalho.

Dos oito entrevistados, sete disseram sentir que a concorrência por um emprego é

muito grande e que o mercado de trabalho é injusto. Demonstram em suas falas o temor de

não virem a ser absorvidos pelo mercado, mesmo quando já tiverem nível superior. O curso

superior, que antes parecia garantia, hoje já não representa entrada certa no mercado de

trabalho. O estudo e a experiência aparecem como as principais demandas do mercado de

trabalho. Metade dos entrevistados deixa claro que sente que quanto maior for o tempo

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dedicado aos estudos, que para eles depende do empenho pessoal, maiores são as

possibilidades de encontrar emprego. Neste sentido um dos jovens comenta:

Na verdade o mercado de trabalho está muito difícil para todos, hoje em dia as pessoas querem pegar para trabalhar quem tem mais coisas no currículo, não só quem se formou, fez faculdade, mas quem fez também outros cursos, hoje em dia as pessoas querem quem tem faculdade encerrada já, então está difícil.

Outros dois entrevistados consideram a experiência, além dos estudos, as maiores

exigências do mercado de trabalho. Esta idéia pode ser ilustrada no seguinte trecho:

O que eu vejo por aí é que está difícil, filas e filas de pessoas tentando uma vaga, de faxineiro mesmo, se têm dez vagas têm 50 pessoas na fila, e têm que ter isso e aquilo, e as vezes a pessoas nem tem, têm que ter estudo, experiência, ta difícil para você ter um serviço bom, tem que procurar muito.

Ter uma indicação aparece como um facilitador no momento de encontrar um

emprego, um dos jovens disse que um irmão conseguiu um trabalho através da indicação de

um amigo. Este outro também revela ter conseguido um trabalho por meio de uma indicação:

(...) uma coisa que é muito chata é que você não entra em lugar nenhum sem indicação, isso é regra, eu sei por que neste trabalho que eu estou, eu só entrei por indicação, mesmo não sabendo nada do trabalho, porque você tem que saber as ruas, eu acabei entrando, e na semana passada foi um rapaz que já é boy, tem moto, e foi tentar entrar lá e não conseguiu, então hoje em dia sem indicação é muito difícil entrar em qualquer lugar.

Apenas um dos entrevistados considera o mercado de trabalho mais receptivo e diz

que este está aberto para quem é bom profissional. O jovem O. declara:

Eu tenho uma opinião que às vezes as pessoas pensam que eu sou meio grosso ou ignorante até, mas eu penso que o mercado de trabalho não é ruim, porque é assim, se o cara é bom ele tem emprego, se ele não é não tem (...).

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Dois adolescentes trabalham em atividades que consideram ser um primeiro passo na

direção da profissão que, de fato, desejam seguir no futuro, quando estivem formados.

Um deles trabalha na administração de uma academia e pretende cursar educação

física. O outro trabalha na administração de uma clínica estética e tem planos de cursar

fisioterapia. Um outro jovem declara que no ano seguinte pretende trabalhar em uma função

que, para ele representa um primeiro passo para a entrada na carreira que pretende seguir

futuramente. Ele tem planos de cursar jornalismo, e pretende trabalhar como rádio operador,

uma atividade que, nas suas palavras “tem a ver com jornalismo.”

Em outro depoimento também aparece esta lógica de que a entrada precoce no

mercado de trabalho irá facilitar o acesso a melhores oportunidades no futuro. O seguinte

trecho ilustra esta idéia:

(...) não vou ficar em casa, esperando, vai que no ano que vem as portas que se abriram para mim antes de fecham depois, daí, como eu fico? Não quero, já é melhor eu começar a ver já o que eu quero, eu estava em um emprego e um outro emprego se abriu e eu fui (...).

Percebemos então, que o mercado de trabalho é visto como muito concorrido, e que ter

estudo, experiência e indicação, são fatores que podem facilitar o aceso a esse mercado. Desta

maneira, os depoimentos deixam claro que estes jovens, apesar de terem clareza das

condições sociais atuais, principalmente sobre o desemprego, continuam atribuindo a entrada

no mercado a algum fator pessoal, relacionado à indicação, ao desempenho nos estudos à

experiência. Ou seja, são eles que têm que se revestir de capacidades para poderem se tornar

competitivos.

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C) Família.

Dois entrevistados revelam que pretendem trabalhar junto a um membro da família no

futuro. Eles sentem que o parentesco poderá facilitar o acesso a uma oportunidade de emprego

no período que estiverem se formando na profissão que, de fato, desejam seguir. Um deles

atualmente trabalha no negócio de uma tia, o que possibilita que este continue estudando e

possa se preparar para o vestibular. Outro jovem também revela que tem planos de trabalhar

juntamente com sua mãe. Ele diz: “ (...) minha mãe é rádio operadora e meu pai trabalha em

construção. Quando terminar este ano eu vou trabalhar com minha mãe, que tem a ver com

jornalismo.”

Os dados revelam que para esta população que precisa começar a trabalhar muito cedo

quando ainda não tem qualificação, o apoio familiar, seja oferecendo trabalho ou indicando

este jovem para algum emprego, se torna uma estratégia importante de ingresso no mercado

de trabalho.

D) Estudo.

Do total de entrevistados, cinco declararam que gostavam de estudar e consideravam

algo muito importante. Um deles disse que não gostava muito, mas sabia ser importante.

Outros dois não comentaram nada a respeito.

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Dois adolescentes, ao comentarem a respeito do interesse que eles próprios e seus

colegas têm pelo estudo declararam se incomodar com colegas que não mostram

compromisso com a escola, que usam o colégio apenas como espaço social. O jovem S. diz:

(...) tem alguns que eu vejo que tem interesse, a gente vê que são pessoas que trabalham e estudam. Tem outros que você olha e parece que não querem levar nada com nada, só vêm para a escola para ver o pessoal e ir embora depois, gastar dinheiro do pai e da mãe, que não trabalha, entendeu? Isso eu já acho safadeza do pessoal (...).

O outro jovem também compartilha desta opinião, como percebemos nos trechos

abaixo:

(...) o que eu não me conformo é com pessoas que vêm para a escola sem interesse nenhum em estudar e atrapalham quem quer estudar, pessoas que não querem nada com nada, que vêm para a escola só por vir, como se fosse um shopping, vem entra na sala, zoa com todo mundo, com os professores, não se importam com os outros que estão ao seu redor, vem para usar droga, jogar bola, que isso tem muito aqui (...) esses não querem nem realmente terminar o colegial, as vezes passam com a ajuda dos professores. É igual ficar com uma menina só por ficar, aí acaba engravidando, passando alguma doença para ela, ou acaba tendo um filho e nem se interessa, só fez e acabou.

A comparação com ter um filho, ou pegar alguma doença que o depoimento acima

traz, deixa claro como eles sentem que caso seus atos não sejam muito bem pensados eles

terão que pagar o preço pelo resto da vida. Qualquer prazer parece ser muito arriscado e esta

ameaça faz com que eles sintam que não podem relaxar um segundo, senão o futuro estará

perdido. Neste sentido um outro entrevistado respondeu ao ser perguntado se gostaria de

dispor de mais tempo em sua vida: “Gostaria, mas por outro lado eu gosto de não ficar

parada, de correr atrás do que eu quero, às vezes eu penso que não quero trabalhar hoje,

mas aí eu penso que é meu futuro”.

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9.2 Análise das entrevistas com adolescentes da escola particular.

A) Projetos.

Ao serem indagados sobre seus planos profissionais e acadêmicos, todos entrevistados

da escola particular revelaram que pretendiam cursar uma faculdade, sendo que cinco deles

disseram que estavam fazendo a escolha por um determinado curso superior levando em

consideração interesses pessoais. O restante enfatizou outros aspectos, que foram traduzidos

em morar fora de São Paulo, sair da casa dos pais e buscar maior segurança na inserção no

mercado de trabalho. Estes seguintes trechos de entrevistas ilustram estes tipos de estratégias

no momento de optar por um ou outro curso:

O jovem T. diz:

Bom, eu vou prestar para agronomia porque meu avô tem negócio, tem fazenda (...) não que eu não queira agronomia, mas não é minha primeira opção, eu gosto muito mais de humanas voltado para antropologia, mas não é um negócio viável e eu nunca conseguiria sair da cidade.

O seguinte, ao enfatizar o aspecto do retorno financeiro, deixa muito claro que não

está tomando uma decisão levando em consideração seus desejos, como podemos perceber no

trecho a seguir:

(...) ou medicina, ou alguma engenharia (...) o que eu queria fazer mesmo é música, só que não dá para viver. Então eu vou fazer uma outra faculdade e música no período da noite. (...) Então, eu queria fazer música, mas meus pais falaram e eu concordo, que viver disso no Brasil é muito difícil. Então eles falaram que eu precisava fazer uma profissão mais tradicional que tenha uma certa segurança quanto ao retorno, e música como lazer.

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Mesmo um dos jovens que declara estar fazendo uma escolha profissional pensando

em seus desejos demonstra em suas falas a preocupação com a entrada futura no mercado de

trabalho. Ele diz tentar unir o gosto à segurança:

(...) eu pensei em fazer turismo porque eu adoro viajar, mas aí meu pai me puxou o pé e falou: “filha calma, você vai fazer o que da sua vid a? aí eu falei; “ta bom”. Tem uma coisa que eu sou apaixonada, que é história, é a única faculdade que eu faria sem problema nenhum, sabe, mas aí eu conversei com os professores de história e geografia também e eles me falaram que não tem muito campo (...) eu acho que tem que tentar unir o útil ao agradável, alguma coisa que eu goste com alguma coisa que dê dinheiro, porque querendo ou não eu vou ter que me sustentar.

Todos os entrevistados consideram que a maior dificuldade para se concretizar o

projeto está relacionada aos estudos. Eles comentam que precisam se dedicar muito aos

estudos para poder conquistar uma vaga na faculdade escolhida. Um deles diz: “Daí tem o

ponto da dificuldade de eu entrar no curso, que pega muito, tem que estudar, rachar, às vezes

eu penso, será que eu vou conseguir, quantos anos eu vou ficar estudando para passar.”

Outro depoimento confirma esta necessidade de dedicação para se preparar para o

vestibular:

É um ano difícil (..) eu olho para a guitarra, que é o que eu gostava de fazer, olho para os cadernos e acabo indo para os cadernos. Mesmo quando você pega a guitarra você não toca normal porque você sabe que tem a lição, já fica com a cabeça naquilo.

Ficou claro também, o quanto o momento que estão vivendo agora é decisivo para seu

futuro profissional, pois além de se relacionar com a entrada em uma boa faculdade, o

momento presente também afetará o desempenho futuro, quando forem avaliados pelo

mercado de trabalho. Esta idéia é ilustrada na seguinte fala:

Acho que o negócio é estudar agora e tentar entrar em uma boa faculdade, porque hoje a pessoa só vê a sua ficha se tiver uma boa faculdade, e você só entra em uma boa faculdade se tiver pegando firme nos estudos.

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A grande maioria dos adolescentes tem como objetivo ingressar em uma faculdade

pública, sendo que apenas um deles tem outros planos e pretende realizar sua graduação no

exterior.

Por outro lado, parece haver uma ambivalência entre o desejo de ingressar na

faculdade, e o de estar livre deste compromisso por um tempo. Revelam vontade de viajar e

de adiar este projeto por se sentirem cansados e pressionados. Apenas um dos entrevistados

comenta que gostaria de estar na faculdade já no ano seguinte.

Assim, levantamos que os jovens da escola particular têm como projeto ingressar em

uma faculdade pública e fazem suas escolhas profissionais levando em consideração, além

dos interesses pessoais, um cálculo das possibilidades de serem bem sucedidos no momento

de ingressar no mercado de trabalho. Ficou claro também, que a grande dificuldade

relacionada à concretização deste projeto é a exigência de dedicação aos estudos. Ao mesmo

tempo em que colocam esta dedicação como o grande determinante do sucesso profissional

futuro, manifestam vontade de relaxar e de adiar este projeto.

B) Mercado de trabalho.

Quanto ao mercado de trabalho, este é visto pelos jovens da escola particular como

difícil, concorrido e imprevisível.

Três jovens relacionam o nível acadêmico e o maior número de títulos obtidos além do

curso superior com as maiores possibilidades de serem absorvidos pelo mercado. Um deles

diz: “Eu sei que para entrar em uma faculdade é bem difícil, concorrido, e se você não tem

uma ou mais, você não tem lugar nenhum no mercado”.

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Também dentro desta mesma idéia outro entrevistado L. fala:

Mas eu acho que é isso, o mercado de trabalho está muito saturado e você tem que cair na especialização, ao mesmo tempo que você tem que saber de tudo um pouco você tem que focar em uma coisa só porque está muito difícil hoje.

Três outros entrevistados também alegam que o mercado esteja saturado em todas as

profissões, mas não acreditam que este esteja preenchido por bons profissionais. Segundo um

deles. “Em qualquer profissão deve ter muita gente, mas não acho que tenha muita gente

boa, acho que tem poucas pessoas muito boas em cada área”.

Este outro adolescente também traz a idéia de que para quem é bom profissional o

mercado não está fechado. Ele comenta:

(...) o pessoal comenta que o mercado de trabalho está difícil (...) porque hoje em dia a competição está muito grande (...) mas eu até penso que se você for um bom profissional você vai ganhar dinheiro, dinheiro é conseqüência, é natural, então eu acho que você tem que fazer o que você gosta ai você vai fazer bem, você pode se destacar.

Frente à saturação do mercado de trabalho, este outro jovem coloca a possibilidade de

vir a prestar um concurso público como forma de assegurar sua inserção:

Então, está difícil, é, muita gente pouco emprego, cada vez mais exigindo especialização, o lado que eu pretendo ir é o de concurso público, que é um emprego bom, mas até lá eu vou ter que trabalhar em outras coisas também. Não sei, aí acho que não vai ser fácil, conseguir um estágio, ter experiência. Acho que não está fácil para nenhuma carreira.

O fator sorte, além do grau de instrução, também foi relacionado com a possibilidade

de conseguir um bom emprego no futuro.

Percebemos então, que o mercado de trabalho é visto como concorrido, e para estes

jovens os títulos obtidos além do curso superior aumentam as possibilidades de conseguir um

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bom emprego no futuro. Aparece também a lógica de que, apesar da concorrência, o mercado

premia quem é bom profissional.

C) Família.

A família, para metade dos jovens da escola particular, é vista como uma referência e

como um fator facilitador dos planos profissionais, na medida em que abre espaços de

trabalho. Um deles comenta que no futuro pretende trabalhar em algum negócio que a família

já possui como forma de facilitar a entrada e o crescimento na profissão escolhida. Ele fala a

respeito de sua opção por agronomia: “(...) se eu não tivesse o negócio da família eu acho que

eu nem faria porque é difícil começar do zero e eu acho que eu não teria a dedicação

suficiente”.

Esta idéia também é enfatizada no depoimento de outro jovem que conta que pensa em

cursar medicina veterinária e trabalhar com o pai porque este tem negócios no campo. Um

outro adolescente também comenta que um dos motivos que o levam a pensar em medicina é

fato do pai e a mãe serem médicos, o que permitiria que ele começasse a vida profissional

junto deles no mesmo consultório.

A possibilidade de vir a dar continuidade aos negócios familiares também é enfatizada

por este quarto jovem que se questiona se estaria construindo um projeto próprio, ou se estaria

apenas correspondendo a um desejo dos pais:

Na verdade eu queria livrar um pouco meu pai porque ele é super carregado de coisas, tem três empresas, um monte de funcionários na mão dele. Ele não vai ter aposentadoria porque ele é autônomo, daí ele diz “você vai ter que tocar para mim” (...) meu pai pode me facilitar, uma pessoa que sempre teve confiança em mim, aposta em mim, mas ao mesmo tempo não sei se é isso que eu quero.

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Fazer escolhas sob a influência das expectativas dos pais parece causar certo

desconforto para alguns adolescentes que manifestam vontade de construir um projeto mais

autônomo. O depoimento seguinte demonstra a vontade de um jovem de se sentir mais

responsável por seu futuro:

(...) eu pensei em fazer um intercâmbio e ficar uns seis meses trabalhando, eu não quero meu pai pagando tudo para mim, porque eu acho que é muito fácil você fazer um cursinho, passar em uma faculdade e meu pai me bancar, mas eu quero saber um pouco como é que é. Ele acha que é totalmente viagem minha e diz que se a gente tem condições para isso e tenho que aproveitar, mas eu quero sentir um pouco na pele, quero trabalhar um pouco e estudar um pouco.

Esta necessidade de se separar das expectativas familiares é explicitada no desejo de

morar longe dos pais e ter independência financeira.

Assim, levantamos que para estes jovens a família é um importante ponto de apoio,

principalmente por representar uma garantia no momento de se inserção no mercado de

trabalho. Ao mesmo tempo, a construção de um projeto influenciado pelas expectativas dos

pais traz um desconforto para estes jovens que não se sentem responsáveis pelas suas escolhas

e pelo seu futuro.

D) Estudo.

Quanto à necessidade de estudar, esta é uma medida dada pelos colegas e amigos, que

ao mesmo tempo conscientizam da necessidade de estudo e também fazem aumentar a

sensação de pressão.

Metade dos entrevistados comenta que os colegas estão estudando muito e que isto

aumenta a pressão. Este diz: “(...) eu olho o pessoal que está fazendo cursinho e me sinto na

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obrigação de ir melhor do que eles (...) eu me sinto na responsabilidade porque está todo

mundo se matando (..)”.

Outros três jovens comentam que há uma hierarquia entre as profissões no grupo de

colegas. Eles trazem a idéia de que a dedicação aos estudos é o que permite que alguns

possam optar por certas carreiras mais valorizadas. Um deles reflete sobre a escolha de uma

colega: “(...) só uma menina que é muito inteligente e quer fazer artes cênicas, ela podia

fazer qualquer coisa que ela quisesse, mas artes cênicas eu acho meio perda de tempo.”

Contrariamente a esta idéia um outro jovem fala do preconceito que sente sofrer em

função de querer ser músico. Ele diz: “Mas músico fica aquela coisa, todo mundo diz que

você não quis ser médico então foi ser músico. Tem certo preconceito”.

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10 DISCUSSÃO

A partir da análise dos dados, o que mais chama nossa atenção é o fato dos jovens

entrevistados da escola pública terem como projeto cursar uma faculdade, e basearem a

escolha do curso superior em suas preferência e no gosto pessoal, ou seja, uma escolha na

qual predominam os desejos. Por outro lado, as análises evidenciam que, ao formular seus

projetos, os jovens da escola particular incluem na escolha da profissão a idéia de segurança

de entrada no mercado de trabalho. Este é um fato que chama atenção, pois poderíamos

imaginar que os jovens de maior poder aquisitivo teriam as condições materiais asseguradas e,

por isso, sentiriam-se mais seguros e livres para traçar seus caminhos em função de seus

próprios desejos. Seria natural, também, que com os jovens de classes mais baixas aconteceria

o fenômeno oposto.

Campos Silva (1996), ao analisar as possibilidades profissionais que se abrem para os

jovens em função do conceito de habitus em Bourdieu, entendido como os mecanismos

internalizados que subjazem ao comportamento, diz que nas classes baixas o ingresso

profissional pode ocorrer sem ter a conotação de uma escolha deliberada, o que não elimina a

possibilidade dos indivíduos virem a explicar os motivos que os levaram a escolha de uma

determinada profissão em termos afetivos e econômicos. Ou seja, eles estão submetidos às

determinações do campo social de sua classe, e muitas vezes não tem um leque muito grande

de opções pela frente, o que acaba levando estes jovens a aspirarem nada mais e nada menos

do que o que lhes foi designado pelo seu campo social. Campos Silva (1996) analisa a

reprodução da estrutura social:

Cada ator social age, portanto, no interior de um campo socialmente determinado. A ação diante de uma situação objetiva é orientada pelo habitus, que tendo sido estruturado pelas

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condições materiais de existência historicamente vividas por um grupo social tende a reproduzir a estrutura de dominação. (Campos Silva: 1996:35)

Porém, o que os depoimentos evidenciam é que estes jovens da escola pública vêem

no curso superior uma possibilidade de ascender socialmente e aspiram melhores posições na

sociedade do trabalho do que as que lhes são oferecidas. De acordo com Silva (2003), para as

classes populares e médias, a possibilidade de escolarização sempre esteve ligada à aspiração

por ascender socialmente, porém o que se nota é que atualmente a faculdade particular

aparece como uma possibilidade real que se abre, com os programas de bolsas e inventivos, e

com uma carga horária que permite aos estudantes continuar a trabalhar de dia e estudar de

noite. Além disso, o cursinho com mensalidades acessíveis aparece como um suporte para

este projeto, na medida em que é uma forma destes jovens se preparem para pleitear

descontos na mensalidade da faculdade, pois se saindo melhor nos processos seletivos

conseguem bolsas. Estas novas perspectivas e esperanças que se colocam para os jovens da

escola pública parecem dar espaço para uma escolha profissional mais revestida de interesses

pessoais. Estes jovens sempre estiveram submetidos a grandes exigências no sentido de terem

que trabalhar ao mesmo tempo em que estudam, e o projeto de cursar uma faculdade também

significa um esforço a mais e por isso lutar por uma carreira que também inclua seus desejos e

interesses, além da consideração das condições do mercado de trabalho, parece fazer mais

sentido.

Também levantamos a hipótese de que, pelo fato de todos eles terem sempre estudado

em colégio público, ir para uma faculdade particular possa significar um avanço e uma

entrada consistente na sociedade de consumo, pois a faculdade particular é valorizada, tanto

quanto a pública, mas se coloca como uma boa opção mais viável. Os jovens ressaltam a

importância de estarem trabalhando para que possam pagar por este bem.

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Para os jovens da escola particular o projeto também é fazer faculdade, sendo que seu

foco é a faculdade pública, e há uma grande valorização desta. Eles fazem suas escolhas

profissionais levando em consideração, além dos interesses pessoais, um cálculo das

possibilidades de serem bem sucedidos no momento de ingressar no mercado de trabalho.

Como pudemos perceber com a análise das entrevistas, os jovens da escola particular parecem

muito comprometidos com a manutenção de um status social conquistado pelos pais, muitos

dizem que pensam em continuar os negócios da família depois de formados. Isto mostra o

quanto há de insegurança e o quanto eles temem o insucesso. Neste sentido parece haver uma

pressão sobre estes jovens, por parte de suas famílias, por uma escolha profissional que traga

mais segurança quanto ao retorno financeiro, uma escolha que se constitua mais como uma

estratégia de sucesso no momento de inserção no mercado de trabalho e na manutenção da

carreira.

Ficou claro também, que para estes jovens a grande dificuldade relacionada à

concretização deste projeto é a exigência de estudo que o vestibular da faculdade pública

representa. Ao mesmo tempo em que colocam esta dedicação como o grande determinante do

sucesso profissional futuro, e deixam de lado o lazer e outras atividades que não os estudos,

manifestam vontade de relaxar e de adiar este projeto. Demonstram querer fugir desta

situação dilemática e tensa. A aproximação do vestibular é vivida por eles como um momento

de pressões, com grande necessidade de dedicação aos estudos. Esta vivência parece ser algo

que rompe com uma vivência prevista e controlada, um momento conturbado que é vivido

pela primeira vez. Contrariamente, os jovens da escola pública revelam que vivem em uma

condição de lutas e desafios, sob constantes exigências desde muito cedo.

Quanto à escolarização dos pais, os dados levantados mostram que a grande maioria

dos pais dos jovens da escola particular tem grau superior completo, com exceção de uma

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mãe e de dois pais. Percebemos que fazer uma faculdade conceituada e ter sucesso na carreira

é o ideal destes jovens da escola particular, que têm como modelo seus pais.

Quanto à escolarização dos pais dos jovens da escola pública, observamos que três

pais e uma mãe concluíram o ensino médio, sendo que, apenas uma das mães tem ensino

superior. A grande maioria tem apenas o ensino fundamental ou não cursou escola. Os jovens

da escola pública parecem menos comprometidos com o projeto dos pais do que os jovens da

escola particular. Parece haver um rompimento com o modelo familiar, e os pais não parecem

funcionar como modelos de identificação, já que a maioria deles já foi ultrapassada pelos seus

filhos em termos de escolaridade. Também se notou durante as entrevistas dos jovens da

escola pública que estes não faziam alusão à vida profissional dos pais, e apenas se

pronunciavam sobre estes aspectos e sobre a opinião dos pais a respeito dos caminhos

escolhidos quando indagados. Os jovens da escola particular se colocavam de maneira

diferente e a todo o momento consideravam a opinião e expectativas dos pais em suas falas.

A preocupação com a inserção no mercado de trabalho aparece para ambas as

populações estudadas, entretanto parece que para os adolescentes da escola pública esta é uma

preocupação constante e que faz parte do cotidiano. Eles têm consciência de que, da

possibilidade de estar empregado depende a concretização do sonho de cursar uma faculdade.

Estes jovens têm que prover o seu próprio sustento, e muitas vezes também auxiliar no

orçamento da família, por isso acabam entrando precocemente no mercado de trabalho. No

início eles executam funções que não exigem muita qualificação, mas assinalam o fato de já

estar trabalhando como uma vantagem, pois entendem que irão adquirir experiência, e

mantêm a expectativa de que esta inserção precoce irá facilitar a entrada na carreira que, de

fato, desejam seguir, como uma continuação natural. A possibilidade de cursar uma faculdade

esta ligada à oportunidade de trabalhar e obter renda, portanto é um projeto que depende das

condições do mercado de trabalho. Se analisarmos relacionarmos esta constatação com o fato

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de existirem hoje no Brasil, segundo o IBGE, três milhões e meio de jovens desempregados, e

este ser o segmento da população que vem encontrando maiores dificuldades para conseguir

um emprego, fica claro como este é um sério problema. Os jovens que não têm assegurada a

possibilidade de ter um emprego podem acabar desmotivados quanto ao seus futuro, e tendo

seus planos de estudo desarticulados. Esta é uma situação que afeta, principalmente, os jovens

da escola pública, pois para eles o sonho de fazer um curso superior depende da condição de

estar empregado.

Para os jovens da escola particular, as dificuldades aparecem relacionadas às

exigências de estudos que o vestibular da faculdade pública coloca. Estes jovens entendem

que as suas possibilidades de escolha profissional ao final do ensino médio estão relacionadas

unicamente ao desempenho escolar, e existe a crença de que o bom aluno pode fazer qualquer

escolha. A lógica por trás disso parece ser a de que os melhores alunos terão asseguradas as

melhores posições. Se analisarmos o conceito de capital cultural em Bourdieu (1982) veremos

que as competências lingüísticas e culturais são distribuídas de forma desigual ente as

diferentes classes sociais, e o sistema de ensino, na medida que premia aqueles que tem a

posse prévia desses bens, acaba por contribuir para a reprodução da estrutura de distribuição

do capital cultural entre as classes. Este mecanismo se esconde sob a lógica de que o mérito e

o talento são os critérios únicos relacionados ao sucesso escolar e profissional, porém é a

posição presente e passada que o indivíduo ocupa no sistema social e o capital cultural que

possui que irá determinar as probabilidades objetivas de acesso às melhores posições. As

frações mais ricas em capital econômico investem na educação de seus filhos com a intenção

de se manter na situação de classe dominante, e desta forma agregam ao seu capital

econômico um capital cultural, que irá garantir as melhores posições para suas gerações

futuras.

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A família aparece, para ambas as populações estudadas, como um ponto de apoio no

momento da entrada no mercado de trabalho, mas para os jovens da escola pública, esta

representa um auxílio para conseguir um emprego no tempo presente, em funções que não

exigem muita qualificação. Para os jovens da escola particular a família aparece como uma

garantia de entrada na carreira escolhida, quando já estiverem graduados.

Os jovens da escola pública demonstram dar muita importância à escolarização,

consideram que a dedicação ao colégio é o que indica quem poderá ter chances de obter maior

destaque profissional. Os jovens entrevistados revelam surpresa e indignação frente à relação

descompromissada de alguns colegas que vão para a escola sem a intenção de prestar atenção

nas aulas. Esta é tida como uma atitude intolerável, não apenas por atrapalhar quem está, de

fato, disposto a estudar, mas porque estes se tornam o exemplo de descompromisso com o

futuro. Esta parece ser uma fantasia destes jovens que consideram que se não foram

extremamente comprometidos com o futuro vão acabar pertencendo ao grupo dos que estão

definitivamente fracassados. Aparentemente eles fazem uma cisão entre as responsabilidades

e o prazer, e têm dificuldade para integrar estes dois aspectos da vida. Qualquer momento

descontração parece muito ameaçador e eles se prendem ao sofrimento como forma de

garantir o futuro.

Para os jovens da escola particular os estudos também aparecem como algo valorizado

e é a dedicação ao colégio que vai determinar quem pode optar pelas carreiras mais

valorizadas. Porém, estes jovens não demonstram que, necessariamente, terão que excluir os

aspectos prazerosos da vida, e sentem que a abdicação do lazer, por exemplo, se faz

necessária apenas no ano do vestibular.

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11 CONCLUSÕES

Este estudo pretende contribuir com o entendimento dos efeitos das inseguranças

provenientes do mundo do trabalho nos adolescentes, principalmente no que se refere ao

desemprego. A maneira com que os jovens vivem estas incertezas, em um momento em que

têm pela frente a tarefa de definir o que “fazer”, e também quem “ser”, nos parece ser um

ponto importante a ser problematizado.

Não pretendemos generalizar as conclusões aqui levantadas para todos os

adolescentes, e sim demonstrar que as expectativas a respeito da inserção no mercado de

trabalho variam entre jovens de diferentes camadas sociais, e influenciam diferentemente os

seus projetos profissionais e acadêmicos. Portanto, a nossa proposta se dá mais no sentido de

indicar caminhos para reflexão do que de fornecer respostas.

Em nossa análise percebemos que para os jovens da escola pública, que desde cedo

encontram-se submetidos às exigências de trabalhar ao mesmo tempo em que estudam, as

dificuldades de inserção no mercado de trabalho são vivenciadas como uma batalha a mais a

ser travada. Já para os jovens da escola particular, a preocupação com um possível

desemprego se faz sentir no momento em que eles incluem em suas escolhas profissionais,

mais do que seus interesses pessoais, uma busca por segurança. Estes se apóiam,

principalmente, nas oportunidades abertas pela família para construírem seu projeto

profissional. Este apoio familiar aparece como uma possibilidade para estes jovens, mas

também é sentido como uma pressão, pois na medida em que estes se comprometem com o

projeto familiar, ficam submetidos a ele e não se sentem responsáveis pelo seu próprio futuro.

Entendemos a adolescência como um período no qual, de acordo com Bohoslavsky

(1998), acontece um ajustamento referente ao estudo e ao trabalho como meio e forma de

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ascender a papéis sociais adultos, ou seja, um período no qual as escolhas profissionais irão

definir a maneira como este jovem vai entrar para a vida adulta. Em nossa sociedade torna-se

cada vez mais difícil ocupar um lugar no mercado de trabalho, e as incertezas que esta

situação provoca parecem afetar os mecanismos de emancipação que os adolescentes

tradicionalmente dispunham. Estes não podem mais realizar seus estudos com a perspectiva

de que ao final de um ciclo escolar, sejam absorvidos pelo mercado de trabalho. Para os

jovens da escola pública não parece haver muitas opções além de continuar apostando nos

estudos como forma de tornar-se independente financeiramente. Para os jovens da escola

particular, as oportunidades abertas pelos pais, apesar de colocarem-se como uma opção de

retorno financeiro seguro, não parecem contribuir para uma verdadeira emancipação dos

adolescentes para a vida adulta, na medida em que não promovem uma verdadeira autonomia.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - Roteiro das Entrevistas

- Planos e expectativas em relação ao término do Ensino Médio, em relação à escolha de

uma ocupação e ao futuro profissional.

- Opinião e expectativa dos familiares e de amigos em relação ao término do ensino médio,

à escolha de uma ocupação e ao futuro profissional.

- Facilidades e dificuldades encontradas no processo de escolha de uma ocupação.

- Expectativas sobre a entrada no mercado de trabalho, e sobre o desempenho profissional

no futuro, aproximadamente daqui a 10 anos, quando já tiver concluído sua formação e

estiver exercendo uma ocupação.

- Imagem sobre o mercado de trabalho nos dias de hoje e no futuro. No que se baseia para

formar esta opinião.

- Mais alguma pergunta que gostaria de acrescentar.

- Como considerou a entrevista.

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APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Informado

Identificação:

A pesquisadora, Débora Amaral Audi, é mestranda no Instituto de Psicologia da Universidade

de São Paulo, está realizando uma pesquisa sobre os projetos de vida dos jovens.

Convite:

Eu tenho o direito de recusar a participar desta pesquisa ou desistir em qualquer ponto deste

estudo.

Procedimento:

As perguntas serão sobre meus interesses profissionais, minhas aspirações, minhas dúvidas,

minha família, meus amigos etc. Não serão perguntas de cunho íntimo. A entrevista terá

duração de, aproximadamente, quarenta minutos e a entrevistadora irá anotar e/ou gravar

minhas respostas.

Sigilo:

Meus dados serão guardados e usados o mais confidencialmente possível. Nenhuma

identidade pessoal será usada em qualquer relato ou publicação que possam resultar do

estudo.

Consentimento:

Eu,_______________________________ entendi o que li e o que ouvi e tive minhas

perguntas respondidas. Eu entendo que a participação neste estudo é voluntária e que sou livre

para recusar ou desistir de participar em qualquer momento.

_________________________ ___________________________

Assinatura do Participante Assinatura da Pesquisadora.

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APÊNDICE C – Ficha de dados

Nome: ______________________________________________________

Escola que estuda:_____________________________________________

Idade:_____anos.

Escola até a 8? série: ____________________________________________

Pública ( ) Particular ( ) Ano de conclusão: ________

Grau de instrução da mãe: ________________Ocupação:_______________

Grau de Instrução do pai: _________________Ocupação: _______________

Tem irmãos? _____ Quantos?_____Qual é a sua posição na família?_______

Se trabalha ou já trabalhou, qual atividade:____________________________

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ANEXOS

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ANEXO A – transcrição das entrevistas com jovens de escola pública.

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Entrevistado O. do sexo masculino tem dezessete anos, atualmente não trabalha, mas já fez alguns bicos. Sua mãe tem grau superior e é professora, e seu pai tem ensino médio e é gerente de logística. É o caçula de três filhos. Transcrição da entrevista. Pesquisadora: Eu gostaria de saber o que você pensa em fazer terminando o ensino médio? O: Eu estou fazendo cursinho pela manhã, o objetivo, e eu tenho planos de prestar direito na São Francisco, que é uma das faculdades mais bem conceituadas. Daí saindo da faculdade, eu penso em prestar uma prova para ser promotor público, e se eu não conseguir de cara, eu penso em abrir com meu irmão, que também está fazendo direito, um escritório e, futuramente continuar tentando ser promotor público. P: E porque você pensa em direito, o que chama a sua atenção? O: Eu sempre fui muito ágil, sempre tive bons argumentos, em qualquer debate escolar, e eu acho importante nesta profissão, poder defender ou acusar alguém, expor a minha opinião. Aqui na escola eu sei defender meus direitos, até mesmo porque minha mãe é professora e eu conheço algumas coisas sobre a ECA. P: O que é ECA? O: Estatuto da criança e do adolescente. Então eu já tenho uma noção de até onde o professor pode comigo, até onde ele não pode, e as pessoas que não tem noção dos seus direitos vão se portar como ignorantes. Por isso, eu penso em direito, por mais que eu goste de exatas, de cálculo, eu prefiro usar argumentos. P: Você gosta de estudar? O: Bom, eu era um aluno mais relapso, quer dizer, até a quinta série eu era um aluno nota 10, que toda mãe tem orgulho. Agora no terceiro eu estou pegando mais firme, até na escola eu tiro dúvidas do cursinho. Depois do cursinho eu fico até umas 6 e meia no cursinho estudando, aí venho para o colégio de noite. P: Então você está estudando bastante? O: To, e meu objetivo é certeiro. P: O que seus irmãos fazem? O: Um deles faz engenharia na FEI, e o outro direito na FMU, e minha mãe terminou pedagogia e está pensando em começar uma pós-graduação em informática educativa na federal de Minas. P: Então está todo mundo estudando na sua casa? O: É, e por mais que meu pai não tenha feito faculdade e;lê foi um cara dedicado, e ele deixou de fazer faculdade não só por causa do dinheiro, porque tinha casado com minha mãe, e tal, mas também eu acho que ele era meio preguiçoso, porque ele tinha obesidade mórbida, ele tinha certas limitações, não se sentia bem perto de muitas pessoas, mas ele sempre abominou que a gente não fizesse uma faculdade, ele sempre colocava exemplos de tios nossos. Dentro do escritório que ele trabalhava você só encontrava pessoas que vinham da França, com pós-graduação e tal, o diretor dele era espanhol, e pelo o que eu vi, porque eu era criança, tinha uns 12 anos, meu pai era o segundo homem da empresa, quer dizer, no Brasil ele era o primeiro porque era o representante. O primeiro era o diretor e ele era o segundo, que tinha o direito de assinar os cheques. Por aí eu via que meu pai não era tão baixo. Eu pensava que ele podia fazer pós-graduação e um dia eu vi um amigo dele falando para ele fazer pós e eu falei para ele também porque ele não fazia, e na frente dos colegas ele falou que achava que seria perda de tempo para ele, mas só o diretor sabia que ele não tinha faculdade, e ele não podia mostrar para os outros que sem ter o superior ele estava tão acima dos outros, e eu sei que meu pai jamais ia deixar eu não fazer uma faculdade, e meus irmãos também, tanto que o mais velho está trabalhando em um banco, mas faz engenharia, e ele entrou numa faculdade

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que é uma das melhores de engenharia. E o outro tem uma facilidade com leis, mas entrou numa que não é das de mais difícil acesso, até porque ele fez um colegial meio bagunçado, parou porque tinha quebrado a perna, daí meu pai faleceu e ele repetiu, mas agora na faculdade ele está estudando. E a gente tem planos juntos, ele quer ser juiz ou promotor, mas se a gente não conseguir de imediato a gente vai abrir um escritório de advocacia e continuar estudando para os concursos. P: O que você acha do mercado de trabalho? O: Eu tenho uma opinião que as vezes as pessoas pensam que eu sou meio grosso ou ignorante até, mas eu penso que o mercado de trabalho não é ruim, porque é assim,se o cara é bom ele tem emprego, se não é não tem. Por exemplo, meu pai tinha só o ensino médio, mas estava entre os melhores pela sabedoria e conhecimentos deles, então, eu acho que à partir do momento que o cara é bom, ele vai ter emprego. O máximo de tempo que meu pai passou desempregado foi 6 meses, perto de hoje em dia que a gente encontra pessoas 1 ano, 2 paradas. Então, os empregos estão ai para os melhores, eu mesmo me considero que vou ser o melhor. Meus irmãos me ensinaram a pensar assim, porque se você tem metas pequenas você vai ser pequeno. Eu não estou falando que se eu não atingir uma meta de imediato eu vou me achar pequeno, muito pelo contrário, quanto mais tempo eu me dedicar, melhor eu vou me sair. Eu vi minha mãe se formar com 43, meu avô com 48, meus avôs agora estão na sexta série, com 75 e 70. Então, eu acho que o problema das pessoas é elas se limitarem. Por exemplo, se você pergunta para uma pessoa que recebe 800 reais quanto que ela espera estar recebendo daqui há 5 anos, ela vai dizer uns 2 mil e quinhentos, e eu não acho, eu vou estar esperando receber, no mínimo, uns 8 mil. Não estou falando que de imediato eu vou conseguir isto, mas eu tenho que ter uma meta, se eu tiver uma meta pequena eu vou ficar pequeno. Lógico, isso eu demorei para prender, porque se eu soubesse disso antes eu faria uma melhor ensino fundamental e médio, mas não foi o que aconteceu, então eu estou tendo que fazer tudo em um ano só. P: E os seus colegas, o que você percebe que eles pensam do futuro profissional deles? O: Pelo menos no cursinho eu estou encontrando muitas pessoas assim, tem gente que vai trás do prazer, do que gosta, e sabe, por exemplo, que a remuneração em biologia ou história, ou é professor, ou é pesquisador. Biologia, se você é pesquisador você ganha salário baixíssimo. Em história, se você não for o melhor professor, não tiver uma pós-graduação, não tiver um mestrado, não partir para um doutorado, você também não vai ter um salário bom. Então, eu penso que eles pensam mais no prazer próprio, e se sentem incentivados. Eu acho muito interessante, mas não sei se eu faria isso, por exemplo, sem ser direito, o que eu mais amo, é matemática, mas eu sei que se você for matemático hoje em dia, é reduzido o que você pode trabalhar. P: Então você diz que está pensando em fazer direito pelo retorno financeiro, mas também você gosta? O: Eu gosto bastante, em primeiro lugar é o gosto, mas desde que eu era criança uma professora minha dizia que meu lugar era no direito, que eu ia se advogado. Quando tinha algum aluno que falava que a professora não podia fazer alguma coisa, eu entrava em defesa dele, até mesmo contra a professora, muitas vezes eu estava tirando a autoridade dela, mas eu sempre tive este gosto pelo certo. Se fosse só pelo fator salário, eu iria para administração, comércio, mas eu is ter que ir para fora do Brasil para poder aumentar meu salário, mas não é minha intenção sair de perto da minha família, que é muito unida, sempre aniversário, é todo mundo junto. P: O que você acha que facilita ou dificulta este processo de escolha de uma profissão e de entrada no mercado de trabalho? O: Depende, eu acho que vem muito dos pais, se seu pai é um cara que vai te influenciar a buscar o seu sonho, seu eu, sua aptidão, então você vai trás do seu sonho. Pode ser direito, se

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você for o melhor, você vai se der bem. Até mesmo biologia, se você for o melhor, talvez até consiga bons lugares, mas depende muito do que o pai ensina. Por exemplo, eu sempre fui ensinado a ter o meu gosto mas nunca ir fora do que eu domine, por exemplo, se eu quisesse criar uma marca, eu não sei se eu iria para moda, eu acho que iria para administração, eu ia fazer um curso de design gráfico porque se meu plano não desse certo eu poderia ir trabalhar numa empresa. Então, eu sempre aprendi a conciliar meu gosto com o fator dinheiro e isto depende muito do que teu pai te ensina, e eu fui ensinado a fazer os dois fatores se juntarem. É difícil encontrar alguém com objetivo, eles falam em fazer técnico que dá para se virar, ou prestar algum concurso que exija ensino médio, e tem gente que acha que aquele salário vai ser suficiente para a vida inteira, e eu não estou querendo dizer que isto é ruim, pelo contrário, se a gente vive num país em que a maioria das pessoas recebe 340 reais e sustenta 5, 8 pessoas, isto é uma renda alta. Mas até mesmo por meu pai ralar, mas até ele chegar neste ápice demorou, e o lugar mais baixo que eu vi meu pai chegar, foi ele recebendo por volta de 3 mil, e ó último salário dele foi em torno de 4 mil reais. Eu tenho tios que já foram diretores de empresas, outros tem a empresa própria, então eu nunca consegui pensar pequeno porque não me espelhei em pessoas pequenas. Mas eu sei que é difícil, a pessoa que está aqui é porque não está tendo aquela condição ampla, ainda mais de noite, que está tendo que trabalhar de dia e ajudar a mãe, então eu vejo as pessoas buscarem uma fonte de renda menor mas que seja mais fácil conseguir, com menos tempo de dedicação, de estudo, menos tempo de busca. É isso que eu consigo ver. Hoje quem tem esta chance que eu estou tendo de poder só estudar porque eu tenho uma pensão, até o ano que vem, que minha avó deixou para mim, me colocou como dependente por eu ser o neto mais novo. Já que eu tive esta oportunidade, eu estou agarrando ao máximo. P: Tem mais alguma coisa que você gostaria de acrescentar a essa nossa conversa? O: Não, eu acho que é isso. P: Obrigada.

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Entrevistado S. do sexo feminino tem dezessete anos, trabalha como recepcionista/secretária. Sua mãe tem ensino fundamental e é gerente, e seu pai tem ensino médio e é vendedor. É a caçula de três filhos. Transcrição da entrevista. Pesquisadora: Eu gostaria de saber o que você está pensando em fazer depois que terminar o terceiro colegial? S: Eu pretendo sair do terceiro e no ano que vem já entrar em uma faculdade, que eu quero análise de sistemas ou computação. P: De onde veio a idéia dessas profissões? S: Eu penso nelas porque eu gosto muito de computador, meu hobby é ficar no computador, mexer, não é a toa que meus amigos quando excluem coisas de computador, eu que vou lá e coloco de volta, se estragar é só levar para uma assistência e começar de novo. Só que esta área está muito concorrida, tem que ser muito bom pra entrar. Publicidade seria minha terceira opção, porque propaganda, assim, me chama atenção, criatividade eu gosto. Minha irmã falou que é chato análise de sistemas, ela estava estudando, daí ela parou, é que ela gosta da teoria, não da prática, e você tem que guardar muita coisa e eles não mostram o que é um cabo, a CPU, só depois de um ano, que daí começa a prática. P: Então você tem que guardar o que é sem ver? S: Minha irmã falou que não deu, que era muita coisa pra guardar e ela estava começando a ficar doida. Eu tenho muita vontade de abrir o computador, só que não abro porque tenho medo de estragar, então é melhor não fazer. P: E no seu trabalho, você usa o computador? S: Mexo, mas não muito, eu só fico quase no telefone, no computador é só pra ficar no MSN, fazer tabela no Excel, mais nada. Lá também não faço nada o dia inteiro, é tranqüilo, é só passar ramal, anotar recado, aí chega na escola eu quero fazer tudo. P: E você gosta de estudar? S: Gostar eu gosto, mas eu tenho que saber fazer a lição, aprender no dia, se não for no dia, no outro dia eu não gosto mais daquela lição, tem que ser até na hora, no outro dia daí eu já nem faço. P: E que matérias você gosta? S: Português eu me interesso, biologia mais da parte humana, e um pouco de matemática. Inglês não me dou bem não, acho bonito quem fala, mas não gosto não. De manhã as aulas são mais rígidas, daí você aprende mais, de noite é complicado estudar. P: Você estudou sempre de noite? S: Não, no primeiro estudei de tarde e no segundo, de manhã, daí eu comecei a trabalhar e fui pra noite. De manhã eram seis aulas, de noite são quatro, se você faz ou não as coisas, dá na mesma, presença também não faz diferença, não cobram. Só que eu tenho que trabalhar né, não vou ficar em casa, esperando, vai que ano que vem as portas que se abriram pra mim antes se fecham depois, daí, como eu fico? Não quero, já é melhor eu começar e ver já o que eu quero, eu estava em um emprego e um outro emprego se abriu e eu fui, não sei se vou quebrar a cara ou não, mas o que va i dizer é meu desempenho dentro da firma. P: Como você acha que vai ser o seu futuro profissional? S: Essa é uma pergunta que trava qualquer um na hora de responder, pelo o que você está vendo agora, tem muita gente desempregada. Faculdade todo mundo tem, tem gente que tem três, quatro faculdades e recebe um salário mínimo, que tem muita experiência, mas que não tem um emprego digno daquilo que ele fez, então é concorrido demais, tem que ser o cara, né, para conseguir um emprego bom, então, também, não adianta você ter um emprego bom e roubar daqui e roubar dali.

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P: Você acha que seus colegas também pensam assim? S: Não sei se a maioria sim, ou não, tem alguns que eu vejo que tem interesse, a gente vê que são pessoas que trabalham e estudam. Tem outros que você olha e parece que não querem levar nada com nada, só vem pra escola pra ver o pessoal e ir embora depois, gastar dinheiro de pai e mãe, que não trabalha, entendeu? Isso eu já acho safadeza do pessoal, se eu preciso do dinheiro da minha mãe, eu peço, mas depois eu pago, porque se eu estou trabalhando, vou pedir dinheiro pra que? Se eu não trabalhasse e estudasse, ia ser diferente, mas não se eu não trabalhasse e ficasse aí sem fazer nada. P: Onde você trabalha? S: Num escritório de advocacia. Eu acho bem bom trabalhar com advogados porque eles sabem o que podem ou não fazer, eu posso ser nova, mas eu sei o que tenho direito e não, entendeu? Eles são advogados, mas eles que se cuidem. P: Quais são as maiores dificuldades que você imagina que vai encontrar ao sair do colegial, fazer uma faculdade e entrar no mercado de trabalho? S: As dificuldades “pequena pausa” acho que não, se eu tenho força de vontade vou conseguir o que quero. Mas o que eu vejo por ai, é o desinteresse dos outros, porque tem muito filhinho de mamãe ai que não se preocupa com nada porque sabe que a faculdade vai estar paga. Já eu não, tem que ser pública, ou eu tenho que lutar por uma vaga com, pelo menos, 50% de desconto. Porque USP é raro a pessoa entrar porque é muito concorrida, é muito difícil, ou melhor, difícil não é, tem que ir atrás do que quer. Tem a Montessouri que está saindo uns 300 reais ciências da computação, daí é bom porque é na área que eu quero e é na área que eu quero, e é de duração mínima, uns 3 anos. No final do ano sempre aparece na escola o pessoal vindo falar aqui na faculdade, daí vamos ver então. P: E tem alguma facilidade neste processo todo? S: Não, é tudo na raça, agora se eu conhecesse algum diretor de faculdade eu já estava com minha vaguinha lá, com bolsa e tudo. Igual meu primo, desde que ele nasceu o pai já colocava um dinheirinho na poupança dele, então, ele vai ter um futuro brilhante, também porque ele é esforçado demais, só é meio bobo. Mas minha vontade mesmo é sair do terceiro e cair direto na faculdade, porque se eu parar um ano vai dar preguiça, todo muito é assim. Mesmo que leve 8 anos é melhor eu ir indo. Eu trabalho com uma mulher que está se formando com 48 anos. Eu não quero isso porque depois você vai numa agência e perguntam quantos anos eu tenho, se eu falo 50, eles vão dizer “o que você está fazendo aqui, vai pegar sua aposentadoria e vai embora”. Pelo menos se eu me formar com 22, 23 anos, eu sei que meus filhos vão ter um pão, um leite para comer. Se eu fizer faculdade e mais para frente eu fico grávida, vai, e daí, meus planos vão todos por água abaixo, não sobra nada. P: Com quem você mora? S: Com minha mãe e meus avós. P: O que eles estão achando desses seus projetos? S: Eu não converso muito com eles sobre isso, e com minha mãe, eu quase não vejo, só na hora de dormir, ela trabalha o dia inteiro, eu também e estudo de noite, no final de semana eu prefiro ficar com namorado, que a gente não se vê na semana. Ou então, eu vejo meu pai. Eu converso mais com minha tia, ela acha legal, mas fala para eu fazer alguma coisa que dê dinheiro. Eu falo que não adianta eu fazer alguma coisa que dê dinheiro, mas eu não gostar, então eu quero fazer algo que eu goste, que eu vou fazer bem. P: E como você vê o mercado hoje em dia? S: Concorrido, só entra quem é bom, quem sabe mesmo, quenem com computador, não adianta saber instalar um cabo, tem que saber o que tem dentro, então é concorrido demais. Publicidade também, porque chama atenção, pelo fato de você criar idéias, e mais porque você se diverte nisso, mas é concorrido pelo fato das pessoas gostarem de fazer isso. É ruim trabalhar com as coisas que você não gosta, porque faz sem vontade.

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P: Você acha que tem alguma profissão que traga um retorno financeiro certo? S: Ah, turismo não dá, só que quem gosta de viajar. Advogado só consegue achar dinheiro roubando causa. P: E como você acha que vai estar o mercado daqui há uns 10 anos? S: Eu acho que vai piorar. Tem muita menina de 13 anos já grávida, então a população está aumentando, né? Por isso eu fico preocupada com o mundo para os meus filhos, mas eu sou cabeça feita, não dou trabalho para minha mãe. De nos 3, minha mãe fala que eu sou a mais ajuizada, também porque o mundo mudou muito, já tenho a cabeça mais aberta, com 10 anos eu já sabia o que era uma maconha. Minha mãe já não sabia, e minha irmã engravidou com 14 anos, eu já não vou fazer uma burrice dessas, então eu me cuido, vou ao médico, e meus pais são sempre os primeiros a saber de tudo, então eles confiam em mim.É também, eu já trabalho, namoro com um cara mais velho, tenho juízo para caramba. Até acho que para 17 anos eu não curto, curtia mais antes quando saía mais. Em casa a gente tem uma confiança boa, eu já falo onde vou e quando volto. P: Foi ótimo conversar com você. Tem alguma coisa que você gostaria de acrescentar? S: Não, bem, que o governo está uma merda, que não está aí para nada, eu acho que cada um tem que fazer seu futuro, porque não está ajudando agora, não vai ajudar depois. Então tem que se virar sozinho, sem a ajuda de ninguém.

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Entrevistado Y. do sexo masculino tem dezoito anos. Trabalha como boy. Sua mãe tem ensino fundamental e é manicure, e desconhece a respeito de seu pai. É o mais novo de dois filhos. Transcrição da entrevista Pesquisadora: O que você está pensando em fazer depois que terminar o terceiro colegial. Y: Do jeito que o mundo anda agora, a gente tem que pensar no que dá mais lucro, é claro, eu quero algo que envolva informática, seja manutenção de micro, seja webdesign, seja fazer página, eu to pensando nisso. Mas o que eu gostaria de fazer é outra coisa. P: O que você gostaria de fazer? Y: Eu gostaria de fazer hotelaria, porque eu gosto de falar inglês, eu falo, eu tenho uma base, também para conhecer pessoas de etnias diferentes. Eu gostaria de fazer hotelaria, mas vou fazer curso técnico em informática. P: Você acha que em hotelaria não teria chances? Y: Não porque eu sou bastante tímido, neste meu trabalho que eu estou agora, eu sou boy, eu já tenho certa dificuldade em lidar com clientes. Mas informática também é um área legal, eu gosto bastante de mexer no computador, criar página, este tipo de coisa, porque eu tenho uma base já, eu não escolhi as cegas. P: Então você acha melhor fazer uma escolha pensando no que dá mais retorno? Y: É mais seguro, onde eu me encaixo melhor também, porque trabalhando na área de informática não tem que necessariamente lidar com outras pessoas, seria um cliente uma vez ou outra, hotelaria não, seria freqüentemente e para mim eu sei que seria difícil. P: Você não acha possível desenvolver isso em você? Y: Não tem como, até porque é da minha natureza, eu sou uma pessoa muito fechada, e eu prefiro mesmo estar mais isolado do povo, ter um contato mínimo. Eu queria fazer hotelaria mesmo pelo o que eu te falei, eu queria conhecer pessoas diferentes, mas seria só por isso, então eu não iria me dar bem. P: O que sua mãe acha dos seus planos? Y: Ela não sabe muito porque a gente não conversa muito sobre isso, eu chego em casa por volta das seis e meia para estar aqui as sete, então eu não tenho muito tempo para conversar com ela. No fim de semana eu como e durmo, só. Mas minha mãe ela não opina muito, ela quer que eu trabalhe, só. P: Você trabalha faz tempo? Y: Neste emprego não, mas eu já passei por muitas outras coisas, neste emprego de agora eu estou lá há um mês e vou ser efetivado na semana que vem. P: Você gostou do que já fez? Y: Não, foram coisas chatas, só bicos aqui e ali. P: Você gosta de estudar? Y: Gosto, são bons professores, mas eu não gosto muito dos outros alunos que tem aqui, gente estranha, mas a escola tem um clima bom. A escola é ótima, o pessoal da direção, é só a gente falar, que eles providenciam. P: De que matérias você gosta no colégio? Y: Inglês, por eu ser metaleiro e por eu jogar RPG, acabei gostando do inglês, na verdade eu gosto de inglês e japonês, mas japonês eu não quero aprender, mas inglês eu aprendi sozinho, jogando, com o dicionário do lado. P: E então, você tem coisas que gosta de fazer nos finais de semana? Y: É, eu jogo jogos de computador, e a área de informática também me interessa porque tendo uma base em informática, eu posso até tentar entrar numa Softhouse, que é uma produtora de jogos, só que aqui no Brasil este mercado ainda não existe, mas é um mercado que dá muito retorno, tende a crescer e o que dá mais lucro é o mercado de jogos eletrônicos.

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P: E o que você acha do mercado de trabalho no país? Y: Eu diria que a palavra injustiça cai muito bem, porque se a pessoa não tem determinada formação, ela não entra no que ela quer, ela é forçada a começar por baixo e por causa de outros não vai acabar subindo, e se ela tem a formação necessária, ela vai ter que concorrer com muitas outras pessoas, e uma coisa que é muito chata é que você não entra em lugar nenhum sem indicação, isso é regra, eu sei, porque neste trabalho que eu estou, eu só entrei por indicação, mesmo não sabendo nada do trabalho, porque você tem que saber as ruas, eu acabei entrando, e na semana passada foi um rapaz que já é boy, tem moto e foi tentar entrar lá e não conseguiu, então hoje em dia, sem indicação é muito difícil entrar em qualquer lugar, então o mercado de trabalho é muito injusto, muito concorrido, o número de pessoas é muito grande, eu só sei que é uma injustiça muito grande. P: E como você acha que vai estar daqui há 10 anos? Y: Aí depende do que o mercado vai explorar, se uma empresa dessas que faz jogos vem para o Brasil, vai gerar muito emprego, vai depender do que vai ser, não dá pra dar uma resposta, eu pelo menos não tenho visão pra isso. P: E o que você acha que seus colegas pensam sobre o mercado de trabalho? Y: É parecido, a gente conversa sobre isso, nós temos os nossos sonhos, na verdade, meu sonho era ser jogador de baseball, mas para isso, no mínimo, eu tinha que nascer na Guatemala, que ia ter muito mais chance do que um brasileiro. Têm uns grupos pequenos que jogam. Mas é assim, a gente tem nossos sonhos, mas a gente acaba caindo num trabalho mediano porque não tem como subir, ainda mais a gente que é de classe baixa. Mesmo que saia daqui e vá fazer meu curso, vai ser muito difícil, eu tenho uns amigos meus que discutem sobre fazer faculdade, mas outros falam que fazer faculdade é perda de tempo, minha namorada mesmo, ela está fazendo jornalismo, mas ela já trabalha no Itaú, eu acho besteira da parte dela, ela está fazendo, mas é por hobby mesmo, não vai dar em nada, eu acho que ela ganharia muito mais fazendo algum curso de contabilidade, que é a área dela, do que jornalismo, ela não vai conseguir, eu tenho certeza disso, tanto que ela não tem jeito com isso. P: E você acha que sua visão bate com a de seus colegas? Y: Acho que bate sim. P: Tem alguma coisa que você gostaria de acrescentar no que a gente conversou? Não, acho que é isso só.

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Entrevistado D. do sexo feminino, tem dezessete anos.Trabalha em lanchonete. Sua mãe não estudou e é doméstica, seu pai não estudou e é mecânico. Tem cinco irmãos e é a caçula. Transcrição da entrevista Pesquisadora: Então você é da Bahia? D: Sou, cheguei aqui tem dois anos e quatro meses. P: Então você veio fazer o colegial aqui? D: É porque lá na Bahia é muito difícil para estudo, ainda mais onde eu morava, porque é interiorzinho, então lá só se formava para uma única coisa, só magistério, não tinha cursinho, não tinha faculdade, não tem nada. Então eu tinha só duas opções, ou vir ou continuar lá a vida como os outros estão. P: Você mora sozinha? D: Não, eu moro com a minha tia. P: E o que você achou da mudança? D: Ah, aqui é bom, tem mais opções, tanto para trabalho, como para estudo. P: E lá, você trabalhava? D: Trabalhava, lá eu trabalhava como assistente de árbitro. P: Que legal. D: É, eu faço futsal, e como eu entendo das regras, eu sempre trabalhava em eventos, e assim eu podia ajudar os meus pais, que são separados. P: E você morava com seu pai ou sua mãe? D: Com minha mãe. P: E você está gostando do colégio aqui? D: É, na verdade sim, mas é um pouquinho meio fraco, porque as pessoas não se interessam e prejudica quem tem interesse, mas estou gostando sim, na realidade eu optei por estudar a noite por causa do trabalho, mas de manhã as pessoas são mais interessadas. P: E o que você está pensando em fazer depois de terminar o terceiro colegial? D: Eu quero fazer mais um cursinho, que eu já faço um de manutenção de computador, mas aí eu vou querer fazer um cursinho para poder prestar faculdade, para mim fazer educação física, que é a minha área. P: E esse curso de computador, você faz ele porque? D: Só para ter mais alguma coisa no currículo, para poder mexer certinho no computador, para poder consertar meu próprio computador, o que é legal, e é mais barato também. P: E faz tempo que você trabalha como árbitro? D: Desde os 10 anos de idade que eu comecei a jogar futebol e a estudar regras, essas coisas. P: E o que sua família acha do seu caminho? D: Dá o maior apoio, até hoje ninguém me desmoralizou porque eu gosto disso. P: E os seus colegas? D: Alguns sim, mas são uns que não tem cabeça, que não entendem direito, e eu penso que você tem que seguir o que você quer, não ficar ouvindo a cabeça de outros, senão você nunca vai conseguir nada na vida. P: E onde você espera chegar, o que você espera atingir. D: Ser personal trainner, que é bom, ou então também, ser arbitra, porque também ganha bem e são poucas as mulheres que gostam deste trabalho. Exemplos bons já tem na televisão, têm polemica também. P: E como você acha que vai estar o mercado de trabalho para você? D: Espero que esteja bom, por exemplo, personal trainner é uma área que todo mundo precisa, pelo menos das pessoas que têm dinheiro, porque muitos não gostam de ir para academia,

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gostam que a pessoa venha até a sua casa, então eu acho que vai estar bom, porque é uma coisa que as pessoas procuram bastante, pelo menos acho que é isso, que eu leio em jornais. P: Você acha que tem alguma facilidade ou dificuldade neste processo todo de sair do colegial, fazer faculdade e entrar no mercado de trabalho? D: Dificuldade na verdade têm, porque eu não tenho condições de pagar uma faculdade, mas eu pretendo fazer o cursinho pré-vestibular para prestar uma prova para pelo menos ganhar meia mensalidade para conseguir pagar. P: E você já tem alguma faculdade em mente? D: Bom, minha tia já citou a São Judas, a FMU, mas tem a UniSantana, que você jogando pela faculdade você ganha bolsa integral. Tem também uma outra, que eu não sei o nome, que você vai no colégio todo final de semana e trabalha com as crianças, mas você tem por obrigação ir todo final de semana, tipo uma recreação, daí você ganha bolsa integral. P: E o que você acha do mercado de trabalho em geral, não falando somente da sua área. D: Na verdade o mercado de trabalho está muito difícil para todos, hoje em dias as pessoas querem pegar para trabalhar quem têm mais coisas no currículo, não só quem se formou, fez faculdade, mas que fez também outros cursos, hoje em dias as pessoas querem quem tem faculdade encerrada já, então está difícil. P: E você acha que seus colegas enxergam desta forma também? D: Alguns, outros nem se interessam. P: E você gosta de estudar? D: Gosto, mas o que eu não me dou bem é com matemática, química e física, a matéria que eu me dou melhor é português. P: E como é a sua rotina? D: De manhã eu trabalho na secretaria de administração de Kung Fu junto com minha tia, de tarde eu trabalho e de noite eu estudo, mas dependo do dia, porque tem dia que eu trabalho de manhã, treino de tarde e estudo de noite, e tem dias que eu não trabalho de manhã e depois vou para o curso, então meus dias não são iguais. P: E o que você gosta de fazer nos seus horários livres? D: O lugar de São Paulo que eu mais me dou bem em São Paulo é o parque do Ibirapuera, quando eu tenho tempo livre eu vou lá, porque lá tem esporte, então eu vou lá, jogo futebol, corro um pouco, leio, que eu gosto de ler. P: Que tipo de leitura você gosta? D: O último livro que eu li foi “Heróis de verdade”, que é uma história de vida que diz que você não pode pensar no que os outros acham de você, então eu gosto deste tipo de livro com fatos reais, na verdade o que eu gosto de ler são lições de vida, porque são fatos reais que já aconteceram, então se foram erros, você já sabe que não pode cometer esses mesmos Eros, porque se você seguir pelos mesmos caminhos você vai se dar mal, então eu gosto de coisas verdadeiras, igual filme também, sou meio careta até. P: E você sai, você gosta de sair? D: Eu nunca fui em balada, minha diversão é ir ao cinema, ir ao shopping, vou na casa de meus familiares, vou em festa de aniversário, mas em balada mesmo eu nunca fui, também porque eu fiz 18 anos na semana passada, e também porque eu sou de poucas amizades, eu não saio com qualquer pessoa, eu tenho que conhecer realmente quem é a pessoa. Eu não confio realmente em qualquer um, da pessoa ser sua amiga, daí vocês saem juntos e essa arruma outra pessoa e te deixa sozinha, porque eu não conheço todos os lugares e não sei como voltar, eu já passei por isso. Porque amizades tem muitas, mas verdadeiras, hoje em dia no mundo que nós estamos vivendo. P: E neste sentido, você gosta da sua vida aqui em São Paulo? D: Gosto sim, mas é que lá o tempo passava bem menos rápido e dava para fazer várias coisas, até porque lá não precisava pegar ônibus para nada, só para viajar realmente, e aqui

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não, qualquer lugar que você vai tem que pegar. Aqui você acorda de manhã, já sabe o que tem que fazer, o tempo é curto, então lá era melhor em opções de lazer, mas lá não tinha muito trabalho, era menos trabalho e mais diversão, aqui é ao contrário. P: E você sente falta disso lá? D: Às vezes sim, mas por outro lado, se eu estivesse lá eu estaria na mesma vidinha de sempre, trabalhando e ganhando pouco, não tinha um cursinho para fazer. Mas aqui você dorme menos, acorda muito cedo senão não consegue chegar no horário. P: Tem alguma coisa que você gostaria de acrescentar no que a gente conversou? D: Não, só que o que eu não me conformo é com pessoas que vem para a escola sem interesse algum de estudar e atrapalham quem quer estudar, pessoas que não querem nada com nada, que vem para a escola só por vir, como se fosse um shopping, vem entra na sala, zoa com todo mundo, com os professores, não se importam com os outros que estão ao seu redor, vem para jogar bola, para usar droga, que isso tem muito aqui. Acho que isso deveria mudar porque para quem quer alguma coisa, os que não querem atrapalham muito, porque quando chega lá fora no mercado de trabalho tem coisa que você não entendeu e deveria ter entendido. Esses não querem nem realmente terminar o colegial, as vezes passam com ajuda dos professores. É igual ficar com uma menina só por ficar, aí acaba engravidando, passando alguma doença para ela, ou acaba tendo um filho e nem se interessa, só fez e acabou. P: Você já viu isso acontecer muito? D: Já, tem bastante menina que ta grávida aí e hoje a situação está feia para poder manter a criança, vem porque eles não se cuidam e quem acaba sendo prejudicada são as crianças que não tem culpa.

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Entrevistado C. do sexo feminino tem dezessete anos. Atualmente não está trabalhando, mas já trabalhou em restaurante. Sua mãe tem ensino fundamental e é doméstica, e seu pai tem ensino fundamental e é segurança. É a mais velha de cinco irmãos. Transcrição da entrevista. Pesquisadora: Então C., você está no terceiro colegial, têm 17 anos, e o que você está pensando em fazer depois que terminar o colegial? C: Trabalhar e faculdade? P: E no que você está pensando? C: Em medicina. P: E porque medicina? C: É que meu avô é muito doente, sabe, ai de ver ele doente eu queria ajudar as pessoas, aí eu coloquei isso na cabeça e quero até hoje. P: E faz tempo isso? C: Um ano mais ou menos, eu penso desde o segundo já, e se Deus quiser eu vou conseguir. P: E como está aqui no colégio, você está estudando? C: Eu estou estudando né, mais eu preciso estudar mais, igual uma professora estava falando para mim, eu não gosto muito de ler, e ela me disse que tem que ler bastante, eu gosto de estudar, não sou daquelas de cabular aula. P: E na sua casa, o que o pessoal acha de você querer fazer medicina. C: Minha mãe acha o maior barato, ela acha muito legal, ela fala, é isso, vai em frente que quem quer consegue. P: É os seus amigo o que acham? C: Eles dão apoio, mas principalmente minha mãe, meu pai, meus irmão, falam se você quer isso faz isso. P: Quando você era criancinha tinha alguma coisa que você falava que queria ser quando crescesse? C: Não, ah, sim, jogadora de futebol, e se eu não for ser médica eu vou ser jogadora. P: E você joga futebol? C: Jogo, todo final de semana eu jogo. P: Tem algum fator que você acha que facilita ou dificulta este seu projeto de fazer faculdade? C: Dificulte não, meu pai e minha mãe dando apoio para mim (pequena pausa) agora dinheiro facilita porque meu pai foi dispensado e está só a minha mãe trabalhando, e se eu estiver trabalhando eu consigo fazer o que eu quero. P: E você está pensando em fazer faculdade pública ou particular? C: Para mim o quer vir está bom, eu prefiro pública porque particular é bem caro, senão eu trabalharia para pagar. P: E como você acha que está o mercado de trabalho para o médico, você tem ouvido falar? C: Eu não sei direito porque eu não assisto jornal. P: E você conhece médicos, tem idéia de como é a vida deles? C: Ah, tranqüila, têm o que eles querem. O que me falaram é que eu não posso ter medo das coisas que eu vou ter quer ver, cadáveres, essas coisas, porque se tiver medo não adianta nem fazer, tem que ter estômago forte. Se eu for atender um paciente eu não posso ter medo, tipo ter dó da pessoa., porque se eu tiver eu não consigo ajudar. P: E o que seu colegas, você tem uma idéia do que eles estão pensando em fazer? C: Tem uns que querem fazer jornalismo, outros veterinária, administrador, outros querem igual o Lula, presidente, jogador, várias coisas. P: O que você gosta de fazer de fim de semana?

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C: Jogar futebol, conversar, curtir a vida, sair com meus colegas, balada não porque meu pai é muito chato, ele é daqueles caras que dizem não vai, para ele eu ficava 24 horas dentro de casa. P: E onde você joga futebol? C: Na escola porque têm aqueles negócios de escola no final de semana sabe, aí eu vou lá e tenho umas aulinhas. P: Você não namora? C: Não, meu pai não deixa ainda, mas eu namoro escondido dele, mas no momento não estou namorando, nem ficando, também estou no último ano, ficar namorando não dá certo, estou tirando este ano para estudar mesmo. P: E você não está trabalhando? C: Não, também porque está muito difícil o emprego, eu já trabalhei em restaurante, em buffet. P: E o que você achou destes trabalhos? C: Eu até que gostei, mais do buffet infantil, que era todo final de semana? P: Como você imagina que vai ser seu futuro? C: Eu acho que vai ser maravilhoso, tipo assim, na minha família é raro falecer gente, e isso é bom, e também eu quero ter minha casa meu caro, quero ser independente. P: O que você achou da entrevista? C: Legal. P: Tem mais alguma coisa que você gostaria de contar a respeito disto tudo que a gente conversou? C: Eu penso em fazer um curso de informática, também de Inglês, que eu gosto. P: Aqui no colégio você tem aula de Inglês? C: Tenho, mas aqui eu não entendo, tem muita gente falando, sabe, por isso eu queria fazer um curso. P: Está certo, obrigada então.

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Entrevistado F. do sexo feminino tem dezoito anos. Trabalha de balconista. Sua mãe não estudou e é dona de casa, e seu pai tem ensino fundamental e ocupação desconhecida. É a caçula de cinco filhos. Transcrição da Entrevista Pesquisadora: Então F., você está no terceiro colegial, o que você está pensando em fazer? F: Eu estou pensando em cursar medicina porque eu acho uma atividade legal e eu sempre tive vontade? P: E você lembra desde quando surgiu esta vontade? F: Ah, eu já estava no ensino médio, aí veio aquela vontade, eu também freqüento muitos hospitais por causa da minha mãe, e é isso mesmo que eu quero, uma coisa que já vem de dentro de mim. P: Você mora com sua mãe e acompanha ela quando ela tem que ir para o hospital, é isso? F: É, agora nem tanto porque eu estou trabalhando, quem acompanha ela é meu irmão. P: E o que você está fazendo? F: Eu sou balconista. P: Faz tempo que você está neste trabalho? F: Faz cinco meses. P: E você está gostando? F: To, é super legal, me dou muito bem com as pessoas, meus patrões são legais. P: E você já tinha trabalhado antes? F: Já, eu fazia eventos de festas para crianças, esse tipo de coisa. P: E você gostava? F: Gostava, me divertia muito, até me vesti de Mônica uma vez, era legal. P: E de estudar, você gosta? F: Essa parte aí, mais ou menos, mas acho que estudar é uma coisa que a gente tem que fazer, né, hoje em dia se você não tem estudo você não é nada hoje em dia, quem têm já não é, imagine quem não tem, então eu acho que você tem que ter empenho. P: E você gosta desse colégio? F: Gosto, esse aqui é bom, o outro que eu estava você não aprendia nada, ia para a escola só para, praticamente, responder chamada, e passava de ano assim. Aqui não, é diferente, os professores explicam. P: E na sua casa, o que sua família acha dos seus planos de cursar medicina? F: Eu conversei com meu tio, ele achou legal, mas minha mãe queria que eu fosse aeromoça, o sonho da minha mãe sempre foi esse, mas eu falei para ela que eu não quero fazer este tipo de coisa, e ela falou que tudo bem, para eu fazer o que achar melhor para o meu futuro. P: Você já conversou com algum médico? F: Não,nunca cheguei a conversar. P: E quando você vai ao hospital com sua mãe, você encontra vários médicos? F: É, mas dá vergonha de chegar e perguntar alguma coisa, mas é sempre bom estar perguntando para eles verem que a gente também se empenha. P: E você me disse que mora com sua mãe, e com mais quem? F: Com meus irmãos. P: E o que eles fazem? F: Meus irmãos por enquanto não estão fazendo nada. P: E o que eles acham de você estar querendo fazer faculdade de medicina. F: Isso daí eu não converso com meus irmãos que eles não são de ficar conversando este tipo de coisa comigo, eu converso mais com amigos, meus tio. P: E seus amigos o que acham?

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F: Eles dão força, porque também têm alguns que querem ir para esta área, outros já não, falam que é uma besteira e eu falo que é o que eu quero, então eu vou fazer. P: E como você acha que está o mercado de trabalho para o médico? F: Eu acho que está difícil porque é uma área muito disputada, têm muita gente. P: E o mercado de trabalho como um todo, como você acha que está? F: O que eu vejo por aí é que está difícil, filas e filas de pessoas tentando uma vaga, de faxineiro mesmo, se têm dez vagas têm 50 pessoas na fila, e têm que ter isso e aquilo, e as vezes a pessoa nem tem, têm que ter estudo, experiência, ta difícil, para você ter um serviço bom tem que procurar muito. P: E a sua mãe, está trabalhando? F: Não, minha mãe é pensionista e é dona de casa. Um irmão meu trabalha e conseguiu através de um amigo, então foi mais fácil. O meu também foi fácil porque foi através de uma amizade. Isto facilita porque se você está apresentando uma pessoa que você já conhece, e se seus patrões já conhecem você e você tem um parente que não faz coisa errada, já facilita, né. P: E o que você gosta de fazer? F: Dormir, não vou mentir, mas também gosto de ficar em casa, ouvindo música, passear, mas meu hobby preferido é dormir, chega final de semana eu só quero dormir, senão não dá, né. P: Qual é seu horário de trabalho? F: Eu trabalho 9 horas por dia, eu entro as 6 e saio as 14 hs. P: E onde você gosta de passear de fim de semana? F: Eu gosto de ir em shopping, cinema, coisa bem light, , não gosto de estar em balada, essas coisas não curto não, também porque minha mãe é muito rígida, ela não gosta que eu saia de casa. P: Como você se imagina no futuro, tanto profissionalmente quanto em relação a vida em geral? F: Eu acho que eu vou estar bem, eu quero ter minha casa, meu carro, minha família, conquistar tudo aos poucos, quero tentar ajudar ao próximo também, não ser egoísta, ficar pensando só no nosso, é isso. P: Você se considera uma pessoa com bastantes sonhos? F: Me considero, e quando eu quero uma coisa eu vou até o fim, ou eu consigo ou não consigo, capacidade eu sei que eu tenho o suficiente. P: Você gostaria de acrescentar alguma coisa, acha que ficou faltando algo dentro disto que a gente conversou? F: Não, acho que é isso. P: Então está ótimo, obrigada.

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Entrevistado A. do sexo feminino tem dezessete anos. Atualmente não está trabalhando, mas está procurando emprego. Sua mãe tem ensino médio e trabalha como telefonista, e seu pai tem ensino fundamental e trabalha em construção. É a segunda de três filhos. Transcrição da entrevista. Pesquisadora: Então A., o que você está pensando em fazer depois que terminar o terceiro colegial? A: Estou pensando em fazer um curso e daí mais para frente fazer uma faculdade de jornalismo. P: E porque você pensa em jornalismo? A: Ah, porque eu gosto. P: Desde quando você está pensando em jornalismo? A: Desde esse ano. P: Tem alguma profissão que você quando criança pensava em ser quando crescesse? A: Não. P: Você mora com seus pais? A: Moro. P: O que eles acham dos seus planos, você já conversou com eles sobre isso? A: Não, não conversei não. P: E seus irmãos, eles te apóiam, como é? A: Eles não falam nada, eu posso fazer o que eu quiser. P: Você gosta de estudar? A: Mais ou menos, apesar que para ser jornalista tem que ler bastante, né. P: E que matérias você gosta, ou na gosta muito. A: Eu gosto de português, não gosto de química. Matemática até que eu gosto. P: Como você acha que vai estar o mercado de trabalho pra o jornalista quando você se formar. A: Ah, espero que bom, né. P: E o mercado de trabalho em geral, o que você acha? A: Ta ruim, eu estou procurando emprego. P: E seus colegas trabalham? A: Alguns. P: E o que você percebe, eles comentam alguma coisa? A: Que está difícil o emprego? P: E seus pais, no que eles trabalham? A: Minha mãe é rádio operadora e meu pai trabalha em construção. Quando terminar este ano eu vou trabalhar com minha mãe, que tem a ver com jornalismo. P: Tem algum fator que você considera que facilita ou dificulta este processo todo de fazer colegial e entrar na faculdade? A: O dinheiro, porque para fazer faculdade você precisa ter dinheiro para pagar. P: E como você imagina que vai ser seu futuro? A: Eu pretendo trabalhar, ter minha casa, mas eu não pretendo casar nem ter filhos, eu prefiro morar sozinha. P: Porque? A: Eu vejo em casa minha mãe e meu pai, é só briga só. P: O que você faz de fim de semana? A: Nada, fico em casa. P: E o que você faz quando está em casa? A; Assisto tv, essas coisas.

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P: Você não gosta de sair? A: Eu não saio porque meu pai não deixa, só quando eu tiver 18 e estiver trabalhando. P: E o que você acha disso? A: Eu falo que eles estão errados porque eu sou filha, mas quem sabe um dia eu estou na pele deles, eu entendo o lado deles também. P: E seus irmãos, são mais novos ou mais velhos do que você? A: Eu tenho uma de 19, uma de 15 e uma de 13. P: E a mais velha saí? A: Ela é casada e tem filho. P: Quando for a época de você procurar emprego você acha que o mercado de trabalho vai estar como? A: Ah, eu espero que bom, porque eu já vou estar fazendo faculdade e com faculdade fica mais fácil. P: Se você for trabalhar para pagar a faculdade no que você trabalharia? A: Telefonista, porque é onde minha mãe trabalha. P: O que você achou da entrevista? A: Tranqüila. P: Então está bom, obrigada.

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Entrevistado M. do sexo feminino tem dezessete anos. Trabalha como recepcionista. Sua mãe tem ensino fundamental e é dona de casa. Seu pai tem ensino médio e é autônomo. É a caçula de três filhos. Transcrição da entrevista Pesquisadora: Eu gostaria de saber o que você está pensando em fazer depois que terminar o terceiro colegial? M: Eu estou pensando em fazer faculdade de fisioterapia. P: Porque você pensa em fisioterapia? M: Porque é uma coisa que eu gosto, que eu tenho vontade. P: Você lembra desde quando tem vontade e porque? M: Não sei, acho que fui vendo as pessoas que mechem na área e daí fui gostando também, eu já estava no colegial. P: Então você conhece pessoas que trabalham na área? M: Minha irmã trabalha em área de hospital, o que já ajuda um pouco, e eu trabalho num centro de estética e meche muito com isso. P: Faz tempo que você está neste emprego? M: Quatro meses. P: E você já trabalhou em outros lugares? M: Não, este é o primeiro. P: E você está gostando? M: Mais ou menos, porque não é uma coisa que vá me dar futuro, ser recepcionista, é que eu trabalho mais para as pessoas, não para mim, seria melhor estar no lugar de alguma das profissionais que trabalham lá. P: E o que elas fazem lá? M: Massagem, drenagem, mas não tem fisioterapeuta que trabalha lá, é que em baixo é um salão e em cima é estética, e eu mecho com os dois lados. P: E você têm então, uma irmã que está na área de saúde? M: É, ela é instrumentadora cirúrgica. P: E seu outro irmão? M: Ele não faz nada. P: Na sua casa, você conversa sobre fazer fisioterapia? M: Não, mas com a minha irmã que eu converso, mas não tem muito incentivo ainda. P: E porque você acha que não tem incentivo? M: Eu não sei, acho que é falta de diálogo mesmo. P: E com sua mãe? M: Ela não mora com a gente. P: E seus colegas aqui do colégio? M: Eles acham legal, mas é difícil falar sobre futuro com o pessoal da nossa idade. P: Porque você acha isso? M: Ah, eles não falam sobre futuro, acho que eles não têm muitos planos. P: E o mercado de trabalho para o fisioterapeuta, você tem informações de como está? M: Não, não tenho, eu estou começando correr atrás disso agora. P: Mas o que você acha, o que você imagina sobre o mercado de trabalho para o fisioterapeuta? M: Eu acho que é um mercado bom, mas que ainda não é muito falado, mas acho que é uma coisa boa. P: E o mercado de trabalho em geral, o que você têm ouvido falar?

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M: Ah, que está difícil né, por exemplo, eu comecei como estágio, então ganha pouco e faz muito, então porque é estagiário passa tudo para a pessoa, a maioria dos meus colegas reclama disso. P: Pensando que você vai terminar o colegial e pretende fazer uma faculdade e entrar no mercado de trabalho na área que você vai estudar, você acha que têm fatores que facilitam ou dificultam este processo todo? M: Eu acho que é uma fase que todo mundo têm que passar, começar do fácil também não existe, é uma fase difícil, é o primeiro emprego, os primeiros erros. P: Aqui no colégio você encontra professores que incentivam os alunos a estudarem? M: É difícil, de noite principalmente, quando eu estudava de manhã até tinha, de noite cada um faz o que quiser, vêm se quiser. P: E antes de você passar para a noite, você ainda não trabalhava, aí o que você fazia? M: Até o ensino fundamental eu fazia cursinho para entrar no colégio técnico, então eu chegava só as 11hs em casa, porque eu saía da escola e ia direto para o cursinho, mas aí eu não passei e vim para este colégio. Aí até o segundo ano eu ficava bastante tempo em casa, arrumava a casa, fazia almoço para o meu pai, para a minha irmã, como eu não moro com minha mãe e minha irmã trabalha, então eu ajudava. P: E agora que você trabalha? M: Às vezes minha mãe vai lá, ou meu pai mesmo faz. P: E agora trabalhando e estudando de noite, sua vida está corrida, você tem tempo de fim de semana? M: Só de domingo, eu trabalho de segunda à sábado, daí no domingo eu fica um pouco em casa, depois saio com uns amigos e volto para casa. P: Você gostaria de ter mais tempo? M: Gostaria, mas por outro lado eu gosto de não ficar parada, de correr atrás do que eu quero, às vezes eu penso que não quero trabalhar hoje, mas ai eu penso que é meu futuro. P: Como você se imagina já formada, trabalhando na sua profissão, como você gostaria de estar? M: Pretendo estar bem, com um próprio negócio, ajudar meu pai, isto para mim já é suficiente, o resto já é conseqüência, tendo algo para me manter. Mas eu acho que vou passar por muitas dificuldades ainda, principalmente na área de serviços têm que saber lidar com as pessoas, e pelo pouco tempo que eu estou trabalhando eu já passei por muita dificuldade com os próprios colegas, principalmente, porque é um querendo estar além do outro, então têm que saber o que você fala o que você faz, ,você também não pode ser grosso, mal educado, também não pode ser muito bonzinho, então eu estou aprendendo bastante lidar com este tipo de coisa, mas eu ainda acho que tenho que aprender muito. Antes, eu atendia uns pedidos em casa para o meu pai que trabalha como autônomo, aí eu era tipo uma secretária para ele, e me dava bem e eu achei que ia ser a mesma coisa quando eu entrei no salão, mas quando você vai para fora que você percebe que têm competição e que tudo fica nas tuas costas. P: E faculdade, você já pensou em qual gostaria de fazer? M: Não, eu comecei agora a ver isso, eu vou tentar faculdade pública, mas têm que estudar muito, eu sei que é difícil, mas depende de mim. Senão eu vou fazer particular e tentar bolsa e também trabalhar para pagar, mas é difícil, eu não vi isso ainda. P: Esta certo, obrigada.

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ANEXO B – transcrição das entrevistas com jovens de escola particular

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Entrevistado E. do sexo feminino tem dezessete anos, nunca trabalhou. Sua mãe tem grau superior e é bancária, e seu pai tem ensino médio e é analista de sistemas. Esta fazendo cursinho pré-vestibular. É filha única. Transcrição da entrevista. Pesquisadora: Então, você estava me dizendo que estudava em outro colégio, em Salvador. E: É eu sou de Salvador, vim para cá porque meus pais foram transferidos, aí eu tive que vir. P: E você gosta mais daqui de São Paulo ou de lá? E: Eu prefiro lá, porque o estilo de vida combina mais comigo. P: E o que você está pensando e fazer depois que terminar o terceiro colegial? E: Penso em fazer direito, já faz muito tempo que eu penso nisto, porque eu acho interessante. Aí tem várias coisas que eu gosto, eu gosto muito de letras que tem bastante haver com direito, gosto de trabalhar com pessoas e papel ao mesmo tempo, e direito tem disso. P: Você conhece advogados, ou tem advogados na família? E: Minha madrinha. P: E os seus pais, o que acham da sua escolha? E: meu pai acha ótimo, porque ele prestou direito também, cursou até o último semestre daí abandonou, e a minha mãe gosta também. P: E você já pensou em faculdade, qual gostaria de fazer? E: Já, eu quero fazer USP, e eu queria fazer a USF em Salvador, mas acho que não vai dar por causa das datas das provas. P: Você tem primos que já prestaram vestibular, que passaram por isso? E: Tenho, e eu estava lá quando minha prima prestou vestibular e ela estava quase louca. P: E como você está? E: Preocupada, né, todo mundo quer passar, mas não tem vaga para todo mundo. Por mais que você se prepare, por mais que você estude, pode ser que na hora não de. Eu faço escola de manhã e cursinho de tarde, aí quando eu chego em casa o máximo que eu faço é uma tarefa para o dia seguinte. P: E você acha que está aproveitando o cursinho? E: Está sendo bem válido, está valendo muita a pena. P: E sobre o mercado de trabalho, como você acha que está? E: Então, está difícil, né, muita gente pouco emprego, cada vez exigindo mais especialização, o lado que eu pretendo ir é o de concurso público, que é um emprego bom, mas até lá eu vou ter que trabalhar em outras coisas também. Não sei, ai acho que não vai ser fácil, conseguir um estágio, ter experiência. Acho que não está fácil para nenhuma carreira. P: e o que seus colegas comentam a respeito disso? E: Eu tenho dois amigos que estão fazendo direito e estão estagiando e eles falaram que não foi fácil arrumar o estágio, mas depois que eles conseguiram eles estão gostando, dizem também que direito se aprende no estágio, não tanto na faculdade. Mas o mercado de trabalho me preocupa. P: Você sente que esta é uma preocupação aqui no colégio? E: Não tanto, porque têm muita gente que tem o pai que é dono de alguma empresa, aí já pensa em fazer administração, ou quem quer fazer direito o pai tem um escritório. P: E você acha que tem fatores que facilitem, ou então dificultem este processo de entrar na faculdade e depois trabalhar na sua área? E: Se eu tivesse essa entrada garantida facilitaria, mas eu acho que o que vale mais é a dedicação pessoal mesmo, tem que se dedicar muito para ter contatos também. P: E como está sua vida de terceiro colegial com cursinho, sobra tempo para passear?

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E: Agora com cursinho não dá muito não, pouca coisa no final de semana, mas eu não tenho tempo para nada, às vezes não dá tempo nem para estudar, daí chega no fim de semana e tem as tarefas para fazer da escola e do cursinho, estudar para a prova também. Eu vou bem normalmente, antes do cursinho era tranqüilo, eu era completamente outra, sinto saudades. P: E você sente que precisa passar este ano? E: Não, se eu não passar faço mais um ano de cursinho, mas eu queria passar. P: Então é isso, tem mais alguma coisa que você gostaria de acrescentar? E: Não que eu lembre. P: Obrigada então.

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Entrevistado L. do sexo feminino tem dezessete anos, nunca trabalhou. Sua mãe tem ensino médio e é empresária, e seu pai tem ensino superior e é engenheiro eletricista e hidráulico. É a caçula de três filhos. Transcrição da entrevista. Pesquisadora: Você está fazendo cursinho? L: Não, eu optei por não fazer cursinho porque eu já vim para este colégio porque é mais forte, e é aquela coisa, meus pais falam que eu só funciono na base da pressão. Eu preferi então mudar para cá e não fazer cursinho, porque eu tive medo também, porque eu estou meio em dúvida do que eu quero e eu me acho muito nova para escolher o que eu quero para a minha vida inteira. P: Mas você tem alguma coisa em mente? L: Desde pequenininha minha primeira profissão foi ser veterinária, e isso foi para a vida inteira, eu nunca cogitei outra coisa, mas aí neste ano mesmo eu comecei a cogitar outras coisas, e é aquela coisa, exatas eu não sou muito boa, daí eu fiquei morrendo de medo, ai eu pensei em fazer turismo porque eu adoro viajar, mas aí meu pai me puxou o pé e falou: “filha calma, você vai fazer o que da sua vida?” ai eu falei: “ta bom”. Tem uma coisa que eu sou apaixonada, que é história, eu adoro história, é a única faculdade que eu faria sem nenhum problema, sabe, mas ai eu conversei com os professores de história e de geografia também e eles me falaram que não tem muito campo, e que é mais voltado para ser professor mesmo. De dar aula eu não tenho vontade, ai o professor de geografia me falou que em geografia eu iria ver no que a história refletiu na atualidade, então eu estou pensando ainda. Eu sei que é veterinária, mas tem mais coisas, além disso, eu queria dar um tempo também, eu pensei em fazer um intercâmbio e ficar uns seis meses trabalhando, eu não quero meu pai pagando tudo para mim, porque eu acho que é muito fácil você fazer um cursinho, passar em uma faculdade e meu pai me bancar, mas eu quero saber um pouco como é que é. Ele acha que é totalmente viagem minha e diz que se a gente tem condições para isso eu tenho que aproveitar, mas eu quero sentir um pouco na pele, quero trabalhar um pouco no ano que vem e estudar um pouco. Eu queria trabalhar com animais, nem que eu trabalhe em um petshop dando banho em cachorro, eu quero sentir mesmo. Minha família, meus irmãos não aprovam isso muito não, mas ai minha mãe falou: ”minha filha, eu criei você para você ser feliz e se você for feliz trabalhando numa praia vendendo pulseirinha, vai lá”, mas meu pai é totalmente contra isso, ele acha que medicina é a faculdade que vai me garantir pelo resto da vida. Me irmão fez medicina e hoje ele tem 26 e é sustentado praticamente totalmente pelo meu pai, ele está fazendo residência e é aquela coisa, muitos plantões não são pagos, então ele é sustentado pelo meu pai. Medicina eu acho uma carreira muito bonita só que não é para mim, aí ele faz aquelas chantagens e diz que vai me dar um carro zero quando eu fizer medicina, ele fala que paga quantos anos de cursinho eu precisar, mas não é isso que eu quero, eu acho que em medicina você tem que dar sua alma, e não é isso que eu quero. Sei lá, e eu estou sentindo muita pressão também, tanto de colégio quanto do meu pai, mas família é aquela coisa, eu não ouço tanto e não culpo meus pais nem meus irmãos porque eu sei o quanto eles querem meu bem, meu pai tem medo de eu sofrer, de passar alguma necessidade do que ele já passou. Mas eu sinto muita pressão de colégio para fazer USP, parece que só existe a USP, aqui no colégio eles falam demais essa coisa de faculdade, eu sei que é a melhor faculdade do país, eles falam demais essa coisa de faculdade, mas eu acho que eles deviam se preocupar em primeiro formar um bom cidadão para depois formar profissionais. Se eu entrar em uma faculdade particular de veterinária, lógico, ele não ia negar pagar, mas o ruim é que a maioria é integral e se eu falasse depois que não é isso que eu quero ele ia jogar na minha cara. Mas eu vou fazer o que eu quero, quer dizer eu acho que tem que tentar unir o útil ao agradável, alguma

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coisa que eu goste com alguma coisa que dê dinheiro, porque querendo ou não eu vou ter que me sustentar. P: E o que você tem ouvido falar de mercado de trabalho? L: Eu acho que hoje em dia eles estão dando mais importância para profissões autônomas como medicina, direito, arquitetura engenharia. Mas eu não sei, tem até pais que pressionam por causa de status, e eu acho que isto não tem nada haver, quando eu falei em fazer turismo meu pai foi super contra, mas eu tenho uma prima que fez turismo e se deu super bem, daí depois ela fez comércio exterior, e é aquela coisa, você não pode parar em uma coisa só. Em relação à veterinária eu acho que o campo muito cheio porque todo mundo gosta de bichinho, mas eu queria trabalhar com grande porte, com gado, eu sou apaixonada por gado, penso em comprar uma fazenda e criar meus gados, mas não entra na cabeça dela que por mim eu morava no mato ou na praia, ele diz que é fase de adolescência que depois passa, mas desde pequena eu queria morar no mato. Mas eu acho que é isso, o mercado de trabalho está muito saturado e você tem que cair na especialização, ao mesmo tempo que você tem que saber de tudo um pouco você tem que focar em uma coisa porque está muito difícil hoje. P: E você sente que está também é uma preocupação dos seus colegas? L: Sinceramente eu acho, tanto que tenho uma amiga que quer artes cênicas ela é apaixonada por isso, mas não vai fazer porque não dá dinheiro, mas se ela fosse trabalhar no ramo de produção ela poderia ter chance, mas ela decidiu que vai fazer medicina e ela é muito inteligente, pode ser o que ela quiser, mas você percebe que não é o que ela quer. E ela já está ficando louca sabe, e eu olho o pessoal que está fazendo cursinho junto e me sinto na obrigação de ir melhor do que eles, mas eu chego em casa e não consigo estudar direito, eu preciso dar uma voltinha antes, eu não aquento. Ai eu saio, dou uma volta e de noite é o horário que eu estudo melhor, está tudo quieto. E eu me sinto na responsabilidade porque está todo mundo se matando e meu pai falou que tem que se matar de estudar porque é meu futuro. Mas daí eu falei: “pai, do que adianta eu pensar no meu futuro se eu mal estou vivendo meu presente”. Eu sei que tem que estudar porque é aquela coisa, podem te tirar tudo mas o seu conhecimento nunca te tiram. Eu acho que conhecimento é aquilo que você leva para o dia a dia, é mais uma coisa de vida de convivência. Mas na verdade eu não estou abrindo mão de muita coisa não, só festa que é uma vez por mês porque eu estou estudando para o colégio. Mas é aquela coisa, a vida é só uma, tem que aproveitar um pouco também. P: Tem mais alguma coisa que você ache legal colocar? L: Não, eu acho que eu já falei tudo.

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Entrevistado N. do sexo masculino tem dezessete anos, nunca trabalhou. Sua mãe tem ensino superior e é professora, e seu pai tem ensino superior e é publicitário. É filho único. Transcrição da entrevista. Pesquisadora: Então, terminando agora o colégio, o que você pensa em fazer? N: Eu queria fazer música, mas é muito difícil saindo direto do colégio, eu não fiz conservatório até agora. Eu penso em fazer o ano inteiro que vem de conservatório para daí no final do ano prestar música. Esse ano eu quero terminar e prestar no fim do ano só para ver como eu estou. P: E você toca algum instrumento? N: Guitarra, faz três anos já. P: E faz tempo que você pensa em fazer faculdade de música? N: Ah faz, música é assim absurdo para mim, desde criancinha, mesmo antes de tocar guitarra, música é mais do que qualquer coisa para mim. Então nem dúvida eu tenho, mas eu vi que é muito difícil então eu vou ter o ano que vem inteiro para praticar. P: Onde você pensa em prestar? N: Em Nova York, nos estados Unidos, que eu vi que lá tem uma faculdade que não é só música erudita ou popular, tem de tudo. P: E a sua família o que acha? N: No começo eles falavam que era porque eu gosto de estudar, mas eles que me apresentaram música, então eles acabaram entendendo. P: E seu pai, é publicitário? N: É, e ele tem hobby de curtir música, mas ele fez publicidade porque o pai dele não deixou ele fazer música. P: Quais as dificuldades ou facilidades que você acha que vai encontrar? N: Acredito que todas as profissões são difíceis, tipo médico que dá muito dinheiro, têm o médico que consegue e o médico que não consegue. Mas músico fica aquela coisa, todo mundo diz que você não quis ser médico então foi ser músico. Tem certo preconceito. P: E sobre o mercado de trabalho, o que você tem ouvido falar? N: Eu sei que para entrar em uma faculdade é bem difícil, concorrido, e se você não tem uma ou mais, você não tem lugar nenhum no mercado. P: E você acredita que esta seja a opinião dos seus colegas também? N: É isso que a gente ouve dos professores. Mas música eu não quero nem por causa do diploma, eu quero aprender mesmo, então não estou muito preocupado com o mercado de trabalho de música. P: Mas você tem ouvido alguma coisa sobre o mercado de trabalho para o músico? N: O que a gente ouve é que tem as produtoras que comandam tudo, que não vem muito do artista, já tem um esquema montado. P: E como está sendo esse ano de terceiro colegial? N: É um ano difícil, ou vai ou racha, até eu, mesmo não querendo fazer alguma coisa assim, mesmo assim eu estou estudando. P: E você tem tido menos tempo apara você então? N: Com certeza, eu olho para a guitarra, que é o que eu gostava de fazer, olho para os cadernos e acabo indo para os cadernos. Mesmo quando você pega a guitarra você não toca normal porque você sabe que tem a lição, já fica com a cabeça naquilo. Por isso que eu quero terminar este ano logo pra poder ficar só na guitarra. P: É tranqüilo este projeto de você ir morar fora para os seus pais?

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N: É porque eu convenci eles que se eu não gostar eu ainda vou ser novo para voltar e fazer um cursinho e talvez fazer outra faculdade. Não que eu esteja pensando no fracasso, mas foi o argumento que eu usei. P: E fato de você não morar mais na sua casa? N: É a pior parte, não só para eles como para mim. P: Você acha que ficou faltando perguntar mais alguma coisa? N: Não, acho que é isso. P: Está bem, obrigada então.

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Entrevistado G. do sexo masculino tem dezessete anos, nunca trabalhou. Sua mãe tem ensino superior e é dona de casa, e seu pai tem ensino superior e é administrador. Tem uma irmã mais velha. Transcrição da entrevista. Pesquisadora: E a sua irmã, o que ela faz? G: Agora ela está fazendo pós na Austrália. P: O que ela fez? G: Hotelaria, ela fez lá no Sul, acho que é uma das melhores faculdades daqui. P: E você, o que você pensa em fazer. G: Eu estou pensando em fazer administração, mas o que eu queria fazer é gastronomia, mas primeiro eu vou fazer administração para depois pensar nessas outras coisas. Meu pai trabalha com administração, eu sempre vi ele trabalhando e sempre gostei. P: E seu pai, o que acha de você querer fazer administração? G: Ah, ele gosta, ele fala que ele vai poder abrir várias portas para mim, mas ao mesmo tempo eu não sei se eu quero que ele abra essas portas, sabe. Eu estou meio em dúvida entre fazer minha faculdade fora de São Paulo para tentar lutar, ou faço aqui com a ajuda dele, já vou trabalhando com isso, com a ajuda dele. Essa é a minha maior dúvida, eu posso perder um tempo precioso ou eu posso ficar aqui e aprender muito mais, mas também não ter uma maturidade tão grande de ficar aqui. P: E para onde você iria? G: Eu estou pensando na federal de Minas ou na federal do Rio Grande do Sul. Aqui eu vou prestar IBMEC e GV. P: E sua mãe, o que ela acha? G: Ela acha legal, mas ela prefere que eu fique em São Paulo, porque minha mãe já está morando fora também, eu também já morei fora, fiz intercâmbio. P: E você gosta de estudar? G: Não gosto muito, em casa parado não consigo, prefiro vir para a escola e fazer um grupinho para estudar, sou muito inquieto, eu não consigo ficar parado. Ou então eu pego um professor particular e fica só eu e o cara daí é melhor. P: De que matérias você gosta e não gosta? G: Eu não gosto de biologia, mas gosto de exatas, e é um dos motivos que eu escolhi administração, na verdade eu ainda estou entre economia e administração. P: E sobre mercado de trabalho, o que você tem ouvido falar? G: É complicado, cada dia tem mais gente, né, para menos emprego. Mas vai do grau de instrução das pessoas, mas vai muito da sorte também de ter uma oportunidade, o que é difícil ter.Na verdade eu queria livrar um pouco meu pai porque ele é super carregado de coisas, tem três empresas, um monte de funcionários na mão dele. Ele não vai ter aposentadoria, porque ele é autônomo, daí ele diz: “você vai ter que tocar para mim”. P: Tem mais administradores que trabalham na empresa do seu pai? G: Tem, é uma empresa de consultoria empresarial. P: E você tem contato com eles, sabe como é o trabalho? G: Não, eu estava pensando em ir passar uns dias lá, quando der uma aquietada nos estudos. Eu sempre tive curiosidade, sempre quis saber o que meu pai faz. P: Você acha que tem algum processo que facilite ou dificulte esse processo de escolher uma profissão e depois trabalhar nesta área? G: Meu pai pode me facilitar, uma pessoa que sempre teve uma confiança em mim, aposta em mim, mas ao mesmo tempo não sei se é isso que eu quero, pelo menos começar eu não sei se quero começar trabalhando com ele já, eu preferia batalhar mesmo no mercado, ver tudo

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como é. Nesta faculdade no Sul, eu já vi que tem uma empresa Junior lá, dá para ter experiência. P: Como você gostaria de estar daqui a uns 10 anos? G: Eu gostaria de estar tocando um hotel com minha irmã, trabalhando no que eu gosto, e ela gosta também, acho que daria certo. P: Você tem algum hobby? G: Não, até o ano passado eu estudava de tarde, daí também estava namorando, agora eu estou sem muita coisa para fazer. Fico em casa no computador, agora eu estou tentando estudar mais um pouco. P: Você sente alguma pressão para entrar esse ano na faculdade? G: Pressão dos meus pais não, mas eu gostaria. Como ano passado eu fiquei seis meses fora e voltei já no terceiro eu perdi muita coisa, então eu estou batalhando mais para passar de ano. Eu estava defasado nas matérias, mas agora está melhorando, eu peguei uns professores particulares e comecei a estudar desde o começo. P: Você ficou onde? G: Em casa de família na Nova Zelândia, foi muito bom. O povo parece meio com brasileiros, e eu morava em uma cidade pequena, uma coisa que eu gosto também, eu estou até querendo sair de São Paulo porque é outra coisa, você conhece todo mundo, todo mundo te chama pelo nome, te conhece, e em São Paulo você não tem isso. P: Você acha que tem mais alguma coisa que gostaria de acrescentar? G: Não, ‘só que falar é fácil, o difícil é entrar na faculdade.

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Entrevistado B. do sexo masculino tem dezessete anos, nunca trabalhou. Sua mãe tem ensino superior e é psicóloga, e seu pai tem ensino superior e é médico. É o primeiro de dois filhos. Transcrição da entrevista. Pesquisadora: Então sua mãe é psicóloga e seu pai é médico. B: É, aí quando eu faço alguma coisa ela já analisa e eu falo: já vem com esse papinho mãe? Eu gostava de psicologia, mas ai eu comecei a não gostar muito. P: E no que você esta pensando? B: Em penso em fazer veterinária, mas eu estou meio confuso ainda. Eu também penso em fazer medicina, mas aí eu vejo os aspectos de plantão, por exemplo, não dormir a noite, eu acho que meu biológico não agüentaria. Também tem que estudar demais para entrar em uma faculdade boa, e eu acho que eu não tenho este perfil, aí eu ia ter que ficar fazendo vários anos de cursinho, mas não é falta de querer. Eu não agüentaria ficar dando plantão, tem que gostar muito para fazer. Eu até tenho exemplo em casa, meu pai já trabalhou muito, agora nem tanto. Então eu penso em ser veterinário, já tenho até umas coisas planejadas na cabeça, quero fazer veterinária e zootecnia e entrar em uma área de negócios, porque meu pai tem uns negócios no campo daí eu quero mexer com gado, na parte genética tudo. P: E faz tempo que você vem pensando assim? B: Faz pouco tempo, meio ano. Eu gosto muito de animal também, prefiro morar no campo do que morar aqui, cavalo sou apaixonado também. P: E seus pais, o que acham? B: Tranqüilo, me dão apoio, mas minha mãe nem tanto. Ela queria que eu fizesse medicina, mas ela começou a aceitar a idéia. Meu pai fala que não é porque ele é médico que eu preciso fazer medicina, ele diz que não ficar triste se eu não fizer, ele tem a cabeça boa. P: E o pessoal do colégio, já está decidido? B: Já, a maioria do pessoal sim, só uma menina que é muito inteligente e quer fazer artes cênicas, ela podia fazer qualquer coisa que ela quisesse, mas artes cênicas eu acho meio perda de tempo. P: E você gosta de estudar? B: Eu não gosto muito, mas eu nunca fui um aluno ruim, eu sempre estou na média, mas não sou nota 10, eu não consigo chegar em casa e ficar estudando, eu estudo para a prova o possível, e de final de semana eu não pego no livro. É o que eu falo para a minha mãe, eu tenho 17 anos, final de semana é para sair. Eu preciso relaxar a cabeça, eu sempre preciso de um tempo livre, eu não consigo chegar em casa e estudar direto. P: você já pensou em que faculdade você quer fazer? B: Então, eu quero prestar agora só federal, estadual, não quero prestar particular agora, se eu não entrar, beleza, ano que vem eu faço cursinho e daí no ano que vem eu presto para umas 8, 10, porque daí eu não vou agüentar ficar fazendo mais um ano de cursinho. Mas esse ano eu não me sinto obrigado, eu não estou igual certas pessoas da sala, eu acho que uma coisa de cada vez, escola primeiro, depois faculdade, senão posso até repetir de ano. Nunca na minha vida eu fiquei de recuperação, esse ano eu fiquei de quatro de uma vez, agora eu estou tentando pegar as matérias aos pouco, eu até falei que se eu fizer cursinho eu vou me ferrar na escola. Meu pai até falou: “vamos pensar em passar na escola e depois você faz o vestibular”, então eu não estou nada neurótico. P: E você sente que na escola tem gente que está assim? B: Muita, tem até no segundo ano, e os professores também tem uns que falam muito de vestibular e deixam a gente preocupado. Fuvest eu prestei ano passado, fiz 27, aí eu fiz um simulado e fiz umas 39, ai eu fiz outro simulado e fiz 52, eu já fui melhorando. O esquema do

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colégio é forte para caramba, eu acho que se eu pegar meio firme dá até para eu entrar, mas eu não estou com aquela obrigação, tipo se eu não entrar eu me mato. P: E sobre mercado de trabalho, o pessoal aqui na escola comenta? B: O pessoal não comenta muito, mais em casa, fora, o pessoal comenta que o mercado de trabalho está difícil, até porque minha mãe falava para eu fazer medicina porque aí já estava meio caminho andado, meu pai tem clínica e eu entrava e já não começava do zero, porque hoje em dia a competição está muito grande. Tem algumas profissões que são mau vistas, que se você faz você vai morrer de fome, tipo aquele negócio de artes cênicas, mas eu até penso que se você for um bom profissional você vai ganhar dinheiro, dinheiro é conseqüência, é natural, então eu acho que você tem que fazer o que você gosta que ai você vai fazer bem, você pode se destacar. Se você fizer o que você não gosta também você pode encher o bolso de dinheiro e viver infeliz. Ninguém fala muito de mercado de trabalho. P: E o mercado para veterinário, você tem ouvido falar? B: Não muito, eu pesquisei algumas coisas, eu não pesquisei o mercado, mas para saber como é que estuda, as matérias, a faculdade, mas o mercado de trabalho eu não pesquisei, não sei muito. É que tem várias áreas também, é amplo, e eu tenho até idéia do que eu quero. Mas medicina eu conheço mais, fora que eu ia na maternidade, assisti um parto já, foi normal, meu irmão já tem nojo. Não podia entrar mas meu pai coordena lá, daí eu pus a roupa e fiquei lá olhando o parto, meu pai falou eu tava fazendo um estágio. P: E seu irmão, no que está pensando? B: Ele quer fazer propaganda e marketing, ele é totalmente o oposto, ele é malandrão e eu não. P: Você acha que tem algum fator que facilite este processo de entrar na faculdade e depois no mercado na profissão que você quer. B: Eu acho que eles deveriam falar mais de mercado de trabalho, porque parece que é uma coisa longe, mas eu acho que a escola devia entrar mais não só no vestibular, por exemplo, a gente devia ir nas faculdades, ver mais, fazer uma coisa de campo, não só na teoria. As escolas deviam entrar mais fundo nisso, no contato com as profissões, no dia a dia. O que dificulta é a pressão da escola e a falta de informação, você tem que buscar sozinho, ninguém te dá apoio. E tem a pressão dos pais também, do colégio também para entrar na USP. Aí eu conversei com meu pai e ele falou: “filho, então primeiro se foca na escola e depois no vestibular”. Eu falei para ele que não ia agüentar, que eu não funciono sobre pressão. P: Como você gostaria de estar daqui a 10 anos, como você se imagina? B: Eu me imagino já formado, mas buscando melhorar no emprego, de posição, mas eu não me imagino aqueles caras casados já, mas me imagino com minha carreira feita e tentando melhorar. P: Você acha que esta faltando alguma coisa para abordar dentro do que a gente falou? B: Não, acho que você abordou tudo, acho que é isso.

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Entrevistado T. do sexo masculino tem dezessete anos, nunca trabalhou. Sua mãe tem ensino superior e é empresária, e seu pai tem ensino médio é empresário. É o primeiro de dois filhos. Transcrição da entrevista. Pesquisadora: E aí T. você já pensou no que vai fazer depois que terminar o terceiro? T: Bom, eu vou prestar para agronomia, porque meu avô tem negócio, tem fazenda, mas meu objetivo não é tanto trabalhar com isso, é sair da cidade e esse é o meio mais fácil que eu encontrei, porque eu não gosto de cidade. Não que eu não queria agronomia, mas não é minha primeira opção, eu gosto muito mais de humanas voltado para antropologia, mas não é um negócio viável e eu nunca conseguiria sair da cidade. Isso é o que eu quero mesmo, morar longe, morar afastado, é isso que eu vou fazer, agronomia e trabalhar com meu avô. P: Porque você não gosta de cidade? T: Não gosto do ambiente, sempre gostei de campo, de natureza, não me dou muito bem com as pessoas também, então eu gosto de ser mais afastado. Eu gostaria de ir mais, mas é longe, é no Mato Grosso, mas todas férias eu vou. P: O que seus pais acham dos seus planos? T: Minha mãe, qualquer coisa que eu fizer ela vai gostar, porque eu nunca criei muita expectativa neles, eu não sou muito trabalhador, estudioso, sou uma pessoa que gosto de ficar no meu canto quieto, não que eu só goste de curtir sem responsabilidade, mas eu não quero muita coisa, então qualquer coisa que eu fizer minha mãe vai gostar. Como também é negócio da família, ela até gosta da idéia. P: E seu pai, o que acha? T: Meu pai o que eu fizer está bom. P: e sua irmã, já tem idéia do que quer fazer? T: Ela não faz idéia, já pensou em veterinária, medicina, em milhares de coisas, mas não se decidiu por nada ainda. P: E faculdade, você já pensou em qual gostaria de fazer? T: Meu objetivo com a faculdade é morar longe de casa, por experiência, porque eu acho que você cresce morando longe de casa, saindo cedo, e agronomia só tem no interior mesmo. Eu estou pensando em USP, UNESP, e tem uma que é em Goiás, e eu vou ver mais alguma federal também. A única que eu vou prestar particula r é essa em Goiás, e o único motivo é que meu avô gosta muito desta faculdade então ele aceitaria me bancar essa faculdade lá. P: E como está este ano para você? T: Bem puxado, mas eu acho que isso não é bom, porque eu não gosto de estudar, mas eu sou uma pessoa que gosta de ter conhecimento e aprender, mas eu acho que o modo com que o ensino é passado para a gente, principalmente no colegial, desgasta muito e acaba fazendo a gente perder o interesse por ter conhecimento, Com 17, 18 anos você não está pensando (pequena pausa) eu sou uma pessoa que gosta de ler, quero aprender, mas do jeito que a escola convencional passa, acaba criando um negócio chato, por isso eu não estudo, não aprendo nada que eles passam aqui. Tem muita coisa que eu gosto, se for um tio meu falando, eu vou querer ouvir e vou querer aprender, mas o modo que é passado, essa pressão faz eu não querer, então não serve para nada. P: E sobre o mercado de trabalho, o que você tem ouvido falar? T: O que chega de mercado de trabalho para mim é que é um negócio concorrido e que você não tem que fazer só o que você quer, tem que ver quais são as possibilidades do mercado de trabalho, só que eu acho que o problema disso é que você não vai ser um bom profissional fazendo aquilo que você não gosta, eu acho que você só vai se dar bem mesmo fazendo aquilo que você gosta. Então eu acho que o mercado de trabalho leva a pessoa por um caminho que ela não quer, às vezes, aí acaba virando um profissional insatisfeito e que não consegue nada

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na vida. Eu falava de fazer filosofia, antropologia, mas ai as pessoas falavam que eu ia morrer de fome, não ia ter onde trabalhar, ou então fazer música. Mas, por exemplo, se eu for advogado e não for o que eu realmente goste vai acabar dando na mesma, eu não vou ser dedicado. P: E sobre o mercado para agronomia, você tem ouvido falar alguma coisa? T: Eu sei que está bem concorrido agora, tem muita agricultura então está ficando muito concorrido, tanto que se não tivesse o negócio da minha família eu acho que eu nem fariam porque é difícil começar do zero e eu acho que eu não teria a dedicação suficiente. Eu conheço alguns agrônomos no interior e eles falam que é bem difícil, que você tem que lutar muito, pega uns carros velho, dorme no meio da estrada, ganha mal, porque tem muito profissional para pouca gente interessada no que ele pode oferece. Então é bem concorrido o mercado de trabalho nessa área. P: E aqui no colégio, o que o pessoal acha de você querer fazer agronomia? T: Ah, eles acham legal, não é uma coisa eu é muito escolhida, o pessoa acha meio estranho de eu querer morar no campo em lugar sem luz, sem nada, mas acho que isso é de cada um. P: E você credita que existam fatores que facilitem este processo de entrar em uma faculdade e ir para o mercado de trabalho? T: Acho que negócio é estudar agora e tentar entrar em uma boa faculdade, porque hoje a pessoa só vê a sua ficha se tiver uma boa faculdade, e você só entra em uma boa faculdade se estiver pegando firme nos estudos. É isso, não tem muito o que fazer. P: E a sua vida agora no terceiro colegial, mudou muito, como está? T: É, mudou um pouco, como eu estudava em outra escola desde a segunda série, eu tinha meus amigos de lá, agora vim para cá, as pessoas são diferentes, são mais aplicadas, estão pensando mais no futuro, e meus amigos de lá são mais igual a mim, levam com a barriga. Mas minha vida não mudou muito não, eu toco violão, guitarra, música eu gosto bastante. Eu gosto de cuidar de planta e animal também, eu tenho uns bichos em casa, camundongo, cachorro, gato, e eu acho que se eu estudasse em uma escola mais agradável eu podia usar o conhecimento neste tipo de coisa. Adoro física, biologia, mas eu não consigo pegar o que eles dão na escola e passar para o prático da vida. É isso que eu acho falta, não tem prática. É tudo muito abstrato. Acho que este é o problema, fica chato. P: Você acha que ficou faltando mais alguma coisa para gente comentar? T: Então, eu acho que o que mais pega para o pessoal do terceiro colegial é a pressão, pressão em casa, pressão do mercado de trabalho, ta todo muito preocupado porque família, amigos, vão falando que tem que ter uma boa faculdade, boa especialização. Então você começa a pensar que você precisa ser o melhor possível, e eu acho que é assim que a pressão do mercado de trabalho atua na gente. P: Então obrigada.

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Entrevistado J. do sexo masculino tem dezessete anos, nunca trabalhou. Sua mãe tem grau superior e é psicóloga. Seu pai tem ensino superior e é engenheiro. É filho único. Transcrição da entrevista. Pesquisadora: O que você está pensando em fazer depois que terminar o terceiro colegial? J: Eu estou em dúvida. Não sei ainda se medicina veterinária ou história. Só que tem coisas que me deixam distante de uma e perto da outra, é muito confuso. As vezes, aparece um curso num dia , outro no outro, é algo inconstante. P: E porque você pensa nessas duas profissões?” J: Medicina veterinária porque eu gosto, eu sempre gostei, tenho parentes veterinários, e história eu também tenho, e me interesso porque é o que eu gosto, basicamente. P: Você já teve contato com animais no campo?” J: Já, é legal, e história me atrai demais. P: Você vai bem no colégio? J: Até que vou, mais em humanas e biológicas. P: E faculdade, você já pensou qual gostaria de fazer? J: Eu queria USP, UNESP ou UNICAMP. P: O que seus pais acham dessas opções que você vem pensando? J: Minha mãe fala para eu escolher o que eu me sinto bem, mesmo porque quem vai fazer sou eu, se eu me sentir bem no emprego para ela está bom, então ela não interfere muito. Meu pai não fala nada, tranqüilo, pressão nenhuma dos dois lados. P: Porque você acha está difícil para você chegar a uma decisão? J: Sabe, eu até já conversei com um psicólogo, eu penso em alguns pontos, que são até meio estranhos. Por exemplo, cidade que eu quero morar. Eu quero morar aqui em São Paulo. Daí de repente eu vou fazer UNESP e morar em Jaboticabal, não é o que eu quero, que quero morar aqui. Esse é um ponto. Daí tem o ponto da dificuldade de eu entrar no curso, que pega muito, tem que estudar, rachar, as vezes eu penso, será que eu vou conseguir, quantos anos vou ficar estudando para passar. É isso que me deixa indeciso, e o próprio curso. Tem curso que é muito legal, me atrai muito, mas de repente não é o que eu quero. Tenho medo de entrar e no primeiro ano ver que não é isso que eu quero. P: O que você acha que é mais importante que uma profissão te traga? J: Felicidade. Eu acho que quem é feliz no trabalho, depois consegue tudo mais fácil. Se você se empenha naquilo que você gosta, o pessoal vai ver que você está trabalhando bem e vai te dar a remuneração merecida, vai tudo vindo. E acho que se você fizer uma coisa que dá muito dinheiro mas você não gostar, não vai, vai chegar a um ponto que não dá mais. Sabe aquele negócio de pensar: ”Nossa, hoje eu tenho que trabalhar”, não é isso que eu quero. Eu quero falar “Nossa, hoje eu tenho que trabalhar, beleza. -Então você considera o prazer importante? -Bastante, eu já priorizei o retorno financeiro, mas hoje acho que eu tenho que fazer o que gosto e depois pensar nisso. Acho que a primeira barreira que eu tenho que enfrentar é o vestibular. Daí, depois que eu fizer faculdade é que eu vou enfrentar o mercado de trabalho, não é para mim agora. Mesmo porque as coisas mudam até lá, em 5 anos de faculdade você não sabe como o mercado vai estar. Até porque já está tudo saturado, tem um monte de médico, dentista, tem um monte de tudo. P: Você chegou nesta conclusão sozinho ou teve algum auxílio? J: Tive algum auxílio, mas a conclusão de que não é hora de pensar nisso agora, eu cheguei sozinho. Teve bastante gente que me deu força, que me iludiu, me desiludiu. É complicado, tem pessoas que ajudam bastante, e tem pessoas que atrapalham muito mais. Tem pessoas que

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falam: “Faz isso que você quer”, e tem outras que falam “Nossa, você está louco rapaz, você vai morrer de fome”. P: Você já conversou com esse seu parente veterinário? J: Já, fiquei mais encantado ainda. Às vezes penso se o cara me iludiu, mas eu gostei demais! Ele contou várias histórias do que ele já fez. P: E com algum historiador? J: Também gostei bastante. Eu tento me espelhar neles. Eu penso, legal se for assim comigo, não sei se vai ser, mas é o que eu queria. P: Então o que você acha que falta para decidir? J: Saber melhor o que eu gosto, ver também se não tem outros cursos, conhecer mais. Tem muitas pessoas, amigas principalmente, que falam que eu tenho que fazer algo relacionado ao teatro, comunicação, porque eu sou bastante espontâneo, que eu não tenho vergonha. Já vieram umas 10 pessoas falar, ai eu penso, será que é isso mesmo, eu não sei. P: E você já vem pensando nessas profissões há algum tempo? J: Desde o segundo colegial. Quando eu era criança eu queria ir para a aeronáutica, daí eu vi a verdade sobre ela e esqueci, muito concorrido, não é tudo isso, se sofre muito, então eu vi que não era para mim. Eu sempre gostei de animal, quando o meu primo entrou na faculdade eu pensei: “nossa, acho que é isso que eu quero ser”. P: E o que você pensa sobre o mercado de trabalho? J: Eu acho que a cada dia se torna mais improvável, cada vez mais saturado, é o que meus pais falaram: “se com estudo está difícil, sem, pior ainda”. O negócio é não parar de estudar nunca, faz mestrado, doutorado, não parar de estudar nunca, vai atrás e boa. P: Daqui a uns 10 anos, você já formado, como você se imagina? J: Me imagino já mais estável financeiramente, até com apartamento, com independência total, 100%, sem depender de mãe, pai, morando sozinho, ou com amigo. Fazer o que gosto, ver que aquilo valeu a pena.

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Entrevis tado . R. do sexo masculino tem dezessete anos, nunca trabalhou. Sua mãe tem grau superior e é médica, e seu pai tem ensino superior e é médico. Está fazendo cursinho pré-vestibular. É o primeiro de três filhos. Transcrição da entrevista. Pesquisadora: Você já tem alguma idéia do que quer fazer terminando o terceiro colegial? R: Alguma idéia, ou medicina, ou alguma engenharia. Eu pensei em fazer arquitetura, mas fiz algumas aulas de linguagem arquitetônica para ver como era e não gostei. P: Estou vendo que você tem irmãos mais novos, algum deles já pensa em profissão? R: Não. P: Então você é o primeiro da casa a passar por isso. R: Isso. P: Você faz cursinho junto com o colégio? R: De tarde. P: É pesado? R: Bastante. P: Então esse ano você está bem ocupado? R: É, assim eu já mato esse ano, já entro no fim do ano para começar a faculdade no começo do outro ano. Por isso que estou fazendo cursinho o ano inteiro. P: Bom, quando você pensa em medicina, o que você pensa e porque? R: Porque eu não queria trabalhar em um esquema empresa, onde você tem várias pessoas acima de você e que a qualquer momento você pode ser demitido. A medicina seria uma coisa minha, um trabalho mais autônomo. E engenharia, porque eu sempre gostei dessas coisas de eletrônica, mecânica, isso é algo que me interessa também. Mas a medicina não é só por causa da coisa de ser autônomo, minha mãe e meu pai são médicos e eu gosto. Minha mãe trabalha num hospital e meu pai tem consultório. Eu vejo minha mãe e esse não é um esquema que eu faria. Não é um esquema tão bom quanto do meu pai. P: Qual é a especialidade deles? R: Minha mãe trabalhava em laboratório e mudou para radiologia. Meu pai é homeopata. P: E no colégio, quais matérias você se interessa, o que você gosta, não gosta? R: Até esse ano o que eu fui melhor foi português, mas eu nem gosto muito de português, vou bem porque acho fácil. Matemática, quando vai fazer alguma coisa concreta eu gosto, mas quando é só número eu não tenho vontade de fazer o exercício. História, mais ou menos, não acho muito interessante. Geografia não detesto. Biologia eu gosto de alguns assuntos, outros não. P: Então você gosta mais de biológicas e exatas? R: Sim. P: que faculdade você pensa em fazer? R: Penso em fazer USP, eu também pensei em fazer ITA, desisti não por ser difícil, mas porque eu teria que me mudar para São José e também porque a relação entre homem e mulher é ridícula, tem 40 homens para 1 mulher, por isso eu desisti. Se fosse algo que eu quisesse muito eu faria, mas como era só uma possibilidade eu já cortei. P: O que você procura em uma profissão, o que gostaria de obter? R: Como é uma coisa que eu vou fazer até uns 50 anos, tem que ser algo que tenha um retorno financeiro razoável e também que eu vá trabalhar todo dia e não seja uma coisa chata, senão não dá para agüentar. O que eu queria fazer mesmo é música, só que não dá para viver. Então eu vou fazer uma outra faculdade e música no período da noite. P: Você toca algum instrumento?

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R: Guitarra. Então, eu queria fazer música, mas meus pais falaram, e eu concordo, que não tem como, que viver disso no Brasil é muito difícil. Então eles falaram que eu precisava fazer uma profissão mais tradicional que tenha uma certa segurança quanto ao retorno, e música como lazer. Mas eu gostaria de fazer faculdade de música, porque eu acho que a parte teórica é bastante importante e eu não tenho ainda. Eu fazia aulas mas esse ano tive que parar. Eu fiz aulas por dois anos. P: Quando você tiver tempo você pensa em retomar? R: Sim, ano que vem eu quero fazer um preparatório que existe para a faculdade para prestar no final do ano, mas não aqui na USP. P: Bom, você vai precisar de bastante dedicação para levar duas faculdades, escolhendo medicina ou engenharia. P: E o que você acha que dificulta escolher uma das duas? R: Bom, tirando medicina, não tem como saber como vai ser a profissão, na verdade como é. Também eu não sei se quando eu for fazer eu vou gostar. É que eu não sei o que vou fazer dentro de cada profissão. P: Você tem algum parente engenheiro? R: Tenho dois tios que fizeram engenharia. Um trabalha com vendas na Globo, e o outro trabalha com vendas na Gessy Lever, então nenhum dos dois exerce a profissão. P: Então você pensa em engenharia mais para atuar como engenheiro? R: Isso, mas não engenharia ligada à construção, eu gosto de algo mais ligado a carros. Elétrica eu gosto também. Eu tenho um amigo eu o pai dele é engenheiro civil, mas isso não é uma coisa que eu faria. Falando nesses dois tios meus, eles trabalham num esquema empresa. Eles falaram que se soubessem não escolheriam isso porque é muita pressão, é muito difícil trabalhar em empresa. P: E os seus pais, o que pensam dessas suas opções? R: Eles aprovam tanto a engenharia quanto a medicina, acham que eu vou me sair bem. Só a música, que eles já cortaram desde o começo. Qualquer outra coisa que eu escolha e seja viável eles apóiam. P: E o que você acha do mercado de trabalho, como está hoje em dia? R: Em qualquer profissão deve ter muita gente, mas não acho que tenha muita gente boa, acho que tem poucas pessoas muito boas em cada área. Medicina para mim seria mais fácil, até pelo meu pai ter consultório, eu poderia trabalhar com ele. Engenharia eu sei que tem muita gente e não saberia falar sobre o mercado de trabalho. Música eu sei que tem muita gente boa. P: Como você se imagina no mercado de trabalho daqui uns 10 anos, depois de formado, já trabalhando? R: Me imagino trabalhando o dia inteiro, talvez com família, pelo menos casado e trabalhando. Eu gostaria de já ter terminado a faculdade de música também. Estaria trabalhando durante a semana e no fim de semana trabalhando e me apresentando. A maioria dos músicos trabalha e no fim de semana toca. É isso que eu gostaria de fazer.

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