a a fair - 1935 o caso da noiva curiosa

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TTULO: O caso da noiva curiosa AUTOR: GARDNER, Erle Stanley TTULO DA EDIO ORIGINAL: THE CASE OF THE CURIOUS BRIDE LOCAL DA PUBLICAO: Lisboa EDITORA: Livros do Brasil Data da publicao: 1984 GNERO: romance policial CLASSIFICAO: Estados Unidos Sculo XX - Fico COLECO: Vampiro Gigante Obras Escolhidas de Erle Stanley Gardner n. 14 * DIGITALIZADO E CORRIGIDO POR: Aventino de Jesus Teixeira Gonalves Maio de 2005 *** * Os volumes desta coleco so constitudos por dois ttulos, sendo este o primeiro. O segundo : A pista do crime esquecido. Nota do digitalizador *** Badana da capa: O CASO DA NOIVA CURIOSA A PISTA DO CRIME ESQUECIDO por E. S. GARDNER Obras Escolhidas de Erle Stanley Gardner constituem uma compilao metdica e cuidada dos romances de fico policiaria do notvel jurisconsulto e crimino logista norte-americano. Cada volume inclui sempre duas obras de investigao criminal. Em O Caso da Noiva Curiosa, o famoso advogado-criminologista Perry Mason procura inocentar, num lance de magia forense, uma jovem acusada de homicdio, ao identificar o som de um estranho toque de campainha. Em A Pista do Crime Esquecido o jornalista Charles Morgan, improvisando-se em detective, investiga um caso-crime que envolve um proeminente financeiro, num escndalo de alcoolismo e libertinagem diabolicamente forjado. A presente srie Obras Escolhidas de Erle Stanley Gardner, includa na Coleco Vampiro-Gigante, reunir os mais famosos ttulos criados pelo Autor, e tem por objectivo oferecer ao pblico portugus todo o

empolgante encanto da literatura clssica de mistrio e aco.

Obras de Erle Stanley Gardner 1 - VAMP. G. GARDNER 14

Erle Stanley Gardner O CASO DA NOIVA CURIOSA edio LIVROS DO BRASIL Lisboa

Traduo de MARCELLO DE ANDRADE e BAPTISTA DE CARVALHO * Capa de A. PEDRO Ttulo da edio original THE CASE OF THE CURIOUS BRIDE Copyright () 1935, by Erle Stanley Gardner * Reservados todos os direitos pela legislao em vigor Lisboa -1984

CAPTULO I A mulher estava nervosa. Durante alguns momentos, os seus olhos sustentaram o olhar do advogado; depois, desviaram-se desdenhosamente para as estantes de livros enfileirados contra a parede, como os olhos de um animal que contemplasse os barrotes de uma jaula. - Sente-se - disse Perry Mason. Ele estudou-a com a liberdade de exame que desenvolvera durante anos de explorao dos mais escusos recessos da mente humana - no somente da das testemunhas como tambm da dos seus clientes. - Venho falar-lhe - disse ela - em nome de uma amiga. - Sim? - disse Perry Mason com voz inexpressiva. - O marido da minha amiga desapareceu - disse ela. - Creio que existe a expresso morte legal para qualificar semelhantes casos, no verdade? Perry Mason no respondeu directamente pergunta. - O seu nome - perguntou - Helen Crocker? - Sim. - Que idade tem? - perguntou-lhe abruptamente. Ela hesitou por um instante. - Vinte e sete - respondeu. - A minha secretria achou-a com aspecto de recm-casada - murmurou o advogado. Ela remexeu-se, constrangida, na enorme poltrona de couro. - Por favor - disse ela - no se trata de mim. Afinal o meu nome ou a minha idade no vm ao caso. Estou a falar-lhe em nome de uma amiga. O senhor no precisa saber quem eu sou. Sou simplesmente uma 5

intermediria. Os seus honorrios ser-lhe-o pagos vista. - A minha secretria - insistiu Perry Mason - no costuma enganar-se. Ela cr, positivamente, que a senhora recm-casada. - O que poderia lhe ter dado essa impresso? - Qualquer coisa no modo como a senhora brincava com a sua aliana, como se fosse uma coisa nova para si. Ela falou com fogosa ansiedade, como quem est recitando um discurso aprendido de cor. - O marido da minha amiga ia num aeroplano. Foi j h muitos anos. No me posso lembrar exactamente onde foi, mas creio que foi sobre um lago. O tempo estava brumoso. Aparentemente, o piloto estava tentando pousar sobre a gua, mas chocou contra ela antes de perceber o que se passava. Um pescador ouviu o avio, mas no pde v-lo. Disse que, pelo rudo, lhe parecia que estivesse a poucos ps da superfcie. - A senhora tem noivo? - perguntou Perry Mason. - No! - disse ela com sbita indignao. - Tem a certeza - perguntou Perry Mason - de que o avio naufragou? - Sim; foram encontrados destroos. Creio que era o que chamam um hidroavio. No entendo muito de aeroplanos. Encontraram o corpo de um dos passageiros. Nunca puderam encontrar o corpo do piloto, nem dos outros trs passageiros. - H quanto tempo est casada? - perguntou o advogado. - Por favor - disse ela - deixe-me em paz. Eu j lhe expliquei, Sr. Mason, que estou procurando obter informaes para uma amiga. - Concluo de tudo isso - disse Mason - que deve haver algum seguro de vida, e que a companhia seguradora se recusa a pagar, enquanto o cadver no for encontrado, no assim? - Sim. - E quer que eu cobre o seguro? - Em parte isso. - Qual a outra parte? - Ela deseja saber se tem o direito de se casar. - H quanto tempo desapareceu o marido? 6

- Cerca de sete anos, creio eu, talvez mais. - Durante esse tempo ningum teve notcias do marido? - perguntou Mason. - No, certamente que no. Ele morreu. Mas, acerca do divrcio... - Que divrcio? - indagou o advogado. Ela riu nervosamente. - Estou com medo de ter posto o carro diante dos bois - disse ela. - Essa mulher quer tornar a casar-se. Algum lhe disse que, enquanto no descobrisse o corpo do marido, poderia recorrer ao divrcio. Isso parece loucura. Que o marido dela morreu, no h dvida. um absurdo divorciar-se uma mulher de um homem morto. Diga-me: pode ela casar-se novamente, sem se divorciar? - H mais de sete anos que ele desapareceu? Sim. - Tem a certeza disso? - Sim. H mais de sete anos agora... mas no havia quando... A sua voz foi esmorecendo, lentamente. - Quando, o qu? - perguntou Mason. - Quando ela encontrou pela primeira vez o homem com quem vive - concluiu Helen Crocker, gaguejando. Perry Mason estudou-a numa calma apreciao crtica, parecendo no ter conscincia de que estava a encar-la de modo inconveniente. Helen Crocker no era bonita. Tinha a tez macilenta. A boca era um pouco exagerada e os lbios grossos. Mas era bem feita de corpo e os seus olhos eram luminosos. Considerada no todo, no desagradava vista. Ela suportou o exame calmamente, com um claro provocante no olhar. - H mais alguma coisa que a sua amiga queira saber? - perguntou Perry Mason. - Sim. Isto , ela tem curiosidade e nada mais apenas curiosidade... - Curiosidade de saber o qu? - perguntou Mason. - Curiosidade de saber o que os senhores advogados chamam corpus delicti. Perry Mason endireitou-se na cadeira, prestando a mxima ateno. Os seus olhos luziram friamente e com firmeza, quando perguntou: - Que deseja ela saber a esse respeito? 7

- Ela gostaria de saber se verdade que, seja quais forem as provas que se tenham contra uma pessoa, no a podero acusar de assassnio enquanto no descobrirem o cadver. assim? - E quer saber isso - disse Perry Mason - somente para satisfazer a sua curiosidade, no ? - Sim. - De modo que a sua amiga - desfechou-lhe Perry Mason com firmeza e implacvel insistncia - se v obrigada a apresentar o corpo de seu falecido esposo para cobrar o seguro e ter o direito de tornar a casar-se, e ao mesmo tempo tem de esconder o corpo para evitar uma acusao de homicdio. Acertei? Helen Crocker deu um salto na cadeira, como se tivesse recebido um choque elctrico. - No - disse ela. - No. No isso. Esta ltima parte somente curiosidade. Uma expresso de desdm bailava nos olhos de Perry Mason. A sua atitude era a de um co de guarda que tivesse condescendido a divertir-se durante alguns minutos com as travessuras de um cozinho, e que, tendo-se cansado daquele brinquedo desinteressante, se retira para um recanto sombrio, com o ar de quem despede irrevogavelmente o outro. Empurrou para trs a sua poltrona giratria, ps-se de p, e fitou a rapariga com um sorriso paciente. - Muito bem - disse ele - diga sua amiga que se quiser uma resposta para as suas perguntas dever marcar uma entrevista comigo por meio da minha secretria. Terei muito prazer em discutir o assunto com ela. Nas feies de Helen Crocker pintou-se a consternao. - Mas - disse freneticamente eu sou amiga dela. Mandou-me aqui para que eu me informasse. Ela no pde vir, ela mesma. O senhor deve dar-me os esclarecimentos para que eu lhos transmita. Os olhos de Perry Mason conservavam a mesma expresso sorridente. Havia na sua atitude um misto de desdm e de divertimento. - No - - disse ele - isso um meio muito pobre para fazer chegar aos ouvidos de um cliente conhecimentos jurdicos. Diga-lhe que venha c falar comigo - eu a receberei. 8

Helen Crocker ia comear a dizer alguma coisa, mas conteve-se com uma inspirao forada. O advogado atravessou o gabinete e abriu a porta que dava para o corredor. - Pode sair por aqui - disse ele. O seu rosto conservava a expresso do jogador de pquer, que est obrigando o parceiro a mostrar o seu bluff. Essa expresso, porm, sofreu, sbita mudana, ao ver Helen Crocker erguer o queixo, apertar os lbios e dizer: Muito bem, passar por diante dele atravs da porta aberta e sair para o corredor. Perry Mason conservou-se de p espera que ela se voltasse, mas Helen Crocker nem sequer olhou para trs. Ouvia-se o bater dos taces dos seus sapatos pelo corredor, em passos rpidos e nervosos. Um elevador que vinha descendo, atendeu sua chamada quase ao mesmo tempo em que o polegar da rapariga premia o boto. A porta do ascensor abriu-se e tornou a fechar-se depois da jovem haver entrado. CAPTULO II Della Street, a secretria de Perry Mason, olhou-o interrogativamente, quando este abriu a porta do seu gabinete particular. Automaticamente, a jovem pegou num lpis e num livro de apontamentos, no qual anotava o nome e endereo das pessoas que tinham negcios com o escritrio, o tempo despendido com elas, e os honorrios recebidos. Os seus olhos dominavam o rosto. Eram claros, firmes e audazes - olhos de quem v longe e profundamente. O advogado enfrentou o calmo exame daqueles olhos e explicou: - Dei-lhe uma oportunidade para ser franca, mas no quis. - Qual foi a dificuldade? - Quis impingir-me a velha histria de uma amiga misteriosa que desejava certas informaes. Fez-me vrias perguntas. Se eu lhe tivesse respondido, procuraria aplicar o conselho que eu lhe desse situao que a aterroriza. Os resultados teriam sido desastrosos. 9

- Ela estava assustada? - Sim. Havia entre Della Street e Perry Mason esse vnculo especial que se desenvolve entre pessoas de sexo diferente que conviveram juntos durante anos, labutando num trabalho ordenado cujo xito s pode ser obtido por uma perfeita coordenao de esforos. Todas as relaes entre eles esto subordinadas ao objectivo de terminar as tarefas empreendidas, o que exige uma mais perfeita camaradagem do que a que se busca conscientemente. - Que houve? - perguntou Della Street, com o lpis pousado sobre o livro. - Houve que eu me furtei ao brinquedo - disse Mason - e lhe disse que era melhor que a sua amiga combinasse uma entrevista comigo. Pensei que ela abrandasse e me contasse a histria. o que costuma acontecer, mas com esta no foi assim. Retirou-se do gabinete sem sequer olhar para trs ao dirigir-se para o elevador. Logrou-me. O lpis de Della Street fazia rabiscos sem significao no canto superior da pgina. - Confessou-lhe ter-se casado recentemente? - No. Nem sequer quis admitir isso. Della Street fez um gesto com a cabea que significava uma afirmao peremptria. - uma recm-casada; nem se discute. Mason descansou a perna direita sobre o canto da mesa, tirou uma cigarreira do bolso, puxou um cigarro e disse, quase como se pensasse em voz alta: - Eu no devia ter feito aquilo. - O qu? - perguntou Della Street. - O que fiz - murmurou ele. - Que direito tenho eu de me armar em sabido e querer que os clientes venham confessar-se a algum que lhes completamente estranho? As pessoas que aqui vm fazem-no por se verem metidas em dificuldades. Vm aborrecidas e assustadas. Procuram-me para me consultar. Para elas, sou uma pessoa completamente desconhecida. Precisam de auxlio. Coitados, no podemos censur-los pelo facto de recorrerem a subterfgios. Devia ter-me mostrado acolhedor e arrancar-lhe confidncias, conquistar-lhe a confiana, descobrir-lhe o segredo e alivi-la do peso das - 10

suas preocupaes. Em vez disso mostrei-me impaciente para com ela. Quis forar a nota, e agora perdi-a. Feri o seu amor prprio. Percebeu que eu tinha penetrado a trama das suas mentiras. Sabia que, intimamente, eu estava a troar dela e tinha demasiado orgulho, demasiado carcter, demasiada estima por si mesma, para ser franca depois daquilo. Veio pedir-me auxlio porque necessitava de auxlio. Ao negar-lhe o que ela buscava, tra a minha profisso. No procedi bem. Della Street estendeu a mo para a cigarreira. - D-me um cigarro - pediu ela. Distraidamente, o advogado entregou-lhe o estojo. A camaradagem entre eles era tal que no se tornava necessrio que Perry Mason se desculpasse por se ter servido a si mesmo sem primeiramente lhe ter oferecido. Por outro lado, a secretria no precisava de pedir licena para fumar durante as horas de trabalho. Num escritrio de advocacia, regido por maiores formalidades, onde os resultados fossem condicionados pelos mtodos, uma secretria teria de aparentar respeito ao seu chefe, mas o que deveria ser respeito no de facto mais do que uma delgada e falsificada capa, encobrindo ntimas zombarias e uma completa ausncia de considerao. Mas Perry Mason era um advogado que se especializara em leis processuais, principalmente em criminologia. O seu credo eram os resultados bons. Os clientes procuravam-no, porque ele os obtinha. No se repetiam os casos para cada cliente. De um modo geral, um homem s preso por assassnio uma vez na vida. Mason sabia que o seu trabalho lhe seria proporcionado por novos clientes, muito mais do que por aqueles para os quais anteriormente tivesse conseguido uma absolvio. Em consequncia disto, dirigia o seu escritrio sem consideraes por aparncias ou convenes. Era para ele um prazer quando as coisas se adaptavam a esse seu modo de ser. Tinha bastante talento para desprezar as convenes. Advogado e secretria acenderam os cigarros, como para uma aposta entre os dois. - Ela procurar outro advogado - disse Della Street, para o tranquilizar. Perry Mason meneou a cabea numa lenta negativa. - No - disse. - Ela perdeu a confiana em si 11

mesma. Tinha ensaiado aquela histria acerca da amiga. Sabe Deus quantas vezes! Provavelmente no deve ter dormido muito, ontem noite. Deve ter repetido a entrevista mentalmente cem vezes pelo menos. Planeou a forma de me abordar. Ia a entrar no assunto como por casualidade. Seria um pouco vaga quanto a nomes, datas e lugares, por ter sido a amiga tambm imprecisa para com ela nesse pormenor. Deitada, sem dormir, durante a ltima noite, sondando a escurido com os olhos, virou e revirou o assunto no seu esprito debilitado pelas preocupaes, at que o plano lhe pareceu perfeito. Julgou poder obter os esclarecimentos que queria, sem descobrir o seu jogo. E quando viu com que facilidade e despreocupao eu rasguei o vu com que encobria a sua patranha, perdeu a confiana em si mesma. Pobre pequena! Procurou-me em busca de auxlio e eu no a auxiliei. - Vou cobrar-lhe como honorrios exactamente a importncia que depositou - disse Della Street, tomando nota no seu bloco. - Depositou? - repetiu Mason, perturbado. - Mas se no h depsito, nem to-pouco honorrios... O olhar de Della Street revelou aflio. Meneou a cabea gravemente e explicou: - Sinto muito, chefe, mas a jovem fez um depsito. Perguntei-lhe como se chamava, pedi-lhe o endereo e inquiri da natureza do seu assunto. Disse-me que vinha fazer uma consulta, e eu avisei-a de que nesse caso deveria fazer um depsito. Ela ficou irritada, abriu a bolsa da qual tirou cinquenta dlares e disse-me que os guardasse como garantia. Na voz de Mason havia uma autocensura, quando murmurou lentamente: - Pobre pequena! E eu que a deixei ir-se embora! A mo carinhosa de Della Street pousou sobre a dele. Os seus dedos - dedos que haviam endurecido de tanto bater nas teclas das mquinas de escrever - comprimindo suavemente os dele, transmitiram-lhe uma mensagem silenciosa de compreenso. Sobre o vidro fosco do painel da porta exterior desenhou-se uma sombra. Ouviu-se um estalido na maaneta da porta. Podia ter sido um cliente com uma causa importante, 12

e, mais do que livros e livros o fariam, o facto de Mason no fazer o menor esforo para mudar de posio, dizia do modo pelo qual ele dirigia o seu escritrio e vivia a sua vida. Della Street retirou precipitadamente a mo, mas Perry Mason permaneceu com o quadril apoiado no canto da mesa, fumando o cigarro e fitando a porta com olhos resolutos e pouco cordiais. Esta abriu-se e Paul Drake, chefe da Agncia de Detectives, entrou. Drake olhou-os com os seus olhos salientes e vtreos, nos quais bailava uma perptua expresso de humor galhofeiro, verdadeira mscara que encobria uma inteligncia aguada, com a qual triunfava na vida. - Ol - disse ele - j h trabalho para mim? Perry Mason fez uma cara triste. - Santo Deus, como voc guloso! Eu mantive toda a sua agncia a trabalhar nestes ltimos meses, e agora ainda quer mais! O detective entrou na sala e fechou a porta atrs de si. - H seis ou sete minutos saiu do seu escritrio uma pequena com um vestido castanho, de olhos pretos faiscantes, no verdade? - perguntou. Perry Mason desceu da mesa e virou-se para o detective, com os ps afastados e os ombros empertigados. - Vamos, desembuche - disse ele. - No saiu? - Saiu, sim. O detective inclinou a cabea. - Isto sim; servio com S grande - disse ele. a vantagem de manter relaes amistosas com uma agncia de detectives instalada no mesmo edifcio... - Basta de discursos! Vamos ao que interessa ordenou Mason. Paul Drake falou com voz spera e sem expresso. Dir-se-ia um locutor de rdio, algaraviando as cotaes da bolsa de valores, totalmente insensvel a que as suas palavras anunciassem a independncia financeira ou acarretassem desastres econmicos aos seus ouvintes. - Ia a sair do meu escritrio, no andar abaixo deste - disse ele - quando ouvi passos de homens descendo a escada deste andar. Veio a correr at chegar ao meu, e uma vez ali, esqueceu-se de que estava com pressa. 13

Dirigiu-se lentamente para o elevador, acendeu um cigarro e cravou os olhos no indicador. Quando este lhe mostrou que o ascensor parara no seu andar, premiu o boto de chamada. Naturalmente, o elevador deteve-se para ele entrar. Trazia apenas um passageiro - uma mulher de uns vinte e seis a vinte e sete anos, trajando um vestido castanho. Tinha uma aparncia elegante, lbios carnudos e olhos negros e brilhantes. Estava nervosa e tinha as narinas um pouco dilatadas, como se tivesse corrido. Parecia assustada. - Voc devia estar de binculo ou com um aparelho de raios X! - interrompeu Mason. - Oh! No vi tudo isso do primeiro andar - respondeu-lhe o detective. - Ouvi o tal tipo precipitar-se pela escada abaixo e depois vi-o caminhar pausadamente quando chegou ao corredor, e pareceu-me acertado descer no mesmo elevador com ele. Tive um palpite de que ia assim arranjar trabalho para mim. O olhar de Mason tornou-se duro. Expelia o fumo pelo nariz. - Adiante - disse ele. - A meu ver - disse o detective arrastando as palavras - esse tipo um espia. Seguiu a rapariga at ao seu escritrio, e estava no corredor espera que ela sasse. Provavelmente estaria instalado no topo da escada, para no ser visto. Quando ouviu abrir-se a porta do seu escritrio, e a rapariga saiu, deu uma olhadela para se certificar de que era ela a pessoa por quem esperava. Ento desceu a escada a correr e foi vagarosamente para o elevador, de modo a descer ao mesmo tempo que ela. Mason fez um gesto de impacincia. - No precisa desenhar-me diagramas. D-me a smula. - Eu no tinha a certeza de que ela tivesse sado do seu escritrio, Mason - continuou o detective. - Se o tivesse sabido, ter-me-ia preocupado mais com o caso. Pelo aspecto que as coisas estavam a tomar, achei que devia ver de que se tratava. Assim, quando eles chegaram rua segui-os por alguns passos. No havia dvidas de que o tipo estava a espi-la. Entretanto, no me pareceu que fosse uma sombra profissional. Em primeiro lugar, porque ele tambm estava nervoso. Como voc 14

deve saber, um bom espia treina-se a si mesmo para nunca se mostrar surpreendido. Acontea o que acontecer, ele nunca se enerva nem procura esconder-se. Quando chegaram a cerca de cinquenta metros deste edifcio, a mulher voltou-se de repente. O homem ficou apavorado e escondeu-se num portal. Eu continuei a caminhar na direco dela. - Parece-lhe que ela viu algum de vs? - perguntou Mason, com crescente interesse. - No, ela nem sabia que existamos. Ou se lembrou de alguma coisa que se tinha esquecido de lhe perguntar, ou ento, por qualquer motivo, mudou de ideias. Nem sequer me olhou, quando passei por ela. No viu o homem que estava ao p do portal, tentando esconder-se o que fazia to desastradamente que ficava mais visvel do que se estivessem a apontar para ele com um dedo. - E depois? - inquiriu Mason. - Ela deu uns quinze ou vinte passos, e depois deteve-se. Imagino que agiu sob um impulso, quando voltou atrs. Enquanto vinha para c, parecia discutir consigo mesma. Portava-se como se estivesse com medo de alguma coisa. Queria voltar, mas no se atrevia a faz-lo, ou talvez fosse por orgulho. No sei o que aconteceu, mas... ; - Est tudo muito bem - disse Mason. - Eu sei o que houve; esperava que ela voltasse antes de chegar ao elevador. Mas no o fez. Suponho que no o podia fazer. Drake concordou. - Bem - comentou. - Ela hesitou durante um minuto e depois voltou-se outra vez e seguiu rua abaixo. Tinha os ombros cados. Parecia que tinha perdido o ltimo amigo que lhe restasse no mundo. Passou por mim a segunda vez, sem me ver. Eu tinha parado para acender um cigarro. Ela no viu sequer o homem que se havia colado ao portal; era evidente que no esperava ser seguida. - E ele, o que fez? - perguntou Mason. ; Quando ela se foi embora, abandonou o portal e continuou a segui-la. ! - E voc, o que fez? - No quis que aquilo parecesse uma procisso. Iaaginei que, se ela tinha vindo ao seu escritrio, e estava 15

a ser seguida, voc devia conhec-la, mas o caso que eu no tinha a certeza de que ela tivesse vindo procur-lo; e como tenho que fazer, achei que devia avis-lo e deixar as coisas como estavam. Mason fez um gesto vago. - Voc, naturalmente, reconhecer o homem, se o encontrar outra vez (esse tipo que a seguia), no assim? - Claro que sim. No tem m aparncia - cerca de trinta e dois ou trinta e trs anos, cabelos louros, olhos castanhos, bem vestido. Pelo modo de vestir, creio que um tipo efeminado. Estava com as unhas arranjadas, recentemente polidas. Tinha feito a barba e massagem na barbearia. Evolava-se dele o perfume prprio das barbearias, e tinha p-de-arroz no rosto. Geralmente, quando um homem faz a barba a si mesmo, no pe p-de-arroz. E quando o pe f-lo com as mos. O barbeiro pe com uma toalha e no fricciona. Perry Mason franziu a testa, pensativamente. - De certo modo, uma cliente minha, Paul - disse ele - veio consultar-me mas depois teimou e no o fez. Obrigado pela notcia. Se houver mais alguma coisa comunicar-lhe-ei. O detective encaminhou-se para a porta e deteve-se rindo por cima do ombro. - Peo-lhes a ambos - disse com voz arrastada que se deixem de afagar as mos aqui no escritrio e de afivelar essas mscaras de inocentes, quando a porta se abre. Eu bem podia ter sido um cliente. CAPTULO III Perry Mason contemplou, embaraado, as faces afogueadas de Della Street. - Como pde ele saber - perguntou ela - que eu lhe estava a pegar na mo? Retirei-a antes de a porta se abrir e... - Foi um tiro no escuro, respondeu-lhe Mason, num tom de voz preocupado. - Qualquer coisa na expresso do seu rosto, provavelmente... Della, vou dar uma oportunidade a essa rapariga. Vou ajud-la. Se ns aceita16

tmos uma antecipao de honorrios devemos ir at ao fim. - Mas no podemos fazer isso. O senhor no sabe o que ela queria que fizesse. Perry Mason acenou com a cabea e disse sombriamente: - Pois sim; ela est metida nalguma dificuldade. Quero ver se me ponho em contacto com ela; descobrirei o que h e, ou lhe restituo o seu depsito, ou ento ajud-la-ei. Qual o endereo? Della Street tirou do arquivo uma folha de papel amarelado. - Chama-se Helen Crocker - disse ela. - Mora na East Pelton Avenue nmero 496 e o seu telefone Drenton 68942. Sem esperar comentrios da parte de Mason, apoderou-se do auscultador e marcou um nmero. Ouviu-se o rudo do receptor, e Della Street franziu o sobrolho. - Drenton, seis, oito, nove, quatro dois , disse ela. Ouviu-se outra vez o tilintar da campainha. Houve um momento de silncio, e depois Della Street falou pelo transmissor. - Estou a procurar um telefone registado com o nome de Crocker. No tenho a certeza da inicial do : primeiro nome. O nmero anterior era Drenton seis, oito, nove, quatro dois. Esse nmero foi desligado? Mas figura no guia com o seu nome. Novo rudo no receptor. Della Street disse: - O endereo Pelton Avenue quatro e noventa e seis. Quem est agora no guia com esse nmero? Muito obrigada - provavelmente um engano de nmero. Colocou o auscultador no descanso, desligou e meneou a cabea para Perry Mason. - Drenton seis, oito, nove, quatro, dois - disse ela, o nmero do telefone de um Frecker, e foi desligado h mais de trinta dias. No existe o nmero 496 na East Pelton Avenue. Essa avenida tem somente dois quarteires. O nmero mais alto que l existe 298. Perry Mason abriu com um empurro a porta do seu gabinete particular e olhou por cima do ombro. - De qualquer forma, ela procurar-nos- outra vez. Esqueceu-se do dinheiro que depositou. Quando ela vol2 - VAMP. G. GARDNER 14 17

tar, veja se me consegue uma oportunidade de falar com ela. Atravessou a porta a passos largos, deitou um olhar furioso enorme poltrona de couro, na qual a jovem se havia sentado, enquanto lhe referia a sua histria. A luz que entrava pela janela incidiu sobre um objecto metlico. Mason deteve-se para olhar, depois dirigiu-se para a poltrona e inclinou-se sobre ela. Uma bolsa escura tinha deslizado entre as almofadas, ficando visvel somente o fecho. Perry Mason pegou-lhe. Era pesada. Sopesou-a com a mo para calcular o peso, deu meia volta e abriu a porta. - Olhe, Della, disse ele. - Traga um caderno de notas. A nossa consulente esqueceu-se da bolsa. Vou abri-la. Quero que voc faa o inventrio do que contm, quando eu a abrir. Ela apressou-se a obedecer sem dizer uma palavra, trazendo o caderno de notas e um lpis. Puxou a aba da mesa de um modo rotineiro, abriu o caderno e aprestou-se para escrever. - Um leno branco com a orla bordada - disse Perry Mason. O lpis correu, fazendo rabiscos na pgina. - Uma pistola Colt, calibre 32, nmero 3.894.621. O lpis de Della Street continuava a correr sobre a pgina do caderno de notas, mas os seus olhos ergueram-se arregalados para o advogado. A voz de Perry Mason prosseguiu mecanicamente: - Pente para pistola automtica, com cartuchos de ao blindado de ponta arredondada. Um cartucho na alma do cano. Este parece estar limpo. No se distingue cheiro de plvora. Tornou a introduzir o pente, fechou o mecanismo, fez passar um cartucho no cano e continuou com a mesma voz montona: Contm a bolsa cento e cinquenta e dois dlares e sessenta e cinco cntimos. Um tubo de pastilhas rotulado Ipral. Um par de luvas escuras, um lpis de carmim para os lbios, uma caixinha de p-de-arroz, um telegrama dirigido a R. Montaine, 128 East Pelton Avenue. O telegrama reza o que segue: Esperarei sua resposta definitiva s cinco horas de hoje, ltimo prazo. (Assinado) Gregory. Um mao de cigarros marca Spud, uma 18

caixa de fsforos com o anncio Caf guia Dourada Rua Quarenta e Trs - Oeste - Nmero 25. A voz de Perry Mason cessou de fazer o inventrio. Emborcou a bolsa em cima da mesa e bateu-lhe no fundo com os dedos. - Parece-me que tudo - comentou. Della Street olhou para o caderno de notas. - Santo Deus! - exclamou. - Que quereria a rapariga fazer com uma pistola? - Que que se faz com uma pistola? - perguntou Perry Mason, e, pegando num leno, apagou todas as impresses digitais que podia ter deixado na arma. Depois deixou-a escorregar para dentro da bolsa, fazendo o mesmo com os demais objectos, que ia segurando com os dedos protegidos pelo leno, e limpando-os ao mesmo tempo. Conservou o telegrama na mo durante um momento; depois guardou-o no bolso. - Della - disse por fim, se ela voltar, mande-a esperar. Vou sair. - Vai demorar-se muito, chefe? - No sei. Avisarei por telefone se no estiver de volta dentro de uma hora. - E se ela no quiser esperar? - Faa com que ela espere. Diga-lhe tudo o que quiser. Pode mesmo chegar a dizer-lhe, se julgar conveniente, que eu estou pesaroso pela forma como a tratei. Essa rapariga est em dificuldades. Procurou-me em busca de auxlio. A nica coisa que de facto temo que ela no volte. Guardou a carteira no bolso, ps o chapu na cabea, e encaminhou-se para a porta. O rudo dos seus passos ecoou ao longo do corredor. Premiu com o dedo o boto do elevador, desceu e tomou um txi, quando chegou rua. - 128 East Pelton Avenue - ordenou ao motorista. Recostado nas almofadas, ao iniciar a marcha. Mason fechou os olhos, cruzou os braos sobre o peito e ficou nessa posio durante os vinte e tantos minutos que o carro gastou no percurso at East Pelton Avenue. - Espere aqui - disse ele ao motorista, quando o txi encostou ao passeio. Mason atravessou rapidamente, subiu trs degraus 19

e premiu insistentemente com o dedo o boto da campainha. Ouviram-se passos que se aproximavam da porta. Mason tirou o telegrama do bolso e dobrou-o de modo que o nome e o endereo ficassem visveis atravs da janelinha do sobrescrito. Abriu-se a porta. Uma mulher jovem de aspecto cansado, fitou Mason com um olhar indiferente. - Telegrama para R. Montaine - disse Perry Mason, conservando o telegrama na mo. A rapariga leu o endereo. Fez um sinal afirmativo com a cabea. - Precisa de assinar o recibo - disse Perry Mason. Os olhos da jovem fitaram-no com curiosidade que ainda no chegara desconfiana. - O senhor no um boletineiro - observou ela, notando, por trs de Mason, o txi, que estava espera. - Sou o chefe dos boletineiros - respondeu-lhe Mason. - Pensei que podia fazer com que o telegrama lhe chegasse mais depressa s mos do que por intermdio de um subalterno, visto que tinha de passar por aqui para tratar de outro assunto. Tirou do bolso um caderno de notas e um lpis e entregou as duas coisas jovem. - Assine no alto da linha. Ela assinou R. Montaine e devolveu-lhe o caderno. - Espere um momento - disse Mason. - A senhora R. Montaine? Ela hesitou um instante e depois respondeu: - Recebo toda a correspondncia de R. Montaine. Perry Mason apontou para o caderno. - Nesse caso, dever assinar o seu nome em vez de R. Montaine. - Das outras vezes no me pediram isso - objectou ela. - Sinto muito - disse ele. - As vezes os boletineiros no entendem destas coisas. Sou o chefe deles. Ela retirou a mo com que segurava o caderno de notas, hesitou durante um bom espao de tempo, e depois escreveu: Nell Brinley por baixo do R. Montaine que assinara anteriormente. - Agora - disse Mason depois que recebeu o caderno e o lpis - quero falar com a senhora. 20

Guardou o telegrama no bolso, antes que os dedos vidos da rapariga o pudessem arrebatar da sua mo. Os olhos da mulher, que se mantinha de p no limiar da porta, encheram-se de desconfiana e medo. - Vou entrar - disse Mason. A mulher no tinha o rosto pintado e vestia um traje caseiro e chinelas. As suas faces tornaram-se lvidas. Perry Mason seguiu-a ao longo do corredor, entrou no quarto com calma firmeza, sentou-se e cruzou as pernas. Nell Brinley dirigiu-se para a porta e ficou a olhar para ele, como se tivesse medo de entrar no quarto ou de deixar sozinho o intruso. - Venha - disse Mason, e sente-se. Ela no se moveu durante uns segundos; depois aproximou-se dele. - Que que o senhor pensa? - perguntou-lhe com voz que se esforava por parecer vibrante de indignao, mas que de facto tremia de medo. A voz de Mason evidenciava uma insistncia sombria. - Estou a investigar as actividades de R. Montaine. Diga-me tudo o que sabe a respeito dela. - Nada sei. - Como, se assinava os telegramas em nome dela? - No. Para falar a verdade, pensei que o nome de R. Montaine fosse um engano. Eu esperava um telegrama. Pensei que devia ser o meu. Ia l-lo. Se no fosse para mim, devolver-lho-ia. Mason esboou um sorriso zombeteiro. - Diga isso outra vez. - No preciso - disse ela. - O que eu lhe disse a verdade. Mason tirou o telegrama do bolso e abriu-o em cima dos joelhos. - Aqui est o telegrama - mostrou ele, que foi recebido aqui s nove e cinquenta e trs minutos, hoje de manh. A senhora assinou o recibo e entregou-o a R. Montaine. - No fiz tal coisa. - Pelo registo v-se que a senhora o assinou. - A assinatura - disse ela, de R. Montaine. - a mesma letra - insistiu Mason , que est 21

neste caderno, e que eu vi a senhora assinar, e sob a qual, depois, assinou o seu nome - Nell Brinley. - este o seu nome, no? - Sim. - Escute - disse Mason, eu sou de facto um amigo de R, Montaine. - O senhor nem sequer sabe se se trata de um homem ou de uma mulher - disse ela em tom de desafio. - uma mulher - respondeu Mason, olhando-a bem de perto. - Pois se amigo dela, porque no se pe em contacto com ela? - perguntou Nell Brinley. - o que estou a tentar fazer. - Se to amigo dela, deve saber onde encontr-la. - Vou encontr-la por seu intermdio - disse Mason resmungando. - Eu nada sei a respeito dela. - Entregou-lhe este telegrama? - No. - Nesse caso - disse Perry Mason , torna-se necessrio revelar a minha verdadeira identidade. Sou detective e trabalho para a Companhia dos Telgrafos. Tem havido queixas de que pessoas no autorizadas recebem e lem telegramas. A senhora provavelmente no percebe o alcance disto, mas de facto um crime perante as nossas leis. Assim, pois, peo-lhe que se vista, para vir comigo Promotoria, a fim de ser interrogada. Nell Brinley tomou uma inspirao profunda e angustiada. - No, no! - exclamou. - Agi por conta de Rhoda. Eu dei-lhe o telegrama. - E por que motivo no pode Rhoda receber os seus telegramas na sua prpria casa? - No possvel. - Porque no? - Se o senhor a conhece, sabe o motivo. - Quer dizer com isso que por causa do marido? As mulheres casadas no devem ter segredos para o marido - sobretudo as recm-casadas. - Oh! ento o senhor sabe isso! - Isso, o qu? - Ser ela recm-casada. - Naturalmente - disse Mason sorrindo. 22

Nell Brinley baixou os olhos, reflectindo. Mason nada disse, deixando-a pensar sobre o assunto. - O senhor no um detective da Companhia dos Telefones, no verdade? - No. Sou um amigo de Rhoda. Ela, porm, ignora-o. Bruscamente, a mulher ergueu os olhos e disse: - Vou dizer-lhe a verdade. - Mais vale assim - comentou Mason secamente. - Sou enfermeira - disse Nell. - Somos muito amigas, Rhoda e eu. Conheo-a h muitos anos. Rhoda queria receber alguns telegramas e cartas neste endereo. Ela vivia comigo antes de se casar. Disse-lhe que era possvel. - E onde vive ela, agora? - perguntou Mason. Nell Brinley sacudiu a cabea, e disse: : - No me deu o seu endereo. Mason sorriu com ar de mofa. - Oh! estou a dizer a verdade - disse ela. - Rhoda uma das mulheres mais reservadas que tenho conhecido em toda a minha vida. Vivi com ela mais de um ano. Ns mantnhamos esta casinha, as duas, e eu ainda no conheo o homem com quem ela casou, nem sei onde mora. Sei que se chama Montaine. E isso tudo o que sei a respeito dele. - Conhece o seu nome de baptismo? - No. - Como veio a saber que se chama Montaine? - Unicamente porque Rhoda faz dirigir os seus telegramas para aqui com esse nome. - Qual era o nome dela, em solteira? - Rhoda Lorton. - H muito tempo que se casou? - H menos de uma semana. - Como pde entregar-lhe este telegrama? - Perguntou-me por telefone se havia correspondncia para ela. Respondi-lhe dizendo que havia um telegrama. Saiu e veio busc-lo. - Qual o nmero do seu telefone? - Denton, nove, quatro, dois, seis, oito. - enfermeira? - Sim. - Profissional? - Sim. 23

- Costumam cham-la para tratar doentes? - Sim. - Qual foi o seu ltimo caso? - Voltei ontem. Fui tomar parte numa interveno cirrgica. Mason levantou-se, sorrindo. - Cr que Rhoda volte a cham-la outra vez? - perguntou. - Provavelmente, mas no garanto. Rhoda uma pessoa estranha e muito reservada. H qualquer coisa na vida dela que procura esconder; no sei ao certo o que seja. Nunca depositou em mim inteira confiana. - Quando ela lhe telefonar - disse Mason, diga-lhe que deve voltar a ver o advogado com quem falou hoje, porquanto ele tem coisas da mais alta importncia para lhe dizer. Cr poder lembrar-se deste recado? - Sim. E quanto ao telegrama? - perguntou com os olhos postos no bolso de Mason. - Est dirigido a Rhoda. - o mesmo que voc lhe entregou hoje de manh. - Eu sei, mas como o conseguiu? - Isso - disse Mason, segredo profissional. - Quem o senhor? Mason sorriu de modo indefinvel. - Sou o homem que lhe deixou um recado para Rhoda Montaine, para que ela tornasse a procurar o advogado com quem falou hoje. Atravessou o corredor. Ela fez-lhe umas quantas perguntas, mas ele bateu com a porta da rua, desceu rapidamente os degraus, cruzou a faixa de cimento da calada, e como o motorista lhe abrisse a porta do txi, atirou-se para dentro dele. - Depressa! - disse. - Dobre a esquina. Pare no primeiro lugar em que haja um telefone. Nell Brinley veio at porta e ficou de p olhando o carro, desde que este se ps em movimento at que dobrou a esquina. O motorista do txi deu a volta e parou o carro junto calada, em frente da montra de uma confeitaria, na qual se via um telefone pblico. -Serve este? - ptimo - disse Mason. O carro parou. Mason entrou no estabelecimento, 24

introduziu uma moeda no aparelho e aproximou a boca do bocal, resguardando-a com a mo para amortecer a voz. Pediu o nmero do seu escritrio e, quando ouviu a voz de Della Street na outra extremidade do fio, disse: - Pegue num lpis e no caderno de notas, Della. - Pronto - disse esta. - Daqui a vinte minutos telefone para Neil Brinley, Drenton nove, quatro, dois, seis, oito. Diga-lhe que quando Rhoda Montaine l for a chame a si ao telefone. D-lhe um nome suposto. Diga-lhe que um recado de Gregory. - Muito bem, chefe. - Que farei se Rhoda telefonar? - Quando ela telefonar, diga-lhe quem . Avise-a de que se esqueceu da bolsa no meu escritrio. Diga-lhe que quero v-la. Agora, aqui vai outra coisa para si. Verifique as licenas para casamento. Veja se descobre se uma dessas licenas foi concedida a um homem chamado Montaine, no qual o nome da noiva Rhoda Lorton. Ordene ao Paulo Drake que mande um dos seus homens s companhias da gua, da luz e do gs e verifique se fizeram recentemente alguma ligao para um Montaine. Quando obtiver o nome de baptismo, na licena para casamento, procure no guia da companhia telefnica para ver se h algum telefone em nome dele. Mande o Drake pr um homem a examinar os endereos, para ver se apanha a direco do noivo nas licenas de casamento. Que comunique com a casa Colt e veja se consegue saber a quem foi vendida aquela pistola. Voc tem o nmero dela registado no seu caderno de notas. Que tudo isto se faa discretamente. Quero encontrar essa mulher. - Porqu? - perguntou Della Street. - Aconteceu alguma coisa? - No - respondeu Mason , mas acontecer, se eu no conseguir pr-me em contacto com ela. - Tornar a chamar-me para que eu lhe transmita as informaes que obtiver? - perguntou ela. - Sim. - Muito bem, chefe. Mason suspendeu o auscultador e voltou para o carro. 25

;. - CAPTULO IV O tipgrafo tinha uma pequena tenda entre dois arranha-cus, junto a uma outra tenda onde se vendiam laranjadas. Uma armao de vidro, de forma oval, continha amostras de vrias espcies de tipos de imprensa. Um cartaz anunciava que se imprimiam cartes de visita e outros papis, enquanto o fregus esperava. Perry Mason examinou a armao oblonga, com o aspecto de quem est indeciso entre comprar ou no comprar. O homem que se achava por detrs do exguo mostrador inclinou-se para a frente. - Posso empregar uma tinta que seca rapidamente - disse ele, e que imita gravura. capaz de enganar mesmo um perito. - Quanto custa? - perguntou Mason. Os dedos do homem manchados de tinta apontaram para uma lista de modelos e de preos. Mason tirou uma nota do bolso e indicou um dos cartes. - Escolho este - disse. - R. W. Montaine, 128 East Pelton Avenue. Em baixo, no canto esquerdo, ponha Seguros e Corretagens. - Isto vai levar um ou dois minutos para preparar os tipos - disse o tipgrafo, entregando o troco a Mason Prefere esperar aqui, ou volta depois? - Voltarei - disse Mason. Atravessou a rua, entrou num bar, telefonou para o escritrio e soube que Della Street no recebera ainda nenhuma chamada de Rhoda Montaine. Sentou-se ao balco, pensativo, tomou um leite maltado com chocolate e deixou que os minutos se escoassem. Finalmente, atravessou a rua, entrou na tipografia e recebeu o pacote de cartes recentemente impressos. Voltou ao bar e ligou outra vez para o escritrio. - Paul Drake descobriu a licena de casamento disse-lhe Della Street. - Chama-se Carl W. Montaine. O endereo Chicago, Ilinis, mas h uma ligao de gua e gs para um Carl W. Montaine, Hawthorne Avenue N. 2309. Foi feita na semana passada. A licena diz ser Rhoda Lorton viva. Drake quer saber at onde pode ir com as despesas. 26

- Diga-lhe - autorizou Mason, que gaste o que for preciso para obter resultados. Aparentemente, aceitei um adiantamento para representar um cliente e o que vou fazer. - No lhe parece que j fez o suficiente, chefe? perguntou Della Street. - Afinal de contas, a culpa no sua. O senhor nada sabia a respeito do dinheiro depositado. - No - respondeu Mason. - Eu devia saber do depsito. Seja como for, seguirei este assunto at ao fim. - Mas o facto que ela sabe onde encontr-lo. - Mas no quer voltar. - Nem mesmo quando souber que se esqueceu da bolsa? - No - disse Mason. - A estas horas, j se deve ter lembrado onde a deixou. No se anima a voltar por causa da pistola. - J passa das quatro horas - observou-lhe Della Street. - So horas de os escritrios fecharem. Drake j tem todas as informaes oficiais que pde obter para esta tarde. - Soube alguma coisa a respeito da pistola? - Ainda no. Espera notcias antes das cinco. - Muito bem - disse Mason , fique a at que eu faa outra chamada. Se a rapariga chamar para a, segure-a. Diga-lhe que conhecemos o seu verdadeiro nome e o seu endereo. Isso ret-la-. - A propsito - observou Della Street, h uma coisa que acho que o senhor precisa de saber. - O que ? - O nmero do telefone de Nell Brinley, para o qual me mandou ligar, 94268. O nmero que Rhoda Montaine nos deu, quando veio ao escritrio, 68942. Fez simplesmente a transposio dos dois ltimos nmeros do telefone de Nell Brinley para o comeo do outro. Devemos deduzir da que ela est muito familiarizada com aquele nmero de telefone, tanto assim que o enunciou sem hesitao, quando lho perguntei. Deve ter vivido l e utilizado o telefone antes de se casar. Perry Mason riu. - Bravo, pequena! - disse ele. - No saia at que eu chame outra vez. 27

Suspendeu o auscultador, enxugou o suor da testa e dirigiu-se apressadamente para o escritrio central da Companhia dos Telgrafos. Aproximou-se do balco. Perry Mason pegou num impresso prprio, tirou um lpis do bolso, desdobrou o telegrama de Rhoda, estendendo-o em cima do balco, e franziu a testa. Ergueu os olhos e encontrou o olhar de uma das empregadas. Ela dirigiu-se para ele, e Mason puxou do bolso um dos cartes de visita recentemente impressos. - Desejaria - disse ele, um pequeno obsquio. A jovem empregada pegou no carto, anuiu com a cabea e sorriu. - Muito bem, Mr. Montaine, em que podemos servi-lo? - Recebi este telegrama relativo a um negcio importante, e perdi o endereo do remetente. Creio que a companhia exige que estes deixem sempre o seu endereo registado nas folhas em que redigem o telegrama. Como esta tem um nmero de ordem, no lhe seria possvel descobrir a direco do remetente, partindo deste nmero, e percorrendo os seus registos? - Creio que sim - disse a rapariga, apoderando-se ao mesmo tempo do carto de visita e do telegrama, e dirigindo-se para o fundo da sala. Perry Mason redigiu um telegrama endereado apenas com o nome de Gregory, dizendo: Acontecimentos importantes impem adiamento indefinido exigindo explicao pessoal. Assinou o telegrama com R. Montaine e esperou o regresso da empregada. Esta voltou em menos de cinco minutos com o nome e endereo do remetente escrito a lpis no telegrama. Mason estudou o apontamento durante alguns instantes, acrescentou o nome Moxley depois da palavra Gregory e adiante escreveu: Colemont Apartments, 316, Norwalk Avenue. - Muito obrigado, menina - disse ele. - Queira ter a bondade de expedir este telegrama. - E agora - disse a empregada, sorrindo , sou eu que tenho de pedir-lhe que escreva o seu endereo. 28

- Oh! Tem razo - disse Mason, e escreveu R. Montaine 128 East Pelton Avenue. Pagou o telegrama, saiu do telgrafo e chamou um txi. - Norwalk Avenue, 316 - ordenou ele ao motorista. Acomodou-se vontade nas almofadas, acendeu um cigarro, e contemplou o cenrio por onde passava com os olhos semicerrados. Ao mesmo tempo que terminava o cigarro, o txi detinha-se beira do passeio. O Colemont Apartments era um enorme edifcio de dois andares, que em tempos passados fora uma moradia. Ao converterem-se em casas de apartamentos, as pequenas edificaes da Norwalk Avenue, os proprietrios remodelaram a enorme manso, dividindo-a em quatro apartamentos. Perry Mason observou que trs destes estavam aparentemente desocupados. A construo de casas mais modernas dos dois lados tinha exercido uma influncia desastrosa para a remodelada residncia particular. Dentro em breve teria de ser demolida, para dar lugar a uma construo maior. Mason premiu o boto da campainha do Apartamento B, situado ao lado de um carto em que apareciam as palavras Gregory Moxley. Quase que imediatamente ouviu-se o zumbido de um mecanismo elctrico que fez correr o ferrolho da porta. O advogado empurrou-a e abriu-a. Um comprido lano de escadas abria-se diante dele. Subiu os degraus, ouviu rudo de passos no corredor e cumprimentou um homem, cuja silhueta se destacava no topo da escada. O homem teria mais ou menos uns trinta e seis anos, os olhos vivos e espertos, um sorriso fcil, e aspecto jovial. No obstante o calor do dia, estava impecavelmente vestido e trajava com distino. O seu aspecto revelava bem-estar fsico e prosperidade. - Boa tarde - disse ele. - Receio no o conhecer. Esperava uma visita que tinha uma entrevista marcada comigo. - Refere-se a Rhoda? - perguntou Perry Mason. Durante um rpido instante, o homem endireitou-se como se se preparasse para receber um golpe. Depois, o bom humor transpareceu mais uma vez na sua voz. - Oh! - disse ele. - Ento, afinal de contas, no me enganei. Suba, entre e sente-se. O seu nome? 29

! - Mason. - Muito prazer em conhec-lo, Sr. Mason. ! Estendeu a mo e apertou a de Mason firme e cordialmente. - O senhor o Sr. Moxley? - perguntou Mason. - Sim, Gregory Moxley. Entre. Est calor, no acha? Conduziu Mason biblioteca, e indicou-lhe uma cadeira. A sala estava confortavelmente mobilada, conquanto os mveis fossem bastante antiquados. As janelas estavam abertas. Separada por um vo de quinze ps, avultava a fachada lateral de um moderno edifcio de apartamentos. Mason sentou-se, cruzou as pernas, e tirou, mecanicamente a cigarreira do bolso. - Essa casa de apartamentos da frente tira-lhe um pouco a ventilao, no verdade? - perguntou. Moxley dirigiu casa um olhar de aborrecimento. - um inferno, quer para a ventilao quer para a minha independncia. Em dias como este, transforma o meu apartamento num forno. Moxley sorriu, bem-humorado. Era o sorriso de quem aprendera a levar a vida filosoficamente, aceitando o amargo da mesma forma que o doce. - Presumo - disse Mason - que no tardaro muito em deitar abaixo este edifcio para construir outro do tamanho daqueles. - Creio - assentiu Moxley, cujos olhos estudavam o rosto de Mason com ateno crtica - que inevitvel. A mim, pessoalmente, isso no me agrada. Gosto das casas grandes, onde h um gerente rondando por todos os lados, com ares importantes. - O senhor parece ser aqui o nico inquilino - continuou Mason. Moxley deu uma risada rpida e contagiosa. - O senhor veio aqui para discutir assuntos imobilirios? perguntou. Mason acompanhou-o na risada. - No bem isso - disse ele. - Que veio ento discutir? Mason fixou com firmeza os olhos espertos do homem. - Eu vim - disse ele, na qualidade de amigo de Rhoda. 30

Moxley assentiu. - Sim - disse ele, j o presumia. No creio que... As suas palavras foram interrompidas pelo retinir estridente de uma campainha que rompeu o abrasador silncio da tarde. Moxley franziu o sobrolho, e fitou Perry Mason. - Devia algum vir encontrar-se consigo? - perguntou. Mason sacudiu a cabea negativamente. Moxley parecia indeciso. O sorriso desaparecera-lhe do rosto. Tambm o aspecto de jovial cortesia se havia dissipado. O seu olhar tornou-se duro, enquanto examinava a situao. As suas feies tornaram-se sombrias. Ergueu-se da cadeira sem uma palavra de desculpa, encaminhou-se com passos abafados para a porta de entrada, e ficou parado num ponto do qual podia ver tanto o corredor como a Perry Mason. A campainha retiniu outra vez. Moxley premiu um boto, e ficou espera de que o mecanismo elctrico abrisse o ferrolho. - Quem est a? - perguntou com voz da qual desaparecera por completo a expansiva cordialidade. - Telegrama - disse uma voz de homem. Ouviram-se passos subindo a escada, um roar de papel, depois passos que desciam os degraus e o bater da porta da rua ao fechar-se. Moxley voltou para o quarto, rasgando o sobrescrito para abri-lo. Desdobrou o telegrama, leu-o, e depois olhou desconfiado para Perry Mason. - Este telegrama - disse ele, de Rhoda. - Hum, hum - fez Mason, aparentemente sem interesse. - No diz uma palavra a seu respeito - observou Moxley. - Nem podia ser de outra forma - disse Mason despreocupadamente. - Porqu? - Porque ela ignorava que eu vinha aqui. O verniz de prazenteira cordialidade de que a princpio Moxley se revestia desaparecera agora por completo. Os seus olhos estavam duros e atentos. - Vamos - disse ele, diga-me o resto. 31

- Sou um amigo dela - afirmou Mason. - J me disse isso. - Venho aqui como amigo. - Isso tampouco novidade para mim. - Sou advogado. Moxley respirou profundamente, encaminhou-se com passos rpidos e decididos para uma mesa, e ficou de p com a mo direita apoiada ao puxador da gaveta. - Agora sim - disse ele, o senhor disse-me algo de positivo. - Assim penso - disse Mason. - Por esse motivo cansei-me de lhe dizer que vinha como amigo. - No o compreendo. - Quis dizer que vim aqui como amigo e no como advogado. Rhoda no contratou os meus servios. Ela nem sabe que eu vim c. - Ento por que veio? - Simplesmente por satisfao pessoal. - Que quer o senhor? - Quero saber exactamente o que que o senhor est a procurar extorquir Rhoda. - Para um amigo - disse Moxley, conservando a mo direita sobre o puxador da gaveta, o senhor fala de mais. - Tambm estou pronto para ouvir tudo o que me quiser dizer. Moxley teve um riso de escrnio. - O que o senhor veio fazer e o que far - fez ele notar, talvez no seja a mesma coisa. Moxley j no era o dono de casa jovial, o companheiro acolhedor. A sua franca cordialidade evaporara-se, sendo substituda por uma hostilidade fria e vigilante. - E se eu lhe contasse a minha histria? - perguntou Mason. - Pois que venha a sua histria. - Sou advogado. Aconteceu uma coisa que despertou o meu interesse em relao Rhoda. O que tenha sido essa coisa no importa. Infelizmente, no posso encontr-la. Sabia que o senhor estava em relaes com ela. Por esse motivo, tratei de me pr em contacto com o senhor. Desejo que me diga onde poderei encontr-la. - Para poder auxili-la? - perguntou Moxley. - Para poder auxili-la. 32

A mo esquerda de Moxley tamborilou rapidamente sobre a mesa. A sua mo direita abandonara o puxador da gaveta, mas parecia estar em atitude de prontido. - Para advogado, o senhor fala como um terrvel inconsequente - disse ele. Mason encolheu os ombros. - possvel. Depois de um momento, Moxley disse: - De modo que Rhoda fez-lhe confidncias, no assim? - Disse-lhe a verdade nua e crua - respondeu Mason. - Mas, no obstante, ainda no respondeu minha pergunta. - No tenho que responder sua pergunta - disse Mason. - Se o senhor nada me diz, por que irei eu dizer-lhe algo? - Prossiga e diga-me. - concluiu Moxley. - Rhoda Montaine - disse Mason - uma criatura boa. - E a mim a quem o senhor vem dizer isso! exclamou Moxley. - Estou a tentar auxiliar Rhoda Montaine. - J me disse isso h pouco. - H uma semana que Rhoda se casou com Carl W. Montaine. - Isso para mim no novidade. - O nome de Rhoda, antes do casamento, era Lorton. - Adiante - disse Moxley. - No pedido de licena para o casamento consta ser ela viva. O nome de baptismo do primeiro marido era Gregory. - Continue. - Eu estava justamente com vontade de saber disse Perry Mason, cujo rosto estava totalmente despido de expresso - se, por acaso, Rhoda no se teria enganado. - Enganado em qu? - Quanto a ser viva. Se, por exemplo, o primeiro marido dela no morreu realmente, mas desapareceu, simplesmente, durante os sete anos, fixados por lei. Esse perodo permite uma presuno de falecimento. so3 - VAMP. G. GARDNER 14 33

mente uma presuno. Se o homem tornasse a aparecer, vivo e so, continuaria a ser o marido. Os olhos de Moxley brilhavam agora hostilmente. - Para um simples amigo - disse ele - o senhor sabe muitas coisas. O olhar de Perry Mason cintilava, firmemente, resoluto. - Vou aprendendo mais a cada minuto que passa comentou ele. - Ainda tem muito que aprender. - Por exemplo? - A no se meter naquilo que no da sua conta. O telefone comeou a tocar com automtica regularidade e insistncia. Moxley humedeceu os lbios com a ponta da lngua, hesitou alguns segundos, e depois caminhou prudentemente em torno de Mason, dirigindo-se ao telefone. Alcanou o auscultador com a mo esquerda, apoiou os dedos mnimo e anelar sobre o auscultador, e levou-o ao ouvido. - Quem ? - perguntou. O receptor deixou ouvir rudos speros e metlicos. - Agora no - disse Moxley. - Estou com visitas... J lhe disse, agora no... Voc deve saber quem a visita... Eu sei que voc deve... No menciono nomes, mas voc deve tirar por si mesma as concluses... um advogado. Chama-se Mason... Perry Mason ps-se de p, de um pulo. - Se Rhoda - disse ele , eu quero falar com ela. Aproximou-se do homem junto ao telefone. O rosto de Moxley contraiu-se de raiva. Fechou o punho, pronto para um soco e gritou: - Para trs! Mason continuou a avanar - Moxley agarrou no telefone com a mo direita e o auscultador com a esquerda, pronto para desligar. - Rhoda - gritou Perry Mason o mais alto que pde - telefone para o meu escritrio. Moxley desligou o aparelho. - V para o inferno! - disse ele. - O senhor no tem que se meter nos meus negcios. Mason encolheu os ombros e comentou: - Disse-lhe o que tinha a dizer-lhe. - E pondo o chapu na cabea, virou-lhe as costas e desceu vagarosa34

mente o lano da escada. Moxley apareceu no patamar e ficou de p, contemplando com silenciosa hostilidade os largos ombros do advogado que se retirava. Mason fechou a porta da rua, com um puxo, entrou no txi, percorreu trs quarteires, entrou numa cabina e telefonou a Della Street. - Nenhuma notcia? - perguntou. - Sim - disse ela, obtivemos dados sobre Rhoda Montaine. Chamava-se Rhoda Lorton, era viva de Gregory Lorton, e este morreu em Fevereiro de 1929 de uma pneumonia. O seu mdico assistente foi o Dr. Claude Miilsap. Foi ele quem assinou o atestado de bito. - Onde vive esse Dr. Miilsap? - Nos Teresita Apartments -928, Beechwood Street. - Que mais? - Descobrimos a pista da pistola da bolsa. - Que descobriram a respeito? - A pistola - disse Della, foi vendida a Claude Miilsap, que deu a direco de 928 Beechwood Street. Perry Mason deu um assobio baixinho. - Mais alguma coisa? - Por enquanto no. Drake quer saber se o senhor tem mais trabalho para ele. - Pode deixar o resto de parte, por agora - disse Mason. - Quero, porm, que descubra tudo que puder acerca de um homem chamado Gregory Moxley, que mora no Colemont Apartment, 316, Norwalk Avenue. - Quer que ele o mande seguir? - No - disse Mason, no preciso. E mesmo seria inconveniente, porque Moxley tem mau gnio e eu no sei exactamente qual o seu papel neste caso. A voz de Della Street indicava preocupao. - Oua, chefe - advertiu ela, no se estar o senhor a enfronhar demasiado nesta questo? A voz de Perry Mason voltou a ser bem-humorada e cheia de vivacidade. - Estou a aproveitar magnificamente o meu tempo, Della - disse ele. - E, para mais, estou a fazer jus ao depsito. - Oh! Se est! - exclamou ela. 35

CAPTULO V Perry Mason desligou o telefone e, entrando numa farmcia prxima, inquiriu: - Que ipral? - perguntou ele. O caixeiro contemplou-o por um momento. - um hipntico. - Que um hipntico? - Uma espcie de calmante. Faz dormir, no um sono txico, mas sim um sono reparador. Em doses apropriadas no tem efeitos secundrios. - Deixa a pessoa prostrada? - De modo nenhum, pelo menos nas doses apropriadas. J lhe disse que propicia um sono natural, calmo e profundo. Quer que eu?... Mason negou com a cabea e afastou-se do balco. - Obrigado - disse ao sair. Saiu da farmcia assobiando alegremente. O motorista saltou para o passeio e abriu a porta do txi. - Para onde? - perguntou. Perry Mason franziu os sobrolhos, reflectindo, como se ponderasse no seu esprito dois planos de campanha. Trs quarteires abaixo, um carro desembocou na Norwalk Avenue, inclinando-se sobre as rodas com a violncia da volta. Os olhos de Mason fitaram o veculo, e os do motorista do txi acompanharam o olhar de Mason. - Que pressa! - disse o motorista. - uma mulher que vai a guiar - observou Mason, especado no passeio. Bruscamente, Mason deu um passo e levantou a mo. Os freios gemeram ao ser aplicados. Rhoda Montaine, com as faces afogueadas, fitou Perry Mason. O carro parou de um modo brusco. As primeiras palavras do advogado foram to casuais como se ele a esperasse. - Tenho a sua bolsa - foram as suas palavras. - J sei - respondeu ela. - J o sabia antes de ter dado cinquenta passos, ao sair do seu escritrio. Voltei atrs por causa dela, mas depois decidi abandon-la. Imaginei que a teria aberto e me faria uma infinidade de perguntas. E eu no queria responder-lhe. O que fazia em casa de Gregory? 36

Perry Mason virou-se para o motorista e disse-lhe: - Pronto, camarada, pode ir. Deu-lhe uma nota que o homem recebeu, olhando embasbacado e curioso para a mulher do automvel. Mason abriu a porta do carro, subiu e sentou-se ao lado de Rhoda, sorrindo-lhe. - Sinto muito - disse ele. - Eu ignorava que a senhora tivesse deixado um depsito minha secretria. Quando vim a sab-lo, fiz o que pude para a ajudar. Os olhos dela eram dois pontos negros cintilantes de indignao. - Chama o senhor ajudar-me, invadir a casa de Gregory? Ele fez que sim com a cabea. - Pois olhe - disse ela amargamente, o que fez foi uma trapalhada medonha. Assim que eu soube que o senhor estava l, desatei a correr com a mxima velocidade que pude. Agora, o senhor complicou tudo. - Por que motivo no foi ao encontro marcado para as cinco horas? - perguntou ele. - Porque ainda no tinha tomado uma resoluo. Telefonei a Gregory para lhe dizer que ele teria de esperar at mais tarde. - At muito tarde? - Bastante tarde. - O que que ele quer? - perguntou Perry Mason. - Isso, - disse ela, - no da sua conta. O advogado olhou para ela, tentando adivinhar-lhe o pensamento. - Entretanto, - disse ele, - isso era uma das coisas que a senhora queria dizer-me quando foi ao meu escritrio. Por que no a diz agora? - No fui l para lhe dizer isso. - T-lo-ia dito se eu no tivesse ferido o seu amor-prprio. - Pois feriu-o, de facto. Mason riu-se. - Escute, - disse ele. - No percamos tempo com tolices. Tentei encontr-la durante todo o dia. - Suponho, - disse ela, - que inventariou a minha bolsa? - Por todos os cantos, - admitiu ele. - E o que mais, apropriei-me do seu telegrama, fui visitar Nell 37

Brinley, e pus detectives a trabalhar, procurando informar-me de tudo o que eu queria saber. - E que descobriu? - Muitas coisas, - disse ele. - Quem o doutor Millsap? Ela suspendeu o flego, vivamente consternada. ,;; - um amigo, disse, vagamente. - Seu marido conhece-o? - No. Os ombros de Mason encolheram-se num movimento eloquente. - E como vieram a saber da existncia dele? perguntou ela, aps uma pausa. - Oh! Tenho andado a dar voltas, - respondeu Mason . - Tenho procurado colocar-me em situao de poder ajud-la. - O senhor no me pode ajudar, - disse ela, - a no ser dizendo-me uma coisa e depois deixando-me em paz. - Qual a coisa que quer que lhe diga? - Se depois de sete anos de desaparecimento de um homem pode presumir-se ter ele morrido. - Em certas circunstncias, sim. So sete anos em alguns casos, cinco noutros. A atitude dela revelou um grande alvio. - Nesse caso, um casamento contrado depois desse prazo considerado legal? A fisionomia de Mason revelava simpatia ao menear lentamente a cabea. - Sinto muito, Sr.a Montaigne - disse ele, mas isto apenas uma presuno. Se Gregory Moxley realmente Gregory Lorton, seu primeiro marido, e se ele aparece vivo e em perfeito estado, o seu casamento com Carl Montaine anulvel. Ela fitou-o com olhos repassados de dor. Lgrimas brotavam deles, lentamente. Os seus lbios tremiam. - Eu amo-o tanto! - disse ela simplesmente. A mo de Perry Mason pousou sobre o ombro dela, afagando-a de modo animador. Era o gesto impessoal de um protector. - Fale-me dele - disse Mason. - Oh! - disse ela, o senhor no me compreenderia. Nenhum homem poder compreender-me. Nem eu 38

mesma compreendo. Tratei dele quando esteve doente. Tinha o vcio dos estupefacientes e a famlia dele teria morrido se soubesse disso. Sou enfermeira profissional, como deve saber - isto , era. - Continue - disse Mason. - Diga tudo. - No lhe posso falar do meu casamento com Gregory disse ela, com os lbios trmulos. - Isso fnebre. Aconteceu quando eu era apenas uma criana jovem, inocente e impressionvel. Ele era atraente e nove anos mais velho do que eu. Preveniram-me contra ele, e eu pensei que era cime e inveja. Ele tem aquele ar de afectada deferncia que tanto seduz as raparigas novas. - Continue - pediu Mason, ao v-la calar-se. - Eu tinha um pouco de dinheiro economizado. Pois bem: ele apoderou-se dele e desapareceu. Os olhos de Mason contraram-se. - Deu-lhe o dinheiro ou ele roubou-o? - perguntou Mason. - Roubou-o. Dei-lho para que me comprasse uns ttulos. Falou-me a respeito de um negcio maravilhoso que ele podia fazer, com toda a segurana, com um amigo que estava em situao difcil. Dei-lhe o dinheiro. Ele saiu e nunca mais voltou. Nunca me esquecerei do modo como me beijou antes de bater as asas com todo o meu dinheiro. - Deu parte polcia? - perguntou Mason. Ela sacudiu a cabea e disse: - No, quanto ao dinheiro. Pensei que ele tivesse sofrido um acidente de qualquer espcie e pedi polcia que verificasse os registos de acidentes e telefonei para todos os hospitais. Isto passou-se muito tempo antes de que eu me apercebesse o que realmente acontecera. Estava meio louca. - Porque no o manda prender? - perguntou Mason. - No lhe posso dizer. - Porqu? - No me atrevo. - Porque no me pode dizer? - Porque uma coisa que no me atrevo a dizer a ningum. uma coisa que j me levou beira do suicdio. - Era para isso que tinha a pistola? 39

- No. - Tinha a inteno de matar Moxley? Ela calou-se. - Era por isso que queria saber a informao acerca do corpo de delito? Ela continuou calada. Mason apertou-lhe o ombro com os dedos. - Oua - disse ele , a senhora tem uma carga demasiado pesada no seu esprito. Precisa de algum a quem possa confiar-se. Eu posso ajud-la. Porque no me diz a verdade, toda a verdade? - No posso; terrvel. No me atrevo a dizer-lhe a verdade. - O seu marido sabe alguma coisa acerca disto? - Deus do cu, no! Se o senhor conhecesse o meio original dele no perguntaria isso. - Muito bem. Qual o meio original dele? - J ouviu falar de C. Phillip Montaine, de Chicago? - No, porqu? - um homem riqussimo - um desses velhos importantes cujos antepassados remontam Revoluo, e cheios de toda a espcie de preconceitos. Carl filho dele. C. Phillip Montaine no me tolera, nem pintada. Nunca me viu, mas o facto de o filho se ter casado com uma enfermeira foi um golpe rude para o velho senhor. - Encontrou-se alguma vez com ele - perguntou Mason , depois do casamento? - No, mas vi as cartas para Carl. - Ele sabia que Carl ia casar consigo, antes da cerimnia? - No. Casmo-nos em segredo. - E Carl acha-se muito submetido influncia do pai? Ela assentiu energicamente com a cabea. - O senhor precisaria ver Carl para compreender. Ele ainda est fraco - mental e moralmente, devido s drogas que tomava. Isto , no tem grande fora de vontade. Corou ao perceber o que estava a dizer. - Restabelecer-se- com o tempo - disse. O senhor sabe o que os estupefacientes fazem de um homem , continuou nervosamente. - Ele ainda est influenciado. nervoso. Muito impressionvel. 40

- A senhora v claramente todos esses defeitos do carcter dele e, no obstante, continua a querer-lhe, disse Mason pensativamente. - Quero, sim , disse ela , mais do que a tudo na vida. E conseguirei fazer dele um homem. Do que ele precisa de tempo e de uma pessoa forte que o auxilie. S sabendo pelo que eu tenho passado que o senhor poderia compreender quanto eu amo o meu marido e porque o amo. A minha vida foi um inferno durante anos, depois do meu primeiro casamento. Tinha uma vontade louca de me suicidar, mas faltou-me a coragem. Aquele primeiro casamento matou alguma coisa em mim. Eu nunca mais poderia amar nenhum homem do modo pelo qual amei o meu primeiro marido. Depois daquilo eu no pude voltar a ser a mesma criatura para o casamento. Creio que existe muito de maternal no meu amor de agora. O meu primeiro amor era todo feito de iluses. Eu queria um homem para adorar, um homem para admirar, oh! o senhor compreende, no assim? - concluiu Rhoda. - E - perguntou Perry Mason , o seu marido aprecia essa espcie de amor? - Aprecia - disse ela. - Ele est habituado a curvar-se diante do pai. Meteram-lhe na cabea que o nome da famlia e a sua posio social so as duas coisas mais importantes que existem. Ele singrou pela vida sob o peso da sombra dos seus antepassados. Para ele a famlia tudo. como uma obcecao. - Agora - disse-lhe Mason, comeamos a entender-nos. A senhora est a dizer-me as coisas que lhe pesavam no esprito, e j se vai sentindo melhor. Ela meneou a cabea numa negativa calorosa. - No - disse, no lhe posso dizer tudo. No o posso fazer, por mais simptico que o senhor seja. Afinal de contas o que eu queria averiguar era o que diz respeito legalidade do meu casamento com Carl. Tudo posso suportar contanto que esse casamento seja legal; mas se ele pode ir-se embora e deixar-me, ou se o pai dele mo puder arrancar, ficarei com o corao despedaado. - Se - disse Mason lentamente, ele pessoa para se ir embora e deix-la, no lhe parece estar desperdiando a sua afeio, empregando-a nele? 41

- justamente isso o que estou a tentar esclarecer - disse ela. - porque ele pode ser assim, que precisa de mim e a razo por que o amo. Ele dbil, eu quero-lhe, e talvez que a causa do meu querer seja o ele ser fraco. Estou farta de homens fortes, resolutos, magnticos, que nos tiram a personalidade. No quero que me tirem a personalidade. Ser talvez um complexo de maternidade recalcado, ou talvez uma simples tolice. No sei. No posso explicar. o que sinto. No podemos explicar os nossos sentimentos - podemos somente reconhec-los. - Que est a ocultar-me? - perguntou Mason. - Uma coisa horrvel , respondeu Rhoda. - Vai dizer-me o que ? - No. - Ter-mo-ia dito quando foi ao meu escritrio, se eu me tivesse mostrado mais amvel consigo? - Por Deus, no! - exclamou ela. - Nunca tive a inteno de lhe dizer tanto. Sempre julguei que o senhor casse no lao com a histria da amiga que queria informaes jurdicas. Tinha-a ensaiado em frente do espelho mais de cem vezes. Sabia palavra por palavra o que tinha para lhe dizer e tambm sabia o que o senhor me diria. Em vez disso o senhor viu que eu mentia e por isso me assustei. Nunca tive tanto medo na minha vida como quando sa do seu escritrio. Estava to assustada que desci no elevador e caminhei metade do quarteiro antes de perceber que me tinha esquecido da carteira. Foi um golpe terrvel, de tal ordem que no me animei a voltar atrs para ir busc-la. Comecei a andar mas no pude suportar a ideia de o enfrentar. Decidi deixar isso para depois. - Para depois de qu? - perguntou Mason. - Para depois que achasse um meio de sair desta embrulhada. Havia simpatia nos olhos de Mason. Ele disse simplesmente: Peo-lhe que no me considere desse modo. Seu marido desapareceu. A senhora casou-se de boa f, depois de o julgar morto. No pode ser censurada. Pode andar de cabea alta, divorciar-se dele e tornar a casar com Carl Montaine. Ela pestanejou e dos seus olhos correram lgrimas; ? os seus lbios, entretanto, conservavam-se firmes. 42

- O senhor no compreende o Carl, disse ela. Se este casamento no vlido, eu no poderia nunca divorciar-me para tornar a casar com ele. - Nem mesmo se tivesse a possibilidade de um divrcio no Mxico? - perguntou Mason. - Nem mesmo assim. Houve um momento de silncio. - No se sente capaz de ter confiana em mim? perguntou o advogado. Ela sacudiu a cabea. - Prometa-me ento uma coisa , disse ele. - O qu? - Que antes de mais nada vai ao meu escritrio amanh de manh. Durma sobre o caso e veja se no pensa amanh de modo diferente. - Mas - disse ela, o senhor no compreendeu. O senhor no... - Uma expresso resoluta estampou-se-lhe no rosto e nos olhos luziu um olhar astuto. - Muito bem, anuiu ela. - Prometo. - E agora - disse-lhe Mason, pode levar-me ao meu escritrio? - No - objectou Rhoda, no posso. Tenho de voltar para junto do meu marido. Ele deve esperar-me. Eu estava simplesmente furiosa quando soube que o senhor tinha ido ver Gregory. No sabia o que podia acontecer. Sa como louca para ver se o encontrava. Agora, preciso de voltar. Mason concordou. O motorista do txi que o conduzira, esperanado em conseguir um fregus para uma corrida de regresso cidade - pois que aprendera por experincia que pelo simples facto de um homem entrar num carro com uma mulher, isso no queria dizer que no precisasse dele outra vez - esperava junto calada. Perry Mason torceu a maaneta da porta do carro. - Amanh de manh, s nove horas? - perguntou. - Nove e meia, digamos , sugeriu ela. Mason anuiu com a cabea, e sorriu para a jovem de modo tranquilizador. - Amanh - disse ele, ver que no to difcil dizer. J me disse bastante, de modo que me poder dizer o que falta. Quase que posso imaginar por mim mesmo o que seja. Ela olhou-o fixamente, depois com dureza. 43

- s nove e meia - disse, e riu nervosamente. Mason fechou a porta. Ela ps o motor em marcha e o carro partiu acelerado. Mason fez um sinal ao chauffeur. - Bem, meu velho, afinal vai ter de levar-me a casa. O motorista virou-se para ocultar o riso. - Okay, patro, disse ele. CAPTULO VI Perry Mason saiu da garagem onde guardava o carro, e comeou a percorrer a distncia que o separava do seu escritrio. esquina, um garoto, vendedor de jornais, gritava: - Leia a notcia. Ela deu-lhe uma pancada e ele morreu! Leia a notcia. Mason comprou o jornal, desdobrou-o e passou os olhos pelos ttulos que atravessavam o alto da pgina. Traficante assassinado por um visitante nocturno presume-se que o criminoso seja uma mulher. Mason comprou o jornal, abriu caminho por entre a onda de pees que convergiam para a entrada do arranha-cus. Ao entrar no elevador apinhado, um homem tocou-lhe no brao. - Bom dia, senhor advogado - disse ele. - J leu o relato do acontecimento do dia? Perry Mason negou com a cabea. - Raramente leio notcias de crimes. Bastam-me os que me vm s mos. - Bonito triunfo alcanou o senhor no seu ltimo caso. Mason agradeceu com um sorriso mecnico. O homem, tendo quebrado o gelo convencional, comeou a deixar transparecer sintomas daquela loquacidade to conhecida dos que esto em evidncia, uma loquacidade proveniente no tanto do desejo de expor uma ideia qualquer, mas do intento de conseguir bases que permitam dizer em conversa aos amigos, como uma coisa casual: 44

Outro dia, quando eu falava com Perry Mason a respeito disso, sugeri-lhe... - Amabilidade sua - murmurou Mason, quando o elevador se deteve no andar do seu escritrio. - Se eu estivesse encarregado deste caso eis o que faria: Em primeiro lugar... Mason, na dvida de que algum dia pudesse topar com aquele homem sentado na tribuna do jri como jurado, muito tempo depois dele, Mason, ter esquecido aquela conversa, sorriu para ele de modo cordial quando a porta do elevador se cerrou sobre as sugestes do homem, mas uma expresso de alvio amenizou-lhe a fisionomia quando se encaminhou com vivacidade pelo corredor, em demanda do seu escritrio cuja porta abriu. Os olhos de Della Street reflectiam intensa inquietao. - J viu isto, chefe? - perguntou. Mason ergueu as sobrancelhas. Ela apontou-lhe o jornal que ele trazia debaixo do brao. - Li apenas os ttulos - respondeu. - Algum traficante liquidado? Era conhecido nosso? A fisionomia de Della Street era mais eloquente do que quanto pudesse dizer. Perry Mason penetrou no seu gabinete, estendeu o jornal em cima da mesa e leu a reportagem: Enquanto os moradores dos Bellaire Apartments n. 308, Norwalk Avenue, telefonavam freneticamente para a Polcia, s primeiras horas desta madrugada, Gregory Moxley, de trinta e seis anos, residente nos Colemont Apartments 316, Norwalk Avenue, jazia moribundo, em consequncia de um golpe no crnio que lhe foi vibrado por um assaltante no identificado que bem pode ter sido uma mulher. A Polcia recebeu a chamada telefnica s 2.27 minutos da madrugada. A chamada foi difundida pela rdio, e o carro 62, conduzido pelos agentes Harry Exter e Bob Milton, dirigiu-se rapidamente aos Colemont Apartments, onde aqueles agentes foraram a porta do apartamento B, situado no andar superior, e encontraram Gregory Moxley com vida, embora, inconsciente. A vtima estava completamente vestida, conquanto a cama estivesse desarrumada. Estava cado de bruos, no pavi45

mento, com as mos crispadas no tapete. Um atiador de ferro, cado ali perto, com manchas de sangue, tinha sido evidentemente usado para vibrar, pelo menos, um golpe terrvel. Tinha-lhe esfacelado o crnio. Os agentes da rdio-patrulha pediram urgentemente, por telefone a vinda de uma ambulncia, mas Moxley morreu a caminho do hospital, sem recuperar os sentidos. No posto de Polcia o corpo foi identificado como sendo o de Gregory Carey, alis Gregory Lorton, traficante notvel, cujas actividades eram bem conhecidas da Polcia. O seu mtodo de operar consistia em seduzir jovens atraentes, embora no muito bonitas, da classe trabalhadora, que possussem algumas economias. Usando nomes supostos, cortejava as suas vtimas. Os seus modos suaves, a sua presena agradvel, o bom corte dos seus fatos, a sua lbia adocicada, faziam com que as mulheres se tornassem uma presa fcil para a astcia do tratante, resultando da, habitualmente, uma entrega de dinheiro para ser empregado em corretagens. Quando no havia outro recurso, o traficante no hesitava em chegar ao casamento, usando um dos seus muitos falsos nomes. A polcia declara que ele deve ter casado com um bom nmero de raparigas, muitas das quais no apresentaram queixa quando Moxley desaparecia. Que o seu assaltante pode ter sido uma mulher, o que se infere da declarao de Benjamim Crandall, proprietrio de uma srie de postos de gasolina o qual ocupa, juntamente com a sua mulher, o apartamento do edifcio Bellaire Apartments, 296. Entre este apartamento e o ocupado pelo indivduo assassinado no Colemont Apartments, do lado norte, h uma distncia em linha recta de menos de vinte ps. A noite estava quente e as janelas dos dois apartamentos estavam abertas. Em certo momento da noite, Grandall e sua mulher foram despertados pelo insistente retinir de uma campainha de telefone. Ouviram ento a voz de Moxley que discutia com algum a propsito de um pouco mais de tempo. Nem Grandall nem a mulher podem precisar a hora exacta da conversao telefnica, conquanto deva ter 46

sido depois da meia-noite, porquanto no se deitavam at s 11.50, e acham provvel que fosse antes das duas horas da madrugada porque Moxley disse ao interlocutor da outra extremidade do fio que tinha uma entrevista com Rhoda marcada para as duas horas da madrugada, e que ela devia, sem sombra de dvida, trazer-lhe fundos mais do que suficientes para ele fazer face aos seus compromissos. Ambos, Crandall e a mulher, recordam o nome de Rhoda. Grandall acha que o sobrenome da mulher tenha sido, talvez, mencionado, e que devia ser um nome estrangeiro, que terminava em ayn ou ane. A primeira parte do nome foi pronunciada muito apressadamente e ele no a pde ouvir distintamente. Em consequncia da conversao telefnica, Grandall e a esposa ficaram aborrecidos pelo barulho e falaram em fechar a janela. Entretanto, no o fizeram, e Grandall declarou polcia: Procurei dormir, de modo que estava meio adormecido quando ouvi conversar no apartamento de Moxley. Ouvi ento uma voz masculina que parecia exaltar-se numa discusso. Houve, nesse momento, um rudo que bem podia ter sido o de um golpe e depois o rudo de alguma coisa que caa com fragor. Durante esse tempo, e no momento exacto em que o golpe foi vibrado, a campainha da porta da casa de Moxley retinia como se algum tentasse faz-lo abrir a porta da rua. Adormeci e fui despertado outra vez por minha mulher que insistia em que eu devia chamar a polcia. Fui janela, e olhei para a casa de Moxley. Pude ver que as luzes estavam acesas e por um espelho de parede consegui ver o p de um homem que jazia sobre o soalho. Fui ao telefone e chamei a polcia. Eram ento aproximadamente duas horas e vinte e cinco. A Sr.a Crandall disse que no se levantou da cama depois que despertou com o retinir da campainha do telefone de Moxley; que ouviu a conversa telefnica concernente mulher chamada Rhoda; que, depois disso, ficou numa modorra, nem completamente adormecida, nem acordada; que ouviu o som de vozes abafadas que vinham do apartamento de Moxley e entre elas o de uma voz de mulher, ou, mais exactamente, de uma jovem, falando rapidamente; que ouviu a voz de Moxley elevar-se, irada, 47

e depois um rudo que ela tem a certeza de ter sido o de um golpe; depois, o barulho de alguma coisa ao cair no pavimento, e, finalmente, silncio; que, imediatamente antes do som do golpe, a campainha da porta de Moxley tilintava firmemente, com insistncia, como se algum tivesse apoiado o dedo contra o boto premindo-o com fora durante longos perodos de tempo, parando durante um momento e continuando novamente. Disse que aquele tilintar continuou por alguns minutos depois do som do golpe e que julga que quem estava a tocar a campainha com certeza ter entrado porquanto ela ouviu murmrios que vinham do apartamento, acompanhados de um rudo que devia ser o de uma porta suavemente fechada e, por fim, silncio. Ficou deitada durante quinze ou vinte minutos, tentando adormecer, e ento, achando que a polcia devia ser avisada, acordou o marido e sugeriu-lhe que procedesse a essa diligncia. A polcia tem um indcio decisivo para identificar o assassino. A mulher que entrou no apartamento de Moxley e que, ou vibrou o golpe que lhe determinou a morte ou, pelo menos, estava presente quando o golpe foi desferido, deixou cair da sua mo enluvada um porta-chaves de couro contendo uma chave de cadeado, que a polcia cr firmemente servir para abrir a porta de uma garagem particular, e mais duas chaves de dois automveis. Pelo tipo das chaves a polcia verificou que um dos carros um Chevrolet e o outro um Plymouth. Assim, pois, ela procura nos registos de automveis a lista das pessoas que possuem, simultaneamente, um Chevrolet e um Plymouth, e est tambm a tentar identificar a chave da garagem. Baseando-se no facto de que a mulher tinha acesso aos dois carros, a polcia est inclinada a crer que se trate de uma mulher casada, cujo marido mantm dois carros para uso da famlia. Apresentamos na pgina 3 uma fotografia das chaves. O facto de no existirem impresses digitais na arma homicida leva a polcia a crer que ela foi manejada por uma mulher enluvada. Os investigadores esto ligeiramente intrigados pelo facto de no se encontrarem impresses digitais de qualquer espcie, nem sobre a arma do crime, nem sobre a maaneta da porta. A polcia cr, contudo, que, neste caso, as impresses digitais so um elemento de importncia secundria para a identificao positiva do 48

misterioso visitante, sendo de maior interesse a chave do cadeado esquecida no quarto. A ficha policial de Moxley mostra que o seu verdadeiro nome Gregory Carey, que em 15 de Setembro de 1929 foi sentenciado em San Quentin a quatro anos de... (Continua a pgina 2, 1.a coluna). Perry Mason ia virar para a pgina dois, quando Della Street bateu na porta de um modo rotineiro e deslizou em silncio para dentro do gabinete particular, fechando com todo o cuidado a porta por onde entrara. Perry Mason olhou para ela, franzindo o sobrolho. - O marido dela est aqui no escritrio - disse Della Street. - Montaine? - perguntou Mason. Ela inclinou a cabea afirmativamente. Perry Mason semicerrou os olhos, pensativo. - Conseguiu obter dele alguma declarao sobre o que quer? - No - respondeu Della Street. - Disse que precisa de falar com o senhor; que um assunto de vida ou de morte. - Tentou averiguar se a mulher dele tinha estado ontem aqui? - No. - Que aspecto tem? - Est nervoso - disse Della Street. - Est plido como um fantasma. Tem olheiras. No fez a barba esta manh, e est com o colarinho amarrotado como se tivesse suado muito. - Que espcie de aparncia tem o homem, Della? - baixo e de ossatura delgada. O fato bom, mas no o sabe vestir. A boca de homem fraco. Tenho a impresso de que mais novo do que ela um ou dois anos. o tipo de homem que poderia ser petulante se no estivesse assustado. Ainda no viveu o bastante para se sentir senhor de si mesmo, nem de ningum. Perry Mason sorriu. - Della - disse ele - qualquer dia vou deix-la sentar-se a meu lado, quando eu escolher um jurado. At hoje, voc nunca se enganou nas suas apreciaes. - J tem informaes a respeito dele? - perguntou ela. 4 - VAMP. G. GARDNER 14 49

- Quase completas - admitiu o advogado. - Julga que conseguiremos faz-lo esperar enquanto termino a leitura deste artigo? Ela fez rapidamente que no com a cabea. - Foi por isso que entrei aqui. Ele est assustadoramente impaciente. No me surpreenderia que se retirasse do escritrio se o senhor o fizesse esperar. Mason dobrou o jornal com relutncia e guardou-o na gaveta da secretria. - Mande-o entrar - disse. Della Street abriu a porta. - Sr. Montaine, queira entrar. Um homem de estatura interior mediana entrou no escritrio com passo vivo e impaciente, dirigindo-se para junto da mesa de Perry Mason, e, antes de falar, esperou que Della Street fechasse a porta. Ento despejou uma catadupa de palavras com a pressa retumbante de um menino que recitasse um poema. - Chamo-me Carl W. Montaine. Sou filho de C. Philip Montaine, de quem o senhor j deve ter ouvido falar. O advogado meneou a cabea. - Leu os jornais da manh? - perguntou Montaine. - Olhei para os ttulos - disse Mason. - No tive at agora uma oportunidade para os ler inteiramente. Montaine dirigiu-se para a grande cadeira de couro, sentou-se beirinha, e inclinou-se para a frente. Uma madeixa de cabelos caa-lhe sobre a testa. Com um gesto impaciente da palma da mo deitou-a para trs. - Leu o relato do assassnio? Perry Mason franziu as sobrancelhas como se quisesse fazer um apelo sua memria. - Sim, li os ttulos. Porqu? Montaine chegou-se mais para a beira da poltrona, a ponto de parecer que ia cair no cho. - Minha mulher - disse ele - vai ser acusada deste crime. - Ela cometeu-o? - No. Mason estudou o rapaz num exame silencioso. - Ela no pode ter feito isso - disse Montaine com violncia. - No capaz de uma coisa dessas. Mas de qualquer forma, est comprometida nisso, apesar de tudo. Ela sabe quem o cometeu. E, se no sabe, suspeita. Creio 50

que sabe e est a proteger o criminoso. Tem sido instrumento dele h muito tempo. A menos que a salvemos, esse homem coloc-la- numa tal situao que ningum a poder salvar. Neste momento ela tenta escud-lo. Ele esconde-se por trs dela. Rhoda mentir para o proteger e depois ele ir, gradualmente, enterrando-a cada vez mais. preciso que o senhor a salve. - O assassinato - lembrou-lhe Mason - foi cometido por volta das duas horas da madrugada. Sua mulher no estava em casa a essa hora? - No. - Como o sabe? - uma histria muito comprida. Teria de comear pelo princpio. O tom de voz de Mason foi pouco categrico, ao dizer: - Comece, ento, pelo princpio. Sente-se mais vontade na cadeira e acalme-se. Conte-me tudo desde o comeo. Montaine deixou-se escorregar at ao fundo da poltrona de couro e levou a mo testa, naquele gesto brusco e nervoso de puxar o cabelo para trs. Tinha os olhos castanho-avermelhados. Estavam cravados no rosto de Perry Mason, com os olhos de um co estropiado sobre os de um veterinrio. - Comece - disse Perry Mason. - O meu nome Carl Montaine e sou filho de C. Philip Montaine, o multimilionrio de Chicago. - J me disse isso - observou o advogado. - Terminei o curso da Universidade - continuou Montaine. - Meu pai queria que eu entrasse para o comrcio. Eu quis primeiramente conhecer um pouco o mundo. Viajei durante um ano. Depois vim para c. Estava muito nervoso. Tive uma apendicite aguda. Foi preciso operar-me com urgncia. Meu pai estava preso por um complicadssimo assunto financeiro, que importava em muitos milhares de dlares. Ele no podia vir aqui. Fui para o Sunnyside Hospital e tive a melhor assistncia mdica que o dinheiro pode proporcionar. Meu pai olhou por tudo. Tive uma enfermeira particular, noite e dia. A enfermeira do turno da noite chamava-se Lorton - Rhoda Lorton. Montaine fez uma pausa impressionante, como se as 51

suas palavras devessem encerrar alguma significao para Perry Mason. - Continue - disse o advogado. Montaine fincou os cotovelos nos braos de couro da poltrona, arrastando-se um pouco mais para a frente. - Casei com ela - disse, atrapalhado. Os seus modos eram os de um homem que tivesse confessado um crime qualquer. - Claro - disse Mason, como se casar com uma enfermeira fosse o procedimento habitual de todos os convalescentes. Montaine chegou-se mais para a beira da poltrona e deitou o cabelo para trs. - Pode imaginar o efeito que isso deve ter causado a meu pai - disse ele. - Sou filho nico. A descendncia dos Montaine devia fazer-se por meu intermdio. Tinha casado com uma enfermeira. - Que h de mal em casar com uma enfermeira? perguntou Mason. - Nada. O senhor no compreende. Estou expondo o caso sob o ponto de vista de meu pai. - importante o ponto de vista de seu pai? - muito importante. - Est bem, ento, continuemos. - Sob um cu sem nuvens, meu pai recebe um telegrama anunciando-lhe que eu me havia casado com Rhoda Lorton, a enfermeira que me tratara. - No o tinha avisado da sua inteno de casar com ela? - No. Se eu prprio mal o sabia... Foi um destes impulsos... - Por que no comunicou a seu pai o seu compromisso com ela? - Porque ele se teria oposto. Teria levantado um milho de dificuldades. Eu queria casar com ela a todo o custo. Sabia que se lhe notificasse as minhas intenes, no as poderia jamais realizar. Ele ter-me-ia cortado a mesada, dar-me-ia ordem de voltar para casa e faria outras coisas. - Continue - disse Mason. - Bem. Casei com ela. Telegrafei a meu pai. Ele mostrou-se muito amvel. Continuava ocupado com o negcio de que lhe falei e no podia deix-lo. Quis que 52

fssemos a Chicago visit-lo. Rhoda, entretanto, no quis ir logo em seguida ao casamento. Queria esperar mais algum tempo. - De modo que no foram? - No, no fomos. - No creio que ele ficasse satisfeito, no verdade? - Creio que no. - Queria falar-me a respeito de um assassinato? indagou Mason. - Tem um jornal da manh aqui no escritrio? Mason abriu a gaveta da mesa e de l retirou o jornal que estava a ler quando Della Street lhe anunciara a visita de Carl Montaine. - Procure a pgina trs, faa favor - disse Montaine. Mason abriu o peridico na terceira pgina. No centro da mesma via-se a fotografia de uma chave, reproduzida no seu tamanho natural. Por baixo da gravura apareciam as palavras: Deixou o assassino cair esta chave? Montaine tirou do bolso um porta-chaves, de couro, destacou do mesmo uma chave e passou-a a Mason. - Compare-as - disse ele. Mason colocou a chave em cima da fotografia, depois colocou a chave do outro lado do papel, traou-lhe os contornos com o lpis e meneou lentamente a cabea. - Como possvel - inquiriu - que o senhor tenha esta chave? Eu pensava que a polcia a tinha em seu poder. Montaine negou com a cabea e disse: - Esta, no. Esta chave minha. Essa que a est fotografada a chave de minha mulher. Ns temos em duplicado a chave da garagem e as dos dois automveis. Ela deixou cair a chave quando... -A sua voz apagou-se. Abriu o porta-chaves de couro, colocou-o em cima da mesa e indicou as chaves. - As chaves das portas do Chevrolet e do Plymouth. Minha mulher guiava habitualmente o Chevrolet. Eu guio o outro. Mas s vezes trocamos e para simplificar o assunto temos chaves em duplicado das portas, deixando as da ignio no lugar delas. - Falou com sua mulher antes de vir aqui? Ela sabe que o senhor veio consultar-me? 53

- No. ': -