99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jx]`fj alc_f...

68
desafios

Upload: others

Post on 10-Aug-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

desafios

1 A - 08/14/2008 17:15:33 ---->>> 202x266mm

Page 2: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

1 B - 08/15/2008 12:00:18 ---->>> 202x266mm

Page 3: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

1 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 4: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante controverso: quais são os perigos do déficit de US$ 17,4 bilhões em transações correntes registrado no primeiro semestre deste ano no balanço de pagamentos brasileiro? Enquanto a divergência entre os especialistas não se resolve, a revista Desafios do Desenvolvimento contribui com uma luz para esse debate, apresentando os argumentos e opiniões de cada lado.

Outras três questões controversas também são tratadas nesta edição. A primeira discute se é possível mudar a Lei de Responsabilidade Fiscal sem afrouxar demais, preservando suas características positivas quanto à moralização das contas públicas e corrigindo os pontos que se mostram ina-dequados à realidade nacional. Outra apresenta um novo estudo sobre as desigualdades de gênero e raça. E uma terceira debate os pontos favoráveis e negativos do programa de Benefício de Prestação Continuada.

A entrevista do mês traz mais um dos membros do Conselho de Orienta-ção do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – a economista Tânia Bacelar de Araújo, especialista em políticas de desenvolvimento regio-nal. Com bastante conhecimento de causa, ela afirma para os nossos leitores que a diversidade regional é um dos patrimônios brasileiros que farão dife-rença no século XXI. Recomendo a leitura da entrevista, a partir da página 8.

A agricultura familiar também ganha nesta edição um tratamento espe-cial. O dilema de produzir comida ou biocombustível é confrontado com os planos governamentais de aumentar em 18 milhões de toneladas a produção de alimentos até 2010. Uma projeção feita por encomenda do Centro de Ges-tão e Estudos Estratégicos (CGEE) indica a cana-de-açúcar com finalidade de produção de etanol ocupando em 2025 uma área sete vezes maior do que a de hoje, sem que isso comprometa as metas de produção de alimentos.

Na parte mensalmente destinada ao tema Melhores Práticas, esta edição relata um caso exemplar de sustentabilidade de agricultores nos confins da Amazônia – o Projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Aden-sado (Reca), vencedor do Prêmio ODM Brasil 2007, com suas “florestas de alimentos” na divisa dos estados do Acre e de Rondônia. E, como de costu-me, o leitor encontrará quatro páginas de opinião, com artigos de autoria de especialistas nos assuntos que abordam, e as seções de notas Giro e Circuito, a seção Estante, de resenha de livros, além das páginas de Indicadores, a seção O que é? e as cartas enviadas pelos leitores.

Boa leitura.

Jorge Abrahão de Castro, diretor-geral da revista Desafios do Desenvolvimento

Carta ao leitor Governo FederalSecretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República MINISTRO Roberto Mangabeira Unger

PRESIDENTE Marcio Pochmann

URL: http://www.ipea.gov.brOuvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

www.desafios.ipea.gov.br

DIRETOR-GERAL Jorge Abrahão de CastroASSESSOR-CHEFE DE COMUNICAÇÃO Estanislau MariaCOORDENADORA ADMINISTRATIVA Dóris Magda Tavares GuerraCONSELHO EDITORIAL André Gambier Campos, Carlos Sávio G. Teixeira, Dóris Magda Tavares Guerra, Estanislau Maria, Jorge Abrahão de Castro, Jorge Luiz de Souza, José Aparecido Carlos Ribeiro, Maria da Piedade Morais, Marina Nery e Roberto Müller Filho

RedaçãoEDITOR-CHEFE Roberto Müller FilhoEDITOR-EXECUTIVO Jorge Luiz de SouzaBRASÍLIA Edla Lula e Ricardo WegrzynovskiRIO DE JANEIRO Luiz Fernando DutraSÃO PAULO Claudia Izique e Manoel SchlindweinEDITORA DE ARTE Débora de Bem ASSISTENTE DE ARTE Cleber EstevamJORNALISTA RESPONSÁVEL Roberto Müller Filho

ColaboradoresFOTOGRAFIA Paulo BrasilILUSTRAÇÃO Erika OnoderaREVISÃO Mauro de BarrosFOTO DA CAPA Stockxpert

Cartas para a redaçãoSBS Quadra 01, Edifício BNDES, sala 1515 CEP 70076-900 - Brasília, [email protected]

[email protected](061) 3315-5251

ImpressãoCromos – Editora e Indústria Gráfica Ltda.

AS OPINIÕES EMITIDAS NESTA PUBLICAÇÃO SÃO DE EXCLUSIVA EDE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO EXPRIMINDO, NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO INSTITUTO DE PESQUISAECONÔMICA APLICADA (IPEA).

É NECESSÁRIA A AUTORIZAÇÃO DOS EDITORES PARA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO CONTEÚDO DA REVISTA.

DESAFIOS (ISSN 1806-9363) É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DO IPEA, PRODUZIDA PELA SEGMENTO RM EDITORES LTDA.

SEGMENTO RM EDITORES LTDA.RUA CUNHA GAGO, 412 - 4º ANDAR - CJ. 43 - PINHEIROS - SÃO PAULO - SP

CEP 05421-0011 - TEL. (11) 3094-8400

1 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 5: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

Ricardo L. C. Amorim

Francisco Alberto Severo de Almeida e Isak Kruglianskas

Daniel Negreiros Conceição

Wanderley Messias da Costa

A diversidade regional é um dos patrimônios brasileiros que farão diferença no século XXI

Especialistas divergem sobre perigo do atual déficit corrente do balanço de pagamentos

Brasil planeja aumentar em 18 milhões de toneladas a produção de alimentos até 2010

Aos oito anos de vigência, chega a hora de adequar a lei que moralizou as contas públicas

Busca por uma sociedade justa e igualitária passa por superar preconceito e discriminação

Idosos e pessoas com deficiência incapacitante sofrem com as mudanças nas normas

Agricultores tiram seu sustento em projeto sustentável de florestas de alimentos na Amazônia

Ilustr

ação

: Erik

a On

oder

aFo

to: D

elfim

Mar

tins/

Pulsa

rFo

to: M

aria

da

Pied

ade

Mora

is/Ip

eaFo

to: W

ilson

Dia

s/AB

r

2 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 6: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

O Departamento de Ciên-cias Pesqueiras da Universi-dade Federal do Amazonas (Ufam) inaugurou um siste-ma de aquários para viabili-zar projetos de pesquisa de estudantes que estão termi-nando a graduação. O siste-ma foi construído dentro de um contêiner marítimo mo-

dificado, adquirido com re-cursos do Programa Primei-ros Projetos (PPP), resultado de uma parceria da Fundação de Amparo à Pesquisa do Es-tado do Amazonas (Fapeam) com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O sis-tema de aquários é abasteci-

do com água de um poço armazenada em uma caixa-d’água com capacidade de 3 mil litros, o que permite a realização de experimentos com alevinos. As primeiras espécies que serão colocadas no sistema são exemplares de tambaqui, matrinxã, pira-rucu e cará.

As doenças coronárias es-tão relacionadas com a perda de raciocínio, vocabulário e fluência verbal, segundo um estudo publicado no site do European Heart Journal. A pesquisa acompanhou 5.837 ingleses durante 17 anos. Nesse período, 11% sofreram doenças coronárias. A capaci-dade cognitiva foi medida em pacientes que tinham cerca de 61 anos, uma idade na qual ainda não há outros fatores de risco que possam confundir os resultados. O estudo demons-trou também que, quanto mais se demora no diagnósti-co, menor é o funcionamento cognitivo da pessoa, sobretudo nos homens. Os resultados do estudo apontam que, caso fossem combatidos os fatores de risco das doenças coroná-rias, seria possível também enfrentar o desenvolvimento da demência em idades mais avançadas. Os fatores de ris-co são tabagismo, diabetes, pressão alta e colesterol. As melhores formas de preven-ção seriam uma dieta balan-ceada e a prática de exercí-cios, além de manter uma vida longe do cigarro.

Um novo fóssil descoberto na Antártida indica que a região foi, há milhares de anos, mais quente do que é agora. A constatação tem implicações para o estudo da evolução da calo-ta polar e da mudança climática. A descoberta, divulgada na revista britânica Proceedings of the Royal Society B, foi feita por um grupo de cientistas de várias universidades do Reino Unido e dos Estados Unidos, na zona do Vales Secos do leste do continente antártico. Os fós-seis, um tipo de ostracodo – pequeno crustá-ceo com aspecto de concha –, têm origem em um antigo lago de 14 milhões de anos e estão bem conservados em três dimensões, inclusive suas partes moles, disseram os cientistas. Eles

afirmaram acreditar que a existência desse ti-po de fóssil, até agora desconhecido, demons-tra que a Antártida já foi mais quente do que é hoje em dia. As condições atuais da região, com temperaturas anuais de 25°C abaixo de zero, tornaria impossível a existência de uma fauna de ostracodos em um lago. A descober-ta desses fósseis demonstra que houve uma mudança drástica no clima, de condição de tundra há 14 milhões de anos para o clima continental muito frio. O resfriamento “subs-tancial e muito intenso” do clima antártico é um dado importante para traçar a evolução da calota polar, um fator-chave para entender os efeitos do aquecimento global.

2 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 7: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

O aumento da produção do etanol brasileiro não teve qual-quer efeito na elevação do pre-ço internacional dos alimentos, na avaliação do reitor da Uni-versidade Estadual de Cam-pinas (Unicamp), José Tadeu Jorge. Ele constatou que a soja e o arroz foram os alimentos que tiveram o maior aumento de preços entre 2000 e 2008. O custo da saca da soja pulou de US$ 11,40 para US$ 28,70 no período, enquanto a de arroz passou de US$ 7,25 para US$ 28,41. No mesmo período, o preço do barril do petróleo subiu de US$ 28 para mais de US$ 110, acompanhado por elevações no preço do cobre (de US$ 1,8 por tonelada em 2000 para US$ 8 em 2008) e do alumínio (de US$a 1,54 para US$ 2,85). Há uma tendência

de alta muito semelhante entre as commodities e isso é uma forte evidência de que não há relação direta da alta de pre-ços dos alimentos por causa dos fatores relacionados com a produção de etanol, afirmou. “Uma das conclusões para o aumento significativo dos preços é o crescimento da de-manda mundial por diversos tipos de alimento, que é o tipo de demanda que cresce mais cedo e mais rápido quando há aumento de poder aquisitivo da população”, disse.

As políticas sociais imple-mentadas no país nos últimos dez anos permitiram que mu-lheres e crianças passassem a ter maior acesso aos serviços de saúde, assistência médico-hospitalar, medicamentos e métodos contraceptivos, con-cluiu a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) iniciada em 2006 e agora di-vulgada pelo Ministério da Saúde. A redução em mais de 50% da desnutrição das crianças menores de 5 anos, de 1996 a 2006, e medidas educativas de hidratação oral e higiene contribuíram para uma queda de 44% na morta-lidade infantil. Houve avanço também no meio rural: 97% das mulheres tiveram acesso a pelo menos uma consulta pré-natal durante a gravidez em 2006, ante 68% em 1996.

No mesmo período, as políti-cas de planejamento familiar contribuíram para reduzir de 2,5 filhos por mulher em 1996 para 1,8 em 2006. Na ava-liação do estado nutricional das mulheres, apenas 3,5% apresentaram déficit de peso. Por outro lado, o excesso de peso e a obesidade cresceram entre as mulheres brasileiras. Em 1996, 34,2% delas tinham excesso de peso e, dez anos depois, eram 43%, represen-tando num aumento de 25%. A PNDS foi realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) com orientação do Ibope e envol-veu 15 mil mulheres em idade fértil (15 a 49 anos) e 5 mil crianças com até cinco anos.

Há 93 milhões de anos, as erupções de vul-cões submarinos que formaram as ilhas cari-benhas causaram uma extinção em massa de vida, de acordo com estudo dos geólogos Steven Turgeon e Robert Creaser, da Universidade de Alberta, do Canadá, publicado na revista Natu-re. Depois de analisar a composição de rochas que se formaram naquela época, os cientistas descobriram que elas estavam cheias de um tipo especial de ósmio, metal expelido pelas erup-ções e espalhado pelos mares. Uma infinidade de seres vivos que dominavam o leito marinho na época desapareceu – de organismos uni-celulares chamados foraminíferos até grandes moluscos. Um dos culpados pela megaextinção do período Cretáceo foi o aquecimento global:

vulcões submarinos expelem gases do efeito estufa, que acabam vazando para a atmosfera. Com a atmosfera superaquecida, as camadas mais superficiais do oceano se esquentaram também e, por um efeito de choque térmico, as correntes que levavam oxigênio ao fundo cessaram. Há, no entanto, uma segunda hipó-tese: os vulcões submarinos do Caribe também expeliram um bocado de nutrientes metálicos que serviam de alimento para o plâncton (pe-quenos organismos marinhos) na superfície. A superpopulação de plâncton, quando morria, se decompunha e roubava oxigênio da água à medida que afundava. Turgeon diz que a extinção da vida, no período, foi resultado da combinação desses dois fatores.

3 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 8: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

3 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 9: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

No curto prazo, a preocu-pação com o endividamento do governo, a crise fiscal, se arrastando desde a década de 1980, então já temos duas décadas, quase três. O problema que eu vejo nisso para o desenvolvimento é que no caso do Brasil o governo ainda é um agente muito importante tanto para inves-timentos em infra-estrutura como em investimentos na educação e para investimentos na proteção so-cial. E um governo endividado não tem dinheiro para investir. Hoje, quando se analisa as contas públi-cas, a principal despesa do governo é a conta de juros. Então, o dinheiro que ele teria para devolver à socie-dade ele devolve a seus credores. Isso, no curto prazo, tem sido um entrave importante para um me-lhor desenvolvimento do país e não acredito em solução mágica para isso. A solução é gradual mesmo.

A taxa de juros muito alta termina sendo um elemento im-peditivo. Então, se teria de ter uma situação em que a taxa de juros pudesse ser mais baixa, a maior taxa de juros real do mundo é a nossa. E voltou a crescer. Aí, a inflação desa-celera, mas o juro já subiu. Esta, no

curto prazo, é a principal dificulda-de, porque limita toda a capacidade de crescimento. Um país que ainda tem gargalos sérios de infra-estru-tura em segmentos e projetos que o setor privado não vai suprir, que tem um investimento estratégico a fazer em educação, que também o setor privado sozinho não res-ponde, e que ainda precisa de polí-ticas sociais de peso. Mas o cenário hoje é melhor do que o que já tivemos. Com todo o problema, no começo do século XXI, o tama-nho da dívida era 55% do Produ-to Interno Bruto (PIB) e hoje são 40%. Mas ainda é muito elevado. E, como a taxa de juros é alta, o pagamento de juros é o maior item de despesa do governo.

Para mim, o problema cen-tral a médio prazo é o da desigual-dade – a desigualdade social e a desigualdade regional. Nós herda-mos essas duas desigualdades e em todo o diagnóstico que se faz isso aparece com muita força. Eu faço parte do Conselho de Desenvolvi-mento Econômico e Social (CDES) da Presidência da República. Ali, é um ambiente muito heterogê-neo, são mais de 80 pessoas com perfil muito diferenciado, e foi feita uma pesquisa conosco. Foi qua-se unânime, mais de 90% das pes-

A diversidade regional é um patrimônio brasileiro

soas, quando perguntadas qual é o principal desafio do país, respon-deram: é reduzir a desigualdade, tanto social quanto regional, em todas as escalas.

Eu diria que a renda do trabalho melhorou. A renda total, não, por conta dos juros. A taxa de juros não afeta só o governo. Os rentistas, os aplicadores, quem é superavitário no Brasil e empresta ao governo, ganha muito bem. É muito melhor remunerado do que se aplicasse em qualquer país do mundo. Então, isso transfere ren-da da sociedade para um pequeno pedaço da sociedade que são os aplicadores, as empresas ou pessoas físicas que são superavitários. A maioria da nossa população não tem a cultura de poupar, ao contrá-rio, a nossa cultura é de consumir, se endividar, e portanto pagar mais caro. Então, na renda total, não se tem uma mudança significativa, mas na renda do trabalho há uma mudança importante neste começo de século XXI, que eu considero positiva, tirando gente da classe E para botar na classe C. É uma pirâ-mide com uma base muito alarga-da, com muita gente nas classes C, D e E, e o que se fez foi tirar gente das camadas de menor renda para

4 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 10: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

uma camada intermediária. Todas as pesquisas mostram isso.

Eu acho que foi. A infla-ção alta corrói o poder de compra de quem ganha pouco e não tem mecanismos de defesa. Então, ine-gavelmente, uma inflação baixa é favorável exatamente à base da pi-râmide. E, junto, houve três outros fatores. Primeiro, o Bolsa Família. Não é desprezível pelo volume de recursos: passa do patamar de R$ 2 bilhões para R$ 10 bilhões anuais, o que no Brasil é muito dinheiro. E afeta mais o Norte e o Nordeste, e nem se sente em São Paulo. E nos pequenos municípios se sente com mais força ainda. O tamanho da transferência foi significativo em locais onde a base produtiva é pe-quena e portanto o volume de renda gerado localmente é muito peque-no. O que era um programa assis-tencial acabou se transformando em estímulo ao dinamismo daquela economia local muito pequena. A bodega da esquina, a feira, a pada-ria, a farmácia, tudo envolve um fluxo de renda que não era gerado ali, mas que é transferido de outros lugares. O Nordeste tem 28% da população brasileira e 50% da po-pulação pobre do Brasil. Então, dos R$ 10 bilhões que o governo paga, R$ 5 bilhões vão para lá. Por isso, nas pequenas cidades do Nordeste se sente um impacto importante no estímulo ao consumo. Gente que não consumia passou a consumir. Do ponto de vista macro, não foi só o pequeno negócio que lucrou. Por-que, como é muita gente, também as grandes empresas se beneficiam: os supermercados e empresas de produção de alimentos e de confec-ções. Por exemplo, a Bauducco fez uma fábrica na Bahia e está fazendo outra. A Nestlé está investindo lá. A Perdigão e a Sadia foram agora para Pernambuco. Vão produzir

iogurte e embutidos, porque esse padrão de renda consome muito em embutidos. Então, isso atraiu também grandes corporações para fazer investimentos para atender a essa demanda. E tem um efeito indireto sobre o emprego.

É o salário mínimo. Desde o final da década passada ele vem tendo variação real e acima da cor-reção média dos salários. Também todos os estudos mostram isso. No ano passado, a inflação média, o melhor índice, foi 5,2%, digamos, e o salário mínimo este ano foi corrigido em 9,2%. Então, não é uma diferençazinha, é uma diferen-ça significativa. De novo, bate lá na base da pirâmide, e bate mais nas regiões mais pobres. Tem um im-pacto social e um impacto regional. De novo, para dar o exemplo do Nordeste, que tem metade dos tra-balhadores brasileiros que ganham salário mínimo, o impacto é maior no Nordeste do que em São Paulo.

O terceiro é o crédito. Sem dúvida o crédito estimula o con-sumo. E o crédito não só aumen-tou em volume como ele trabalhou muito com o que é da cultura bra-sileira, que é o tempo. O brasileiro não faz conta da taxa de juro, mas faz conta do tempo do empréstimo, e, portanto, da parcela mensal que ele vai pagar. Ele não sabe quanto está pagando de juro. Ele faz a con-ta: cabe no meu salário, na minha renda mensal? Cabe. Então, com-pra. Alongou o prazo. Já se vende hoje carros, motos, eletrodomésti-cos a prazos muito grandes.

Eu acho que sim. No caso do automóvel, estamos na contramão das tendências mundiais, financian-do automóvel a 70 meses, quando precisamos investir é em transporte

4 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 11: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

do que a do Brasil, e pôs todos os jovens na escola de manhã e de tarde. É isso que temos de fazer no Brasil para dar uma educação que não seja só ensinar a ler e a escrever. É preciso dar cultura, dar esporte, é preciso ter uma visão completa da formação de uma pessoa. Todos os países desenvolvidos têm suas crianças de manhã e de tarde na escola. É requisito básico. Nem se discute. E eu não vejo ninguém sequer discutindo isso, passamos pelas campanhas eleitorais e não se vê ninguém cobrando. Só vozes isoladas, que não repercutem. En-tão, a minha hipótese é a de que não é só o governo, é a sociedade que não valoriza isso. E, quando se diz que devemos descentralizar para os municípios... espera aí, nem todo município é município com capacidade de dar educação nesse padrão. Ao contrário, acho que aí a responsabilidade é do governo central. Nós não estamos na Ale-

público coletivo de qualidade. Esse padrão de cada pessoa se deslocar de automóvel é um padrão do sé-culo XX, não do século XXI. A crise energética sinaliza noutra direção. E estamos no modelo antigo. O Brasil do século XX cresceu concentrando renda. Essa herança da desigualda-de tem a ver com esse padrão de crescimento que estruturamos no século XX, que, do ponto de vista econômico, foi muito exitoso. O Brasil é um exemplo no século XX, na literatura, de um país que deu um salto quantitativo e qualitativo na sua economia fantástico. Inega-velmente, o Brasil montou uma es-trutura industrial que produz desde os bens mais simples até aviões e armamentos, bens básicos, bens sofisticados. Estruturou um parque produtivo, em seis décadas, que é exemplo no mundo, de sucesso, de capacidade de realização. Só que foi feito concentrando renda, olhando para a camada de cima da pirâmide. A novidade é que agora estamos descobrindo um dos potenciais do Brasil, que é o consumo insatisfeito da grande maioria da população. É um mercado muito grande. E este ciclo está mostrando isso, como já vimos isso em outros momentos em que rompemos com a infla-ção – o Plano Cruzado e o Plano Re-al. A sociedade sentiu isso com mui-ta clareza. Cai a inflação, aumenta o poder de compra e o país explode, porque há um consumo insatisfeito numa massa muito grande.

A tragédia brasileira, sempre se diz, é que se um terço desses que ficaram à margem fossem colocados dentro do consumo já seríamos um grande mercado, quase a população da França. Esta era a nossa tragédia. Dava para desenvolver a economia com um terço da população dentro e dois terços fora. O que fica pa-ra resolver é o problema social. E

O Brasil estruturou em seis décadas um parque produtivo que é exemplo de sucesso, só que foi feito olhando para a camada de cima da pirâmide social

no problema social o nosso grande gargalo é educação. É aí onde como sociedade – não estou falando de governo, que também tem papel importante –, do mesmo jeito em que ela não poupa, ela não valoriza o investimento em educação. Co-nheço muita gente de classe média que, na hora do aperto, em vez de cortar a cervejinha, corta a aula de inglês do filho. Isso significa que é uma decisão da família. Imaginem os filhos de pais que não estudaram e não vêem no conhecimento uma possibilidade de uma inserção me-lhor. Então, tem um lado que é da sociedade, é cultural.

Aí o governo tem culpa. A oferta do ensino era muito restrita. Agora, ampliamos a oferta, mas a qualidade é trágica. Eu não acredito que seja uma questão de dinheiro. Vejo países como a Coréia, que tem uma economia muito menor

5 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 12: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

médio junto. Não é só dizer que va-mos preparar para o mercado, mas para o mercado e para, se ele quiser, a universidade, que tenha o diploma de ensino médio e faça o vestibular. Esse é o grande investimento estra-tégico que o Brasil não fez, e eu in-felizmente acho que a discussão está muito aquém da relevância disso, em um mundo onde, sem conheci-mento, vai-se fazer o quê?

Criativo e com capacidade de iniciativa. Mas a capacidade de iniciativa, sem conhecimento, se reduz. Imagine nossa capacidade de iniciativa com conhecimento. Já fazemos milagres sem conhecimen-to. Eu acho que é um atributo im-portante a nossa capacidade crítica. No exterior, se sente que o pessoal tem uma formação mais bitolada. Então, para criar é mais difícil, por-que criar significa contestar o que está estabelecido para poder propor outra coisa. Esse lado o Brasil tem, é um atributo positivo da nossa sociedade. Aparentemente, leva-mos tudo na brincadeira, mas não é brincadeira, é espírito crítico, e disso nasce coisa nova. É desmon-tando que também se constrói. Mas esse investimento não é questão de dinheiro, mas também não é solu-ção de curto prazo. Vai dar frutos em 15 anos, mas dá. No Nordeste, não havia universidades há 40 anos, e hoje há. Esse prazo, em termos de desenvolvimento, não é muito tempo. Então, não se faz em cinco anos, mas se faz em 40.

Essa é outra herança que tivemos, mas acho que aí estamos melhorando. Ao decidir que que-ríamos ser um país industrial, em 60 anos o país montou uma base produtiva e industrial complexa e quase completa, mas concentrou

manha, onde dois terços da receita pública são geridos na base. Esta-mos no Brasil, e aqui a maior parte da receita pública está na mão do governo federal. Todos os muni-cípios do Brasil, inclusive os ricos, somados, depois que recebem todas as distribuições a que têm direito, ficam com 20% da receita pública. Então, um investimento estratégico desse não pode ser descentralizado. A execução poderia ser até des-centralizada, mas o financiamento, não. E aí eu acho que caminhamos muito pouco. Mas a preocupação do Ministério da Educação (MEC) hoje com o ensino médio é correta. O Brasil cresceu um pouquinho e já está faltando mão-de-obra in-termediária. Nosso ensino médio é um gargalo.

Essa ênfase que o MEC está dando hoje a escolas profissionais

é o que o Brasil precisa. Eu fui a Petrolina (PE) para uma palestra em uma escola de 2º grau do Senai, e é uma escola com equipamento e salas de aula decentes, biblioteca, laboratório, internet para os alunos. É desse ensino médio que eu estou falando. Eu perguntei ao diretor o quanto investiram. Foram R$ 15 milhões. Isso não é dinheiro para o Brasil, para um país como o nos-so, que tem uma carga tributária de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que já é um dos PIBs maiores do mundo. Eu não vejo que o problema seja dinhei-ro. O problema é que a expansão das escolas técnicas é amplamente insuficiente. E tem que ser ensino de manhã e de tarde, estudar na sala de aula de manhã e ir para o laboratório de tarde, fazer esporte e para isso tem que ter uma quadra decente. Aí, vai diminuir a vio-lência. E eu defendo que o ensino profissional tem que dar o ensino

A inserção soberana é muito difícil em um país como o Brasil, mas a China está se reinserindo

agora de uma forma soberana

5 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 13: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

muito principalmente no Sudeste. Chegamos a colocar 80% da pro-dução industrial no Sudeste e 44% na Grande São Paulo. Um padrão de concentração fantástico. Mas os estudos de que dispomos mostram que o auge da concentração foi nos anos 1970 e de lá para cá há uma modesta desconcentração. Pelo me-nos a concentração não continuou e isso já é um fato importante. Hoje, há uma tendência a desconcentrar, primeiro da Grande São Paulo para o interior do Estado, as cidades mé-dias mais próximas, o Sul de Minas, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pa-raná. Isso tudo se beneficia de uma espécie de transbordamento. São locais próximos, mas não estão no foco das deseconomias. São Paulo terminou concentrando tanto que às vezes as deseconomias externas passaram a ser maiores do que as economias. Há também, por exem-plo, Manaus, é claro que com muito incentivo. As informações que nós dispomos hoje sinalizam que, do ponto de vista dessa macrotendên-cia à concentração, a hipótese é de que escapamos dela. A macroten-dência não se acentua, mas reflui, por várias razões. O II Plano Na-cional de Desenvolvimento (PND) foi desconcentrador, a crise bateu mais forte em São Paulo nos anos 1980, e dos anos 1990 para cá temos a abertura comercial, a redefinição do crescimento e nesta fase mais re-cente o crescimento do consumo da base da pirâmide social está puxan-do as atividades desconcentradoras. Então, em cada momento tem um fator, mas o conjunto deles está dando uma desconcentração. A mi-nha leitura, nesse ponto, é positiva.

Eu gostava de dizer que a principal potencial do Brasil é a di-versidade regional brasileira. É um dos nossos patrimônios, do mesmo jeito que a criatividade do povo bra-sileiro é um dos nossos patrimônios.

Continuo acreditando nisso. Difi-cilmente se encontra outro país no mundo com tanto potencial como o nosso. A natureza diferenciada, seis biomas dentro do mesmo país, bases produtivas que fomos estru-turando historicamente, cada uma diferenciada da outra, e a sociedade brasileira é diferenciada. Nós nos consideramos um povo miscigena-do, e somos, mas a miscigenação não é a mesma em cada parte. A influência indígena é muito mais forte no Norte, a influência africana

é muito forte no Nordeste, a influ-ência européia é muito forte no Su-deste, a influência japonesa é muito forte em São Paulo. Eu não encon-tro em outro lugar do Brasil onde a influência japonesa tenha essa força. O mix foi sendo diferente, o que faz a sociedade ter traços de união importantes – uma visão de mundo que se unifica, e a língua também, com a ajuda da televisão e dos meios de comunicação –, e ter diferen-ciações também importantes. As diferenciações são de uma riqueza

6 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 14: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

muito grande, que nos permite tirar partido disso. Eu acho que no sécu-lo XX o país apostou na concentra-ção, e a concentração empanou a diversidade. Nós, economistas, gos-tamos dos grandes números, mas é preciso ver que as médias no Brasil são muito influenciadas por São Paulo e pelo Sudeste, porque a con-centração foi tão forte que a média parecia explicar o Brasil, mas estava explicando apenas São Paulo ou o Sudeste. Só que os 20% ou 30% que não estavam explicados ali são de uma riqueza e de uma diferenciação maravilhosas. Hoje, começamos a descobrir isso. Não digo ainda que esteja forte, não tem a força que teve a concentração no século XX. Mas eu acho que hoje essa modesta desconcentração está dando esse re-sultado. A sociedade brasileira olha para essa multiplicidade de tecidos sociais e econômicos com um olhar de que ali também tem potencial. Todo lugar tem um potencial, co-mo toda pessoa tem um potencial. Ninguém é desprovido de tudo. Portanto, também não tem uma região desprovida de tudo. Mesmo a região que não tem água, tem sol. Aí, é só levar água – estou falando do semi-árido, que não tem água,

mas tem sol, e tem fruticultura de padrão mundial, porque o sol é um elemento importante. Então, desse ponto de vista eu sou mais otimista do que no lado da educação. Acho que devagarzinho estamos perce-bendo que a diversidade brasileira é um dos nossos potenciais.

Eu acho que a inserção so-berana é muito difícil em um país como o Brasil. Primeiro, há o ele-mento cultural. A sociedade brasi-leira é herdeira da colonização e um pedaço da elite não tem um projeto de Brasil-nação, mas só um projeto de sua própria inserção no mundo. O Brasil é um país que não dá para se realizar só dentro dele. Engatou no resto do mundo e não vai desen-gatar. Vamos ter que conviver com a globalização. O Brasil interessa aos agentes globais pelo nosso potencial produtivo e de consumo. É um país que conta na mesa do jogo mundial, não é um país qualquer. Mas a his-tória mostra países onde a elite tem outra visão, a visão do seu país pri-meiro, antes do resto. Quando falo que um pedaço da elite brasileira é colonizado, falo dos empresários,

mas falo da academia também, para falar de mim mesmo, da área onde atuo. É uma inteligência que vai pa-ra o exterior e volta e não consegue adequar aquelas teorias que apren-deu lá fora à realidade do seu país. Ou não quer fazer esse esforço. O importante para essas pessoas é ter um paper aprovado em um semi-nário internacional, e os problemas que temos aqui no país não lhes afetam. Então, inserção soberana de um país que tem uma elite com essa característica não é tarefa simples. Segundo, é que grande parte da sociedade brasileira já nem discute isso. Ela está tão à margem – e esta é outra característica do Brasil – que nem discute.

A China já foi uma grande potência no passado, depois virou país ocupado, todo mundo man-dava na China, e veio a revolução socialista e isolou a China do resto do mundo. Eles estão se reinserin-do agora, na minha leitura, de uma forma soberana. Eu acho que a China é um exemplo de país médio como o Brasil, que tem potencial como o Brasil e que consegue uma inserção soberana. A China faz o que eles acham que é importante para a China. Tem um projeto de país. Pode-se até discordar do pro-jeto deles, mas fica evidente que têm um. O Brasil, não. O Brasil tem uma cultura de submissão, eu acho. E essa cultura da elite pas-sa para a sociedade brasileira, que valoriza mais o que não é dela do que o que é dela. Às vezes, vemos pessoas comprando uma porcaria só porque é produto importado. Lá fora se vê uma leitura de que este é um país que tem potencial para uma inserção soberana. E quando se vem para dentro, se vê que a sociedade brasileira não tem essa consciência, não tem a consciência do nosso potencial. Ao contrário, tem uma leitura mais submissa. d

6 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 15: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

m país enorme, rico e... pobre! Essa éuma contradição antiga. No Brasil, a po-breza já chegou a ser confundida bucoli-camente com a imagem das fazendas na

primeira metade do século XX. Porém, a indus-trialização e a urbanização, a partir de 1930,tornaram seu peso tão gritante e destacadofrente à riqueza disponível, que pensadores des-creveram nossa sociedade por meio de opostos,dualidades. Na verdade, o desconcerto entre apobreza contemporânea, numerosa e bárbara, ea imagem de um país que se quer cosmopolita emoderno é sintomático de uma sociedade fra-turada com uma cidadania incompleta.

Então medem-se, estimam-se, criam-se ín-dices, debatem-se números, contradizem-semétodos, formulam-se modelos econométri-cos, sofisticam-se indicadores, discutem-se fil-tros, derramam-se rios de tinta desenhando fór-mulas sobre o papel, mas raramente, nas duasúltimas décadas, os economistas se perguntaramfrancamente por que há tantos pobres no país. Éuma pergunta básica, simples, quase inevitável e,no entanto, passou anos despercebida por trás dacortina de números e índices que só faziam me-dir o tamanho da pobreza com maior ou menorprecisão. Acontece que esse exercício já ultrapas-sou os limites do bom senso, pois todos os indi-cadores mostram que a pobreza é enorme, con-centrada nas grandes cidades e envia sinaiscontraditórios de rebeldia e esperança.

No passado, a Comissão Econômica para aAmérica Latina e o Caribe (Cepal) tentou respon-der a essa questão e culpou a incapacidade dos seto-res exportadores modernos de absorver a mão-de-obra disponível,obrigando-a à subsistência.A saídaapontada, então, era a industrialização. Porém, aindústria veio e a pobreza continuou. Na análisedos determinantes da pobreza, lembremos que aindustrialização com forte urbanização foi acom-panhada em grande parte pela repressão aos mo-vimentos organizados dos trabalhadores urbanose por barreiras à criação de sindicatos de trabalha-dores rurais. E o Brasil carregou durante o ciclo de

expansão econômica de 1930 a 1980 uma situaçãosocial escandalosa. Essas características clássicas dapobreza são, na verdade, sintomas, conseqüênciasda ausência de reformas no campo, da pouca açãosocial do Estado e da fraqueza dos movimentos tra-balhistas. Ou seja, evitou-se fazer as reformas capi-talistas necessárias (agrária,social e tributária) numpaís que se quer moderno e justo.

O problema agravou-se quando o Brasil se afas-tou do crescimento econômico e somou, à antigapobreza, uma nova. Ou seja, as políticas econômi-cas neoliberais dos anos 1990 geraram um novocontingente de pobres, diferente do tradicional. Osnovos pobres têm alguma escolaridade, vêm de fa-mílias pequenas, são urbanos e estão desemprega-dos. O que fazer, então? O fundamental é o desen-volvimento das forças produtivas do país, mas essedesenvolvimento é permanentemente embotadopela condição periférica e dependente. O capital eseus proprietários urbanos não revolucionaram opaís quando assumiram o poder e tampouco en-frentaram o capital estrangeiro. Preferiram posi-cionar-se como sócio menor, mas estável, da acu-mulação capitalista mundial.

Isso coloca dois desafios para se vencer a po-breza.Se a ação do Estado e o crescimento são im-prescindíveis, então: (1) do lado fiscal, como al-cançar a progressividade da estrutura tributáriabrasileira? No mesmo tom, como redirecionar osgastos públicos em favor do investimento público,reduzindo o pagamento de juros?; (2) do lado so-cial, como democratizar a sociedade, fortalecendoos trabalhadores, sem que os grupos conservado-res desestabilizem mais uma vez a legalidade? Cla-ro é, portanto, que os desafios são imensos, as re-sistências fortes e inexistem modelos. Mas longede acomodar-nos em medições,em saber mais dojá sabido, é preciso criar o futuro. É preciso saberque cabe a nós plantar as soluções para aquelasmaiores chagas: a pobreza e a desigualdade.

R i c a r d o L . C . A m o r i mARTIGO

A pobreza já foi medida. E agora?How abolish an evil without first having clearly perceived in what it consisted?

Simone Weil, Factory Work, 1942

U

Ricardo Luiz Chagas Amorim é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econô-

mica Aplicada (Ipea) e do Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de

Campinas (Unicamp) e professor licenciado da Universidade Mackenzie

Desaf ios • julho de 2008 15

Longe de

acomodar-nos em

medições, em saber

mais do já sabido,

é preciso criar

o futuro.

É preciso saber

que cabe a nós

plantar as soluções

para aquelas

maiores chagas:

a pobreza e a

desigualdade

7 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 16: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

7 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 17: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

ependendo de quem analisa, o déficit de US$ 17,4 bilhões em transações correntes registrado no pri-meiro semestre deste ano é um sinal de alerta para a economia brasileira, ou não. Na ótica dos econo-

mistas do grupo que se preocupa com o déficit, a rápida deterioração das contas externas brasileiras pode deixar o país exposto, a médio prazo, a novas crises cambiais, co-mo as várias ocorridas nos anos 1980 e 1990. O grupo dos não-preocupados alega que o déficit agora é diferente dos registrados nas décadas passadas, quando a maior parte do problema se originava no pagamento de juros, mas agora

Um sinal de

a principal causa é o crescimento acelerado das remessas de lucros e dividendos das empresas para o exterior, que saltaram de US$ 9,8 bilhões, no primeiro semestre de 2007, para US$ 18,9 bilhões.

A taxa de câmbio, como sempre, está no centro da po-lêmica. A supervalorização do real é apontada como um dos motivos que causaram o crescimento explosivo das remessas e a redução do saldo da balança comercial. Para o diretor de Estudos Macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), João Sicsú, o cresci-mento acelerado do déficit em transações correntes “é um

8 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 18: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

sinal preocupante” para a economia do país. Ele diz que em ocasiões an-teriores, quando as contas externas se deterioraram rapidamente, o Brasil teve que passar por ajustes, na maioria dos casos acompanhados por inflação e desemprego.

Ressalvando que não defende medi-das pontuais imediatas, Sicsú defende a idéia de que o governo deve ter como meta alcançar uma taxa de câmbio competitiva, que permita a exportação de produtos de alto valor agregado, e a recuperação do saldo da balança comercial, que está em queda este ano. “Embora o Brasil necessite ter uma ta-xa de câmbio competitiva, que é parte do projeto de crescimento econômico, a conjuntura atual, de inflação nos alimentos, é desfavorável para uma desvalorização do real. Mas esse é um objetivo que deve ser perseguido e al-cançado”, afirma o diretor do Ipea.

Na opinião dele, a nova política industrial lançada pelo governo em maio deste ano ajudará a aumentar a exportação de manufaturados e a re-duzir a importação de alguns produ-tos. Com isso, ele prevê que a curva do saldo da balança comercial, atual-mente apontando para baixo, tenderá a ficar estável. Sicsú reconhece que as condições da economia brasileira são muito melhores em comparação às de anos anteriores, principalmente no que diz respeito às reservas in-ternacionais (hoje praticamente do mesmo tamanho da dívida externa, em torno de US$ 200 bilhões), mas ressalva que não é possível saber se elas serão suficientes em caso de uma crise mais profunda na liquidez internacional.

Sicsú relembra que na década de 1990 vários países que tinham re-servas consideradas suficientes para enfrentar eventuais crises ou ataques especulativos só foram perceber que elas eram insuficientes quando foi

8 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 19: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

necessário usá-las. “Não sabemos se o remédio será suficiente. Torcemos, em primeiro lugar, para não utilizar o re-médio e, em segundo, para que ele seja suficiente, se for preciso usá-lo.”

Leonardo Mello, pes-quisador do Ipea que participa da elaboração dos estudos sobre o déficit em transações correntes, alerta que, se o crescimento do déficit mantiver o ritmo, poderá chegar a US$ 50 bilhões em 2010, deixando o país vulnerável a ataques especulativos ou a crises de liquidez no mercado internacional. “Esse déficit tem que ter um limite. Caso contrário, voltaremos a sofrer vulnerabilidade externa. É preciso mu-dar o quadro em relação ao câmbio, mas sou contra uma intervenção do governo, esse é um terreno pantano-so”, diz Mello.

O ex-ministro da Fazenda e embai-xador aposentado Rubens Ricupero também está entre os que consideram muito preocupante o resultado das

transações correntes nos primeiros seis meses deste ano. Segundo ele, o que impressiona é a velocidade “extraordi-nária” de como o déficit aumentou nos últimos meses. O embaixador lembra que Mário Henrique Simonsen, con-siderado um dos maiores economistas do país, costumava dizer que “inflação aleija, mas câmbio mata”. Esta frase, segundo ele, tem sido esquecida por muitos que se dizem seus admiradores e seguidores.

“Fizeram um livro com artigos dos maiores economistas do país, como o Simonsen e o Celso Furtado. O engra-çado é que esta frase, talvez uma das mais famosas do Simonsen, foi esque-cida. A turma que cita o Simonsen pa-ra tudo, e que está no governo, deveria se lembrar desta frase. Estou muito preocupado. Temo que o país esteja se tornando refém, novamente, dos capitais de curto prazo. Infelizmente, o aumento da taxa de juros vai estimular ainda mais esse tipo de ingresso”, diz Ricupero, que também foi secretá-

rio-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desen-volvimento (Unctad) e é atualmente diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo.

A excessiva abertura da conta capi-tal, motivada pela política cambial do Banco Central, está na raiz da situação delicada que o Brasil começa a enfren-tar em suas contas externas. Segundo Ricupero, muita gente se equivoca ao citar “a extraordinária competitivida-de do Brasil na agricultura” como uma garantia de que a situação está sob controle. De forma didática, ele relembra que, para ter êxito nas ex-portações, um país deve reunir três condições básicas: câmbio, capacidade de oferta de produtos com aceitação no mercado internacional e acordos internacionais que criem oportunida-des para exportar.

“Se se tem condições de oferecer produtos de qualidade e

9 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 20: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

preço, é possível aproveitar as oportu-nidades geradas pelos acordos. Acon-tece que a nossa taxa de câmbio está muito valorizada, os nossos preços estão deixando de ser competitivos. Em algum momento o câmbio vai afetar as nossas commodities. Esta-mos perdendo rapidamente a nossa competitividade. O Brasil já foi um grande exportador de óleo de soja. Atualmente, os produtores brasileiros que têm fábricas na Argentina só ex-portam de lá.”

Segundo Ricupero, devido à va-lorização do real e à atrativa taxa de juros de 13% ao ano, “os especuladores captam recursos com taxa negativa e aplicam o dinheiro aqui ganhando fortunas”, e cita que relatórios interna-cionais apontam o real como a moeda que mais sofreu ações especulativas nos últimos anos. Em sua opinião, o Brasil deveria adotar controle de ca-pitais, taxando ou limitando a entrada do capital especulativo, comparado por ele a uma pessoa que “quando vai

A Nota Técnica divulgada dia 10 de julho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulada “Avaliação das previsões sobre as Transações Correntes realizadas em março e novas previsões”, elaborada pelo Grupo de Análise e Previsões (GAP), “marca uma nova era nas previsões feitas pelo Instituto”, segundo o titular da diretoria de Estudos Macroeconômicos do Ipea, João Sicsú. Pela primeira vez, diz ele, “uma instituição de pesquisa explica e corrige suas próprias previsões”. Essa prática, segundo Sicsú, vai se tornar uma rotina no Ipea.

“Na minha opinião, é mais importante fazer a análise da previsão do que previsões certas ou erradas. Em março de 2009, nós vamos fazer um balanço de todas as previsões feitas pelo Ipea este ano. Acho muito importante para o país que uma instituição como o Ipea tenha uma iniciativa como esta”, afirma.

A Nota Técnica avalia que o déficit em transações correntes de US$ 15,2 bilhões no acumulado do ano até maio teve como principal causa o aumento das remessas de lucros e dividendos por parte das

empresas estrangeiras. Esse aumento aconteceu devido à valorização cambial associada ao efeito da expansão econômica, que aumentou a rentabilidade, em dólares, dos investimentos realizados no Brasil.

Em relação às previsões feitas na Carta de Conjuntura do Ipea de março deste ano, que acabaram não se confirmando, a Nota esclarece que a remessa de lucros e dividendos teve uma aceleração muito forte, não prevista nos modelos do Ipea, o que acabou tornando necessária uma revisão das projeções do saldo de serviços e rendas.

Para o segundo semestre deste ano, a previsão é de que as remes-sas vão continuar pressionando o déficit em transações correntes, mas terão uma pequena desaceleração em relação ao ritmo observado no primeiro semestre. Também é esperada uma maior estabilidade na taxa de câmbio, cujo efeito da apreciação não será tão forte quanto nos últimos meses. O aperto monetário, com elevação da taxa básica de juros, começará a ser sentido no segundo semestre, afetando negativamente tanto o crescimento da demanda quanto a realização de lucros.

9 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 21: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

ao baile, dança perto da porta de saída, para fugir rapidamente em caso de problemas”. Segundo o embaixador, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial já admitiram a le-gitimidade desse tipo de medida, ado-tada por diversos países, como Chile e Colômbia, durante muitos anos, como forma de proteção.

“Na verdade, o Banco Central sem-pre viu com bons olhos usar a taxa de câmbio para segurar a inflação, sem olhar o efeito devastador que isso provoca na economia, especialmente na balança comercial e no balanço de contas correntes. Se o preço das commodities cair, o Brasil poderá fi-car numa situação muito ruim nos próximos meses. Vejo com muita pre-ocupação a deterioração das nossas contas externas. Quando o déficit em conta corrente começa a ultrapassar todas as estimativas, vira uma bola-de-neve. Sinceramente, não sei onde isso vai parar.”

As preocupações de Ri-cupero não são compartilhadas pelo ex-presidente do Banco Central Carlos Geraldo Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Ge-tulio Vargas (FGV). Para ele, o câmbio flutuante vai responder à tendência de deterioração das contas externas com a gradual desvalorização do real em um futuro próximo.

“Acredito que o ciclo de valorização do real está no fim. Não sei quando vai terminar, mas certamente está che-gando ao fim. Além disso, atualmente temos reservas um pouco superiores ao total da dívida externa e, portanto, so-mos credores. Outro motivo que me dá tranqüilidade em relação ao déficit é o volume de investimento direto, que este ano deve ficar perto dos US$ 34 bilhões, ante um déficit de aproximadamente US$ 25 bilhões. Não há nenhuma ten-dência de explosão do déficit”, afirma.

A redução do saldo da balança co-mercial também não é vista por Lango-

ni como um problema. Ele cita que as exportações cresceram cerca de 25% no primeiro semestre, enquanto as impor-tações tiveram um aumento de 50%. Ele diz acreditar, no entanto, que as compras externas não vão manter esse ritmo de expansão nos próximos me-ses, enquanto as vendas têm condições de crescer 20% ao ano. “O nosso co-mércio exterior está crescendo muito. Nessas condições, o Brasil pode con-viver tranqüilamente com um déficit em transações correntes equivalentes a 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Países emergentes, como o nosso, têm déficits, é uma coisa natural.”

Langoni também diz não ver o Bra-sil como um país “dependente” do ca-pital de curto prazo, nem caminhando para uma situação parecida. Para ele, o que está acontecendo é uma realo-cação desses investidores, que antes estavam com aplicações em ações, mas que, após a elevação dos juros e as seguidas quedas nos preços das ações,

10 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 22: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

alocaram seus recursos para papéis de renda fixa. Para o professor da FGV, o fato de as empresas brasileiras estarem investindo mais no exterior (foram US$ 8,6 bilhões este ano, até junho, devendo chegar a US$ 18 bilhões no ano, segundo o Banco Central) deve ser encarado como uma boa notícia e não como um problema.

Dentro de alguns anos, segundo ele, esses investimentos vão retornar ao Brasil como lucros e dividendos, ajudando a compensar a remessa que as empresas estrangeiras fazem do país para o exterior. Para Langoni, quem faz paralelo do atual déficit com os ocorridos no passado está cometendo

um grande equívoco, já que as situa-ções são completamente diferentes.

“Não tem como comparar. A com-posição do déficit é diferente. Antiga-mente, os grandes responsáveis eram os juros, e hoje são as remessas de lucros, sinal de que a economia está crescendo. No passado, não tínhamos reservas, agora elas são do tamanho da dívida externa, que diminuiu muito nos últimos anos. O que o Brasil pre-cisa é preservar a flutuação cambial combinada com reservas. No passado, o déficit chegou a 6% do PIB, mas este déficit de US$ 17,4 bilhões não chega a 1,5% do PIB. Não há semelhança algu-ma com o passado”, afirma. d

Para o chefe do Departamento Econômico do Banco Central, Altamir Lopes, o déficit nas transações correntes no primeiro semestre deste ano não é motivo para alarme. Ele argumenta que a média brasileira, desde a década de 1970 até o ano passado, era de déficits equivalentes a 2,1% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto o déficit de US$ 17,4 bilhões verificado no primeiro semestre deste ano corresponde a apenas 1,3%.

Outra grande diferença, ressalta, é a composição do déficit atual em compara-ção com a dos registrados nos anos ante-riores. “Antes tínhamos déficit por causa dos juros altíssimos que precisávamos pagar. Agora, tivemos déficit porque as remessas de lucro cresceram 94%, che-gando a US$ 18,9 bilhões. Essa diferença é fundamental, não dá para comparar uma coisa com a outra”, afirma.

Para o dirigente do Banco Central, o déficit em conta corrente será inteiramente financiado pelos investimentos diretos do exterior que o Brasil deverá receber este ano. Pelas contas de Altamir Lopes, o total desses investimentos deverá chegar a cerca de US$ 30 bilhões, enquanto o déficit ficará perto de US$ 24 bilhões.

“Algumas pessoas falam da redução do saldo da balança comercial. Elas esquecem que este ano as exportações já cresceram 24%, isso não é pouco para qualquer país do mundo. Também não vejo o país precisando do capital de curto prazo, a participação dele não é significativa”, afirma o chefe do Departamento Econômico do Banco Central.

10 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 23: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

s políticas governamentais, as pressõessociais e a conscientização dos consumi-dores sobre a importância de haver cres-cimento econômico e social sem preju-

dicar o meio ambiente têm impactado aperformance das empresas. Cada vez mais a so-ciedade, os governos e os mercados estabelecemtendências de consumo de produtos que aten-dam aos padrões ambientais. O pensamento es-tratégico empresarial sob a ótica da sustentabili-dade demanda das organizações uma expertisede visão de futuro e ao mesmo tempo requercompetências essenciais para a busca de novosmercados.Associam-se a esses fatores o impera-tivo de desenvolver novas tecnologias com vistasa ofertar produtos ou serviços que atendam àsperspectivas e necessidades da geração atual,mas preservando as condições essenciais parasuprir as necessidades das gerações futuras.

Por outro lado, o meio ambiente sustentávelé uma variável externa que vem promovendomudanças significativas na cultura das nações enos ambientes macro e setorial das corporaçõese das empresas. Inserem-se nesse contexto osefeitos e as implicações dos gases de efeito estu-fa (GEE), o descongelamento das geleiras, o en-curtamento das estações do ano e o aquecimen-to da superfície terrestre como elementosimportantes para elaboração de estratégias em-presariais. Esses fatores ambientais poderão serobjeto de análise estratégica sob o ponto de vis-ta de uma oportunidade ou de uma ameaça.

Os impactos dos GEE, por exemplo, são mar-cantes quanto à necessidade de mudança da matrizenergética de combustíveis fósseis para energia re-novável.Empresas localizadas em países com ener-gia à base de combustíveis fósseis, como a China,enfrentarão pressão maior de mercado. Por outrolado, o Brasil, cuja matriz energética tem base hi-drelétrica, encontra espaço para potencializar acompetitividade de suas empresas. O mesmo ocorre com relação ao aquecimento da superfícieterrestre e suas conseqüências sobre as geleiras,o nível das águas dos oceanos e as estações do ano.Tais fenômenos têm gerado mudanças sistêmicasnas chuvas e estiagens por todo o planeta.

O Brasil, como exportador de commodities,poderá, se os prognósticos e cenários projeta-dos se confirmarem, sofrer abalos em diversossegmentos da sua economia. Um deles, porexemplo, é a produção de etanol e de biocom-bustível, commodities estratégicas na questãoenergética. Empresas do setor sucroalcooleirodeverão observar em suas análises estratégicasos impactos que as mudanças climáticas trarãopara seus negócios. Portanto, um fato é inexorá-vel: as mudanças climáticas farão parte das es-tratégias empresarias nas próximas décadas.

Por isso, estratégia empresarial e sustentabi-lidade tornam-se elementos importantes nasdefinições dos rumos dos negócios. A aplicaçãode estratégias corporativas ou genéricas, dascorporações ou unidades de negócios, cada vezmais estará relacionada à questão do desenvol-vimento social sustentável. O alinhamento es-tratégico da gestão ambiental ao core businesspermitirá a definição da matriz dos negócioscorporativos e principalmente de portfólio deprodutos verdes, aqueles tecnologicamentecompatíveis com os requisitos da sustentabili-dade e das necessidades dos consumidores.

Desta forma, o empreendedorismo sustentá-vel – o binômio estratégia empresarial e susten-tabilidade – representa a resposta pragmáticadas empresas. As grandes corporações e as pe-quenas e médias empresas estão se ajustando ànova realidade dos negócios focada nos princí-pios do desenvolvimento sustentável. Conceitossocioambientais são internalizados pelas em-presas como variável importante na definiçãoda estratégia empresarial. Experiências de-monstram a viabilidade de resultados operacio-nais positivos atendendo às expectativas dosacionistas e dos stakeholders com responsabili-dade social. Enfim, as empresas, ao adotaremcomo estratégia o empreendedorismo sustentá-vel, se preparam de forma proativa para os no-vos cenários do século XXI.

F r a n c i s c o A l b e r t o S e v e r o d e A l m e i d a

e I s a k K r u g l i a n s k a sARTIGO

O empreendedorismo sustentável

O binômio estratégia

empresarial e

sustentabilidade

representa a resposta

pragmática das

empresas no

engajamento das

questões relacionadas

ao desenvolvimento

sustentável; as grandes

corporações, as

pequenas e médias

empresas estão se

ajustando à nova

realidade dos negócios

focada nos princípios

do desenvolvimento

sustentável

A

Francisco Alberto Severo de Almeida (foto) é professor da Univer-

sidade Estadual de Goiás (UEG) e Isak Kruglianskas é professor da Uni-

versidade de São Paulo (USP)

Desaf ios • julho de 2008 23

11 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 24: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

O dilema11 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 25: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

om uma população em torno de 6,7 bilhões de pessoas, em 2008, o planeta começa a enfrentar uma crise de alimentos sem pre-

cedentes. Os primeiros sinais estão na redução dos estoques globais – que atingiram o nível mais baixo desde 1980 – e na conseqüente elevação dos preços em escala mundial. Em maio de 2008, em Berna, na Suíça, representan-tes da Organização das Nações Unidas (ONU), do Banco Mundial (Bird) e da Organização Mundial do Comércio (OMC) avaliaram a crise e concluíram que a redução da oferta de alimentos deve ser debitada à falta de investimen-tos no setor agrícola, aos subsídios da União Européia e dos Estados Unidos, assim como às condições climatológi-cas e à degradação ambiental.

de produzir12 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 26: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

Some-se a isso a forte expansão econômica dos países em desenvol-vimento – que passaram a incorpo-rar novos consumidores ao mercado – para se ter uma idéia do tamanho do desafio a ser enfrentado nos pró-ximos anos. “Atualmente, 1,1 bilhão de pessoas vivem com menos de 50 centavos de dólar por dia”, calculou John Beddington, conselheiro-chefe para Assuntos Científicos do gover-no britânico, que esteve no Brasil em março, no encerramento do Ano Brasileiro-Britânico de Ciência e Ino-vação. Ele apresentou dados de estu-dos para demonstrar que, com uma renda equivalente a 1 libra por dia, é possível ter acesso apenas a produtos agrícolas básicos, mas, se a renda au-mentar 50%, cresce o consumo de lác-

teos e carnes, assim como a demanda por grãos utilizados em ração animal. “Com mais de 5 libras diárias, é possí-vel começar a consumir commodities eos preços subirão”, advertiu.

A busca de solução para a falta de alimentos exige medidas urgentes: em 2050, o planeta terá 11 bilhões de habitantes e a oferta terá de dobrar. Não existem mais áreas agricultáveis extensas na América do Norte e na Europa. Os dois continentes apostam forte na alternativa tecnológica e ainda insistem na manutenção do subsídio aos seus produtores, disposição que contribuiu para o fracasso da Rodada de Doha, oficializada no final de julho. O Brasil já começa a sofrer pressão mundial para, no futuro, suprir parte dessa demanda, ao mesmo tempo que

investe pesado para garantir uma posi-ção de liderança no mercado mundial de energia limpa e ampliar a produção de etanol.

Um estudo reali-zado pelo Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Estratégico (Nipe), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a pedido do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), concluiu que o país poderá, até 2025, atingir um patamar de produção anu-al de 200 bilhões de litros de etanol – volume suficiente para abastecer algo entre 5% e 10% de toda a gasolina consumida no mundo –, desde que multiplique por sete a área plantada de cana-de-açúcar. As regiões de ex-pansão também já foram mapeadas: somam, ao todo, 42 milhões de hec-tares em 17 áreas nas regiões do norte do Tocantins, sul do Maranhão, Mato Grosso, Goiás e Triângulo Mineiro.

A expansão das lavouras de cana-de-açúcar não comprometerá, neces-sariamente, a produção brasileira de alimentos, segundo Brancolina Fer-reira, pesquisadora da área de De-senvolvimento Rural do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O país tem 152,5 milhões de hectares agricultáveis, pouco mais da metade plantada, e a cana ainda ocupa cerca de 6 milhões de hectares. “É possí-vel conciliar a produção de alimentos com a de agrocombustíveis”, reconhe-ce Brancolina.

O governo federal, aparentemente, está orquestrando as duas empreita-das: investe pesado no desenvolvimen-to de novas tecnologias, na produção e no marketing do agronegócio – princi-palmente o dos bicombustíveis – e no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), de acordo com o Ministério do Desenvol-vimento Agrário (MDA).

Em julho, por exemplo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o Plano

12 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 27: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

Safra Mais Alimento, coordenado pelo MDA, que destinará R$ 13 milhões pa-ra o Pronaf no período 2008/2009. “Es-tamos convencidos de que a China vai comer mais, a Índia vai comer muito mais, a América Latina vai comer mui-to mais e que a África vai comer muito mais. Então, não podemos continuar com a mesma produtividade. Temos que plantar mais. Nós temos terra, te-mos sol, temos árvores e temos mais conhecimento da tecnologia da agricul-tura tropical”, disse o presidente.

A agricultura familiar responde por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros e sua produção corresponde a 10% do Pro-duto Interno Bruto (PIB) no país. O Plano Safra Mais Alimento tem como meta aumentar em 18 milhões de to-neladas a produção de alimentos até 2010. Dispõe de uma linha de crédito no valor de R$ 6 bilhões para investi-mentos na infra-estrutura produtiva, como compra de máquinas, equipa-

mentos, correção de solos, irrigação, armazenagem, entre outros. Até 2010, segundo prometeu o governo federal, esse valor chegará a R$ 25 bilhões, beneficiando um milhão de produto-res familiares. O limite de crédito por produtor é de R$ 100 mil, com prazo de até dez anos para pagamento, ca-rência máxima de três anos e juros de 2% ao ano.

“Não é mais aceitável ver na tele-visão um companheiro jogando uma sementinha no chão com a mão e puxando a terra com o pé. Essa idéia da cultura de subsistência tem que acabar. Nós temos que dar às pes-soas capacidade de produzir”, disse o presidente. Para tanto, o governo assinou um termo de cooperação com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Implementos (Abimaq) que assegura redução de até 17,5% nos preços dos tratores, máquinas e imple-mentos agrícolas.

O Plano Safra Mais Alimentos pre-vê, ainda, a ampliação do serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater). Os recursos destinados ao ser-viço saltarão de R$ 168 milhões para R$ 397 milhões e a rede de técnicos em campo será ampliada de 20 mil para 30 mil. Fernando Kubota, filho de imigrantes japoneses, com uma propriedade de agricultura familiar no Núcleo Rural de Chapadinha, em Brazlândia, no Distrito Federal, foi o primeiro agricultor a assinar um contrato da linha de crédito do Mais Alimento. Comprou um trator de 75 cavalos, no valor de R$ 68,2 mil, e um arado, por R$ 8,2 mil.

Graças ao acordo do governo com os fabricantes, o agricultor vai gastar R$ 10 mil a menos do que se pagasse o preço de mercado. O financiamento foi feito pelo Banco do Brasil e será pago em oito anos, com um ano de carência e juros de 2%. “Já perdi muita colheita porque dependia de um trator emprestado”, diz Kubota. A família

13 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 28: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

Nas contas de Brancolina, mais de 150 mil famílias ainda permanecem em acampamentos precários e não há solução para os problemas da concen-tração fundiária, da falta de apoio ofi-cial e até da violência e da impunidade. “Grande parte desses impasses poderia vir a ser superados pela retomada das desapropriações e pela aceleração de mecanismos de obtenção de terras pa-ra novos assentamentos, cumprimen-to de compromissos de assentamento preferencial de acampados, entre ou-tros”, sugere.

Entre 2003 e 2007, a maior parte das terras para a criação de novos projetos foi obtida por meio

de Kubota chegou ao Brasil na década de 1960 e instalou-se em Cotia, no interior do Estado de São Paulo, em uma pequena propriedade que, no início dos anos 1970, foi devastada pela geada.

Em 1974, a família aventurou-se pelo Centro-Oeste e, 15 anos depois, conseguiu comprar uma chácara em Brazlândia. Mais ou me-nos nessa época, Fernando comprou uma propriedade vizinha à do pai, no Núcleo Rural Chapadinha. Com os novos equipamentos adquiridos com créditos do Mais Alimento, a sua fa-mília tem planos de dobrar a produção de hortaliças, morangos e goiaba que,

atualmente, gera uma renda de aproxi-madamente R$ 100 mil por ano.

A família de Fernando Kubota, no entanto, representa uma parcela da mão-de-obra agrícola no país que, com o apoio do Pronaf, tem acesso à tecnologia e ao mercado. “Mas boa parte dos produtores rurais ainda vi-ve numa situação de acesso precário ou sem acesso à terra e ao mercado”, ressalva Fernando Gaiger Silveira, pes-quisador do Ipea. Metade dessas famí-lias está no semi-árido nordestino e na região Norte, com atendimento pela Previdência Rural e pelo Bolsa Famí-lia. “A principal demanda desse grupo de pessoas, no entanto, é o acesso à terra”, diz ele.

13 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 29: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

de ações de reconhecimento, discri-minação e arrecadação. “Assim, tem havido constante decréscimo das áreas desapropriadas”, diz ela. Entre 2003 e 2006, apenas 5% das terras utilizadas em novos projetos foram desapropria-das e, em 2007, essa parcela correspon-deu a pouco menos de 10%.

Em 31 de dezembro de 2007, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tinha sob sua responsabilidade 7,9 mil projetos de assentamentos com uma área total de 77,8 milhões de hectares, onde estavam instaladas 701 mil famílias. Cerca de 40% dessas famílias foram assentadas

Agrária. “Esse resultado frustrou ainda mais as expectativas dos trabalhadores rurais sem terra em relação à reforma agrária”, diz ela.

Para resolver todas as pendências de infra-estrutura dos projetos de assen-tamento criados entre 1985 e 2006, ela estima que seriam necessários R$ 8 bi-lhões. Do total de famílias assentadas, 85% não contam com licenciamento ambiental – “uma co-responsabilidade da União e dos estados” –, o que, na prática, abria ao agricultor a possibi-lidade de acessar créditos bancários. “Há carência também de assistência técnica, de redes de abastecimento de

em projetos criados a partir de 2003; as demais tinham sido assentadas em projetos criados em anos anteriores. “A maior parte das famílias ainda não está preparada para ser emancipada, ou seja, poucas estão aptas a seguirem em frente, tornarem-se independen-tes da tutela do Incra e começarem a ressarcir o Estado dos custos da terra recebida”, afirma Brancolina.

No ano passado, foram assentadas 66,9 mil famílias, abaixo da meta de 100 mil assentamentos estabelecida pelo MDA e mais distante ainda do número de 150 mil famílias inscritas no Programa Nacional de Reforma

14 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 30: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

água potável, de energia elétrica e de estradas trafegáveis”, acrescenta.

Para Bran-colina, a política agrária do governo federal se afastou das promessas pré-eleitorais, ficando distante das metas de assentamentos estabelecidas. “No apoio à agricultura familiar, sobressai o crescimento dos recursos disponibi-lizados, a cada ano, pelo Pronaf-Crédi-to, mas que ainda não conseguiu equa-cionar algumas questões básicas, tais como atender plenamente aos assenta-dos pela reforma agrária e estabelecer uma estratégia eficiente para alavancar o desenvolvimento dos agricultores mais pobres”, analisa.

Os números coletados mostram, segundo Brancolina, que o programa de reforma agrária caminha a passos muito lentos. A razão, na avaliação de Gaiger, está no foco estratégico da atual política agrícola do governo. Nos anos 1980, a formulação da política agrícola baseava-se na antinomia pe-quena propriedade versus latifúndio. Hoje, a oposição está entre agroin-dústria versus agricultura familiar. E a mudança não é apenas conceitual. “Houve um esvaziamento do caráter político e fundiário da reforma agrá-ria”, analisa Gaiger, enfatizando que o foco da política atual deslocou-se para a questão da produtividade, do crédito, da tecnologia e da assistência técnica. “A questão fundiária foi per-dendo espaço”, adverte.

Algumas medidas adotadas pelo governo, parecem apontar na direção contrária. O projeto de lei de conver-são da Medida Provisória (MP) 422, já aprovada pelo Senado e aguardando a sanção presidencial, permite ao Incra titular diretamente, sem licitação, pro-priedades da Amazônia Legal com até 15 módulos rurais, ou 1,5 mil hectares, e corre o risco de estimular a grilagem de terras, adverte Brancolina. “Para o MDA, a aplicação dos dispositivos

14 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 31: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

da tensão e do conflito. De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), nas últimas quatro décadas, foram assassinados 20 trabalhadores rurais, lideranças sindicais e sem terra, religiosos e ativistas somente no Esta-do do Pará. Nesse período, apenas seis mandantes foram julgados e condena-dos pela Justiça paraense. Nenhum, no entanto, permanece preso.

Para Gaiger, os agricultores do se-mi-árido ou da região Norte – que não estão na mira no Pronaf – demandam terra, assistência técnica e educação de jovens e adultos. Vivem premidos pelo agronegócio e, no caso dos do Norte, ainda têm que compartilhar a responsabilidade pelo desmatamento. “O que eles precisam é de cidadania”, resume. A presença do Estado – na forma do programa Bolsa Família –, por exemplo, é bem-vinda, mas não é suficiente para dar fôlego à economia de subsistência, diz. “É preciso reorga-nizar o espaço agrário. E isso é muito mais do que fazer reforma agrária ou implementar o Pronaf.” d

da MP 422 permitirá ampliar o nú-mero de propriedades regularizadas na Amazônia e coibir a grilagem de terras públicas, estimando que, poten-cialmente, poderão ser beneficiados cerca de 90% dos posseiros da Ama-zônia. Os ambientalistas, no entanto,

argumentam que, de fato, a medida deve estimular a grilagem de terras na região e a repartição entre ‘laranjas’ de áreas que excedam 15 módulos fiscais, possibilitando a regularização de vas-tas áreas”, ela pondera.

O resultado poderá ser o aumento

15 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 32: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

ela primeira vez desde que foi criada, em 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) sofrerá alterações em um de seus artigos. A Câmara dos De-putados aprovou, e agora está em discussão no Senado, o Projeto de Lei Complementar (PLC 92/08) destinado a restringir a aplicação de sanções

institucionais pelo descumprimento de normas exclusivamente aos poderes e órgãos que de fato ultrapassaram os limites máximos da despesa com pessoal. O projeto, encaminhado no final do ano passado pelo governo, modifica o artigo 23 da LRF, que estabelece sanção a todo ente da federação (estado, município ou governo federal) quando qualquer um dos três poderes ultrapassar os limites de gastos com pessoal.

O texto original diz que, enquanto perdurar o excesso, o ente não poderá rece-ber transferências voluntárias, obter garantia, direta ou indireta, de outro ente ou contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal. A aprovação do projeto na Câmara e sua discussão no Senado reacendem o debate sobre uma

É possívelmudar

15 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 33: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

16 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 34: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

possível adequação na lei para corrigir distorções que inviabilizam hoje os in-vestimentos dos estados e municípios, amarrados pela legislação. Governa-dores e prefeitos podem pressionar suas bancadas para inserir mudanças.

Afinal, em torno de 150 projetos relacionados à LRF tramitam no Con-gresso Nacional. Nem todos propõem mudanças. Alguns apenas incorpo-ram a ela temas de finanças públicas ausentes do seu texto. Mas é possível que alguns parlamentares aprovei-tem o ensejo para propor alterações. “Quando se coloca um projeto no Congresso nunca se sabe exatamente o que vai sair. Ele pode tomar formas totalmente indesejáveis, diferentes daquilo que era o objetivo inicial”, co-menta o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Piancastelli, autor do estudo “Dívida dos Estados: 10 anos depois”, ainda a ser publicado.

A proposta de alteração no artigo 23 tem como base decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), apontando para a sua inconstitucio-nalidade, já que um poder não pode ser penalizado pelo descumprimento de outro. Mas alguns analistas dizem que a mudança comporta interesses de alguns governos, como os do Rio Grande do Sul, de Alagoas e do Distri-to Federal, que já experimentaram as restrições desse dispositivo. O gover-no do Distrito Federal foi penalizado porque a Câmara Legislativa estourou o limite de gastos com pessoal. Foi à Justiça e conseguiu a liminar do STF.

“Esta mudança tinha de ser feita mesmo, porque foi decisão do Supremo. Não há outro jeito. A LRF saiu com este equívoco. O temor é de que haja uma flexibilização. Aí a seriedade e o rigor fiscal vão para o espaço”, diz Piancastelli, alertando que

qualquer mudança na lei “vai ter um efeito direto na avaliação do grau de investimento do país”. Rogério Boueri Miranda, também pesquisador do Ipea e co-autor do estudo, diz que é cedo para mudar o texto, mas defende que em algum momento será preciso fazer uma adaptação da lei, que para ele trata desiguais como iguais. “A maioria dos economistas reconhece que deveria ha-ver adequações, mas, quando se abrir a lei no Congresso, isso pode se transfor-mar em uma caixa de pandora. Não se sabe exatamente o que vai sair”, diz.

A idéia de Boueri, também defendi-da por outros pesquisadores do Ipea, como Dea Guerra Fioravante, Maurício Saboya Pinheiro e Roberta da Silva Vieira – autores do documento “Finan-ças Públicas Municipais: uma reflexão sobre os impactos da Lei de Respon-sabilidade Fiscal”—, é diferenciar os limites de gastos com pessoal e de endi-vidamento de acordo com o tamanho e as necessidades do município. “O nível de endividamento de uma cidade como São Paulo, que é um estado dentro de um estado, não pode ser o mesmo de uma cidade pequena no Norte ou no Nordeste”, pondera Boueri.

Cidades grandes, argumenta ele, deveriam ter um limite maior para o endividamento e um menor limite para gastos com pessoal, enquanto as cidades pequenas, ao contrário, deve-riam poder gastar mais com pessoal. “Não se trata de tornar a vida dos estados e municípios mais fácil. Não é flexibilizar, mas adequar a lei”, diz. O estudo de sua autoria mostra que a lei criou uma distorção, em que municí-pios que antes gastavam com pessoal menos que o teto de 60% da receita corrente líquida previsto na lei au-mentaram este nível por estar dentro do permitido.

Wéder de Oliveira, consultor de Orçamento, Fis-calização e Controle do Senado Fede-

16 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 35: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

ral, cita que esta proposta estava em pauta desde a formatação da LRF e que sempre volta à baila. Mas tecnica-mente se torna inviável, diz. “Qual o critério a ser definido? É um proble-ma. Na época, ficou entendido que a fixação de um limite único até evitaria soluções ad hoc, em que um estado que está com limite vencido pleiteasse mudar o seu limite. Com certeza, o Congresso seria pressionado a mudar os limites, sob o argumento de que um ou outro estado ou município se sentiria prejudicado.”

Boueri sugere negociações em blo-cos, com a utilização de critérios como população – municípios acima de um milhão de habitantes, por exemplo. Cada bloco negociaria de acordo com as suas prioridades. Aqueles que que-rem investir mais em infra-estrutura terão um limite maior para contrair dívida, em compensação, têm de re-

duzir, na mesma proporção, os gastos com a folha. “Há margem para limitar o nível de endividamento, mas só na medida em que houver redução no limite de gastos com pessoal. Uma proposta em que se tem adaptação e não flexibilização permitirá este tipo de negociação e de implementação.”

Quem também não enxerga catás-trofe nas alterações na LRF é Fernan-do Rezende, especialista em finanças públicas. “Algumas questões precisam ser reabertas para discussão. Quando a lei diz que todo mundo tem de obede-cer a um teto, que os gastos com pes-soal não podem ser maiores que 60% do orçamento, impõe-se uma regra geral e universal que pode criar alguns problemas.” Ele acompanha o mesmo raciocínio de Boueri. “O município pequeno tem de gastar em educação, em saúde, e isso é gente. O gasto principal é pessoal, e aí 60% é pouco.

Por outro lado, em grandes centros urbanos, que têm de gastar em infra-estrutura urbana, em transporte, 60% em pessoal é muito.” Mas, também para ele, o país ainda não está prepa-rado para reabrir esta discussão agora. “Em algum momento, porém, terá de ser reaberta”, diz.

O status de inviolabilidade adquirido pela LRF se justifica, para muitos especialistas, pelos números observados nas contas públicas desde o início da década. Atribui-se a ela, juntamente com o programa de ajuste fiscal, a inversão no saldo dos governos, de negativo para positivo. O estudo de Piancastelli revela que a maioria dos estados pas-sou a ter resultados primários positi-vos. Em 1995, apenas quatro estados tinham resultados positivos. Em 2006, o quadro era outro: 22 dos 27 foram

17 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 36: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

em torno da LRF e não dos dispositivos da lei. “A lei se tornou um símbolo de austeridade fiscal; mesmo que alguns gestores não a entendam, serviu para incorporar essa cultura de adequação de gastos a receitas. Ela funciona mais como aquilo que se pensa que ela possa ser do que pelo que ela realmente é”, afirma. Segundo ele, nem tudo o que se diz hoje acontecer por força da lei, de fato está escrito.

Para o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, a LRF pesou menos na nova performan-ce das contas públicas do que o bom momento da economia brasileira nos últimos anos. “Temos receitas crescen-do de forma consistente na União, nos estados e nos municípios. Um ambien-te institucional melhor sempre ajuda, mas o importante é o próprio com-

superavitários. Os anos de 2004 e 2005 tiveram resultados positivos. Além disso, o resultado primário consolida-do dos estados foi negativo de 1995 a 1999. Desde o ano 2000, passou a ser consistentemente positivo.

“A primeira conclusão que se impo-rá é que a renegociação da dívida que implantou o plano de ajuste, com metas periodicamente revistas pelo Tesouro Nacional, juntamente com a promulga-ção da LRF, foi importante para as rela-ções federativas entre governo central e governos estaduais. Fizeram com que as relações das finanças públicas ficassem mais transparentes”, avalia Piancastelli. O programa de ajuste uniformizou as

contas de todos os entes da federação e estabeleceu critérios metodológicos se-melhantes para verificação e checagem dos resultados. Foram implantadas me-tas de desempenho como a relação dívi-da/receita líquida real, gasto de pessoal, limites de investimento, crescimento da receita tributária. Com mais transpa-rência e maior rigor da lei, os números foram ficando todos positivos.

O consultor do Senado Wéder de Oliveira, que é autor do livro Os Efei-tos da LRF: análise dos mitos, da força normativa e das evidências de melhorias nas finanças públicas, afirma que muito da melhora no comportamento dos governos é fruto do mito que se criou

A Lei Complementar nº 101, promulgada em maio de 2000, “estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal” em todos os entes da Federação nos três poderes e a todos os órgãos do serviço público. Foi criada no âmbito da renegociação da dívida dos estados e chegou acompanhada por um plano de ajuste fiscal, para impedir o descontrole de gastos observado nos anos anteriores. Ficou conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

“A LRF tornou-se um ícone que representa e corporifica o coroamento de mais de uma década de reformas e aprimoramentos institucionais em direção ao equilíbrio fiscal”, afirma o consultor do Senado Federal Wéder de Oliveira, autor do livro Os Efeitos da LRF: análise dos mitos, da força normativa e das evidências de melhorias nas finanças públicas.

Logo em seu primeiro artigo, a lei diz que “a responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange à renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobi-liária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar”.

Atendendo a uma determinação constitucional, a LRF estabelece as normas para a construção do tripé para o planejamento do gasto público, também previsto na Constituição Federal: o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

Foi a partir da LRF que os legisladores introduziram na LDO o Anexo de Metas Fiscais, no qual estão as metas anuais em valores correntes e constantes para um período de três anos. O governo deve encaminhar metas relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública. Além disso, o anexo também precisa conter a avaliação do cum-primento das metas relativas ao ano anterior.

Os pontos de maior controvérsia na lei se referem ao capítulo IV, que trata do controle de gastos com pessoal, e ao capítulo 7, que impõe limites para o endividamento.

17 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 37: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

portamento dos entes e o melhor mo-mento da economia brasileira”, opina. Desde 1998 a receita total dos estados aumentou, em relação ao Produto In-terno Bruto (PIB), de 11,2% para 13% em 2006. A receita tributária também subiu, de 7,1% para 8,3% do PIB.

Mas a lei tem também os seus efeitos negativos, razão para as queixas de go-vernadores e prefeitos. O estudo mostra os investimentos caindo de 2,2% do PIB para 0,9%. Enquanto isso, a rubrica custeio – para a qual não há limites na lei – subiu de 1,16% para 6,1% do PIB. Esta queda nos investimentos é que tem levado governadores a argumentar que os estados estão engessados e precisam adquirir recursos para implementar obras de infra-estrutura.

A governadora Yeda Crusius, do Rio Grande do Sul, conseguiu abrir uma brecha e, mesmo acima dos li-

o perfil da dívida externa brasileira. Muitos estados já negociam a mesma troca com o Ministério da Fazenda. Há estados que pleiteiam não recorrer a outros financiamentos, mas apenas mexer no índice, trocando o IGP-DI pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Institu-to Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de forma a tornar os recursos mais baratos.

“Essas negociações vêm sendo fei-tas de acordo com uma metodologia do Tesouro Nacional, que diz que a taxa de juros não vai se alterar nos próximos 15 a 20 anos. Se o Tesouro tem uma bola de cristal que possa dizer isso, tudo bem, a negociação faz todo sentido. Mas é um risco fazer uma negociação dessas sem um hedgecambial. Se puser um hedge cambial, o custo vai equivaler à mesma situação anterior”, pondera. Além disso, ele ressalta que este tipo de reestruturação tira recursos que o Banco Mundial poderia pôr no país para investir em infra-estrutura. “Os compromissos ex-ternos do país em dólar estão aumen-tando simplesmente com uma ope-ração financeira, em vez de ser uma troca produtiva de investimento real ou de investimento em infra-estrutura. É uma mera jogada financeira, com aumento da dívida externa do país.”

Além disso, ele diz que ninguém sabe se a diferença que governo estadual vai poupar vai ser investida ou gasta com pessoal ou custeio. “Na semana seguinte à aprovação do empréstimo, a governa-dora deu aumento de pessoal de 154%, porque se abriu uma brecha”, comenta. Ele considera arriscado fazer este tipo de concessão, ainda que haja brechas na lei, porque é o início da flexibilização. A so-lução, para Piancastelli, seria o governo federal, através do orçamento, retornar aquilo que os estados pagam da dívida em obras de investimento, usando, por exemplo, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

mites da lei, conseguiu aprovar um empréstimo de US$ 1,1 bilhão com o Banco Mundial. A LRF permite altera-ções no contrato de refinanciamento da dívida que tornem o endividamen-to mais barato, como a mudança do índice de correção. Foi o que acon-teceu no caso do Rio Grande do Sul. O contrato corrigiu em 6% a dívida pelo Índice Geral de Preços – Dispo-nibilidade Interna (IGP-DI), calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Como o índice hoje beira os 15%, tor-nou-se caro o pagamento do serviço da dívida. A opção foi trocar o em-préstimo por outro do Banco Mundial, cujos encargos compreendem a Libor mais 4% ao ano.

Piancastelli encara a reestruturação como uma operação perigosa e que pode alterar em muito d

18 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 38: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

18 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 39: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

dinâmica social e as mudanças na forma de pensar e agir dos brasileiros nas relações de poder baseadas nas questões de gênero e raça estão exigindo uma urgente atualização dos padrões de análise. Este foi

o ponto de partida de um trabalho desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), a pesquisa Retrato das Desigualda-des de Gênero e Raça, que está para publicar sua terceira edição, trazendo uma interpretação dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com recorte específico nesses dois temas.

Seu objetivo é visualizar, de forma explícita e compre-ensível, as enormes desigualdades que se manifestam entre negros e brancos e homens e mulheres nos mais diferentes espaços sociais – educação, mercado de trabalho, acesso a bens e serviços, entre outros. Em sua terceira edição, basea-da nos dados da Pnad de 1993 a 2006, a pesquisa apresenta uma novidade: o aumento de famílias formadas por casais com filhos chefiadas por mulheres. Em 1993, 3,4% das fa-mílias tinham essa característica e em 2006, 14,2%.

“Esse é um dado novo e muito revelador para nós no tocante ao comportamento masculino. Que existem muitas famílias chefiadas por mulheres isso nós já sabíamos, mas

os casais assumirem essa situação representa uma mudança muito forte de comportamento”, afirma Natália Fontoura, pesquisadora do Ipea envolvida no trabalho.

Luana Pinheiro, da SPM, explica que o IBGE está refor-mulando as definições para “chefia” da casa. “Ainda não está muito claro se essa chefia se refere à questão de renda ou de gerenciamento do lar, mas como a mulher histori-camente tem o comando da organização domiciliar e não tem sido declarada como chefe, tudo nos leva a pensar que há uma associação direta entre chefia e renda da família”, diz. Outra novidade dessa edição do Retrato é o item Uso do Tempo, que mede o número de horas dedicadas aos afazeres domésticos.

O IBGE faz duas perguntas: se a pessoa faz alguma tarefa doméstica e quantas horas gasta fa-zendo isso. Somente metade dos homens realiza essas tare-fas – 51,4% em 2006, ante 44,4% em 1996 –, enquanto nove em cada grupo de dez mulheres têm essa atribuição. Para as mulheres, a saída para o mercado de trabalho não significa deixar de fazer tais atividades. Pelo contrário, a participação delas quando ocupadas é ainda maior, 92%.

“As mulheres gastam 24,8 horas por semana com as tare-fas domésticas. Para os homens esse tempo é reduzido a me-nos da metade, 10 horas, sem contar com as diferenças das tarefas. O homem vai cuidar do jardim, do carro, vai lavar o

diferenças19 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 40: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

quintal, já a mulher desempenha vá-rias atividades ao mesmo tempo para organizar a casa, como quando está cozinhando e arrumando os filhos para a escola ou está se arrumando para ir ao trabalho e fazendo a lista de compras do mercado”, avalia Luana.

Esse item, ainda com poucos da-dos e informações imprecisas, tam-bém será reformulado pelo IBGE e será uma pesquisa específica. Para es-se trabalho será criado um comitê de estudos de gênero e tempo pelo Ipea, SPM e IBGE, que aplicará as pesqui-sas seguindo modelos internacionais.

“Em alguns países, como na Espa-nha, já foram feitas as chamadas con-tas satélites do trabalho não-remune-rado, a partir do reconhecimento de que o trabalho doméstico deve ser mensurado e contar quando se fala das riquezas nacionais, porque ele é fundamental para a reprodução da vida e para o bem-estar da sociedade. Quando a trabalhadora doméstica exerce esse serviço remunerado, ele é computado, quando é a dona-de-casa ou a mulher que trabalha fora e ainda faz essas atividades, não. O reconhe-cimento desse trabalho traria novos números macroeconômicos para o Brasil”, informa Natália.

Ainda segundo Natália, foi feito um exercício por professores da Universi-dade Federal Fluminense (UFF) nesse sentido e chegou-se à conclusão de que os afazeres domésticos correspon-dem a cerca de 13% do Produto Inter-no Bruto (PIB) e que equivaleram, no ano de 2004, a R$ 225,4 bilhões, dos quais R$ 185 bilhões (ou 82%) foram

gerados pelas mulheres. “Há questio-namentos e limitações metodológicas em relação a esses números, mas eles trazem uma primeira pista sobre a im-portância dos afazeres domésticos do ponto de vista econômico mesmo.”

As pessoas não nas-cem preconceituosas, machistas ou ra-cistas, elas são educadas a serem assim, pensam os especialistas no assunto. Toda mudança de comportamento so-cial passa por um processo demorado e contínuo. Um claro exemplo é a questão do racismo: mesmo após 120 anos da abolição da escravatura, suas conseqüências ainda são visíveis em nossa sociedade, mesmo que muitas vezes de forma velada.

“Nenhuma empresa coloca uma placa na frente da sua porta dizendo que ali não entram negros ou mulhe-res, mas os dados da pesquisa revelam que o racismo e o sexismo existem e funcionam como mecanismos institu-cionais, trazem à tona a relação de po-der da sociedade”, esclarece Waldemir Rosa, pesquisador do Ipea.

As mudanças de conceito e valores que a sociedade precisa promover pa-ra acabar com as desigualdades sociais devem se dar em todos os processos

19 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 41: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

de socialização, já que sua reprodução é feita por todos. A família e a escola, principalmente, devem falar a mesma linguagem.

“Às vezes, a gente se pega, sem querer, reproduzindo estereótipos. É muito comum no aniversário das me-ninas que elas sejam presenteadas com bonecas ou panelinhas e os meninos, com carrinhos ou bolas, fortalecendo e reproduzindo o papel do feminino e do masculino na sociedade. A mu-lher também reproduz o machismo. No caso das desigualdades de gênero, não dá para dizer que ela é só vítima”, observa Luana.

Romper com esse papel predeterminado cultural-mente ao que cabe ao homem ou à mulher em uma sociedade patriarcal foi um grande desafio para o peda-gogo Yonaré Flávio de Melo Barros, que, após se separar de sua esposa, em 1991, tomou para si, entre 1993 e 2005,

o cuidado das filhas gêmeas, hoje com 12 anos. Atualmente, elas passam dois dias úteis com o pai e dois com a mãe e um final de semana com cada um, contando desde a sexta-feira.

“Foi uma circunstância, mas eu nunca releguei os cuidados das meni-nas a outra pessoa, como minha mãe, por exemplo. Como nem sempre posso pagar uma faxineira, quando é preciso eu faço tudo: lavo, passo, faço almoço, levo as duas para a escola e cuido da limpeza da casa. Cumprir essas atribui-ções me dá uma sensação de superação muito grande, já que culturalmente eu não as dominaria, pois não fazem par-te do universo preestabelecido como masculino”, explica Yonaré.

Luana ressalta, no entanto, que o caso do pedagogo não é a regra geral e nem pode ser tomado como exemplo do fim das desigualdades. Segundo ela, alguns dos indicadores estudados, co-mo educação e renda, apresentam me-lhoras. No entanto, trazem consigo o

desafio de continuidade do trabalho.“Não podemos correr o risco de

achar que já está bom porque temos exemplos positivos. Ainda temos enor-mes desigualdades a serem vencidas. Essa é uma luta antiga que começou na década de 1930 com o direito ao voto nas eleições nacionais, passou pela década de 1960, com a atuação do movimento feminista, as mudan-ças comportamentais e a inserção das mulheres nos espaços públicos e no mercado de trabalho, e continua até hoje. Essa mulher, que busca o empo-deramento, rompeu situações cristali-zadas, criou novos arranjos familiares, e toda a sociedade tem que aprender a conviver e dar respostas a esse novo cenário”, explica Luana.

Além desses dois itens, os pesquisadores do Retratoselecionaram outras nove áreas a serem analisadas: educação, saúde, previdência e assistência social, mer-

20 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 42: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

“As mulheres em geral têm mais anos de estudo do que os homens, mas isso não se reflete em ganhos sociais. No caso da população negra, da mesma forma, as mulheres estudam mais e todos os seus indicadores são os piores. A mulher negra ainda enfrenta a dupla discrimi-nação, por ser mulher e por ser negra”, ressalta Waldemir Rosa.

As pesquisas mostram que as mu-lheres negras são as que vivenciam as piores condições de trabalho, recebem os menores rendimentos, mais sofrem com o desemprego e as relações infor-mais de trabalho (e sua conseqüente ausência de proteção social tanto pre-sente quanto futura, a aposentadoria) e ocupam as posições de menor prestí-gio na hierarquia profissional.

Ainda no campo educação, quan-do o assunto é analfabetismo de pes-soas com 15 anos ou mais, homens

cado de trabalho, trabalho doméstico remunerado, habitação e saneamen-to, acesso a bens duráveis e exclusão digital, pobreza, distribuição e desi-gualdade de renda.

Os números obtidos são disponibi-lizados para os mais diferentes públi-cos – movimentos sociais, pesquisa-dores, gestores, parlamentares, estu-dantes. A primeira edição da pesquisa é de 2005, mas seu histórico é desde 1993. “É preciso evidenciar as desi-gualdades para que elas não existam mais, a pesquisa recorta e dá visibili-dade à problemática, permitindo di-recionar políticas públicas para acabar com elas”, defende Maria Inês da Silva Barbosa, do Unifem.

Dentre os números levantados, alguns apresentaram aspecto

positivo em relação a anos anteriores, como no caso do acesso à educação e do aumento do número de trabalhado-ras domésticas com carteira de trabalho assinada.

A média de anos de estudo do brasileiro está aumentando, mas a di-ferença entre homens e mulheres e entre brancos e negros continua na mesma proporção. Em 1993, a média de estudo das pessoas com 15 anos ou mais de idade era de 6,2 anos para homens e mulheres brancos, 4,2 anos para mulheres negras e 4,0 anos para homens negros. Em 2006, a média de estudo das mulheres brancas era de 8,1 anos, dos homens brancos, de 8,0 anos, das mulheres negras, de 6,4 anos, e dos homens negros, de 6,1 anos. O aumento da média dos anos de estudo da população, porém, não diminuiu o hiato que há entre a popu-lação branca e negra.

20 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 43: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

e mulheres brancos, em 2006, estão na mesma proporção, com 6,3% e 6,7%, respectivamente. Já entre os negros essa proporção é mais que o dobro, alcançando 15,1% dos homens negros, e 14,1% das mulheres negras entre essa mesma idade ainda são analfabetas.

Entre os mais idosos esse número aumenta. Da população de 60 anos ou mais, são analfabetos 17% dos homens brancos e 21,1% das mulheres brancas. Entre os negros esses números sobem para 41,5% para os homens e 45% para as mulheres, resquícios de uma faixa etária que não teve oportunidade de estudar.

“É possível perceber em alguns dados a forte diferença racial e de gênero. Há uma estrutura de discriminação política, um racis-mo institucional, que serve de

elevou-se a 59%, sendo de 59% entre a população branca e de 58,9% entre a população negra.

Do total das mulheres ocupadas, 16,5% são domésticas na estatística de 2006. Entre as mulheres negras, esse número sobe para 21,0%. “Há uma dis-paridade muito grande na sociedade. Ao mesmo tempo em que há um avan-ço no número de mulheres que ingres-saram no mercado de trabalho, o maior campo de trabalho feminino continua sendo o de empregada doméstica, so-cialmente desvalorizado”, reflete Alin-ne Bonetti, pesquisadora do Ipea.

O suplemento de saúde é avaliado de cinco em cinco anos. O último dado apresentado é de 2003 e diz respeito à proporção de mulheres com 25 anos ou mais de idade que nunca fizeram exame clínico de mamas. Essa parcela era de 28,7% entre as mulheres bran-cas e de 46,3% entre as negras.

“Isso choca um pouco, porque esta-mos falando de exame simples, de to-que. Nada muito complicado, que pre-cise de equipamentos, apenas o toque do médico para identificar uma das doenças que mais atingem as mulhe-res, o câncer de mama. Fizemos uma análise da escolaridade dessas mulhe-res para saber se estava relacionado aos anos de estudo. Apenas 10,5% das mulheres bran-cas com 12 anos

base para a redução das possibilidades sociais”, observa Waldemir Rosa.

Outro ponto avaliado pelos pes-quisadores com ganho real foi o do número de trabalhadoras domésticas com carteira de trabalho assinada. Em 1996, 23,6% das domésticas brancas tinham carteira assinada e em 2006 essa parcela subiu para 30,2%. Entre as mulheres negras, eram 18,7% em 1996 e 23,9% em 2006.

Houve um aumento também da taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho. Em 1996, eram 52,2% da População Economicamen-te Ativa (PEA), sendo 51,4% entre a população branca e 53,3% entre a po-pulação negra. Já em 2006, essa participação na PEA

21 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 44: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

racismo. De qualquer forma é preciso democratizar a pirâmide como um todo, não é para ter focos de melhora, mas para que todos possam ocupar todos os espaços da pirâmide”, afirma Maria Inês.

Ela também alerta para a dificuldade quando o assunto é racismo. “Tratar a questão de gênero é mais fácil, tem maior inserção popular, mas quando o assunto é racismo, ações afirmati-vas para os negros, há um recuo na sociedade.” E cita a carta assinada por 114 intelectuais e artistas e enviada ao Congresso Nacional, se posicionando contra o projeto de lei de cotas (PL 73, de 1999) e ao Estatuto da Igualdade Racial (PL 3.198, de 2000).

“Há um discurso contrário às ações afirmativas que diz que o país será ‘racializado’, mas o caso é que o Brasil precisa resolver se quer uma mudan-ça lenta ou radical, sem contar que tem compromissos internacionais para acabar com o racismo. O projeto de democracia só estará completo quando não houver mais desigualdades, sejam elas étnicas, de gênero, ou qualquer outra”, avalia Maria Inês. d

ou mais de estudo nunca fizeram o exame clínico de mamas, mas essa par-cela sobe para 18,1% entre as mulhe-res negras com essa escolaridade. Ou seja, existe aí outro componente que vai além da renda, acesso ao médico ou escolaridade, é possível identificar uma carga muito forte de preconcei-to”, avalia Natália.

Dessas mulheres, 32,3% estão na zona urbana e 62,9% na zona rural. “Essa é uma informação que mostra como as políticas públicas no Brasil estão totalmente voltadas para a área urbana, um país tão grande como o nosso e com uma extensão rural vas-tíssima”, ressalta Alinne.

Em 2006, a população pobre do Brasil correspondia a 23,8% do total, sendo a parcela de pobreza de 14,5% entre os brancos e de 33,2% entre os negros. Na faixa dos 10% mais pobres estão 63,4% de negros e 36,2% de brancos; e entre os 10% mais ricos, 74,1% são brancos e 24,3% são negros. Das famílias che-fiadas por negros que recebem bene-fícios dos programas governamentais,

69,4% estão no Bolsa Família, 59,8% no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e 8,3% no Programa de Erradi-cação do Trabalho Infantil (Peti).

A taxa de desemprego de pessoas com 16 anos ou mais, em 2006, era de 5,6% entre homens brancos e de 6,9% entre homens negros. Já entre as mulheres a taxa de desemprego era de 9,6% entre as brancas e de 12,4% en-tre as mulheres negras. São favelados 2,2% dos homens brancos e 4,2% dos homens negros, e são faveladas 3% das mulheres brancas e 6,6% das mu-lheres negras. Não possuem geladeira 5,5% das casas chefiadas por homens brancos e 17% das chefiadas por ho-mens negros, verificando-se a taxa de 10,9% na área urbana e de 43,2% na área rural. No caso das casas que não possuem máquina de lavar roupas, são 49,9% das chefiadas por homens bran-cos e 76,7% das chefiadas por homens negros, e de 72,5% na área urbana e de 94,5% na área rural.

“É possível identificar uma melhora na condição de vida das pessoas de umas décadas para cá, embora essa melhora não se dê quando o assunto é

21 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 45: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

alvo no caso de poucos proprietários debens produtivos ou ativos financeiros, éatravés da venda do seu trabalho que aspessoas obtêm a renda que lhes permite

adquirir os bens e serviços sem os quais umasubsistência digna não é possível.Assim, é prova-velmente a mais grave insuficiência do sistemacapitalista a situação em que pessoas se encon-tram involuntariamente desempregadas. Não édifícil perceber a ligação entre situações de eleva-do desemprego e as mazelas que afetam de algu-ma forma quase todas as sociedades do mundo.Violência, deterioração da saúde da população,fome e desestruturação familiar são quase sem-pre mais graves onde há mais desempregados.

É um erro imaginar que estabilidade econô-mica e redução do desemprego sejam objetivosexcludentes. A recente crise financeira nos EUAelevou ao status de celebridade o economista Hy-man Minsky, falecido em 1996. O que poucosconhecem da teoria minskyana é que os meca-nismos propostos para resguardar a economiados efeitos da instabilidade dos sistemas finan-ceiros não se limitariam à atuação da autoridademonetária como “emprestadora de últimainstância”. Com a queda do investimento, cabe-ria à autoridade fiscal elevar seus gastos e neutra-lizar a queda da demanda agregada e seus efeitosrecessivos sobre a atividade produtiva e o nível deemprego. Políticas como o Bolsa Família, o paco-te de estímulo econômico do Tesouro americanoe o PAC seriam possíveis formas de estimular aprodução e o emprego. No entanto, como so-lução para o desemprego e pobreza, nenhumapolítica seria tão eficiente como a garantia uni-versal de emprego remunerado pelo Estado.

Um programa de garantia universal de empre-go eliminaria de vez qualquer nível de desempre-go involuntário. O Estado empregaria a todos quedesejassem trabalhar pelo pacote de salário e be-nefícios do programa. A injeção da renda pagaaos participantes do programa aqueceria a eco-nomia estimulando o aumento da produção eemprego privados. A política teria caráter anticí-clico, elevando o gasto público em momentos deretração econômica com desemprego alto e o re-

duzindo em situações de expansão. Participantesdo programa seriam mais facilmente absorvidospelo setor privado que desempregados, já que odesempenho de atividades úteis organizadas peloEstado lhes permitiria manter e desenvolver habi-lidades úteis para as empresas. Além disso, ativi-dades normalmente não desenvolvidas pela ini-ciativa privada, mas úteis e necessárias, poderiamser oferecidas à população.

Ainda que o aumento da renda disponível dapopulação pressionasse num primeiro momentoo nível de preços, os efeitos inflacionários do pro-grama seriam menores que de outras políticas decombate à pobreza, já que a produção de bens eserviços contribuiria para a expansão da ofertaagregada. Além disso, se mantido estável, o salá-rio do programa serviria como âncora para o ní-vel de preços. Em alguns países, políticas de ga-rantia de emprego foram realizadas com sucesso.Na Índia e na África do Sul, políticas de garantiade emprego têm reduzido a pobreza e aumenta-do a inclusão social. Na Argentina, o programaJefes de Hogar foi decisivo para a recuperaçãodaquele país após o colapso econômico de 2001.

Um programa de garantia de emprego, mes-mo mais modesto que o programa universalproposto por Minsky, poderia ser complementoperfeito para políticas de desenvolvimentoeconômico como o PAC e o programa de bol-sas. Combinadas, tais políticas reduziriam sen-sivelmente o desemprego e a pobreza no Brasil,criando uma realidade social e econômicamelhor. Ao mesmo tempo, os mecanismos deestabilização macroeconômica discutidos tor-nariam a economia brasileira mais saudável eresistente a choques econômicos.

Pleno emprego é sem dúvida algo que todosqueremos. É necessário apenas que economistase políticos percebam que o pleno emprego éeconomicamente viável e relativamente simplesde ser atingido. Basta que o Estado atue como o“empregador de última instância”.

D a n i e l N e g r e i r o s C o n c e i ç ã oARTIGO

O Desemprego Zero de Hyman Minsky

Pleno emprego é

sem dúvida algo que

todos queremos.

É necessário apenas

que economistas e

políticos percebam

que o pleno emprego

é economicamente

viável e relativamente

simples de ser atingido.

Basta que o Estado

atue como o

‘empregador de

última instância’

S

Daniel Negreiros Conceição é membro fundador do Movimento Nacional pe-

lo Desemprego Zero e do Instituto Desemprego Zero e doutorando na Universida-

de do Missouri em Kansas City (UMKC)

Desaf ios • julho de 2008 45

22 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 46: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

quecido pelos holofotes que dirigem o seu foco apenas para o desempenho do Bolsa Família, outro programa social, o Benefício de Presta-ção Continuada de Assistência Social (BPC),

vem se revelando uma mão protetora no amparo aos brasileiros idosos ou com deficiência incapacitante para a vida independente e para o trabalho. A di-mensão do seu trabalho é gigantesca: ao final do ano passado, o número de pessoas beneficiadas já alcan-çava 2,68 milhões, e elas recebem um salário mínimo mensal – bem acima dos valores pagos pelo Bolsa Família. Com isso, o BPC somou gastos públicos de R$ 11,5 bilhões em 2007, e para este ano tem orçamen-to previsto de R$ 15,4 bilhões, quase 50% acima dos R$ 10,4 bilhões que o Programa Bolsa Família repas-sará este ano. Segundo a assistente social Juliana Ro-chet, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômi-ca Aplicada (Ipea), o BPC é uma importante inovação

da política social e se fundamenta no prin-cípio da solidariedade social para

com as pessoas incapacitadas.

A mão protetora

22 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 47: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

23 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 48: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

“O programa é pioneiro na concessão de benefícios voltados para pessoas até então excluídas de qualquer mecanis-mo público de transferência de renda e sua criação trouxe uma mudança no padrão de proteção social brasileiro no campo da garantia de renda, tra-dicionalmente identificado como os seguros sociais”, diz ela.

Mas o BPC não é vitalício. A cada dois anos o benefício é revisto para avaliação da continuidade das con-dições que lhe deram origem. Se a revisão constatar que o beneficiário não mais atende aos critérios de sua concessão, o benefício pode ser sus-penso ou encerrado. A avaliação é fei-ta por assistentes sociais, por meio de visitas domiciliares e em instituições de abrigo, para atualizar os dados de composição familiar, renda e outras informações sobre o beneficiário.

No caso da pessoa com deficiência, pode ser realizada uma nova avalia-ção médica pericial para verificação de alterações na sua situação física. No entanto, as permanentes avaliações, re-alizadas como um mecanismo de defe-sa do programa contra fraudes, acaba-ram resultando em imensa insegurança para os beneficiários. São freqüentes os cancelamentos dos benefícios, que provocam numerosas demandas ad-ministrativas e judiciais, pois não há unanimidade no reconhecimento das perícias médicas.

Esses conflitos levaram o presiden-te Luiz Inácio Lula da Silva a assinar, no ano passado, um decreto que alte-rou as regras de recebimento do Be-nefício de Prestação Continuada, com prazo para implantação até o final de julho deste ano. Essa medida buscou corrigir algumas distorções acumula-das nas constantes mudanças de leis e normas sobre o BPC. Por exemplo, até agora, a pessoa com deficiência que conseguia um trabalho perdia o benefício e não podia requerê-lo de volta caso saísse do emprego.

Direito constitucio-nal estabelecido pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado em 1993 pela Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) – a Lei nº 8.742 –, o BPC começou a ser concedido em 1996. Mas sua regulamentação tem sido, há tempos, objeto de debate e con-trovérsias. A Constituição definiu o direito ao BPC, indicando de maneira genérica o beneficiário como aquele idoso ou deficiente que não possui meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família, fixando o valor do benefício em um salário mínimo mensal. Foi a Loas que definiu a idade de acesso para os ido-sos em 70 anos, com gradual redução para 65 anos, que vigora atualmente,

e determinou que o beneficiário pre-cisa ter renda mensal familiar per ca-pita inferior a um quarto do salá-rio mínimo (hoje, esse valor é de R$ 103,75 mensais).

Baixado em 1995 para definir e or-ganizar os processos de gestão daquele benefício, o Decreto nº 1.744 alte-rou a definição de “pessoa portadora de deficiência” (PPD), o que passou a ocasionar freqüentes divergências de entendimento, gerando heteroge-neidade nas avaliações pela perícia médica responsável por atestar a in-capacidade, uma vez que o Brasil não possui metodologia unificada para a classificação de deficiências e avaliação de incapacidades com vistas ao acesso a políticas públicas.

23 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 49: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

Apesar do conceito restrito de de-ficiência, o decreto de 1995 não havia definido o conceito de incapacidade, dando margem que questões relacio-nadas ao tema fossem decididas em âmbito judicial (o decreto de 2007 re tomou a definição da Loas). Entre-tanto, logo após o início da concessão do benefício, nova legislação alterou as regras: a Medida Provisória nº 1.473, de 1997, transformada na Lei nº 9.720, de 1998, redefine o conceito de família utilizado no cálculo da renda per capi-ta para fins de concessão do benefício.

E, em 2003, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741) estabeleceu que o benefício já emitido a qualquer pessoa idosa da família não conta no cálculo da renda familiar per capita, mas não estendeu

essa vantagem às pessoas com de-ficiência, e atualmente tramitam no Congresso Nacional vários projetos de lei que, caso sejam aprovados, benefi-ciarão as famílias em que a deficiência afeta mais de uma pessoa, tais como as deficiências de origem genética.

Um exemplo das pessoas assistidas em todo o país é o da empre-gada doméstica paraibana Marlete Qua-resma Mendes, de 37 anos. Seu terceiro filho, Tiago, hoje com 14 anos, é por-tador de síndrome de Dandy-Walker, que é um tipo de deficiência intelectual provocada por malformação congênita. O garoto apresenta problemas de visão e não consegue se locomover sem auxí-lio. Graças exclusivamente à proteção do BPC, a mãe teve acesso aos remédios e alimentos para o filho. No caso de Marlete e seus três filhos, as dificuldades excederam em muito às exigências da legislação, pois ela dispõe de emprego regular somente em meio horário e a sua carteira profissional registra apenas o ganho de metade do salário mínimo.

O programa é gerenciado pelo Mi-nistério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome (MDS), por meio da Secretaria Nacional de Assistência Social, também responsável pelo acom-panhamento e avaliação. A execução da perícia para a eleição dos beneficiários e a revisão dos benefícios a cada dois anos são feitas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e os recursos são oferecidos pelo Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS).

As transferências do BPC são feitas mensalmente, usando o sistema bancário, cada beneficiário tem um cartão mag-nético para o saque do dinheiro. A sim-plicidade facilita a vida de beneficiários como Marlete. Alguns bancos operam por meio de agências dos Correios, casas lotéricas e estabelecimentos comerciais, o que aumenta substancialmente os espa-ços de distribuição de benefícios. No caso de os beneficiários não poderem receber o benefício pessoalmente, outra pessoa pode se responsabilizar pelo recebimento das transferências em seu nome.

Isso torna indispensável a inclusão de assistente social na avaliação, pois há grande margem para cada perito determinar quem está ou não inserido no programa. Uma pesquisa mostrou

24 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 50: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

que uma pessoa com deficiência renal crônica seria considerada elegível ape-nas por 28% dos médicos. Uma criança com anemia falciforme, uma doença genética prevalente em afrodescenden-tes, com crises regulares de dor, seria elegível ao BPC apenas para 14% dos médicos peritos. Mas, se essa mesma criança tivesse apresentado dois aci-dentes vasculares cerebrais, o índice de aprovação seria de 90%.

Embora o pro-grama seja dedicado exclusivamente a idosos e deficientes físicos em esta-do de penúria, são escassos os dados disponíveis sobre o perfil dos bene-ficiários. As principais fontes são os registros administrativos obtidos no momento do cadastramento de novos beneficiários e os dados levantados ao longo dos processos de revisão dos be-nefícios. Mas o último relatório oficial sobre o tema é de 2002. Diante da pre-cariedade de informações, os técnicos se valem de uma pesquisa realizada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), publicada há dois anos.

Segundo essa pesquisa, há a predo-minância de beneficiários das zonas urbanas, que totalizam 93,2% do uni-verso, com ligeira maioria de mulhe-res entre os beneficiários, com 52,7% do total. Também entre os idosos, as mulheres são maioria, mas nesse caso pode ser simples decorrência da maior longevidade feminina, já apontada pe-las estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em relação à escolaridade da população beneficiada, a pesquisa aponta que 54,4% não possuem sequer um ano de estudos. Em relação aos idosos, 59% não foram alfabetizados.

Na ponta da linha desse programa e no contato direto com os beneficiários está o órgão operador, o INSS, cujo rosto nessa relação são os seus médi-cos e assistentes sociais, que realizam as perícias, avaliações e concedem ou

24 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 51: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

sempre considera satisfatório. Ela cita o exemplo de uma moça sem capacidade de locomoção e residente na favela do Cafezal, em Belo Horizonte. Ela foi considerada apta para o trabalho que lhe foi oferecido no centro da cidade, mas o médico desconsiderou do fato de que não havia ninguém para retirá-la de casa, localizada no alto de um morro, e levá-la ao ponto de ônibus. “Do ponto de vista médico, ela poderia ser capaz, mas, do ponto de vista funcional, não tinha vida independente e, portanto, não poderia trabalhar”, afirma.

Amarillis reconhece que, ao se apro-ximar a época das revisões, os benefici-ários se mostram tensos e muitos ficam doentes. A assistente social faz questão de separar os conceitos da incapacidade física, como a paralisia infantil, com o de doenças como câncer ou tuberculo-se. A enfermidade não é condição para a concessão de benefícios. “As pessoas ficam doentes porque temem perder o dinheiro, tão vital para elas. Às vezes, dez centavos a mais na renda familiar é suficiente para excluir uma pessoa do programa”, diz, com certo exagero, mas ressalvando que uma família não é instituição estática.

As pessoas que fazem parte de um núcleo familiar se tornam maiores de idade e obtêm algum emprego, e, com isso, é ultrapassada a renda per capitamáxima para se obter o benefício, conta a assistente social. Mas ela pessoalmente considera irrisório o valor de R$ 103,75 mensais, que corresponde a menos de R$ 4,00 por dia. Pelas suas contas, esse é o dinheiro que os miseráveis le-vam no bolso ao sair de casa para pedir esmolas no centro da cidade. “E isso porque eles saem só com a passagem de ida, já que a passagem de volta e sua alimentação são obtidas com a carida-de pública”, diz. No entanto, Amarillis qualifica o BPC como uma importante ação de solidariedade social, que con-tribui fortemente para retirar as pes-soas da condição miserável.

validez. Amarillis esclarece que, no início, não foi tarefa fácil, pois a expe-riência da autarquia era apenas com o trabalhador, gente que demanda o INSS a partir de 16 anos de idade. “Os benefícios do BPC por incapacidade são concedidos logo depois do nasci-mento do beneficiário”, esclarece.

A assistente so-cial mostra-se otimista com a possibi-lidade de realização de um novo con-curso público para admissão de outras 900 profissionais em todo o país, o que não é realizado há 24 anos, desde que Amarillis foi admitida. Porém, o con-curso anunciado no ano passado foi abandonado após a extinção da Con-tribuição Provisória sobre a Movimen-tação de Natureza Financeira (CPMF) porque o governo tomou a decisão de reduzir seus custos administrativos.

Caso o concurso seja retomado, os novos funcionários terão como uma das principais tarefas a de participar, junto com os médicos, das perícias para a revisão dos benefícios concedi-dos a deficientes físicos, que ocorrem a cada dois anos. No momento, essas avaliações são realizadas apenas por médicos, com resultados que ela nem

d

cancelam os benefícios. Uma das as-sistentes sociais é Amarillis Las Casas, coordenadora de Serviço Social do INSS em Belo Horizonte. Ela foi ad-mitida por concurso em 1984, ainda muito jovem. Apaixonada pelo seu trabalho, ela considera que foi uma obra do destino colocar a operação do BPC na instituição. Quando o pro-grama foi criado, a operação deveria ser realizada pela Legião Brasileira de Assistência (LBA), instituição federal de caridade social, hoje extinta.

Nos primeiros tempos, a concessão e revisão dos benefícios eram reali-zadas por qualquer médico e por um funcionário público municipal nas ci-dades onde residiam os beneficiários. Mas começaram a pipocar denúncias de concessões movidas por interesse político, sem preencher todas as exi-gências do programa. Houve casos, também, de médicos que trabalhavam no serviço público municipal e que fo-ram demitidos por não concordar em assinar laudos fraudulentos.

Desde que toda a operação passou a ser feita pelo INSS, o quadro melhorou por conta da sua larga experiência na realização de perícias para concessão de licenças e aposentadorias por in-

25 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 52: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

ilhares de quilômetros separam o distrito de Nova Califórnia, na divisa dos estados do Acre e de Rondônia, dos principais centros consumido-res do país – aliás, de todos os principais pólos irradiadores de qualquer tendência ou novidade. Mas a distância pouco importou para que os

agricultores que resolveram tirar de lá o sustento de suas famílias transformassem sua aventura numa bem-sucedida experiência que seria reconhecida internacio-nalmente. A verdadeira “missão” desenvolvida pelo Projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (conhecido como Projeto Reca) rendeu aos seus idealizadores o Prêmio ODM Brasil 2007, iniciativa do governo brasileiro em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Foi um reconhecimento à sua contribuição para o cumprimento dos Obje-tivos do Milênio (ODM), principalmente aqueles relativos a sustentabilidade ambiental, combate à pobreza e garantia da segurança alimentar. Para entender como foi possível garantir paz e prosperidade a centenas de moradores numa região tão inóspita como o Noroeste do país, no coração da floresta amazônica, é preciso explicar como se deu o processo de colonização do local. Em fins de

naSustentabili

25 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 53: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

dade

26 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 54: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

1970, diversas famílias atenderam aos chamados de uma oferta do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a agência fundiária do governo federal, e partiram para a colonização na Amazônia. O Incra doou lotes de 100 hectares de mata fechada aos interessados em colonizar

os grotões do Brasil na esperança de resolver um problema fundiário, uma vez que Acre e Rondônia divergiam sobre a localização da linha de divisa territorial na região.

A notícia correu todo o país e in-contáveis “aventureiros” partiram pa-ra a jornada incerta – boa parte deles

saiu de terras distantes, como Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais, atrás da terra prometida. Quando chegaram lá, descobriram que a coisa não era assim tão boa quanto anunciava a pro-paganda. Para se ter uma idéia, as tri-lhas deixadas pelos técnicos do Incra já não existiam mais e as dificuldades para abrir as primeiras clareiras no meio da densa floresta foram imensas. O propósito original dos pioneiros era desmatar sem compaixão e plantar café, cacau, arroz, feijão e milho, mas logo o solo se mostrou impróprio para o cultivo desses produtos. Para piorar, a malária castigou violentamente os colonizadores, a infra-estrutura era extremamente limitada, dada a dis-tância dos centros urbanos, e o apoio governamental era muito restrito. Da-ria muito mais trabalho do que se imaginava e as perspectivas não eram nada animadoras.

Eunice Sordi tinha um ano de idade quando deixou Romelândia, cidade no interior de Santa Catarina

26 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 55: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

Na safra de , foram beneficiadas mil toneladas de frutos

brutos de cupuaçu, toneladas de polpa de cupuaçu, toneladas

de manteiga de cupuaçu, toneladas de sementes de pupunha lisa com

certificado de garantia, toneladas de palmito de pupunha em conserva

e toneladas de polpa de açaí.

distante mais de 4 mil quilômetros do destino que o pai escolheu para toda a família. Com a filha no colo, Nilo Sordi tinha um sonho fixo na cabeça: explorar de maneira bem-sucedida o lote de terra oferecido pelo governo federal. Eunice recorda que o trabalho mostrou-se improdutivo, pois havia todo tipo de dificuldade. “Muitos dos migrantes, de todos os cantos do país, simplesmente resolveram deixar tudo para trás e voltar para suas terras de origem”, conta Eunice.

Em meados de 1984, um grupo de obstinados partiu para uma localida-de próxima, um antigo seringal hoje conhecido como Nova Califórnia, às margens da BR-364, distante 370 qui-lômetros de Porto Velho, capital de Rondônia, para tentar a sorte mais uma vez. Eles promoveram um inter-câmbio com os nativos da região e se organizaram em pequenas associações, entendendo que dessa maneira obte-riam de maneira mais fácil recursos de financiadoras para dar cabo ao traba-lho e escoar a pequena produção que começava surgir. No entanto, depois de novamente enfrentarem dificulda-des com o que estavam produzindo, tiveram a idéia de cultivarem produtos da floresta.

“Era preciso encontrar uma nova maneira de viver e produzir na Ama-zônia, que levasse em conta a vocação florestal da terra e as diferentes neces-sidades de migrantes e extrativistas, ou seja, um sistema de produção que protegesse as pessoas e o solo e simul-taneamente atendesse às demandas de mercado, permitisse a geração de ren-da e garantisse a segurança alimentar da comunidade e a sustentabilidade ambiental do ecossistema”, observa o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Emmanuel Cavalcante Porto, que visitou a região.

Foi assim que deixaram o arroz e o feijão e partiram para a produção de iguarias típicas da Amazônia, como o

cupuaçu (Theobroma grandiflorum), a pupunha (Guilielma speciosa) e a cas-tanha-do-brasil (Bertholletia excelsa),também conhecida como castanha-do-pará. As coisas começaram a cami-nhar e em 1989 a agência financiadora holandesa Cebemo decidiu apoiar a iniciativa dos pioneiros da floresta. Nascia o Projeto de Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensa-do – “Um Novo Modo de Viver e Produzir na Amazônia”, oficialmente criado no dia 18 de fevereiro de 1989. De início, recordaria toda a família de Eunice, hoje técnica agropecuária envolvida diariamente com o proje-to, eram apenas uma balança, uma seladora, um freezer e duas tesouras para despolpar as frutas. Mas já era um começo.

O tempo passou e hoje o Projeto Reca conta com 12 gru-

pos comunitários e reúne 354 famílias associadas. Cada grupo encontra-se mensalmente e conta com um coor-denador, um líder e uma líder mulher. O Reca é dirigido pelos produtores e a assistência técnica é prestada pelos filhos de produtores que foram apoia-dos em sua formação nas “Escolas Fa-mília Agrícola” (modelo de educação profissionalizante adotado em diversas regiões no interior do Brasil). O braço operativo do Reca recebe o nome de execução e encontra-se organizado em duas gerências: uma ligada à gestão administrativa, financeira e comer-cial e a outra de transporte, benefi-ciamento, armazenagem da produção e manutenção da estrutura física do projeto. No dia-a-dia, a coleta dos frutos é de responsabilidade de cada produtor até sua entrega na indústria. Dali em diante, o Reca trabalha com o beneficiamento do palmito de pupu-

27 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 56: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

Outro ponto ino-vador que merece destaque, lembra Maria da Piedade, é o modelo de gestão adotado pelo projeto. “Ele se dá por meio de uma forte coesão da comunidade e intensa organização participativa e cooperativismo, onde todas as decisões são tomadas pelos grupos de agricultores, em assembléias ou reuniões de coordenação e repassa-das para a ‘equipe de execução’, sendo extremamente forte a participação das mulheres e dos jovens na vida familiar, na comunidade e na própria organi-zação e diversificação da produção”, observa a pesquisadora.

Sérgio Roberto Lopes, um dos fun-dadores do projeto, traduz de maneira simples e direta o que isso quer dizer. “É uma forma de organização diferen-te, com muito mais participação de to-dos”, define o teólogo e filósofo natu-ral de Congonhinhas, no Paraná, que aportou no Acre em 1985. Segundo ele, a palavra de ordem é a sustentabilida-

nha, polpas de frutas e óleos. Trabalho que dá certo: só em 2007 o projeto movimentou mais de R$ 3 milhões nos mercados interno e externo.

O objetivo da prática “Um Novo Modo de Viver e Produzir na Ama-zônia”, slogan-mantra do projeto, é organizar as famílias integrantes em pequenos grupos de estudo e solida-riedade e recuperar áreas alteradas com espécies florestais amazônicas com potencial econômico, benefician-do-as e comercializando-as – con-seguindo assim fixar as famílias na propriedade rural com qualidade de vida, diminuindo o êxodo rural e o desmatamento. Os integrantes, um tanto migrantes de todos os cantos do país, outro tanto antigos seringueiros da região, reúnem-se na Associação de Agrossilvicultores do Projeto Reca, que buscam a melhoria da qualidade de vida das famílias de produtores agroflorestais através da organização solidária, do fomento ao desenvol-

vimento social, cultural, ambiental e econômico.

Reunir interesses comuns e passar a trabalhar em conjunto não é lá gran-de novidade, mas então o que faz do Reca algo singular? “O principal cará-ter inovador do Projeto Reca é o fato de ter introduzido uma nova maneira associativa, sustentável e orgânica de produzir na Amazônia, calcado na adaptação dos sistemas produtivos ao meio ambiente em que estão inse-ridos, promovendo a recomposição florestal com espécies nativas e a melhoria do sistema produtivo agro-florestal com o objetivo não apenas de preservar a floresta, mas também de promover atividades de geração de renda combinadas com mudanças significativas no perfil produtivo e organizacional da comunidade”, es-clarece a pesquisadora do Ipea Maria da Piedade Morais. Mas, segundo ela, esta não é a única característica ino-vadora do Projeto Reca.

27 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 57: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

de. Em vez de pensar exclusivamente em grandes volumes de produtos vol-tados ao comércio exterior, primeiro é preciso garantir o sustento das pessoas diretamente envolvidas com a produ-ção. Coisa simples, como ter um porco ou uma galinha em casa, para ter ovos para servir à família no café da ma-nhã em vez de buscá-los no mercado. Hoje os agricultores cultivam mais de 40 espécies, o que lhes dá vazão a empregarem o trocadilho “floresta de alimentos” ao se referirem à produção. Na verdade, eles fazem uso da técni-ca de Sistemas Agroflorestais (SAFs), onde se combinam culturas agrícolas com florestais.

A mudança de mentalidade de co-lonos e seringueiros com o abandono de antigos modos de produção tradi-cionais e a sua adesão a um novo mo-dus operandi são visíveis, reflete Ma-ria da Piedade. “Os impactos sociais, econômicos e ambientais positivos do projeto podem ser avaliados pela vasta

e a Associação dos Pequenos Agros-silvicultores do Projeto Reca acabou agraciada com o primeiro lugar na categoria “Negócios em Conservação” pela apresentação da prática de um novo modo de viver e produzir na Amazônia. A escolha, entre mais de mil práticas inscritas, aconteceu no mês de abril deste ano. É a segunda edição do prêmio, uma iniciativa pio-neira no mundo, criado pela Secretaria Geral da Presidência da República, em parceria com o Pnud e o Movimento Nacional pela Cidadania e Solidarie-dade, com coordenação técnica do Ipea e da Escola Nacional de Adminis-tração Pública (Enap).

No mesmo ano, o Projeto Reca levou a quarta posição no concurso “Experiências em Inovação Social na América Latina e Caribe”, da Funda-ção W.K. Kellogg. Em torno de mil organizações de todos os países latino-americanos e do Caribe participaram do concurso. Em 2002, o Reca ficou

e variada produção e beneficiamento de alimentos e produtos da floresta, oriundos das atividades de replantio e melhoria de sistemas produtivos agro-florestais com espécies nativas”, expli-ca. Vale lembrar, completa a técnica, que são inúmeras as pesquisas que apontam os menores índices de des-matamento e de êxodo rural entre os associados do Reca, além de auferirem rendimentos duas vezes superiores aos de outros projetos de assentamento do Incra ou aos resultados de reservas extrativistas na Amazônia.

As fronteiras se ex-pandiram e os produtos da floresta já são até mandados para fora do país. É o caso do palmito pupunha, expor-tado para a França. Aqui no Brasil, os principais mercados consumidores são Rio de Janeiro, São Paulo e os estados do Nordeste. No ano passado, Sérgio Lopes teve a idéia de inscrever a iniciativa no Prêmio ODM Brasil 2007

28 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 58: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

Entre as 1.062 práticas inscritas, o vencedor foi escolhido com base nos seguintes critérios:

contribuição para o alcance dos ODM

caráter inovador

possibilidade de tornar-se referência para outras ações similares

perspectiva de continuidade ou replicabilidade

integração com outras políticas

participação da comunidade

existência de parcerias

manutenção da qualidade nos serviços prestados

em segundo lugar na categoria “Ne-gócios Sustentáveis” do Prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente, promovi-do pelo Ministério do Meio Ambiente. No ano seguinte foi a vez de lançarem um livro de memórias. O lançamento de “Nosso Jeito de Caminhar” foi re-alizado no auditório do Incra em Rio Branco, no Acre. O volume narra as histórias das famílias que se instalaram em Rondônia, seu trabalho de ocupa-ção e processo de desenvolvimento econômico e social.

Hoje o projeto conta com uma ex-tensa rede de parceiros, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empre-sas (Sebrae), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) ao Ministério do Desen-volvimento Agrário (MDA). A medida

do sucesso do projeto veio em 2000, quando a empresa de cosméticos Na-tura passou a comprar deles: a com-panhia solicitou o fornecimento de matéria-prima da região (manteiga de cupuaçu e óleo de castanha-do-pa-rá), para a linha de produtos “Natura Ekos”. E é a própria empresa que define a bem-sucedida parceria. “A comunidade extrai de maneira susten-tável os frutos da terra e se beneficia do seu valor comercial. As empresas com-pram os ativos e matérias-primas para seus produtos e apóiam projetos em benefício da terra, da comunidade e da sustentabilidade. Os consumidores dão preferência a adquirir produtos de empresas com atitude ecológica e sus-tentável, o que faz com que o ciclo se feche. É o mundo ideal, não?” Se não é, está muito perto disso. d

28 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 59: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

América do Sul e o seu processo de inte-gração em curso constituem um formidávellaboratório para os analistas da cena inter-nacional contemporânea do pós-Guerra

Fria. Os estudiosos e os policy-makers dos países daregião e de fora dela estão de modo geral convenci-dos de que também aqui se desenrolam eventos quepoderão confirmar, ou jogar por terra, a validadedas teorias e análises voltadas para uma adequadacompreensão da natureza e as tendências domi-nantes do atual sistema internacional.

Elas expressam, de um lado, a contração des-se sistema como um todo (os movimentos cen-trípetos), processo associado à construção deuma governança mundial – globalizada e regio-nalizada – que teria adquirido notável relevânciana atualidade e, desse modo, mais que o resultadodo clássico equilíbrio de poder entre as potênciasou os estados soberanos em geral, a estabilidadedas relações internacionais estaria condicionada àeficácia dos mecanismos de regulação que inte-gram valores universais e normas jurídicas, insti-tuições e políticas supranacionais.

Em posição contrastante, pontifica a correntede pensamento que identifica a predominância deuma ordem mundial ainda submetida às tendên-cias de dispersão ou fragmentação (os movimen-tos centrífugos). Nesta acepção, por mais que odireito internacional ou o interesse geral da co-munidade internacional sejam relevados em de-terminadas circunstâncias, a natureza intrínsecado sistema assenta-se na assimetria de poder e nointeresse exclusivo dos Estados no exercício legíti-mo das suas respectivas soberanias, moldandoum comportamento que seria típico, por exem-plo, da atuação das grandes potências.

Ressalvadas as nossas particularidades regio-nais e nacionais,a integração sul-americana é umprocesso que expressa, desse modo, as ambigüi-dades e as incertezas dessa complexa era de tran-sição, na qual as convergências encontram-seamalgamadas às divergências.Apesar disso, o ba-lanço sobre essa e as duas dezenas de experiên-cias em curso demonstra que segue firme umabrangente e vigoroso processo de regionali-zação do mundo atual.

Outra questão suscitada por esse debate é oproblema político e teórico da escala de análiseenvolvida na integração da América do Sul.Desde logo, firmamos a nossa posição de quepara a geopolítica e a geoeconomia contem-porâneas, não existe essa entidade abstrata e in-definida chamada América Latina enquantoum objeto teórico ou empírico das relações in-ternacionais. Não se trata aqui apenas de rejeitara antiga denominação européia (de NapoleãoIII) para centenas de povos americanos – os na-tivos, imigrados ou miscigenados – situados aosul do Rio Grande e alguns deles, inclusive, semnenhuma relação cultural com uma suposta“raiz latina”. Também não é apenas uma reaçãoao desconforto diante da forte tradição que secristalizou nos sistemas escolares, nas insti-tuições acadêmicas e nas chancelarias norte-americana e européias, principalmente, o quenos mantêm indistintamente agrupados sob es-se rótulo, como se expressássemos uma identi-dade cultural e política comum ou compartil-hássemos um projeto de futuro.

Em suma, o que deve ser apreendido, sobretu-do, é que está sendo construída uma nova regiãona América e no mundo, tendo como base co-mum fatores tão diversos como as situações decontigüidade territorial-nacional, as antigas re-lações e identidades fronteiriças e um ambiciosoprojeto de integração física na escala subconti-nental – a Iniciativa de Integração da Infra-estru-tura Regional Sul-Americana (IIRSA).Além dis-so, com o Mercosul, a consolidação de umsistema regional de comércio que tem promovi-do a eliminação gradual das barreiras internas,combinada a uma política de bloco que propiciaa esses países atuar em melhores condições numambiente de crescente competição internacional.Finalmente, e como o mais emblemático sinal deuma nova geopolítica na região, está em cursouma ousada concertação interestatal com vistas auma estratégia futura de mútua proteção diantede potenciais ameaças externas.

W a n d e r l e y M e s s i a s d a C o s t aARTIGO

A América do Sul é a nossa região

Como o mais

emblemático sinal

de uma nova

geopolítica na região,

está em curso uma

ousada concertação

interestatal com vistas

a uma estratégia

futura de mútua

proteção diante

de potenciais

ameaças externas

A

Wanderley Messias da Costa é professor titular do Departamento de Geo-

grafia da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Geografia Política

Desaf ios • julho de 2008 59

29 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 60: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

Pesquisadores da Universi-dade de São Paulo (USP) desen-volveram uma lupa especial para leitura que amplia textos em cinco vezes e diminui as distorções, permitindo a visualização de pala-vras por pessoas com baixa visão. A lente, cujo desenvolvimento foi descrito em artigo publicado na revista Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, começou a ser co-mercializada pela empresa Bona-vision, instalada no Centro Incu-bador de Empresas Tecnológicas (Cietec) da USP. Com poder de refração de 22 dioptrias e diâme-tro de 50 milímetros, beneficia pessoas com baixa visão ou visão subnormal. Por ser esférica, a lente diminui as distorções da pe-riferia, ampliando o diâmetro útil para leitura. O projeto foi desen-volvido pelo grupo Design para a Saúde, apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do qual participam pesquisadores da área de design da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e da área de oftalmologia da

Foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) a Portaria nº 429, de 17 de julho, que institui o Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecno-logia, que substituirá o atual Programa Institutos do Milênio. Os Institutos Nacionais serão formados por uma instituição-sede caracterizada pela excelência de sua produção científica e/ou tecnológica, alta qualificação na formação de recursos humanos e com capacidade de alavancar recursos de outras fontes, e por um conjunto de laboratórios associados de outras instituições articulados na forma de redes científico-tecnológicas. De acordo com a portaria, os Institutos Nacionais serão caracterizados por área ou tema de atuação bem definidos, em área de fronteira da ciência e/ou da tecnologia ou em áreas estratégicas do Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação de 2007-2010. Os Institutos Federais de C&T poderão

participar do programa, por meio de propostas de constituição de centros, programas ou projetos mobi-lizadores, com as mesmas características e critérios de seleção exigidas para os Institutos Nacionais. As propostas deverão ser formuladas e apresentadas por pesquisadores de reconhecida competência nas áreas de atuação, devendo ter o respaldo dos dirigentes das instituições. O Programa Institutos Nacionais de C&T será coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecno-logia (MCT), que aportará recursos orçamentários do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Fundo Nacional de Desenvol-vimento Científico e Tecnológico (FNDCT), por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A ges-tão operacional do programa ficará a cargo do CNPq, em articulação com outras entidades que aportarão recursos financeiros ao programa.

Uma nova estratégia para o tratamento do câncer, que usa uma espécie de bomba microscó-pica para carregar drogas para combater metástase, vem apre-sentando bons resultados nos Es-tados Unidos. O método, testado na Universidade da Califórnia em San Diego, utiliza doses menores de quimioterapia tradicional, com

menos danos colaterais em tecidos ao redor de tumores. O sistema de transporte de medicamento por nanopartículas foi experimentado em cânceres de pâncreas e de rim em camundongos. A nanobomba se dirige pela circulação sangüínea diretamente ao local do tumor, onde descarrega a droga. O trata-mento não teve muito impacto nos

tumores primários, mas bloqueou a metástase, ou seja, fez com que os cânceres parassem de se espalhar pelo organismo. O método é uma quimioterapia, mas muito mais lo-calizada e eficiente, com grande redução na dosagem e sem causar danos em tecidos adjacentes, que é um dos piores efeitos colaterais do método tradicional.

Faculdade de Medicina (FM) da USP.

29 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 61: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

O Centro de Informações Nucleares (CIN) da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) lan-çou na internet o Portal do Conhecimento Nuclear para reunir as principais fontes de informação da área. A seção Pontos Focais, por exemplo, oferece a visão temática dos sites relativos a aplicações da ciência e tecnologia nuclear. Entre os diversos Pontos Focais estão Aplicações Nucleares na Área

Médica, Aplicações Nucleares no Meio Ambiente, Ciências dos Materiais e Tecnologias de Suporte e Fusão Nuclear. A página principal do site destaca notícias consideradas mais relevantes e dá acesso ao conjunto completo de notícias divulgadas por cada site por meio de RSS. Esse recurso possibilita aos usuários o acesso às notícias da área nuclear com a visita a um único

site. A seção Páginas Amarelas é formada por um catálogo de fornecedores de serviços e produtos da área nuclear.

O governo do Rio Grande do Norte lançou o Programa Inova RN, por meio do qual vai apoiar 35 projetos de desenvolvimento e inovação em micro e pequenas empresas com faturamento anual bruto entre R$ 1,2 milhão e R$ 10,5 milhões. O objetivo do pro-grama é minimizar a distância entre o conhecimento científico e a aplicação no setor produ-tivo e proporcionar o aumento da competitividade das empre-sas. O recurso total disponível para o financiamento é de R$ 4

milhões, oriundos do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e do Orçamento Geral do Estado. Serão priorizados projetos nas áreas de agronegócio, aqüicultu-ra, apicultura, fruticultura, tece-lagem, confecção, processamento de alimentos, medicamentos, re-ciclagem, controle de poluentes, biocombustíveis, energias alter-nativas, nanotecnologia, neuroci-ência, novos materiais e produtos, engenharias, mineração, petróleo e gás, informática, turismo e ar-ranjos produtivos locais.

Um grupo de pesquisadores de São Paulo está preparando o primeiro mapa genético de bra-sileiros cardíacos. Dez pacientes atendidos pelo hospital do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia forneceram amostras de sangue para extração de DNA no momento do infarto, e a análise do material já está sendo feita agora, em cola-boração com cientistas da Univer-sidade da Catalunha (Espanha). O projeto tem como objetivo identifi-car quais genes permanecem mais ativos no organismo – ou me-nos – em momentos que caracteri-

zam o infarto. O DNA dos voluntá-rios está sendo testado agora nos chamados microarrays, ou chips de DNA – pequenas placas que atuam como se fossem milhares de tubos de ensaio usados para rastrear a ação de inúmeros genes numa única amostra. Quando os dados dos chips estiverem prontos, serão analisados por pesquisadores nos Estados Unidos para estabelecer uma correlação estatística entre o infarto e as alterações em genes. Os resultados do trabalho deverão estar prontos para publicação no início do ano que vem.

Pesquisa realizada pelo Ser-viço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae-SP) revelou que 47% das micro e pequenas empresas paulistas rara-mente introduzem inovações para a melhoria ou novidades de seus negócios. Destas, 28% introduziram um novo produto ou serviço no mercado, 22% implantaram novos processos e 15% conquistaram no-vos mercados. O estudo Inovação e competitividade nas MPEs paulistasmostrou ainda que somente 14% re-alizam inovações freqüentemente, sendo 52% das que passaram por processos de inovação aumentaram a produção, 46% aumentaram o fa-turamento, 39% registraram maior produtividade da mão-de-obra e 24% ampliaram quadros de pes-soal. A pesquisa foi realizada com 450 empresas paulistas do setores da indústria, comércio e serviços. Das empresas entrevistadas, 26% avaliam que o apoio financeiro é o mais importante para que elas se tornem competitivas, seguido pela consultoria (13%) e pela redução de impostos (8%).

30 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 62: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

á muitos anos a esquerda mun-dial vem sofrendo de anemia de idéias e, conseqüentemente, vem se submetendo ao real, isto

é, a amenizar o impacto do capitalismo nas sociedades modernas. Os grandes experimentos esquerdistas, como a an-tiga União Soviética e a China maoísta, já se curvaram ao domínio do liberalis-mo econômico, das injunções aleatórias do mercado e da despreocupação com o futuro. Os médios experimentos, como a social-democracia européia ou Cuba, estão às voltas com as contingências de mudar de atitude e passar a ado-tar políticas marcadamente neoliberais para não sucumbir de todo ao deus do capitalismo americano. E as nações em desenvolvimento estão feito baratas tontas, ora se abrindo desbragadamente às pressões internacionais e privatizan-do suas riquezas, ora se fechando em discursos nacionalistas da década de 1950, sem conseqüências positivas para a maioria de suas populações.

Ninguém – a não ser ao nível do dis-curso maoísta-feudal – acredita mais em revolução como forma de trazer justiça social, equanimidade econô-mica ou alguma forma de governo que pudesse ser chamado de socialis-ta. Mudar o mundo de cabeça para baixo – já era!

Eis por que um livro que vem com uma análise da situação mundial da esquerda, que traz propostas concretas

com possibilidade de atuação e com vontade de vencer obstáculos merece a atenção de todos que querem fazer do Brasil um país mais justo. Até socialista, se ampliarmos o sentido de socialismo para além do que se o entende em ter-mos marxistas.

As propostas do professor de fi-losofia e atual ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Un-ger, são consistentes, formais e sólidas. O que mais chama a atenção é a idéia de que nada está perdido no mundo da política, pois que, no mundo dos homens, tudo está ainda para ser feito. Não se pode sucumbir aos fracassos anteriores, pois foram experimentos baseados em premissas erradas. A so-ciedade moderna não vive sob a lógica da dialética, da hierarquia trinitária (como na Idade Média), e sim sob a lógica do sistema, que comporta a diferença e a ambigüidade e que ne-cessita da liberdade do indivíduo para se auto-afirmar. Portanto, só por um sentido de experimentação contínua, de imaginação criativa e de afirmação do ser é que a sociedade moderna pode compreender seus problemas e tentar transcendê-los.

A análise que Mangabeira Unger faz sobre a esquerda e sua visão humani-zadora do homem é ampla. Abarca a Europa Ocidental, a América do Norte e os países em desenvolvimento. Para cada caso há uma adaptação de suas

premissas, a qual corresponde à lei-tura que o autor faz desses, digamos, blocos econômico-culturais do mundo moderno.

Sobre o Brasil, as propostas de Man-gabeira Unger podem até valer, se so-frerem uma discussão ampla com todos os setores da esquerda brasileira. Aquestão é: isto é possível? É factível fazer uma discussão em que as próprias premissas brasileiras da esquerda, isto é, o marxismo tal como compreendido filosoficamente, são desafiadas? A es-querda está preparada para abrir mãode seus ícones fundadores?

Eis o busílis da questão. Quem poráo guizo no gato?

O que a esquerda deve proporRoberto Mangabeira UngerTítulo original: What Should The Left Propose?Tradução de Antonio RisérioEditora Civilização Brasileira194 páginas, R$ 29,00

30 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 63: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

Constituição de 1988 atribui aos municípios um papel de maior destaque na administração pú-blica brasileira; deu-lhes tam-

bém mais competências e obrigações. A elevação à condição de entes federa-tivos implica maior autonomia e maior responsabilidade dos municípios. Se, por um lado, os municípios brasileiros passaram a ter uma fatia maior dos tributos federais e estaduais, por outro lado tiveram ampliadas também suas responsabilidades em relação à oferta de serviços públicos. É nesse clima que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) lançou o livro intitu-lado Dinâmica dos Municípios, com o intuito de organizar o debate. Ao todo são oito artigos tratando de diferentes temáticas socioeconômicas. Os tópicos abordados incluem emancipação polí-tico-administrativa, finanças públicas municipais, educação, saúde, violência, condições dos domicílios e migração.

O primeiro capítulo trata da questão imediata relacionada ao ganho de auto-nomia dos municípios: a emancipação político-administrativa. É feita uma análise do processo de surgimento de novos municípios e as suas implicações sobre as finanças federais, estaduais e municipais. O mecanismo de contro-le dado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) é o assunto do segundo capítulo, que avalia a relação gasto com pessoal e receita corrente líquida, bem como a relação dívida consolidada lí-quida e receita corrente líquida, objetos da lei. Certamente o processo de eman-cipação dos municípios e a LRF impac-taram de modo diferente os municípios brasileiros. Alguns se tornaram mais homogêneos, outros não. No capítulo

3, o livro agrupa os municípios em con-juntos com alto grau de similaridade, mas mantendo alto grau de heteroge-neidade entre si. Em outras palavras, os grupos são construídos de forma que os elementos dentro do conjunto sejam altamente semelhantes e, ao mesmo tempo, bem diferentes dos elementos que estão fora.

Uma das formas de medir o de-sempenho dos municípios brasileiros está no uso de indicadores. Todavia, na construção de alguns indicadores há um forte grau de subjetivismo, o que pode levar a resultados viesados e até mesmo inconsistentes. Para fugir dessa armadilha, o capítulo 4 faz uma análise das condições educacionais da população brasileira por meio de um indicador construído a partir do uso da técnica de componentes principais. Além da educação, a saúde tem mo-tivado a adoção de políticas públicas específicas. O capítulo 5 representa um esforço no sentido de avaliar as polí-ticas públicas em saúde nos últimos anos. As deficiências e a desigualdade dos municípios brasileiros são de toda ordem e em vários níveis, e o capítulo 6 é dedicado ao problema das condições domiciliares, estudando a composição e a evolução da infra-estrutura urbana municipal.

Como não poderia deixar de ser, as deficiências dos municípios no que se refere à educação, saúde e condições de habitação têm um reflexo direto na cri-minalidade. Esse é o mote do capítulo 7, que discute os determinantes das va-riações das taxas de criminalidade dos municípios, entre 1992 e 2002. Além da relação entre condições socioeconô-micas e criminalidade, os resultados

Dinâmica dos MunicípiosAlexandre Xavier Ywata Carvalho, Carlos Wagner Albuquerque, José Aroudo Mota e Marcelo Piancastelli (organizadores)Editora Ipea, 326 páginas, R$ 22,00

mostram também uma associação entre aglomeração urbana e criminalidade. As pessoas, quando migram, levam em consideração um conjunto de variáveis que fazem parte da sua função de bem-estar. Em certa medida, as caracterís-ticas socioeconômicas e ambientais da região afetam de forma diferenciada distintas pessoas. O último capítulo trata do porquê da preferência de mi-grantes qualificados por determinados municípios brasileiros.

Certamente, os tópicos discutidos neste livro não saturam o tema. A complexidade das relações de natureza social, econômica e mesmo ambiental (sendo este último tópico não tratado aqui) imprime a necessidade de outras discussões em diversos níveis. Porém, essas questões tocam em pontos extre-mamente importantes e são merecedo-ras da atenção de qualquer pesquisador que queira entender minimamente o ambiente municipal.

31 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 64: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

Para a concretização das idéias e princípios formulados na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) passou a trabalhar na construção de indicadores de desenvolvimento sustentável no que diz respeito à relação entre meio ambiente, desenvolvimento e informações para a tomada de decisões. A publicação dos Indicadores de desenvolvimento sustentável: Brasil 2008 é uma continuidade da série iniciada em 2002 e prosseguida em 2004, que agora passa a ser apresentada periodicamente. Mais uma vez, a comunidade interessada dispõe de informações sobre a realidade brasileira, em suas dimensões ambiental, social, econômica e institucional. Dentre os 60 indicadores selecionados para a publicação do IBGE, extraímos alguns dos mais significativos. São informações valiosas para a compreensão de aspectos importantes para o desenvolvimento brasileiro.

O conceito de subprime tornou-se conhecido ao longo do segundo semestre do ano passado, quando os mercados financeiros foram sacudidos por notícias de elevadas perdas no financiamento de imóveis nos Esta-dos Unidos, o que ameaçou a saúde de importantes bancos e fundos de investimento. Subprime são hipotecas de maior risco ou de segunda linha. Com o excesso de liquidez no merca-do internacional nos últimos anos, os bancos e financeiras dos Estados Uni-dos passaram a financiar a compra de casas a juros baixos para pessoas com histórico de crédito ruim, tendo o pró-prio imóvel como única garantia. Mas veio a queda nos preços dos imóveis e os bancos ficaram ameaçados de não reaver os empréstimos feitos.

1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

20

180

140

100

60

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 20050

1.200

800

400

31 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 65: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

1998(1) 1999(2) 2000 2001 2002 2003 2004 2005 20060

100

200

300

1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 20060

2

4

6

8

10

12

0

20

10

40

30

50

1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 20060

10

20

30

40

50

60

32 A - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 66: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

Sou pesquisadora na área de políticas educacionais e apre-cio muito a revista Desafiosdo Desenvolvimento, além de utilizar, com freqüência, os ar-tigos em minhas aulas.

Ana Maria MoreiraBrasília/DF

Somos uma jovem entidade sem fins lucrativos – a Asso-ciação Comunitária Família Cristã, uma ONG voltada pa-ra vários projetos, entre eles a educação, principalmente através da formação do conhe-cimento. Recebemos várias pu-blicações. Um exemplar desta revista chegou-nos através da Assessoria Parlamentar e fi-camos impressionados com a qualidade gráfica e o nível dos artigos nela publicados.

Vital Caló FilhoCosmópolis/SP

Trabalho em uma instituição financeira pública, o Banco do Nordeste do Brasil S.A., cuja missão é promover o desenvol-vimento da região Nordeste. O conteúdo da revista Desafios do Desenvolvimento é impor-tante para nos manter atualiza-dos com informações, pesqui-sas, artigos, etc. do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Trabalho na área de mi-crofinanças do Banco do Nor-deste, sendo imprescindíveis as pesquisas divulgadas em citada revista, sobretudo os temas li-gados à pobreza, desigualdades

ocasiões de tempo ocioso pa-ra fazer a primeira leitura dos artigos, o que é mais difícil de fazer com a versão online. Con-sidero a revista extremamente importante para atualização dos profissionais e estudantes de Economia e demais Ciências Sociais e ainda como material de suporte à pesquisa.

Marcelo Mendes D’Arrochella

Rio de Janeiro/RJ

Embora eu goste muito da revista Desafios do Desenvol-vimento, leia todos os artigos e tenha aprendido muito, gos-taria de destacar que na edi-ção n° 43 (maio de 2008) não achei uma boa escolha colocar o Cristo Redentor ao lado da Praça do Cremlim, ou qual-quer coisa assim, em “União de dois gigantes”. Como diz a moçada: nada a ver! Poderia ser uma fotografia de algum logradouro de Brasília.

Renato N. RangelSão Paulo/SP

Parabenizo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) pela excelência da publi-cação. E agradeço por permitir o acesso a ela. Estou no último semestre do curso de Ciências Econômicas da Universidade Candido Mendes e tenho um excelente professor, Roberto Simonard Filho, que utilizou esta publicação em trabalhos conosco, a fim de avaliar e enri-quecer o conhecimento de cada um de nós. Muito obrigado!

Renato Sampaio de OliveiraRio de Janeiro/RJ

Repr

oduç

ão

Gostei da longa e oportuna matéria publicada sobre minha entrevista à revista Desafios do Desenvolvimento (número 43, maio de 2008). Contudo, é neces-sário fazer as seguintes correções: (1) na resposta dada à primeira questão (página 8, 2ª coluna), a inclusão da Índia se refere apenas à sua população, uma vez que ela também é um país subdesenvol-vido; (2) na resposta à segunda questão (página 8, 3ª coluna), o suicídio de Vargas ocorreu em 1954 e não em 1953. Grato por informar aos leitores sobre estes pequenos erros.

Wilson CanoCampinas/SP

Estou concluindo o mestra-do em Economia Empresa-rial da Universidade Candido Mendes no Rio de Janeiro. Du-rante meu curso tenho feito uso da revista para pesquisa, pois considero seu conteúdo de alto nível. Até agora tive acesso à versão impressa da revista, que é disponibilizada aos alunos pe-la universidade. Em algumas oportunidades utilizei a versão online. Entretanto, tenho o costume de aproveitar momen-tos de deslocamento ou outras

regionais e desenvolvimento. Ademais, aqui no Nordeste te-mos mais dificuldade de acesso às fontes de pesquisa. Atualmen-te, estou cursando o mestra-do em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Ceará.

Maria Célia Garcia F. de SouzaFortaleza/CE

Sou urbanista e mestre em Organização e Gestão do Terri-tório pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); pes-quisador, professor e consultor em políticas públicas, em ativi-dade desde o início da década de 1980, no Centro de Pesqui-sas Urbanas, atualmente Área de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), exercendo atividades nacionais e inter-nacionais. Atualmente acumu-lo a função de editor técnico da revista de administração municipal “Municípios”, com mais de 50 anos de circulação, também voltada para a promo-ção do debate sobre políticas públicas, com foco na esfera local de governo. A leitura da revista Desafios do Desenvol-vimento para mim é funda-mental, sobretudo pelo caráter prospectivo das matérias que tem publicado. Envio os meus cumprimentos pela qualidade da sua revista.

Alberto Costa LopesRio de Janeiro/RJ

32 B - 08/15/2008 13:38:58 ---->>> 202x266mm

Page 67: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

2 A - 08/15/2008 12:00:18 ---->>> 202x266mm

Page 68: 99999 desafios45 capa ----printrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/6994/1/... · +jX]`fj alc_f [\ )''/ A reportagem de capa desta edição toca em um tema da atualidade bastante

[email protected]

Desafios na TV – O Brasil visto pelo Ipea

Canal

Reprises

TV NBr, do governo federal: segunda-feira, 22h.cidades com NBr: acesseAssista também o programa pela internet.

Terça-feira, às 9h;Quarta-feira, às 7h30 e 12h; eSábado, às 20h30

www.radiobras.gov.br/nbr/cidadesnbr_2004.htm

Programa de TV do Ipea tem mais horários

2 B - 08/15/2008 12:00:18 ---->>> 202x266mm