99 novas book
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ÍNDICE
05
153
07
155
10O quE é O 99NOvas
PÓsFaCIO
quEm é O NOssOtrEND HuNtEr
tO bE CONtINuED ...
O blOg
o que éo 99Novas
05
Depois de deixar mais de 4 mil candidatos para trás e encarar três meses de processo
de seleção, no dia 9 de dezembro de 2010, Lucas Cabral Maciel Neto foi anunciado o
vencedor do 99novas. E a competição foi duríssima, os nove finalistas - Lucas, Ga-
briela, Bernardo, Stéfano, Patrícia, Barbara, Caetano, Clareana e Lara - deram um show
de competência e merecimento. Mas, só havia uma vaga para o posto de Trend Hun-
ter. Acabou vencendo um artista de circo, estudante de economia da UFRJ, louco por
teatro e artes em geral, que nasceu no Rio de Janeiro, mas tem um carregado sotaque
nordestino graças a infância que passou entre Bahia e Alagoas. Depois de uma disputa
dessa, imagina como ele recebeu a notícia! Mas, melhor do que imaginar é ver, para
assista o momento que ele é surpreendido pelas nossa câmeras em um bar da Lapa...
http://www.youtube.com/watch?v=vN9cpZKF-2c
Passada a surpresa inicial, no dia 9 de janeiro, o Lucas embarcou na viagem que mudou
a vida dele, e que pode mudar um pouquinho a sua também. Embarque nessa, viajando
com o Lucas em seus posts. É só ler e se divertir.
Boa viagem ao 99Novas!
O quE é O 99NOvas
O 99Novas é uma festa de aniversário. Sim, uma festa de aniversário de 21 anos, que
durou 199 dias e foi acompanhada por alguns milhares de pessoas no Brasil e no mun-
do. E tudo começou timidamente em uma sala do 5° andar no numero 5013, da Aveni-
da Brigadeiro Luis Antônio 5013. É lá, em um prédio de seis andares que fica instalada
a sede da DM9DDB, uma das maiores e mais premiadas agências do País.
Era um dia comum de trabalho e, em uma dentre tantas reuniões que acontecem ali
diariamente, um grupo de profissionais tinha a missão de pensar na celebração do ani-
versário da agência. A tarefa era desafiadora já que, independente do caminho escolhi-
do, seria necessário superar uma grande festa realizada no 20° aniversário da agência,
além de mostrar uma marca no auge de sua ousadia, inovação, modernidade. Como
conseguir fazer tudo isso em uma celebração de 21 anos?
A resposta à pergunta poderia ser: não dá, impossível. Mas, quem trabalha ou já traba-
lhou na DM9 (e se você quiser trabalhar aqui, #ficaadica) sabe que se há uma resposta
inadmissível para o Sergio Valente, o cara que é o presidente da agência, é “não dá”.
Na DM9, sempre dá. Tinha que dar, e deu. Este grupo de DM9anos de cabeça e de co-
ração inventou um tal de um concurso que transformaria um estudante de 21 anos em
Personal Trend Hunter da DM9DDB em uma em uma viagem ao redor do mundo.
O estudante seria escolhido por meio de um rigorosíssimo processo de seleção, que
incluiria prova de conhecimentos gerais, conhecimento profundo da língua inglesa, ha-
bilidade para fazer um vídeo, tenacidade para criar conteúdo para um blog e desenvol-
tura para encarar uma banca examinadora e o próprio Sergio Valente em pessoa com
argumentos sólidos o bastante para convencer a todos de que ele/ela era o/a cara.
Como recompensa, o Trend Hunter ganharia uma viagem de 99dias, por 9 países dife-
rentes para alimentar o site www.99novas.com.br com 99 tendências. Tudo na faixa.
E se você está se perguntando por que tanto 9? Porque somos apaixonados pelo 9, oras.
O quE é O 99NOvas
07
quem é o Nosso TReND HuNTeR
quEm é O NOssO trEND HuNtEr
Lucas Cabral Maciel tem 21 anos como manda o regulamento. Mora no Rio. É carioca,
mas tem um forte sotaque nordestino. Isso porque quando era pequeno mudou-se
para Alagoas.
Já fez aula de dança, de teatro e hoje estuda circo à tarde. Pela manhã, dedica-se
ao curso de Economia na UFRJ. Mora sozinho e não tem namorada. No dia 9 de
janeiro, ele embarca rumo ao mundo.
Bárbara, Bernardo, Caetano, Clareana, Gabriela, Lara, Lucas, Patricia, Stéfano.
Os 9 finalistas do 99Novas estiveram na DM9 no dia 7 para a última fase do 99Novas
e deram um show. Surpreenderam a equipe. Deixaram todos boquiabertos. Mostraram
como é inteligente, ágil e comprometida essa nova geração.
Veja o vídeo do Lucas ao participar do processo seletivo:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=hxOWXh4SBo0
Lucas o Trend Hunter da DM9:
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=vN9cpZKF-2c
o BLoG
10
ÍNDICE DE POsts
POST 1 - ENFIM NY.
POST 2 - SHARING9 – EMICIDA MANDA SEUS CDS PRA
NOVA IORQUE.
POST 3: HAPPY-GO-LUCKY ENTRE WEST VILLAGE, CHEL-
SEA MARKET E HIGH LINE ETC.
POST 4 : DIRETO DO NEW YORK TIMES.
POST 5: NOW WE’RE TALKING! – HARLEM E MARILYN
MINTER.
POST 6: ESCONDIDO É MAIS GOSTOSO –
SECRET PARTIES IN NYC.
POST 7: CRAFTIFESTO! – DREAM GLOBAL,
SHOP LOCAL.
POST 8: WHAT IF… I MET KEITH REINHARD?
POST 9: QUEM SABE FAZ AO VIVO: NIB AND PICK – FISTI-
CUFFS E WATCH ME WORK.
POST 10: #SHARING9 – MISSÃO DADA É MISSÃO CUMPRIDA
– AGORA O JAY-Z CONHECE O EMICIDA.
POST19: #SHARING9 – PARIS – RAPHAEL SONSINO.
POST 20: INTRODUZINDO PARIS POR SEUS ARTISTAS DE
RUA – SÓ PRA COMEÇAR.
POST 21: “OWN YOUR CITY” POR ONDE PASSAR E SEJA
DONO DE TODO LUGAR.
POST 22: UMA MORTE POR DIA – ESSA VIAGEM SÓ SE FAZ
UMA VEZ.
POST 23: PARIS, CHINA. – ASSOCIAÇÃO FRANCESA CHI-
NART QUER TRANSFORMAR A MANEIRA COMO VEMOS O
ORIENTE.
POST 24: UM TRAMPOLIM, DUAS OU TRÊS PISCINAS –
SPACE-INVADERS NA ARTE DE RUA.
POST 25: #SHARING9 – LE CAFÉ QUI PARLE RECEBE DE
BRAÇOS ABERTOS O TRABALHO DO RAPHAEL SONSINO.
POST 26: DE BRINQUEDINHO PRO NATAL A CELEBRIDADE
VIRTUAL – A ASCENÇÃO METEÓRICA DO PROTOTO.
POST 27: GIPSY MUSIC WORLD RAP BALKAM SKA ELECTRO
ROCK – “LA CARAVANE PASSE” TRAZ TUDO ISSO, EM SEIS
IDIOMAS, PRA BANGKOK.
POST 28: #SHARING9 – IAN BLACK MANDA LEMBRANÇAS DO
REI PRA RAINHA EM LONDRES.
POST 29: THE SOCK MOB E UNSEEN TOURS – UM OLHAR
COMPLETAMENTE NOVO SOBRE A CIDADE E A PARTIR DE
SEUS HOMELESS.
POST 30: CABARÉS TOMAM CONTA DE LONDRES – PORQUE
DO DIAMANTE NÃO NASCE NADA, MAS DO LODO…
POST 31: SECRET CINEMA – PARTE 1 (FREEDOM TO CREATE)
POST 32: SECRET CINEMA – PARTE 2 (THE RED SHOES…)
POST 33: MINHA DICA PRO WORLD BOOK DAY – LITTLE
PEOPLE IN THE CITY.
POST 34: ECOBUILD – SUSTENTABILIDADE EM DESIGN E AR-
QUITETURA E PALPITES PRO MUNDO DAQUI A VINTE ANOS.
POST 35: UM LABORATÓRIO? UM CIENTISTA MALUCO? NÃO.
É SORVETE DE NITROGÊNIO LÍQUIDO!
POST 36: #SHARING9 LONDRES – SOM DO ROBERTO CARLOS
ENVIADO PELO @IANBLACK CHEGA AO LOCKSIDE LOUNGE.
POST 37: MERGULHE, SE LAMBUZE, E DEPOIS ME CONTE
COMO FOI. BURNING MAN E A TENDÊNCIA DOS POP-UP
QUALQUER COISA.
POST 38:#SHARING9 – COLETIVO SHN ESPALHA STICKERS
POR MUMBAI.
POST 39: ALGUMA IMPRESSÕES DE UM MUNDO NOVO –
PRIMEIRO DIA EM MUMBAI.
POST 41: “NOSTALGIA, PRIDE AND FEAR” – SER FRáGIL
NÃO É SER EMO.
POST 42: THE WALL PROJECT – PINTAR MUROS TAMBÉM É
SER DONO DE UM LUGAR.
POST 43: USER GENERATED CITIES – URBZ FAZ HOJE O
QUE OS PALESTRANTES DA ECOBUILD PREVIRAM PRA
2030.
POST 44: SE FOR CHEGAR ATRASADO, ENTRE COM ESTILO
– OBATAIMU, A PRIMEIRA POP UP STORE DE MUMBAI.
POST 45: #SHARING9 MUMBAI – STICKERS DO SHN ESPA-
LHADOS PELA CIDADE.
POST 46: DO GRAMEEN CREATIVE LABS AO SOCIAL BUSI-
NESS – PARTE 1 (A IDEIA).
POST 47: DO GRAMEEN CREATIVE LABS AO SOCIAL BUSI-
NESS – PARTE 2 (O PIPOCO)
POST 48: #SHARING9 – LIDI FARIA PREPARA EM TEMPO
RECORDE UM BORDADO PRA BANGKOK.
POST 49: BANGKOK, SUA LINDA… A MINI-SAIA VOLTOU!
POST 50: CONGELAMENTO DE PESSOAS? BEM… QUASE ISSO…
POST 51: PRA TIRAR MAIS DE UMA GALERIA, QUE TAL SE
SEU CORPO VIRAR TELA? MúSICA E BODY-PAINTING COM
LUZ NEGRA.
POST 52: AGORA EU SÓ VISTO MACONHA – INDUSTRIAL
HEMP DO RE3-GENERATION PRA FAZER MELHOR QUE
JEANS E AJUDAR O CAMBOJA.
POST 53: O QUE FAZ UM TEEN DE BANGKOK?
POST 54: ECONOMIA CRIATIVA E A FASCINANTE “SALA DE
MATERIAIS” – TCDC BANGKOK.
POST 55: VENTILADORES SEM Pá – UMA NOVA MANEIRA
DE BRINCAR COM O AR.
POST 57: #SHARING9 BANGKOK – BORDADO DA LIDI FARIA
PRA ALEGRIA DA FAI, UMA LINDA CRIANÇA TAILANDESA.
POST 58: GIPSY MUSIC WORLD RAP BALKAM SKA ELEC-
TRO ROCK – “LA CARAVANE PASSE” TRAZ TUDO ISSO, EM
SEIS IDIOMAS, PRA BANGKOK
POST 11: COISAS IMPERDÍVEIS QUE EU PERDI EM NOVA
IORQUE – NO PANTS SUBWAY RIDE E AIR SEX WORLD
CHAMPIONSHIP.
POST 12: UM POUQUINHO DE HUMOR PRA COMEÇAR NA
CIDADE. ALFREDO BRESCIA E SEUS PINTURAS VIGILAN-
TES.
POST 13: MERCADORES DE ATITUDES – AUTOSUFICIÊNCIA,
TROCAS E DESPERDÍCIO ZERO.
POST 14: FESTIVAL DEL FUMETTO – OS QUADRINHOS GA-
NHAM VIDA NO CENTRO DE CONVENÇÕES DE MILÃO.
POST 15: NEM CACHIMBO, NEM SEMENTE DE GIRASSOL –
OS ITALIANOS DO IOCOSE PROVOCAM MAIS UMA VEZ.
POST 16: O DESIGN MOSTRA A QUE VEIO – PARTE 1 (“DO
SOMETHING”, BUT DO IT “OLD FASHIONED”).
POST 17: O DESIGN MOSTRA A QUE VEIO – PARTE 2
(FUNCOOLDESIGN).
POST 18: DESTRUINDO LIVROS PRA ENTENDÊ-LOS AO
CONTRáRIO E #SHARING9 – CAMISETERIA DE PRESENTE
PRA PIETRO E ILARIA.
Nova IoRque
PaRIs LoNDRes
mumBaI BaNGcocmILÃo
ÍNDICE DOs POsts
POST 59: #SHARING9 – BIA GRANJA ESPALHA A INTERNET
BRASILEIRA POR XANGAI.
POST 60: 3, 2, 1, BIKE POLO!!!
POST 61: DON’T PIT-STOP. PLEASE PIT-IN.
POST 62: WELCOME TO ENTER – OPEN SOURCE FILM.
POST 63: WELCOME TO ENTER 2 – BOYLESQUE, SPEED
DATING E AN XIAO.
POST 64: BENS QUE CONTAM HISTÓRIAS – DOS ESCOM-
BROS à ALTA SOCIEDADE DE SHANGHAI.
POST 65: VER E SER VISTO – BATALHA DE DESIGNERS,
ARTISTAS E VOYEURS.
POST 66: #SHARING9 XANGAI– YOUPIX E #SUALINDA NO
XINDANWEI. VALEU, BIA GRANJA!
POST 67: PRA ONDE VAI A CHINA? – PARTE 1 – WHAT IS (AI
WEI WEI E JASMINE REVOLUTION).
POST 68: PRA ONDE VAI A CHINA? – PARTE 2 – WHAT IF
(INSH, FEIYUE E PROUDLY MADE IN CHINA).
POST 69: ZAI JIAN, CHINA – ATÉ A PRÓXIMA.
POST 70: ATÉ MAIS, TÓQUIO. BOM DIA, SÃO FRANCISCO
XaNGaI sÃo FRaNscIco
ÍNDICE DOs POsts
Nova IoRque
busca por aquilo que ele não oferece, em vez
de mirrar, fica mais aguda a cada dia! O que
é a febre de televisões e filmes 3D no mundo
senão mais uma tentativa de humanizar o di-
gital? A história de “real vs. virtual” já não en-
rola mais ninguém. Os dois são a mesma coi-
sa. Eles não se opõem, mas sim se somam, e
esse imperativo da convergência entre ambos
se manifesta fortemente em situações que
vão desde a criação da logomarca dos jogos
do Rio (que pela primeira vez existe também
em escultura em vez de apenas em imagem
de papel ou screen) até a percepção de uma
inegável fome do público em ver seu artista
favorito finalmente ganhar corpo, numa expo-
sição como a de Dali.
Parece que fui meio longe? Então tenta pen-
NOva IOrquE
Sobre a exposição? Absolutamente fantástica!
Eu nunca tinha ouvido falar que Dali esculpia
também, então tive essa grata surpresa. Não
posso deixar de notar que boa parte do en-
cantamento veio da possibilidade de ver esse
gênio sair do “flat” do papel e ganhar corpo
no mundo. O trabalho é tão característico
dele que nem precisava de placa na entrada
– quem não reconhece os relógios abaixo? –
mas todo artista de verdade nunca está satis-
feito com o que já fez e busca sempre novos
canais de expressão.
Eu saí de lá pensando em muitas coisas, e ve-
jam se algumas delas não fazem sentido:
A exposição me ajudou a ver que, num mun-
do onde o computador já é há tempos o
maior veículo de informações que temos, a
NOva IOrquE
Com a câmera em mãos, decidi fazer o que
acho a melhor coisa que um viajante pode fa-
zer: andar. E andei bastante. Não vou mentir:
já estava meio frustrado de tanto andar e con-
tinuar com a impressão de que já tinha visto
quase tudo ali. Quase nada de realmente inte-
ressante ou novo pra ver… até ficar sabendo,
por twitter, da exposição das esculturas do
Salvador Dali! Não só fui lá, vi, filmei e foto-
grafei como também consegui vazar no link
ao vivo da CNN!!! Eles estavam cobrindo um
lançamento da Apple de algo relativo a uma
rede de internet, e eu consegui colocar a mo-
chila com o endereço do blog na tela deles!
Enfim um post! Enfim NY! Primeira parada
na Big Apple um lugar incrível chamado BH
Megastore: a meca dos apaixonados por fo-
tografia e vídeo profissional. Não é só a qua-
lidade dos produtos que impressiona. A loja
é organizada e integrada de uma forma que
eu não sabia se me sentia mais em os “Tem-
pos Modernos” ou no desenho dos Jetsons! O
pedido vinha numa caixa, descia uma esteira
em espiral, um elevador, e então rolava exa-
tamente até o local onde o atendente estava
esperando com o meu pedido na mão. Talvez
a abertura do Ratimbum também servisse pra
ilustrar…
ENFIM NY12 jan
POst
01
A nossa geração está aí pra dizer que a rede
mundial não é um mundo à parte. É o maior e
melhor reflexo do que é o nosso tempo. Não
existia momento melhor pra lembrar Dali do
que esse.
sar o seguinte: o Dali é o maior símbolo do
surrealismo no mundo. As pinturas dele levam
pra um universo completamente distinto do
nosso, beirando o absurdo. O que significa ver
uma escultura dele? Ver o mundo do absurdo
das suas pinturas ganhar corpo e tangibilida-
de, ter existência concreta no nosso mundo.
Em arte, nada é por acaso. às vezes a gen-
te só entende o que fez depois que fez. Eu
não sei se o idealizador da exposição pensou
conscientemente no que eu disse, mas exis-
te sempre um sentimento no ar, que o artista
pega.
NOva IOrquE NOva IOrquE
queria pra si, de ficar com gravadora, rabo
preso, pá. O negócio é fazer a música chegar
em todo lugar que puder, e o dinheiro é con-
sequência.
“Eu tenho a sorte de fazer um negócio que
não é só um trampo, é uma causa. Então a
gente não pode pensar no dinheiro antes, se-
não não completa a missão, tá ligado?’, afirma
Emicida.
E é isso que eu vou fazer em NY: espalhar o
música do cara. Ele me deu duas cópias do pri-
meiro mixtape que ele fez em 2008 e do mais
recente também. Alguém vai ficar com esse
presente autografado, e, quando isso aconte-
cer, vocês vão saber imediatamente por aqui.
Para saber mais sobre ele e o trabalho dele,
acesse os links:
http://www.emicida.com/
http://www.myspace.com/emicida
@EMICIDA
NOva IOrquE
E quando o cara diz que apareceu por causa
das batalhas, não está exagerando nem um
pouco. A partir de 2006, quando começou a
participar forte das batalhas de MC’s, algumas
coisas começaram a mudar na vida dele:
“Eu andava na rua e uns caras e uns caras
me reconheciam, tá ligado? Eu não entendia
nada, mas aí depois me liguei que a galera que
filmava com celular ou câmera digital tava co-
locando a parada no youtube (que tava só co-
meçando na época a ganhar o tamanho que
tem hoje). Quando me avisaram, meu vídeo
tinha mais de um milhão de views. Pô, mano.
Um milhão de views é coisa pá caralho!’, afir-
mou o cantor.
A partir daí começaram a aparecer vários
convites, tanto pra batalhas quanto pra gra-
var. Mas ele diz que não era esse caminho que
NOva IOrquE
http://www.youtube.com/watch?v=ateZJg
r7w3E&feature=player_embedded#at=13
O cara começou a fazer música ainda na épo-
ca de colégio:
“ Eu curtia muito quadrinhos e foi surgindo
em mim uma necessidade de contar histórias
além do que o quadrinho permitia. Foi aí que
eu comecei a escrever as minhas primeiras
coisas. Até hoje, embora eu tenha aparecido
muito por causa das batalhas, eu dou muito
valor a essa habilidade de contar histórias so-
bre o cotidiano mesmo. Por isso o que eu mais
admiro mesmo são as letras do samba”, afir-
ma o Emicida.
Como Trend Hunter oficial da DM9, eu tenho
basicamente duas funções nessa viagem. A
primeira é, claro, procurar atentamente, lou-
camente e freneticamente por novos com-
portamentos que sinalizassem o surgimento
de uma nova tendência. Mas também fiquei
responsável por uma missão que a gente cha-
mou de Sharing9, levar pequenos elementos
de novas tendências do Brasil para espalhar
pelo mundo. Essas tendências foram identifi-
cadas em blogs e nas redes sociais e no meu
período pré-viagem, conheci vários Trend
Makers brasileiros. Pra começar a ação já por
cima, fui sábado no sábado dia 7 visitar o Emi-
cida. Se liguem aí no que ele me deu.
SHARING9 – EMICIDA MANDA SEUS CDS PRA NOVA IORQUE.12 jan
POst
02
ar da crise econômica. Mas o que eu mais
estou vendo por onde passo é uma impres-
sionante onda de cores (o próprio trabalho
do Michael Porter tem isso também, como
vocês viram) . Fiquei encucado, perguntei
ao cara do brechó o que ele achava, e ele
me disse que é isso mesmo:
“We are pretty good in dealing with things
the way they are. We accept it and then deal
with it. We know things are bad, so what?
Make them become nice”! (nós somos mui-
to bons em lidar com as coisas do jeito que
elas são. Nós aceitamos e lidamos com isso.
Nós sabemos que as coisas estão ruins,
e daí? Vamos fazer elas ficarem melhores)
Andei ainda um bocado pela 10th Avenue
e conheci o High Line e o Chelsea Market.
O primeiro é um parque construído sobre
NOva IOrquE
Foi sob essa temperatura que eu saí pra ex-
plorar um pouco do West Village, procuran-
do galerias de arte com obras de artistas
contemporâneos.
Encontrei uma muito legal, com os trabal-
hos de um cara chamado Michael Porter.
Dêem uma olhadinha:
Tive que parar o passeio pra comprar uma
bota impermeável, por questão de sobre-
vivência (tinha enfiado o pé numa poça
d’água escondida sob 30 cm de neve), e
acabei me surpreendendo com um brechó
muito legal bem do lado da loja de sapatos.
Aqui eu tenho que começar a marcar uma
impressão forte que já estou tendo: eu
imaginei que chegaria em NY e veria sinais
de depressão e pessimismo por todos os
lados, reflexo da dificuldade em se recuper-
NOva IOrquE
OK, eu prometi pra mim mesmo que não ia gastar o tempo de vocês falando sobre...o tempo,
porque em geral isso é falta de assunto. Mas está TÃO FRIO que eu tenho que compartilhar al-
gumas imagens:
HAPPY-GO-LUCKY ENTRE WEST VILLAGE, CHELSEA MARKET E HIGH LINE13 jan
POst
03
quase tudo, um pouco do espírito do lugar
no momento. Um espírito de reconstrução.
Também não teve como não notar o monte
de cores e aparente “happy-go-lucky” spir-
it. Vejam esse cupcakes pra saber do que
eu estou falando.
o que antigamente era uma via férrea el-
evada. Um exemplo de revitalização do es-
paço urbano, na onda dos “re” que tomam
conta do mundo. O segundo é um grande
mercado de bairro, com produtos de altís-
sima qualidade, que também reflete, como
NOva IOrquE
Enfim, depois de tudo isso, decidi procurar
sinais de novidades emergindo em um dos
canais que melhor refletem o espírito de
qualquer sociedade: o humor. Fui assistir ao
New Talents Show da Comix, um belo palco
para o Stand-up comedy da cidade. Foi in-
crível, mas depois volto a falar disso. Agora
preciso ir que tenho um compromisso que
vocês não vão nem acreditar quando eu
contar na volta. Enquanto isso, fiquem com
esse vídeo com um apanhado de algumas
das coisas que vi ontem andando por aí.
Até lá!
http://www.youtube.com/watch?v=O08
Hf0KpwYc&feature=player_embedded
NOva IOrquE
temente inocentes ou aleatórios… como
o ressurgimento de barbearias por toda a
cidade. Não estou falando de salão de be-
leza nem cabeleireiro: estou falando de old-
fashioned barber shop (aquele que você
entra e o mesmo cara corta seu cabelo, es-
palha o creme pelo seu rosto todo e a passa
com a navalha rente à pele). Parece boba-
gem, mas não é… e quando você começa a
perceber outros sinais… entende que essa é
a manifestação de um comportamento que
está mudando.
Na verdade, está começando a haver uma
rejeição geral por tudo aquilo que é abso-
lutamente one hundred percent novo. Ok,
nos acostumamos a conviver com reinven-
ções e transformações de roupagem cons-
tantes nos produtos – afinal de contas, uma
NOva IOrquE
Enfim, lá fomos nós – eu e a Pat Sloan –
para a esquina da 41st St. com a 8th Av.
Subir para a cafeteria do New York Times
esperar pelo Stuart Elliot. Ele é colunista da
seção de Advertising do Jornal.
Depois de almoçar (muito bem, por sinal),
começamos a conversa. É claro que eu ti-
nha lido sobre o Stuart também, de modo
que ambos estávamos interessados em sa-
ber mais sobre o outro. Ele perguntando
muito sobre o processo de seleção, minha
trajetória antes do concurso e sobre o que
eu pensava serem as razões de ter sido es-
colhido; eu interessado em ouvir daquele
jornalista quais os sinais de tendências em
vias de emergir que ele estava percebendo
na cidade.
Começamos por pequenos sinais aparen-
NOva IOrquE
Ontem meu dia começou de um jeito que
eu nunca imaginei em minha vida. Quando
é que esse estudante de economia e con-
torcionista se imaginou pegando um taxi
pra sede mundial da DDB com o objetivo
de se encontrar com a sua Vice-Presidente
de Relações Públicas, a Pat Sloan? Imagi-
nem então se passou pela minha cabeça
alguma vez que, com 21 anos, eu estaria en-
trando num carro com ela, indo em direção
ao New York Times… pra ser entrevistado!
Muita gente ficaria deslumbrada com isso
e sairia babando como uma criança desde
o momento em que subisse o primeiro ele-
vador. Mas como eu sempre preferi olhar
pras coisas com um espírito de “ih, olha só
que legal… como será que funciona?”, lá fui
eu. Se tem uma coisa que eu aprendi com o
Sérgio Buarque de Holanda, é que nós bra-
sileiros temos o hábito de olhar primeiro
para pessoa e só depois pro cargo que ela
ocupa, e tenham certeza: isso ajuda MUITO
em momentos como esse.
DIRETO DO NEW YORK TIMES14 jan
POst
02
que se ela existe (e resiste) há tanto tempo,
é porque é boa. Isso tem sido chamado, se-
gundo o Stuart, de Authenticity, a percep-
ção de um produto como autêntico, dono
de características próprias permanentes,
em vez de passageiro, e é uma clara res-
posta à busca por referências no nublado
do horizonte.
Vejam mais uma foto do brechó que eu co-
nheci anteontem e tentem ler esse escrito
sob esse olhar. Eles acabaram de pintar na
parede “Sex, Drugs and Rock n’ Roll”. Lema
de uns quarenta anos atrás, de outra gera-
ção, é verdade. Mas por que será que ele
está ali daquele jeito?
Tudo bem que um brechó é um lugar de
coisas antigas, que tem quase licença poé-
tica pra fazer isso. Mas não dá pra não im-
parte do produto é a ideia que ele transmi-
te. Mas, de um tempo pra cá, alguns des-
ses sinais que vão além do produto em si
começaram a ser percebidos como um ex-
cesso desnecessário, uma falta de conteú-
do compensada por uma ideia sem tanto
fundamento. Tá bom, vamos ser realistas:
parte disso é porque numa crise o poder de
compra cai, e então as posições têm que
ser reavaliadas mesmo. Mas o interessante
é perceber o caminho que esse movimento
está encontrando pra se manifestar.
Um deles é justamente a valorização daqui-
lo que está aí há mais tempo. Quer dizer, o
estabelecido deixa de ser lido como “velho”
para ser lido como “duradouro”. As marcas
que estão sendo valorizadas são aquelas
que podem estampar um “desde mil nove-
centos e… qualquer coisa”. Agora, pensa-se
NOva IOrquE
primir uma marca de seu tempo lá também.
Por exemplo: não é inocente a mudança
no destaque dado ao Sex. No original, os
três tinham o mesmo peso. Mas se naque-
le momento o drugs and rock n’ roll tinha
também componentes de contracultura e
via alternativa ao mainstream, hoje isso não
existe mais. O que resta então? Reler o sím-
bolo com o olhar do presente na tentativa
de encontrar algo remanescente daquele
espírito autêntico.
O Stuart ainda me levou pra conhecer, por
dentro, a redação do jornal. E eu fiquei im-
pressionado! Mas vejam o porquê:
http://www.youtube.com/watch?v=O08
Hf0KpwYc&feature=player_embedded
É UM SILÊNCIO SÓ! Quem de vocês imagi-
nava a redação do maior jornal do mundo
desse jeito? E não é só por causa do horário
de almoço não, Stuart me garantiu. Especial-
mente depois que o e-mail entrou no jornal
o telefone parou de tocar lá dentro, a com-
penetração dos jornalistas se fez evidente.
Outra parte interessantíssima do jornal é
a entrada. Tem um trabalho de arte digital
que é muito interessante. Espalhados pela
parede estão centenas de monitores inter-
ligados. A qualquer momento, eles escol-
hem um tema e passam a exibir mensagens
ligadas a ele por todos os lados. Por exemplo:
se o programa escolhe interrogações, ele re-
aliza uma busca imediata por toda a base de
dados do NYT e exibe frases tiradas de ma-
térias que terminem com uma interrogação.
Quando cheguei, estavam todas as frases ini-
ciadas por “he graduated in”. Esse trabalho
está lá há três ou quatro anos. Já pensaram
que isso é quase uma busca por # do twitter
realizada internamente ao jornal bem antes
do twitter ter o peso que tem hoje?
Definitivamente, a visita valeu a pena.
NOva IOrquE
to… mas que eu adorei, abri um sorrisão e
não vou esquecer nunca, isso é verdade.
http://www.youtube.com/
watch?v=uz1Bh1_28As
Valeria a pena um post inteiro pra falar so-
bre ela e a primeira bienal que o YouTube (!)
organizou junto com o Guggenheim. Por en-
quanto vejam essa entrevista curtinha dela.
http://www.youtube.com/
watch?v=HaZ4j_Tm8B8
NOva IOrquE
dientes tão diferentes quando manteiga
de amendoim e leite de soja), todos com
o foco em que é preciso cuidar da saúde.
Mas se estou falando isso é porque percebi
que essa não é conversa da boca pra fora:
passei meia hora num desses lugares espe-
rando o meu vitaminão (chamado “Armag-
gedon”, por sinal) e só nesse meio tempo o
funcionário (IGUAL ao Eddie Murphy!) deu
conselhos a uns três clientes sobre como
cuidar da própria saúde.
Vê-se que tem muito pra se tirar do Harlem,
e é por isso que vou voltar lá logo, logo.
Enquanto isso, fiquem com essa pequena
delícia visual que é o trabalho da Marilyn
Minter, que conheci hoje aqui em NY tam-
bém. Não sei dizer exatamente se é boni-
NOva IOrquE
Depois de três dias garimpando sinais de
novos comportamentos em Manhattan, fi-
nalmente fui para num lugar que eu posso
chamar de autêntico: o Harlem. Foi só uma
visita rápida, coisa de duas horinhas no fi-
nal da tarde, mas o suficiente pra perceber
que se tratava de um lugar onde as pesso-
as realmente vivem, criam e se identificam,
e isso é maravilhoso pra separar um pouco
as novidades que realmente fazem parte
da vida e aquelas que só estão na vitrine
pra turista ver ou pra ser ponta de iceberg
da moda. Now we’re talking!
Se na 5th avenue se vende perfumes de
grife, na 125th street se vendem frangân-
cias para a casa tão coloridas e peculiares
quanto você possa imaginar. Na 5th tem
Dolce & Gabana, Channel e Azzaro; na
125th tem “Black Women”, “Opium” e “Lick
me all Over”.
Outra coisa que notei é que existe uma
série de lugares especializados em sucos
(e em combinações de frutas com ingre-
NOW WE’RE TALKING! – HARLEM E MARILYN MINTER15 jan
POst
05
o endereço em # nenhuma por aí. Nem
adianta comprar com antecedência. A or-
ganização só avisa onde tudo vai aconte-
cer, por e-mail, na véspera do grande dia.
Claro que existem outras festas como essa
por aí. A Skins Party, mesmo que seja só
a promovida pela MTV num galpão secre-
to para o lançamento da série de TV nos
EUA, é só mais um exemplo. Ok, nesse caso
a festa teve tanta visibilidade que “secre-
ta” não foi um bom termo para defini-la.
Mesmo assim, não tem como negar que ela
deixou absolutamente louca uma multidão
de teens de Nova Iorque nessa sexta feira
em busca do tão sigiloso local.
Tell me about exclusivity.
NOva IOrquE
Escutem o pouco que eu posso contar… e o
resto vocês imaginam.
Na entrada, uma cartela de bingo e uma
caneta tipo marcador com tinta lavável.
Por que lavável? Quem disse que o único
lugar pra escrever são as cartelas? Com
tantas pessoas com braços, ombros, mão
e pescoços à mostra, por que se limitar ao
papel? Seja criativo, invente novas formas
de desenhar.
O Bingo começa e… pensam que é chato?
Não sei nem como descrever a empolga-
ção que é ter dezenas de pessoas urrando
a cada provocação feita pelas assistentes
de palco antes de anunciar um número.
O apresentador então, realizador da fes-
ta, nem se fala! Pouco torcedor se entrega
com tanta paixão a alguma coisa. Definiti-
vamente, esse cara ama o que faz, e desco-
briu uma maneira de fazer os outros senti-
rem no pele a mesma empolgação que ele,
ressuscitando pros jovens algo que já tinha
sido estigmatizado como, definitivamente,
“coisa de velho”. Os sorteios são intercala-
dos por muita música, escolhidas na hora
pelo DJ, colocando todo mundo pra dan-
çar loucamente.
Mais do que isso eu estou absolutamente
proibido de falar. Usem sua criatividade ou,
melhor ainda: comprem o ingresso para a
próxima edição. Não esperem encontrar
NOva IOrquE
Isso mesmo. Escondidinho. É esse o espírito
por trás do tipo de festa que está pipocando
por aqui. Ontem à tarde me perguntaram:
- Onde é a festa que você vai hoje à noite?
- Não sei. Só vão me contar mais tarde.
- Me avisa então quando souber.
- Não posso.
- Como assim?
- É segredo.
São as regras. Todos com ingresso têm a
obrigação de manter segredo sobre o local,
e não deveriam sequer contar que estão
indo pra lá. “Se alguém perguntar, diga que
está indo para a reunião de bairro”. É o que
manda o site.
No caminho, a ordem é ser o mais low-pro-
file que puder. Na entrada, nenhum sinal de
festa do lado de dentro. Depois de entrar,
nada de fotografias ou filmagens, de jeito
nenhum. Mas depois de atender tudo isso…
bem vindo a um mundo à parte.
Se parasse por aí já seria incrível. Já da-
ria pra falar, por exemplo, de como a ideia
de manter a memória como único meca-
nismo de registro do que acontecer por
lá, acaba funcionando como um belíssimo
protesto ao imediatismo e monitoramento
excessivo das redes sociais. Isso sem falar
no efeito que a garantia da não divulgação
provoca, funcionando como um verdadeiro
convite para se permitir sentir ou fazer as
coisas sem se preocupar em ficar “bonito
na fita”. Mas pensam que acabou? Tsc, tsc.
Que tal se o grande motivo pra dar a festa
for simplesmente… JOGAR BINGO?
Pois é isso mesmo. Sábado à noite, eu fui
à primeira edição em NY do “The Under-
ground Rebel Bingo Club”. Nunca imaginei
que jogar bingo pudesse ser tão bom!
http://www.youtube.com/watch?v=buh
8zRK11Gw&feature=player_embedded
ESCONDIDO É MAIS GOSTOSO – SECRET PARTIES IN NYC16 jan
POst
06
tesanato em Nova Iorque e a sua capacidade
de afetar toda a comunidade ao seu redor”,
palavras ditas pela própria repórter durante
a filmagem.
Eu sabia que ali tinha muito mais do que só
uma coisinha “cool” e descolada. Fiquei a
tarde inteira, conheci as pessoas e conver-
sei muito com elas. No Brasil muita gente
associa artesanato a hobby e não o enxerga
como atividade profissional, econômica. Que
tal se eu contar que fui andando pro metrô
com um mulher que é paramédica durante o
dia, grafiteira durante a noite, e passou a tar-
de de ontem costurando suas estampas na
bolsa do grupo com que trabalha?
Sem dúvida nenhuma, esse foi um dos dias
mais interessantes e enriquecedores que
passei na cidade.
Pra encerrar, acabei indo com o grupo da ca-
poeira pra um bar brasileiro (o famoso Miss
Favela) no começo da noite. Era aniversário
de uma amiga deles, regado a frango à pas-
sarinha e Guaraná Antárctica!!! Tinha até for-
ró tocando na hora.
Quem diria que uma caminhada no Brooklyn
ia terminar assim? A viagem está aí pra gen-
te se surpreender também. Aproveitem e se
surpreendam também com mais fotos desse
lugar fascinante no meio de NYC.
NOva IOrquE
deroso, pessoal, político e possível. Comecei
então a conversar com Christine, uma das
responsáveis pelo lugar, pra saber mais so-
bre a ideia e até onde eles pretendiam che-
gar com isso. Imaginem então a minha sur-
presa ao ter a conversa inteira em português!
Isso mesmo, Christine fala nossa língua muito
bem e, assim como boa parte das pessoas
que estavam lá, joga capoeira faz tempo.
Enquanto preparava o espaço para o Sewing
Rebellion (uma oficina de costura para adul-
tos e crianças que ia começar em meia hora),
ela me explicou que um número cada vez
maior de pessoas está começando a enten-
der a ideia do “Dream Global, Shop Local”.
Com essa mudança a importância de estimu-
lar a criatividade cresce e a tendência que
já foi “do it yourself your own stuff”, agora
é a valorização de se conhecer a origem dos
produtos. Num momento em que as pessoas
estão, especialmente nos EUA, repensando
suas convicções e reavaliando o consumis-
mo desenfreado como meio de organização
social, a proposta do artesanato acena como
um outro tipo de atitude perante o mundo
potencialmente muito forte.
Será que eu fui o único a perceber isso? Cla-
ro que não. No meio da minha conversa com
Christine, chegou uma equipe da maior rede
de televisão do Japão (!!!) pra fazer uma ma-
téria exatamente sobre o “crescimento do ar-
NOva IOrquE
Depois do Underground Rebel Bingo, decidi
que, definitivamente, eu tinha que voltar no
Brooklyn. Williamsbourg é o lugar, e eu sa-
bia que ele ia me dar muito mais do que os
arredores do Hostel. Eu estava caminhando
despretensiosamente pelas calçadas quando
esse cartaz chamou minha atenção:
Achei a proposta interessante, afinal, que tipo
de pai coruja nunca quis eternizar de alguma
forma o trabalho de um filho? Mas quando
entrei, vi que essa era só a ponta do iceberg
de uma proposta muito mais ampla, de pes-
soas que fazem do artesanato muito mais do
que um hobby, e conseguem por meio dele
passar uma mensagem muito maior do que
o produto final do seu trabalho. A questão
é mais do que manejar matérias primas: é
transformar comportamentos! Na parede do
ateliê/loja tinha essa maravilha: o Craftifesto.
Como vocês podem ver, o artesanato é po-
CRAFTIFESTO! – DREAM GLOBAL, SHOP LOCAL 17 jan
POst
07
Para ser criativo, estude artes.
Para ser efetivo, estude o público.
Para ser os dois, estude como o público res-
ponde à arte.”
Pode ser que de tudo isso que conversamos
hoje eu não tire tendência nenhuma. Mas
uma boa leitura de mundo nunca se joga
fora e sempre ajuda a entender um pouco
mais do que se está fazendo.
E se… um bingo pudesse ser divertido para
jovens também? E se… eu pudesse trazer o
desenho do meu filho pra minha roupa com
minhas próprias mãos? E se… eu não tivesse
que me preocupar com o que vão pensar de
mim quando tudo que eu estou fazendo for
pro twitter?
Only then eu teria exatamente o final de se-
mana que tive.
NOva IOrquE
em movimento, indo a algum lugar onde ain-
da não esteve. Assim fica mais fácil entender
por que no corpo de alunos tem tantos dan-
çarinos, músicos, atores…
É engraçado pensar nisso agora… porque
Christine (do ateliê de artesanato do meu
post anterior) vinha conversando comigo
exatamente sobre a busca por parte de vá-
rias empresas por pessoas com formação
em artes, e isso vem fortalecendo cada vez
mais o conceito por trás do Craftifesto de
que tanto falei ontem.
Querem tudo isso resumido? Eis a menor
palestra que Keith já deu na vida. Ela dura
exatamente 33 palavras (em Inglês são 31), e
está num dos três livros absolutamente esti-
mulantes que ele me deu de presente:
“O artista define a criatividade.
O público define a efetividade.
Então,
NOva IOrquE
Hoje foi mais um daqueles dias que já co-
meçam com o que a gente pode chamar de
oportunidade única na vida. às dez da ma-
nhã, eu estava começando uma conversa
agradabilíssima com Keith Reinshard.
Quem não é do mundo da publicidade pode
até nunca ter ouvido falar dele. Mas a verda-
de é que eu estava diante de uma lenda. Esse
cara transformou a publicidade no mundo
inteiro e é reconhecidamente um dos maio-
res representantes do pensamento criativo
no meio corporativo até hoje. Criatividade?
Nesse mato tem cachorro. A oportunidade
de conversar sobre o tema ajudou a iluminar
um pouco mais minha cabeça sobre como
começam a nascer todas as novidades e mo-
vimentos relevantes de que eu estou atrás.
Tudo começa no “What if”. E isso aqui expli-
ca tudo.
http://www.youtube.com/
watch?v=uI3ftzbpAyE
O vídeo aí em cima (que você acabou de
assistir, certo?) foi filmado no final do ano
passado na Berlim School of Creativity Lea-
dership. Eu também nunca tinha ouvido falar
neles, mas é importante sublinhar o que esse
tipo de iniciativa representa. Na maioria das
sociedades, o espírito inovador dos artistas
e o poder de gestão dos administradores e
advogados não somente não se entendem,
como, pior, seguem trocando farpas. Na Ber-
lim School é diferente, neste espaço ambas as
veias sejam alimentadas com profundidade.
Se toda grande ideia começa com o What if
de um visionário, pra crescer ela precisa do
apoio de um homem prático. Por outro lado,
como sobreviver comodamente no Whe-
re you are também não é mais uma opção
viável no nosso mundo, o prático precisa
do visionário pra conseguir se mover nesse
eterno State of becoming, de estar sempre
WHAT IF… I MET KEITH REINHARD?18 jan
POst
08
a arte, eu não sei. E, sinceramente, no cur-
to prazo, acho que não. Mas o que não se
pode negar é que, de alguma maneira, fazer
o público se sentir mais autor e menos mero
espectador está se tornando um imperativo
dos nossos tempos. E, no processo de ten-
tativa e erro até encontrar a forma mais pro-
lífica de fazer isso, ainda vai aparecer muito
experimento por aí.
NOva IOrquE
é do que ter capacidade de responder a uma
situação-problema real. Se a definição vale,
o que a galera inteira da improvisação fez foi
ir direto na melhor fonte de problemas para
serem resolvidos que existe: o público.
E é aí que entra o outro evento que conferi e
fomenta um pouco mais dessa linha. Na se-
mana passada, NYC vivenciou o Under The
Radar (festival internacional de teatro foca-
do nos grupos que estão propondo as coisas
mais novas, sob o slogan “Catch the next big
thing”). A performance “Watch me work”,
da escritora Suzan-Lori Parks, ganhadora do
prêmio Pulitzer de 2002, foi uma das esco-
lhidas para integrar o festival.
Durante uma hora, ela sentou-se no foyer do
teatro e trabalhou, escrevendo mais trechos
do seu novo livro, na frente de todo mun-
do. As pessoas podiam sentar-se ao lado,
escrever suas próprias coisas, palpitar nas
dela, twitar ou simplesmente assistir, tanto
no local quanto ao vivo pela internet. Ao fi-
nal do ato, a escritora ainda se predispunha
a conversar sobre as dificuldades que cada
espectador que escrevia estava tendo em
seus trabalhos.
Se esse tipo de obra aberta está crescendo
a ponto de influenciar consideravelmente a
maneira como as pessoas se relacionam com
NOva IOrquE
No Brasil já estamos mais do que acostuma-
dos a assistir improvisação no teatro. Todos
também já pelo menos ouvimos falar nas ba-
talhas do Hip-Hop. Mas… e em vez de atores
ou MC’s… tivéssemos cartunistas? Essa é a
proposta do Nib and Pick – Fisticuffs, que
aconteceu hoje aqui em NY.
No dia do encontro com o Raphael Sonsino
pro #sharing9 (que me deu um quadro pra
levar pra Paris), ele tinha me falado um pou-
co da sensação de participar da edição bra-
sileira do “Cut and Paste”, em que teve que
desenhar ao vivo num palco, e de como era
difícil receber esse tipo de pressão. Imagi-
nem então a situação dos quatro cartunistas
convidados para o evento de hoje, que, de-
pois de se dividirem em duplas, tiveram que
encarar desafios tão inusitados quanto criar
uma “tira que trate ao mesmo tempo dos te-
mas gato, dominatrix, e hospital”?
Eles se viraram e fizeram. No tempo de uma
música só (tocada ao vivo pelo grupo convi-
dado). Em uma palavra: impressionante. Em
algumas mais: uma belíssima demonstração
de artistas dominando de maneira tão pro-
funda a sua arte que podem encarar qual-
quer desafio.
Uma vez eu escutei de alguém (infelizmente
não lembro quem) que ser criativo nada mais
QUEM SABE FAZ AO VIVO: NIB AND PICK –
FISTICUFFS E WATCH ME WORK
19 jan
POst
09
mais de gente… e esse ano o movimento reu-
niu 3500 pessoas (!!!!!!!!!!!!). Elas vinham de
todos os lados pegar o seu metrô sem calças
até desembarcarem na Union Station para o
grande encontro dos No Pants Subway Ri-
ders. Estranho? Pode ser. O que os organiza-
dores querem com isso? Segundo eles mes-
mos, nada demais. No final das contas, o No
Pants não tem nenhuma pretensão além de
ser uma grande celebração da bobagem.
Outra pérola escondida na cidade teve lugar
em Williamsburg. Todo mundo já ouviu falar
em campeonatos de Air Guitar, certo? Aque-
les em que os participantes sobem no pal-
co e tocam uma guitarra invisível colocando
pra fora todo o seu entusiasmo por realizar
o sonho de, por um momento ser um gran-
de rockstar. Digamos que, agora, uma nova
modalidade, tão instigante como a anterior,
explodiu nos EUA e só faz crescer há pou-
co mais de um ano. Bem vindos ao air sex
World Championship!!!
Eu não me perdoo por nada nesse mundo
por ter perdido esse espetáculo. Sexta pas-
NOva IOrquE
Depois de 11 dias na cidade, com certeza te-
nho muita coisa pra contar. Algumas delas
nem entraram aqui no blog, como a aula de
trapézio de vôos que fiz ontem no Galpão
do STREB, a reinauguração do Museum of
The Moving Image depois de três anos de
reforma e o monte de artistas de rua. Mas
quanto mais você mergulha num lugar, mais
você começa a saber de coisas absoluta-
mente incríveis que você se lamenta por não
ter ficado sabendo antes, e é aí que dá von-
tade de voltar.
Uma delas foi o No Pants Subway Ride, que
aconteceu na véspera do dia em que eu che-
guei. Essa foi a décima edição anual (sempre
em janeiro) do evento que já virou tradição
da Improv Everywhere. Em pleno inverno de
2002, alguns passageiros foram surpreendi-
das ao ver uma pessoa entrar no metrô de
sobretudo, botas, cachecol… e sem calças.
Na estação seguinte, mais uma pessoa na
mesma situação entrou no trem. Depois ou-
tra, outra e outra, por sete paradas seguidas,
até que, na oitava, um vendedor de calças
aparecia para vendê-las e resolver a situação.
Em 2003 aconteceu de novo, com um pouco
NOva IOrquE
É isso aí. Na hora que o Emicida mandou o
CD pra Nova Iorque e pediu pra entregar pro
Jay-Z todo mundo riu. Eu pensei: “por que
não?”. Nenhuma barreira é maior do que as
que a gente coloca na própria cabeça, então
percebi que não tinha por que não tentar e
decidi caçar o cara.
Primeiro descobri que ele estava na cidade
(Stella, da SpaceCraft, viu ele almoçando em
Williamsburg). Depois eu tinha que desco-
brir onde ele trabalhava, o que foi relativa-
mente fácil também. Difícil ia ser passar pela
segurança… mas vamos lá! Mapa do metrô
na mão, direto para a sede da RocaWear. O
resultado é esse aí:
Na hora em que eu cheguei o Jay-Z não es-
tava lá, mas quem me recebeu adorou co-
nhecer o projeto e ficou muito empolgado
com o presente. Aqui vai uma menção hon-
rosa à Natasha da recepção (dona da mão
que recebe os CDs na foto), e à Prince, que
me apresentou a RocaWear por dentro e me
deu a garantia de entregar pessoalmente os
CDs ao Jay-Z assim que ele chegasse. Ah! Só
pra constar… nesse meio tempo eu ainda vi o
Kanye West passar no corredor.
Então é isso! Não pude esperar mais porque
o meu avião era logo depois, mas temos a
garantia de que ainda hoje o Jay-Z vai estar
com o CD do Emicida nas mãos e vai conhe-
cer um pouco mais do que a cultura urbana
brasileira tem a oferecer.
#SHARING9 – MISSÃO DADA É MISSÃO CUMPRIDA – AGORA O JAY-Z
CONHECE O EMICIDA.
COISAS IMPERDÍVEIS QUE EU PERDI EM NOVA IORQUE –
NO PANTS SUBWAY RIDE E AIR SEX WORLD CHAMPIONSHIP.
21 jan
POst
1022 jan
POst
11
NOva IOrquENOva IOrquE
absolutamente divertida e sem fazer mal a
ninguém. Na verdade, é muito mais que isso:
é dar-se a chance de rir de si mesmo, fazen-
sada, os moradores do bairro tiveram a opor-
tunidade de externalizar as suas fantasias e
perversões mais incubadas de uma maneira
do da sua incapacidade de realizar algo na
vida real, ao invés de frustração, senha para
a mais espontânea e saudável extravagância.
Essa é uma das coisas mais importantes que
aprendi no circo com os meus amigos pa-
lhaços: fazer do seu defeito seu trampolim.
É assim que palhaço acaba com a violência,
mostrando que o ridículo só inferioriza se
você se deixa inferiorizar por ele. O palha-
ço é um perdedor, e com isso ganha muito
mais em identificação e simpatia do público.
A graça do Air Sex e do Air Guitar é ver gen-
te normal, como qualquer um de nós, fanta-
siando na frente de todo mundo sem ter o
menor medo do ridículo.
Isso está me cheirando a muito mais que só
casualidade.
BaRceLoNa
Mixtape Lalai E Ola Pro Lucas Do @99novas
#Sharing9 by I’M The Machine on Mixcloud
Pra saber mais sobre a Lalai, você pode
acessar:
http://www.lalai.net
@lalai
barCElONa
dela pelo menos por causa da festa em que
tocou no Big Brother Brasil. Sobre a expe-
riência, ela diz que foi muito interessante,
porque “se, por um lado, era o menor públi-
co pra que já tocamos (eram 10 djs para 10
pessoas na casa), por outro lado era o maior
de todos!”. De público presente mesmo, ela
também já tocou pra quase 25 mil pessoas
na festa Experience ano passado.
Então é isso aí e vamos lá! Barcelona vai re-
ceber um presentão e vocês vão poder sen-
tir um pouco desse gostinho acompanhando
tudo por aqui. Mas, se quiserem aproveitar
uma canjinha já de agora… podem ouvir aqui
mesmo o “mixtapezinho” feito pelo Ola es-
pecialmente pra festa. São 40 músicas em
30 minutos, e haja pique!
barCElONa
E na capital da Cataluña, vamos de quê? De música também! Sabendo que essa cidade é casa
da juventude européia, nada melhor pra aglutinar todo mundo do que dar uma festa. Então
dessa vez o presente são alguns sets especialmente preparados pela DJ Lalai, de São Paulo, em
parceria com o Ola Persson, da Suécia. Vejam aqui como foi a entrega do presente e um pouco
mais do que vem por aí nessa festa.
http://www.youtube.com/watch?v=cBM7HL8zRTs
A Lalai ficou mega-feliz de ter ficado com Barcelona, pois foi a primeira cidade fora do Brasil
onde ela pôs os pés. Ela preparou um set especial com um pouco das coisas que ela mais
gostou de tocar ao longo da carreira, avisando logo que é pra eu estar preparado pra coisas
pesadas. Afinal, embora ela seja mais conhecida no eletrônico, ela veio mesmo do rock, e essa
marca está sempre impressa no seu trabalho. De fato, a primeira festa ela que organizou foi
uma festa rock de domingo à noite, que só conseguiu porque era um horário em que a casa de
show não funcionava, mas depois ficou maior do que a festa principal da casa.
Daí em diante começou uma ascensão notável e a incorporação do eletrônico foi natural. Jun-
to com as mudanças vieram novos convites e públicos, e talvez vocês já tenham ouvido falar
POST 12: #SHARING9 – LALAI E OLA PERSSON FIZERAM MIXTAPES PRA
FESTA ROLAR SOLTA EM BARCELONA.
19 jan
POst
12
barCElONabarCElONa
Eu teria todas as razões do mundo para dizer
que a minha primeira noite em Barcelona foi
um fiasco. Depois de uma revigorante noite
de sono de 15 horas, saí disposto a fazer a
grande abertura dessa nova etapa! Marquei
de encontrar com uma amiga que mora aqui
há quatro anos e ia me dar várias dicas. Mas
não deu certo. Fui então com outros ami-
gos procurar uma noitada legal e demos de
cara com três fechadas (mesmo com nos-
sos guias dizendo o contrário). Cheguei ao
Hostel e vi uma galera enorme indo pra uma
festa. Pensei: beleza, vou salvar o noite! Che-
gando lá, o nome da festa era … Made in Bra-
zil. Joguei a toalha e pensei “não é possível!”.
Só que aí é que você pára pra pensar e vê
que, se prestar atenção, tem alguma coisa
pra se tirar disso sim. Afinal de contas, não
tinha tanto brasileiro assim no Hostel… em
Nova Iorque menos ainda… e na sexta feira
todos foram para a noite brasileira de uma
boate. Eu conheci pessoas maravilhosas no
Brooklin, que saíram pra comemorar um ani-
versário no… Miss Favela.
Juntem então mais alguns elementos: terça
fui conhecer uma escola de dança na West
55th St chamada Ailey’s Dance Theater (sem
o menor exagero, um dos melhores centros
de dança de todos os Estados Unidos, se
não o melhor). E lá eu estava para assistir a
uma aula de… capoeira. Para se ter uma ideia,
Sabem quem estava ensaiando na sala logo
embaixo da sala da capoeira? Sim, é verda-
de, eu não estou inventando nada: simples-
mente, Lady Gaga.
Se nada disso significa visibilidade para o
Brasil no mundo inteiro, então eu não sei o
que significa. Eu estava até guardando essa
percepção pra quando tivesse mais material
pra sustentar a tese, mas é bom dividir com
vocês pelo menos alguma coisa logo. Vejam
mais uma que eu ouvi de uma americana
uma semana atrás:
“É, sabe que antigamente tudo era ‘French
qualquer coisa’. Agora tudo é ‘brazilian não
sei o quê lá’. Já viram a Brazilian Dry, dos sa-
lões de beleza? O que que tem de ‘brasileiro’
em fazer uma escova normal??? Acontece
que antes era chique ser francês. Mas agora
o fashion é ser brasileiro, todo mundo quer
ter alguma coisa de lá.”, disse essa menina
cujo nome não me recordo.
(Foto tirada em pleno Harlem, lugar com a maior concentração
de salões de beleza por metro quadrado que eu já vi no mundo)
Tudo isso é sinal de que, se ainda não somos
uma tendência, pelo menos estamos na vitri-
ne. É bom prestar atenção… o mundo inteiro
está prestando. A questão agora é entender
o que é que ele está vendo.
DE “NÃO É POSSÍVEL!” AO “PENSANDO BEM, É MESMO” – QUEM DIRIA QUE
A TENDÊNCIA SERIA O BRASIL?
19 jan
POst
13
barCElONabarCElONa
Ok, já deu pra perceber que Barcelona é uma
questão de fuçar, fuçar e fuçar até encontrar
onde estão os lugares que interessam de
verdade e que nenhum turista jamais suspei-
tou da existência. E é aí que entra a minha
primeira descoberta. Numa ruazinha estrei-
ta do centro, fica a sede de uma agência de
viagens chamada Stoke Travel. Quando você
chega, acha que errou o endereço mais uma
vez, afinal de contas, o lugar é um bar.
Mas é isso mesmo! Em primeiro lugar, a
agência percebeu que, muito melhor do que
receber os clientes em um escritório, era re-
cebê-los em um bar, de onde podiam já dar
uma esquentada para o passeio. Além de to-
mar um drink e comprar pacotes de viagens,
as pessoas podem subir um andar, e em um
espaço que um apartamento reestruturado
para receber mais gente, porém sem perder
o clima intimista, realmente aprender algu-
ma coisa: há diversas aulas, desde como fa-
zer drinks até cozinha espanhola. Isso sem
contar as frequentes sessões gratuitas de
filmes “Cult”.
Um bar que também ensina? Uma agência
que é bar? Um cineclube com cachaça? Re-
almente, não é tão fácil definir o espaço, mas
dá pra perceber que a questão aqui é não se
contentar com o óbvio e evitar aquela sen-
sação de peixe fora d’água que geralmente
o turista tem, de não pertencer ao lugar. O
Stoke Travel convida os viajantes a sentir e
a aprender como é viver ali, fazendo roteiros
e programas de pessoas locais. Experiências
bem diferentes das que encontramos no bal-
cão de informações do aeroporto.
Mas sair dos destinos óbvios em viagens,
não e exatamente uma novidade. Mas, as
maneiras de como esse comportamento se
manifesta pode traxer algo novo.
Nas redes sociais, o CouchSurfing é um
exemplos de como os portadores desse “es-
pírito de viajante” (ao invés de “turista”) fa-
zem para experimentar essas experiências.
Voltado ao nosso bar-agência de viagens-
escola, dá pra se ter ideia do espírito da coisa
pelo que está escrito na parede do banheiro,
onde diz: “coisas que queremos fazer pelo
mundo”:
Realmente… pescar com esquimós e dormir
num iglu, acampar na Ilha de Páscoa, traba-
lhar num rancho com os vaqueros da Argen-
tina, fazer um tour de danças pela América
Latina, nadar o Rio Amazonas (e sobreviver)
e fazer um menáge-à trois no carnaval não
são histórias que qualquer um pode contar.
E essa história de não ser “qualquer um” é
exatamente o melhor e o pior de Barcelona.
Se, de alguns anos pra cá, o poder público
tem apertado o cerco contra o barulho ex-
cessivo que sempre caracterizou a atmos-
fera festiva e artística da cidade, como res-
posta muitos lugares adotaram a estratégia
de manterem-se o mais low-profile possível,
tanto para evitar a polícia quanto para bus-
POST 14: NUNCA SUBESTIME UM BAR – EM BARCELONA ELE PODE SER
MUITO MAIS DO QUE PARECE
19 jan
POst
14
barCElONabarCElONa
car por meio da exclusividade um prestígio ainda maior nos círculos que visam conquistar.
E é bom que se diga: esses círculos são cada vez mais restritos.
Se, por um lado, é ótimo poder contar coisas que só você fez, por outro uma parte desse espíri-
to tem se transformado em exclusivismo puro. Não estou falando dos lugares escondidos, que
são uma delícia de procurar, mas daqueles que decidiram selecionar seus frequentadores, para
que só alguns poucos “eleitos” tenham os privilégios que oferecem. Não adianta fingir que não
percebi e que tudo isso é normal: Barcelona, definitivamente, não é cidade pra “qualquer um”
também no sentido mais vulgar da expressão. Quero dizer que, pra aproveitar algumas atra-
ções, não basta dinheiro no bolso, tem que ter também “bala na agulha”.
Se você quiser realmente sentir o que Barcelona tem de melhor, não pode, de maneira nenhu-
ma, ser turista. Tem que ser, no mínimo, um explorador
…e andar bem vestido.
Esses dias foram de muita caminhada no
centro de Barcelona, com algumas desco-
bertas interessantes. Uma delas foi essa loja
de artigos de Mágica, que existe há nada me-
nos que 130 anos!
A casa foi fundada por um mágico e segue
tocada por mágicos até hoje. Pensei: ótimo,
aqui tem conteúdo pra eu extrair. Numa con-
versa com a proprietária atual (no cargo há
26 anos), eu ouvi o galo cantar quando per-
guntei se ela sentia que a relação do públi-
co com a mágica tinha mudado muito nesse
tempo todo. Ela me respondeu, para minha
surpresa, que:
“Sim, mudou. Pra melhor. O público de hoje
é muito mais bem informado, e isso trans-
formou totalmente o mundo da mágica.
Antigamente, tinha uma mística do ‘segredo’,
como se tivesse quase uma paranormalida-
de no que era feito… então os mágicos não
ensinavam a ninguém o que sabiam, tudo ti-
nha que ser descoberto por conta própria,
porque senão eles estariam traindo a pro-
fissão. Hoje, o público sabe que não existe
MáGICA NÃO É SEGREDO – SEGREDO É O EXCLUSIVO. 19 jan
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barCElONabarCElONa
pacidade de gasto suficiente para comprar
um Porshe. Não interessa muito se você re-
almente tem esse dinheiro todo e comprou
o carro ou se você ganhou num sorteio: o
que importa é como as pessoas lêem o sinal
que você manda quando gira a chave. Qual
seria, então, o sinal de distinção dos nossos
tempos? Dinheiro para gastar? Corpos es-
culturais?
No mundo do compartilhamento, o grande
lance não é mais colecionar bens. É colecio-
nar histórias.
Ter uma história pra contar significa acessar
coisas a que nem todo mundo tem acesso,
experimentá-las, e depois exibi-las, de pre-
ferência quando elas não podem mais ser
repetidas por outra pessoa. E é aí que o “se-
gredo” se reinventa. Se o imperativo é o con-
trário de esconder, é contar, o grande lan-
ce se torna “contar histórias secretas”. Mas
como elas deixam de ser secretas assim que
contamos, viram seu parente próximo, que
vai mandar no mundo pelos próximos anos:
o exclusivo.
Prestem atenção nesse tema. Ele vai muito
além do que a gente vê na primeira olhada.
Barcelona está sendo uma grande oportu-
nidade de descobrir e investigar como essa
tendência está modificando o comporta-
mento em várias direções.
‘segredo’. Se ele quer descobrir como algo é
feito, ele simplesmente vai à internet e, se for
esperto, descobre. Então não tem por que a
mágica seguir se alimentando do mistério da
mesma maneira como fazia há tanto tempo.
Hoje, somos muito mais uma técnica. Fasci-
nante, encantadora e misteriosa, mas uma
técnica. E é por nos assumirmos assim que
evoluímos tanto, deixando pra trás aquela
ideia de que ensinar e multiplicar a arte era
motivo de vergonha.”
Realmente, esse tema do ‘segredo’ é muito
mais interessante do que eu pensava no co-
meço. Quando as redes sociais colocaram
nossas experiências e registros online, ex-
plodiu um movimento que podemos chamar
de tudo, menos secreto. No máximo, quan-
do nos preocupamos um pouco mais com a
questão da privacidade, nos tornamos “dis-
cretos”, mas o próprio conceito por trás da
utilização da rede é o de “compartilhar”, dia-
metralmente oposto ao de esconder. Então
eu comecei a me questionar e percebi uma
coisa…
Quais são os elementos essenciais para que
uma coisa confira status a quem a possui?
Um deles é ser raro, ou melhor, distintivo.
Algo pelo qual se possa reconhecer indícios
de qualidades que você tenha. Ter um Por-
she, por exemplo, indica que você tem ca-
Mais uma vez, o colorido de uma vitrine cha-
mou minha atenção. Chamar é fácil, captu-
rar é que é difícil. Só que percebi que, nesse
caso, estava diante de uma proposta com
eco muito maior do que pensei de primeira,
e quando me dei conta disso percebi que vá-
rias observações que tinha feito se ligavam.
A loja se chama Vaho Works, e é mais um
espaço dedicado a produzir moda a partir
do lixo. Em Nova Iorque eu tinha conhecido
o trabalho do Ggrippo, que ele mesmo cha-
mava de Trash-à-Porter, e aqui dei de cara
com o que eles chamam de Trashion. O foco
está em produzir bolsas, mochilas, sacolas,
pastas e carteiras a partir de cartazes de pu-
blicidade. No seu site eles parecem gostar
bastante do que fazem:
“No momento da despedida, logo antes de
dizer adeus, os objetos e materiais que dis-
ISSO NÃO NASCEU AGORA – PARTE 1: DO LIXO à MODA19 jan
POst
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barCElONabarCElONa
ressante: se o grande lance não é mais co-
lecionar bens, e sim colecionar histórias, ao
produzir bens a partir da transformação de
materiais que já serviram a outra função, a
grife passa a criar bens com histórias pra
contar. Todas as bolsas tem umas história
pregressa, o que é apenas mais uma maneira
de dizer que não se originam como uma fo-
lha em branco na suas mãos.
pensamos suspiram, com a esperança de
serem salvos. Todos merecem uma segunda
chance, transformar-se para mostrar novas
utilidades ao mundo que os rejeitou. Ressus-
citar materiais e buscar tesouros perdidos
entre os desejos do progresso e da moderni-
dade é parte do nosso trabalho. E nos diver-
timos muito fazendo-o.”
Se fosse só cool e divertido, a loja não dura-
ria o tempo que dura. Existe algo mais então.
Ok, a questão da reciclagem, da reutilização
e revalorização dos objetos, com certeza
tem um peso enorme para o sucesso da mar-
ca, e é o eixo central do conceito inteiro. Mas
ainda assim, tem algo mais… e é esse algo é
simples:
Não existe peça repetida. Todas são únicas e
você sai com a certeza de que comprou algo
que só você vai ter…
É o exclusivo sobre o qual falei no post an-
terior, aplicado de uma maneira muito inte-
A Parte 1 desse post me leva diretamente ao
encontro que tive há dois dias com a dona de
uma loja de antiguidades chamada Anamor-
fose. Não era qualquer loja, essa era especia-
lizada em antiguidades científicas e em tec-
nologia. Vejam o que ela me falou e juntem
com as fotos pra ver como tudo se encaixa.
- Antigamente, nossos clientes eram mu-
seus, gente rica, e colecionadores. Agora,
as pessoas ricas não compram mais anti-
guidades, elas viajam, e o que mais me sur-
preende é ver que uma parte muito grande
dos frequentadores da loja passou a ser de
jovens. Eles não têm dinheiro pra comprar,
mas os olhos brilham quando vêem as coisas
aqui. E se você me pergunta se eu me pre-
ocupo com o fato deles não comprarem, eu
digo que não: mais importante do que saber
como está o negócio agora, é saber como ele
vai estar, e eu sei que esse interesse todo não
é coisa passageira.
- Não te parece que isso é uma busca
por entender de onde as coisas vieram? Por
exemplo, hoje a gente tem um iPod que faz
de tudo mas não fazemos a menor ideia de
como ele funciona. Quando a gente entra na
sua loja, pode enxergar a ideia por trás de
cada coisinha, ver um cinematógrafo e enten-
der como se gravam imagens em movimen-
to, olhar aquela primeira máquina falante do
mundo [sim, leitores, ela tem uma versão da
invenção do Thomas Edison] e pensar como
é que isso acontece. O iPod é como que algo
parido na nossa mão. Isso aqui vem de muito
antes, tem uma história, e conta muito mais
sobre como as coisas funcionam.
- Exatamente. Sabe o que eu penso disso
tudo? Que esses jovens vão ter as novidades
para usá-las, e as minhas coisas para vivê-las.
ISSO NÃO NASCEU AGORA – PARTE 2: DE ANTIGUIDADE
A PAIXÃO DE JOVENS
27 jan
POst
16
barCElONabarCElONa
Não preciso dizer mais nada. Em duas tarde
eu vi o espírito do “Know your own stuff” se
mesclar com o exclusivismo numa proposta
afinada com a busca por sustentabilidade;
um movimento de perda de clientes que dei-
xaram, dessa vez literalmente, de colecionar
bens para viajar e colecionar histórias; e o
surgimento de um novo mercado para uma
velha oferta baseado justamente na busca
por entender de onde vem as suas coisas
através da história das ideias por trás delas.
Acho que está bom por hoje, não tá não?
(Esboço de cartoon gentilmente cedido por Drew Dernavich, um dos cartunistas que participaram do Nib and Pick –
Fisticuffs, de que falei num post um pouco mais antigo)
SE VIRA NOS 20 – DEGUSTAÇÃO DE IDEIAS NO PECHA-KUCHA NIGHTS
Que cada vez mais a vida nos obriga a ser
concisos todo mundo sabe (o que falar dos
140 caracteres?). Ao mesmo tempo, po-
rém, seguimos nos esforçando para colocar
cada vez mais conteúdo nas mensagens que
transmitimos para que elas possam ir além
do mero papel informativo, e isso não é no-
vidade também. Aí fica mais claro então por
que o conceito do Pecha-Kucha é tão inte-
ressante.
Originalmente, Pecha-Kucha é o termo japo-
nês para algo como “conversa casual” (chit
chat). A ideia aqui é criar um evento onde as
pessoas possam expor seus trabalhos ou his-
tórias de uma maneira muito simples, quase
no tom de numa conversa de elevador, para
que a platéia esteja sempre com um nível de
atenção sempre muito alto. E para isso cria-
ram o formato do 20×20: Cada apresenta-
ção só pode usar, no máximo, 20 imagens,
as quais serão projetadas por exatamente
20 segundos cada. E não tem conversa: elas
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17
barCElONabarCElONa
De fato, já houve apresentações sobre via-
gens, impressões, sentimentos, e até mesmo
a filha de uma das criadoras do evento, de
5 anos de idade, já apresentou sobre um de
seus trabalhos de escola. Isso é um enorme
incentivo à criatividade e à ousadia daqueles
que nunca tiveram espaço para expor, e abre
espaço para novas ideias saindo diretamen-
te de quem as criou com a possibilidade de
conversar tête-à-tête com seus autores no
evento.
E pelo jeito como a casa estava ontem –
evento lotou o teatro de uma antiga fábri-
ca de cervejas de Barcelona, como podem
ver na foto aí em cima – pode-se dizer que
e a tendência é que o movimento continue a
passam automaticamente, sem possibilida-
de de chatear com o velho “volta no slide
anterior um pouquinho pra eu explicar me-
lhor isso…”
Esse esforço de síntese fez muita gente com-
parar os eventos com o TED – Ideas Worth
Spreading, em que grande nomes extrema-
mente influentes nas suas áreas são convida-
dos a fazer a “fala das suas vidas” em, no má-
ximo, 18 minutos. Se a comparação é muita
lisongeira, não tem a mesma medida de pre-
cisão, porque há uma diferença fundamental
entre os dois: na Pecha-Kucha qualquer pes-
soa pode apresentar sobre qualquer tema,
não só sobre o seu trabalho ou grande tema
de pesquisa da vida.
crescer ainda muito mais. No site oficial do
projeto, que vale muito a pena e tem várias
apresentações pra ver, tem também o calen-
dário das próxima Pecha-Kucha Nights pelo
mundo todo. Enquanto isso, fiquem com
essa apresentação de um artista chamado
Mateusz Staniewsk sobre como pintar com
luz na 10a edição de Barcelona (anterior à
da noite de ontem) pra ter um gostinho de
como foi tudo.
barCElONabarCElONa
A ideia aqui é falar de tendências, e por ten-
dência a gente entende o que ainda não é,
mas vai ser. Esse sábado me deu então uma
grande oportunidade de ver pra onde está
indo uma parte da arte urbana através de
uma ação chamada SentArte, que integra os
preparativos para a SWAB de 2011.
Pra quem não conhece, SWAB (cotonete,
em inglês) é uma grande mostra de arte
contemporânea que “absorve” (daí o nome)
44 galerias de arte de toda Barcelona, e que
esse ano acontecerá pela quarta vez entre
os dias 26 e 29 de maio. Para a atividade
desse sábado, a empresa de design de pro-
dutos em madeira Concepta cedeu dois de
seus modelos (o banco “Rail” e a cadeira
“Nuit“) para que os um grande grupo de ar-
tistas “swabbers” (nesse caso membros do
coletivo Kognitif) interviessem e realizassem
suas criações. Agora o mais legal: tudo isso
podia ser visto ao vivo, por quem quisesse,
na cobertura de um hotel, com direito a be-
bidas, pãezinhos e até uma linguicinha pra
completar o clima de churrasquinho na laje
do evento.
O SentArte é termômetro de como está cres-
cendo violentamente a arte urbana por todo
o mundo. Todo o mobiliário criado no dia
fará parte do SWAB Off, mostra que ocupará
as ruas da cidade paralelamente às ativida-
des nas galerias. Mais do que um aperitivo
literal (a linguiça tava realmente muito boa!),
o SentArte é também um aperitivo do que
está acontecendo com a arte urbana, que
está ampliando muito o uso de diferentes
plataformas para além dos muros e paredes
das cidades.
Isso pra não falar na possibilidade de ver o
trabalho acontecer ao vivo. Na verdade, eu
fiquei um tempo pensando em como clas-
sificar essa história… porque embora o cli-
ma fosse totalmente de Vernissage – com
os artistas presentes, o público do meio, tal
-, o espaço abriu com um monte de obras
em branco. Lembrei daquela performance
do Watch me Work, da Suzan-Lori Parks, de
que falei aqui antes.
É engraçado parar pra pensar no porquê de
estar crescendo tanto essa curiosidade em
ver as coisas nascerem. Ninguém quer mais
ver nada parido na sua mão. Eu já falava do
espírito de saber de onde veio, mas tem gen-
te já além dessa onda, pra quem não basta
saber, tem que presenciar e ver. E isso está
botando uma parte do mundo das artes pra
se repensar e se reinventar mesmo.
Vamos continuar de olho pra saber até onde.
SENTARTE – UM BAITA APERITIVO19 jan
POst
18
barCElONabarCElONa
Até agora eu não tinha falado nada de mú-
sica. Acho que foi bom… porque vou abrir o
tema com uma pérola sensacional, dessas
que deixam a gente em polvorosa, ouvindo
maravilhado e se coçando todo pra espalhar
a novidade. Na verdade são duas, e a primei-
ra delas é o SaravaCalé.
Já pensaram em misturar Flamenco com
Bossa Nova? Elas já. Não vou mentir que
quando conheci a percussionista da banda e
ela me falou do trabalho fiquei curioso mas
ressabiado, sem conseguir imaginar como é
que faziam isso e com aquele medo de a pro-
posta ser mais interessante do que frutífera.
Me enganei completamente! O trabalho é
da mais alta qualidade, com músicos e prin-
cipalmente arranjos muito criativos. Melhor
você mesmos escutarem pra depois a gente
conversar.
E SE… O FLAMENCO E A BOSSA-NOVA SE ENCONTRASSEM? –
SARAVACALÉ!
http://www.youtube.com/watch?v=R_t4nWgqdIg
http://www.youtube.com/watch?v=3cA9kw8tmTM
http://www.youtube.com/watch?v=rz3dg8viilE
19 jan
POst
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barCElONabarCElONa
Nossa Senhora! Agora eu pirei! Primeiro olhem esse objetos aí embaixo:
Vocês podiam dizer “que espremedor legal,
design bonitinho…”. Mas… e se eu contasse
que eles foram todos… impressos? Isso mes-
mo: impressos em 3D!!!
Ah, vamos lá… todo mundo já teve von-
tade de tirar uma “xerox” de alguma coisa
em casa. Já pensou se naquela feijoada de
domingo, quando chegasse mais gente do
gia da “fabricação aditiva”.
Pra quem já estudou Cálculo, posso dizer
que conceito é a explicação intuitiva de um
processo bem simples: a integração dupla.
Pra os outros 99% que não fazem ideia do
que eu acabei de dizer, a ideia é imprimir ca-
madas muito finas sequenciadas para poder
colocá-las umas sobre as outras até que for-
mem a figura tridimensional.
A questão aqui é que isso tudo é muito mais
do que descolado ou “cool”: estamos dian-
te de uma tecnologia que pode revolucionar
completamente a nossa maneira de criar ob-
jetos! A grande maioria das máquinas que
criamos existem para substituir processos
conhecidos (colar, recortar, unir, partir, mis-
turar, aquecer, esfriar….), mas existe um pe-
queno grupo daquelas máquinas que criam
processos. A “fabricação aditiva” abre cami-
que você tinha convidado, simplesmente
desse pra imprimir umas cadeiras a mais ali
no quarto? Pois tem um monte de designers
e engenheiros no mundo todo trabalhando
pra que isso seja possível, e o Disseny Hub
Barcelona (DHUB) organizou uma exposição
permanente exatamente para disseminar as
infinitas possibilidades abertas pela tecnolo-
nho para que a imaginação humana concre-
tize ideias que antes eram apenas concebí-
veis, ou, no máximo, visualizáveis numa tela
de computador.
Pra que vocês tenham ideia do que estou di-
zendo, vejam alguns das suas vantagens:
Biologia (até agora estou boquiaberto com
essa): Dá pra criar ou recompor tecidos hu-
manos a partir dessa tecnologia! Um campo
absolutamente alvissareiro na biotecnologia
acaba de nascer.
Culinária: sim, já existem trabalhos relaciona-
dos a imprimir comida também, utilizando
ingredientes como matéria prima.
Design de materiais: com a composição em
camadas adiciona-se material apenas onde
ele é desejado. A criação de novos materiais
VOLTO Já, SÓ VOU ALI RAPIDINHO IMPRIMIR… MEU SAPATO! – IMPRES-
SÃO 3D NA DISSENY HUB BARCELONA
31 jan
POst
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barCElONabarCElONa
e tecnologias torna-se possível por meio de
diferentes microestruturas internas.
Medicina: um das suas primeiras aplicações
(e até hoje a mais conhecida) foi a constru-
ção de próteses sob medida para se inte-
grar perfeitamente à anatomia do paciente.
O mesmo acontece para o material esporti-
vo também.
Artes plásticas: Todo um método de traba-
lhar livremente a forma abre as portas agora.
Esse post existe apenas para abrir o assunto.
Tecnologia nenhuma pode ser chamada de
tendência: tendência é o tipo de comporta-
mento que as pessoas passam a ter a partir
da sua utilização. Se agora, enquanto ainda
é extremamente cara e restrita, a “impres-
são 3D” já está causando esse rebuliço todo,
imagine quando se tornar acessível nas nos-
sas casas…
barCElONabarCElONa
A milhares de quilômetros da Espanha, do
outro lado do oceano, uma árvore já tinha
chamado minha atenção em Williamsbourg
por estar envolvida com um peça de tricô,
como que agasalhada do frio (olhem a foto
dela no meu último post de Nova Iorque).
Imaginem então a minha satisfação ao dar
de cara, bem no meio de Barcelona, com
nada menos que a “4a Guerrilha do Crochê“!
Bem ali, na minha frente, ao vivo! Juntan-
ousadia era também resposta à desumaniza-
ção das grandes cidades, que perdiam cada
vez mais suas cores em meio à selva de con-
creto e aço em que se convertiam. Para além
da bela provocação, porém, Magda verda-
deiramente acrescentou um novo material
ao mundo das artes urbanas.
(Tree Cozy – Carol Hummel)
(Knitta Bus Project – Knitta Please)
do isso com algumas pesquisas na internet,
pude fazer um resumão da (até agora breve)
história desse movimento.
Tudo começou com uma americana cha-
mada Magda Sayeg, na pequena cidade de
Austin, Texas. Em 2005, ela começou a levar
sua atividade de tricotar para as ruas, naqui-
lo que se tornaria um grande questionamen-
to sobre o propósito meramente funcional a
que essa atividade tinha sido relegada. Sua
Como qualquer grande ideia que se espalha,
muitos outros significados e proposições co-
meçaram a se incorporar à atividade à medi-
da que outros grupos começaram a praticá-la.
Um deles, por exemplo, é o da incorporação
de um caráter mais feminino à dureza que
muitas vezes o grafitti carrega. Também não
AGULHAS NA MÃO E MÃOS à OBRA – A “GUERRILHA DO CROCHÊ” VAI
TRANSFORMAR A SUA CIDADE
01 fev
POst
21
barCElONabarCElONa
dá pra notar que, se a Magda Sayeg come-
çou sozinha, não foi assim tudo se espalhou
pelo mundo: outro traço inegável é o viés
coletivista que a guerrilha ganhou.
Pra se ter uma ideia, o próprio termo guer-
rilha só surgiu depois, quando começaram a
surgir as “chamadas” pela internet para re-
alização das ações. Já pararam pra pensar
no trabalho que dá tricotar o suficiente pra
cobrir uma ônibus? Por que fazer sozinho se
tem um monte de gente interessada em aju-
dar, se coçando toda pra participar de tudo
isso? As chamadas especificam o tamanho
das peças que cada um deve levar (às vezes
as cores também, dependendo do propósito
do dia), assim como o local e o horário do
“ataque”. Chegando lá, todo mundo ajuda a
juntar tudo numa coisa só, enquanto quem
deixou pra tricotar na hora fica sentadinho
aproveitando pra botar o assunto em dia
(afinal de contas, tricotar sem jogar conversa
fora é que nem sair no carnaval sem dançar).
Esse caráter coletivista eu pude ver in loco
na 4a Guerrilha do Crochê, que convocou
seus membros a trazer peças apenas da cor
verde, visando chamar a atenção para a fal-
ta de áreas verdes em Barcelona. Dessa vez
eles se juntaram com um grupo de vizinhos
que se reúnem do Bairro do Gótico para con-
versar toda terça-feira. Uma vez terminado,
o trabalho fica com esses vizinhos, numa
maneira de garantir que não seja removido
tão facilmente pela polícia.
As edições anteriores da guerrilha em Bar-
celona agasalharam a estátua do gato da
Rambla de Raval, árvores e pés de bancos (a
primeira delas, em agosto do ano passado).
Para saber mais sobre essa proposta inova-
dora e se inteirar sobre onde devem acon-
tecer as próximas intervenções pelo mundo,
visitem as páginas de alguns dos coletivos
envolvidos nessa “batalha”. Alguns deles são
realmente muito ativos, como o pessoal do
Knit The City, de Londres. Também vale a
pena se ligar no grupo canadense YarnBom-
bing, no próprio KnittaPlease (da Magda
Sayeg), sem falar na Olek, artista polonesa
radicada em Nova Iorque do vídeo abaixo.
Olha o que ela fez nessa véspera de natal
com o Touro de Wall Street!
Agora, bom mesmo é se vocês decidirem
começar aí mesmo onde estiverem. É fácil,
divertido, te ensina uma nova habilidade, cria
uma nova rede de amizades (com tempo pra
conversar), interfere e reinventa o espaço
urbano a partir do seu olhar e ainda ganha
uma cacetada de sorrisos de quem passar
por perto. A dica está dada. Agulhas na mão
e mãos à obra!
barCElONabarCElONa
Eu passei um tempo me perguntando como
cumprir a missão do #Sharing9 com as músi-
cas que a Lalai escolheu pra mim. Não queria
fazer em qualquer lugar, pra uma galerinha
no hostel ou só pra brasileiros… queria que
algumas pessoas de Barcelona mesmo sen-
tissem o que ela preparou com tanto carinho
pra retribuir o que a cidade lhe deu quando
esteve lá. Onde fazer a festa então?
A resposta veio depois que conheci um dos
lugares mais legais de Barcelona durante mi-
nha estadia. Um sítio OCUPA. Não é só um
ção e criar contatos que podem durar
para toda a vida.
Fui conhecer um deles, e conversei com
algumas pessoas. Mas foi quando fui falar
com um dos brasileiros de lá que me deu
o “click”. Eu estava falando com ninguém
menos que o Nêgo Tema! MC no Rio de
Janeiro, ele foi morar em Barcelona já
tem algum tempo, e quando contei que
o Emicida foi o primeiro a participar do
#Sharing9, ele me abriu um sorrisão: os
dois se conhecem de longa data no Bra-
sil, justamente das batalhas de MCs! Sa-
bendo disso, o Tema abriu as portas do
Ocupa pra música da Lalai, e aproveitou
a oportunidade pra mandar um “Salve!”
pro seu parceiro no Brasil. Emicida, essa
é pra você.
Esse Ocupa funciona como um After Club,
um tipo de lugar relativamente comum em
Barcelona (porém muito escondido), que só
lugar, é parte de um movimento maior que
existe em toda a Europa pela ocupação dos
espaços abandonados e sua transformação
em moradias ou em centros culturais. Na Es-
panha e, particularmente, em Barcelona ele é
bem forte, e pode-se dizer que as ocupações
são um dos maiores pontos de encontro
para a comunidade artística, especialmente
aqueles que vêm de outros países para
agitar o meio cultural da cidade. É uma
grande chance de encontrar essa “máfia
criativa” no seu momento de descontra-
abre a partir de 2:30 ou 03:00 da manhã, pra
galera que já terminou a sua primeira festa
e quer continuar. Autorização dada, marca-
mos a festa pra segunda-feira 31 de janeiro.
O quê? Tipo, madrugada de segunda pra
terça? Sim, em Barcelona não tem dia ruim
pra festa. Querem a prova? Vejam o vídeo lá
em cima. Era por volta das três e meia da
manhã quando eu filmei.
Valeu, Lalai! Com certeza você ajudou a me
dar mais um momento pra recordar dessa
viagem. Mais do que tudo, um momento pra
dividir ao vivo com muita gente, e levar um
pouquinho do Brasil pra Espanha também.
Até a próxima! Por enquanto, deixo todos
vocês com o set list de um dos mixtapes que
tocaram na festa.
Mixtape Lalai E Ola Pro Lucas Do @99novas
#Sharing9 by I’M The Machine on Mixcloud
Salve!
#SHARING9 – LALAI ANIMA A FESTA NUM OCUPA
EM BARCELONA
02 fev
POst
22
barCElONabarCElONa
Já cheguei em Milão, mas ainda tem uma
última coisa pra contar de Barcelona. Acon-
tece que na minha última noite eu tive uma
das melhores experiências gastronômicas da
minha vida, num restaurante chamado “Dans
le Noir“, e não podia deixar de falar dela.
Fui com uma amiga que disse logo na en-
trada que estava com fome, e recebeu já de
cara um escalde do maitre: “você sabe que
esse lugar é muito mais que comida, não
sabe? Aqui não é só pra comer. É uma expe-
riência sensorial e social completa”.
Pra encurtar a história, o esquema é o seguin-
te: você chega no restaurante na hora mar-
cada, senta num lounge, os donos do lugar
vêm, sentam com você, perguntam como
se tá tudo bem, batem um papo… tudo pra
você sentir que a história é personalizada e
que você não é só mais um. Depois reúnem
todos os clientes na frente de uma cortina
preta e explicam uma vez só: da cortina pra
lá, acabou a nossa visão.
Vamos em fila, uns com as mãos nos om-
bros dos outros, liderados pelos garçons, ou
melhor, guias. Guias mesmo, porque um dos
pré-requisitos para trabalhar nessa função é
do descobrir o que comemos. 90% das pes-
soas erram. É batata. Com os vinhos então…
nem se fala. É a prova derradeira de que, de-
finitivamente, comemos com os olhos.
Como eu entendi bem o espírito da coisa,
percebi que, mesmo que ninguém diga nada,
todo mundo sabe que o que comeu é segre-
do e não deve contar a ninguém. É tudo uma
questão de códigos. Manter o exclusivismo
da experiência, deixando que outros se sur-
preendam da mesma maneira. Afinal de con-
tas, como eu bem entendi em Barcelona, o
que interessa não é o que você faz, mas a
história que você conta. E nesse caso ela é
muito mais interessante com o mistério do
que com a resposta.
O jantar é no escuro. Esse post não podia ser
mais que uma silhueta.
exatamente esse: ser cego. Uma vez lá den-
tro, estamos no ambiente deles, tentando
encontrar pontos de referência nos nossos
outros sentidos pra não nos sentir tão per-
didos.
A comida chega, e fica aquela dúvida: talher
ou mão? Eu, particularmente, não pensei
muito… afinal de contas, ninguém tá olhan-
do! Então mão mesmo. É a chance de co-
mer como você nunca comeu, em todos os
sentidos. É inevitável o impulso de comentar
com o vizinho misterioso alguma coisa so-
bre o prato. Tentar descobrir o que é, divi-
dir uma impressão, qualquer coisa. O escuro
também aproxima as pessoas, uma vez que
não temos tanta informação para julgá-las e
diferenciá-las.
Qualquer instrumento que faça luz, até mes-
mo relógio, está absolutamente proibido. O
tempo também é uma experiência relativi-
zável, conforme percebemos ao sair de lá e
nos darmos conta do quanto passamos lá
dentro.
Aí vem a parte mais interessante: todos jun-
tos, sentados novamente no Lounge, tentan-
COMENDO NO ESCURO – PERDIDOS EM TODOS OS SENTIDOS.03 fev
POst
23
mILÃo
mIlÃOmIlÃO
A passagem por Milão está só começando, e
ainda preciso de mais um tempo pra come-
çar a esboçar algumas impressões. Mas pelo
menos posso dizer que essa pequena desco-
berta começou a quebrar um pouco do gelo
que o peso da tradição artística impõe sobre
o lugar. Eu estava perto da Via Brera, lugar
cheio de lojas de design e galerias de arte,
mas foi bem no meio da rua que encontrei
o artista Alfredo Brescia, e seu trabalho ao
mesmo tempo simples e bem humorado. Só
dá pra entender vendo o vídeo, então se li-
guem nos olhares.
Sempre bato palma pra quem sabe colocar
um sorriso fácil no rosto de quem passa.
É assim que o artista desarma o especta-
dor, mostrando que às vezes uma ideia bem
simples pode marcar mais que um trabalho
mega sofisticado. Em uma cidade tão cheia
de obras clássicas e museus de peso como
Milão, me surpreende esse tipo de obra, que
adiciona uma aparência de Pop Art a ícones
de quadrinhos italianos antigos (como o he-
rói de azul que infelizmente esqueci o nome)
ao mesmo tempo em que nos remete àque-
las figuras sinistras e soturnas de casarões
abandonados de filmes de terror ou dese-
nhos do Scooby-Doo.
Como o cara é legal, me deu a dica de onde
encontrar trabalhos novos assim, e é pra lá
que eu vou amanhã procurar as tendências
e movimentos novos por aqui. Por hoje é só,
mas se depender de gente feito ele, amanhã
vai ter bem mais.
UM POUQUINHO DE HUMOR PRA COMEÇAR NA CIDADE.
ALFREDO BRESCIA E SEUS PINTURAS VIGILANTES.
http://www.youtube.com/watch?v=ASIF1-083ys
MERCADORES DE ATITUDES – AUTOSUFICIÊNCIA, TROCAS E DESPER-
DÍCIO ZERO.
Mais um dia em Milão, mais uma caminhada.
Dessa vez, meus olhos foram capturados em
dois lugares. Essa é a fachada do primeiro
deles, que fica perto da Porta Genova. Você
entra tentando descobrir de que se trata, e
logo pensa, pela disposição das prateleiras,
que é uma loja de produtos naturais. Mas já
na primeira porta se estampa: não somos
comerciantes. Resolvi perguntar o que eram
então.
“Somos pessoas interessadas em fortalecer
um tipo de atitude. Nesse caso a atitude dos
pequenos produtores da realidade rural ita-
liana que buscam viver em auto-suficiência.
Não somos comerciantes porque não faze-
mos isso buscando lucro, e sim para multipli-
car essa postura, em que se produz o neces-
sário e troca-se o excedente com outros que
precisam dele. Todo mundo aqui é voluntá-
rio, e esse é um espaço de troca em todos os
sentidos.”
De fato, é um espaço de trocas. E não só de
produtos, mas de ideias também. No dia se-
guinte estava marcado um espetáculo gra-
tuito (se entendi bem, parecido com um
stand-up comedy de protesto), sem contar
04 fev
POst
2405 fev
POst
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ocupados por carros e pessoas, usar os es-
paços verticais pode ser a melhor maneira
de trazer a natureza para os grandes cen-
tros urbanos. A diferença aqui é que esse, de
acordo com o quadro a seu lado, é “o pri-
meiro jardim vertical alimentado por ener-
gia solar”, reduzindo ainda mais o uso de
energia de fontes “desperdiçadoras”, que a
produzem de maneira não-renovável e não
sustentável.
Tudo isso não está aí à toa. Tem algo empur-
rando as pessoas a repensar comportamen-
tos. E é esse algo que estou tentando desco-
brir, pra tentar ver pra onde tão indo todas
essas pessoas.
mIlÃOmIlÃO
o pequeno acervo de livros que só podemos
levar pra casa se deixarmos algum outro em
seu lugar. Além do mais, sempre que um pro-
duto está à venda, tem o seu custo de pro-
dução ao lado.
Para um estudante de economia como eu,
isso tudo soa meio fora de tom e de tem-
po (já se foi o tempo do escambo!). Para um
“trend hunter”, porém, isso é um pouco mais
compreensível, dentro de uma proposta que
busca resgatar as origens das nossas ativi-
dades. Nessa viagem pode contar menos a
semana de moda de Milão que o trabalho
de um artista marginal, de onde as grifes
vão tirar as ideias para a próxima coleção.
Coincidentemente ou não, uma das paredes
desse espaço falava exatamente disso. “Do
diamante não nasce nada. Do estrume nas-
cem as flores”.
Um grande economista chamado Thors-
tein Veblen – mais estudado pelo mundo da
moda e pela teoria da marcas do que pelos
seus colegas de profissão – dizia que, embo-
ra vivamos numa sociedade do desperdício,
não somos assim por natureza. Dedicou-se
então a estudar como reorientar o homem
no sentido da eficiência não desperdiçado-
ra que carrega dentro de si. Me parece que,
no fundo, embora por um caminho diferente,
esse é o espírito por trás da ideia da auto-
suficiência.
O que nos leva… ao segundo lugar do dia!
Quem acompanhou o blog enquanto eu es-
tava no Brasil sabe do que eu estou falan-
do, mas pra quem não viu… aqui vai mais
um Jardim Vertical. E esse nem é do Patrick
Blanc, viu?
O conceito por trás desses jardins é que,
como os espaços horizontais estão todos
mIlÃOmIlÃO
Quando vi o cartaz na rua anunciando que nesse final de semana o centro de convenções de
Novegro sediaria um festival exclusivamente dedicado à cultura dos quadrinhos e games pen-
sei: Opa! Tá aí uma chance de ver como a galera da Itália se identifica com isso tudo, como se
envolve com essa cultura numa festa onde é permitido ser quem você quiser, encontrar pesso-
as igualmente fanáticas por algo, trocar informações e se divertir.
E não deu outra. Todo mundo ali é apaixonado por algum desenho, e usa a oportunidade pra
extravasar essa verve ao máximo. Os cosplays estavam perfeitos! Alguém aí nunca ouviu falar
de cosplay? São as pessoas que se vestem como seus personagens favoritos, sejam eles de
quadrinhos, games, filmes, livros, rpg, curtas e atualmente até hits do YouTube (afinal de con-
tas, quem gosta de quadrinhos não gosta só de quadrinhos). Criatividade é o que não falta pra
isso, e sendo em Milão, já era de se esperar que a produção dos figurinos fosse elaboradíssima.
O resultado podia ser visto na “passarela do Cosplay”, onde aconteceu um campeonato de
verdade pra escolher a melhor caracterização, nas categorias individual e coletiva. Era onde o
FESTIVAL DEL FUMETTO – OS QUADRINHOS GANHAM VIDA NO CEN-
TRO DE CONVENÇÕES DE MILÃO
festival mais bombava! Pra ser bem sincero,
fiquei até meio sem graça de estar à paisa-
na no meio dessa galera toda e tentei dar o
migué de fechar o casaco e botar os óculos
pra ver alguém acreditava que eu era o Har-
ry Potter… mas perto dessa galera não colou
muito não.
Como o espaço era dividido principalmente
entre quadrinhos e games, a galera do inte-
rativo também pôde se esbaldar. Campeo-
nato de futebol com narração ao vivo e co-
mentários pertinentes foi só o começo. Pros
fãns do Guitar Hero (aqui escreve um deles)
tinham a banda completa pra jogar todo
mundo junto. Depos de cansar do jogo, a
gente podia dar uma pausa pra escutar uma
banda de verdade tocar com aquela incon-
fundível pegada de videogame no ar.
Agora o que eu não conhecia e que fiquei
encantado mesmo foi a febre dos Cuponk!
O objetivo é encaixar uma bolinha de ping
pong no copo, só que é ela que tem que fa-
zer todo o percurso da mão até o copo, ba-
tendo e rebatendo em todos os lugares no
caminho. Esse stand estava lotado de gen-
te tentando repetir alguma proeza como as
desses caras aí.
(P.S.: Cuponk é legal, but do you want the
real thing? Vejam esse malabarista, Tim No-
lan)
07 fev
POst
26
mIlÃOmIlÃO
Como cada lugar tem o seus favoritos regio-
nais, aqui não podia ser diferente. Confesso
que me senti meio que (muito) velho quando
vi que Cavaleiros do Zodíaco eram só bone-
quinhos relegados à uma pequena prateleira
e Dragon Ball Z não era nem mais parte do
vocabulário. O que empolga mesmo na Itá-
lia no momento não é outra coisa: NARUTO.
Quando o apresentador do consurso come-
çou a citar desenhos pra ver a empolgação
da galera, parecia que estava no Rio falando
“Botafogo. Vasco. Fluminense. América”…
até o momento de explodir o lugar chaman-
do “Flamengo”! É nesse nível que o Naruto
tá com o público italiano.
Pra encerrar, decidi me aventurar numa aula
de japonês nível básico. Só esqueci que era
uma aula de japonês em italiano… porque o
negócio é se jogar. Por ora me despeço dei-
xando vocês com mais algumas fotos da fei-
ra, principalmente dos cosplay mais incríveis
que já vi (incluindo os vencedores do dia).
Quem quiser saber mais sobre quadrinhos,
tiras e cartoons pode visitar o blog HQ Fan,
em português, onde tem muito material in-
teressante.
Chegando em Milão fiquei sabendo de um
coletivo italiano chamado IOCOSE. Embora
realizem a maioria de suas ações por aqui,
foi na Tate Gallery de Londres, no último dia
31 de janeiro, que eles atuaram pela última
vez, por cima da obra “Sunflower Seeds”, de
Ai Weiwei. A intervenção foi batizada, muito
apropriadamente, “Sunflower Seeds on Sun-
flower Seeds”.
A obra inicial consistia em preencher com-
pletamente uma parte do hall da galeria com
milhões de sementes de girassol, todas feitas
de porcelana e pintadas à mão para parecer
NEM CACHIMBO, NEM SEMENTE DE GIRASSOL – OS ITALIANOS DO IO-
COSE PROVOCAM MAIS UMA VEZ.
o máximo possível com sementes reais. Ori-
ginalmente, a intenção do artista era refletir
sobre a questão da escala industrial do fe-
nômeno do “made-in-china”, afinal de con-
tas, todas as sementes foram feitas na China
pelas mãos de artesãos cuidadosos que as
pintaram e esculpiram uma por uma. Mas o
IOCOSE viu mais que isso.
Focando na declaração de Ai Weiwei de
que “o que você vê não é o que você vê,
e o que você vê não é o que significa”, os
quatro rapazes se encaminharam à galeria,
08 fev
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27
mIlÃOmIlÃO
devidamente munidos de estilingues e um
monte de sementes de girassol verdadeiras
que compraram na vendinha do lado. Uma
vez de frente pra obra, começaram a atirar
suas sementes nas de porcelana que já es-
tavam lá, e completaram a ação trocando a
placa do hall por uma nova que dizia “IOCO-
SE: Sunflower Seeds on Sunflower Seeds”,
reivindicando sua autoria.
Reboliço passado, o grupo mandou uma
mensagem dizendo que a obra continua
igual, pois as sementes reais e falsas são in-
distinguíveis entre si. O que raios eles que-
rem com essa ação então? Como quase
nada nesse mundo é original, vamos lembrar
de Magritte pra entender isso, com uma pro-
vocação que ele fez século passado.
(Isto não é um cachimbo)
Aparentemente contraditória (como assim
isso não é um cachimbo?), a frase é verda-
deira por motivos óbvios: não é um cachim-
bo, é um desenho. Na obra do Ai Weiwei
também: nenhuma das peças são sementes
de girassol, são porcelana. Mas e o IOCOSE?
Depois que eles atiraram lá, alguma semen-
tes passaram a ser, de fato, de girassol. E aí?
Como fica? Muda alguma coisa?
A questão realmente importante aqui, a meu
ver, é que existe uma diferença muito gran-
de entre ver o objeto terminado e conhecer
o processo até ele ficar pronto. Olhem pra
instalação do chinês antes e depois do dia
31: não mudou nada. Mas se escutarem a his-
tória da interferência italiana não têm como
dizer que não mudou nada: enquanto obra
de arte ela mudou porque o processo dela
mudou. A ponto de ganhar uma placa nova
na entrada (com aprovação do artista chinês
e tudo, diga-se de passagem!).
Um post inteiro pra só pra dizer que “arte
não é só resultado, é processo”? Sim. E
tem uma razão pra isso. A gente percebe ao
longo da viagem que tendências de verda-
de não se restringem a um campo só, elas
transbordam pra todos os lados. E essa de-
claração banal é o eixo orientador da ten-
dência sobre a qual escrevo no próximo
post de amanhã (meu aniversário), em que
uso como referência as discussões sobre o
futuro do design para mostrar como ele é
o melhor exemplo do maior movimento que
vi até agora por todos os lugares por onde
passei. Até amanhã então!
(Agradecimentos especiais à Anna Triboli,
que conheci em Barcelona e que mostrou o
IOCOSE. Ela escreve para o Pop-Up City e
para o The G. Canyon in a Crack, seu blog
pessoal.)
mIlÃOmIlÃO
Nessa fonte inesgotável de frases de efeito
que é o twitter, encontrei uma que dizia que
“o que a gente não entende pode significar
qualquer coisa”. Como estou prestes a escre-
ver sobre um mundo que não domino com
a pretensão de dizer alguma coisa sobre o
seu futuro, fiquei um pouco intimidado, não
vou mentir. Mas o negócio é dar a cara a
tapa mesmo e arriscar tentando acertar, en-
tão aqui vai o resultado da minha pequena
incursão no mundo do design em Milão pra
mostrar como ele reflete muitíssimo bem as
tendências que estou observando por aqui.
Começando didaticamente pelo começo,
responder “o que é design?” já parece difícil
porque muitas vezes os designers preferem
dizer o que ele não é em vez do que ele é
de fato. Mas pelo menos em uma coisa eles
parecem concordar: design é projeto. Eu
adicionaria que é comunicação, então terí-
amos que o designer, a partir de uma pro-
posta, projeta formas e cores pra que o seu
trabalho expresse, por meio da experiência
do usuário, exatamente o que essa proposta
quer dizer. Acho que assim fica claro que ele
não existe no vácuo: está sempre a serviço
de algo, buscando cumprir um objetivo.
O ponto é que esse objetivo muda o tempo
todo. Vamos a alguns exemplos pra mostrar
como a observação do design nos permite
ver não só o resultado do seu trabalho, mas
sua origem, e como ela reflete o seu tempo.
Com certeza alguém aí já ouviu falar em de-
sign para reduzir os obstáculos na vida de
comunidades. Um bom exemplo desse mo-
vimento é o trabalho do Design for the other
90%, que, a partir da constatação da difi-
culdade das pessoas em coletar água muito
longe de suas casas e voltar com os baldes
cheios na cabeça, projetou um recipiente
de forma muito simples para facilitar o pro-
cesso: uma rosquinha. As pessoas enchem a
rosquinha (batizada Q-Drum) com água na
fonte, e depois, simplesmente, rolam ela de
volta pra casa com uma corda, sem ter que
carregar peso nenhum. Seguramente o obje-
tivo funcional da redução do esforço desne-
cessário foi atingido.
Mas… e se a redução de esforço deixasse de
ser um objetivo? É isso que está acontecen-
do exatamente agora em muitos lugares do
mundo! Cresce cada vez mais a percepção
de que o movimento em direção ao mínimo
de esforço e ao máximo de conforto criou
uma humanidade sedentária e doente. E aí,
como fica a ergonomia do Q-Drum?
Para incorporar os novos objetivos que esse
movimento põe na mesa, surgem projetos
onde a experiência do usuário inclua algum
esforço, por mais simbólico que seja, ou ao
menos alguma interação mais ativa na sua
interface com o objeto projetado. E aí come-
ça a ficar interessante mesmo, porque movi-
mentos afins começam a se encontrar…
Por exemplo: existe um certo fetiche no ar
pela sensação táctil, pelas interfaces antigas
(como o livro, o vinil, as máquinas fotográ-
ficas de filme…), pela moda vintage (o que
mais tem em Barcelona, por exemplo, é loja
retrô e de roupas de segunda mão), pelo tra-
balho feito à mão, entre outros. Quando o
espírito do “do something” no design encon-
tra o nicho de resistência às novas interfaces
tecnológicas cada vez menos tácteis, sur-
gem coisas como o presente de aniversário
que ganhei de um designer italiano ontem:
meu “facebook” manual personalizado!
O DESIGN MOSTRA A QUE VEIO – PARTE 1 (“DO SOMETHING”, BUT DO
IT “OLD FASHIONED”)
09 fev
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28
mIlÃOmIlÃO
Como toda pequena grande ideia, a propos-
ta é simples: para lembrar de alguém que
conhecemos, desenhamos um ou dois tra-
ços que mais nos marcaram e escrevemos
embaixo o que mais nos interessa: frases,
impressões e informações de contato (até
mesmo o facebook de verdade se quiser-
mos). É fácil de carregar, confortável, útil…
tudo que um smartphone é, e ainda funciona
como “base de dados para reconhecimento
de imagem” quando temos aquela sensação
de que “eu te conheço, mas não lembro de
onde…”. O ponto mais importante, no en-
tanto, é a questão de nos colocar no papel
ativo de criar informações de contato, per-
sonalizadas, em vez de encontrá-las prontas
quando se digita um nome num campo de
busca. Afinal de contas, pra que tanta pres-
sa de adicionar alguém se podemos guardar
impressões mais interessantes e pessoais e
dali a pouco, em vinte minutinhos, chegar
em casa pra adicioná-la “de verdade”?
Embora eu pudesse passar horas falando de
outros movimentos no design, como o Total
Experience Design, e de como isso se con-
funde com o marketing empresarial (caso de
uma companhia aérea que encomendou um
projeto que abarcasse absolutamente TUDO
da experiência do usuário, para que TUDO,
desde a compra da passagem, passando
pela chegada no aeroporto, embarque, co-
mida no avião, retirada de bagagem, entrada
na cidade, e até atendimento ao consumidor,
refletisse a ideia que a empresa queria pas-
sar de si mesma, o conceito que queria dar
para a marca), acho que já é hora de focar no
que realmente interessa.
O movimento mais relevante vai estar na
Parte 2 desse post, que vai ser publicado as-
sim que eu voltar pro hostel mais tarde.
Estou falando aqui de objetivos do design,
das suas transformações recentes e de que
tipo de movimento está tomando conta
dele agora. Em posts mais antigos também
já falei do “know your own stuff” spirit, essa
sensação de incômodo com a maneira as-
séptica com que muitos produtos chegam
nas nossas mãos, refletindo-se diretamente
numa busca por conhecer as origens do que
adquirimos. Chegou a hora de juntar os dois.
Foi o que fiz depois de visitar o prédio da
Trienal de Design de Milão. Fui dar uma con-
ferida no que estava acontecendo, muito
O DESIGN MOSTRA A QUE VEIO – PARTE 2
(FUNCOOLDESIGN)
mais com os olhos de um curioso que procu-
ra algum lampejo interessante do que com a
pretensão de sair de lá conhecedor de qual-
quer coisa. Devo dizer então que a visita foi
muito proveitosa. A primeira exposição se
chamava, vejam que curioso, FunCoolDe-
sign, e decretava que o design da maneira
como o conhecemos, associado à harmonia
de forma e função, não existe mais. Ele esta-
ria progressivamente perdendo sua relação
com os fins em favor dos meios, um traço tí-
pico da tal pós-modernidade que os teóricos
costumam chamar de “mediocridade”.
10 fev
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29
mIlÃOmIlÃO
Mas como é que se percebe isso? Na expo-
sição Graphic Design Worlds, por exemplo,
havia um espaço para assistir entrevistas
gravadas com os expositores onde se podia
vê-los respondendo perguntas como “qual
o futuro do design gráfico?”, e algumas das
respostas eram particularmente importan-
tes. Um dos entrevistados chegou a declarar
que o grande papel desse campo atualmen-
te é atrair a atenção pra algo que alguém
quer comunicar, enquanto outro expositor
defendia que a maior meta que a disciplina
pode almejar hoje, para além da resposta en-
comendada pelos clientes, é a de adicionar
comentários, ironia ou humor ao trabalho.
Se ironia, comentário e humor são meios,
temos que as finalidades estão sumindo ou
se convertendo apenas nos interesses dos
clientes. Esse é um ponto central do Fun-
CoolDesign: ele está perdendo sua vocação
funcional e se transformando num promotor
de vendas, algo que adiciona valor a uma
marca. O design passa a ser compreendido
cada vez mais como parte e parcela do que
é “estiloso”, aproximando-se muito mais da
moda do que de suas proposições originais.
Dessa forma chegamos ao ponto de que, se
antigamente centros como o Bauhaus pri-
mavam pela elegância da funcionalidade,
hoje a característica que mais se almeja para
um projeto é a da “sacação”, isto é, a de ga-
rantir o seu caráter de algo cool, diferente ou
inédito através de uma ideia “fora da caixa”,
de preferência divertida, que vai ser associa-
da a ele.
Em poucas palavras, a questão é surpreen-
der o usuário, e nada vale mais do que o sor-
riso de “nossa, que sacada!” no rosto dele.
A ideia vale mais que as qualidades intrínse-
cas do objeto. Prestem atenção porque isso
não é banal. O que é a ação do IOCOSE dois
posts atrás senão isso? Tanto é assim que o
trabalho não morre na obra: tem que virar
vídeo (e espetáculo) pra mostrar o processo
e o trajeto da ideia.
Dei uma volta enorme pra chegar onde que-
ro, mas cheguei. Esse é o ponto em que o
novo movimento do design serve para ilus-
trar a valorização das ideias surpreendentes
e divertidas, enquanto o afã de compreender
a origem do que adquirimos nos impulsiona
a conhecer a trajetória dessas ideias e gran-
des sacadas. Tudo isso junto resulta num va-
lor cada vez maior dado aos processos em
relação às obras terminadas, e acho que é o
mais longe que posso chegar com meus par-
cos conhecimentos de design sem começar
a me meter a galo cego por aí. Quem qui-
ser saber mais, pode mandar um email pra
minha amiga designer Maira Moura Miranda
([email protected]), sem a
qual esses posts teriam sido impossíveis. Va-
leu, Mamá!
mIlÃOmIlÃO
Em meus últimos dias em Milão conheci
muita gente, mas com certeza foram Ilaria e
Pietro que me capturaram mais. Eu poderia
escrever dois ou três posts só sobre o que
eles tinham pra me mostrar e mais um pra
contar que foram eles que levaram o presen-
te do #sharing9 na Itália, mas como o tempo
é curto, vou condensar tudo num só e tentar
dar esse gostinho pra vocês.
Cheguei até Ilaria por indicação de Anna
Triboli, blogueira que conheci em Barcelona
enquanto cobríamos a ação da Guerrilha do
Crochê. Ela trabalha numa livraria chamada
121+, que tinha a proposta de ser a primeira
livraria temporária de Milão, inaugurada com
data certa pra fechar, 121 dias depois. O único
problema (problema?) é que o espaço deu
tão certo (afinal de contas, é um dos únicos
em Milão onde pode-se encontrar livros bons
de arte contemporânea e design em alguma
outra língua que não italiano) que quando
acabou o prazo ninguém queria mais que ele
fechasse. Foi aí que mudou o nome de 121
para “121+: livraria extemporânea”, e seguiu
adiante com suas atividades.
Uma delas foi criada justamente pelo Pietro
(marido de Ilaria). Um ano atrás, ele tinha
sido convidado a realizar alguma ação com
livros antigos para a ArteLivro, feira especia-
lizada em livros de arte na Itália. Foi aí que
ele veio com uma ideia nada convencional:
- Já sei! Vamos destruí-los! Depois a gente
faz um livro novo com os pedaços que so-
braram.
Como alguém que trabalha numa editora de-
cide fazer uma coisa dessas? Fui lá conferir,
e vi que a ideia é bem legal mesmo. Em pri-
meiro lugar, sim: destruir dá mesmo um pra-
zer imenso, e parte da justificativa para fazer
isso com os títulos antigos é justamente dar
uma “refrescada” na cabeça… Mas se fosse
só isso seria meio besta. A questão toda é
que há uma metodologia da destruição: na
verdade, não é exatamente destruir… é des-
montar.
Antes de se entregar ao prazer da tarefa, Pie-
tro explica como é a estrutura de cada livro,
como se unem os grupos de folhas, que tipo
de material se usa para cada tipo de enca-
dernação, como as capas-duras são fixadas
no corpo do livro… e só aí cada um começa
a desfazer o seu, como se desmontássemos
uma máquina de lavar pra entender como
ela funciona. Uma vez separadas as folhas
(e tenho que admitir que usar um ralador de
queijo pra isso foi surpreendente), as junta-
mos novamente para compor algumas pági-
nas enormes. Ainda temos que aprender a
usar uma agulha pra costurar tudo, mas, com
muitas mãos trabalhando juntas, fica muito
rápido.
Eu tinha falado, uns dois posts antes, de uma
DESTRUINDO LIVROS PRA ENTENDÊ-LOS AO CONTRáRIO E #SHA-
RING9 – CAMISETERIA DE PRESENTE PRA PIETRO E ILARIA
11 fev
POst
30
mIlÃOmIlÃO
menos que Wilson (do Náufrago) tocando violão. Do jeito que pode. Foi também um agradecimento
pelo presente que ele tinha me dado, o meu “facebook” manual personalizado, de que falei aqui tam-
bém. Valeu, Camiseteria!
Saí de lá com uma certeza só: a questão toda é conteúdo. Se tiver, ótimo, é só aproveitar a forma da
melhor maneira possível. Se não tiver… só lamento, não vai ter forma nenhuma que te mantenha de pé.
Agora tchau, Milão! Paris já tá na área
frase que diz que “o que a gente não conhe-
ce pode significar qualquer coisa”, e, a meu
ver, esse é o espírito por trás do workshop:
uma vez que a gente entende como um livro
é feito, passa a dar mais valor a ele, é como
se ele ganhasse um conteúdo a mais quan-
do o olhamos (a forma) e isso nos aproxima
muito mais do que poderíamos pensar que
a ideia da destruição poderia afastar. Por
mais estranho que seja, destruindo uma obra
Pietro ajuda a impedir que ela perca seu pú-
blico, muitas vezes iludido por um discurso
que decreta a morte do livro com a mesma
frequência com que se decreta a morte da
pintura e ela continua no mundo todo.
Assim como a pintura se reinventa e segue, o
livro só vai morrer se não souber se reinven-
tar. Se o workshop é um chamariz, a prática
da editora Corraini é que é o exemplo, a par-
tir da criação de iniciativas como a Sedicesi-
mo (uma revista mensal em que cada edição
é de delegada completamente a um artista
diferente, com total liberdade de pauta, esti-
lo, o que quiser). Ele tem 16 páginas pra usar
e pronto. O leitor pode amar uma edição e
detestar a outra, mas a questão é fazer dos
livros plataformas mais livres e capazes de
tratar com criatividade visual conteúdos que
não podia tratar sem essa liberdade. Sem
perder o prazer, a calma e o isolamento con-
templativo que só um livro pode dar.
E foi pensando nesse prazer solitário que dei
de presente ao Pietro a camisa da Camisete-
ria. A estampa se chama “…Lonely People”
como na música dos Beatles, e traz ninguém
PaRIs
ParIsParIs
Dando prosseguimento à busca por 9 pre-
sentes pras 9 cidades, fui visitar o artista
ilustrador Raphael Sonsino. Rapaz… que vi-
sita foi essa??? Eu sei que tô aqui pra falar
do cara, mas a vó dele é tão incrível que eu
fiquei dividido hehehe. Nossa… ela tinha pre-
parado doces de chocolate, rechados de tru-
fa e envolvidos em marzipan, biscoitinhos e
minitortelettes de nozes e ainda tinha esfiha
e salgadinhos pra oferecer. Me ganhou fácil!
Mas enfim, voltando ao Sonsino… ele faz um
trabalho de ilustração muito bom mesmo!
Tem um traço muito característico que suge-
re muito mais significados do que os que a
gente pega na primeira olhada. Faz tanto pe-
quenos trabalhos, como o que estou levando
pra Paris, quanto grandes murais, como esse
aí em baixo:
Vejam aqui o momento em que ele me en-
tregou o presente:
O Rafael começou já bem cedo a desenhar,
criança mesmo. Influência familiar da avó
(pintora também)? Talvez, como ele mesmo
admite. Mas suas linhas são absolutamente
distintas. Suas ilustrações são fruto de um
processo natural de expressão que na maio-
ria das vezes não é projetado antes: ele se
coloca na frente do papel, começa e deixa o
desenho tomar o rumo do que está se me-
xendo na sua cabeça naquele momento. O
resultado final é uma obra com várias pos-
sibilidades de leitura, mas todas com uma
mesma força que advém desse momento
criativo.
Minha missão é levar o quadro pra um bar,
restaurante ou café em Paris. Tenham certe-
za que muita gente vai se importar menos
com a demora do pedido se o quadro estiver
por lá.
Mais trabalhos dele:
Para saber mais e entrar em contato, acesse:
http://www.sonsino.com.br/
@Sonsart
#SHARING9 – PARIS – RAPHAEL SONSINO11 fev
POst
31
ParIsParIs
Assim como em Milão, a primeira coisa que
a gente nota quando sai na rua são os seus
artistas. Afinal de contas, eles que dão vida
a esses espaços e capturam nosso olhar pra
outro jeito de usá-los. Se o primeiro dia for
num final de semana em Paris então… a ofer-
ta é inesgotável.
Pra começar, saindo do hostel e virando a
esquina eu já dou de cara com essa banda
maravilhosa tocando ao vivo numa pracinha.
Falar que a música é boa é uma coisa, mas
colocar pra escutar é melhor. Então apro-
veitem pra dar uma olhada no que aconte-
ceu quando um casal que estava assistindo
a apresentação se empolgou e decidiu co-
meçar a dançar também. Eles realmente não
eram contratados pela banda (tanto que no
final foram até dar cartãozinho pra banda
pra tentar fazer algum coisa juntos). Eram,
até então, meros passantes que gostaram
do que ouviram e decidiram ir um pouco
além da admiração contemplativa, somando
um pouco da sua arte àquela apresentação e
criando quase um flash mob pessoal.
Esse aqui também é mais um transformando
um espaço, nesse caso o chão, em algo mais.
Pequeno desse jeito, podem até pensar
que esse post é da categoria”encher lingui-
ça” por falta de assunto, mas não é o caso.
Na verdade ele é introdução pro de amanhã,
que vai falar de um tipo de iniciativa que ab-
sorve os elementos da inovação tecnológi-
ca e da interatividade pra propor um com-
portamento completamente novo frente ao
espaço da cidade e reinventar a relação de
cada um com ela. É muito interessante mes-
mo! Mas podem deixar que isso eu conto em
todos os detalhes amanhã.
INTRODUZINDO PARIS POR SEUS ARTISTAS DE RUA –
SÓ PRA COMEÇAR.
11 fev
POst
32
ParIsParIs
Todo mundo fala de Paris como a cidade do
amor, então era de se esperar que no dia de
São Valentin (dia dos namorados!) algo de
muito bom acontecesse aqui, certo? Certís-
simo: a agência Sans Interdit Arts organi-
zou um evento que une numa mesma ação
a divulgação de artistas pouco conhecidos
ou à margem do grande circuito, um passeio
agradabilíssimo para os casais pelo centro
de Paris e uma proposta de interação com
o espaço urbano muito legal. Tudo isso foi
chamado de “Paris, Je t’aime = parcours ar-
tistique en forme de couer”.
às 19h dos dia 14, um grupo de pessoas par-
tiu da Île de Saint Louis para fazer a pé um
percurso em forma de coração pelas ruas de
Paris. Durante o trajeto, elas deveriam procu-
rar os sinais que ajudariam a encontrar nas
vitrines das lojas, farmácias e cafés as obras
visuais do grupo de artistas franceses que
integraram o projeto. Boa parte dos traba-
lhos era de pinturas e ilustrações, mas tam-
bém podia-se achar fotografia e até moda
via personalização de tênis – sempre com
alguma temática relacionada ao “dia dos
amantes”.
Pra quem está apaixonado tudo isso já é
maravilhoso! Mas tem ainda um outro pon-
to ainda mais interessante sobre isso tudo.
Se passear bem acompanhado pelo centro
apreciando o olhar de outras pessoas sobre
o grande tema da noite já é legal, fica ainda
mais com a sensação da busca, como se es-
tivéssemos fazendo uma verdadeira explora-
ção pela cidade atrás de pequenos tesouros
que só quem olha com cuidado encontra. É
essa sensação de virar “dono da cidade” que
cresce cada vez mais por todos os cantos.
Se a gente olhar direitinho, vai ver que tem
um monte de outras iniciativas seguindo esse
mesmo caminho É o caso do Chromaroma,
por exemplo. Imaginem que andar de me-
trô pudesse se transformar num jogo onde
cada estação conquistada te desse pontos e
destravasse novas informações sobre luga-
res por onde você passa. Juntem isso com a
possibilidade de criar uma equipe para ver-
dadeiramente competir pra ver quem con-
quista mais localizações pela cidade. Agora
eu já posso contar que isso é exatamente o
que está acontecendo em Londres.
A ideia é simples: cada vez que o passageiro
chega em uma estação, ele usa o seu cartão
de transporte público para passar pela ca-
traca, certo? Isso gera um registro no siste-
ma do jogo, e a partir desse momento o seu
trajeto passa a ser monitorado até o próximo
ponto onde ele utilizar o cartão. Quando ele
chegar em casa (e se tiver um smartphone
nem precisa disso), seu percurso já vai es-
tar disponível para visualização online, e vai
ser baseado no tipo de deslocamento que
ele teve pela cidade que serão destravados
os extras que o jogo oferece, desde histórias
sobre cada local até mesmo algumas “mis-
sões”, que têm de ser realizadas sempre em
“OWN YOUR CITY” POR ONDE PASSAR E SEJA DONO DE TODO LUGAR.11 fev
POst
33
ParIsParIs
dência tecnológica (o que existe é inovação
tecnológica estimulando ou fortacelendo
comportamentos), e se eu acho interessan-
te falar do “Paris je t’aime” e do “Chroma-
roma” é porque a ideia do “own your city” é
um ponto fortíssimo para os próximos anos.
É o que permite evitar a sensação de peixe
fora d’água que só repete trajetos que todos
já fizeram pelas vias que todos já conhecem.
Se você é “dono” de um lugar, escolhe o ca-
minho que quiser, e pode decidir qual é a
melhor maneira pra desenhar a sua própria
“trajetória”, para que ela tenha a “sua cara”.
(Perceberam agora o sentido simbólico de
ter a sua trajetória traçada nos mapas inte-
rativos do metrô?)
É aí que a gente vê que tudo se amarra, e que
exemplos como o daquele bar de Barcelona
– que na verdade era sede de uma agência de
viagens que oferecia passeios não turísticos,
dava aulas de drinks e às vezes até ensinava
a fazer comida catalã – não são pontos tão
fora da curva assim. Quem percebeu que o
grande trunfo é fazer o visitante se sentir um
explorador está no conjunto dos pontos que
entenderam o desenho que a curva ainda vai
ter e começaram eles mesmos a desenhá-la.
Em outras palavras, se, como eu escrevi aqui
antes, a grande questão é mesmo colecionar
histórias e ter sempre cada vez mais “exclu-
sividades pra compartilhar”, não tem como
escapar. Definitivamente, o Own your city
chegou pra ficar.
determinado espaço de tempo em um de-
terminado lugar e, pelo menos pra mim, são
a melhor parte do jogo.
No blog do pop-up-city eu fiquei sabendo
até que uma delas abre toda uma série de
outras missões relacionada aos lugares mal
assombrados de Londres, e só dá os pontos
ao jogador se ele aparecer nas as estações
onde isso acontece entre 11 da noite e uma
da manhã, dentro do prazo que o jogo de-
termina.
Como se pode ver, não estamos falando só
de uma diversão a mais para o passageiro
habitual, mas de uma nova alternativa de in-
teração com o espaço urbano, partindo das
possibilidades que a tecnologia oferece para
estimular novos comportamentos a partir da
interatividade digital. A ideia do “play the
city as you travel” tanto aumenta a experiên-
cia de uma viagem cotidiana quanto estimu-
la uma atitude exploratória que pode levar o
usuário à descoberta de lugares que talvez
nem sequer soubesse que existiam, e isso é
o grande trunfo da história toda.
Eu não estaria falando disso se não pensasse
que é mais do que uma “legalzisse”. Eu já dis-
se aqui que não existe essa história de ten-
ParIsParIs
No vídeo pra ganhar o concurso eu já tinha falado que uma caminhada no parque pode te
ensinar tanto quanto uma noite numa biblioteca. Como o que mais fiz até agora foi caminhar,
resolvi que era hora de parar numa livraria e procurar lá mesmo algumas novidades. O esforço
se pagou e eu saí de lá com dois livros na mão.
O primeiro deles é de um desenhista francês chamado Muzo (ou, pelo menos pra sua mãe,
Jean-Philipe Masson), que acabou de publicar um coisa tão boa que eu até comprei. Todo
mundo faz aquele balanço de fim de ano em janeiro, certo? Ele também fez o seu, mas não
qualquer um: depois de uma longa pesquisa, juntou 365 notícias de mortes do ano passado,
decidiu ilustrar cada uma delas, e publicou um livro.
Um pouco bizarro, não? Eu também pensei
nisso, mas depois que comecei a olhar os
desenhos e ver as sacadas geniais do cara,
me lembrei que humor realmente não deve
ter limites nunca. Pra falar a verdade, essa
história de misturar temas pesados com um
tom extremamente “soft” tá meio em voga
mesmo…
Um pouco antes de sair do Brasil, por exem-
plo, eu já tinha assistido um filme dos mes-
mos produtores de Pequena Miss Sunshine
(não por acaso chamado Sunshine Cleaning,
ou “Trabalho Sujo” na versão brasileira) que
fala de duas irmãs abrindo um negócio no
ramo de limpeza e remoção de material de
cenas de crime. Vamos combinar que defun-
to é uma das coisas mais corta-tesão que
existem, então não dá pra ignorar o esforço
hercúleo que é transformar esse jegue em
alazão, utilizando-se do tema da morte como
plataforma pra uma obra que faz sorrir.
(Morte de Dorothy Height, integrante histórica do movimento dos direitos
civis, ao lado de Martin Luther King. Ela dedicou sua vida a lutar pela igual-
dade.” – No balãozinho, MLK pergunta “você não é negra, pelo menos?”)
Mas o que é que leva alguém a tratar desse
tema? O que que a morte tem de tão interes-
sante pra vir à tona assim? Pra que tipo de
coisa se quer chamar a atenção? Conforme o
próprio autor declara nessa entrevista para a
Radio Europe1, a primeira razão vem de uma
certeza óbvia, a de que ela é a única coisa
que nos torna verdadeiramente iguais. Não
UMA MORTE POR DIA – ESSA VIAGEM SÓ SE FAZ UMA VEZ.15 fev
POst
34
ParIsParIs
existe nada que nos aproxime mais que essa
certeza. No entanto, geralmente a morte de
uma “celebridade” nos atinge com muito
mais intensidade do que a de um desconhe-
cido, e talvez não devesse ser assim (afinal
de contas, morto é morto).
Ao ilustrar as mortes de pessoas desconhe-
cidas junto com as das celebridades, Muzo
lhes dá a fama que não tiveram em vida,
colocando-as, ao fim e ao cabo, no mesmo
patamar dessas celebridades. No final das
contas, o livro mostra que morrer pode dar
status! Esse é o ponto essencial da questão:
tudo depende da maneira que você sai de
cena… e sabem por quê?
Porque essa é uma aventura que ninguém
repete. De todas as histórias que a gente
pode juntar pra contar, nenhuma chega per-
to desse nível de exclusividade.
Caminhando com duas amigas pelo bairro de Marrais, me deparei com uma lojinha de souve-
nirs. Foi o olhar afiado de Batatinha (que consegue enxergar um pedaço de Tag a 500 metros
de distância meio segundo depois de virar a esquina) que fez com que a gente entrasse, ao
perceber, no canto da loja, umas bolsas completamente cobertas por graffitis, numa técnica
de impressão onde cada pixel é marcado diretamente no tecido, como se ele mesmo fosse o
muro. Muito bonito, interessante, tudo isso, mas o que eu não conseguia explicar pra mim mes-
mo era por que, numa cidade tão repleta de graffiti como Paris, todas as imagens usadas eram
de muros de… Hong Kong.
Pensei comigo mesmo: aí tem. E tinha: a dona da loja nos encaminhou para a galeria-loja onde
o trabalho do fotógrafo estava exposto, e foi aí que eu encontrei a ChinArt, onde não só desco-
bri novos trabalhos com também uma nova maneira de ver o Oriente no Ocidente.
Sinceridade aqui, galera: em que vocês pensam quando alguém fala da China? “Made-in-China”,
condições desagradáveis de trabalho, cópias em escala industrial de tudo que o ocidente faz?
POST 35: PARIS, CHINA. – ASSOCIAÇÃO FRANCESA CHINART QUER
TRANSFORMAR A MANEIRA COMO VEMOS O ORIENTE.
17 fev
POst
35
ParIsParIs
Foi por isso que a ChinArt surgiu, como uma
associação de apaixonados pela China que
queriam mostrar que essa é uma imagem
muito distorcida do que ela realmente é.
É impressionante como um país que cresce
mais rápido que chuchu em pé de serra con-
tinua uma interrogação tão grande na nossa
cabeça. A idealizadora do projeto sabe dis-
so, e foi pra quebrar esse gelo que escolheu
o formato de loja-galeria. A ideia da ChinArt
não é só vender um trabalho: é convidar o
público a mergulhar nesse universo desco-
nhecido, e é por isso que a loja troca tudo
que põe à venda todas as vezes que troca de
exposição. “Não é como achar um chaveiri-
nho bonito numa prateleira de loja, sem ter
contato nenhum com o universo do artista.
Primeiro você se encanta (e a experiência
tem que ser completa). Depois leva pra sua
casa sabendo de onde veio.”.
Ela defende que, se essa imagem caricatu-
rizada da China existe, é porque nós os for-
çamos a ser assim. A associação existe pra
mostrar que quando os chineses fazem al-
guma coisa para si mesmos, e não para ven-
der ao mundo, demonstram o quanto são
criativos, supreendentes, encantadores e
fascinantes. É esse universo criativo que ela
acredita que não pode mais ficar restrito às
fronteiras do país: vai transbordar daqui a
pouco com a mesma força com que o país
cresce economicamente.
Antes de me despedir e deixar vocês com
algumas imagens da exposição atual (Cho-
colate Rain) na fanpage da galeria, queria só
dividir mais uma impressão. Eu já falei aqui
da questão do exclusivismo, do segredo, de
só “botar na roda” aquilo que ninguém pode
repetir. Aqui acaba de aparecer o primeiro
choque oriente x ocidente. Se por aqui essa
tendência aparece como resposta ao com-
partilhamento sem precedentes das redes
sociais (tentando manter o status a partir
do exclusivo), parece que, pelo menos pros
artistas chineses, essa história de “botar na
roda” não incomoda tanto, e, ao invés de res-
ponder ao movimento, eles estão mesmo é
alimentando o bicho.
Se por aqui a proliferação das redes sociais
gera respostas restritivas, quem sabe não é
por causa da restrição à internet por lá que
estão surgindo respostas multiplicadoras?
Por enquanto isso é só uma impressão, um
palpite abusado. Mas vou olhar isso com
mais calma quando estiver por lá.existe
nada que nos aproxime mais que essa certe-
za. No entanto, geralmente a morte de uma
“celebridade” nos atinge com muito mais in-
tensidade do que a de um desconhecido, e
talvez não devesse ser assim (afinal de con-
tas, morto é morto).
Ao ilustrar as mortes de pessoas desconhe-
cidas junto com as das celebridades, Muzo
lhes dá a fama que não tiveram em vida,
colocando-as, ao fim e ao cabo, no mesmo
patamar dessas celebridades. No final das
contas, o livro mostra que morrer pode dar
status! Esse é o ponto essencial da questão:
tudo depende da maneira que você sai de
cena… e sabem por quê?
Porque essa é uma aventura que ninguém
repete. De todas as histórias que a gente
pode juntar pra contar, nenhuma chega per-
to desse nível de exclusividade.
ParIsParIs
Numa viagem como essa a gente se pergunta: afinal de contas, onde é que eu acho essas tais
de tendências? Um dos lugares onde mais tenho procurado sinais são os muros das ruas. De-
finitivamente, eles são uma fonte impressionante de informações, uma plataforma pra expres-
são direta de muitos desejos, e é sobre eles que eu queria falar hoje.
Fui a Belleville com duas amigas grafiteiras, que me ensinaram um pouco sobre os códigos
por trás dos graffitis. Passaram o dia me falando de aspectos como a maneira de sinalizar
que o artista não é local (estrela em alguma parte do trabalho) ou que está aí há muito tempo
(algum símbolo que remeta ao infinito), o significado das setas, a diferença entre linhas que
dão profundidade ou significados… isso sem falar nas regras pra saber onde é permitido deixar
sua marca e onde fazer isso representa declarar guerra a outro artista. Se tudo isso me deixou
muito animado (não é todo dia que você é alfabetizado numa linguagem), não tenho como
negar que toda essa questão da “marcação de território” me deixou meio com a pulga atrás
da orelha… e explico o porquê.
Antes desse passeio eu já tinha passado uns
quatro dias seguidos me deparando com as
figuras aí em baixo em vários pontos da ci-
dade. Nenhuma delas tem assinatura. Mas
todo mundo sabe de quem são: um grupo
chamado Space-Invaders, que começou a
usar esses mosaicos para lembrar os pixels
dos ícones mais clássicos da história dos ga-
mes já faz mais de sete anos.
A questão toda é que todo mundo sabe de
quem é, mas ninguém sabe mais quem são
os Space-Invaders. Se 1) é muito fácil fazer
esse tipo de mosaico e 2) o que não falta é fã
de jogo antigo, não precisa ser nenhum gênio
pra perceber que era uma questão de tempo
até que a brincadeira dos fãs nostálgicos de
Paris ganhasse mundo. A ideia original era
simples, mas suas consequências não. Hoje,
qualquer um pode ser um Space-Invader na
sua cidade, e o site oficial dos parisienses se
tornou mesmo um grande ponto de encon-
tro para todos que fazem essa atividade pelo
mundo compartilharem seus feitos.
Parece que pra esse pessoal importa menos
a “marcação de território” do que pros gra-
fiteiros. E essa é uma diferença fundamental
dentro da arte de rua. A gente nunca sabe
quanto tempo vai durar o que se faz nela,
mas parece que pros Space-Invaders isso é
um pouco menos importante, porque seu
trabalho precisa só de uma fotografia mo-
mentos depois de ser feito pra entrar no
jogo de compartilhamento da internet, que
é o mais dinâmico da história toda. Vai dizer
pros grafiteiros que não importa o que acon-
tece com o seu trabalho depois de pronto…
UM TRAMPOLIM, DUAS OU TRÊS PISCINAS – SPACE-INVADERS
NA ARTE DE RUA
18 fev
POst
36
ParIsParIs
A arte de rua tem sempre um elemento de
virar dono de um espaço. Seja pra tirá-lo das
mãos da publicidade, seja pra marcar a pre-
sença de quem é “da área”, sempre tem um
elemento desse. É por isso que tem alguma
coisa de importante aí, nessa diferença en-
tre como cada um desses dois grupos vira
“dono” do “seu espaço”, porque a verdade é
que só a plataforma é a mesma, mas os es-
paços não. O de um é concreto. O do outro
é digital. (Isso pra não falar no das galerias
de arte…)
Desde que artistas como o Banksy (aliás,
não deixem de assistir o filme Exit Through
the Gift Shop por nada) abriram as portas
do mundo das “fine arts” pra arte de rua, to-
das essas nuances são relevantes pra saber
como ela vai influenciar comportamentos e
mentalidades daqui pra frente.
Quando saí do Brasil eu tinha a missão de levar uma ilustração do Raphael Sonsino pra algum
café de Paris. Mas não podia ser qualquer um. Depois do jeito com que a sua já famosa avó
me tratou (regado a doces e iguaria francesas da maior qualidade), eu tinha que encontrar um
lugar à altura da sua casa: agradável, com um atendimento simpatissímo e tão jovial e artístico
quanto tradicional e confortável. Conforme prometido, lá fui eu.
O bairro é Montmartre, que boa parte de vocês deve conhecer por causa do filme O Fabuloso
Destino de Amélie Poulain. O café é o Le Café qui Parle (o café que fala). O nome foi escolhido
por causa de uma padaria que ficava em frente e se chamava Le Pain que Parle (sabem quando
ele sai tão quente do forno que chega faz “crack-crack-crack” quando a gente tira de lá? Esse
som mesmo). Há quatro anos sob direção de Damien Mouef, o café é também um espaço de ex-
posição para novos artistas, divulgando os trabalhos que o “patrón” acha interessantes, sem co-
brar nada por isso. Nada mesmo, nem aquela famosa comissão de venda que todo mundo quer.
#SHARING9 – LE CAFÉ QUI PARLE RECEBE DE BRAÇOS
ABERTOS O TRABALHO DO RAPHAEL SONSINO
19 fev
POst
37
ParIsParIs
Se deixar num lugar bacana já é bom, melhor
ainda é deixar com alguém que realmente
gostou muito do que viu. Quando eu cheguei
lá, contei da viagem e mostrei o desenho, ele
já abriu o sorriso. Acho que nem precisava
eu pegar o computador pra mostrar os ou-
tros trabalhos do Sonsino e falar de como
ele gostava de brincar com os possíveis sig-
nificados que a pintura pode ter, porque en-
quanto eu falava o Damien já tava viajando
no desenho. Quando finalmente perguntei
se ele queria o quadro, o “Biensur” já estava
na ponta da língua, só esperando a hora de
ser usado.
Agora o CantaroleiroVioleiro está na parede
pra quem quiser ver, levando um pouquinho
do talento brasileiro pra galera da França
descobrir. Quem sabe da próxima vez o Ra-
phael mesmo não dá uma chegada por lá
com sua querida avó e leva algumas coisas
novas pra mostrar? Eu acho que dava certo…
Seja pelas pinturas, pelas fotografias, ou pelo
café, a dica está dada. Arte e café fresqui-
nhos, referendados por vários guias e com o
99novas marcando presença, só no Le Café
qui Parle.
É uma pena quando a gente conhece a pes-
soa mais interessante de cada cidade só no
nosso último dia nela. Foi assim em Milão e
em Paris também, onde o eu encontrei uma
figura sensacional, chamada Manuel Flech,
que não sei nem como descrever, porque
numa tarde só eu já descobri que ele era ar-
tesão, designer e cineasta com dois filmes na
praça: Marie-Louise ou La Permission e Bella,
la guérre et le Soldat Rousseau.
O homem é um laboratório pipocando ideias,
e foi a mais recente delas que me levou até
seu atelier, uma pequena invencionice sur-
preendente quase que por definição, que
está indo muito além do que o criador ima-
ginava. Trata-se do ProToTo, um bonequinho
feito de ímãs que pode se transformar em
quase tudo que você quiser e a sua criativi-
dade permitir.
Vocês podem se perguntar: “E daí?” E daí
que o ProToTo virou celebridade digital!
A história é a seguinte: El Flech criou o bo-
nequinho há apenas dois meses, para o na-
tal. Os jovens que compraram ou ganharam
o presente começaram, obviamente, a bulir
no bicho e criar figuras cada vez mais in-
teressantes. Como somos uma geração do
compartilhamento, não demorou muito (na
DE BRINQUEDINHO PRO NATAL A CELEBRIDADE VIRTUAL –
A ASCENÇÃO METEÓRICA DO PROTOTO
21 fev
POst
38
ParIsParIs
verdade não demorou nada mesmo!) pra
começarem a aparecer imagens do ProToTo
em forma de animais (cachorro, abelha, ves-
pa…), fazendo caras e bocas, ou perambu-
lando pela casa.
Depois começou uma história de ProToTo
pelo mundo, e pipocaram fotos suas em lu-
gares tão diferentes quanto China, Inglaterra
e áfrica. Agora é que não tem mais limites
mesmo, porque o ProToTo ganhou um perfil
no Facebook onde todo mundo pode divul-
gar o que ele anda aprontando por aí. Lem-
bram da obra do Ai Wei Wei com os italia-
nos do IOCOSE de que falei aqui no blog uns
quinze dias atrás? Antenado que é, nosso
“amigo magnético”* não podia ficar por fora
e também foi conferir o que tava rolando na
Tate Gallery. Aliás, ele já até deu um passo
adiante e virou ele mesmo artista de rua,
com stencil próprio e tudo.
e o que é que o criador acha dessa badala-
da vida da sua criatura?
“Eu acho ótimo! São várias pessoas colo-
cando a sua criatividade por cima da plata-
forma que eu criei e se apropriando do meu
trabalho de uma maneira maravilhosa! Não
é como se estivessem copiando, ninguém
está fazendo isso como se o ProToTo fosse
criação sua. Eles se apropriam da ideia pra
criar uma coisa nova, e acaba surgindo esse
personagem virtual que em dois meses já
tem mais de duzentas fotos no seu perfil do
Facebook!”
Tem uma linha tênue que separa a apropria-
ção da cópia. O que está acontecendo com
o ProToTo é a apropriação coletiva de uma
ideia a partir da qual se contrói uma obra
igualmente coletiva, onde não existe distin-
ção entre os autores. Não existe essa coisa
de “olha o que o fulano fez com o ProToTo
dele”, que poderia transformar o brinquedo
em meio pra projeção individual. O único au-
tor que aparece é o criador do gadjet, por-
que o foco está mesmo no “olha só o que o
ProToTo fez!”.
Se a ideia original de Maneul Flech era tratar
do polimorfismo (a maneira como uma coi-
sa pode transformar a própria forma, como
os contorcionistas fazem com o próprio cor-
po) o resultado foi muito além disso tudo e
revelou ainda outra forma de transformar o
objeto: de brinquedo em personalidade. Isso
tudo em dois meses. Imaginem o que ainda
não pode vir por aí…
*Em francês, Magnetami tem um jogo de
palavras que brinca também com a ideia de
ele ser quase um origami magnético. Vejam
mais fotos no seu perfil do facebook.
ParIsParIs
Nossa, quase me esqueci de postar sobre
isso! Em Bangkok tive a chance (e a sorte de
ficar sabendo a tempo) de conferir um fes-
tival organizado pela Aliança Françesa pra
celebrar a Fête de la Musique. Um sequência
maravilhosa de shows, todos de graça, na
parte de fora do Museu de Siam. O “line-up”
começava com bandas locais – de reggae ao
mais puro Metal Tailandês – e terminava com
a grande atração da noite, a mais nova sen-
sação da “Gypsy-music World-rap Balkam-
ska Electro-rock”: La Caravane Passe.
Eu já estava começando a achar que assis-
tir show sentado no gramado devia ser al-
gum costume tailandês, mas quando esse
caras chegaram não restou a menor chan-
ce de ficar parado. Em alguns momentos
eles me lembravam o som de grupos como
a Orquestra Voadora, do Rio, ou a The No
Smoking Orquestra (liderada pelo Emir Kus-
turica), que é uma loucura tão grande em
Buenos Aires que parece até a Nação Zumbi
em Recife. Já em outros, eram tão trash que
não tinha nem como comparar, só dar risada.
O show é feito em Inglês, Francês, Espanhol,
Alemão, Sérvio e Romeno, assim como o tí-
tulo do novo disco: “Ahora in da Futur”. No
palco, o que a gente vê são verdadeiros pro-
fetas do futuro, com algumas declarações
como a que dá nome ao vídeo aí em baixo,
sobre a inescapável realidade a que nós, ho-
mens, seremos relegados daqui a vinte anos
(ou menos), quando as mulheres já estive-
rem dominando completamente o mundo.
Outra fala da situação de ser estrangeiro na
terra que escolheu. Tendo vindo da França
fica bem claro do que estão falando. A gen-
te tem que adimitir que a França é linda e
encantadora, mas também não tem como
negar que enquanto cidades como Londres
são como jovens inovadores desbravando o
mundo, Paris parece mesmo um cinquentão
cheio de história pra contar. Inovação pra
valer está vindo é dessa massa criativa imi-
grante com quem o país inteiro ainda está
aprendendo a lidar (nem sempre da melhor
maneira possível) e pra qual o La Caravane
Passe presta a homenagem com a música
ZinZin Moreto.
Eu podia seguir falando de como eles cap-
taram que o bigode tá voltando com tudo
(ainda vou botar umas fotos na fanpage com
os modelitos mais impressionantes da via-
gem…), de outros vídeos que mostram como
eles conseguem variar de tom de uma música
pra outra, ou de como esse trabalho é forno
pra fundir tantas referências europeias. Mas
vou parar por aqui e deixar vocês com esse
último, da apresentação em Bangkok. Aliás,
eu apareço no vídeo! Atenção quando marcar
0:47 no carinha coçando a cabeça na parte
superior esquerda da tela. A partir da metade
lembra mais o The No Smoking Orquesta.
No mais, é isso aí. #Ficaadica e vâmo
embora.
GIPSY MUSIC WORLD RAP BALKAM SKA ELECTRO ROCK –
“LA CARAVANE PASSE” TRAZ TUDO ISSO, EM SEIS IDIOMAS, PRA BANGKOK
19 fev
POst
39
LoNDRes
lONDrEslONDrEs
O quinto presente do #Sharing9 veio do Ian Black. Ele mandou muito bem e me deu uma relí-
quia valiosíssima pra quem quiser conhecer, como ele mesmo diz, a verdadeira Música Popular
Brasileira: um vinil do Roberto Carlos de 1975! Esse aí vai direto pra Londres, e eu vou fazer ques-
tão de botar pra tocar em algum Pub antes de escolher um felizardo(a) pra ganhar essa joia.
Vejam aí em baixo como foi a visita ao Ian
Black. Que ele é um cara mega-influente nas
mídias sociais isso é de conhecimento geral,
mas da sua paixão por Roberto Carlos pouca
gente sabe, e ele aproveitou a oportunidade
pra mostrar o porquê de tanta admiração
pelo Rei.
Pra encerrar, ainda rolou no verso da capa
um “From Brazil to my new english friend”.
Muito bem colocado, não?
Pra saber mais sobre o Ian, acesse:
http://ianblack.com.br/
@ianblack
#SHARING9 – IAN BLACK MANDA LEMBRANÇAS DO REI PRA RAINHA
EM LONDRES
Mal cheguei em Londres e já descobri coisas
indescritivelmente interessantes. A primei-
ra delas, na verdade, se encaixa na catego-
ria daquelas que chegam pra clarear o que
a gente já viu mas ainda não tinha se dado
conta, embora estivesse cheio de sinais e
até mesmo escrevendo sobre isso. Trata-se
da Society27, uma iniciativa que revela mui-
to mais do que a gente imagina sobre o que
está por vir por aí.
Um grupo de quatro pessoas resolveu fun-
dar uma sociedade, que tinha como único
produto um par de sapatos. O desenho é
bem “clean” e os materiais da mais alta qua-
lidade. Mas a quantidade produzida não era
muito normal: apenas 27 pares.
O site oficial da empresa é uma página do
facebook, onde as pessoas podem acompa-
nhar o processo de fabricação completo dos
tênis e toda a repercussão internacional do
projeto. Desde o momento da chegada do
material, passando pela costura das partes
até ele ficar pronto pro envio, está tudo do-
cumentado em fotos e disponível na rede.
Se parasse por aí eu já diria “Nossa! olha o
‘know your own stuff’ spirit aí na sua máxima
potência!” ou então “Hum… exclusivismo no
ar…”. Mas continua, e é aí que fica realmente
interessante.
Os 27 compradores passam a fazer parte do
processo colaborativo de criação dos próxi-
mos produtos da sociedade! Quer dizer, ter
esse sapato não é apenas uma questão de
comprar algo exclusivo, que pouca gente
tem. É um convite a fazer parte de um grupo
NÃO PRECISA SER úNICO.
MAS FAÇA O FAVOR DE SER AUTÊNTICO
19 fev
POst
4019 fev
POst
41
lONDrEslONDrEs
de criação coletiva! A ideia de que “um tra-
balho coletivo pode levar à criação de algo
único” é o eixo central da sociedade (confor-
me eles mesmos declaram nessa entrevista
para a revista digital russa kyky.org).
Aqui em Londres eu conheci um desses 27
compradores espalhados pelo mundo. Ele se
chama Erick Arash, estuda fotografia na Lon-
don College of Communication e me propor-
cionou uma das mais interessantes conver-
sas da viagem até agora. O primeiro ponto
em que tocamos foi essa questão da “uni-
queness” do trabalho… passando por tudo
que é referência que a gente tem no mundo
de hoje pra chegar até a grande questão da
“authenticity”, a verdadeira bola da vez que
eu ainda não tinha conseguido enxergar.
Afinal de contas, interessa tanto assim ser
único? A nossa geração talvez seja a pri-
meira na história da humanidade a conviver
com uma avalanche de “cross-references”
tão grande a ponto de dinamitar a própria
noção de identidade pessoal que viemos
nutrindo ao longo do tempo: de que cada
um tem em si mesmo alguma coisa que o
torna especial Quanto mais fundo entramos
nas redes sociais, mais nos damos conta de
que ninguém é “tão único assim” e que exis-
te uma quantidade enorme de pessoas que
fazem as mesmas coisas que a gente, têm os
mesmo interesses que a gente, até mesmo
pensam parecido com a gente.
O que temos de diferente é que ao invés
de nos desesperar por conta disso, criamos
meios de pontencializar essas possibilidades
de interação e trasformá-las em plataformas
de criação coletiva.
Não importa mais tanto assim se somos os
únicos as ter certas coisas. Importa que elas
sejam aquilo qua mais queremos que elas
sejam: autênticas.
Esse conceito de autenticidade é meio difícil
de explicar. É por isso que eu não podia dei-
xar de compartilhar com vocês esse vídeo
do Joseph Pine no TED. É INCRÍVEL! Faz
meia hora que descobri que ele tem um livro
cujo tema é exatamente, pasmem vocês, a
maneira como passamos de uma socieda-
de onde se acumulava bens e mercadorias
para uma onde se coleciona experiências!
Nesse vídeo ele explica como essa transição
deu origem à busca pela autenticidade e um
pouco mais do que significa essa ideia. Não
concordo com tudo que ele diz… Mas tiro o
meu chapéu sem medo se ser feliz. Como a
gente diz na Bahia, “esse cara broca muito,
pai!”.
Agora a gente pode parar pra pensar, por
exemplo, que se a questão essencial fosse
“uniqueness”, a Society 27 poderia muito
bem ter produzido apenas um par de sapa-
tos pra vender como obra de arte conceitual
pra algum distinto comprador. Não fez isso.
Escolheu fazer 27, o que torna-os não “tão
únicos assim”, mas permite juntar 27 pes-
soas com afinidades e interesses comuns
dispostos a trabalhar juntos no processo de
criação de algo novo que reflita exatamente
o que os une. Algo que seja, portanto, quase
que por definição, autêntico.
Aliás… tem um aspecto do ProToTo (tema
do post passado) que eu esqueci de men-
cionar: pelo menos por enquanto, existem
apenas 100 ProToTos numerados espalha-
dos pelo mundo (o meu é o 89, ano em tan-
to eu quanto a DM9 nascemos). Assim como
um tênis da Society27, ter um ProToTo certa-
mente flerta com o sentimento do exclusivo,
mas rapidamente se converte na experiência
da criação coletiva de algo autêntico.
Não temos medo de nos perder na multidão.
Temos vontade de participar dela de alguma
maneira memorável que reflita o que temos
de verdadeiro. Não importa o quanto pe-
quena seja essa ação, importa que ela seja
autêntica. Se estamos colecionando expe-
riências e a memória é uma ilha de edição,
melhor que a gente só tenha material verda-
deiro pra editar.
lONDrEslONDrEs
Antes de sair do Brasil, um amigo me disse
pra prestar muita atenção nos olhares das
crianças e dos velhos, porque às vezes a no-
vidade mais importante é simplesmente um
jeito novo de olhar pro que está aí a mais tem-
po. Hoje foi um dia de fazer isso, e descobrir
um olhar que em 45 dias de viagem eu ain-
da não tinha chegado perto de conhecer. Se
eu contasse que isso aconteceu num passeio
turístico talvez ninguém me desse crédito.
Mas… e se o guia fosse um morador de rua?
Você já pararam pra pensar no tanto de his-
tórias que essas pessoas têm pra contar?
Provavelmente não, né? Devíamos estar
ocupados demais pra perguntar, ou preo-
cupados demais com o que eles poderiam
responder. Mas um grupo de pessoas aqui
de Londres decidiu quebrar o gelo, simples-
mente oferecendo um par de meias e se
sentando pra conversar com eles, numa ini-
ciativa que foi batizada de The Sock Mob. A
ideia não era fazer filantropia nem caridade,
mas sim acabar com alguns estigmas asso-
ciados a grupos como esse que os impedem
de participar ativamente na vida cultural e
social da cidade.
E foi isso que eles fizeram ao criar o London
Unseen Tours, e transformá-los de figuras
marginalizadas do enredo a protagonistas
das histórias dos seus bairros. Como não po-
dia deixar de ser, são eles mesmo que fazem
THE SOCK MOB E UNSEEN TOURS – UM OLHAR COMPLETAMENTE
NOVO SOBRE A CIDADE E A PARTIR DE SEUS HOMELESS.
o roteiro. O tour é muito mais que visitar os
pontos conhecidos do lugar. É conhecer um
olhar que nunca teve a chance de se mostrar
e que está repleto de experiências interes-
santíssimas, ricas e, acima de tudo, comple-
tamente autênticas.
Fiz o percurso da Old Street, em East Lon-
don, um lugar que atualmente tem uma
grande concentração de pubs e galerias de
arte, mas que não faz muito tempo era um
centro industrial morto fora do horário co-
mercial. Não posso contar tudo pra não es-
tragar o passeio. Mas em duas horas descobri
desde a locação de um centro cultural, hoje
demolido, onde as pessoas eram proibidas
de entrar “arrumadas demais”, passando por
praças e fundos de igreja onde nosso guia
Henry já foi preso por dormir (bem como
as mutretas todas envolvendo os policiais
e moradores dos prédios) até chegar num
pub que já causou um certo reboliço por exi-
bir um filme não muito ortodoxo envolven-
do uma mulher e um… jumento. Henry usava
a pitada de sarcasmo que a rua lhe deu pra
comentar que “nunca mais vi os animais da
mesma maneira…”.
Nem a escola de circo da região (onde vou
fazer uma aula na segunda feira) ficou imu-
ne aos seus comentários. O percurso ainda
incluiu a localização verdadeira do primeiro
teatro de Shakespeare (não é aquele onde
todo mundo tira foto!), que já está no pro-
cesso de desapropriação dos prédios vizi-
nhos para ser reconstruído em cinco anos, e
uma quantidade enorme de outros pontos,
histórias e mutretas que tornam tudo ainda
mais autêntico. Isso pra não mencionar o fato
de ele falar que conhece o Banksy como se
fosse a coisa mais natural do mundo! Depois
do passeio paramos num bar pra conversar
um pouco mais sobre todas essas histórias,
é claro, e você todos podem fazer o mesmo.
A questão mais marcante quando voltamos
pra casa, no entanto, é pensar no significado
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lONDrEslONDrEs
que esse trabalho tem para os guias. Não es-
tou falando da perspectiva de parar de pedir
na rua, de melhorar de condições financei-
ras, nada disso. Estou falando de ver, pela
primeira vez na vida, que as suas histórias
são algo de valor, que aquilo que sempre os
tornava figuras indesejáveis podia também
torná-los admiráveis. Você vê que contar as
histórias, e até mesmo as histórias de dor, é
sentir-se no lugar de quem tem algo pra ofe-
cerer ao invés de pedir. Então oferecem tudo
de peito aberto.
Eles têm de sobra o que o mundo de hoje
busca com mais afinco: experiências. Muito
mais do que isso: experiências originais e
absolutamente autênticas prontas pra serem
compartilhadas! É estranho de se pensar nis-
so, mas o homeless do Underseen Tour re-
presenta numa figura só o paradoxo repulsi-
vo-atrativo de um mundo que rejeita a fonte
do que busca. Não sei qual será o futuro do
projeto, mas ele já não acaba em si mesmo.
Assim como uma obra de arte, ele começa
no quadro pra continuar na cabeça de quem
viu.
Essa vai continuar ainda muito tempo.
Se tem uma coisa que vem crescendo em
Londres sem parar nos últimos anos são os
cabarés. Pode ser que pra gente, que não
tem essa tradição tão forte ou tão viva no
Brasil, a primeira coisa que nos venha à ca-
beça seja alguma mulher cantando e dançan-
do enquanto esperamos que ela coloque os
peitos pra fora. Mas essa imagem só condiz
com uma determinada época que já passou
(há muito tempo!) e está tão distante do que
ele representa hoje quanto dizer que o cam-
peonato brasileiro só tem Fla-Flu.
Hoje em dia nesse saco de variedades cabe
tanto burlesco quanto circo, drag, stand-up,
fantoche, e, muito mais usualmente do que se
pensa, o mais bizarro, freak e assustador que
se possa imaginar. Um dos mais importantes
desses cabarés – não tanto por seus números
mais provocativos, mas pelo caráter pioneiro
que teve para o crescimento dessa cena na
cidade – se chamava La Clique, e estreou não
faz tanto tempo assim a sua continuação (La
Soirée), que fui assistir hoje.
O espaço é muito maior do que o normal
para esses shows. Mas o palco não: se ti-
ver três metros de diâmetro é muito, e esse
elemento é absolutamente essencial. Nada
funciona se o palco virar um espaço inatin-
gível, porque todo cabaré é um convite. Um
convite a uma viagem insólita onde a gente
só embarca se se sentir no mesmo nível de
quem está no palco. Num cabaré, o artista
está vulnerável o tempo todo.
Quando o Capitain Frodo entra em cena
você obviamente ri. Afinal de contas, ele é
CABARÉS TOMAM CONTA DE LONDRES –
PORQUE DO DIAMANTE NÃO NASCE NADA, MAS DO LODO…
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lONDrEs
ridículo. Mas isso não é nem pode ser um
entretenimento vazio. A risadas e estôma-
gos embrulhados que ele provoca enquanto
desloca as partes do seu corpo pra criar for-
mas estranhas e inacreditáveis estão a favor
de uma provocação maior, que ele mesmo
em algumas poucas palavras:
“Não é incrível o que as pessoas podem fa-
zer pra ganhar a vida? Vocês já devem ter
pensado em alguma ideia absurda de algo
supercriativo pra fazer mas que nunca tive-
ram a coragem de tentar. Bem, depois de ver
o que a gente fez essa noite talvez ela não
pareça mais tão aburda assim… Então vai lá
atrás dela!”.
Existe alguma coisa que nos empurrando a
perder a vergonha se ser quem somos. Al-
guém aí se lembra do Air Sex Championship?
“Seja você mesmo e ponha pra fora suas fan-
tasias!”. O que é que o Capitain Frodo estava
dizendo mesmo?
Eu podia encerrar o post aqui, tudo muito
lindo e fechadinho. Mas nem tudo que é in-
teressante é bonito, e esse vídeo aí embaixo
não me deixa mentir. O que eu estou aqui pra
fazer é apontar tendências, e esse pessoal
acredita que, mesmo nesse curto espaço de
tempo, Londres já está saturada de burlesco
e circo, então a gente precisa olhar pro que
ainda está pra vir. Se vocês quiserem algo
realmente alternativo… se preparem para o
“Side Show”. O que de mais bizarro existe
nesse mundo está lá, e é de lá que ainda vai
sair muita coisa pra bombar por fora.
(Aliás, de onde veio o Captain Frodo? É sem-
pre bom avisar…)
Tudo isso pode ser muito estranho. Mas, por
incrível que pareça, é autêntico. E é isso que
importa agora.
lONDrEslONDrEs
Quatro da tarde. Estação de metrô Wap-
ping. Saio do trem, ajeito minha boina, e
dou mais alguns passos em direção à es-
cada. Busco alguém com o mesmo dress
code que eu (final da década de 40), mas
quando finalmente chego à saída, descubro
que eles não são dois nem três. Contam-se
às centenas, e aguardam todos algum sinal
que não se sabe de onde virá. De repente
ele chega.
Sob gritos de “FREEDOM! FREEDOM! FRE-
EDOM TO CREATE!”, seguimos em passea-
ta pelas ruas, com placas que manifestam a
mais pura vontade de criar, seja na platafor-
ma que for, sem se importar se será bonito
ou feio, naquilo que chamamos de “Unkno-
wn Culture Movement”. Vamos até a praça.
E é lá que tudo começa.
No local do evento, a fila já dobra a esqui-
na. Me posiciono pra esperar, quando uma
dama do chapéu roxo e cabelos ruivos me
segura pelo braço e diz: “venha, eu tenho
um trabalho pra você”.
Passamos pela entrada, e já dentro do gal-
pão secreto começamos a preparar telas
gigantes para a multidão que está prestes
SECRET CINEMA – PARTE 1 (FREEDOM TO CREATE)
a invadir o espaço e extravasar toda a cria-
tividade que tem. As portas abrem, e cada
pincel é uma cabeça a mais pra trabalhar
junto naquela pintura. Já não são só telas.
Ouço o som de um bumbo. Uma panela o
acompanha. A caixa está esperando pra ser
tocada, e quando menos se espera, uma
orquestra espontânea está formada. Nosso
ensaio é música de fundo para que ainda
mais gente crie um poema coletivo, onde
cada um escolhe apenas uma palavra e só a
união dessa massa disforme pode criar algo
assim. Declamam-no num alto-falante que
nada mais é do que um cone de papelão.
Enquanto, isso, num sala próxima, acontece
nada mais nada menos que a audição para
a companhia de balé de um certo… Boris
Lermontov. Fico de voltar às “9pm da ma-
nhã seguinte”, mas ao sair da sala uma mul-
tidão de bailarinas irrompe numa corrida
acelerada para o lugar onde antes estava a
orquestra e transforma-a num grande palco
para uma performance inesquecível. E isso
não é nem 20% do que aconteceu por todo
o espaço.
Uma bailarina ruiva de vestido branco pen-
dia sobre o parapeito num equilíbrio instável.
Eu não estou entendendo mais nada.
Mas ela usava sapatos vermelhos…
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lONDrEslONDrEs
Até o momento em que acabou o post an-
terior, eu não estava entendendo mais nada
do que estava acontecendo, e foi assim que
subi pra uma sala e me sentei pra assistir o
filme da noite, que até então ninguém co-
nhecia: The Red Shoes. Foi só aí que eu me
dei conta…
…de que tudo que a gente fez antes eram
cenas do filme.
Devia ter uma maneira de dar uma pausa
na leitura, tipo um sinal de silêncio pra colo-
car exatamente depois dessa frase. Porque
foi assim que eu fiquei por dentro, sem sa-
ber o que dizer. Conforme o filme avançava,
cada elemento que experimentamos antes
ia surgindo na tela: o tal de Bóris Lermon-
tov era o dono da companhia de balé onde
o filme todo se passava; nossa loucura
percussiva era a orquestra do espetáculo;
as telas e colunas que pintamos tinham a
mesma forma do cenário, e cada uma das
outras performances que vimos pipocava
pouco a pouco, inconfundível!
Pra completar o pacote, o filme era de 1948.
Isso explica por que estávamos todos vesti-
dos daquele jeito.
Quando eu descobri e decidi ir ao Secret
Cinema, pensei que era só mais uma dessas
mobilizações que aproveita o fetiche do
“escondido” e do “exclusivo” (de que tanto
já falei nesse blog) pra organizar festas e
aglutinar pessoas com os mesmos gostos.
SECRET CINEMA – PARTE 2 (THE RED SHOES…)
Mas era muito mais que isso: uma verdadei-
ra proposta de revolução na maneira como
vemos cinema! Que 3D que nada! Tecnolo-
gia nenhuma chega perto do tipo de imer-
são no universo do filme que essa iniciativa
conseguiu criar.
Não tem nada que eu possa dizer que dê
uma ideia próxima do que é a sensação de
estar lá, e o Unknow Culture Moviment sabe
disso. Sabe que quem experimentou essa
imersão uma vez vai querer experimentar
de novo. Sabe que isso faz com que elas se
sintam especiais. Sabe que quem perdeu…
perdeu, e vai se morder todo de não ter essa
experiência pra contar. (Pensem em como
deve se sentir o fã de um desses filmes ao
saber disso tudo só uma semana depois e
não ter mais a oportunidade de adicionar o
seu toque pessoal a uma obra dessas!!!)
O que eles talvez ainda não saibam é o ta-
manho do favor que estão fazendo pra to-
das as artes envolvidas no projeto, quando
nos convidam a redescobrir o prazer táctil
de experimentá-las e fazer de tudo isso um
canal de estímulo para o que temos de mais
transformador: a criatividade.
Cinema é uma coisa impessoal? Produzi-
da em escala industrial e copiada pra todo
mundo ver igualzinho? Não mais.
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lONDrEslONDrEs
Teatro é mais uma dessas artes que todo
mundo enche a boca pra condenar ao os-
tracismo depois que a tecnologia abriu es-
paços pra realizações maiores? Tampouco.
O Secret Cinema conseguiu me surpeen-
der num dia só mais do que muita gente
num ano inteiro. Fiquem de olho pra saber
da próxima iniciativa. Querem fazer melhor
ainda? Multipliquem-na! Se essa viagem
terminasse hoje, eu já voltava pra casa feliz.
Mas só voltava realizado se soubesse que
ajudei de algum jeito a levar essa ideia mais
longe. Tem certas coisas que são boas de-
mais pra ficar restritas.
Essa é uma delas.
(AH! Não deixem de assistir o filme! Ele
acaba de ser restaurado e receber de volta
toda a cor e esplendor que fez com Mar-
tin Scorcese declarasse publicamente seu
amor pelo filme numa pequena nota escri-
ta especialmente para o Secret Cinema. É
uma obra prima.)
lONDrEslONDrEs
Dia 3 de Março é o World Book Day, e, pelo menos em Londres, essa data é muito especial.
Pra começar, todas as crianças vão pra escola vestidas como seus personagens favoritos e
várias atividades de leitura, contação de histórias e troca de livros se espalham pela cidade.
Eu resolvi dar a minha contribuição pessoal pra esse dia já hoje, recomendando um livro
sensacional que comprei nessa viagem e ao mesmo tempo oferecer mais um novo olhar so-
bre essa cidade que me conquista cada vez mais. O livro se chama Little People in the City.
Pra ler esse não precisa nem saber inglês! O livro é uma coletânea de fotografias de um um
artista inglês chamado Slinkachu, que acaba de abrir uma nova exposição chamada Con-
crete Ocean, de cuja concorridíssima abertura acabo de chegar. Vejam que coisa LINDJA!
Slinkashu usa bonecos na escala de 1:87 pra criar seu próprio mundo de seres minúscu-
los onde tudo aquilo com que lidamos ganha, literalmente, novas dimensões. Estamos tão
acostumados a nos fazer “casca grossa”, durões, prontos pras asperezas da vida, que nos
esquecemos de como pequenos detalhes podem fazer toda a diferença na vida de alguém.
MINHA DICA PRO WORLD BOOK DAY – LITTLE PEOPLE IN THE CITY
“This is not a pet, Susan…”)
“No”
“High Expectations”
Quando nos deparamos com a fragilidade
dessas pessoinhas, pra quem tudo é muito
mais difícil, vemos como essa plataforma
é maravilhosa pra trabalhar temas como a
frustração… a impotência… e nos chamar
a atenção pro quanto nós mesmos somos
frágeis. Sem ficar piegas nem derrotista,
Slinkachu volta a atenção para essas pe-
quenas delicadezas da vida: um sonho que
parece inalcançável, o peso de um “não”, o
encantamento de uma criança…
Little People in the City é um grande livro
de pequenas coisas, que nos mostra que o
verdadeiro tamanho de qualquer coisa na
nossa vida depende só do peso que nós da-
mos pra ela.
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lONDrEslONDrEs
Londres está recebendo a Ecobuild, a maior feira do mundo de construção, design e arqui-
tetura com preocupação ambiental. O canal por onde fiquei sabendo desse evento foi nada
menos que o top trends do twitter, então dá pra ter uma ideia da repercussão do que acon-
tece por lá. Pra falar a verdade, eu acho que o movimento do “going green” já é algo tão
inescapável pra todos nós que nem sei mais se ainda dá pra chamar isso de tendência ou se
já virou uma exigência mesmo, mas, de toda maneira, fui conferir as novidades.
Um dos stands com ideias mais inovadoras era o da Isover, que lançou um concurso desa-
fiando estudantes a criar um projeto ambientalmente responsável para um arranha-céu em
Manhattan. O ponto principal em todos os projetos tinha de ser o Passive Housing – a bola
da vez no mundo da sustentabilidade – buscando reduzir o consumo de energia ao mínimo
imaginável através do aproveitamento máximo de todas as fontes naturalmente disponíveis
no local desde o momento da construção.
Os autores do Solar Slice pararam pra pensar em algo que quase ninguém pensa: os vizi-
nhos, e o fato de que construir um arranha céu ali ia acabar com a iluminação natural de que
eles desfrutavam a mais de 80 anos. Sabendo que resolver um problema transferindo-o pra
ECOBUILD – SUSTENTABILIDADE EM DESIGN E ARQUITETURA
E PALPITES PRO MUNDO DAQUI A VINTE ANOS.
outro não é resolver o problema, os estu-
dantes simplesmente criaram um… buraco.
É, isso mesmo, bem no limite entre a ideia
mais açougueira e a solução mais sofistica-
da e “fora da caixa”, decidiram cortar seu
prédio no meio pra deixar o sol passar.
Pode ser estranho, mas nem por isso dei-
xa de ser brilhante. “Radicalizar bonito” é
uma das melhores maneiras de estabelecer
um conceito, e esse é um caso em que a
ousadia do projeto cumpre o objetivo da
redução de energia e ainda estabelece a
integração com o espaço ao redor como
prioridade número zero pra qualquer em-
preendimento daqui pra frente.
O grande momento do dia, no entanto, foi
mesmo o debate de encerramento sobre o
futuro das cidades. Um tecnólogo, um ar-
quiteto e um antropólogo juntos na mes-
ma mesa tentando dizer como seria o nos-
so mundo em 2030. O primeiro ponto em
comum entre eles é uma sutil mudança de
interpretação que muda todo o significado
das coisas.
No mundo do compartilhamento, interati-
vidade e conectividade, o espaço público
não é mais por excelência o local da socia-
bilidade (essa função está sendo dividida
cada vez mais com outras esferas, como a
digital). Cada vez mais ele está se conver-
tendo no local da “recordability”, do regis-
tro.
Como todo movimento que se impõe, esse
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lONDrEslONDrEs
também cria resistências, e é isso que a
gente vê na busca pelas chamados “tran-
sient spaces” ou “green spaces”, onde esta-
ríamos “a salvo” dessa “recordability” toda
e poderíamos nos dedicar ao pleno gozo de
corpo presente de alguma experiência. (Aí
que entra toda a onda dos “secret qualquer
coisa” de que eu tanto estou explorando).
Se isso tende a se potencializar, o maior
desafio que as grandes cidades têm pela
frente é o de se apropriar dos instrumentos
de conectividade para gerenciar ao vivo a
dinâmica dos grandes centros a partir dos
registros dos cidadãos. Cada vez mais a ar-
quitetura física e a arquitetura digital con-
vergem, e a inundação de links para a esfera
digital no mundo físico é a nova linguagem
para essas realizações.
A Ecobuild conseguiu ir além de uma ação
segmentada a um setor restrito e mostrar
que temas realmente importantes e deter-
minantes para o nosso futuro não estão
jamais separados. Pra entender pra onde
vamos é preciso mais do que uma visão
profunda. É preciso um olhar amplo.
lONDrEslONDrEs
Londres é inacreditável. Quando você pensa que viu tudo que tinha de novidade pra ver,
aparece não sei de onde uma invenção mais insólita que a outra. No mesmo dia eu descobri
duas coisas que mudaram completamente minha visão sobre sorvete. Tenho certeza que a
de vocês também.
A primeira é bizarra, mas um sucesso de publicidade memorável. Acaba de ser lançado um
novo sabor, exclusividade de uma determinada sorveteria em Convent Garden, carinhosa-
mente apelidado de “Baby Gaga”. A razão pro nome? Bem… é feito com um tipo especial
de leite: materno.
No final das contas é meio que muita farinha pra pouco pirão, porque nem a sorveteria tinha
estoque pra atender essa demanda e nem o sorvete era de leite materno (na verdade é a
calda vai por cima que é). Mas o que o dono queria mesmo era a publicidade… e isso ele
conseguiu fácil! Quando a Lady Gaga anunciou ontem que vai processar a sorveteria por
causa do nome do sorvete então… ele deve ter dado pulos de alegria.
Agora, quem REALMENTE faz um negócio incrível é o pessoal do Chin-Chin Laboratorists,
em Candem Town. Eu não vou falar nada, só vejam esse vídeo aí e depois a gente conversa.
UM LABORATÓRIO? UM CIENTISTA MALUCO? NÃO. É SORVETE
DE NITROGÊNIO LÍQUIDO!
E eu que achava a sorveteria da Eliana o
pico da tecnologia… Aquilo que ele coloca
no pote é NITROGÊNIO LÍQUIDO! A uma
temperatura de nada mais que -196 GRAUS!
Cool é pouco pra falar desse lugar. E sabem
do que mais? É muito gostoso. Mesmo.
“Muita gente fica preocupada porque acha
que tem muita química, mas não tem nada!
Como é tudo feito na hora, não tem esta-
bilizante nem aditivo nenhum, e esse é o
mesmo nitrogênio que você coloca no pul-
mão quando respira. Só que gelado. A qua-
lidade do sorvete é muito melhor.”
Existem alguns pouquíssimos restaurantes
que servem esse sorvete como a coisa mais
chique e sofisticada do mundo, o futuro do
sorvete. E cobram 25 pounds (75 reais!!!)
por isso. Ahrash e a Nyishe, donos do lugar,
são os primeiros a disponibilizar a novidade
de uma maneira acessível, a módicos 3,95.
“Sem contar a parte mais importante de to-
das: você vê o sorvete ser feito. Sabe de
onde veio e vê como faz. Isso faz toda a
diferença.”
Se eu tivesse que escolher, essa seria a ra-
zão pra dizer que esse é o futuro do sorvete.
Porque esse é o futuro de quase qualquer
área: conhecer o processo por trás das coi-
sas, o tal “know your own stuff” spirit. Seja
pra se sentir dentro de um laboratório, seja
por causa da novidade, do chique, da loca-
lização, da ideia, do sabor ou até mesmo
da agradável companhia de duas pessoas
simpaticíssimas com um sorriso no rosto, a
Chin-Chin Labaratorists é mais uma dessas
experiências em que, mais do que me mer-
gulhar, eu aposto.
02 mar
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Uma cidade não é só feita de lugares, mas também dos encontros que proporciona. E foi num
fim de tarde em Londres que eu encontrei James Hanusa e um universo de eventos inovadores
que eu ignorava completamente. Ele é membro da Burning Man Organization, e se vocês tam-
bém nunca ouviram falar desse grupo, vão ficar sabendo agora.
Desde 1991, todos os anos um número cada vez maior de pessoas se reúne no meio do deserto
de Black Rock, nos Estados Unidos, para um acontecimento memorável. Uma semana antes, a
única coisa que se vê é areia, vento e um lago. Uma semana depois também. No entanto, duran-
te a semana do evento, 48 mil pessoas (!!!) transformam a locação no melhor lugar do mundo
para criar, ousar, interagir, sobreviver, despirocar e experimentar um espírito de inovação que
talvez não se encontre em nenhum outro lugar. Mas se vocês estão pensando que isso tudo é só
uma festa, vamos começar a esclarecer algumas coisas.
. 1) Absolutamente nada está a venda, a não ser café e gelo. Todos os itens necessários à so-
brevivência durante a semana têm de ser trazidos de casa (e levados embora). O princípio mais
básico da filosofia do Burning Man é a autossuficiência radical e o “Leave no Traces”.
lONDrEslONDrEs
Mais uma missão completada. O Ian Black
tinha mandado um vinil do Rei pra terra da
rainha, mas dessa vez não bastava entregar
pra alguém: eu tinha que colocar pra tocar
num pub antes também.
Decidi que o lugar pra isso ia ser Candem
Town, e saí procurando um DJ com vitrola e
cabeça abertas pra conhecer mais da Músi-
ca Popular Brasileira.
Encontrei o que procurava no Lockside
Louge. Era a noite de aniversário do One-
glove Club, e quem assumia o som era o DJ
Naked Jake. Ele foi super simpático, gostou
da ideia, e colocou o nosso som pra tocar lá
de boa.
Depois de eu explicar a importância desse
tal Roberto Carlos e conversar um pouco
mais sobre música brasileira, decidi que ia
ser ele mesmo que ia levar o disco. Foi mi-
nha maneira de presentear o OneGlove Club
no seu aniversário. Quem sabe assim come-
ça a incorporar mais referências brasileira no
seu trabalho e assim multiplicar ainda mais a
nossa música pelo mundo?
Espero que você tenha gostado, Ian. Quem
já tava ficando apegado depois de dois me-
ses vendo essa capa todo dia era eu. Mas
agora sei que está com alguém que vai fazer
bom uso. Até a próxima!
#SHARING9 LONDRES – SOM DO ROBERTO CARLOS ENVIADO PELO
@IANBLACK CHEGA AO LOCKSIDE LOUNGE
MERGULHE, SE LAMBUZE, E DEPOIS ME CONTE COMO FOI. BURNING
MAN E A TENDÊNCIA DOS POP-UP QUALQUER COISA03 mar
POst
4904 mar
POst
50
lONDrEslONDrEs
2) Esse não é um evento para espectadores. É
um experimento de comunidade temporária,
onde relações são criadas e a sobrevivência
é desafiada. A palavra de ordem é participar,
criando um mundo novo onde todos preci-
sam e confiam uns outros e o gifting (dar sem
esperar nada em troca) é parte essencial.
3) Esse é um lugar para desafiar a criativida-
de humana no limite de toda sua potenciali-
dade. Ele existe para se respirar arte, e nin-
guém sai de lá sem criar alguma coisa nova.
Tem muito pra falar de tudo isso, mas va-
mos por partes. Começando pela inovação
tecnológica. Já pararam pra pensar no que
esse experiência pode oferecer em termos
práticos para outros lugares do mundo? É
(especialmente para os 60% da superfície
do globo e 40% da população que ainda não
tem cobertura de celular) com capacidade
de modificar profundamente comportamen-
tos. Afinal de contas, quando a comunicação
chega, vem junto com ela melhorias na eco-
nomia local, educação, novos empregos… e
por aí vai.
No entanto, se essa vitrine tecnológica já é
interessantíssima, ela não chega perto do
verdadeiro carro chefe do Burning Man: a
experiência humana, artística e criativa que
toma conta do espírito de qualquer um que
estiver lá dentro. É uma verdadeira imersão
num mundo tão diferente, fascinante e vasto
que é impossível de capturar na totalidade,
instigando os frequentadores a explorá-lo
cada vez mais.
Não é à toa que a revista INC publicou (an-
teontem!) esse artigo pra mostrar por que o
simplesmente uma cidade inteira com infra-
estrutura completa de água, energia, mora-
dia e comunicação para quase cinquenta mil
pessoas erguida numa questão de dias!
No ano passado, por exemplo, os criadores
aproveitaram esse maravilhoso laboratório
humano para testar um novo sistema de co-
municação que pode ser montado em uma
hora e prover telefonia gratuita para qualquer
aparelho de celular consumindo uma quanti-
dade de energia tão pequena que pode ser
alimentada até por energia solar! Eu não en-
tendo nada de tecnologia, mas essa reporta-
gem indicada pelo Triple Pundit explica to-
dos os detalhes e mostra como isso é uma
alternativa viável para um futuro próximo
Burning Man e o TED têm mais em comum
do que a gente pensa. Grandes cabeças ten-
dem a ser atraídas por grandes experiências,
e não é tanta surpresa assim os dois eventos
contarem com gente como os fundadores
do Google como frequentadores. De acordo
com a Inc, “ambos são experiências intensas
e imersivas quase como nenhuma outra: um
domina a mente com uma overdose de ideias
e insights de quase todas as áreas e campos,
enquanto o outro toma de assalto os olhos
e ouvidos com experiências sensoriais como
em nenhum outro lugar.”
E é isso que nos leva ao outro ponto mais in-
teressante, pelo menos pra mim: tanto o TED
quanto o Burning Man nos obrigam a sair da
rotina para mergulhar nesse mundo, e “não
importa quanto sucesso você tenha na sua
vida, nada disso consegue te impedir de di-
zer ‘uau!’ pro espetáculo de potencial huma-
lONDrEslONDrEs
no que te cerca nesses lugares”. Se a rotina é
fatigante, os dois eventos nos chamam a re-
descobrir a maravilha da experiência humana
através de uma curta imersão participativa
no seu esplendor. Repetindo as palavras cha-
ve: curta e imersiva.
É essa a grande tendência que eu estou ven-
do por todos os lugares por onde passei e
que finalmente entendi depois de escutar
essa história. Por todos os lados, pipocam os
“pop-up” qualquer coisa. Tudo se resume a
uma experiência curta e de um mergulho em
algum universo determinado, que, tão rápido
quanto surge… desaparece.
O que era o Secret Cinema se não isso? Um
mergulho no universo de um filme através do
convite a ser criativo da maneira mais parti-
cipativa possível, pra depois sumir deixando
de legado as criações coletivas e um uni-
verso construído apenas na memória. Aliás,
amanhã tem o Candlelight Club em Londres
(onde todos vão para uma locação misterio-
sa vestidos como no final dos anos vinte para
mergulhar na Nova Orleans daquela época
e redescobrir o jazz dos velhos); em alguns
meses vai ser “inaugurado” o primeiro pop-
up shopping do mundo, feito de containers,
em frente à estação de Shoreditch; a livraria
em Milão onde eu conheci as pessoas mais
interessantes na cidade abriu com data cer-
ta pra fechar 121 dias depois; em Brick Lane
eu encontrei minha boina numa “vintage
clothing pop-up store” e uma camisa numa
“pop-up secret sample”… Além do mais, por
que é que os flash mobs surgiram e cresce-
ram tanto só na final dessa última década?
Pra nossa geração, uma impressão pode ser
mais importante que uma permanência. E
por importante eu digo também mais dese-
jada e até mesmo mais duradoura. Se é as-
sim, só me resta uma recomendação a quem
já percebeu que é esse o espírito do nosso
tempo:
mumBaI
mumbaImumbaI
Dessa vez o presente não vem de uma pes-
soa só, mas sim de um coletivo. Quem me
entregou foi o Eduardo Saretta, mas em
nome do coletivo SHN de arte, de que faz
parte há mais de 12 anos. Eles me deram um
pacotão de stickers pra espalhar pela pai-
sagem de Mumbai enquanto estiver por lá.
Vejam aí um pouco do que estou levando
e de como foi a entrega na Galeria Choque
Cultural, em São Paulo.
Eu disse que o coletivo existe há 12 anos,
mas, na verdade, o trabalho começou muito
antes disso, lá no final dos anos 80, quando
eles começaram a usar o acesso que tinham
a uma fábrica de etiquetas adesivas pra co-
locar na prática o “faça você mesmo”. Usan-
do os restos do material da fábrica, aquilo
que seria lixo se transformava em posters e
fichas de cerveja pros shows que organiza-
vam. Até hoje essa marca mais “crua”, ou,
pelo menos, menos “amaciada” pra apare-
cer “bonitinha”, está impressa no trabalho.
Vale mais um adesivo resistente que demore
a sumir com o sol e a chuva do que um todo
trabalhado que vai desaparecer com a pri-
meira água.
Eu me perguntava antes de chegar lá: como
assim espalhar adesivos pela cidade? Onde
eles colocam isso? Qual é o foco da ação?
E ele me respondeu tudo isso, dizendo, por
exemplo, que um dos lugares preferidos pra
se colar são os chamados “espaços mortos”
da cidade, como a parte de trás das placas
de trânsito, caixas de telefone…
Já pararam pra pensar nisso? O fundo de
uma placa é absolutamente morto! Ele pra-
ticamente não existe, não passa nem pela
rabeira do pensamento de qualquer cidadão
no dia a dia. Mas quando o adesivo chega,
ele ganha vida. Especialmente para o tran-
seunte. O foco maior da ação não é o moto-
#SHARING9 – COLETIVO SHN ESPALHA STICKERS POR MUMBAI.
rista, que passa rápido demais e só vê algo
grande, o geral. O foco é no pedestre, que
vai poder reparar nesses detalhes com mais
calma.
Outro ponto essencial do trabalho é que ele
não precisa de assinatura. É aí que eu acho
que a coisa fica muito mais interessante! Os
adesivos podem ser um verdadeiro viral ur-
bano potente pra c#%*&!!! Particularmente,
pra mim essa é a grande sacada do negócio:
não tendo nome, qualquer um pode se iden-
tificar com o trabalho, e ele não tem mais
limites. O Eduardo contou de uma vez que
foi num show e o guitarrista tinha um adesi-
vo dele na guitarra; outra vez entrou no taxi
e quando olhou pro porta luva… adivinha; e
imagine o que não deve ter pensado quan-
do deu de cara com o seu trabalho em plena
áfrica do Sul!
É isso que eu vou ajudar a fazer: espalhar
ainda mais o que é bom. Essa proposta me
interessa demais, pois é mais uma ação que
traz pro mundo concreto um tipo de movi-
mento que estamos já ficando mais acos-
tumados a conviver na internet. Mais uma
prova de que não existe essa história de
dois mundos diferentes: o virtual e o real. É
tudo uma coisa só: comportamento huma-
no. É ele que circula pelo meio que for, e a
tecnologia é só mais um caminho pra ele se
infiltrar.
Para saber mais sobre o coletivo:
@ssshhhnnn
http://www.shn.art.br/
05 mar
POst
51
mumbaImumbaI
A viagem acaba de recomeçar. Pus meus pés pela primeira vez no Oriente. Esse é um mundo
completamente diferente de tudo que já vi, o que por um lado é fascinante e por outro torna
o desafio de buscar tendências muito mais difícl.
É muito fácil confundir o novo com o exótico de um olhar estrangeiro, por isso decidi que
minha primeira incursão na Índia não podia ser em nenhuma área moderna ou pretensamente
inovadora: primeiro eu precisava olhar pras pessoas, e tentar entender alguma coisa do ritmo
desse mundo. Antes de ser um observador de novidades, eu tinha que ser um observador de
gente, e essas imagens são resultado dessa tarde.
Mas o que foi mais marcante mesmo foi o encontro com Vigya, um vendedor ambulante da
praia de Juhu. Depois de tentar me vender um mapa e não conseguir, começamos a jogar
conversa fora até ele se oferecer pra me mostrar os arredores. Começamos por um pequeno
templo hindu a quinze minutos de caminhada de onde estávamos.
Eu pensava que ia me sentir como um gringo numa escola de samba, com aquela festa de
cores e formas. Mas o curioso é que, apesar de os elementos indianos que a gente conhece
(os aromas, os tecidos, as figuras) estarem todos lá, o lugar não era turístico. Me pareceu que
esses elementos estavam lá muito mais pra servir que pra se mostrar, e parece que essa é uma
POST 52: ALGUMA IMPRESSÕES DE UM MUNDO NOVO –
PRIMEIRO DIA EM MUMBAI.
ideia muito mais presente na mentalidade
dos hindi do que na nossa ocidental.
Seguimos para o mercado de Santa Cruz
(num trânsito que realmente é a experiên-
cia mais próxima de um caos que já experi-
mentei numa cidade). Todas as áreas estão
armengadas e abarrotadas de gente, carros
e produtos amontoados em estrutura pre-
cárias. Mas sabe do que mais? Ninguém se
estressa. Tem um carro passando a meio
centrímetro do seu calcanhar, e niguém de-
monstra a menor preocupação. É como se ti-
vessem certeza que com calma tudo se ajei-
ta, é só não abusar da boa vontade alheia.
O espaço público em Mumbai é muito mais
versátil do que pra nós.
Todo mundo fala, com razão pra se impres-
sionar, de como uma população miserável
como os 60% de Mumbai que vive no equi-
valente às nossas favelas não é violenta de
maneira nenhuma. Vigya deixava sua mer-
cadoria encostada numa árvore antes de
entrar no templo sem a menor preocupação
quanto a alguém levá-la embora.
Absolutamente ninguém pede o seu ticket
de trem, que custa menos que 25 centavos
de real. No entanto, quando fui pedir infor-
mação e vi que precisava saltar duas esta-
ções depois daquela pra qual tinha ticket,
me disseram a pra descer e comprar outro.
A diferença era de 10 centavos. O senso de
hierarquia e dever aqui é muito forte, e o jei-
tinho indiano que permite que o caos urba-
no não exploda é muito diferente do nosso.
06 mar
POst
52
mumbaImumbaI
Um garoto como o Vigya anda 15 kilôme-
tros todo dia pra trabalhar porque não tem
dinheiro pra pagar o ônibus entre a praia e
sua casa. Ele tem como sonho mais imedia-
to de mudar de vida passar de vendedor de
mapas a engraxate, e no entanto se ofere-
ce pra me ajudar sem pedir nada em troca,
simplesmente porque o movimento estava
fraco e “if you’re happy, I’m happy”. E não
é o primeiro que faz isso: já teve gente me
guiando até o ponto de ônibus e esperando
meia hora comigo quando tinha mesmo é
que ir pra outro lado completamente opos-
to. Esse é um lugar muito diferente.
Resta tentar descobrir pra onde está indo
esse mundo, que recebe cada vez mais pes-
soas de fora atraídas pelas possibilidades de
transformação e crescimento e tem um bi-
lhão de pessoas (só em Mumbai são 20 mi-
lhões) pra trazer junto nesse barco. Hoje descobri o trabalho da jornalista Amana Fontanella-Khan, que escreve sobre a vida em
Mumbai para o portal “CNN Go”. Depois de ler seu artigo sobre a (inexistência de uma) vida no-
turna alternativa em Mumbai, decidi que o melhor jeito de compartilhar impressões e começar
a mergulhar na cidade era simplesmente… ligar pra ela.
Juntando a conversa com outros artigos no portal e o material publicado no seu blog, pude
esboçar os primeiros movimentos pelos quais a cidade está passando. Curiosamente, o seu
último artigo fala exatamente do mesmo que o último parágrafo do meu post anterior: o que é
qye tanto atrai estrangeiros a deixar vidas consolidadas em seus países e começar tudo de novo
por aqui? Embora não esteja declarado em todos os discursos, existe ao menos uma impressão
que os une todos: a de que estão saindo de um lugar estagnado para outro onde as coisas são
novas, crescem e evoluem.
Ninguém sabe definir ao certo que tipo de evolução é essa. Uns tentam explicá-la como efeito
de uma “mentalidade mais aberta ao novo”, mais propensa a experimentar do que a catalogar,
e é até provável que estejam certos nesse sentido (como já dizia o Delfim Neto, nenhuma so-
ciedade cresce no ritmo que a indiana cresce sem transformar isso num “estado de espírito”
que alimenta a si mesmo). Vejam o depoimento da francesa Eve Lemesle, diretora da agência
O QUE ATRAI TANTA GENTE DE FORA PRA MUMBAI?07 mar
POst
53
mumbaImumbaI
“What about art?“, para a matéria de Amana:
“Paris é uma linda cidade velha, mas nada de
novo está acontecendo lá. Bombaim está mu-
dando o tempo todo. Tem um tipo de energia
de Nova Iorque na cidade que eu amo.”
Os DJs Mathieu Josso e Charles Nuez adicio-
nam outro ponto muito importante na mes-
ma reportagem:
“Eu adoro me encontrar com artistas emer-
gentes aqui e fazer parte da cena under-
ground. (…) Ela é muito pequena ainda”
É aí que eu ainda fico com a pulga atrás da
orelha. Pra ser bem sincero, eu não sei até que
ponto essa transformação toda se estende
pra cidade inteira ou se restringe a um grupo
de estrangeiros e uma elite local que se fazem
valer da sua formação artística e intelectual
em outros países pra se tornarem pioneiros
da implementação de algo não tão novo num
lugar onde ele é inédito. Pronto, falei.
Foi por isso que eu me interessei pelo artigo
da Amana, em que ela denuncia que a cena
da vida noturna alternativa não existe de ver-
dade por aqui, seja pelas restrições das polí-
ticas culturais do governo, seja pela falta de
autenticidade do que está disponível. No en-
tanto, longe de fazer disso derrotismo, o que
ela verdadeiramente afirma é que essa seria
a hora ideal para os grupos criativos locias
tomarem conta desse movimento e determi-
nar os rumos do que pode ser algo realmente
inovador daqui pra frente numa cidade que
necessita de algo assim.
Em que medida as novidades por aqui são
macaqueadas ou autênticas é uma questão
que eu ainda tenho um bom tempo pra ex-
plorar. O que não dá pra negar é que, de um
jeito ou de outro, essa cidade experimenta
um ambiente muito propício para a proposi-
ção de qualquer coisa, e esse é o melhor es-
tado de espírito para o surgimento das ten-
dências mais influentes que se pode buscar.
mumbaImumbaI
Hoje fui à abertura de uma exposição coletiva chamada “Nostalgia, Pride and Fear” numa
galeria bem difícil de achar. Chegando lá me deparei com esse trabalho de uma artista chama-
da Soazic Guézennec. Como vocês podem ver, é uma série de recortes em forma de insetos
feitos a partir de imagens de homens de negócios expostas em caixas entomológicas. Legal,
divertido, bem feito. Mas como abertura de exposição geralmente tem o próprio autor por
perto, percebi que podia tirar de lá mais do que uma foto e decidi fazer pra ela a pergunta
mais importante pra um caçador de tendências: por que você fez isso?
Ela me disse que decidiu fazer esse trabalho por causa do incômodo com a maneira como esse
crescimento tão pujante da Índia se impõe sobre tudo e todos. Seria como se os executivos das
megaempresas se colocassem num lugar acima do resto da população, fazendo da escala das
suas realizações o trampolim para seu destaque.
“Na verdade, eles são tão pequenos quanto qualquer um de nós, e não há nada de especial-
mente distintivo nesse trabalho que possa colocá-los num patamar acima do resto da socieda-
de. Pelo contrário: frequentemente os homens de negócio atuam de uma maneira muito mais
primitiva e parecida com animais do que o resto da população de que buscam se distinguir.”
“NOSTALGIA, PRIDE AND FEAR” – SER FRáGIL NÃO É SER EMO.
Colocá-los em pequenas caixas de expo-
sição de insetos é um pouco mais que di-
versão (tipo: hehe, vou punir vocês agora,
sacaninhas!): é também uma maneira de
subverter a escala com que esses homens
estão acostumados a lidar e a se pintar. Fa-
zê-los insetos é torná-los frágeis na mesma
intensidade que eles mais desejam evitar, e
é aí que o trabalho da Soazic encontra o do
Slinkashu (de que falei em Londres) e mos-
tra o seu lado mais interessante.
A questão da fragilidade tem dado o tom
por muitos lados. Não falo só dos “emos”
que a gente passou tanto tempo vendo no
Brasil antes do happy rock do Restart assu-
mir a ponta. Pra falar a verdade, se o que me
contaram está certo e a expressão “emo-
core” vem de “emotional hardcore” (uma
maneira de humanizar e exaltar um sensibi-
lidade sem se afastar tanto da pegada mais
pesada do hardcore), esse movimento não
tem nem tanta novidade assim se compara-
do, por exemplo, ao que os góticos fizeram
com o punk. O que eu estou chamando a
atenção aqui é pra um tipo de fragilidade
mais associada à modéstia do que à exacer-
bação de sentimentos.
A dimensão da marcha da humanidade nos
coloca numa posição de muito pouca mo-
déstia, que só foi desafiada três anos atrás
com o pipoco do mercado financeiro. É nes-
se contexto que a fragilidade do Slinkashu e
da Soazic se encontram de alguma maneira
pra dar sentido ao título da exposição: Nos-
talgia (pelo que tínhamos), Pride (pelo que
temos, como esse crescimento espetacular)
e ao mesmo tempo Fear (pelo que podemos
não ter mais por causa desse pedestal de or-
gulho todo).
Posso não saber onde vai chegar essa onda
de tomar consciência da fragilidade. Só sei
que seis artistas de seis países diferentes e
que não se conheciam não refletem sobre o
mesmo tema à toa.
08 mar
POst
54
mumbaImumbaI
Se tem uma coisa eu percebi em Mumbai é
que a juventude está se coçando toda de
vontade de fazer coisas novas. Se em geral
a gente consegue ver mudanças de com-
portamento a cada 20 ou 10 anos a ponto
de dizer que nasceu uma nova geração, aqui
às vezes não precisa nem de 5 anos pra ver
isso. Foi com esse olhar que conversei com a
idealizadora de uma das iniciativas que mais
tem alimentado esse espírito pela cidade:
Dhanya Pilo, criadora do The Wall Project.
O projeto em si começou em 2007, quando
ela percebeu que o muro em frente à sua
casa estava branco demais e precisava de
mais cores, puxando o gatilho do que seria
a maior explosão de graffiti que a cidade já
viu. No entanto, o verdadeiro diferencial do
The Wall Project não está na sua arte final, e
sim no seu objetivo. A ideia não é criar um
grupo pra cobrir a cidade toda com a sua
arte, e sim convidar a população toda a to-
mar pra si a tarefa de embelezá-la com as
próprias mãos.
É muito importante que eu diga uma coisa
aqui antes de continuar. Mumbai é uma ci-
dade MUITO poluída visualmente. Além do
mais, o senso de design e estética por aqui é
muito diferente do nosso, pra não dizer que
é realmente menor mesmo. Se no Brasil a
gente se importa com a aparência do lugar,
a impressão visual que ele causa e em fazer
o cliente se lembrar de nós por algo além do
produto que está à venda (mesmo se for um
carrinho de cachorro quente ou um isopor
de sanduíche na praia), aqui boa parte dos
THE WALL PROJECT – PINTAR MUROS TAMBÉM É SER DONO
DE UM LUGAR
lugares não se importa nem em esconder
os fios desencapados e pedaços de parede
sem pintura. Se o produto estiver consumí-
vel, não tem muito mais com o que se pre-
ocupar. É uma mentalidade muito mais fun-
cional do que estética, que permite que pra
alguém cortar o cabelo, fazer a barba, se ta-
tuar ou até mesmo receber uma massagem
de corpo inteiro no meio da rua (juro, vejam
aqui, aqui e aqui) basta que quem esteja fa-
zendo o serviço saiba o que faz.
É por isso que o The Wall Project é mais do
que uma explosão de graffiti. É uma trans-
formação de comportamento. Fui em um
dos lugares onde tudo começou, Chapel
Road, e conversei com um dos moradores,
Jo, que me disse que “antes as pessoas ti-
nham o hábito de mascar folhas e cuspir na
parede. Hoje ninguém mais faz isso, porque
desiste quando vê o trabalho no muro. Elas
respeitam, porque isso é bonito, ninguém
vai cuspir numa obra de arte”.
Dhanya me contou de casos ainda mais
marcantes, como o de um motorista em alta
velocidade que fritou pneu, parou, deu mar-
cha ré até o muro e saiu do carro pra dar um
esporro em quem estava fazendo xixi nas
pinturas. “Essa é a grande transformação. As
pessoas queriam melhorar o lugar onde vi-
viam, mas o governo não fazia nada e ficava
tudo como estava. Agora elas se sentem do-
nas da cidade e arregaçam as mangas elas
mesmas tanto pra melhorar quanto pra de-
fender o que está lá. Está surgindo um senti-
mento de ‘ownership’ que antes não existia,
e isso faz toda a diferença.”
09 mar
POst
55
mumbaImumbaI
No fundo, o The Wall Project é um grande
provocador disposto a alimentar ao mesmo
tempo a veia expressiva e estética de toda
a população. Pra isso eles fazem muito mais
que pintar os muros. Num determinado do-
mingo, por exemplo, o grupo saiu vestido de
super-heróis em bicicletas, ajudou um mon-
te de gente a fazer pequenas coisas, organi-
zou um encontro de jogos de tabuleiros nos
jardins que não estavam sendo utilizados,
um chá de fim de tarde temático de Alice no
passeio público, e convidou todos os curio-
sos para um festival de filmes onde cada fita
tinha no máximo três minutos e tinha a obri-
gação de ser tão caseira quanto um bebê
comendo papa ou aprendendo a andar. Foi
um sucesso, as pessoas pediam pra repetir
vários filmes, e no final das contas todos
queriam voltar justamente pelo fato de tudo
fazer parte de um universo tangível a todos
eles, ao contrário do scape-reality em que
a indústria do cinema de Bollywood tem se
tornado.
Antes de encerrar, deixo também a dica do
Cec (Carnival of e-Creativity) 2011, um fes-
tival de três dias sobre tudo que rola na
cena eletrônica da Índia e de onde a Dhanya
voltou há menos de um mês. Fiquem ago-
ra com mais imagens de muros por onde o
projeto já deixou a sua marca.
mumbaImumbaI
Mumbai está sendo uma ótima oportuni-
dade de conhecer pessoas envolvidas em
grandes projetos de transformação. Primei-
ro a Dhanya, do The Wall Project, agora o
Matias, do URBZ, e amanhã a Aarti, do Gra-
meen Creative Labs. Matias Echanove é um
arquiteto suíço, com PhD em planejamento
urbano e informação pela universidade de
Tóquio, que ajudou a fundar juntamente
com Rahul Srivastava o URBZ de Mumbai.
O projeto é uma pérola que condensa algu-
mas das ideias mais importantes da viagem
numa só proposta de criação participativa
de soluções para o espaço urbano em Dha-
ravi, também conhecida como “a maior fa-
vela da ásia”.
Sabem quando o Banco Mundial vem com
uma proposta de inclusão participativa
pronta e um saco de dinheiro em cima da
mesa e diz: “Nós viemos resolver o proble-
ma de vocês, agora participem”? Isso é o
contrário do que o URBZ quer fazer.
USER GENERATED CITIES – URBZ FAZ HOJE O QUE
OS PALESTRANTES DA ECOBUILD PREVIRAM PRA 2030.
Lembram quando os palestrantes do Eco-
build disseram aqui que a arquitetura física
e a arquitetura digital tendem a convergir no
futuro? Matias aplica essa ideia já hoje. Ele
defende, por exemplo, que, antes de propor
uma solução para um problema, é preciso
entender como o sistema funciona, para sub-
vertê-lo por dentro. Sabem como ele chama
esse tipo de estratégia? “Hacktivismo” social.
Simples assim: agir na sociedade do mesmo
jeito que um hacker age no computador.
Matias tirou as palavras da minha boca ao
dizer que autenticidade só é produzida por
meio da interação (olhem esse post aqui),
onde todos são atores da mesma maneira.
Portanto, o único jeito de construir soluções
autênticas para os problemas de Dharavi é
realizar a interação entre quem os conhece
melhor (os usuários, insiders) e os elemen-
tos de fora do sistema (outsiders), que po-
dem ser tanto engenheiros, arquitetos e jor-
nalistas quanto moradores de outras áreas e
curiosos. Eles trabalham a partir dos aportes
dos usuários, e o trabalho do URBZ é ajudar
a construir essa cooperação.
Já que a ideia é conhecer por dentro e a
produção de informação sobre o lugar tem
que ser participativa, que tal começar com
um… Wiki? Foi isso que eles fizeram quando
criaram o portal dharavi.org, que já tem mais
de 400.000 acessos e cerca de 500 usuá-
rios registrados em sua breve existência.
“Pra transformar o espaço físico é preciso
também ocupar o espaço virtual. De que
outra maneira o mundo vai descobrir que
Dharavi não é só ‘a maior favela da ásia’ mas
também um dos lugares mais ativos de toda
10 mar
POst
56
mumbaImumbaI
“Pra fazer o que a gente quer fazer a gente
tem que assumir que não sabe fazer. Só a
partir daí começa a ficar possível construir
alguma coisa junto. E o que a gente quer
construir é uma user generated city.”
O URBZ é o melhor exemplo que eu co-
nheço de como aliar planejamento urbano
com a sociedade da informação. Mais do
que um caso isolado, é um sinal de que um
novo comportamento está chegando tam-
bém ao espaço público. Um comportamen-
to que parte do usuário e se vale de todas
as ferramentas de interação disponíveis pra
construir soluções que, nessa escala, não só
serão as mais autênticas como as mais efi-
cazes para todos eles.
Mumbai, com 88 bairros? Como é que vão
descobrir que a população construiu, sem
uma única obra estatal, um sistema de abas-
tecimento em que todos podem ter água
corrente num lugar onde quase todo des-
locamento é pedestre? Tudo isso era igno-
rado, mas agora pode ser descoberto sem
ter que vir aqui. Nós estamos influenciando
a tomada de decisões através da pressão do
conhecimento”.
De fato, o que se conhece não se ignora.
Outra das iniciativas atualmente em curso
é o mapeamento completo de todo o sis-
tema de água de Dharavi a partir de foto-
grafias enviadas pelos moradores. É quase
um Google Earth subterrâneo: colaborativo
e incremental. Uma vez com o material em
mãos, os engenheiros podem desvendar o
mistério de como foi construída a malha e
propor melhoramentos não só muito mais
eficientes do que simplesmente botar tudo
abaixo como também orientados para e
pelo usuário.
Tenho que fazer uma confissão: de vez em
quando eu chuto. Tem vezes em que eu
acho uma coisa tão interessante que acabo
dizendo que ela é tendência mais porque tô
torcendo que seja do que porque acho que
é, e já queimei a língua umas duas vezes por
causa disso. Por outro lado, quando vejo
que um palpite desses tá certo e se repete
por todo canto, dá um misto de satisfação
e alívio que vocês não têm ideia. Hoje foi
um dia desses, em que a gente encontra um
lugar quase didático pra demostrar o que
vinha falando: a primeira “pop up store” de
Mumbai, aberta a menos de dois meses.
O nome do lugar é Obataimu, que em ja-
ponês significa “overtime” (aquela horinha
a mais no final do expediente, a famosa es-
ticadinha pra “saideira”, um tempinho pra
nós mesmos). Como toda pop up que se
respeita, o endereço é aquela história do
tipo “a roupa nova do imperador”, que só
inteligente vê. Tirando o vídeo aí em cima,
eles não têm material de divulgação ne-
nhum além do boca a boca de quem en-
controu por acaso ou foi sagaz o suficiente
pra sacar a dica do cavalo preto.
SE FOR CHEGAR ATRASADO, ENTRE COM ESTILO –
OBATAIMU, A PRIMEIRA POP UP STORE DE MUMBAI
11 mar
POst
57
mumbaImumbaI
Ter conceito é bom, mas precisa ir além do
produto final pra eu acreditar que não é só
gogó. É por isso o diferencial da Obataimu
está em explicitar o processo de produção
de tudo que tem. Se você já encontrou o lu-
gar, eles não têm mais porque ter segredos
contigo, então aproveite pra descobrir a
equipe de desenvolvimento de tecidos que
garante a exclusividade da história toda,
com tecnologias que envolvem métodos
como lavar a malha centenas de vezes até
ela ficar tão confortável quanto aquela sua
camisa do Brizola em 82 que você usa até
hoje só porque é gostoso.
E se alguém ainda está achando pouco, fal-
tou contar que cada peça é fabricada por
uma pessoa só. Não tem linha de monta-
gem. Cada um da equipe leva uns cinco dias
pra passar por todas as etapas, de preparar
o tecido até a costura, no que se aproxima cada vez mais do resgate proposto no Craftifesto.
Ah! E só pra não dizer que eu deixei passar batido… alguém adivinha onde é que a ideali-
zadora do projeto está nesse exato momento atrás de ideias pras próximas criações? No
mesmo lugar onde ela descobriu o couro de escama de peixe de que quase ninguém tinha
ouvido falar antes dela transformar na coisa mais “in” e eco-friendly do mundo: no Brasil.
Mumbai pode ter demorado pra surfar essas ondas. Mas chegou causando. Agora, o que
estão fazendo mesmo é mostrar pro mundo que podem debutar com a mesma autoridade
de quem já está é muito do calejado.
Quem der a sorte de chegar lá antes de
mudarem de endereço vai descobrir o re-
quinte de quem oferece mais do que sim-
ples roupas e acessórios, mas também con-
ceitos. As peças estão separadas de acordo
com o estilo de homem que você transmite
ser ao usá-las: o Geek, o Bloke, o Collector,
o Bum… todas com a devida explicação pra
que ninguém passe a mensagem errada.
Tem espaço até pra brincar com a ideia do
Hikimori japonês (aquele cara que vive tão
grudado no computador que não larga dele
nem pra comer ou ir no banheiro). Quem
quiser pode comprar uma capa de laptop
especialmente acolchoada para virar tra-
vesseiro quando o computador estiver lá
dentro. O kit ainda acompanha a venda, pra
garantir que nada atrapalhe o seu merecido
descanso.
mumbaImumbaI
Esse #sharing9 teve um gosto diferente.
Dessa vez não foi só cumprir a tarefa de tra-
zer a arte de rua do coletivo SHN pra Mum-
bai. Foi também me colocar um pouco de
mim mesmo na posição de ser o artista, afi-
nal de contas, uma das partes mais impor-
tantes do processo de espalhar stickers é
justamente escolher onde colocar cada um.
Nesse caso não tem muita historinha a mais
pra contar não, então vamos direto pra ima-
gens que é o que interessa.
Escolhi tanto locações móveis quanto fixas,
tentando sempre pensar no que o Eduardo
Saretta falou: o foco não é o carro, é o tran-
seunte. Desse jeito, alguém vai se surpreen-
der quando for buscar sua correspondência
e encontrar aquele elefante na caixa do cor-
reio; pensar mais de uma vez antes de pegar
na caixa de tensão onde agora a caveira é
muito mais expressiva; se dar conta do tipo
de aventura em que está se metendo quan-
do entrar num rickshaw (tipo de taxi indiano
no qual eu tive a certeza de que ia morrer
algumas vezes) com um “freak” na frente do
banco do passageiro; descobrir mais um es-
paço morto da cidade no fundo de uma pla-
ca ou num quadro de energia doméstico ou
até mesmo queimar o tempo descobrindo
uma nova maneira de usar as mãos enquan-
to espera na fila pra pagar pela comida.
Meu foco principal foi nos arredores de Cha-
pel Road, berço do The Wall Project e um
dos lugares onde as pessoas mais respeitam
a arte de rua na cidade. Fiz isso na tentati-
va de fazer os adesivos terem uma vida tão
longa quanto sua cola permitir, sem se preo-
cupar se hoje ou amanhã alguém vai chegar
lá pra tirar tudo e jogar fora.
#SHARING9 MUMBAI – STICKERS DO SHN ESPALHADOS PELA CIDADE
Valeu, Eduardo. Valeu, SHN. E até a próxima!
12 mar
POst
58
mumbaImumbaI
Meu lado economista se esbaldou nesse
domingo. Conversei com a Aarti Wig, que
fez a gentileza de encontrar uma pausa no
seu trabalho pra me explicar como surgiu a
ideia do Social Business e porque ele tem
tanto potencial na Índia. Ela trabalha com o
Grameen Creative Labs, que acaba de abrir
o seu primeiro escritório justamente em
Mumbai, com a intenção de aglutinar tanto
experiências quanto novas ideias para essa
prática.
As reuniões são uma iniciativa do Grameen
Bank, dirigido por ninguém menos que Muh-
hamad Yunus. Pra quem não conhece, ele foi
o primeiro banqueiro do mundo a receber
o prêmio Nobel da Paz, em 2006, por con-
ta do seu modelo baseado no microcrédito
para resolver problemas sociais em Bangla-
DO GRAMEEN CREATIVE LABS AO SOCIAL BUSINESS - PARTE 1 (A IDEIA)
desh. O cara é simplesmente inspirador, mas
a razão pra tanta empolgação da minha par-
te está no fato de que, se a gente pode dizer
que tem um monte de tendências vindas de
fora e se manifestando por aqui, no caso do
Social Business o sentido é outro: de Índia,
Bangladesh e Paquistão para o mundo. Sen-
do assim, está mais do que na hora de en-
tender de que se trata a história toda.
O objetivo é construir soluções para pro-
blemas socias a partir de propostas de ne-
gócios, de uma maneira que elas possam
sustentar a si mesmas. Como a caridade e
filantropia não são auto-sustentáveis, as
ONGs dependem muito de financiamento
externo e os governos nem sempre estão
dispostos a enfrentar esses problemas, usar
o funcionamento de um negócio como meio
de auto-sustentação pode ser uma alterna-
tiva não só mais viável como também mais
duradoura e dinâmica para as comunidades.
A diferença fundamental entre o Social Bu-
siness e um negócio comum é simples: o ob-
jetivo é solucionar o problema, não ganhar
dinheiro. É importante que eu reforce esse
ponto, porque ele é o centro da proposta do
Yunus: utilizar o conhecimento do lado “sel-
fish” do mundo dos negócios pra alimentar
o lado “selfless” de que todo ser humano
precisa. Pori isso que o “lucro” de um So-
cial Business é reinvestido integralmente
no próprio negócio, garantindo que o foco
continue sendo crescer para resolver o pro-
blema de ainda mais gente.
Um exemplo que a Aarti adora é o da Dano-
ne, que em 2006 chegou pro Yunus dizen-
do que queria ajudar a resolver o problema
da desnutrição em Bangladesh. A intenção
era fazer um iogurte muito fortalecido pra
alimentar o pessoal e vendê-lo por algo em
torno de 15 centavos de real. Depois de al-
gum tempo, apresentaram um projeto de
planta supermoderna, eficiente e no mais
alto patamar da tecnologia de automação
de que se dispunha no momento, ao que o
Yunus respondeu:
“Não. Acho que vocês não entenderam a
ideia ainda. Não é só o produto final que
importa, mas também fazer com que ele
seja fabricado de uma maneira sustentável,
não só para a empresa, mas principalmen-
te para a comunidade que ele quer atender.
Em outras palavras, vamos refazer o projeto
todo. Que tal se a gente comprasse o leite
dos pequenos produtores locais, empregas-
se o máximo de gente possível na produção
do iogurte, distribuísse através de vendas
comissionadas com moradoras da própria
região e ainda criasse um sistema que ga-
rantisse que o que não for vendido pode ser
13 mar
POst
59
mumbaImumbaI
devolvido?” (Pra melhorar ainda mais, só se
eu contar que a energia da nova fábrica da
Grameen Danone é solar e a embalagem do
iogurte biodegradável)
Como vocês podem perceber, quando o
foco está no processo e não na rentabilida-
de, o objetivo é bem mais fácil de alcançar.
Faltou avisar que “grameen” significa “da
vila” ou “do lugar”, mas depois dessa histó-
ria toda acho que eu nem precisava explicar.
Já deu pra entender que é disso que o ban-
co e o modelo todo se tratam.
mumbaImumbaI
Tem mais uma razão pra eu estar escreven-
do sobre a ideia do Social Business nesse
momento, e não é uma boa razão. Acontece
que qualquer leitor atento ao noticiário eco-
nômico deve ter percebido nesses dias que
o Grameen Bank está passando pela pior
crise de toda a sua história, um verdadei-
ro escândalo, cujas consequências podem
impactar definitivamente nos rumos desse
tipo de trabalho daqui pra frente. Pra vocês
terem uma ideia, o próprio Yunus está quase
saindo do banco por causa disso.
Vamos lá, a minha formação de economista
tinha que servir pra alguma coisa nessa via-
gem, então eu vou explicar o que está acon-
tecendo. Toda a estrutura do Grameen Bank
está montada sobre a filosofia do micro-cré-
dito, onde pequenos empréstimos são fei-
tos somente para grupos de pessoas muito
pobres, que passam a utilizá-lo para criar o
próprio negócio. É ele que vai gerar a renda
necessária para honrar o que devem. Como
o princípio do Grameen é tirar as pessoas
da pobreza, ele não pode exigir garantia ne-
nhuma de ninguém antes de emprestar o
DO GRAMEEN CREATIVE LABS AO SOCIAL BUSINESS –
PARTE 2 (O PIPOCO)
dinheiro, o que torna a escolha dos toma-
dores uma das etapas mais delicadas da
história. (Em geral, o dinheiro é emprestado
para um grupo de mulheres que ficam todas
sem acesso a qualquer novo financiamento
se apenas uma delas não pagar, o que acaba
fazendo com que a responsável pela verba
receba fiscalização de todos os lados para
fazer seu negócio dar certo e evitar que o
nome do grupo todo fique sujo na praça)
O que acontece é que o Grameen chegou
num dilema: brigar para crescer e espalhar
tudo isso pelo mundo ou permanecer pe-
queno porém com ótimos resultados. Se a
resposta fosse “crescer”, eles precisariam
de um pouco mais de dinheiro… Mas como
nenhum investidor convencional vai colocar
grana num projeto que não dá lucros, eles
aparentemente não tinham escapatória a
não ser oferecer alguma remuneração a
esse pessoal…
Só que aí o bicho pega. E é “pau viola”, pai.
Porque desde que o mundo é mundo só
tem um jeito de um banco ganhar dinheiro
com dinheiro dos outros: emprestando. E o
que acontece quando você sai emprestando
dinheiro mais preocupado em bater meta
do que em perguntar que tipo de negócio
a pessoa quer abrir? Calote. O negócio dá
errado, acaba o dinheiro pra pagar, o ban-
co não tem o que tomar de volta do pobre
como garantia, e fica sem saber se deixa por
isso mesmo e faz todo mundo pensar que
“é festa” e também não precisa pagar ou se
14 mar
POst
60
mumbaImumbaI
pressiona a família pra dar seus pulos e in-
ventar um jeito de pagar.
O nocócio só fica feio mesmo é no próximo
da história, quando o cara se mata, porque
não tem como pagar o deve, o banco fica
queimadaço com a opinião pública, e o Yu-
nus finalmente se dá conta de que essa ideia
de gerico é mais uma repetição do tipo de
modelo que deu origem à crise nos EUA,
com o agravante de que o pipoco é todo
dentro do próprio banco. Só aí é que se per-
cebe que esse aporte de dinheiro de inves-
tidores externos não tem nada a ver com o
espírito do Social Business, que o Yunus tem
todas as razões do muito pra estar trans-
bordando de raiva com quem fez isso, e que
tem que fazer alguma coisa pra resgatar a
imagem do banco antes que todo o modelo
de microcrédito vá pelos ares . Pra piorar a
situação, o governo de Bangladesh “apro-
veitou” o momento pra tentar destituir o Yu-
nus do cargo de diretor, alegando que ele
não podia assumir esse cargo com mais de
60 anos, num movimento que, no final das
contas, pode complicar ainda mais a inde-
pedência do banco e levar à sua estatização.
(Vocês podem apoiar o Yunus contra esses
ataques clicando aqui, aqui, aqui e aqui)
O Social Business pode crescer pelo mundo?
Pode. Mas não a qualquer custo. Muito me-
nos ao custo do sacrifício do seu princípio
fundamental de não distribuir lucros e rein-
vestir todo o excedente de volta no negócio.
Isso ainda vai dar o que falar… é a primei-
ra vez na minha vida que eu torço por um
banco no meio de uma confusão. Mas nesse
caso dá pra entender: não é qualquer banco,
é um dos únicos no mundo que se preocupa
se vai fechar ou não por causa do tanto de
gente que vai deixar de ajudar ao invés do
tanto de investidores que vai desagradar.
Longa vida ao Social Business. Que ele pos-
sa continuar ajudando a liberar o potencial
criativo de quem sempre esteve impedido
de praticá-lo na vida social. Assim como o
Unseen Tour fez em Londres, tá na hora de
trazer essa galera toda pra cima do palco
como protagonistas da história, e a gente
não pode perder um aliado tão importante
quanto simbólico feito esse assim de graça.
BaNGcoK
baNgCOKbaNgCOK
Organizar o #Sharing9 em uma única sema-
na logo antes de partir já era por si só uma
tarefa difícil (parabéns ao pessoal de Social
Media da DM9, que inventou e correu atrás
de tudo!). Ela seria impossível se não existis-
sem artistas como a Lidi Faria, que preparou
o nosso presente pra Bangkok. Imaginem
vocês que ela fez tudo num ônibus, voltan-
do de viagem!
Ela preparou algo delicado e cuidadoso –
um bordado – e me incumbiu de entregá-lo
a uma criança muito fofa na Tailândia. Ago-
ra temos também um pouco de artesanato
brasileiro pra levar pro mundo. Vejam aqui
como foi a entrega, uma hora antes de eu ir
pro aeroporto:
Nosso contato foi tão rápido que não deu
tempo de conversar muito mais sobre al-
guns outros trabalhos dela… Mas se vocês
quiserem, podem se inteirar de tudo visitan-
do o site dela ou seguindo o seu twitter
@lidifaria.
#SHARING9 – LIDI FARIA PREPARA EM TEMPO RECORDE UM BORDADO
PRA BANGKOK
Ê satisfação… tem dias que a gente desco-
bre um nova tão boa que sente que tem
que divulgar. Tenho obrigação de estimular
essa transformação de hábitos tão agradá-
vel pelo mundo todo, não é não? É que no
meu primeiro dia em Bangkok eu descobri
que o que está voltando, com toda a força,
por todo lado e de uma maneira totalmen-
te acachapante (nossa, fazia tempo que eu
não usava essa), é uma nossa velha conheci-
da: a mini-saia!!!
Ela mesma! E não venham me dizer que eu
tô forçando a barra pra chamar de tendên-
cia só porque eu queria que fosse (quem,
eu? que é isso…). Olhem o que o que eu en-
contrei em meia horinha de caminhada por
aqui:
Voltando pro hostel eu fui conversar com a
atendente mais “trendy” do lugar pra per-
guntar se isso era só coisa da minha cabe-
ça ou se estava crescendo mesmo. Quando
mostrei as fotos ela disse: “Nossa! Que legal!
Isso é coisa de um mês ou dois pra cá. Mini-
saia a gente usa, mas esse tipo feito com o
tecido leve assim eu tinha visto muito pouco
ainda. Essa quantidade de gente usando e
de vitrines está começando a mostrar é algo
muito novo que está explodindo agora”.
Só pra reforçar ainda mais o ponto de vista,
seguia eu caminhando traquilamente pela
praça quando me deparo com nada menos
que um ensaio fotográfico para um novo
catálogo de moda. Adivinha o que todas as
meninas estavam vestindo??? Ela mesma…
quase imperceptível mas sempre lá.
O outro sinal de como Bangkok é uma cida-
de up-to-date apareceu quando eu resolvi
perguntar pro fotógrafo, que não fala inglês,
o que estava rolando. Sabem o que ele fez?
Com toda naturalidade do mundo, tirou o
seu iPhone do bolso, abriu o Google Trans-
BANGKOK, SUA LINDA… A MINI-SAIA VOLTOU!14 mar
POst
6116 mar
POst
62
baNgCOKbaNgCOK
late, configurou em Inglês/Thai e botou na
minha mão. Não vou mentir que ri alto, mas
o pior é que funcionou! Primeira vez que
eu tive uma conversa presencial através de
uma máquina com alguém. E podem escre-
ver que essa é outra trend comportamental
que aproxima as pessoas através da tecno-
logia para que quando a linguagem univer-
sal dos gestos não funcione, a barreira do
idioma não seja mais tão drástica.
Agora vamos adiante que ainda a cidade só
tá começando.
Esse é o primeiro post “ponha seu rabo en-
tre as pernas” da viagem. Uma galera me
escutou no twitter falando sobre o tal con-
gelamento de pessoas, uma dessas ações
organizadas por grupos de intervenção ur-
bana como o Improv Everywhere, em que
uma multidão de repente pára tudo que
está fazendo e congela, como se fosse uma
estátua viva, enquanto o resto das pessoas
fica com cara de besta sem entender nada.
Eu mesmo já postei aqui um vídeo sobre
o maior congelamento já feito no mundo,
em 2008, com cerca de 3000 pessoas em
frente à Torre Eiffel.
Pois ontem eu estava descendo a escada
do skytrain de Siam Square quando, de re-
pente, pareceu que a estação inteira tinha
parado. Um negócio incrível! Eu não sabia o
que fazer, fiquei pensando “MEU DEUS! Eu
estou ao vivo no meio de um congelamen-
to humano!”, e quando finalmente consegui
pegar minha câmera… todo mundo já tinha
voltado a andar.
Mas eu tive uma segunda chance! 24 horas
depois, num lugar completamente diferen-
te da cidade (Weekend Market de Chatu-
chak), eu me senti o homem mais sortudo
do mundo por ter conseguido gravar isso:
No entanto, o que eu descobri mais tarde
foi um belo balde de água fria no meu en-
tusiasmo.
Todo santo dia, precisamente às oito da
manhã e às seis da tarde, o Hino Nacional
da Tailândia toca. E todo mundo pára pra
escutar.
CONGELAMENTO DE PESSOAS? BEM… QUASE ISSO…17 mar
POst
63
baNgCOKbaNgCOK
Não importa o que estejam fazendo. Todos
os tailandeses param, em sinal de respeito
pelo seu hino, o símbolo máximo da única
nação do sudeste asiático que nunca foi co-
lonizada. Inclusive, se você não parar, pode
ter a desagradável surpresa de ser detido e
preso. Prestem atenção de novo no vídeo aí
em cima. A única pessoa que não parou era
um gringo tão ignorante feito eu que deve
ter acreditado que estava presenciando a
maior provocação subversiva do grupo de
intervenção urbana mais inovador de que
conhece.
Só me resta por o meu rabo entre as per-
nas. Não é que em Bangkok não existam
congelamentos humanos (vide esse link
aqui). Mas o que eu queria dizer com essa
história toda é que se hoje eu passei ver-
gonha de vender gato por lebre pra todo
mundo que me lê, eu também aprendi uma
coisa que não vou esquecer tão cedo quan-
do chegar numa cidade: Comece aceitando
que não sabe nada. Só depois desconfie de
alguma coisa.
Caminhando por aí, descobri uma galeria
onde estava rolando a exposição “Explora-
tion of Darkness”, organizada pelo The Wet
Carpet. Trata-se de uma coleção de pinturas
e video-instalações feitas pra brilhar com luz
negra. O visual é bem interessante, mas a ra-
zão de eu estar escrevendo sobre isso é outra.
Se durante o dia temos uma exibição, à noite
a galeria se transforma num espaço de experi-
mentação para DJs e VJs em festas inusitadas.
“A gente trabalhou muito tempo levando a
arte que fazia pra dentro dos clubes. Agora
decidimos fazer o contrário: trazer os clubes
pra dentro da galeria”
Não é só o The Wet Carpet que pensa que
ir a uma galeria tem que ser uma experiência
memorável: quando eu estava em Nova Ior-
que descobri que o planetário do American
Museum of Natural History se transforma uma
vez por mês em pista de dança numa festa
chamada One Step Beyond. O mesmo acon-
teceu na reinauguração do Museum of The
Moving Image, que ofereceu um final de se-
mana de música, luzes e projeções pra marcar
a data.
PRA TIRAR MAIS DE UMA GALERIA, QUE TAL SE SEU CORPO VIRAR
TELA? MúSICA E BODY-PAINTING COM LUZ NEGRA
18 mar
POst
64
baNgCOKbaNgCOK
“É um erro achar que num club as pesso-
as prestam mais atenção na música do que
em outros lugares. Por ser a razão principal
pra ir lá, ela é também o elemento menos
surpreendente de todos. Por outro lado,
se você está num museu e começa a escu-
tar uma música, presta uma atenção muito
maior, porque aquele não é um ambiente
no qual você está acostumado a receber
esse tipo de informação. A nossa ideia é
sair do convencional e propor uma experi-
mentação nova a um público que não está
acostumado com isso”
E se a história é falar de experiências novas,
que tal se eu contar que ainda participei
de um workshop de Body-Painting com luz
negra? Essa nem eu esperava, e é por isso
que cada detalhe ficou marcado mais forte
na memória: o frio na pele, o tato, a rigidez
da tinta quando seca… e a possibilidade de
explorar o corpo do outro como tela para o
seu trabalho. Aliás, quem se lembra do Un-
derground Rebel Bingo Club? Aquela “festa
secreta” em que eu fui em Nova Iorque, em
que na entrada a primeira coisa que a gente
recebia era uma cartela e uns marcadores.
Ninguém dizia que eles eram só pra marcar
a cartela: eram também (e principalmente)
para desenhar nos corpos das outras pes-
soas, e eu garanto a vocês que ninguém
saía limpo de lá.
Alguém ainda tem dúvida de em que parte
do “Mergulhe, se lambuze e depois me con-
te como foi” ela se encaixa?
Não importa o que estejam fazendo. Todos
os tailandeses param, em sinal de respeito
pelo seu hino, o símbolo máximo da única
nação do sudeste asiático que nunca foi co-
lonizada. Inclusive, se você não parar, pode
ter a desagradável surpresa de ser detido e
preso. Prestem atenção de novo no vídeo aí
em cima. A única pessoa que não parou era
um gringo tão ignorante feito eu que deve
ter acreditado que estava presenciando a
maior provocação subversiva do grupo de
intervenção urbana mais inovador de que
conhece.
Só me resta por o meu rabo entre as per-
nas. Não é que em Bangkok não existam
congelamentos humanos (vide esse link
aqui). Mas o que eu queria dizer com essa
história toda é que se hoje eu passei ver-
gonha de vender gato por lebre pra todo
mundo que me lê, eu também aprendi uma
coisa que não vou esquecer tão cedo quan-
do chegar numa cidade: Comece aceitando
que não sabe nada. Só depois desconfie de
alguma coisa.
baNgCOKbaNgCOK
Calma, calma: eu não comecei a fumar e nem
estou fazendo apologia nenhuma. O que
acontece é que em Bangkok eu conheci um
casal que está fazendo um trabalho interes-
santíssimo no Camboja e me deu razões de
sobra pra escrever sobre eles. Quem aí sabia
que dá pra fazer tecido a partir da maconha?
Você que pensava que ela só existia pra “fazer
a cabeça” dos “muitcho dôdjos”, tá na hora de
rever os seus conceitos…
Não é toda variedade da Canabis que pro-
duz o tal do THC, psicoativo responsável pela
“viagem” toda. O que o Mathew e a Eny me
explicaram é que principalmente as incapazes
de produzir (chamadas de hemp), podem se
converter numa das mais resistentes fontes
de fibras para tecidos no mundo, e mesmo as
outras variedades (chamadas de marijuana)
podem servir se cortadas antes da etapa em
que o produzem. Para fins práticos, no entan-
to, (e para evitar possíveis confusões) só se
trabalha com o primeiro tipo.
“Nós estamos tentando fugir do rótulo de hi-
ppie. A nossa motivação é outra, é ambiental.
Com a ‘industrial hemp’ você pode produzir
um tecido de três a sete vezes mais forte e
resistente que o algodão, em metade do tem-
po e com metade da água. Num país com li-
mitação de recursos, essa economia pode ser
essencial, sem falar no fato de que tudo pode
ser feito a partir de pequenas propriedades,
beneficiando muito mais gente.”
Através desse projeto, chamado Re3-Genera-
tion (Resource, Repower, Restore), Mathew e
Eny querem chamar a atenção também para
um tipo de iniciativa que oferece soluções lo-
cais para alavancar a condição de vida de um
pequeno produtor a partir de algum negócio
que seja auto-sustentável. Conversando um
pouco mais, Mathew me disse que a ideia que
tinha quando deixou a Califórnia era muito
próxima da do Social Business.
“Parece mentira, mas é incrível o que a gente
pode fazer com a ‘industrial hemp’. Sabendo
usar, ela se torna o elo de uma cadeia que aju-
da a solucionar problemas tão graves como a
desnutrição, a tuberculose e o déficit de mo-
radia a partir de um pequeno negócio. A ‘in-
dustrial hemp’ tem recurso pra tudo isso, mas
a gente ainda sofre muito com o preconceito,
construído ao longo de anos sobre os efeitos
do THC. Enquanto as pessoas não percebem
que o nosso trabalho não tem THC, quem se
alimenta da confusão é a indústria do algo-
dão, que não ajuda em nada a resolver ne-
nhum desses problemas.”
Pra mostrar como a história é importante, o
ministério da agricultura do Camboja está
apoiando o projeto por uma série de razões.
Entre 1975 e 1979, o país passou por um ge-
nocídio que exterminou 2 milhões de pessoas
(25% da população) e levou junto com elas a
maior parte do conhecimento sobre como uti-
lizar a maconha industrial. Desde então, Ma-
thew e Eny são os primeiros a trabalhar com
ela, o que faz com que o governo enxergue na
AGORA EU SÓ VISTO MACONHA – INDUSTRIAL HEMP DO
RE3-GENERATION PRA FAZER MELHOR QUE JEANS E AJUDAR O CAMBOJA
19 mar
POst
65
baNgCOKbaNgCOK
iniciativa mais do que um empreendimendo
para modificar a vida de pequenos agriculto-
res, mas também a possibilidade de resgatar
uma tradição perdida no tempo.
Tenho minhas opiniões sobre a questão das
drogas, da legalização e tudo, mas não é meu
papel falar delas aqui. O que eu não podia dei-
xar de mostrar é um movimento que está em
plena rota de crescimento, pretende se encai-
xar numa proposta que eu identifiquei com
uma grande tendência da ásia pro mundo (o
Social Business), e ainda por cima tem como
objetivo de expansão mais imediato… o Brasil!
(Sim, a Eny é uma Nipo-brasileira que deixou
o país há 11 anos e está louca pra aproveitar o
nosso momento especial de florescimento e
voltar pra casa com a novidade).
Se isso vai conseguir chegar até Brasil eu não
sei. Só sei que a calça que eu ganhei vai. E
como daqui pra lá ainda falta quase um mês,
nesse tempo todo eu ainda vou vestir maco-
nha um montão de vezes.
baNgCOKbaNgCOK
Dessa vez decidi dar um mergulho no uni-
verso teen de Bangkok. Mais por imposição
dos fatos do que por escolha, porque quan-
do você está saindo de um shopping e vê
um negócio desse, tem obrigação de parar e
perguntar o que é.
Não, eles não estavam pedindo dinheiro,
tampouco inventando flash mob e muito
menos a fim de subverter espaço nenhum.
Me disseram que estavam só ensaiando pra
um campeonato de dança que ia ter dali a
uns dias. “Por que a gente decidiu fazer isso
aqui? Sei lá, a gente gosta e pronto.
We don’t care”.
Eles podem não querer nada, mas dizem
muito quando colocam uma música coreana
pra tocar e adotam esse tipo de visual. De
fato, a Coreia tem se tornado a maior referên-
cia externa para o comportamento tailandês.
Seja pela vestimenta, pela música, onde for,
é ela que está estabelecendo o que é “cool”
para a juventude daqui.
Continuei então o meu caminho até ser obri-
gado a parar de novo por causa de outra
horda de teenagers ensandecidos se acoto-
velando pra ver quem chegava mais perto de
uma parede de vidro. A parede em questão
era de uma cabine de rádio, que fazia a sepa-
ração entre a multidão e as grandes estrelas
do mais novo blockbuster do cinema teen
tailandês. O filme estreou não tem duas se-
manas, e se chama “Suckseed”.
A história é a mais velha do mundo: um gru-
po de garotos decide formar uma banda pra
impressionar as garotas da sua idade. A di-
ferença começa a aparecer no fato de que
eles não se importam em serem muito ruins,
e aí tem algum ponto de interessante. Parece
que a mensagem do filme, assim como tem
repercutido nos jornais locais, é de que deve
haver alguma razão pra o mundo ter mais
jovens participando de bandas do que no
exército, embora não haja evidentemente es-
paço pra tanta gente. A grande razão para o
seu “sucesso” é mostrar que a questão não é
mais ter “sucesso”, é sim apenas se expressar,
sem medo de ser feliz.
Eventualmente, essa falta de medo vai causar
virais como a tal da Rebecca Black. Alguém,
pelo amor de Deus, me explique por que ela
tá no top trends do twitter há DIAS se não
for por causa da vergonha alheia pela voz de
gralha de uma menina que tem a coragem de
se prestar ao des-serviço de cantar a letra de
“Friday”. É aquele tipo de constrangimento
tão grande que não pode ficar restrito ao ser
humano que vê e precisa ser compartilhado
com alguém imediatamente.
Exceções à parte, a questão, no entanto, é
que as maneiras de interagir são tão grandes
na nossa sociedade digital que realmente não
tem mais tanta razão pra alguém ter vergo-
nha do que gosta de fazer. A minha geração
aprendeu que, usando bem as ferramentas,
todo mundo acha plateia. A dessas crianças
já nasceu sabendo.
Agora é ver onde é que eles vão chegar.
O QUE FAZ UM TEEN DE BANGKOK?20 mar
POst
66
baNgCOKbaNgCOK
No começo do ano, o nosso Ministério da
Cultura criou (finalmente!) uma pasta para a
Economia Criativa. Não sabem o que é isso?
Grosso modo, é toda a produção de riqueza
econômica a partir das atividades artísticas,
culturais, conceituais, etc. produzidas no nos-
so país. Já estava mais do que na hora de to-
mar consciência que é por esse lado que vão
sair os elementos mais valiosos (e podero-
sos) do nosso futuro: as ideias. Acontece que
na Tailândia eles perceberam isso uns três ou
quatro anos atrás, e foi aí que surgiu a ideia
de criar o TCDC (Thailand Creative & Design
Center), um dos lugares mais fascinantes que
conheci na viagem toda. Ele está fundamen-
tado em torno de cinco objetivos:
1) Prover conhecimento.
2) Prover inspiração
3) Prover oportunidades para pessoas lo-
cais nas suas próprias províncias (existem
mini-TCDC espalhados pelo país, além de
transmissão ao vivo das palestras que acon-
tecem em Bangkok).
4) servir de ponte entre pessoas interessa-
das e os designers (catálogo de trabalhos na
internet e mural com cartões, bem à moda
antiga, na sede).
5) usar todos as itens anteriores para impul-
sionar a economia nacional.
De todos os itens acima, eu só vou falar do
primeiro e do último. Um é o que torna-o tão
apaixonante. O outro faz dele uma tendência.
Uma biblioteca INCRÍVEL vocês podem ima-
ginar. Mas uma sala onde as estantes estão
cobertas de amostras de todo tipo de ma-
terial, catalogados pelo processo de fabrica-
ção, com legendas explicando como pode
ser utilizado… eu nunca tinha visto. A “Sala
de Materias” do TCDC (aliás, só existem cin-
co dessas no mundo inteiro) é o paraíso de
qualquer designer realmente criativo. Já pen-
saram na alegria de saber que pra “todo pro-
blema real existe uma solução material” bem
ali, depois da porta?
Mas é exatamente essa a ideia do lugar: pro-
ver tudo que for necessário para as mentes
criativas desenvolverem os produtos ou con-
ceitos capazes tanto de gerar riquezas quan-
to de se tornar a representação da Tailândia
no mundo. O TCDC não é uma escola de de-
sign, mas oferece o suporte completo para o
“thinking process” da inovação.
De curioso que sou, ainda dei uma futucada
a mais até descobrir que a outra menina dos
olhos de lá é “Trend Book” da biblioteca. Ló-
gico que eu joguei um lero pra atendente me
deixar dar uma olhada (geralmente só sócios
tem acesso ao livro), e com uma ajudinha da
sorte consegui folhear a mais nova edição de
todas: Interiores no outono-inverno de 2012-
2013. Rapaz, que felicidade… foi abrir o livro e
dar de cara com pelo menos mais duas tren-
ds que eu vinha matutando e não tinha senti-
do firmeza pra divulgar ainda. Agora podem
deixar que os próximos posts vão ser exata-
mente sobre elas.
Pra não acabar esse post sem falar da ten-
ECONOMIA CRIATIVA E A FASCINANTE “SALA DE MATERIAIS” –
TCDC BANGKOK
21 mar
POst
67
baNgCOKbaNgCOK
dência que o TCDC representa em si mesmo
ao abraçar a ideia da economia criativa, nada
melhor do que a declaração que ouvi de uma
brasileira (cujo nome ainda vou me lembrar)
num programa de TV logo antes de deixar o
Brasil:
“Se você pega a economia da ‘dança’, é um
negocinho desse tamanho… envolve os pro-
fessores, bailarinos, escolas, todo mundo di-
retamente relacionado com a dança enquan-
to atividade profissional. No entanto, se você
pega a economia do ‘dançar’, essa é ENOR-
ME! Envolve todo tipo de atividade gerada a
partir do ato de dançar, e nesse bolo entram
as festas, shows e até mesmo o carnaval! E
todo mundo sabe a quantidade momumen-
tal de recursos que essa atividades movi-
mentam.”
O pulo do gato está aí, em perceber que é
investindo o potencial de pessoas criativas
no desenvolvimento de novos conteúdos e
conceitos relacionados a atos como “dançar”
que nós vamos acionar o gatilho da grande
onda de transformações que podemos dese-
jar. O TCDC não quer só desenvolver produ-
tos, quer desenvolver ideias, porque o gover-
no agora se deu conta do valor que elas têm
nessas áreas. Só pra fortalecer o argumento,
sabem qual é o tema da exposição de cuja
abertura eu acabo de chegar? “Games e ani-
mação na era digital”.
Ou vocês acham que o primeiro ministro de
um país vai pessoalmente a um evento desse
só porque curte um Playstation?
Como eu disse no post passado, o “Trend Book” do TCDC de Bangkok me deu insights suficien-
tes pra juntar uns pontos e colocar aqui no blog. Como algumas coisas são melhor vistas do que
ditas, vejam esse vídeo aqui:
Sim, querido leitor. Esses aros que você está vendo são ventiladores sem pá. Não vou mentir que
até agora não entendi como funciona essa história, mas o anúncio promete um fluxo de ar até 15
vezes mais forte que os modelos convencionais com um consumo de energia consideravelmen-
te menor. Pode até ser verdade, mas não é essa a razão que deixa a gente boquiaberto com o
vídeo. O que enche os olhos é mesmo a beleza estética de uma tecnologia que faz tudo parecer
muito mais simples.
No entanto, talvez o grande mérito do Air Multiplier Fan esteja menos na sua tecnologia inovado-
ra do que no momento em que desenvolve essa solução. Desde a primeira parada da viagem (e
até mesmo antes, no Brasil), eu venho percebendo que um dos lugares para onde as mentes cria-
VENTILADORES SEM Pá – UMA NOVA MANEIRA DE BRINCAR COM O AR22 mar
POst
68
baNgCOKbaNgCOK
tivas mais têm apontado a sua atenção não
está nem nos muros, nem no chão, nem em
qualquer superfície, mas sim no único espaço
realmente livre de contato humano: o ar.
Ainda em Nova Iorque, no comecinho da via-
gem, uma rápida visita ao MoMA já tinha co-
meçado a me convencer de como isso está
despontando como um horizonte de possi-
bilidades. Com dois ventiladores, o artista li-
tuano Zilvinas Kempinas conseguia criar dois
círculos de rolo de VHS que flutuavam eter-
namente entre eles, numa exposição que tra-
tava de como o desenho saía do achatado do
papel para conquistar o incontível do espaço.
Era o suficiente pra paralizar meio mundo de
gente, que passava minutos parado ali, besta,
olhando o negocinho voar.
Já em Paris, eu descobri uma loja de conser-
to de relógios antigos em que a decoração,
no entanto, tinha sido deixada a cargo de um
artista que trabalhava apenas como móbiles.
Quando perguntei por que ele tinha decido
fazer isso, ele me respondeu que “bem, tinha
um francês* que dizia que os espaços hori-
zontais estavam todos tomados por carros e
pessoas, então restava o espaço vertical pra
explorar nas cidades. O que eu acho é que
até o espaço vertical está começando a ficar
saturado, então a gente tem que criar solu-
ções pra usar o único espaço que ainda te-
mos verdadeiramente livre: o ar”.
Duas ruas depois, no mesmo bairro de Mont-
martre, outro artista também tinha feito a sua
parte pra explorar essa ideia. No vão que a
demolição de um imóvel antigo abriu entre
dois prédios, ele enfiou algumas vigas de
metal de uma parede à outra e pronto: trans-
formou tudo numa grande galeria suspensa.
O que eu quero mostrar é que assim como
muitas ideias brilhantes às vezes demoram a
ter aceitação por não encontrarem o ambien-
te adequado para recebê-las, eu acredito que
o caso do Air Multiplier Fan é exatamente o
oposto: uma tecnologia que permite manipu-
lar com uma funcionalidade incrível o espaço
aéreo no momento em que mais queremos
explorá-lo, ao mesmo tempo em que se afina
com a tendência de transportar a limpeza e
simplicidade da arquitetura digital pra tantos
lugares quanto for possível.
Convergência é a palavra de ordem. Melhor
para a fabricante, que apostou nisso pra se
levantar no único espaço realmente “touch-
less” do nosso mundo real.
baNgCOKbaNgCOK
Outra tendência que o Trend Book do TCDC
de Bangkok apontou (e pra qual eu já vinha
colecionando sinais há um tempo) tem a ver
com retalhos. Não precisa ser consultor de
moda pra perceber quando uma coisa co-
meça a aparecer como um padrão por onde
passa. Vocês também não começariam a sus-
peitar de algo se vissem isso se repetindo as-
sim?
Eu comecei a suspeitar quando vi que a histó-
ria da “guerrilha do crochê” era mais conhe-
cida no mundo do que eu supunha. Eu até
arriscaria dizer que essa onda de retalhos na
moda já é reflexo do sucesso das experiên-
cias do knit graffiti por aí. No entanto, como
eu não estou aqui pra falar de moda (não vou
gastar o tempo de vocês me metendo a bes-
ta em assunto que eu não conheço), o que
eu posso fazer é dizer que tipo de compor-
tamento eu vejo encontrar expressão nessa
história toda.
Por definição, um trabalho com retalhos é
algo que une peças separadas. Esses retalhos
podem não ter sido feitos para aquele deter-
minado fim, mas quando se envolvem nesse
fim encaixam de alguma forma, e a arte toda
está em saber encaixar.
Se você faz um casaco de retalhos sozinho,
ótimo. Está desenvolvendo a própria habi-
lidade de resignificar o que antes era outra
coisa. Porém, se tem a oportunidade de par-
ticipar da experiência do retalho coletivo,
leva a atividade à última escala: encontrar um
jeito de aproximar as criações de um monte
de gente a partir do que elas têm em comum.
GATHERING SOCIAL – RETALHOS FAZEM MAIS QUE ROUPAS BONITAS.
Vejam só o que aconteceu em Cambridge em
setembro do ano passado. Para Sue Sturdy,
não bastava cobrir uma ponte inteira com cro-
chê. Tinha que ser o recorde mundial do maior
número de pessoas costurando juntas. E foi.
Desde o começo, a artista já explicava que “as
contribuições para essa colaboração artística
comunitária são chave para o seu sucesso.
Uma pessoa sozinha iria se debater com um
projeto dessa magnitude, mas juntos nós po-
demos criar uma incrível obra de arte que vai
incluir um caleidoscópio de texturas, cores e
individualidade“, mostrando que, ao contrário
de anular, a criação coletiva potencializa as
particularidades.
A razão de eu estar falando disso tudo não é
outra que não sublinhar que nós vivemos no
mundo do “Gathering”. E isso nada mais é do
que a convergência de pessoas. Os retalhos
coletivos aprenderam a fazer isso muito bem,
23 mar
POst
69
baNgCOKbaNgCOK
com a certeza de que esse processo vai levar à
composição de algo extremamente autêntico.
Se a gente fala tanto em convergência de tec-
nologia e mídias, a razão pra isso não pode
estar em outro lugar que não numa mudança
de comportamento humano, social. Na pales-
tra de encerramento da Ecobuild em Londres,
um antropólogo sumarizou tudo isso com
uma frase só: “tecnologia é uma relação social
em forma concreta”. É por isso que eu acre-
dito que pra entendê-la a gente precisa olhar
primeiro pra como as pessoas pensam, e só
depois pra como os engenheiros desenham.
Retalhos só crescem do jeito que estão cres-
cendo porque representam de maneira con-
creta o que estamos vivendo. E assim vai
continuar por um bom tempo.
baNgCOKbaNgCOK
Conforme prometido, rodei um tanto de Ban-
gkok à procura de uma “criança fofa” pra re-
ceber o presente da Lidi Faria. Em uma das
voltas que dei, encontrei Fai, sentada numa
cadeirinha tomando seu suco e rindo solta pra
quem quisesse ver.
Não vou mentir que a minha preocupação
com esse #Sharing9 era conseguir que os
pais me deixassem fotografar a criança, sem
pensarem que eu era um gringo tarado que ia
jogar as fotos dela na net sabe-se lá pra quê.
Pra resolver esse problema eu contei com
duas ajudas.
Primeiro, com Pla, que trabalha na recepção
do hostel onde eu estava hospedado e se ofe-
receu de coração aberto não só pra me ajudar
na tarefa como pra me mostrar a cidade intei-
ra! Durante três dias, eu esperava ela terminar
o expediente no meio da tarde para sairmos e
explorar a culinária de rua da Tailândia, os lu-
gares onde os locais vão, e, inclusive, o TCDC
(que foi ela que me indicou quando me viu
perdido sem saber aonde ir na primeira tarde).
Além da ajuda essencial de Pla com a tra-
dução e tudo o mais, eu ainda pude contar
com o fato de que os tailandeses são o povo
mais parecido com o brasileiro que eu já vi
no mundo. Eu fico impressionado com como
eu não sabia disso! Além de serem notada-
mente conhecidos pelo sorriso que sempre
carregam no rosto e pela maneira como cos-
tumam responder a um pedido com “por que
não?” ao invés de “por que eu deveria fazer
isso?”, vocês sabiam que eles comem TAPIO-
CA??? Eu quase chorei de emoção quando vi
isso. No Rio, as pessoas me conhecem por
oferecer tapiocadas aos meus amigos e tro-
car o misto do café da manhã por uma re-
cheada de coco com queijo. PENSEM numa
saudade lerda que eu matei então!…
#SHARING9 BANGKOK – BORDADO DA LIDI FARIA PRA ALEGRIA DA FAI,
UMA LINDA CRIANÇA TAILANDESA
Enfim, foi por razões como essas que eu não
tive problema nenhum em documentar a en-
trega do presente que a Lidi preparou com
tanto carinho pra uma das crianças mais fo-
fas que eu vi na cidade. Muito obrigado, Lidi,
pela prontidão e por nos ajudar a levar um
pouco do artesanato brasileiro pro mundo
conhecer. Antes de a viagem começar eu
não tinha dimensão do quanto essa ativida-
de está crescendo, mas hoje fico feliz de ter
levado um pouco dela comigo. Espero que
você também tenha gostado.
Um abraço, e até a próxima!
24 mar
POst
70
XaNGaI
xaNgaIxaNgaI
Esse sim é um presente valioso!!! Todo mun-
do sabe que a China tem sérias restrições a
algumas redes sociais como o Facebook e o
Twitter. Não que isso impeça totalmente as
pessoas de participar delas de alguma manei-
ra, mas dificulta muito o acesso ao que está
sendo disseminado livremente por esses ca-
nais em outros lugares. Que tal então levar de
presente um pouco da internet brasileira pra
Shanghai?
Foi essa a proposta da visita à sede da you-
Pix e do encontro com a Bia Granja, editora da
revista. Na verdade, a maioria de vocês deve
conhecê-la simplesmente pelo nome de Pix,
pelo qual ficou conhecida. Mas sabe como é…
A revista começa impressa e o caminho natu-
ral (principalmente se o foco dela é internet)
é ganhar um site. Como o domínio pix.com.br
já existia, foi pelo MyPix.com.br que ela entrou
na rede.
Se parasse por aí tudo bem, mas o pessoal
não se contenta e começou também a organi-
zar eventos, oportunidades pra o pessoal das
redes sociais se encontrar e adicionar mais
essa esfera às suas possibilidades de sharing.
Colocando o foco no fato de que ele estava
voltado pra fora da revista, convocando a ga-
lera mesmo, qual seria o nome do encontro?
youPix.
O fato é que esses eventos cresceram tanto
que se tornaram talvez maiores do que a pró-
pria revista! Pra se ter uma ideia do alcance
da parada, uma das figuras ilustres a prestigiar
uma das edições foi ninguém mais ninguém
menos que David After Dentist!!! Quem não
se lembra dele? Então pra juntar tudo de uma
vez, ficou melhor mudar tudo pra youPix logo.
Dito isso, estou levando um catatau do último
exemplar da revista pra espalhar por lá, junto
com alguns números mais antigos – incluindo
#SHARING9 – BIA GRANJA ESPALHA A INTERNET BRASILEIRA POR XANGAI.
a maravilhosa relíquia que é a 1a edição da
(então ainda) Pix! – e um monte de bottons
também. Ah, quase esqueci… também tenho
a missão de explicar o que é a #sualinda pra
uma pessoa por lá. Se ela entender, ganha um
botton!
Pra saber mais sobre a revista e o que está
bombando na internet brasileira, procure uma
Pix, ou acesse:
Site oficial: http://mypix.com.br
@NaPix
@BiaGranja
14 mar
POst
71
Eu tentei jogar, e vou confessar que é difícil
pra CAR@#&0*! Me senti quase um corea-
no no forró. Mas não precisei me preocupar
porque nem todo mundo está lá pra jogar.
O evento é também um grande encontro
da bike comunity de Shanghai, uma opor-
tunidade de conhecer pessoas novas e tro-
car ideias sobre as novidades da vida em
xaNgaIxaNgaI
Bicicletas são uma alternativa barata, eco-
logicamente correta e saudável para o
transporte urbano. Ok, todo mundo sabe
disso. O que pouca gente sabe é que agora
existe um esporte completamente novo e
inusitado usando as bikes nossas de cada
dia. Se vocês também nunca tinham ouvido
falar nisso, bem vindos ao BIKE POLO!
Se algum de vocês já tiver jogado Polo na
vida, eu vou tomar um susto – em que cida-
de do mundo você encontra um gramado
amplo o suficiente para permitir que seis
cavalos corram pra lá e pra cá com seus
cavaleiros disputando uma bola? (Aliás,
quem é que tem seis cavalos numa metró-
pole!?!?!). Mas se a gente trocar os cavalos
por bicicletas, o gramado por um estacio-
namento, e os drinks sofisticados por cer-
vejas com os amigos… tudo muda de figu-
ra. Agora podemos ter o primeiro esporte
coletivo com bicicletas do mundo em qual-
quer cantinho da nossa cidade.
O Bike Polo só se preocupou em criar uma
regra nova: não por o pé no chão (o que,
pra quem está num cavalo, não devia ser
uma preocupação muito grande). Fora isso,
o jogo é bem simples: três pra um lado, três
pro outro, cada time defendendo um gol.
Cada jogador carrega um taco e só pode
atirar ou passar a bola com ele. A bola fica
no meio, ao apito do juiz os times correm
para disputá-la, e quem marcar cinco gols
primeiro, vence.
3, 2, 1, BIKE POLO!!!27 mar
POst
72
xaNgaIxaNgaI
duas rodas.
Foi conversando com eles que eu fiquei
sabendo, por exemplo, da onda das Fixed
Gear Bikes, bicicletas sem marcha e sem
freio em que a corrente encaixa numa ca-
traca fixa, de modo que, quando a roda
gira, o pedal sempre acompanha (tanto pra
frente quanto pra trás). Pra frear uma “Fi-
xie”, você precisa inclinar o corpo pra fren-
te e diminuir o ritmo do pedal pra depois
segurar e cantar pneu, o que coloca os seus
donos em outro patamar de perícia em re-
lação a nós, reles mortais montando Calois.
O mais interessante, no entanto, é o fato
das Fixies serem a plataforma para uma
personalização enorme. Nenhuma é igual à
outra, e é isso que está transformando-as
também em canal de expressão. Dos adesi-
vos, cores e formas dos quadros até o ban-
co em que o pai aprendeu a andar 50 anos
atrás, tudo tem um significado.
Assim como vestir-se não é só cobrir o cor-
po, andar de bicicleta não é só se transpor-
tar. E vai ser cada vez mais assim daqui pra
frente. Me despeço hoje deixando vocês
com esse minidocumentário de 5 minutos
trançando as origens do Bike Polo no mun-
do, um esporte que também é mais que
uma modalidade, e tem potencial pra aglu-
tinar e desenvolver uma cultura própria em
torno de si pra influenciar o comportamen-
to de muita gente.
xaNgaIxaNgaI
A invenção é japonesa, do Muu Design Stu-
dio, mas eu descobri na China. Quem me
mostrou a ideia foi um dos organizadores
do Bike Polo, que também é editor um site
inteiramente dedicado à paixão por bicicle-
tas em Shanghai, o People’s Bike. A paixão é
tão grande que acabou de nascer uma seção
chamada “Bike Porn”, onde são postadas as
fotos das Fixed Gear Bikes “mais desejadas
da cidade”. Além do mais, como eu não vou
mais passar no Japão, não faz mal home-
nagear uma criação de lá, então dêem uma
olhada nisso aqui.
O nome do modelo é Pit In. Como vocês
podem ver, a pessoa chega na sua bike, en-
caixa a roda da frente, e não precisa mais se
preocupar se alguém vai levá-la embora en-
quanto faz um lanche. Simplesmente come
lá mesmo, em cima dela. Depois abre a sua
mochila, tira o lap-top, dá uma olhada nas re-
des sociais, começa a pesquisar alguma coi-
sa, um endereço… e aí é só pedalar de novo
que já está no caminho pra lá.
A ideia é prática? Sim. Viável? Também. Tem
utilidade pra quem não usa bicicleta? Claro!
Uma mesa é sempre útil pra qualquer pedes-
tre. Ainda assim, o Pit In continuaria relegado
ao hall das excentricidades de estação, que
não deixam muito mais que uma lembrança
engraçada na memória de que viu, não fosse
o conceito do “non-stop” que traz incorpo-
rado em si mesmo.
De fato, não é à tôa que o nome é Pit-In ao
invés de Pit-Stop. É como se você não tives-
se que interromper sua jornada pra fazer o
que tem que ser feito parado. Essa ideia está
crescendo muito, e pode ser observada em
produtos tão variados como o mochila aí em
baixo, chamada de “mochila solar”.
Os painéis do lado de fora aproveitam a luz
do sol de que a gente tanto reclama quando
carrega peso pra gerar em energia e recarre-
gar celulares, laptops, MP3s ou câmeras fo-
tográficas dentro da mochila. Se todos nós
adoramos a possibilidade de carregar inter-
DON’T PIT-STOP. PLEASE PIT-IN
net, música e informação na palma da mão
pra onde formos, antes de inovações como
essa (ou essa) ainda tínhamos que conviver
com a obrigação de dar um “break” em al-
gum momento pra recarregar as baterias.
Agora não mais.
A primeira vez que vi uma foi na “Sala de
Materiais” do TCDC Bangkok, mas assim que
cheguei no hostel meu colega de quarto me
disse que já tinha visto várias na Suíça, de
onde vinha. Em outras palavras, me garantiu
que a tecnologia é funcional e não apenas
conceitual. Faz tempo que é possível estar
“on-line” 24 horas por dia. O que está se tor-
nando possível (e imperativo) é continuar as-
sim em qualquer lugar, em qualquer situação,
e sem interrupções de percurso.
Seja numa bike ou no computador, a vida é
uma só. E se parar você cai.
28 mar
POst
73
Passado meu momento comentarista de
teatro (o que, cá entre nós, eu adoro fazer),
fica a lembrança de como as obras interati-
vas, em que o espectador é convidado a to-
mar parte da construção do acontecimento
ao invés de ficar separado do artista pela
tão famosa quarta parede, estão pipocando
por todos os lugares. Definitivamente essa
é uma tendência muito forte, e eu tenho ra-
zões de sobra pra acreditar nisso conforme
documentei aqui, aqui, aqui e aqui.
xaNgaIxaNgaI
Está rolando em Shanghai um festival cha-
mado JUE, que significa “amanhecer”. Com
a clara intenção de ser uma vitrine para no-
vos talentos na música e nas artes, o fes-
tival ainda possui uma mostra paralela de
performances chamada Enter. Pode ter
muita coisa boa rolando no JUE, mas é essa
mostra o hors concours da história toda.
Sem dúvida nenhuma, a cereja do bolo.
E uma cereja pra muito pouca gente, por-
que todas as apresentações acontecem
dentro de um cubículo de talvez 3 x 3, onde
só cabem seis pessoas de cada vez, no se-
gundo andar de uma loja de roupas cha-
mada Source. Pra me iniciar no negócio fui
assistir a um projeto chamado “Open Sour-
ce Film”, e tenho que dizer que já comecei
tirando o chapéu.
Funciona mais ou menos assim. Quando
você compra um ingresso, recebe um email
com uma pergunta. Você responde dizen-
do o que gostaria de ver quando chegar o
dia da apresentação. Quando tiver todas as
respostas, o responsável pela iniciativa, Mi-
chael Beets, vai enviá-las pra uma atriz em
Nova Iorque, e ela vai fazer alguma coisa
juntando todos esses pedidos numa perfor-
mance só.
E como é que faz pra ver a mulher se apre-
sentar lá de Nova Iorque? Skype, é claro!
São sete e meia da noite aqui e sete e meia
da manhã por lá, mas dentro da salinha es-
tamos todos nos vendo ao vivo, sem delay,
e interagindo do mesmo jeito que se esti-
véssemos de frente pro palco, que, no caso,
é o quarto dela. Com direito a gato passan-
do no meio das falas, telefone tocando e
tudo o mais.
Coisa boa a gente tem que elogiar, e o tra-
balho que ela fez foi muito bom mesmo!
Textos interessantes, interatividade na me-
dida certa, e uma obra que traz o público
pra dentro da construção sem abrir mão da
autoria nem cair no “tudo vale”. Além do
mais, realmente saí sem a menor noção de
que parte dos incidentes eram ocasionais
pelo fato de ela estar no quarto dela e quais
eram propositais pra brincar com a gente.
Enfim, linha tênue entre atuação e exposi-
ção, com entrega e sinceridade.
WELCOME TO ENTER – OPEN SOURCE FILM29 mar
POst
74
Esse vídeo é uma delas: sediado em Nova
Iorque, o The Box se propõe a ser um espa-
ço de ousadia e criatividade na cultura de
cabaré. Aliás, corre na boca pequena que
eles já tem inclusive planos de expandir
para Londres muito em breve.
Seguindo na programação do Enter, tive-
mos experimentações com música eletrô-
nica, teatro físico, e até “Speed Dating”.
Nesse caso, oito homens e oito mulheres fi-
cavam no cubo e cada pessoa um tinha um
minuto pra conversar com o outro. Minuto
acabado, encontro encerrado e vamos pro
próximo.
xaNgaIxaNgaI
No post passado eu falei de um festival cha-
mado Enter. Como eu tinha conferido só o
primeiro dia, foquei na história do Open
Source Film. Só que o evento tinha muito
mais a oferecer, e depois de um bom fim
de tarde conversando com a sua curado-
ra (Anita Hawkins, da Malásia) eu simples-
mente não tinha como não falar mais um
pouco do que está rolando.
Pra começar, uma performance chamada
“Boylesque”. Sim, burlesco com um ho-
mem, que diz que já está de saco dessa
cena saturada e por isso decidiu fazer algo
novo pra ela. Imaginem a cara dos chineses
chegando pra ver um cara se apresentar de
cinta-liga, peruca e plumas junto com uma
“assistente de palco” num cubo de 3m x
3m. O choque pode até ter sido “too much
information” pra cultura daqui, mas que foi
memorável foi.
Realmente, quando estive em Londres
pude ver o tamanho dessa onda do burles-
co na cultura dos cabarés. Em Paris idem, e
em Milão até premiação anual especializa-
da na categoria já está rolando. O problema
é que ele vem expandindo de uma maneira
tão acachapante quanto previsível, o que
incomoda muitíssimo gente como o Tidia-
ne, do Boylesque. A questão então é: que
tipo de resposta os artistas inovadores tem
tentado dar para esse problema?
WELCOME TO ENTER 2 – BOYLESQUE, SPEED DATING E AN XIAO30 mar
POst
75
xaNgaIxaNgaI
Quem também deu o ar da graça no festi-
val foi a “social media artist” An Xiao, que
trabalha atualmente em parceria com nin-
guém menos que Ai Wei Wei – o chinês do
“Sunflower Seeds” da Tate Modern (já falei
dele aqui) e autor de projetos tão impor-
tantes como o estádio Ninho de Pássaro,
o símbolo maior de toda a Olimpíada de
2008 em Beijing. Ainda mais exclusiva, a
performance dela era para apenas um es-
pectador.
Como esse espectador não fui eu, só sei
que dentro do cubo tinha uma mesa, duas
cadeiras e dois computadores, e que ape-
sar de An Xiao e o visitante ficarem a ape-
nas um metro de distância, toda comunica-
ção entre os dois só podia ser feita via Sina
Weibo, o serviço de microblog chinês se-
melhante ao Twitter (pra não dizer melhor).
Quando receber a resposta do email que
enviei pra ela com perguntas sobre a mídia
social na China e o trabalho que ela desen-
volve, divido mais com vocês. Por enquanto
só posso deixar essa micro entrevista aí que
ela deu ano passado. O mais interessante é
quando ela toca suavemente nesssa ques-
tão de as “experiências” estarem tomando
conta das artes, sobre a qual eu já falei bas-
tante. Afinal de contas, não foi à toa que
eu preferi ir pro festival de performances ao
invés de pra mostra de belas artes…
Que a economia da China está crescendo es-
pantosamente todo mundo sabe. Dá pra ver
isso claramente na paisagem da cidade, com
a demolição de prédios e casas antigas pra
dar espaço ao ritmo avassalador da constru-
ção civil. O que nem todo mundo sabe é que
nem tudo que é posto abaixo tem que ser
deixado pra trás.
Pois hoje eu conheci um cara que faz dos res-
tos de demolição matéria prima para novas
criações. Da combinação entre os elementos
encontrados nesses locais e outros tão anti-
gos quanto caixas de biscoito metálicas, ele
cria móveis como esses aqui:
Jonas Merian veio da Suíça para Shanghai
trabalhar na indústria de próteses ortopédi-
cas. Cansado da maneira como os negócios
funcionam na China – segundo ele o reco-
nhecimento aqui vem muito mais por uma
questão de prestígio e bons relacionamentos
do que pelo ciclo “normal” das coisas (bom
produto, bom preço e pessoas comprando)
– há um ano ele abandonou a atividade para
BENS QUE CONTAM HISTÓRIAS –
DOS ESCOMBROS à ALTA SOCIEDADE DE SHANGHAI
31 mar
POst
76
xaNgaIxaNgaI
se dedicar a aquilo de que mais sentia falta:
trabalhar com as próprias mãos.
“É interessante ver como essa questão de
ser feito manualmente interessa às pessoas.
Além do mais, eu uso materiais que já tive-
ram uma vida pregressa, então é como se
o móvel tivesse uma história pra contar. Por
isso também que, ao invés de tirar as imper-
feições, eu tento manter tudo o mais próximo
possível do original. As pessoas entendem
que esses riscos, furos e mossas na verdade
não são defeitos: são marcas”
Em países como China, Índia e Brasil, o mo-
delo de crescimento baseado na incorpora-
ção dos mais pobres como consumidores no
mercado (a tão falada ascensão da “classe
C”) tem gerado um fenômeno de compor-
tamento muito interessante. Enquanto esses
grupos elevam o seu padrão de vida pela via
do acesso a bens (televisão, geladeira, auto-
móveis…) e serviços (como viagens de avião,
por exemplo), a parcela mais rica da popu-
lação se empenha em criar novos símbolos
de status a partir dos quais possa se distin-
guir dessa massa que tão “perigosamente”
se aproxima. É esse movimento que Jonas vê
muito claramente em relação ao seu trabalho.
“Se o que você diz é verdade e nós realmen-
te estamos migrando de uma sociedade que
coleciona bens pra uma que coleciona expe-
riências, eu posso dizer que é isso que move
muita gente a comprar os meus móveis. Eles
enxergam a possibilidade de possuir um bem
através do qual podem contar uma história
(a história dos materiais até chegarem em
suas casas)”
O que estamos vendo é a incorporação da
experiência no bem. É essa a tendência de
que estou falando. Podem escrever.
Mas será que é realmente esse contato com
a arte que atrai as pessoas pra lá? A própria
Bree acha que não, mas é por isso mesmo
que acredita na ideia:
“O mais importante de tudo é reconhecer
que existe uma coisa de voyeur no ar. Quan-
do você olha pras redes sociais, tem uma bela
combinação entre o poder de fuçar na vida
dos outros e o prazer de compartilhar (share)
experiências e descobertas. É ver e ser visto.
O que a gente tá fazendo com esses eventos
é alimentar esse sentimento. Você quer ver
como é que faz? Então venha e veja. Você
é artista e quer mostrar seu trabalho? Então
venha e mostre.”
Se as pessoas estão curiosas pelos processos
e já não se satisfazem em saber apenas dos
resultados finais, esse tipo de batalha lhes dá
exatamente o que querem. O grande lance
é que os organizadores aprenderam usar o
fetiche pra gerar interesse no que quiserem.
xaNgaIxaNgaI
às vezes eu gosto quando encontro uma coi-
sa completamente nova, bem característica
de um lugar, quase endêmica. Já em outras, é
a descoberta de um padrão de repetição que
me deixa mais satisfeito, porque ele começa
a dar a dica de quais são as coisas que estão
realmente na rota de influenciar mais pesso-
as. O encontro de hoje foi um desses.
Conversei com Bree Harisson, que trabalha
na Dyce Productions, sobre um tipo de even-
to que ela tem ajudado a organizar em Shan-
ghai e que vem crescendo cada vez mais. Em
outubro do ano passado, eles encontraram
um antigo galpão, ambientaram-no devi-
damente, convidaram uma galera do street
dance pra chamar atenção, e organizaram
uma batalha de artistas plásticos.
O atividade tinha como objetivo não só ser
vitrine para novos talentos mas também co-
locar o público numa situação de proximida-
de maior com a arte, vendo o processo acon-
tecer na sua frente. Sob o slogan de “belas
artes como entretenimento” a Dyce quer co-
locar as pessoas numa situação tão próxima
do que está acontecendo a ponto de se per-
guntarem: “Ora, se eles pode fazer isso por
que eu não posso também?”
Passados mais algumas semanas, outro even-
to sacudiu Shanghai. Dessa vez foi uma “Di-
gital Design Battle”, em que a produção do
evento lançava o tema a partir do qual os de-
signers teriam que criar uma estampa para a
marca Hongmen Art dentro de um intervalo
de tempo determinado. Durante esse proces-
so, tudo que faziam era projetado num telão
para que o público visse, e a reação popular
era um dos maiores termômetros do êxito do
trabalho. Para o diretor da Hongmen Art, esse
caráter participativo do público é o melhor
termômetro de quais são as estampas que
podem fazer sucesso, além de uma etapa im-
portante do processo de crowdsourcing que
é a base da sua produção.
Se você parar pra pensar, esse é exatamen-
te o molde do Cut n’ Paste, festival de que
o nosso querido Raphael Sonsino (do #Sha-
ring9 de Paris) participou ano passado em
São Paulo. E segundo Bree é isso mesmo!
“Uns dias depois nós recebemos até uma
carta da organização mundial do Cut n’ Pas-
te! Só que ao invés de reclamar, eles estavam
era nos parabenizando pela realização do
evento e dando todo o incentivo para que
continuássemos fazendo outros”.
VER E SER VISTO – BATALHA DE DESIGNERS, ARTISTAS E VOYEURS01 abr
POst
77
Como é que fica o país numa hora dessas?
Você pode limitar o acesso às redes sociais
no mundo, mas não pode impedir que in-
formações como essa circulem. Vai bloque-
ar o site do New York Times também? Até
a Folha falou sobre isso! É impressionante
como o governo chinês tem medo do po-
der da repercussão dos grandes movimen-
tos do mundo dentro das suas fronteiras,
e nada demonstra melhor essa história do
xaNgaIxaNgaI
A China é um país que enche todo mundo
de curiosidade. Tem sempre algum mistério
envolvendo esse lugar, uma coisa de “como
é que pode?”. E conforme eu fui conversan-
do com as pessoas, percebi que às vezes
mais interessante que os feitos que ela al-
cança é a maneira contraditória como ela
chega lá.
Por exemplo, em Shanghai existe uma
área chamada M50, com uma concentra-
ção enorme de galerias de arte, de onde a
gente sai absolutamente maravilhado com
o potencial criativo chinês. Eu só podia fo-
tografar muito pouco, e essas são algumas
imagens que eu pude guardar. No entanto,
o que minhas conversas tanto com a Bree
Harisson quanto com a Anita Hawkins (or-
ganizadoras da batalha de designers e do
Welcome to Enter) revelaram foi uma ima-
gem completamente diferente.
“Pode não parecer, mas a China é um país
que valoriza muito pouco a arte. Você não
estaria errado em pensar que as mentes re-
almente inovadoras acabam saindo daqui,
seja por causa da censura ou por causa da
falta de estímulo à produção artística. Por
causa disso acaba que é da comunidade
estrangeira que vem a maior parte das ini-
ciativas relacionadas à arte. A gente sente
que a China vive um momento especial,
tem um potencial criativo enorme, mas não
está canalizando isso da maneira correta,
então tenta dar a contribuição que pode
pra estimular essa atividade por aqui.”
Mas como é que a gente reconhece essa
falta de estímulo ou esses olhos vigilantes
do governo? É só olhar pra exemplos como
o do Ai Wei Wei, que é uma das maiores re-
ferências da arte contemporânea chinesa,
reconhecido no mundo todo. No momento
em que quer mostrar para o mundo o quão
criativa, inovadora e poderosa é essa nação,
o governo convida-o a desenhar o maior
símbolo das Olimpíadas de Beijing (o está-
dio Ninho de Pássaro). O cara é celebrado,
abraçado, e tudo o mais, só que que man-
tém sua postura crítica ao governo quan-
do está fora da China. Daí o que acontece?
Acontece que hoje, dia 3 de abril de 2011,
ele tenta desembarcar em Beijing e não só
é “detido”, como tem seu atelier invadido,
e, literalmente, desaparece do mapa (até
agora não há nenhuma informação da polí-
cia sobre pra onde ele foi levado).
PRA ONDE VAI A CHINA? – PARTE 1 – WHAT IS (AI WEI WEI E JASMINE
REVOLUTION)
03 abr
POst
79
xaNgaIxaNgaI
que o caso impagável que vou contar ago-
ra, chamado Revolução das Jasmins. Nunca
ouviram falar? Então escutem essa:
Primeiro Egito, depois Síria… o mundo pe-
gando fogo e se perguntando “who’s next?”
na onda de revolta popular. É claro que na
China ia acontecer alguma coisa, e as pes-
soas usaram os canais da mídia social para
organizar uma grande ato em favor da “li-
berdade” no país. O governo ficou sabendo,
se preparou para o grande dia, e, quando
chegou a hora, centenas de policiais se en-
fileiravam nos locais de encontro. Mas sabe
quantas pessoas apareceram? NENHUMA!
Zero, nada. Pra não passar vergonha e mos-
trar serviço, a polícia prendeu uma equipe
de jornalistas que tinha ido cobrir o evento,
e saiu tentando deter tantos transeuntes
quanto pudesse, acusando-os de participar
da Jasmine Revolution, enquanto esses di-
ziam que “não, não! eu só estou passando!”.
Piada pronta? Pode até ser. Mas um belo
exemplo do quão assustadas as pessoas
estão com o seu governo, e do quanto ele
mesmo está assustado com o poder que
essas ferramentas podem ter nas mãos das
pessoas. Eu só digo uma coisa: se eu fosse
o governo, teria razão pra me preocupar.
Porque se tem uma coisa que chinês não é,
é besta, e eles já estão aprendendo a usar
essas mídias muito bem sim senhor. às ve-
zes bem até demais.
mada SUDU que chama a atenção.
Ter um Feiyue original não só estar em pé de
igualdade com qualquer usuário do francês
(com a vantagem de que ele é, de fato, mais
confortável), mas também ter o orgulho portar
um produto reconhecidamente made in China.
ChinART, insh, Feiyue e até mesmo sites como
o nicelymadeinchina.com e o Creative Hunt
são exemplos de como, apesar do pouco in-
centivo, da fuga de cerébros e da censura, a
gente pode sair do mero “what is” China pra
dizer que a ela se encaminha pra um futuro
onde cabe mais orgulho de si mesma e do que
tem para oferecer. E é por causa do “what if”
de gente como a Helen Lee, que aposta num
caminho quando quase tudo aponta pro ou-
tro, que tudo isso está acontecendo.
xaNgaIxaNgaI
Se a parte 1 desse post era sobre o que está
acontecendo na China, a parte 2 é a que real-
mente importa pra esse blog: o que vai acon-
tecer. No fundo é aqui que fica claro porque
um país desse é tão surpreendente e contra-
ditório quando você começa a palpitar sobre
pra onde ele vai.
Se o estímulo à arte e inovação é realmente
tão pequeno assim, era de se esperar que as
coisas mais valiosas fossem aquelas que vem
de fora, certo? Em parte sim, porque ainda há
um fetiche muito grande pelas grandes mar-
cas importadas e pelo reconhecimento exter-
no como caminho pra consagração nacional.
Mas não! Mais uma vez a China bota o jogo de
cabeça pra baixo e começa a engatar numa
tendência que só pode ser chamada de Prou-
dly Made in China.
Alguns anos atrás, desafiando todos os prog-
nósticos, a designer de moda Helen Lee de-
cidiu lançar uma empreitada onde todos os
produtos seriam feitos em Shanghai, com ma-
teriais de Shanghai e por pessoas de Shanghai,
de modo que o nome da marca também não
poderia ser outro: “InSh”. O que ela conta na
entrevista para Frances Arnold, do Creative
Hunt, é esclarecedor:
“Quando eu comecei, as pessoas chegavam,
provavam as roupas e perguntavam de onde
eram. Ao descobrir que era de uma designer
local, perguntavam ‘por que um marca chine-
sa tão cara?’, afinal de contas, poderiam ir ao
mercado de Xiangyang e gastar 20 yuan num
roupa local! Muitas disseram até que eu deve-
ria trocar o nome da marca de insh pra In Paris!
Ninguém diria isso agora. Antes, tudo girava
em torno de ter a bolsa da Prada ou da Louis
Vitton, mas agora cada vez mais pessoas es-
tão felizes em ‘descobrir’ novos designer. Essa
é uma grande mudança que eu vi”
Não é só o sucesso da Insh que dá sinais da
valorização do que é feito na China. Já tem
um tempo que um tipo de sapato chamado
Feiyue ganhou as vitrines do mercado euro-
peu. Originalmente, ele era simplesmente um
tipo barato e confortável de calçado, acessível
aos trabalhadores mais pobres das cidades.
Mas quando chegou na França foi suavemente
modificado para virar símbolo pra aqueles que
queriam levantar o dedo para a cultura mains-
tream. O sucesso foi tão grande que os pró-
prios chineses começaram a comprar o Fren-
ch Feiyue! No entanto, se isso seria mais um
exemplo de consagração nacional por causa
do reconhecimento externo, é o fato de agora
a versão original, sem os toques franceses, es-
tar sendo relançada por uma companhia cha-
PRA ONDE VAI A CHINA? – PARTE 2 – WHAT IF (INSH, FEIYUE E PROUDLY
MADE IN CHINA)
04 abr
POst
80
Só vou ter dimensão de como isso mudou a
minha vida na hora que voltar pra casa, dei-
tar na minha rede e olhar pela janela. Com
a certeza de que por detrás dela agora tem
muito mais do que eu podia imaginar.
xaNgaIxaNgaI
É chegada a hora da partida. A última antes
de voltar pro Brasil. Fica pra trás o conti-
nente asiático, e é hora de voltar pra Améri-
ca. Depois de um mês por aqui, posso dizer
que tenho muito mais que depoimentos pra
dar: carrego imagens marcadas de um jei-
to que não vai sair tão cedo dessas fatiga-
das retinas. É por isso que o mínimo que eu
podia fazer era dividir algumas delas com
vocês. Talvez falem mais do que eu possa
descrever, e levem o que ficou guardado
um pouco mais além de mim mesmo.
Todas foram feitas numa mesma tarde de
feriado. Um dia só, mas que condensa mui-
to do que torna esse lugar tão fascinante.
É outro ritmo, outra cabeça. Enquanto a
gente passa o feriado tomando uma, olha
o que eles tão fazendo do outro lado do
mundo! hehhehe E olha a idade do pesso-
al lotando a praça pra se exercitar, o jeito
como as crianças olham pros adultos, a ma-
neira como eles se juntam pra dançar numa
cultura onde o toque tem um significado
completamente diferente do nosso. No fi-
nal das contas, acho que nós podemos até
ter algumas datas de comemoração seme-
lhantes, mas celebramos coisas muito dife-
rentes.
Não sei se me sinto à vontade pra dizer
mais do que isso agora. Falar de como essa
experiência na ásia mudou a minha vida, ou
algo assim. Nessa viagem, cada passagem
é um mergulho em queda livre. E quando a
gente está no ar não sente peso.
ZAI JIAN, CHINA – ATÉ A PRÓXIMA05 abr
POst
81
sÃo FRaNcIsco
sÃO FraNCIsCOsÃO FraNCIsCO
Agora sim. Se a missão de explicar a #sualin-
da pra alguém na China já era difícil, o pes-
soal da DM9 resolveu complicar um pouco
mais minha vida: o presente do #Sharing9
pro Japão… são… vejam vocês… (suspense e
tambores rufando)… metáforas. Isso mesmo.
Chegando em Tóquio eu vou me virar para
espalhar a “palavra de Inagaki” por onde for
(é, irmão, pode começar a se sentir o Mes-
sias agora).
Pra quem não conhece, Inagaki é uma figura
muito importante na “websfera” brasileira.
Ele escreve para o seu blog (“Pensar en-
louquece. Pense nisso”) desde 1999, e já se
estabeleceu como uma das referências “cul-
tas” ou “inteligentes” do meio. No entanto,
prefire dizer apenas que tem uma preocu-
pação maior com conteúdo do que, infeliz-
mente, boa parte dos blogs brasileiros, que
se ocupam muito mais em reproduzir do
que em produzir esse conteúdo todo.
Outro traço pelo qual é reconhecido é pela
constante criação de metáforas. E são al-
gumas delas que vou levar pro Japão pra,
depois de encontrar algum tradutor muito
bom, disseminar pelos cantos.
Quem quiser pode ver mais sobre ele na en-
trevista que a youPix (#Sharing9 da China)
fez com ele em Julho.
Sigam ele também por esse canais:
http://inagaki.tumblr.com/
@inagaki
#SHARING9 – INAGAKI ESPALHA SUA PALAVRA POR TÓQUIO19 jan
POst
82
Até a próxima, Tóquio. Um dia eu chego aí.
Bom dia, São Francisco. Where do we start?
sÃO FraNCIsCOsÃO FraNCIsCO
Um dia em Mumbai, acordei assustado. Al-
guém estava falando no Twitter que um ter-
remoto enorme tinha atingido o Japão. Li-
guei a televisão, e só se falava nisso. Fiquei
abismado com as imagens, tanto que me
senti na obrigação de passar aquelas infor-
mações a quem não conseguia acompanhar
a cobertura no Brasil, onde nenhum portal
parecia estar sabendo de nada. Algumas
pessoas acharam inclusive que eu estava lá,
e me mandaram mensagens perguntando se
estava tudo bem.
Eu não estava lá, mas Tóquio era o destino
final de minha viagem, e eu deveria estar lá
em menos de um mês. Esse dia seria preci-
samente hoje.
Imediatamente fui tomado por uma ânsia de
chegar lá. Muita gente queria correr do pro-
blema, mas eu queria ir, logo. Ser testemunha
ocular da história, ter a chance de ver o es-
pírito japonês manifestar os mais profundos
laços que unem essa nação, no momento de
maior dificuldade, e dar a minha parcela de
contribuição humanitária pra essa reconstru-
ção toda. Aguardei ansiosamente o dia, tor-
cendo pra que a crise nuclear fosse resolvida
logo e não ganhasse proporções piores do
que já tinha.
Mas não foi assim que aconteceu. E o Japão
mergulhou na pior crise nuclear do sua histó-
ria, o que levou a DM9 a cancelar a passagem
por Tóquio em nome da minha segurança
pessoal contra essa ameaça invisível. Enten-
di? Claro que entendi. Esqueci? Não, e conti-
nuo torcendo para que a situação se resolva
e para que o país possa se reerguer. Só que
agora faço isso de São Francisco, cidade que
substituiu Tóquio no percurso.
É por isso que o #Sharing9 com as metáfo-
ras do @Inagaki continua de pé. Não posso
mais espalhá-las por Tóquio, mas posso ir até
o lugar onde a população japonesa vive em
São Francisco e levá-las até eles. Assim, se
elas não podem chegar aonde deviam, pelo
menos vão chegar em quem deveriam.
O terremoto foi terrível, a tsunami e a crise
também. Mas se tem uma coisa que japonês
detesta é ser visto como coitado. Eles vão se
reerguer rápido, sair dessa, e no final dar sen-
tido à camisa que está aqui nesse post, que
fotografei hoje em São Francisco. O Japão é
um coitado? Não. Precisa de ajuda? Sim. Mas
o que tem que ficar mesmo é que a gente
não deveria precisar de um terremoto pra
ajudar um ao outro.
ATÉ MAIS, TÓQUIO. BOM DIA, SÃO FRANCISCO06 jan
POst
83
sÃO FraNCIsCO
Pra começar a passagem por San Francisco,
decidi conferir um história chamada Art Ex-
plosion Open Studios. Junto com a entrada
da primavera, coletivos de artistas por toda a
cidade estão abrindo as portas dos seus estú-
dios para mostrar o que andaram preparando
no inverno. De tudo que eu vi, dois trabalhos
merecem destaque.
O primeiro deles é o da Ehren Reed, e se cha-
ma “Avatar, Proximities”. à primeira vista po-
dem parecer apenas retratos pixelizados, mais
um trabalho sobre os elementos básicos do
mundo digital. No entanto, não precisa muito
tempo pra perceber que cada pequeno pixel
é na verdade costurado no papel, à mão. Nada
de impressão, nenhum processo mecânico re-
produzível em larga escala. Os componentes
da imagem digital são todos feitos um por
um, por alguém que cuidadosamente prepa-
rou isso.
Eu podia me estender horas nesse assunto,
mas não preciso, porque acredito que ao lon-
go dessa viagem já tenha dado indicações su-
ficientes do quanto as soluções manuais estão
ART EXPLOSION OPEN STUDIOS
ca distância entre nós e o “fabricante” fosse
o tempo que ele se deu pra aprender aquela
técnica.
E é aí que a gente chega no segundo traba-
lho, de um vietnamita chamado Tuan Tran. Ele
trabalhou durante muito tempo com pintura,
mas quando descobriu os elementos poluen-
tes que faziam parte do processo industrial de
produção das tintas que usava, prometeu a si
mesmo que nunca mais usaria tinta e que não
precisaria delas pra dar cor a coisa alguma.
Partiu para o uso de materiais reciclados, que
já tinham naturalmente cores distintas, tanto
para cobrir superfícies quanto para criar for-
sÃO FraNCIsCO
voltando à tona como resposta à rejeição dos
processo industriais, que criam bens em enor-
me quantidade mas não criam identidades. Lá
no comecinho, ainda em Barcelona, a dona de
uma loja de antiguidades tecnológicas tinha
me dito que, num futuro próximo, “os jovens
vão ter as novidades tecnológicas pra usá-las,
enquanto vão ter as minha antiguidades para
vivê-las”. No fundo, é exatamente isso que
está acontecendo por aqui também, com a
arte da costura e do tricô.
Não basta ser funcional, tem que ser táctil. É
quase como se a gente tivesse que se sentir
capaz de fazer a mesma coisa, como se a úni-
07 jan
POst
84
sÃO FraNCIsCOsÃO FraNCIsCO
mas ousadas e até mesmo roupas conceitual-
mente interessantes.
Além dessa questão da reciclagem e do “feito-
à-mão” em lugar de métodos industriais, Tuan
Tran chama a atenção para um outro aspecto
de quase toda obra de arte. “Sozinhos, esses
elementos não são nada. São apenas fios de
cobre de telefonia velhos com cores diferen-
tes sinalizando onde ia cada linha (o que não
existe mais desde a fibra óptica). Mas juntos
eles são alguma coisa de muito mais bonito.”
Pode até ser que o seu trabalho não traga tan-
ta novidade assim (por mais impressionantes
que suas formas coloridas possam ser, uma
artista chamada Ruth Asawa já fazia “croche-
ted-wire” em cobre e prata desde a década
de 50), mas nem sempre é a novidade que faz
uma tendência. às vezes, escolher a técnica
certa no momento certo é mais importante
que inovar no momento errado. Melhor pra
ele, que tem talento pra ir muito além com a
ideia.
Pra encerrar, fica o vídeo desse tesouro que
ele guarda há anos trancado numa caixa, mas
que depois de uma boa conversa decidiu
compartilhar. Agora vocês também podem se
deliciar com a delicadeza que só um trabalho
minimalista e paciente como esse pode gerar.
Esses asiáticos são incríveis mesmo.
sÃO FraNCIsCO
Esse final de semana São Francisco está rece-
bendo o Green Festival, o maior festival rela-
cionado à sustentabilidade dos EUA. Foi numa
das apresentações que assisti lá que me dei
conta do quanto estamos viciados em algu-
mas maneiras limitadas de pensar o tema. Se,
no final das contas, a viagem toda é pra tentar
encontrar novos comportamentos, não tinha
como eu não falar do trabalho do pessoal de
uma edutainment company chamada Balance
que acredita que com uma pequena mudança
de abordagem a gente pode ir muito mais pra
frente do que está indo agora.
Qual é a primeira coisa que vêm à sua cabeça
quando se fala em aquecimento global? Talvez
alguma imagem meio catastrófica, não é não?
Nível do mar subindo, furacões e tempestades,
secas prolongadas, falta d’água, etc. O que a
Balance acredita é que a gente vem contando
essa história de apocalipse há tempo demais,
e já chega! Não vai ser mantendo as pessoas
assustadas que qualquer movimento vai ga-
nhar a sua adesão. E, se ganhar, não vai ser
pelos motivos que deveriam movê-las. Aaron
EDUTAINMENT FOR CHANGE – CHEGA DE APOCALIPSE
Por isso que o nome da história toda é Edu-
tainment for Change. Educar através do en-
tretenimento para construir a mudança que
queremos. No fundo, no fundo, eu não estou
falando disso só porque eles acabaram com a
história do apocalipse e partiram pra constru-
ção de uma mentalidade transformadora que
saiba usar as ferramentas que tem, mas tam-
bém porque esse movimento representa uma
tentativa de transformação que leva as pesso-
as a se engajar sem que elas tenham que sair
do seu lugar. Prestem atenção que isso não é
bobagem.
Ninguém precisa deixar de ser skatista pra
se engajar num mundo mais sustentável. Ali-
ás, conforme eu percebi ano passado no dia
mundial do combate à AIDS, até ser tiete da
Lady GaGa pode ajudar em grandes causas. É
tudo uma questão de saber usar a ferramenta
certa, e é isso que o pessoal da Balance está
se propondo a fazer por aqui, na Baía de São
Francisco.
sÃO FraNCIsCO
Able, membro da organização, explica:
“Por que eu deveria dizer que esse é um mo-
mento terrível para se viver? Isso não é verda-
de! Nós vivemos num dos melhores momentos
que já existiram para estar vivo! Nunca antes
na história da humanidade nossas decisões ti-
veram meios pra impactar tão profundamen-
te e repercutir tão longe quanto agora. Nun-
ca tivemos tanto poder pra ir além do nosso
quintal e afetar pessoas em todos os lugares
do mundo. Nunca tivemos como aproveitar
tantas experiências vindas de tantos lugares
diferentes e fazer todas elas convergirem para
fins comuns. Ao invés de celebrar o desastre,
a gente devia focar as nossas energia em res-
ponder uma pergunta: como é que a gente
usa tudo isso para criar uma nova consciência
ambiental?”
E é aí que o projeto fica realmente interessan-
te. O objetivo é olhar pras tendências culturais
e artísticas da juventude e se juntar a elas. Por
exemplo: se existe toda uma cultura em torno
do hip-hop, por que não colocar tudo junto e
organizar um show totalmente movido a ener-
gia solar? Se as crianças amam tanto histórias,
porque não usar a contação de histórias pra
construir a consciência que a Balance quer
criar? Bicicleta, skate, tudo isso move pesso-
as porque move uma cultura, então a questão
ambiental tem que se mover com eles tamém.
08 jan
POst
85
sÃO FraNCIsCO
Quando alguém me pergunta o que eu acho
que vai acontecer com o mundo daqui pra
frente eu respondo quase sempre de uma
maneira otimista, a ponto de às vezes virar
piada. No entanto, são pequenas coisas como
esse projeto que me levam a crer que mudan-
ças importantes estão, sim, acontecendo em
algum nível no nosso comportamento.
A princípio, a ideia do Free2Work pode não
ser novidade: um grupo de pessoas preocu-
pado com o fato de que ainda existem 27 mi-
lhões de pessoas em situação de trabalho es-
cravo, infantil ou forçado pelo mundo, e que
resolveu fazer algo a respeito. A grande mu-
dança, no entanto, está no caminho que eles
escolheram pra fazê-lo: um aplicativo para
iPhone e Android.
Funciona assim: primeiro, você baixa o apli-
cativo no seu telefone. Depois, segue a sua
vida exatamente como sempre fez, vai ao
supermercado, ao restaurante, à loja de rou-
pas, tudo igualzinho. Só muda que, antes de
comprar qualquer coisa, você pode usar o
aplicativo pra saber o quanto de trabalho es-
cravo, infantil ou forçado esteve envolvido na
produção daquele bem, e tomar sua decisão
quanto a comprá-lo ou não baseado no co-
nhecimento sobre esse processo.
Tem pelo menos três coisas muito interes-
santes quanto a essa ideia. A primeira delas
é quanto a perceber como a questão de co-
nhecer o processo por trás das coisas está
FREE2WORK – CHANGE THE WORLD BY BEING WHO YOU ARE
não só te preocupa mas também te orienta
na hora de escolher os produtos que coloca
em casa, o impacto pode ser tão grande ou
maior do que todas essas alternativas.
Tudo isso mostra como o empreendedorismo
de qualquer tipo, seja ele de negócios, social
ou cultural, está aprendendo a ir onde as pes-
soas estão ao invés de trazê-las para onde
gostaria que estivessem. No fundo, não só as
informações que estão disponíveis em qual-
quer lugar a qualquer hora. São as pessoas
que estão.
Além do mais, no mundo da informação
up-to-date não existe mais “lavo as minhas
mãos”. Já tem muita gente pra quem igno-
rar informação, quando ela está disponível, é
se sujar do mesmo jeito. É uma questão de
tempo até que isso seja visto assim pela so-
ciedade inteira.
sÃO FraNCIsCO
desempenhando um papel essencial na nos-
sa sociedade. A segunda vem do fato de as
empresas não precisarem “contratar” dire-
tamente trabalho escravo para receber uma
avaliação ruim no sistema (basta que as ma-
térias primas que ela compra para a sua ati-
vidade sejam produzidas por esses meios ou
até mesmo que ela não faça nada para evitar
esse tipo de atividade, o que, no fundo, é a
ideia de que fazer parte de uma cadeia injus-
ta é praticar a injustiça também). Mas era na
terceira que eu queria focar agora.
O que o Free2Work oferece de novidade
mesmo é a possibilidade de se envolver num
projeto de mudança social sem precisar mu-
dar quem você é. Ninguém está pedindo pra
você sair da sua rotina e viajar pro Paquistão
num cruzada humanitária contra o trabalho
infantil. Nem doações anônimas pra que al-
guém faça isso em seu lugar, o que no fun-
do seria a mesma coisa. Se você demonstrar,
no seu dia a dia, que esta é uma questão que
09 jan
POst
86
sÃO FraNCIsCO
Muita gente duvidou desse #Sharing9. Como
é que eu ia conseguir traduzir as metáforas
do Inagaki e espalhar por Tóquio de um jei-
to que todo mundo encontrasse e entendes-
se? Dei meu jeito, e se não deu pra ser no
Japão, pelo menos foi no bairro japonês de
São Francisco onde até as placas com os no-
mes das ruas são escritas nas duas línguas:
Japantown.
Como cada parte da solução veio de uma
vez, aqui eu também conto separado. A tra-
dução foi feita pela Elizabeth Yao, uma chi-
nesa absolutamente apaixonante que estava
explorando a cidade com a mesma emoção
que eu. Nos conhecemos no Hostel três dias
antes de ela voltar pra Nova Iorque, onde
mora há treze anos, e foi de lá mesmo que
ela traduziu as metáforas pro japonês, usando
mais uma das suas habilidades nas seis línguas
que domina. Liz, meus agradecimentos mais
do que especiais. Sem você nada teria acon-
tecido.
A outra parte foi ideia minha. Sabendo que os
japoneses já estão familiarizados com a tecno-
logia do QR code há muito tempo, eu decidi
criar eu mesmo um QR code pra cada metáfo-
ra e espalhá-los pela cidade. Quando um pas-
sante usar o seu smart phone pra fotografar o
código, seu celular vai automaticamente levá-
lo para a página na internet onde eu hospedei
#SHARING9 SAN FRANCISCO – METáFORAS DO INAGAKI POR JAPANTOWN
Agora que a missão está cumprida in loco,
não custa nada enviar também a todos vo-
cês as mensagens dele. Espero que gostem,
e aproveitem pra dar uma visitada no seu
blog. Grande abraço! E obrigado por todos
os #Sharing9 que eu tive a chance de realizar
e dividir aqui, levando um pouco do Brasil pra
fora enquanto tirava tanta coisa do mundo.
P.S.: Se eu dizia que queria encontrar algo ca-
paz de influenciar pessoas mas que ainda es-
tava no caminho de se tornar grande, o nos-
so querido Emicida, do #Sharing9 de Nova
Iorque, conseguiu fazer isso ainda antes de
a viagem acabar! Agora ela vai tocar no Co-
achella, e merece muito mais do que só uma
menção por isso. Se isso não é ser grande,
então eu não sei o que é. Valeu, mano! Força
aí, e representa.
sÃO FraNCIsCO
cada metáfora, em inglês e japonês, com o link
para o blog do Inagaki no final. Desse modo,
mais do que ver, ele pode levá-la pra casa na
palma da mão, sem tirar a folha do lugar, dei-
xando que ainda mais pessoas passem por lá
e descubram as surpresas preparadas pra elas.
Como vocês podem ver, de garçonete a fã de
Star Wars, japoneses dos mais variados tipos
vão poder curtir o trabalho do Inagaki. No fi-
nal do dia, pra encerrar, ainda fui num lugar
onde as pessoas penduravam mensagens de
apoio e força ao Japão junto com origamis.
Usei um dos papéis onde tinha impresso as
metáforas na íntegra, sem código QR, como
material para fazer o corpo de um tsuru, que
pendurei no varal junto com uma mensagem
que escrevi de próprio punho, me despedin-
do do #Sharing9 como quem diz até logo ao
Japão.
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sÃO FraNCIsCO
É uma maravilha quando uma caminhada
começa despretensiosa e te surpreende. Eu
tinha lido no meu primeiro dia em San Fran-
cisco um cartaz sobre uma tal de Art Walk,
onde não se explicava absolutamente nada
a não ser o horário e o nome das ruas onde
ia acontecer. Fiquei me perguntando o que
seria aquilo (uma passeata, uma grafitagem
coletiva?) mas acabei esquecendo da his-
tória, e por puro acaso, calhei de estar lá de
novo no dia e na hora certos.
Foi aí que eu descobri que era bem mais
interessante: lojas, salões de beleza, bares
e cafés foram transformados em galerias
de arte, e, nesse determinado dia, abriam
as portas todos ao mesmo tempo para fa-
zer da rua Divisadero um grande corredor
ART WALK – DIVISADERO NÃO É RUA, É CORREDOR
Bicycle Café (aliás, em Londres eu já tinha
visto um muito parecido, chamado Cycle-
Lab). Mas como usar um dia desses pra fa-
lar dos espaços é igual a comprar a Playboy
só pra ler as matérias, eu deixo vocês com
as imagens de alguns dos trabalhos. Posso
ter perdido o despertar das cerejeiras no
Japão, mas não perdi o sprung das artes na
Baía de São Francisco. E se depender de
mim vocês também não vão perder.
sÃO FraNCIsCO
tomado pela vernissage coletiva. Logo na
primeira parada, eu já ganhei o dia. Dêem
uma olhada nos figurinos do pessoal que
foi prestigiar o evento na Swankety Swank:
Pra não dizer que não deixei registrado, o
cara de cartola joga tarô de X-Men. É, tarô
de X-Men. Ele me explicou mais ou menos
como era descobrir que o arquétipo que
rege o seu destino é o de… Wolverine, e
queria por que queria jogar as cartas pra
mim. Hora de olhar pra ele e dizer que achei
tudo muito interessante mas “tá bom, ago-
ra senta, Cláudia”.
Esquisitices à parte, a exposição em ques-
tão era da Sheri DeBow, que passou a vida
inteira fazendo bonecas pra si mesma até
perceber, de uns cinco anos pra cá, que
quando as tirava da estante e pendurava na
parede parecia que o pessoal ficava mais
propenso a considerar tudo arte. Foi aí que
começou a trabalhar com galerias, e expor
o que tinha levado uma vida aprendendo
a fazer. Prestem atenção nos olhos dessas
bonecas, que são o que de mais expressivo
eu guardei da exposição.
Segui pela Divisadero passando por outros
lugares, incluindo uma interessante mistura
de café com loja de bicicleta chamado Mojo
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as massas. Por isso mesmo, não deve ficar
restrita a um clube seleto que frequenta ba-
res e festas. E, de fato, um dos melhores mo-
mentos pra se viver essa paixão é quando
ela acontece ao ar livre, nas praças e par-
ques da cidade.
Antes de encerrar, queria só sublinhar que
esse também não é só um fenômeno local.
Ainda em outubro de 2009, eu caminha-
va pelo Central Park num tarde de sábado
quando dei de cara com exatamente a mes-
ma cena que vocês viram aí em cima. Gente
de toda a cidade junta pra dançar em patins,
e eu chegando de ousado pra aprender os
passos da coreografia. Se passar por lá em
janeiro e não encontrar nada além de neve
foi frustrante, São Francisco me tranquilizou
quão divertido pode ser um bêbado se equi-
librando em rodinhas pra tomar mais uma
cerveja?
Isso pra não falar que a comunidade do Rol-
ler Disco já é grande a ponto de se tornar
conhecida por organizar um dos melhores
acampamentos do do Burning Man todos
os anos. A festa dessa sexta feira, aliás, foi
realizada com o intuito específico de arre-
cadar fundos para comprar um novo piso de
patins para a edição desse ano, já que as in-
tempéries do deserto de Black Rock destru-
íram a estrutura que eles tinham usado ano
passado.
É sempre bom lembrar também que a Black
Rock Roller Disco Party é parte de um esfor-
ço maior para reintroduzir a patinação para
sÃO FraNCIsCO
Essa é sensacional. Na Bahia eu me acostu-
mei a escutar “não quero ver ninguém para-
do!” em tudo que é começo de show, mas
aqui em São Francisco ninguém precisa di-
zer nada pra ver todo mundo se mexendo
pra todos os lados. Aliás, é mais provável que
se alguém quisesse parar tivesse mesmo que
ir embora, porque nessa sexta, na CellSpace,
foi dia de Roller Disco!
Não sabe que é Roller Disco? Digamos que é
uma festa, ao som de música muito dançante
(especialmente funk e groove no melhor da
moda antiga), com um pequeno detalhe que
faz toda a diferença: todo mundo de patins.
Podem me chamar de besta, dizer que o
tempo dos patins já foi, ou o que quiserem.
Nada disso muda a minha opinião de que
coisa boa não tem idade e de que uma das
coisas mais interessantes de se ver é uma
geração nova se apropriando dos hits de um
mais antiga pra fazer com eles sua própria
identidade. Além do mais, já pensaram no
ROLLER DISCO – BLACK ROCK N’ ROLLING
sÃO FraNCIsCO
12 jan
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sÃO FraNCIsCOsÃO FraNCIsCO
com a certeza de que a “velha novidade”
não morreu. Estava só de repouso, mas con-
tinua completamente viva.
Alive and kicking.
Black Rock n’ Rolling.
PÓsFacIo
153
A viagem do Lucas terminou. Foram 99 dias divididos entre Nova Iorque, Barcelona,
Londres, Milão, Paris, Bangcoc, Mumbai, Xangai e São Francisco, que entrou no rotei-
ro na última hora, substituindo Tóquio. Pode-se esperar assim, que o 99Novas tenha
chegado ao final. Adianto, a você que curtiu com a gente essa empreitada, que não há
nada mais equivocado que tal conclusão. O 99Novas ainda terá longa vida. Este é um
projeto de comunicação moderno, que começa quando termina.
Como estes posts que você acaba de ler tratam de tendências, ainda veremos muito
dos aspectos abordados pelo Lucas estamparem as manchetes de jornal do amanhã.
Hacktivismo social, moda trashion são conceitos que ainda exploramos muito pouco
no Brasil. E mesmo as questões de sustentabilidade, a busca pelo Uniqueness, a ten-
dência da sociedade se preocupar cada vez mais com a origem do produto que con-
some ainda precisam de um bom tempo para se desenvolverem.
99Novas trata do futuro. E como será o amanhã, nem eu, nem o 99Novas, nem mesmo
o samba sabe... responda quem puder e quem souber identificar nas tendências uma
possibilidade de futuro. Observe tendências e você saberá mais ou menos o que vai
acontecer. Por isso investimos nesse projeto. Para tentar estar na frente, saber antes,
surfar na onda que se inicia.
O blog www.99novas.com.br ficou aberto durante toda viagem, e seu conteúdo perma-
necerá assim: aberto ao público, pronto para ser compartilhado, refletido e transforma-
do. Se você preferir, pode pedir um livreto como este e ler no papel, ou ver alguns vídeos
no youtube. E escolhemos assim, porque no fundo é nisso que a DM9, no auge dos seus
21 anos, acredita. Acreditamos em um mundo beta, multiplataforma, integrado onde o
que importa é a inteligência com que se trata um conteúdo relevante. O Lucas acabou a
viagem dele. A DM9 só está começando a sua. Vamos viajar?
@sergio_valente, presidente da DM9DDB
PÓsFaCIO
Por Sergio Valente