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  AUTONOMIA , CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS PARA A JUVENTUDE: A REINVENÇÃO NECESSÁRIA DAS POLÍTICAS SOBRE DROGAS CART A DO CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE R eunidas em Brasília entre os dias 27 e 28 de agosto de 2014, conselheiras e conselhei- ros do Conselho Nacional de Juventude, eleitos para a ges- tão 2014-2016, participaram do Seminário “Autonomia, Cidadania e Direitos Humanos para a juventude: a reinvenção ne- cessária das políticas sobre drogas”.  A partir da troca de opiniões e experiên- cias, chegamos ao entendimento de que as atuais políticas sobre drogas, majoritariamen- te de caráter coercitivo e moralizante, têm se mostrado inecientes para promover tanto a saúde coletiva quanto a segurança das co- munidades e nações, congurando-se, de fato, como um dos principais vetores de pro- moção da violência contra a Juventude. No caso brasileiro, é urgente que sejam tomadas medidas que eliminem os proble- mas desencadeados pelas abordagens es- sencialmente alinhadas ao paradigma da “Guerra às Drogas”, levadas a cabo pelo sis- tema de justiça em conjunto com as forças de segurança pública, as quais têm, como linha auxiliar, o poder psiquiátrico manicomial e seus dispositivos de privação de liberda- de. Trata-se de uma guerra institucionaliza- da, que fracassou absolutamente em seu anunciado objetivo de proteger a população do acesso a tais substâncias consideradas ilegais ou perigosas, e que, ao mesmo tem- po, logrou o triste êxito de promover gran- de violência e encarceramento entre os mais pobres e vulneráveis. A guerra às drogas se constitui como uma verdadeira plataforma para o extermínio da juventude negra no país. Nesse encontro, lideranças da cena polí- tica nacional, representantes de movimentos sociais, especialistas e pesquisadores de universidades de todo o pa is, gestores públi- cos, representantes de organismos interna- cionais, usuários, e uma série de outros pro- ssionais engajados nas questões da saúde coletiva e da segurança cidadã, debruçaram- se sobre os complexos fenômeno do uso e do abuso de substancias psicoativas, assim como das dinâmicas relativas ao comércio ilegal em nossa sociedade. Entendemos haver crescente consenso de que o investimento em uma política de guerra orientada para perseguir as substân- cias do que em solucionar questões que en- volvam os sujeitos, suas relações sociais e afetivas, e o território onde estão inseridos têm sido inecaz sob a perspectiva da ga- rantia dos direitos individuais e coletivos e, sobretudo, para a proteção do bem sob o qual baseia o seu próprio discurso: a garantia da saúde pública. A saúde, entendida como estado de completo bem-estar físico, psí- quico e social, e não apenas a ausência de enfermidades¹, é objeto de política de garan- tia de direitos. Entendemos não haver maior ameaça à saúde do que um estado de guer- ra permanente.  As políticas sobre drogas, orientadas por uma acentuada perspectiva penal e criminali- zante, têm atuado como mecanismo de ges- tão da pobreza e de manutenção de evidente racismo institucional. Identicamos uma ba- nalização da violência, construída a partir da estigmatização de territórios e de indivíduos, economicamente vulneráveis à dinâmica do comércio ilegal. Rearmamos, portanto, pro- moção de direitos e o desenvolvimento co- munitário e regional como caminhos de imu- nização coletiva como alternativa à resposta ¹OMS (1946) CARTA DO CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE

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09/06/2015 02:18 Petição 28865/2015

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  • AUTONOMIA, CIDADANIA E DIREITOSHUMANOS PARA A JUVENTUDE: A REINVENO

    NECESSRIA DAS POLTICAS SOBRE DROGAS

    CARTA DO CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE

    Reunidas em Braslia entre os dias 27 e 28 de agosto de 2014, conselheiras e conselhei-ros do Conselho Nacional de Juventude, eleitos para a ges-to 2014-2016, participaram do

    Seminrio Autonomia, Cidadania e Direitos Humanos para a juventude: a reinveno ne-cessria das polticas sobre drogas.

    A partir da troca de opinies e experin-cias, chegamos ao entendimento de que as atuais polticas sobre drogas, majoritariamen-te de carter coercitivo e moralizante, tm se mostrado ineficientes para promover tanto a sade coletiva quanto a segurana das co-munidades e naes, configurando-se, de fato, como um dos principais vetores de pro-moo da violncia contra a Juventude.

    No caso brasileiro, urgente que sejam tomadas medidas que eliminem os proble-mas desencadeados pelas abordagens es-sencialmente alinhadas ao paradigma da Guerra s Drogas, levadas a cabo pelo sis-tema de justia em conjunto com as foras de segurana pblica, as quais tm, como linha auxiliar, o poder psiquitrico manicomial e seus dispositivos de privao de liberda-de. Trata-se de uma guerra institucionaliza-da, que fracassou absolutamente em seu anunciado objetivo de proteger a populao do acesso a tais substncias consideradas ilegais ou perigosas, e que, ao mesmo tem-po, logrou o triste xito de promover gran-de violncia e encarceramento entre os mais pobres e vulnerveis. A guerra s drogas se constitui como uma verdadeira plataforma para o extermnio da juventude negra no pas.

    Nesse encontro, lideranas da cena pol-tica nacional, representantes de movimentos

    sociais, especialistas e pesquisadores de universidades de todo o pais, gestores pbli-cos, representantes de organismos interna-cionais, usurios, e uma srie de outros pro-fissionais engajados nas questes da sade coletiva e da segurana cidad, debruaram-se sobre os complexos fenmeno do uso e do abuso de substancias psicoativas, assim como das dinmicas relativas ao comrcio ilegal em nossa sociedade.

    Entendemos haver crescente consenso de que o investimento em uma poltica de guerra orientada para perseguir as substn-cias do que em solucionar questes que en-volvam os sujeitos, suas relaes sociais e afetivas, e o territrio onde esto inseridos tm sido ineficaz sob a perspectiva da ga-rantia dos direitos individuais e coletivos e, sobretudo, para a proteo do bem sob o qual baseia o seu prprio discurso: a garantia da sade pblica. A sade, entendida como estado de completo bem-estar fsico, ps-quico e social, e no apenas a ausncia de enfermidades, objeto de poltica de garan-tia de direitos. Entendemos no haver maior ameaa sade do que um estado de guer-ra permanente.

    As polticas sobre drogas, orientadas por uma acentuada perspectiva penal e criminali-zante, tm atuado como mecanismo de ges-to da pobreza e de manuteno de evidente racismo institucional. Identificamos uma ba-nalizao da violncia, construda a partir da estigmatizao de territrios e de indivduos, economicamente vulnerveis dinmica do comrcio ilegal. Reafirmamos, portanto, pro-moo de direitos e o desenvolvimento co-munitrio e regional como caminhos de imu-nizao coletiva como alternativa resposta

    OMS (1946)

    CARTA DO CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE

  • militarizada e encarceirante.A juvenilizao da mortalidade por vio-

    lncia, em particular entre negros pobres, deixa claro que o trfico se beneficia da pre-carizao de politicas bsicas de proteo social para fazer funcionar seu mecanismos, valendo-se das fragilidades sociais dos jo-vens nas periferias.

    Dentro desse contexto, aplaudimos todas as novas iniciativas que tm sido produzidas no apenas para, mas, sobretudo com pes-soas que se encontram inseridas em territ-rios estigmatizados, e que se operam pela via da garantia de direitos. Tratam-se de pro-jetos de valorizao de novas trajetrias para a juventude face s vulnerabilidades contex-tuais de sua regio e ambiente social, que usualmente no pode fazer frente lgica perversa do proibicionismo que alimenta o comercio desregulado, portanto criminoso. Da mesma forma, a abordagem de direitos e produo de novas trajetrias de vida se revela como caminho para se abordar o uso problemtico de drogas junto aos mais vul-nerveis socialmente.

    Afirmamos, assim, os Direitos e sua pro-moo como eixo central para a ampla abor-dagem na temtica complexa das drogas, entendendo a vulnerabilidade como central para a constituio de uma rede de proteo e de promoo de cidadania e desenvolvi-mento, estes significando reduo de riscos sociais e danos sade, Estas novas prti-cas precisam ser conhecidas, estudadas, re-foradas, fortalecidas e transformadas, mui-tas delas, em polticas pblicas nacionais.

    Afirmamos ser importante o fortalecimen-to da Rede de Ateno Psicossocial - RAPS no pas. O Sistema nico de Sade deve ofertar modelos de tratamentos distintos que busquem observar e respeitar a trajetria da pessoa atendida, sem exigncias ou condi-cionantes ao tratamento, absorvendo as ex-perincias inovadoras de reduo de danos, em conjunto com as reas de Habitao e Trabalho, trazendo o conceito de Sade em sua plenitude pela evocao do histrico

    lema antimanicomial, Por uma Sociedade sem Manicmios, pela liberdade e pela ci-dadania.

    Pela relao estruturante entre a poltica de drogas e o quadro das violncias letais a que esto sujeitos os jovens brasileiros, so-bretudo a juventude negra brasileira, enten-demos que importante mudanas no atual modelo de segurana pblica, que apontem no apenas para a desmilitarizao da pol-cia, mas que permita superar as noes que tambm militarizam a atuao de outras es-feras do Estado, como o judicirio. Apoiamos a Campanha pela aprovao do PL 4471/12 que altera o Cdigo de Processo Penal, dan-do fim aos autos de resistncia e resistn-cia seguida de morte, permitindo a rigorosa apurao de mortes em decorrncia da ao policial. E a partir dessa compreenso, e de que o genocdio ao qual est submetida a nossa populao jovem negra uma pauta urgente e central para os movimentos juve-nis, pretendemos que este documento tam-bm possa contribuir para o fortalecimento do Plano Juventude Viva, que articula um conjunto de polticas pblicas para as juven-tudes, com foco na preveno da violncia e na superao desse dramtica quadro de letalidade da juventude negra.

    Por fim, apontamos a importncia de um maior investimento em programas e projetos que possam atuar na perspectiva preventiva, interrompendo o processo de criminalizao da juventude negra e evitando com isso que o jovem se insira no mundo da criminalidade ou do uso abusivo de drogas, na perspectiva protetiva com o objetivo de construir equipa-mentos permanentes de proteo do jovem que vive em situao de maior vulnerabilida-de, na perspectiva do tratamento e da rein-sero social para possibilitar que o jovem tenha acesso aos direitos sociais e possa se inserir no mercado de trabalho formal.

    CARTA DO CONSELHO NACIONAL DE JUVENTUDE

    2015-06-09T13:19:54-0300