8 poemas 8 mulheres 8 imagens 8

9
8 poemas 8 mulheres 8 imagens Dia Internacional da Mulher 8 de Março de 2011

Upload: auroraoliveira

Post on 13-Jul-2015

702 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: 8 poemas 8 mulheres 8 imagens 8

8 poemas 8 mulheres 8 imagens

Dia Internacional da Mulher

8 de Março de 2011

Page 2: 8 poemas 8 mulheres 8 imagens 8

Tens agora outro rosto, outra beleza:

Um rosto que é preciso imaginar,

E uma beleza mais furtiva ainda…

Assim te modelaram, caprichosas,

As sombras da lonjura,

Mãos irreais que tornam irreal

O barro que nos foge da retina.

Barro que em ti passou de luz carnal

A bruma feminina….

Mas nesse novo encanto

Te conjuro

Que permaneças.

Distante e preservada na distância.

Olímpica recusa, disfarçada

De terrena promessa

Feita aos olhos tentados e descrentes.

Nenhum mito regressa…

Todas as deusas são mulheres ausentes…

Miguel Torga

Coimbra, 20 de Março de 1963

Diário IX

Page 3: 8 poemas 8 mulheres 8 imagens 8

A Mulher Mais Bonita do Mundo

estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram

flores novas na terra do jardim, quero dizer

que estás bonita.

entro na casa, entro no quarto, abro o armário,

abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio

de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como

se tocasse a pele do teu pescoço.

há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.

estás tão bonita hoje.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

estás dentro de algo que está dentro de todas as

coisas, a minha voz nomeia-te para descrever

a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

de encontro ao silêncio, dentro do mundo,

estás tão bonita é aquilo que quero dizer.

José Luís Peixoto, in "A Casa, a Escuridão"

Page 4: 8 poemas 8 mulheres 8 imagens 8

Nunca Envelhecerás

A tua cabeleira

é já grisalha ou mesmo branca?

Para mim é toda loira

e circundada de estrelas.

Sobre ela

o tempo não poisou

o inverno dos anos

que se escoam maldosos

insinuando rugas, fios brancos...

Ao teu corpo colou-se

o vestido de seda,

como segunda pele;

entre os seios pequenos

viceja perene

um raminho de cravos...

Pétalas esguias

emolduram-te os dedos...

E revoadas de aves

traçam ao teu redor

volutas de primavera.

Nunca envelhecerás na minha lembrança!...

Saúl Dias, in "Sangue"

Page 5: 8 poemas 8 mulheres 8 imagens 8

A Luz que Vem das Pedras

A luz que vem das pedras, do íntimo da

pedra,

tu a colhes, mulher, a distribuis

tão generosa e à janela do mundo.

O sal do mar percorre a tua língua;

não são de mais em ti as coisas mais.

Melhor que tudo, o voo dos insectos,

o ritmo nocturno do girar dos bichos,

a chave do momento em que começa o

canto

da ave ou da cigarra

— a mão que tal comanda no mesmo

gesto fere

a corda do que em ti faz acordar

os olhos densos de cada dia um só.

Quem está salvando nesta respiração

boca a boca real com o universo?

Pedro Tamen, in "Agora, Estar"

Page 6: 8 poemas 8 mulheres 8 imagens 8

És Aquela que tudo te entristece

Irrita e amargura, tudo humilha;

Aquela a quem a Mágoa chamou filha;

A que aos homens e a Deus nada merece.

Aquela que o sol claro entenebrece

A que nem sabe a estrada que ora trilha,

Que nem um lindo amor de maravilha

Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!

Mar-Morto sem marés nem ondas largas,

A rastejar no chão como as mendigas,

Todo feito de lágrimas amargas!

És ano que não teve Primavera...

Ah! Não seres como as outras raparigas

Ó Princesa Encantada da Quimera!...

Florbela Espanca, in "Livro de Sóror

Saudade"

Page 7: 8 poemas 8 mulheres 8 imagens 8

Retrato de Mulher Triste

Vestiu-se para um baile que não há.

Sentou-se com suas últimas jóias.

E olha para o lado, imóvel.

Está vendo os salões que se acabaram,

embala-se em valsas que não dançou,

levemente sorri para um homem.

O homem que não existiu.

Se alguém lhe disser que sonha,

levantará com desdém o arco das sobrancelhas,

Pois jamais se viveu com tanta plenitude.

Mas para falar de sua vida

tem de abaixar as quase infantis pestanas,

e esperar que se apaguem duas infinitas lágrimas.

Cecília Meireles, in 'Poemas (1942-1959)'

Page 8: 8 poemas 8 mulheres 8 imagens 8

Há uma Mulher a Morrer Sentada

Há uma mulher a morrer sentada

Uma planta depois de muito tempo

Dorme sossegadamente

Como cisne que se prepara

Para cantar

Ela está sentada à janela. Sei que nunca

Mais se levantará para abri-la

Porque está sentada do lado de fora

E nenhum de nós pode trazê-la para dentro

Ela é tão bonita ao relento

Inesgotável

É tão leve como um cisne em pensamento

E está sobre as águas

É um nenúfar, é um fluir já anterior

Ao tempo

Sei que não posso chamá-la das margens

Daniel Faria, in "Dos Líquidos"

Page 9: 8 poemas 8 mulheres 8 imagens 8

Eu não dei por esta mudança

Tão simples, tão certa, tão

fácil.

Em que espelho

Ficou perdida

A minha face?

Cecília Meireles