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    3AO DECLARATRIA DE

    CONSTITUCIONALIDADE

    O PARADOXO DA INCONSTITUCIONALIDADE

    JAUBERT CARNEIRO JAQUES

    Juiz de Direito Titular da 4 Vara Cvel de Belo Horizonte.

    Juiz Titular da 3 Turma Recursal do Juizado Cvel de Belo Horizonte.

    Profesor do Instituto de Educao Continuada da PUC-Minas.

    Mestre e Doutorando em Direito Processual pela PUC-Minas.e-mail: [email protected]

    ERON GERALDO DE SOUZAMestrando em Direito PUC-Minas.

    e-mail: [email protected]

    ERNANI PEDRO DO COUTOGraduando em Direito PUC-Minas.

    e-mail: [email protected]

    MARCOS ANTNIO DO COUTOGraduado em Direito PUC-Minas.

    e-mail: [email protected]

    Resumo

    Situao de manifesta inconstitucionalidade ocorre quando, nombito da Ao Declaratria de Constitucionalidade, possvel

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    vetar o acesso do cidado ao servio jurisdicional, garantido peloart. 5, XXXV, da Constituio Federal brasileira. A medida, preco-nizada pelo art. 28, pargrafo nico, da Lei n. 9.868, de 10/11/1999,no encontra embasamento tambm na melhor doutrina do Pro-cesso Coletivo, na qual perfeitamente vivel a convivncia en-tre a proteo jurdica dos direitos metaindividuais com aquelessingulares do jurisdicionado.

    Abstract

    It is blatantly unconstitutional, in a Lawsuit for Declaration ofConstitutionality, a denial of the citizens right to full access tojustice insured by art. 5, XXXV of the Brazilian Constitution.The measure, wich is set forth in art. 28 sole paragraph, of Law9.868, of nov 10, 1999, finds no support on the best legal authorityon the theme of Class Action procedure, in wich is absolutelypossible for a party to seek legal redress of non-individual rightsand individual rights simultaneously.

    Sumrio

    1. Introduo 2. O controle de constitucionalidade no Direito

    comparado: 2.1 Da evoluo histrica no Direito aliengena; 2.2Inglaterra; 2.3 Frana; 2.4 Estados Unidos; 2.5 ustria; 2.6 Itlia;2.7 Alemanha 3. O controle de constitucionalidade no Direito

    brasileiro: 3.1 Alguns enfoques sobre o processo de desenvolvi-mento do controle de constitucionalidade no Brasil; 3.2 Consti-tuio Imperial de 1824; 3.3 Constituio Republicana de 1891; 3.4Constituio de 1934; 3.5 Constituio de 1937; 3.6 Constituiode 1946; 3.7 Emenda Constitucional de 1965 e Constituio de 1967 4. O controle de constitucionalidade e a Constituio de 1988: 4.1Da ordem democrtica; 4.2 Processo legislativo e controle de consti-tucionalidade; 4.3 Processo jurisdicional e controle de cons-titucionalidade 5. Da Ao Declaratria de Constitucionalidade:5.1 Aspectos gerais e natureza jurdica 6. Do paradoxo dainconstitucionalidade: 6.1 Questes de ordem; 6.2 Do processocomo garantia; 6.3 Das solues previstas no processo coletivo 7. Concluso 8. Referncias bibliogrficas.

    Palavras-chave

    Ao Declaratria de Constitucionalidade Inconstitucionalidade Direito Comparado.

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    1. INTRODUO

    O controle de constitucionalidade das leis uma exigncia e uma dascaractersticas imprescindveis do Estado Democrtico de Direito, tanto paraa preservao da soberania e da uniformizao da interpretao do texto cons-titucional como para a garantia de participao da comunidade na formaoe na validao do ordenamento jurdico.

    Na verdade, tal controle encontra-se contextualizado na necessidade da

    implementao de um regime democrtico mais direto, em face da crescenteinsatisfao popular pela chamada democracia representativa. Alis, bastanteoportuna esta questo porquanto faz trazer discusso a indagao semprepresente sobre se realmente existe democracia, que no a direta (Frana, 2003).

    No Brasil, o tema sobremaneira pertinente, partindo-se do confrontodo art. 1, pargrafo nico, da Constituio Federal de 1988, com o pensa-mento de que a soberania no pode ser representada, conforme Rousseau(1977). O filsofo francs adiantou-se em sentenciar que jamais verificar-se-iauma democracia plena em decorrncia da inconcilivel convivncia da assem-

    blia de cidados da Atenas do sculo IV com a complexa sociedade ps-mo-

    derna. Vislumbra-se, assim, uma estrutura sempre por construir, por ser pa-trulhada e rediscutida pelo povo (Quinto Soares, 2001).

    E foi, alis, a partir do advento da Constituio Federal de 1988 que tive-mos no Brasil o incremento mais completo do controle de constitucionalidade,cujo crescimento denota-se, timidamente, desde a Constituio Imperial de1824 at a insero, atualmente, dos controles difuso e concentrado.

    De qualquer maneira, a maior ou menor participao popular, quer naformulao das leis, quer na manifestao ou possibilidade de influir a posteriori,pode ser analisada com mais evidncia, em se tomando como objeto de estudo

    as caractersticas principais, nfases e experincias observadas nos Estados Li-beral e Social, e confrontando-as com as do Estado Democrtico de Direito,que se prope catalisador e conciliador dos excessos daqueles (Frana, 2003).

    Assim que, no Estado Liberal, de manifesto carter burgus, os ideaisperseguem a quase que irrestrita expanso da personalidade, com o mnimode interferncia do Estado; ou seja, a liberdade a tnica obtida medianteformulao legislativa exacerbada (fetichismo legal), com nfima participaopopular e quase que completa neutralizao jurisdicional. Prevalecia a mxima

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    do movimento revolucionrio francs de 1789, laisser-faire, laisser-passer, e ojuiz era la bouche de la loi.A lei era preceptiva.

    No preciso muita anlise para se chegar concluso de que um Estadosob esta configurao sociopoltica um campo frtil para o aumento das desi-gualdades sociais, com excluso dos menos aquinhoados, em todos os senti-dos, quanto ao acesso aos direitos e garantias fundamentais, notadamente edu-cao, sade, justia, relao digna de trabalho e participao legislativa.

    Foi justamente este aspecto que mais contribuiu para o gradual surgi-

    mento do Estado Social, em que o conceito de liberdade, embora ainda pre-sente, d lugar para a prevalncia do ideal de igualdade, que, no Estado Liberal,era formal, ou seja, somente perante a lei, e que, no Estado Democrtico deDireito, passou a ser material.

    Com efeito, a igualdade passou a ser um bem a ser criado sob a orientaode normas constitucionais programticas. Entretanto, a questo democrticaainda assim no se verificou satisfatoriamente equacionada, j que o centro deinterpretao da lei foi transferido do legislador para o julgador, cabendo aopensamento judicial ditar qual era o alcance objetivado pela norma.

    Mais uma vez, o povo restou excludo, operando-se a transformao do

    campo da parlamentria para o do governo de juzes, com reduzidas oportunida-des de efetiva participao popular na discusso quer da formao e interpreta-o da lei, quer da possibilidade de extirpar a lei ruim do ordenamento jurdico.

    Observa-se, pois, que foi o desenvolvimento histrico, sob o aspecto doanseio popular de efetiva participao nas abordagens e equacionamento dasprincipais questes sociais, que ensejou e mesmo imps a implementao doEstado Democrtico de Direito, no qual a liberdade e a igualdade conviveri-am sem qualquer tenso que inviabiliza-se o governo do povo pelo povo,muito pelo contrrio, principalmente pelo fato de que agora a legitimao dasleis decorreria do prprio fato de as mesmas emanarem do dilogo comunit-rio, ou, pelo menos, da ampla possibilidade de refutao a posteriori.

    Bastante ilustradores quanto ao advento do Estado Democrtico de Direito,so os ensinamentos de Marcelo Cunha de Arajo (2003), quando faz sustenta-o da Teoria do Direito como integridade, e, parafraseando Dworkin (1999),

    supe que a vinculao ao direito beneficia a sociedade no apenas por

    oferecer previsibilidade ou eqidade processual, ou em algum outro as-

    pecto instrumental, mas por assegurar, entre os cidados, um tipo de

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    igualdade que torna sua comunidade mais genuna e aperfeioa sua jus-

    tificativa moral para exercer o poder poltico que exerce.

    Hodiernamente, e como bem vislumbrou Rousseau (1977), no temos qual-quer exemplo de democracia pura, e uma das grandes dificuldades que a hu-manidade tem a solucionar justamente dar outra feio ao mecanismo darepresentao poltica, j que a comunidade s chamada a participar porocasio de processos eleitorais, permanecendo inteiramente margem do go-verno.

    Esta realidade, por si s, j de todo preocupante, mas trata-se apenas deum aspecto deturpador da democracia. Entendemos que a falha maior encon-tra-se na reduzida possibilidade que o processo poltico-eleitoral oferece parauma ampla participao eleitoral passiva, em um contexto em que os candi-datos aos cargos eletivos no conseguem visibilidade na propaganda eleitoral,pblica ou privada, seno mediante conchavos com grandes e comprometi-dos partidos polticos ou mediante disponibilidade de quantitativos monet-rios inteiramente fora do alcance do cidado comum, ou seja, nosso patamarde participao poltica popular nfimo.

    Nem por isso, contudo, pode-se dizer que avanos no so observados,

    e, no caso do Brasil, a Constituio Federal de 1988 alargou as possibilidadesde efetiva participao do povo no processo constitucional de controle dasleis. Portanto, o objeto desta monografia justamente discutir, no restritombito da Ao Declaratria de Constitucionalidade, a subtrao de garantiasprocessuais fundamentais.

    2. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO

    COMPARADO

    2.1 Da evoluo histrica no Direito aliengena

    No estudo do controle de constitucionalidade, fundamental buscar nodireito aliengena referncias legislativas e doutrinrias daquelas naes que,de uma forma ou de outra, tm influenciado o legislador ptrio, para damelhor compreender os fundamentos dos institutos aqui adotados.

    Embora o processo comparativo nem sempre encontre correspondnciacom as opes constitucionalistas do Brasil, mormente no que se refere sestruturas estatais e ao apelo, ora poltico, ora jurisdicional, de que se reveste

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    o controle nos mais diversos pases,nem por isso subtrai do plano de pesqui-sa qualquer carter objetivo relevante. justamente o conhecimento comple-xo, coordenado, comparado e complementado por informaes eclticas quepropicia a abordagem exauriente de um tema.

    verdade que neste trabalho no temos e nem necessrio que se tenhapretenso to ampla, mas, nem por isso, algumas constataes poderiam dei-xar de ser aludidas.

    Assim que da pesquisa doutrinria depreendem-se vrios sistemas de

    Controle de Constitucionalidade das leis, s vezes sob a incumbncia jurisdi-cional, como o caso dos Estados Unidos, outras vezes atravs de ConselhoConstitucional, cujo exemplo mais citado o da Frana, e ainda mediantergos especificamente criados e fora do mbito do legislativo, executivo e

    judicirio, como o caso da Itlia.

    No entanto, os sistemas no so limitados aos anteriormente arrolados.A Inglaterra e a maioria dos pases que integravam a extinta Unio das Rep-

    blicas Socialistas Soviticas, bem como outros de linha marxista, apresentamcontrole exclusivo e eminentemente poltico.

    O Professor Jos Alfredo de Oliveira Baracho (1984), tratando do desen-

    volvimento histrico do Controle de Constitucionalidade, adverte, inicial-mente, sobre a sua origem mais rescente, e em maior amplitude, na Consti-tuio dos Estados Unidos, de 1776, que antes de qualquer outra tratou dire-tamente do tema, mas demonstra especial preocupao em buscar as origensdo instituto na Grcia Antiga, para, norteando-se em Battaglini (1962), afir-mar que no havia Corte Constitucional em Esparta e Atenas, mas procedi-mentos em face dos quais poder-se-iam vislumbrar propostas de controle,que, na verdade, no era dirigido diretamente contra a norma ou outro atode Estado, mas sim contra o seu proponente.

    Na Idade Mdia, aponta, no Direito Romano, a possibilidade de os avogadori

    suspender a validade de uma lei, ainda parafraseando Battaglini (1962), verbis:Egli, infatti, sempre nelle lettere a Vincenzo Russo, parlando degli Efori, ricorda, accanto

    ai nomofilaci ateniensi, gli avogadori veneziani.

    2.2 Inglaterra

    No Direito ingls, o Direito Constitucional teve como fases histricasfundamentais pelo menos quatro perodos, arrolados com bastante clareza

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    por Oswaldo Luiz Palu (2001), no caso, o anterior conquista da Normandia,em 1066; o iniciado neste ano at a dinastia dos Tudors, cujo marco foi 1485,passando este segundo perodo pela concesso da Magna Charta (1215), e noqual observou-se a formao da common law; o terceiro perodo deu-se entreos anos de 1485 at o de 1832, cujo evento histrico mais importante foi a lutaentre o rei e o parlamento resultando na Petio de Direitos de 1628, na Revo-luo de 1648 e no advento da Repblica Britnica, quando Cromwell, pro-vavelmente elaborou a primeira Constituio escrita do mundo, em 1653, de

    vigncia sobremaneira breve e, ainda, a Revoluo de 1688 (Glorious Revolution)e a declarao de direitos de 1689, tendo como marca mais expressiva a cria-o do Sistema das Regras de Eqidade.

    Iniciado em 1832 at os dias atuais, o perodo contemporneo tem comoprincipais acontecimentos a maior abrangncia do direito de sufrgio e a sen-svel subtrao de poderes at ento concentrados na Cmara dos Lordes,transferindo-os para a Cmara dos Comuns.

    De qualquer forma, a Constituio Inglesa consiste, em sua essncia, naMagna Charta de 1215 e posteriores acrscimos, descansando sobre o que seindigita de soberania ilimitada do Parlamento, no que no se fala em leis

    fundamentais ou clusulas ptreas. At as regras de sucesso do trono inglspodem ser alteradas pelo parlamento e naquele pas fala-se mesmo que so-mente o impossvel no pode ser objeto de modificao.

    V-se, pois, a inequvoca supremacia da vontade poltica, no que o con-trole de constitucionalidade, na Inglaterra, no possui contornos legislativosnem jurisdicionais especficos, embora continue fortssima a tradio de ma-nifesto e inalienvel respeito aos direitos individuais, no que quaisquer leisou outros atos de Estado que os afrontar certamente sero qualificados deinconstitucionais.

    2.3 Frana

    Mais uma vez nos socorrendo aos ensinamentos do Professor Baracho(1984), o ilustrado mestre mineiro enfatiza que as preocupaes com o con-trole de constitucionalidade na Frana foram mais intensas por ocasio doperodo revolucionrio, que tinha no senado uma referncia de poder mode-rador, protegendo o indivduo dos abusos de autoridades e concedendo-lheigualdade de proteo por parte da ordem social.

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    J naquela poca chegou-se a falar na Frana da necessidade da criaode uma Corte Constitucional.

    Atualmente, o dogma da soberania da lei encontra-se sepultado, tendo aFrana optado por um controle de respeito Constituio inequivocamentepoltico, a partir da Constituio de 1958. Assim que, mediante controlequase sempre preventivo, o Conselho Constitucional composto de novemembros, todos nomeados, sendo trs pelo Presidente da Repblica, trs peloPresidente da Assemblia Nacional e trs pelo Presidente do Senado.

    Alm desses, h tambm a previso de membros vitalcios, que seriam osex-Presidentes da Repblica, mas que no tm participado das atividades doConselho.

    Neste contexto, tanto o legislativo como o judicirio franceses tiveramparcelas de poder decotadas, o primeiro diante da possibilidade, em muitoscasos, do referendum por parte do Conselho Constitucional e o segundo porno ter atribuio relacionada ao controle de constitucionalidade das leis.

    2.4 Estados Unidos

    Conforme j assinalamos anteriormente, o Professor Alfredo Baracho(1984) bastante incisivo em lecionar que foi a Constituio americana de 1776a primeira a estabelecer regras especficas de controle de constitucionalidade.

    Da mesma forma, Oswaldo Luiz Palu (2001) acrescenta,

    Os precedentes do controle da constitucionalidade das leis existiam, di-

    fusos, mesmo na Histria da Inglaterra ou antes; entretanto, a afirmao

    dessa doutrina deveu-se, sem dvida, ao direito norte-americano. A tcni-

    ca de atribuir Constituio um valor normativo superior, imune s leis

    ordinrias, foi a mais importante criao, juntamente com o sistema fede-

    ral, do constitucionalismo norte-americano e sua grande inovao (the higher

    law) frente tradio inglesa da soberania do parlamento.

    Alis, j no perodo colonial os americanos se defrontavam com a ques-to do controle de constitucionalidade, posto que podiam elaborar leis, desdeque no violassem o texto da Constituio inglesa.

    Atualmente, observam-se nos Estados Unidos os sistemas: por via de exce-o, por meio do qual qualquer juiz pode afastar a aplicao de uma lei ou ato

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    normativo inconstitucional e pela Suprema Corte, quando decidir com efei-to vinculante e erga omnes; por meio de injuno, instrumento mediante o qual ocidado antecipa-se aplicao, em seu desfavor, da norma inconstitucional;

    e,por procedimento declaratrio, utilizado pelo cidado que requer ao judiciriodeclarao em que sejam fixados os limites de seus direitos e deveres diante de

    uma dada norma, quando aquele contesta sua constitucionalidade.

    Observa-se, pois, que trata-se de um sistema concreto-difuso e, na mani-

    festao da inconstitucionalidade por parte da Suprema Corte, o Congresso

    Nacional americano no se manifesta, sendo como se aquela lei nunca foravotada.

    2.5 ustria

    No exame das questes pertinentes ao Controle de Constitucionalidadeaustraco, denota-se, desde logo, a primordial colaborao de Kelsen, que

    influenciou sobremaneira os trabalhos constituintes que resultaram na carta

    de 1920.

    que Kelsen idealizou e efetivamente viu adotado o modelo de TribunalJudicial Especial com funo exclusiva de tratar da Justia Constitucional e

    garantir a supremacia da Constituio. Mas no s. O Professor Jos Alfredo

    de Oliveira Baracho (1984), ao abordar o sistema de Controle de Constitucio-nalidade na ustria, afirma que a Corte Constitucional um mecanismo de

    controle de constitucionalidade dos atos de autoridade, que por sua vez, acar-

    reta a limitao dos rgos do Estado.

    Com esta abrangncia detinha a Corte Constitucional, at o regimeautocrtico de 1933, poderes no s para decidir quanto constitucionalidade

    ou no das leis, mas tambm dos atos de toda a administrao, conhecendode processo eleitoral e de impeachment. Ou seja, era a suprema jurisdio

    poltica.

    Com a restaurao do Estado de Direito, a Corte Constitucional teve, em

    parte, limitada sua atuao, decidindo to-somente sobre matria de incons-

    titucionalidade. Contudo, o sistema austraco ainda referncia e, atualmente,faz contraponto nas defesas doutrinrias, com o sistema concreto-difuso ob-

    servado nos Estados Unidos.

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    2.6 It lia

    Baseando-se na doutrina de Vezio Crisafulli (1967), o Professor Baracho(1984) explica que a instituio de uma Corte Constitucional na Itlia, em1948, no teria ocorrido exclusivamente em face do princpio da rigidez cons-titucional, mas tambm diante da necessidade nascida no ps-guerra da adooe preservao do princpio da primazia da Constituio, que deveria se con-frontar com todo o ordenamento infraconstitucional.

    E mais,

    Ao haver atribudo Corte Constitucional a competncia judiciria, no

    que toca ao conflito de atribuies entre os trs poderes do Estado, ocor-

    reu a extenso do princpio da legalidade rea tipicamente poltica das

    relaes entre os rgos do Estado (Baracho, 1984).

    Foi dentro deste propsito que a Itlia seguiu o caminho da superlegali-dade, dotando sua Corte Constitucional de poderes para conhecer do contro-le de constitucionalidade das leis; dos conflitos de atribuio dos poderes doEstado, bem como julgar as acusaes do parlamento em face do Presidente

    da Repblica e Ministros.Para tanto, a Corte Constitucional italiana composta por 15 juzes deinquestionvel notoriedade e conhecer jurdico e com mandato de 12 anos,entre os quais professores universitrios e advogados com militncia com-provada e superior a 20 anos.

    2.7 Alemanha

    O sistema de controle de constitucionalidade na Alemanha tem comoorigem a efmera mas sempre prestigiada Constituio de Weimar, que esta-

    beleceu sobre a formao de uma comisso para tratar das questes afins atque lei federal criasse o Tribunal de Justia Constitucional.

    E assim ocorreu, tendo como modelo o sistema austraco, por meio daLei Fundamental da Repblica Federal da Alemanha, de 1949, com a denomi-nao Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht) e com atri-

    buio de defesa da Constituio, e tem-se revelado tambm de grande impor-tncia nas gestes de conciliao entre a norma constitucional e a realidadepoltica do pas e mundial.

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    Sua competncia irrestrita em face do Poder Pblico, a incluindo-se olegislativo, o judicirio e o executivo, sendo os recursos constitucionais ins-trumentos de impugnao de leis, de sentenas judiciais e de atos administra-tivos, desde que ocorrendo leso a direito fundamental (Baracho, 1984).

    3. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO DIREITO

    BRASILEIRO

    3.1 Alguns enfoques sobre o processo de desenvolvimento docontrole de constitucionalidade no Brasil

    A Constituio da Repblica Federativa do Brasil, de 05 de outubro de1988, foi promulgada pela Assemblia Nacional Constituinte especialmenteeleita para sua formulao, e que, segundo seu prembulo, institua

    um Estado Democrtico, destinado a assegurar o exerccio dos direitos

    sociais e individuais, a liberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvi-

    mento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma sociedade

    fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e

    comprometida, na ordem interna e internacional, com a soluo pacficadas controvrsias.

    A situao sociopoltica do Pas naquela poca exigia mudanas e a pre-parao da Nao para uma nova ordem mundial que j se formava. O Brasilsaa de um regime autocrata, imposto pelo Golpe de Estado de 31 de maro de1964, cujos governos ocasionaram lamentvel retrocesso institucional, prin-cipalmente no que se refere efetiva e irrestrita participao poltica, assimcomo quanto salvaguarda dos direitos e das garantias individuais.

    Nesse contexto, muito havia a se fazer para a restaurao democrtica,

    bem como o Pas encontrava-se despreparado para o processo de estreitamentodas relaes sociais e culturais e do abrandamento das barreiras fronteirias ealfandegrias, j em curso em todo o mundo.

    Verifica-se, pois, que tanto motivos passados como futuros orientaram aopinio pblica e o constituinte nos trabalhos de formulao da nova CartaMagna Nacional. Alm disso, quanto aos dois aspectos, notria foi a preocu-pao com a preservao e supremacia da Constituio, apelidada de Cidad,em razo do forte carter sociocultural imprimido a suas disposies.

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    Neste ponto, o Constituinte foi realmente prdigo, estabelecendo um siste-ma de Controle de Constitucionalidade bastante sofisticado sob o aspecto jurdi-

    co-processual, com alcance e abrangncia sobre toda a atividade estatal e asseme-

    lhada, e, principalmente, com acesso satisfatoriamente facilitado populao.

    3.2 Constituio Imperial de 1824

    A Constituio de 1824, denominada Constituio Poltica do Imprio

    do Brasil, foi elaborada sob forte influncia do Direito Constitucional francse ingls, nos quais a opo foi pelo controle poltico, no que, desde logo, foidescartada qualquer possibilidade de controle constitucional por parte do

    judicirio, tal como j se verificava nos Estados Unidos.

    Alis, a rigor, no se pode falar que esta Constituio Imperial estabeleceu

    qualquer controle de constitucionalidade, posto que bastante tmida a refe-rncia que fez neste sentido, no caso, no Ttulo 4, Captulo I, que tratava Dos

    Ramos do Poder Legislativo, e suas Atribuies, que dispunha, no art. 15, IX:

    velar na guarda da Constituio, e promover o bem geral da Nao.

    No bastasse, na mesma Carta ficou tambm institudo o Poder Modera-dor, concentrado exclusivamente nas mos do Imperador, e com ascenso so-

    bre os demais. Ou seja, no se objetivava a supremacia da Constituio, circuns-

    tncia de todo incompatvel com qualquer controle de constitucionalidade.

    3.3 Constituio Republicana de 1891

    Situao totalmente diferente observou-se na Constituio da Repblica

    de 1891. Alis, mesmo a Constituio Provisria de 1890 j estabelecia con-

    trole de constitucionalidade, por meio da interposio de recurso. Versava oseu art. 58, 1, que:

    Das sentenas da justia dos Estados em ltima instncia, haver recurso

    para o Supremo Tribunal Federal: a) quando se questionar a validade ou a

    aplicabilidade de tratados e leis federais, e a deciso do tribunal do Estado

    for contra ela; b) quando se contestar a validade das leis ou atos dos governos dos

    Estados em face da Constituio ou das leis federais e a deciso do Tribunal do Estado

    considerar vlidos os atos ou leis impugnados.[grifamos]

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    O texto definitivo de 1891 manteve esta redao, e logo aps verificou-seavano, com a instituio do controle difuso, por meio da lei n. 221, de 20 denovembro de 1894, que, em seu art. 13, 10, dispunha:

    Os juzes e Tribunais apreciaro a validade das leis e regulamentos e

    deixaro de aplicar aos casos ocorrentes as leis manifestamente inconsti-tucionais e os regulamentos manifestamente incompatveis com as leis

    ou a Constituio.

    J era, pois, indisfarvel a influncia do sistema norte-americano de con-trole de constitucionalidade sobre o Constituinte Republicano.

    3.4 Constituio de 1934

    Esta Carta trouxe como grande inovao o Controle Direto e Abstrato deConstitucionalidade, ao estabelecer que, por maioria absoluta de votos, os tri-

    bunais poderiam declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Pbli-co, recepcionando, assim, por seu art. 179, reforma observada em 1926.

    Nem por isso se podia falar em Estado Democrtico de Direito, porquantoa mesma Carta, em seu art. 68, vedava ao Judicirio conhecer de questes ex-

    clusivamente polticas, quando tambm no tnhamos um tribunal com estaincumbncia.

    No entanto, no se pode negar nfase desta Carta ao princpio da Cons-tituio, porquanto previa a representao interventiva, em face dos Esta-dos, quando do descumprimento de norma constitucional que o justificasse,alm de outorgar poderes ao Senado Federal para suspender a execuo de leiou ato declarado inconstitucional pelo Judicirio.

    3.5 Constituio de 1937

    Aqui, observou-se retrocesso, quando se estabeleceu no pargrafo nicodo art. 96 que:

    No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juzodo Presidente da Repblica, seja necessria ao bem-estar do povo, pro-moo ou defesa de interesse nacional de alta monta, poder o Presidenteda Repblica submet-la novamente ao exame do Parlamento; se este aconfirmar por dois teros de votos em cada uma das Cmaras, ficar semefeito a deciso do Tribunal.

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    Verifica-se a sobreposio do casusmo e mesmo do personalismo, bemem voga na poca, mas cuja justificativa foi a de atenuar a supremacia do

    Judicirio, que se alegava ter ocorrido com a Carta de 1934, em razo do quedever-se-ia aplicar o sistema de freios e contrapesos.

    3.6 Constituio de 1946

    Esta Constituio no trouxe qualquer modificao relevante no Siste-

    ma de Controle de Constitucionalidade.

    3.7 Emenda Constitucional de 1965 e Constituio de 1967

    No exame destas Cartas, imprescindvel de antemo esclarecer que fo-ram elaboradas no regime ditatorial imposto Nao a partir de 31 de marode 1964, na qual, entre outros poderes conferidos ao Presidente da Repblica,estava o recesso compulsrio do Congresso Nacional e a legislatura irrestritapor meio de decretos-leis.

    No bastasse isso, estavam fora do mbito da apreciao jurisdicional asquestes polticas examinadas e decididas pelo Conselho de Segurana Nacio-nal, rgo intimamente relacionado, ou melhor, que se confundia com o pr-prio regime autocrtico.

    Dessa forma, no se falaria em Constituio enquanto emanao da so-berania popular e muito menos em qualquer Controle de Constitucionalidadeque sequer era previsto. O mesmo tem-se a falar sobre a Constituio de 1967e posterior Emenda n. 1/69, frutos do mesmo regime poltico.

    4. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E A CONSTITUIO

    DE 1988

    4.1 Da ordem democrtica

    Com o advento da Constituio da Repblica Federativa do Brasil pro-mulgada em 05 de outubro de 1988, viu-se retomada a ordem democrtica e,como no poderia deixar de ser, novamente incrementado, na sua inteireza, oSistema de Controle de Constitucionalidade das Leis e demais Atos Adminis-

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    trativos, quer ainda no trmite do Processo Legislativo, quer jurisdicional-mente, pelo controle direto ou abstrato, quer indireto ou difuso, tambm denomi-nado concreto.

    4.2 Processo legislativo e controle de constitucionalidade

    O Processo Legislativo, cujo objeto precpuo a formao das leis, temcomo incumbncia, no quadro das propostas maiores do Estado Democrti-

    co de Direito, absorver ao mximo possvel os anseios populares para, medianteo debate assemblear, chegar-se melhor traduo daqueles, convertendo-osem normas de conduta geral.

    O art. 61 da Constituio Federal delimita os trabalhos legislativos na for-ma e nos casos previstos no seu texto, da a necessidade e mesmo aobrigatoriedade de todo o procedimento legislativo, mesmo o constitucionalderivado, de atender e mesmo revestir-se dos princpios eleitos pelo Constitu-inte Primitivo.

    Assim que, na iniciativa deflagrada para o trmite legislativo, exige-seque a proposta e o objetivo no venham confrontar com a Carta Magna e,

    tanto no nascedouro como no iter procedimental legislativo, os sistemas deauto-controle parlamentar devem ser acionados, por meio das mesas e comis-ses respectivas, sempre com a preocupao, entre outras, quanto aos aspec-tos constitucionais.

    Premente tambm se faz ressaltar que o controle exigido no s quanto inconstitucionalidade formal, ou seja, quando a lei elaborada em desobe-dincia s normas estabelecidas para a sua criao, mas tambm, e evidn-cia, no que se refere inconstitucionalidade material, consistente na diver-gncia ou incompatibilidade das disposies da norma em formao com otexto constitucional. o chamado controle preventivo, de natureza exclusi-

    vamente poltico.Andr Del Negri (2003), discorrendo sobre controle de constitucionalidade

    do processo legislativo, assevera quanto inconstitucionalidade das leis apro-vadas sem o devido processo legislativo, e complementando,

    Parece no restar dvida de que a legitimao deve ocorrer na fonte de

    produo do Direito, e para que as normas possam ser elaboradas de

    forma legtima h de ter a participao popular mesmo que indireta-

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    mente, pelos representantes debatendo e votando os projetos normativos,

    mas com rigorosa observao ao devido processo constitucional como

    fator determinante de atendimento aos direitos fundamentais que

    objetivam a legitimao do Estado Democrtico de Direito.

    Tambm Marcelo Cattoni (2000), quanto ao tema e sobre especificamente possibilidade do controle judicial no processo de formao da lei, bastanteenftico, verbis:

    ... o controle judicial de constitucionalidade das leis uma expresso

    utilizada para se referir a uma srie de controles judiciais que no se

    reduzem a um controle judicial de constitucionalidade da lei, ou a um

    controle judicial de constitucionalidade de emenda ou de reviso cons-

    titucionais, ou ainda, a um controle de atos normativos, nem sempre

    equiparveis lei, quanto sua validade jurdica ou ao seu mbito nor-

    mativo de incidncia. E, mais que isso, o controle judicial de constitu-

    cionalidade das leis deve ser fundamentalmente considerado como con-

    trole jurisdicional de constitucionalidade e de regularidade do processo

    de produo da lei.

    4.3 Processo jurisdicional e controle de constitucionalidade

    Por meio do processo jurisdicional, o controle de constitucionalidade levado a efeito tanto pelo controle difuso como pelo direto, no qual decorre apossibilidade ampla de as pessoas, mesmo individualmente consideradas, par-ticiparem, de maneira efetiva, do processo de interpretao da Constituio.

    Isto extremamente louvvel e mesmo raro, levando-se em consideraotratar-se o Brasil de um pas ainda em fase de reestruturao democrtica.Alis, ainda fazendo abordagem do tema, Marcelo Cattoni (2001) remete-nosao Professor Jos Luiz Quadros Magalhes (2000), que ressaltou:

    necessrio que tenhamos conscincia da riqueza de nosso sistema para

    que possamos preserv-lo e proteg-lo das constantes tentativas autori-

    trias representadas, para ns, pelo fortalecimento do controle concen-

    trado at a eliminao do controle difuso, alm de outras tentativas ex-

    tremamente autoritrias como a smula vinculante, que representa o

    fim do Judicirio e a desumanizao do processo.

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    4.3.1 Do controle de constitucionalidade difuso

    O controle difuso de constitucionalidade consiste na possibilidade de, emface de um caso concreto, qualquer juiz ou tribunal poder afastar a aplicaoda norma que entender ser inconstitucional, viabilizando, assim, pleno aces-so interpretao do Texto Maior a todos aqueles que, eventualmente, este-

    jam demandando em juzo.

    O instituto possui carter mpar no s enquanto instrumento de defesados direitos fundamentais, mas tambm de integrao social. Fernando LusFrana (2003), no artigo A integrao social democrtica pelo controle processualdifuso de constitucionalidade, elege os direitos fundamentais como substrato docontrole de constitucionalidade e faz uma anlise bastante didtica dessesdireitos sob a tica dos Estados Burgus, Social e Democrtico de Direito,concluindo que, somente neste ltimo, podem se observar as premissas doprocesso como meio para a passagem do princpio do discurso para o princ-pio da democracia, porquanto, justamente por meio do controle difuso deconstitucionalidade possvel no s aos hermeneutas jurdicos da Consti-tuio, mas tambm a todos aqueles que a vivem interpret-la e fazer valer

    seus direitos e suas garantias constitucionais.

    4.3.2 Do controle de constitucionalidade concentrado

    J o controle concentrado, tambm denominado direto, s possvel pelalegitimao extraordinria previamente outorgada pela legislao atinente emediante o manuseio das Aes Constitucionais Tpicas, que objetivam, inabstrato, a declarao de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de deter-minada lei ou ato normativo.

    O texto constitucional deu guarida Ao Direta de Inconstitucionalidade

    (art. 102, I, a, primeira parte), para os casos de lei ou ato normativo federal ouestadual que atentem contra o texto da Carta Magna e Ao Declaratria deConstitucionalidade (art. 102, I, a, segunda parte), tendo como objeto a ante-cipao de declarao de constitucionalidade de lei ou ato normativo federalcujo teor seja passvel de dvida ou controvrsia judicial relevante.

    Do teor do 2 do art. 103, tambm da Constituio Federal, depreende-sea possibilidade do manuseio da Ao Direta de Inconstitucionalidade porOmisso, que tem como objeto medida para tornar efetiva a norma constitucio-nal, por meio de cincia ao Legislativo, ou ainda, imposio de obrigao de

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    fazer quando a omisso partir de rgo administrativo. A doutrina as consi-derou aes sem face ou com partes formais porquanto tratam de interessestransindividuais, metaindividuais ou ainda coletivos e cujo decisum possuivinculao erga omnes.

    5. DA AO DECLARATRIA DE CONSTITUCIONALIDADE

    5.1 Aspectos gerais e natureza jurdica

    Aps estas abordagens genricas quanto ao sistema de controle de cons-titucionalidade, suas origens, modelos, alcance e forma de manuseio, pro-moveremos, a partir de agora, o estreitamento do enfoque, de maneira aviabilizar o enfeixo proposto para o estudo, ou seja, o paradoxo da inconsti-tucionalidade observada na extenso erga omnes dos efeitos da liminar ousentena de procedncia na Ao Declaratria de Constitucionalidade, con-forme sustentaremos.

    Inserida no sistema de controle abstrato de constitucionalidade, a AoDeclaratria de Constitucionalidade tem natureza jurdica de processo obje-tivo, a despeito do que ocorre com todas as Aes Coletivas, no que, enquan-

    to tal, tem como finalidade a defesa da ordem jurdica, e no, ao menos dire-tamente, a defesa de direitos subjetivos.

    A pretenso formulada por ela a declarao, antecipada, da conformi-dade da lei ou do ato normativo federais com a Constituio da RepblicaFederativa do Brasil, desde que objeto de dvida ou controvrsia judicialrelevante.

    Na mesma trilha adotada nas demais Aes Coletivas, a legitimao ativa extraordinria, nos termos do art. 103 da Constituio Federal, cujos legiti-mados a exercem de forma concorrente, disjuntiva e com exclusividade.

    Em face do seu carter objetivo, alguns autores, como o caso de Nagib

    Slaibi Filho (1995), afirmam tratar-se de procedimento de jurisdio volun-tria, em que no se observa oposio na relao processual. Entretanto,parece-nos no ser o entendimento mais acertado, porquanto o prprioSupremo Tribunal Federal, no obstante os termos da Lei n. 9.868/99, queveda a interveno de terceiros, j decidiu pela possibilidade de admisso dafigura do amicus curiae, no caso, rgos ou entidades cuja finalidade socialesteja vinculada defesa dos interesses em discusso na Ao Declaratriade Constitucionalidade.

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    Ora, no vislumbramos, no mbito desta ao, outra funo do amicuscuriae, seno ou aderir ao pedido exordial ou oferecer-lhe resistncia, verifi-cando-se, a, o contraditrio. Do contrrio, tratar-se-ia de personagem pro-cessual meramente contemplativo, com afronta aos princpios da economiaprocessual e da eficincia.

    5.1.1 Da finalidade da Ao Declaratria de Constitucionalidade

    A Ao Declaratria de Constitucionalidade teria sido criada com a justi-

    ficativa de evitar o prolongamento de discusses judiciais a respeito de dvi-da ou controvrsia relevante, antecipando a pacificao sobre a matria.

    A esta justificativa somar-se-ia tambm, sustentam outros, o desafogamentodas estruturas do Judicirio, ocupadas, em grande proporo, com os julgamen-tos reiterados de uma mesma questo, no raramente contraditrios entre si.

    Em artigo publicado na Revista dos Tribunais, Luiz Cludio PortinhoDias (RT754/111 e Carvalho Neto, 2003) rejeita todos estes argumentos, esustenta tratar-se de artifcio enxertado no texto constitucional com a finali-dade exclusiva de inverter os julgamentos desfavorveis Unio.

    Contudo, a crtica mais contundente ainda outra. A constitucionalidade

    no seria a regra presumida quanto aos atos de Estado? Assim, no seria to-somente a exceo (a inconstitucionalidade) objeto de acertamento por meioda Ao Direta de Inconstitucionalidade? Parafraseando Ana Maria Scartezzini(1996), Incio de Carvalho Neto (2003) descreve,

    ... somente aps o exame substancial acurado, mediante tcnicas pre-

    vistas no bojo da Constituio, possvel retirar-se do mundo jurdico

    norma que lhe contrria, sustando-se sua eficcia.

    Assim, nem se declara a legitimidade do ato administrativo, nem a

    constitucionalidade da lei. O Estado no necessita declarar que sua ativi-

    dade legtima, seja no exerccio de sua competncia legislativa, seja node competncia administrativa.

    5.1.2 Dos efeitos da deciso que declara a constitucionalidade

    A Ao Declaratria de Constitucionalidade tem efeito dplice, de maneiraque, em sendo julgada improcedente, declara-se, desde logo, a inconsti-tucionalidade, a teor do art. 24 da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999.

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    Interessa-nos, entretanto, a declarao da constitucionalidade e os efei-tos da deciso respectiva.

    Duas das principais caractersticas das Aes Constitucionais Coletivas noBrasil so a legitimao ativa extraordinria, sem a possibilidade de o juiz pro-mover a adequacy of representation, como ocorre nas class actions do Direito norte-americano e os efeitos erga omnes e vinculante das sentenas nelas prolatadas.

    Barbosa Moreira (RePro: 61:186)enfatiza que fundamental nas aes coleti-vas o fato de o litgio ser apresentado em juzo por um nico ente. Para Antnio

    Gidi (1995), ... ao coletiva a ao proposta por um legitimado autnomo, emdefesa de um direito coletivamente considerado, cuja imutabilidade do comandoda sentena atingir uma comunidade ou coletividade.

    No que se refere particularmente Ao Declaratria de Constitucio-nalidade, temos a disposio do art. 21 da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de1999, in verbis:

    O Supremo Tribunal Federal, por maioria absoluta de seus membros,

    poder deferir pedido de medida cautelar na ao declaratria de consti-

    tucionalidade, consistente na determinao de que os juzes e os tribunais

    suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicao da lei

    ou do ato normativo objeto da ao at seu julgamento definitivo.

    J o pargrafo nico do art. 28 estabelece:

    A declarao de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclu-

    sive a interpretao conforme a Constituio e a declarao parcial de

    inconstitucionalidade sem reduo de texto, tm eficcia contra todos e

    efeito vinculante em relao aos rgos do Poder Judicirio e Adminis-

    trao Pblica federal, estadual e municipal.

    Observa-se, pois, destas disposies, que no s o julgamento definitivo,mas tambm a mera concesso liminar, no mbito da Ao Declaratria de

    Constitucionalidade, podem produzir efeitos diretos em aes individuais,inclusive com suspenso do prprio julgamento.

    6. DO PARADOXO DA INCONSTITUCIONALIDADE

    6.1 Questes de ordem

    O art. 21 da Lei n. 9.868/99, mais que uma inovao, trouxe para o orde-namento jurdico brasileiro duas questes de alta indagao.

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    A primeira, trata-se da possibilidade de que atos praticados em uma AoColetiva venham ocasionar efeitos compulsrios no mbito das Aes Indivi-duais, o que no se vislumbra em nenhuma outra categoria de feitos destina-dos apreciao e julgamento de interesses metaindividuais, mormente paraprejudicar o litigante solitrio.

    Alis, esta possibilidade tambm no se verifica, com tanta largueza eeficcia, nas Class Actions do Direito norte-americano, fonte principal do nos-so Processo Coletivo.

    A segunda e principal questo, decorrente da primeira, a inequvoca sub-trao, em face das partes da Ao Individual, do amplo acesso prestao

    jurisdicional, isto implicando no somente o recebimento da petio inicial, masno trmite de instruo exauriente e posterior sentena, assegurado o contradi-trio.

    6.2 Do processo como garantia

    A Constituio Federal clara ao estabelecer que a lei no excluir daapreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito (art. 5, XXXV).

    O mesmo artigo, agora no inc. LV, impe que aos litigantes, em proces-so judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados ocontraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

    Alis, trata-se de uma garantia presente em praticamente toda a legislaoconstitucional dos pases de ndole democrtica, e podemos citar o caso da Itlia,cuja redao do art. 111 de sua Constituio, aps a promulgao da Lei Consti-tucional n. 2, de 23 de novembro de 1999, passou a ter a seguinte redao (Tarzia,2001):

    Art. 111.A jurisdio se pratica mediante o justo processo regulado pela lei.

    Todo processo se desenvolve no contraditrio entre as partes, em condi-

    o de igualdade, perante o juiz terceiro e imparcial. A lei assegura suarazovel durao. [grifamos]

    Na doutrina, podemos colacionar os ensinamentos sempre muito lcidose permeados de relevante crtica cientfica do Professor Rosemiro Pereira Leal(2002), in verbis:

    que, quando escrevemos, em direito democrtico, sobre cidadania como

    contedo de processualizao ensejadora de legitimidade decisria, o que

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    se sobreleva o nivelamento de todos os componentes da comunidade

    jurdica para, individual ou grupalmente, instaurarem procedimentos

    processualizados correio (fiscalizao) intercorrente da produo e

    atuao do direito positivado como modo de auto-incluso do legislador-

    poltico-originrio (o cidado legitimado ao devido processo legal) na di-

    nmica testificadora da validade, eficcia, criao e recriao do ordena-

    mento jurdico caracterizador e concretizador do tipo terico da estabili-

    dade constitucionalizada.

    Em direito democrtico, o processo abre, por seus princpios institutivos(isonomia, ampla defesa, contraditrio), um espao jurdico-discursivo de

    auto-incluso do legitimado processual na comunidade jurdica para cons-

    truo conjunta da sociedade jurdico-poltica. Tem-se, assim, no legitimado

    ao processo, por si prprio, o agente legal (remetente-receptor) do exerccio e

    auto entrega de sua pessoal cidadania no Estado democrtico de direito.

    Tambm Luigi Paolo Comoglio (1998), discorrendo a respeito de garan-tia constitucional e justo processo, arrola como inviolveis determinadasgarantias, tais como: il principio di legalit; lindipendenza e lautonomia del potere

    giudiziario; il diritto di accesso alle corti e di azione in giudizio; attribuito a tutti per latutela dei propri diritti ed interssi legittimi; il diritto inviolabile di difesa in ogni stato e

    grado del procedimento; il diritto alla pronuncia di provvedimenti giurisdizionali

    motivati, entre outros.

    Ora, a partir do momento que o fato externo ao processo venha colidir comestas garantias, mesmo que decorrente de lei, parece-nos que no estamos diantede outra situao seno a de manifesta inconstitucionalidade. Quando o Consti-tuinte criou a norma prevendo a Ao Declaratria de Constitucionalidade, cer-tamente objetivou instrumento de espancamento de dvidas e controvrsias, e

    que apresentasse soluo breve e antecipada para o impasse.Neste aspecto, parece-nos no de todo censurvel a proposta da CartaMagna, no obstante j termos asseverado a estranheza de um dispositivoconstitucional para declarar constitucional aquilo que possui a prvia pre-suno de ser constitucional, desculpem-nos a redundncia.

    Contudo, no se depreende do texto constitucional qualquer autoriza-o ou mesmo deduo que autorizasse a imposio contida no art. 21 da Lein. 9.868/99, no caso, a drstica suspenso dos feitos nos quais, de forma concre-

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    ta, discute-se direitos individuais nas infinitas hipteses de demandas que arelao humana pode ensejar.

    verdade que o legislador ordinrio, ao regulamentar os dispositivosconstitucionais, tem autonomia para faz-lo conforme lhe parea o mais eficientee adequado, mas jamais de forma a criar conflito com disposies outras daprpria Constituio Federal. Verifica-se a no conflito de fatos, mas conflitomesmo de normas, se que podemos falar em conflito de normas em face doprincpio da supremacia da Constituio.

    Mais uma vez tendo em vista a doutrina de Luigi Paolo Comoglio (1998),que enfatiza a necessidade de reformulao:

    le inadeguate forme di tutela degli interessi diffusi, collettivi o frammentati,

    al cui promovimento sono legittimati soggetti esponenziali o rappresentativi di ampie

    categorie di individui contitolari.

    Em notas de rodap, quanto a este posicionamento, Comoglio (1998),cita Cappelletti (1988), que tambm demonstra preocupao com a observnciados princpios do contraditrio e da ampla defesa, em casos de concomitnciade Ao Coletiva e Ao Individual, nos seguintes termos:

    In argomento, avuto riguardo alla necessit di disciplinare apposite class actions,

    nonch allesigenza di adeguarvi i concetti tradizionali del contraddittorio, della

    legittimazione ad agire e dei limiti soggettivi del giudicato.

    6.3 Das solues previstas no processo coletivo

    Com o posicionamento que exaramos anteriormente, no pretendemos,de forma alguma, sustentar a impossibilidade jurdica, processual e mesmoconstitucional da Ao Declaratria de Constitucionalidade. Ao contrrio,

    entendemos ser a mesma vivel, como outra Ao Coletiva qualquer.No entanto, depreendemos que o carter da inconstitucionalidade do referi-

    do art. 21 da Lei n. 9.868/99 consiste justamente em ter o legislador ordinrio seafastado da norma procedimental das Aes Coletivas, cujo princpio supremo

    jamais cercear o irrestrito acesso individual justia, na sua mais ampla concep-o, quer antes, durante ou aps o advento do processo coletivo. Ou seja, huma enorme preocupao no s quanto possibilidade de subtrao de umagarantia constitucional o processo mas tambm em resguardar a oportu-

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    nidade de articulao das excees pessoais, nem sempre atendidas a contentonos genricos e abstratos objetos dos feitos coletivos, principalmente em setratando das Aes Constitucionais tpicas.

    que, o Direito, enquanto criao racional, s se justifica para e somentepara a promoo humana, em um contexto em que o homem, na sua individua-lidade inusitada e irrepetvel, deve ser a medida de todas as coisas. Eis o grandedesafio do jurista, eis a resposta queles que vem no Direito disciplina sem cu-nho cientfico. Do contrrio, seria admitir, acriticamente, a formulao de nor-

    mas insuperavelmente rgidas e de indistinta aplicao massificada, caractersticaesta que denotamos, evidncia, no j referido art. 21 da Lei n. 9.868/99.

    Justamente para enfrentar estas questes que a legislao atinente aoProcesso Coletivo formatou sistemas procedimentais hbeis defesa das ga-rantias e dos direitos individuais, sem qualquer prejuzo para a discussocoletivamente considerada.

    6.3.1 O processo coletivo enquanto instrumento hbil ao controle de

    constitucionalidade

    Gregrio Assagra de Almeida (2003), aludindo sobre as Aes Constitu-cionais tpicas enquanto Aes Coletivas, discorre:

    A Constituio de 1988, alm de ter mantido as conquistas anteriores sobre

    o Controle de Constitucionalidade, muito o aperfeioou, especialmente quanto

    ao Controle Concentrado da Constitucionalidade, objeto material do Direito

    Processual Coletivo Especial. A instituio, v. g., da Ao Declaratria de In-

    constitucionalidade por omisso e da arguio de descumprimento de pre-

    ceito fundamental decorrente da Constituio refora essa afirmao.

    certo que o legislador constituinte de 1988 poderia ter ido mais longe,

    instituindo uma verdadeira Corte Constitucional no Brasil nos moldes dossistemas europeus, a fim de que pudesse exercer com mais legitimidade e

    autonomia o controle concentrado da constitucionalidade no Pas. Essa Cir-

    cunstncia, contudo, no nega, por si s, a tese do Direito Processual Coletivo

    Especial como um novo ramo do Direito Processual Brasileiro, tendo em

    vista a amplitude como esse controle pode ser exercido (arts. 5, XXXV, e 102,

    caput, da CF), especialmente pelo fato de ter sido consagrado no Brasil, na

    Constituio Federal de 1988, o Estado Democrtico de Direito (art. 1).

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    justamente a figura do Estado Democrtico de Direito que justifica eimpe a necessidade do desenvolvimento da idia em torno do Direito Pro-

    cessual Coletivo Especial como novo ramo do Direito Processual Brasileiro.

    Ele deve ser concebido como instrumento processual constitucional funda-mental de proteo dessa nova forma de Estado da Justia material consagra-

    do logo no art. 1 da Lei Ptria Magna, seja quanto s suas instituies, seja

    quanto aos direitos e garantias constitucionais fundamentais, individuais ou

    coletivos consagrados.

    6.3.2 Da inexistncia de litispendncia entre ao coletiva e ao individual

    Restando assim enfatizada a propriedade da aplicao de norma processual

    coletiva, em especial para o trmite da Ao Declaratria de Constitucionali-dade, apontaremos agora os mecanismos que podem e devem evitar a condu-

    ta inconstitucional depreendida do art. 21 da Lei n. 9.868/99. Com efeito, o

    primeiro aplicativo o entendimento de que, entre aes coletivas para defesa

    de interesses difusos e coletivos e aes individuais, no existe litispendncia.

    que, nos feitos coletivos, o pedido destina proteo de direitosindivisveis, impessoais, cuja titularidade pertence a toda uma coletividade

    ou comunidade. J nas aes individuais, a pretenso restrita esfera jur-dica dos interesses do autor, exclusivamente, e nem sempre, como j ressalta-

    mos, a sentena de uma Ao Coletiva ser apta ou mesmo especfica o suficiente

    para atender s excees pessoais de cada jurisdicionado.

    Se o fato da existncia de uma lei ou ato normativo inconstitucional

    deve levar procedncia do pedido formulado em uma Ao Declaratria

    de Inconstitucionalidade, nem sempre fundamento eficiente para que o

    cidado, na Ao Individual, no tenha sua pretenso acolhida, posto

    restar-lhe a aplicao de outros dispositivos legais, da eqidade e mesmo

    dos princpios gerais do Direito, se assim permitir e justificar o caso con-

    creto.

    O que no pode, voltamos a asseverar, ter o cidado arrebatada a ga-

    rantia constitucional de levar a termo o procedimento que aviou, ao pretexto

    nico de que seu pedido, ou parte dele, encontre-se embasado em lei ou ato

    objeto de dvida em Ao Declaratria de Constitucionalidade, mormente

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    em um ordenamento jurdico no qual o controle difuso de constitucionalidade aplicvel irrestritamente.

    Colacionaremos a seguir algumas ilustraes doutrinrias nesse senti-do, a iniciar pelas abordagens de Antnio Gidi (1995), segundo o qual:

    Quanto s aes coletivas propostas em defesa dos direitos coletivos ou

    difusos, j procuramos haver demonstrado no induzir litispendncia ou

    coisa julgada em relao s aes individuais, porque se trata de aes diver-

    sas, por possurem partes, causa de pedir e pedido absolutamente diferentes.

    Idntico o posicionamento de Ricardo de Barros Leonel (2002), para quem,

    O prprio legislador, cuidando do problema, determina taxativamente

    que as aes coletivas aforadas em defesa de interesses difusos ou coleti-

    vos no induzem litispendncia com relao s aes individuais, quan-

    do aforadas em virtude do mesmo evento.

    Finalmente, o ilustrado mestre mineiro Humberto Theodoro Jnior (2001),tambm ensinando sobre a matria, , como sempre, bastante convincente:

    Como observa Ada Pellegrini Grinover, no h o risco temido por Barbosa

    Moreira de contradio propriamente entre duas coisas julgadas, ou seja,entre a coletiva e a individual, visto que, na sistemtica implantada apartir do Cdigo de Defesa do Consumidor para todas as aes relativasa interesses difusos ou coletivos, a coisa julgada desfavorvel est limi-tada aos entes e pessoas legitimadas s aes coletivas, deixando a salvoapenas os particulares, em suas relaes intersubjetivas pessoais, osquais (em suas aes individuais) alcanaro uma coisa julgada normal-mente restrita s partes.

    6.3.3 Da opo do autor individual

    A segunda possibilidade de se evitar o cerceamento do acesso Justia,conforme pretende-se com a norma do art. 21 da Lei n. 9.868/99, a seguinte:com a interposio de uma Ao Coletiva, cujo objeto esteja tambm sobapreciao judicial em Aes Individuais, os autores destas devero promo-ver a suspenso do trmite de suas aes, no prazo de 30 dias a contar da dataque tomaram conhecimento, nos autos, da Ao Coletiva, caso vislumbrempossibilidade de usufruir da sentena coletiva.

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    Caso contrrio, deixaro transcorrer in albis aquele prazo, presumindo-seque abriram mo do feito coletivo, no que devero contentar-se com o vereditoda Ao Individual, favorvel ou no aos autores.

    Com efeito, dispe o art. 104 do Cdigo de Defesa do Consumidor, cujomicrossistema da coisa julgada aplica-se a todos os Processos Coletivos (art. 90):

    As aes coletivas, previstas nos incisos I e II do pargrafo nico do art. 81,

    no induzem litispendncia para as aes individuais, mas os efeitos da

    coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do

    artigo anterior no beneficiaro os autores das aes individuais, se nofor requerida sua suspenso no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da

    cincia nos autos do ajuizamento da ao coletiva.

    6.3.4 Da ampla aplicao das disposies do Cdigo de Defesa do

    Consumidor s demais Aes Coletivas

    Este mesmo procedimento aplicado na Ao Civil Pblica para defesado meio ambiente, do consumidor, dos bens e direitos de valor artstico, est-tico, histrico, turstico e paisagstico, da ordem urbanstica, dos idosos, de-ficientes fsicos, minorias, da livre iniciativa e do mercado de valores mobili-rios, ou seja, de todos os interesses difusos, coletivos e individuais homog-neos (art. 21 da Lei n. 7.347/85).

    Mais uma vez nos valemos da doutrina de Antnio Gidi (1995), que afirma:

    Em outras palavras, no somente o microssistema da coisa julgada,mas toda a parte processual coletiva do CDC, fica sendo, a partir daentrada em vigor do Cdigo, o ordenamento processual civil coletivo decarter geral, devendo ser aplicado a todas as aes coletivas em defesados direitos difusos, coletivos e individuais homogneos.

    Esta sustentao repete-se em Hugo Nigro Mazzilli (1999):

    Dessa forma, o CDC que de aplicao subsidiria em qualquer ao

    civil pblica ou coletiva, para qualquer interesse metaindividual, mesmo

    que no se refira exclusivamente defesa dos consumidores , o CDC dis-

    ciplinou a coisa julgada de acordo com a natureza do interesse objetivado.

    Conclui-se, pois, no haver qualquer justificativa plausvel para ter o le-gislador ordinrio lanado mo do art. 21 da Lei n. 9.868/99, que possibilita

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    ocasionar manifesta inconstitucionalidade quando o mesmo legislador, notratamento das Aes Coletivas, j laborou em equacionar as questes relaci-onadas matria.

    7. CONCLUSO

    No so poucas as concluses que se pode abstrair. Inicialmente, denota-seque indisfarvel a ausncia, no nosso ordenamento jurdico, de uma unidade

    de desgnio na elaborao das leis, observando-se mensagens incompatveis en-tre si e com o contexto do ordenamento jurdico, sem falar na elaborao de leiscom dispositivos adrede articulados para atender s necessidades momentneasde cada programa de governo, ou da ausncia de programa.

    O art. 21 da Lei n. 9.868/99 um exemplo categrico desta situao, cer-tamente formulado para cercear, por via oblqua, o amplo acesso justia porparte daqueles que se vem na contingncia de demandar contra a Unio, oque , a despeito do que se fundamentou no Captulo V, manifestamenteinconstitucional, consistindo, assim, em um lamentvel retrocesso quanto sconquistas obtidas com a promulgao da Constituio Federal de 1988.

    Alis, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, cuja maioria absolutapode deferir a medida cautelar prevista naquele artigo, devem ter prudnciaredobrada no seu exame e eventual aplicao, primeiro porque, a rigor, nose trata de uma medida cautelar, muito pelo contrrio. Consiste, na verdade,em inegvel atentado ao processo; depois, em funo do grave prejuzo quetal procedimento pode ocasionar a milhares ou mesmo milhes de pessoas,resultando, assim, para o Estado, o dever de indenizar.

    A respeito, so bastante elucidativas as lies do Professor Ronaldo Brtasde Carvalho Dias (2004), quando trata da responsabilidade do Estado pelafuno jurisdicional, conforme segue:

    Escudados nessas meditaes doutrinrias, podemos sustentar que o erro

    nos atos jurisdicionais praticados pelo Estado (deciso interlocutria, sen-

    tena e acrdo) passveis de ensejar a responsabilidade do Estado pode

    ocorrer em qualquer processo (civil, penal, trabalhista, exemplificando), j

    que a funo jurisdicional nele exercida una e indivisvel, j o dissemos,

    no comportando fracionamentos em razo do ramos do Direito cujas nor-

    mas esto sendo aplicadas no julgamento do caso concreto (ver Captulo II,

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    item 2.2), abrangendo o erro de fato ou o erro de direito, o erro em relao ao

    encaminhamento do procedimento (error in procedendo) ou o erro relativo ao julga-

    mento de mrito (error in judicando). [grifamos]

    Outra concluso que tambm abstramos deste estudo, na sem razo, com relao resistncia quanto aplicao da doutrina do Processo Coleti-vo. bastante recente a implementao das Aes Coletivas no nossoordenamento jurdico, no tendo encontrado ainda guarida quer em umasociedade marcada pelo individualismo, com pouca articulao poltico-co-

    munitria, quer diante de uma praxe forense arcaica, esttica e viciosa.

    Tambm a inexistncia de uma codificao processual coletiva mais con-centrada e melhor ordenada motivo que no s dificulta o manuseio, mastambm mantm fora do alcance da classe jurdica pouco afeita reciclageme aperfeioamento a novel doutrina.

    Uma das conseqncias mais lamentveis desta realidade que a cadadia aumenta as possibilidades de implantao, na ordem jurdica ptria, desistemas de vinculao da atividade de juzes e tribunais intermedirios emface das decises da terceira instncia, ocasionando, assim, o fim do Direito

    enquanto possibilidade de reformulao da ordem social, haja vista a emen-da que fez introduzir no Texto Constitucional a denominada Smula Vincu-lante (art. 103-A, caput).

    Contudo, nem mesmo esta realidade justifica o deslise do legislador ordi-nrio, ao formular o art. 21 da Lei n. 9.868/99, que deve ser afastado da apli-cao processual, quer por meio do controle direto, quer pelo difuso.

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