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    (D)ESCREVER A TERRA: GEOGRAFIA, LITERATURA,VIAGEM. A GEOGRAFIA DE PORTUGAL SEGUNDO

    JOS SARAMAGO1

    RUI JACINTO2

    Universidade de Coimbra

    Resumo: A relao entre Literatura e Geografia assenta numa cumplicidade nem semprepacfica ou isenta de controvrsia, embora seja reconhecido que a Literatura encerrapotencialidades para intermediar a leitura dos territrios que a Geografia no podenegligenciar. Enfatizando espacialidades e materialidades ou apostando nasgeograficidades, quando esto em causa imaterialidades (simbolismo, imaginrio, sentidos,identidades, afetividade), exploram-se neste artigo diferentes maneiras de as paisagens e os

    patrimnios literrios serem teis Geografia, das geografias literrias complementarem asinterpretaes geogrficas e permitirem desenhar diferentes Rotas de Escritores.

    Ao recorrer Literatura para estudar os contextos regionais alm de suas epidrmicasaparncias, os gegrafos confrontam-se com questes de mtodo s quais devem darateno. No caso vertente o cerne e elemento de ligao entre Literatura e Geografia aviagem, que funciona para o escritor como o trabalho de campo para o gegrafo. Uma breveanlise da Viagem a Portugalmostra como o mapa mental seguido por Jos Saramago no muito distante de certa cultura territorial nem da geografia regional do Pas. Avaliando aextenso de cada um dos captulos conclui-se que os dois mapas (ficcional e real) ocupamdimenses que no so substancialmente diferentes.

    Partindo dos itinerrios e das cartografias ensaiadas por Jos Saramago, a releitura da obrafornece mltiplos fragmentos que so verdadeiras legendas para um mapa que permitem(re)construir, de certa forma, a geografia de Portugal segundo Jos Saramago, cujaapresentao organizamos a partir de duas perspectivas clssicas da Geografia: (i)Geografia fsica: terra, ar, gua; (geo)morfologias e ambiente; e (ii) Geografia humana:

    paisagem, (des)povoamento, modo de vida.

    1O texto mantm a grafia da lngua portuguesa tal como utilizada em Portugal.2Professor da Universidade de Coimbra. Contato:[email protected].

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    Palavras-chave: Geografia literria; Geografia e viagem; Patrimnio literrio; Rotas deEscritores; Geografia de Portugal segundo Jos Saramago.

    (DE)SCRIBING THE LAND: GEOGRAPHY, LITERATURE, JOURNEY.THE GEOGRAPHY OF PORTUGAL ACCORDING TO JOSSARAMAGO

    Abstract: The relationship between literature and geography rests on a not always peacefulor uncontroversial complicity, although it is accepted that literature has the potential tomediate readings of the territory which geography cannot afford to neglect. Emphasizingspatiality and materiality, or focusing on geographicity whenever immateriality(symbolism, set of references, feeling, identity, affectivity) is at stake, this article explores

    several ways in which landscapes and literary heritage can be useful for geography, andliterary geographies can complement geographical interpretations, allowing for theestablishment of Writers Itineraries.

    As they resort to literature in order to study regional contexts beyond superficial appearance,geographers face methodological questions that they need to attend to. In this study, thefocus and connection between literature and geography is the journey, which stands for awriter as fieldwork does for a geographer. A cooler analysis of Journey to Portugal revealsanother interesting detail, when we compare Jos Saramagos own mental map with the

    regional geography of the country. Correlating the length of each chapter and the size of theplanning regions, we conclude that these two maps (fictional and real) occupy spaces whichare not substantially different.

    Focusing on the itineraries and cartographies described by Jos Saramago in his Journey toPortugal, a new reading of this authors oeuvre provides multiple fragments which functionas keys to a map which, in a way, allow us to (re)construct the Geography of Portugal,according to Jos Saramago, on the basis of two classical coordinates of geography: (i)

    physical geography: earth, air, water; (geo)morphologies and environment; (ii) human

    geography: landscape, (de)population, lifestyle.Keywords: Literary geography; Geography and journey; Literary heritage; WritersItineraries; Geography of Portugal according to Jos Saramago.

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    1 - (D)escrever a terra: literatura e geograficidade

    1.1 - Geografi a e l iteratu ra: esp aos e d ilogos lit errio s

    Afinal, grande a nossa culpa, quando teimamos em ler arealidade nos livros que outra realidade registaram (JS: 1043).

    A raiz grega do termo geographa (), como elucidaqualquer dicionrio, remete etimologicamente a "descrio da Terra" e"carta geogrfica", para aquela cincia que tem por objeto a descrio daterra e, em particular, o estudo dos fenmenos fsicos, biolgicos e humanos

    que nela ocorrem; gegrafo ser, neste sentido, o que descreve a terra. luz dessa interpretao no ser descabido explorar a relao entre Literaturae Geografia, a cumplicidade que gegrafos e escritores sempre alimentarampelo recurso s mesmas paisagens, naturais ou humanas, enquanto locaiscomuns de investigao ou fontes de inspirao para as respetivas obras.

    Essa relao no tem, contudo, sido isenta de controvrsia, comoatesta uma nota de Amorim Giro escrita em 1952, quando introduziu estamatria no seio da Geografia portuguesa:

    Acusam-se muitas vezes os gegrafos de literatos, querendosignificar que eles desprezam todo o contacto com a realidade,vivendo no domnio da pura fantasia. Fala-se de literaturageogrfica quase sempre com intuitos de maldizer; e,deturpando muito embora a expresso, tambm se ter faladode geografia literria mais ou menos no mesmo sentido(GIRO, 1952, p. 105).

    Tanto a Geografia como a Literatura, segundo alguns (Eric Dardel, por

    exemplo), prosseguem por seus mtodos e caminhos prprios, buscandoinvestigar, compreender e apresentar a experincia humana sobre a Terra,sustentando ser essa a verdadeira essncia geogrfica do mundo:geograficidade. Para os que defendem que toda a obra literria essencialmente geogrfica implica reconhecer a geograficidade comofundante do mundo e, portanto, de tudo que vigente. A geografia no

    3As referncias assim citadas reportam-se a Jos Saramago,Viagem a Portugal,23 ed.,

    Editorial CaminhoLeya, 2011 [1981, 1 edio, Crculo de Leitores].

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Mapahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Mapahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Viagem_a_Portugalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Viagem_a_Portugalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Viagem_a_Portugalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Viagem_a_Portugalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Mapa
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    apenas uma forma de ver o mundo (o que tambm o ), mas parte daessncia do mundo(MARANDOLA, 2010, p. 25).

    A frgil separao entre realidade e fico ou a relao entre asverdades histricas e as verdades ficcionais so outras linhas de clivagensque tm levado a comentrios, como o de Jos Saramago, a propsito doMemorial do Convento, o seu mais conhecido romance de fundo histrico:

    (...) uma, discreta e respeitosa, consistir em reproduzir pontopor ponto os factos conhecidos, sendo a fico mera servidoraduma fidelidade que se quer inatacvel; a outra, ousada, lev-lo- a entretecer dados histricos no mais que suficientes numtecido ficcional que se manter predominante. Porm, estesdois vastos mundos, o mundo das verdades histricas e o

    mundo das verdades ficcionais, primeira vista inconciliveis,podem vir a ser harmonizados na instncia narradora(SARAMAGO, 1990, p. 19).

    Estamos perante debates antigos que se situam na instvel fronteira naqual os campos recrutam adeptos entre os que contrapem a racionalidadefria e quantitativa, associada abordagem cientifica, aos que valorizam apotica do espao (BACHELARD, 1989); e os que manifestam propensoa uma potica da geografia,no intuito de fazer surgir frgil e nova, uma

    geografia potica (ONFRAY, 2009, p. 89). Esta corrente humanistaposiciona-se na Geografia pela nfase que coloca no ser humano,particularmente sobre os valores e os significados da experincia humana(da criatividade aos comportamentos). Cita um dos seus mentores, o editordeHumanistic Geography and Literature, que

    (...) embora seja possvel encontrar as suas origens na escolaVidaliana da Geografia Humana e na Sociologia Urbana dePark, os seus incios verdadeiros remontam aos anos 70 como

    reaco contra o positivismo lgico, a quantificao a qualquercusto e as explicaes mecanicistas, deterministas,reducionistas, duma Geografia sem o homem (POCOCK, p.139).

    Num mundo procura de si mesmo, a Geografia escapa aosgegrafosreconheceu o autor deAregio, espao vivido, que rematou serpreciso reaprender o espao e reaprender a aprend-lo(FREMONT, 1980,p. 257). atualidade destas observaes temos de juntar a importncia queatribui arte para qualificar e interpretar o espao, o que o levou a considerar

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    que o despertar para uma arte do espao s concebvel na familiaridadedos poetas, romancistas, pintores ou cineastas, que tm evocado, melhor doque as nossas descries, a regio dos homens (ob. cit., p. 261). Aexplanao das suas ideias levou-o a deduzir, naturalmente, que uma nova

    Geografia que h que inventar, rompendo ainda divisrias entre disciplinas,com gegrafos abertos Literatura e s Artes e homens das letras a par daGeografia (ob. cit., p. 262).

    Os que proclamam este ponto de vista observam a Terra

    como um livro a decifrarseja como obra cientfica, eu diria,seja como um romance ou um poema. Porque cada cultura,cada grupo e s vezes at mesmo cada indivduo preenche seuespao no apenas como um conjunto de instrumentos e

    utilitrios, mas tambm de emoes e de sensibilidades.(HAESBAERT, 1996, p. 157)

    A tnue fronteira entre razo e emoo, materialidade e sensibilidade,cincia e arte explorada na convico de encontrarem uma verdadeiradecifrao do mundo, uma autntica leitura do real geogrfico a partir dumasbia arte combinatria que revele todaa diversidade que pode ser vistado cu. Advogam uma geografia coremtica que permita gerar umalfabeto de signos, de coremas, capazes de revelarem todas as organizaes

    espaciais legveis nas paisagens, ajudando a quem viaja, apreciar melhoras paisagens, compreender melhor o que sucede aos sulcos da terra, na crostaterrestre, nas superfcies das geologias(ONFRAY, 2009, p. 114).

    Duas tendncias acabam por confluir e se confundirem nessaGeografia: uma, que enfatiza as espacialidades e busca as materialidades (osfatos histricos, o ambiente fsico, as estruturas sociais, os costumes, asideologias); outra, que aposta nas geograficidades e est preocupada com asimaterialidades (simbolismo, imaginrio, sentidos, identidades, afetividade).

    A primeira v a arte (produo literria, por exemplo) como documento,como expresso material da cultura, da sociedade, do momento histricode um dado territrio; a segunda v a manifestao artstica como potnciacriadora de mundos. Independentemente daquelas condicionantes, o fato daLiteratura poder intermediar a leitura dos territrios confere-lhepotencialidades que a Geografia no pode ignorar e deve aproveitar; osescritores, por seu lado, no ignoram o contributo dos gegrafos no desenhodos mapas mentais que podem aproveitar s suas descries,designadamente de recnditos locais e de inspitas regies.

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    Estas geografias, ntimas e plurais, alternativas s culturas territoriaisdominantes, facultam leituras que no se resumem s dicotomias espaciaismaniquestas que se limitam a contrapor opostos, seja o urbano ao rural, ovale montanha, o litoral ao interior, etc. A experincia e a esttica podem

    contribuir, deste modo, para refinar o conhecimento geogrfico, pois(...) a geograficidade de escritos diversos pode ser tomadacomo fonte de anlise privilegiada, uma vez que os escritoresconstroem suas cosmovises a partir de geosofias (isto ,experincia e conhecimento do espao) que incluem aluses aoambiente e paisagem (fisionomias, morfologias, cores ecenas.) (MACIEL, 2004, p. 118).

    A incurso de alguns gegrafos nesses temas tem fertilizado o

    conhecimento geogrfico com perspectivas inovadoras provenientes daLiteratura. Yves Lacoste, ao discorrer sobre o romanceLe Rivage des Syrtes,do escritor gegrafo Julien Gracq, reconhece que a escolha que faz dalocalizao geogrfica dos dramas que ele nos conta no deve, sem dvida,nada ao acaso, sendo preciso interrogar sobre as razes desta escolha, o quelhe permite construir, a partir de profundas razes geogrficas e polticas, omapa mental que o autor deixou implicitamente plasmado naquela sua obra(LACOSTE, 1980, p. 174).

    Sem nos alongarmos na recenso bibliogrfica sobre uma matria toampla, no deixaremos de mencionar alguns exemplos de ensaiosgeogrficos que revisitam territrios e obras icnicas de alguns escritores: oserto baiano e a cidade de Salvador, de Jorge Amado (SILVA e SILVA,2010); as paisagens do Douro, a partir da leitura geogrfica da obra deMiguel Torga(CHOUPINA, 2005), os Avieiros de Alves Redol e a Gndarade Carlos Oliveira (CRAVIDO, 1992; 2003; 2007),A paisagem de Terrasdo Demo (QUEIROZ, 2007), ou a geografia da obra de Fernando Namora(JACINTO, 1995; 1998).

    Uma das maiores virtudes do dilogo entre Geografia e Literatura,como referiu-se Marandola, ser o de buscar os traos essenciais daexperincia geogrfica do mundo. Mas, ao invs de carregar para dentro daliteratura conceitos geogrficos, trazer da experincia do mundo narradas napena do escritor, sentidos para a Geografia (2010, p. 26). luz dessasinterpretaes a narrativa literria adquire o sentido da existncia e parte domundo acabando por adquirir traos de geograficidade ou simplesmentegeografias (ob. cit., p.25). Ou, como outros preferem, gerar a partir duma

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    potica da geografia uma esttica materialista e dinmica, uma filosofia dasforas e dos fluxos, formas e movimentos (ONFRAY, 2009, p. 113).

    1.2. Paisagens e patrimn ios lit errio s : das geograf ias literrias sRotas de Escr i tores

    Aquilo que perseguimos agora ao relacionar cincia e arte,para a segunda iluminar a primeira, j estava claramentedemonstrado na obra de um dos pais da Geografia: Alexandervon Humboldt. Em sua obra magna O Cosmos o sbionaturalista preocupou-se tanto em examinar os mritos dadescrio literria quanto aqueles da pintura das paisagens

    como poderosos auxiliares da percepo da natureza, nosdiferentes lugares. No primeiro caso ele brindou-nos com uma

    brilhante apreciao dos Lusadas de Cames a quem imputa avirtude de ser no sentido prprio do termo, um grande pintormartimo (MONTEIRO, 2008, p. 196).

    A geografia informal, de experincias e vivncias, pode representaruma verdadeira Geosofia (geografia do conhecimento), cara a John K.Wright (1945), geografia feita alm dos muros da Universidade antes dequalquer ctedra de gegrafo: uma geografia experiencial, vigente no mundoindependente de qualquer gegrafo profissional, que inspirou e continua ainspirar alguns gegrafos (MARANDOLA, 2010, p. 26). A relao entreGeografia e Literatura, alm das vantagens recprocas, pode enriqueceraquelas geografias vivenciais, como reconheceu Amorim Giro quandoafirmou que nenhum gegrafo evocou melhor as estepes russas do queTolstoi, nem a regio cheia de sol da Provena teve melhor intrprete que

    Mistral, nem as ridas plancies manchegas mais genial paisagista queCervantes. No ser preciso citar outros exemplos da literatura estrangeirapara tirar a mesma concluso:A Musa Alentejana, do Conde de Monsaraz, um fiel documentrio da paisagem e da vida nas dilatadas planciestranstaganas; o romanceMaria Mim, de Nuno de Montemor, mesmo paraquem conhece as paisagens severas e majestosas da Beira Transmontana uma boa e emocionante introduo a essas paisagens, e penetrar aomesmo tempo na especial maneira de ser das gentes que lhes do vida(GIRO, 1952, p. 105-106).

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    Esta breve introduo elucida sobre certos horizontes que a Literaturapode aportar Geografia, sobretudo quando as obras se confundem e osescritores melhor se identificam com determinados territrios. O percursode vida de um escritor no deixa de influenciar, tambm, o itinerrio da sua

    obra: muitos romances de Jorge Amado, Aquilino Ribeiro ou FernandoNamora, como os de tantos outros autores, ao referenciarem tempos eespaos bem marcados, adquirem uma implcita e sutil geografia que nopode ser negligenciada quando os gegrafos pretendem estudar taiscontextos regionais para alm de epidrmicas aparncias. Produzido peloIBGE, oAtlas das Representaes Literrias das Regies Brasileiras, quese enquadra nesta linha de preocupao, o melhor exemplo de um vasto eambicioso projeto que mostra bem como a partir de fragmentos literriosrepresentativos das paisagens e dos ambientes fsicos e humanos de

    diferentes regies e estados da federao, se cruzam os olhares dos escritorescom interpretaes de gegrafos.

    Os sertes brasileiros, que tantos e to coloridos romances inspiraram,esto na origem do segundo volume desta obra publicada em 2009, na qualencontramos referncias tericas e prticas que nos ajudam a enquadrar amatria em apreo, pois

    (...) na gnese de uma narrativa literria regional os sentidoshistrico e ordinrio so impregnados de circunstnciasgeogrficas (concretas e imaginrias) precisas, alm do estilodo autor. Como frequentemente a paisagem possui o poder degeneralizao de um sentido parcial em global, ondefragmentos extrados de certas caractersticas bsicas tornam-se representativos do todo (metonmia), evidencia-se sua

    potncia comunicativa e o grande interesse de estudo dosprocessos mentais inerentes sua instituio simblicaenquanto imagem da regio (MACIEL, 2004, p. 118).

    O Atlas das Paisagens Literrias de Portugal Continental4, emboracorresponda a um projeto similar, ainda no apresentou frutos equivalentes.

    4 O projeto Atlas das Paisagens Literrias de Portugal Continental (LITESCAPE.PT)resulta de uma parceria entre o IELT, o IHC - Instituto de Histria Contempornea (FCSH)-, aFabula Urbise a Fundao Ea de Queiroz, aparecendo integrado na sua linha de aoFalas da Terra. Ele um projeto de investigao interdisciplinar, com uma fortecomponente de divulgao e apoio deciso. Pretende (1) ligar a literatura ao territrio,

    potenciando a recproca valorizao das obras literrias e das paisagens nelas representadas;

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    Entre ns o interesse por esse tipo de abordagem remonta obra organizadapor Vitorino Nemsio,Portugal, a terra e o homem, antologia de textos deescritores, destinada aos cursos de Lngua e de Literatura Portuguesa noestrangeiro, que seria publicada, em 1948, pelo Instituto para a Alta Cultura.

    Esta edio, segundo o autor, tinha por objetivo fornecer ao mesmo tempoboa literatura e temas objetivamente portugueses, disponibilizando estratosde obras representativas de alguns quadros essenciais da vida portuguesa:territrio, povo, costumes, terras, situando o leitor no tecido vivo da lnguae no mago da vida corrente: paixes, ideias, hbitos. Curiosamente, estaobra foi reeditada em 1978, pela Fundao Calouste Gulbenkian, paracelebrar o Dia de Portugal; a partir de 1979, a sua continuao e ampliaofoi assegurada durante algum tempo por David Mouro-Ferreira, com acolaborao posterior de Maria Alzira Seixo.

    Por estar em sintonia com este esprito, a avaliar pelo prefcio dovolume dedicado Estremadura, Alentejo e Algarve (1927), mereceparticular destaque o Guia de Portugal, ideia visionria de Raul Proena,cuja leitura permanece til e atual. O seu mentor escreveu no prefcio nopretender um simples roteiro, um inventrio inerte e seco, antes um livroque ajudasse a sentir a beleza das paisagens e das obras de arte, a entend-las, a apreend-las nas suas mtuas relaes e a situa-las nos seus quadrosnaturais. O meu intento, numa palavra, foi fazer deste guia a geografia

    pitoresca de Portugal (XLI). Alm de tcnicos, informadores locais eespecialistas de diferentes reas do saber (Antropologia, Histria, etc.), oguia se beneficiou da colaborao de gegrafos (Amorim Giro, CarlosAlberto Marques, Virglio Taborda, Silva Teles e Orlando Ribeiro) e demuitos escritores, desde logo os signatrios da fiana perante o Estado,amigos que se solidarizam com Raul Proena para assegurar a viabilidade econtinuao do projeto: Afonso Lopes Vieira, Antnio Srgio, AquilinoRibeiro, Cmara Reys, Ferreira de Castro, Raul Lino, Reynaldo dos Santos,Samuel Maia e Sant Ana Dionsio. O guia, que ainda se consulta comagrado e proveito, veio a receber, ao longo dos vrios volumes que cobremas diferentes regies do pas, contributos de muitos outros consagrados

    (2) contribuir para o conhecimento do patrimnio natural e cultural, elementos-chave dasidentidades locais e regionais; (3) concorrer para a literacia ambiental, sobretudo no mbitodos padres e processos ecolgicos associados s paisagens atuais; (4) ajudar a implementara Conveno Europeia da Paisagem, nomeadamente na definio dos objetivos de qualidade

    paisagstica a preservar e a valorizar. (Disponvel em:

    ).

    http://paisagensliterarias.ielt.org/projetohttp://paisagensliterarias.ielt.org/projeto
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    escritores (Jaime Corteso, Vitorino Nemsio, Eugnio de Castro, Joo deBarros, Raul Brando, Teixeira de Pascoais, etc.).A geograficidade contidanas obras de muitos escritores portugueses suficiente para se esboar, apartir da literatura, tanto uma certa Geografia literria de Portugal como

    diferentesRotas de Escritores.Estas rotas ficam enriquecidas se as completarmos com a descrio

    das diversidades e especificidades regionais, feitas a partir das obrasO trigoe o joio, Cerromaior, Levantados do cho e Galveias, por exemplo; deoutros elementos simblicos, como em Viagem do Elefante, e dos sinaismateriais que diferentes autores foram deixando inscritos no territrio aolongo dos respectivos percursos de vida (casas-museu, museus, centros deinterpretao, bibliotecas, fundaes, esplios, etc.).

    Outros autores legaram a sua viso global do pas, em que destacamosMiguel Torga (Portugal, 1950), Jaime Corteso - cujoPortugal, a terra e ohomem(1966) recebeu, curiosamente, ttulo idntico antologia de VitorinoNemsio -, a que se pode juntar Jos Saramago, num outro registro, com asua a Viagem a Portugal, que teve a primeira edio em 1981. Outroslegaram-nos obras de cunho regional, que remetem para lugares e territriosespecficos, das quais se tm definido diferentes rotas de escritores, dembito regional e local, de que damos alguns exemplos:

    - Rota dos escritores do sculo XX, definida na Regio Centro, em2003, a partir de Miguel Torga, Verglio Ferreira, Afonso Lopes Vieira,Fernando Namora, Carlos de Oliveira, Aquilino Ribeiro e Eugnio deAndrade cujas obras estruturariam uma viagem pelo patrimnio cultural dosdistritos a que estiveram mais ligados (Cantanhede, Coimbra, Miranda doCorvo, Condeixa-a-Nova, Idanha-a-Nova, Fundo, Gouveia, Leiria,Marinha Grande e Vila Nova de Paiva).

    - Viajar com os caminhos da literatura, organizados pela Delegao

    Regional da Cultura do Norte, define roteiros literrios a partir de escritoresligados Regio Norte, tais como Ea de Queiroz, Thomaz de Figueiredoou, no caso do Douro, Domingos Monteiro, Pina de Morais, Joo de ArajoCorreia, Aquilino Ribeiro, Trindade Coelho, Guerra Junqueiro ou MiguelTorga.

    - Lugares alentejanos na literatura portuguesa (Estao Imagem,2009), projeto patrocinado pela Cmara Municipal de Mora, onde dozefotgrafos e dois designers traduzem em imagens os lugares e o universoficcional de outros tantos livros e escritores representativos de certas reas

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    do Alentejo (Conde de Monsaraz, Fialho de Almeida, Florbela Espanca, JosRgio, Manuel da Fonseca, Virglio Ferreira, Fernando Namora, Antunes daSilva, Jos Saramago, Urbano Tavares Rodrigues, Mrio VenturaHenriques, Hugo Santos, Miguel Sousa Tavares, Clara Pinto Correia e

    Eduardo Nogueira). Este mesmo conceito, aplicado a um escritor, j tinhasido explorado na exposio - livroFernando Namora, nome para uma vida(CENTRO CULTURAL RAIANO, 1997).

    - Rotas de escritores a nvel local, estruturadas por alguns municpios,correspondem quase sempre a percursos urbanos. Leiria assinala a ligaode cinco escritores cidade, identificando vinte e cinco pontos no centrohistrico relacionados com Ea de Queiroz, Miguel Torga, Afonso LopesVieira, Francisco Rodrigues Lobo e Accio de Paiva. Coimbra, que em

    determinada poca foi uma incubadora de correntes literrias e um alfobrede escritores, consagrou a clebre Torre de Anto a Antnio Nobre, dedicouo edifcio onde viveu Joo Jos Cochofel a uma Casa da Escrita etransformou a residncia de Miguel Torga em Casa Museu.

    Jos Saramago, nesta sua Viagem a Portugal, no deixa de esboar,tambm uma rota de escritores que lhes vieram memria quando passouem alguns lugares, esquecendo outros, porventura intencionalmente, dosquais Monsanto e Fernando Namora ser o caso mais flagrante5.

    5Adiante a Samard, lugarejo entronado na encosta do monte, apostemos queest comoCamilo a deixou (JS, p.71); Porm, j fora de Amarante, trata-se de descobrir S. Joode Gato, onde , onde no , no faltam as indicaes, estes homens que fazem a vindimaempoleirados em altas escadas () Esta casa de poeta. Viveu aqui Teixeira de Pascoais,debaixo daquelas telhas morreu (JS, p. 81); Teixeira de Pascoais no dos mais

    preferidos poetas do viajante, mas o que comove esta casa de homem, este leito pequenocomo o de S. Francisco de Assis, esta rusticidade de ermitrio, a lata das bolachas para afome das horas mortas, a tosca mesa dos versos (JS, p.83); Em vila do Conde, que estlogo adiante, recebe o viajante muitas compensaes. A casa de Jos Rgio tambm estfechada, chegou o viajante em dia desacertado, mas h estas sinuosas serpentinas ruas do

    bairro de pescadores (JS, p.107); Ereira, terra onde nasceu e viveu Afonso Duarte, umdos maiores poetas portugueses deste sculo, hoje inexplicavelmente apartado dasatenes (JS, p.209); terem nascido nesta boa vila de Montemor o Ferno MendesPinto da peregrinao e o Jorge de Montemor de Diana (JS, p.212),

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    Este pano de fundo permite contextualizar e compreender o motivoque nos levou a adotar a geograficidade contida na Viagem a PortugaldeJos Saramago, para explorar a geografia latente nesta obra (JACINTO,2013). Outras obras do autor, pelas ricas e acutilantes descries

    interpretativas que fazem da sociedade e do espao, mesmo quandometafricas e supostamente ficcionais, como acontece em A jangada depedra, no deixam de apelar a exerccios especulativos de geografiaprospetiva. Jos Saramago, embora no sendo gegrafo, no deixava de estarmunido de uma cultura territorial com que leu e interpretou o pas. Apreparao da Viagemter beneficiado de ensinamentos colhidos no Guiade Portugal, atrs referido, da leitura direta ou indireta de alguns gegrafos,sobretudo Amorim Giro e Orlando Ribeiro, eventualmente das suas obrasmais divulgadas, fosse a Geografia de Portugal ou Portugal, o

    Mediterrneo e o Atlntico. As observaes de campo feitas durante aviagem, temperadas pela subjetividade do olhar e a reflexo pessoal de JosSaramago, acrescentaram valor ao conhecimento inicial, sedimentandoinformao suficiente para podermos concluir que a cultura territorial doautor quando termina a sua viagem ser incomparavelmente superior ainicial.

    Os mesmos propsitos que nos animam foram expressos por CarlosAugusto Figueiredo Monteiro num ensaio recente sobre Espao Geogrfico

    e Arte (O Pacto das Veredas Mortas)quando diz que como gegrafo, desdefinal dos anos oitenta, vinha atrevendo-me a focalizar a obra de GuimaresRosa com o intuito de, em algumas das suas produes, extrair-lhes ocontedo geogrfico. Porque, segundo ele, ao que tudo indica, asobrevivncia e afirmao da Geografia seria um retornoque no quersignificar repetio mas revalorizao ao seu core que, sem dvida, ainterao da Sociedade com a Natureza. A enorme capacidade que aGeografia revela para entender as intimidades entre a Sociedade e aNatureza, sobretudonesses momentos de grandes crises, poderia adquirirforos de aplicabilidade como uma Medicina da Terra (MONTEIRO,2008, p. 151-117). Aproveitando os ensinamentos deste autor - expressosnuma palestra sobre Geografia Fsica e contemporaneidade - tentareiinterpretar a Viagem a Portugal, de Jos Saramago, a partir das coordenadasque sero expressas nos prximos tpicos. Esse exerccio no ser, contudo,nem uma tentativa de geografizao de obras literrias nem uma literaturizao das temticas geogrficas.

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    2 - A Viagem a Portugalde Jos Saramago: itinerrios e cartografias

    2.1 - Ques tes de mtodo : trabalh o de c ampo , viagem, literatu ra

    A ideia que a geografia repousa sobre a prtica de terreno s seimpe tardiamente: o gegrafo no um explorador ou umviajante; o seu trabalho no consiste em relatar o que observaem cada lugar, mas transformar a viso pontual dos que estoem contato com o real numa viso de conjunto, na qual oscampos se distinguem, as linhas se desenhem, as convergnciasaparecem. Que traz o terreno? Ele garante a autenticidade dasobservaes recolhidas e permite descobrir realidades que

    escapam s outras estratgias de investigao. (CLAVAL,2013)

    A viagem est para o escritor como o trabalho de campo para ogegrafo, pois este comoo viajante anda descoberta do que no sabe, temde correr seus riscos (JS, p. 93), buscando inspirao para a fico ouelementos para alimentar a investigao.Tais nomadismos, diferentes nosobjetivos, na forma e no mtodo, so ditados pela razo e pelo corao,decorrem tanto de imperativos e necessidades objetivas como so motivadospela curiosidade e o romantismo que emana da aventura. A viagem, que paraalguns teve origem no castigo imposto ao primeiro fratricida, obrigado aandar errante e perdido pelo mundo (SARAMAGO, Caim, p. 39),depressa se transformou numa libertao, pois viajar pressuperecusar ohorrio laborioso da civilizao em proveito do lazer inventivo e jovial. Aarte da viagem exorta a uma tica ldica, a uma declarao de guerra aocontrole e cronometragem da existncia (ONFRAY, 2009: 15).

    H um tempo e um modo de viajar como foi o caso especifico destaViagemempreendida por Jos Saramago, para quem as terras marginais soprediletas do turismo. O viajante no turista, viajante. H grandediferena. Viajar descobrir, o resto simples encontrar (JS, p. 466).Estamos perante uma ideia igualmente cara ao gegrafo, que investe temponas suas deslocaes para encontrar e investigar novos lugares na esperanade descobrir e explicar a razo de ser dos acontecimentos naturais e humanosque a ocorrem.

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    potencial pedaggico que encerra o contato com o terreno proporcionadopelo trabalho de campo.

    Viagem e trabalho de campo tm os seus rituais e constrangimentos,exigem uma logstica que apoie o viajante no transporte, na alimentao(gastronomia) e no albergue, permitindo repouso e recuperao da fadiga. exigido ao verdadeiro viajante registos para memria futura, escritos oufotogrficos, mapas que permitam orientar a caminhada: o viajante consultaos seus grandes mapas, segue com um dedo decifrador o traado dasestradas, e faz isto lentamente, um prazer de criana que anda a descobriro mundo. (JS, p. 75).

    O rosrio de lugares que definem o itinerrio seguido por JosSaramago, a avaliar pelo nmero de vezes que so citados no livro,

    denunciam, como veremos, uma estratgia e um apurado planejamento, noqual levou em considerao alm de alguns pressupostos que deixouexpressos, outros objetivos que ficaram implcitos. A viagem que foiefetivamente realizada no deixa de conter outras viagens, mais ntimas,secretas e subjetivas, seguramente mais motivadoras para o autor que arealmente efetuada por dever de ofcio:

    (...) ciente de que, se souber encontrar as pontes e tornar clarasas palavras, ficar entendido que sempre de homens que fala,

    os que ontem levantaram, em novas, pedras que hoje sovelhas, os que hoje repetem os gestos da construo eaprendem a construir gestos novos. Se o viajante no for clarono que escreve aclare quem o ler, que tambm sua obrigao.(JS, p. 277).

    2.2. Viagem e inclu so terri to rial: l ug ares, itin errio s, destin os

    Uma pessoa olha o mapa e fica logo cansada. E, no entanto,parece que tudo ali est perto, por assim dizer, ao alcance damo. A explicao, evidentemente, encontra-se na escala. fcil de aceitar que um centmetro no mapa equivalha a vintequilmetros na realidade, mas o que no costumamos pensar que ns prprios sofremos na operao uma reduodimensional equivalente, por isso que, sendo j to mnimacoisa no mundo, o somos infinitamente menos nos mapas. (JS,Viagem do Elefante, p. 161).

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    A primeira edio da Viagem a Portugal, nas pginas finais, divulgaalguns mapas onde se apresentam, alm dos lugares assinalados, asdeambulaes feitas por Jos Saramago no pas, alguns itinerriossugeridos pelo autor a quem pretenda reproduzir a sua experincia. Emborase reconhea que mais importante que o destino a viagem, estamos quasesempre obrigados a chegar a um lugar, a cumprir um itinerrio que melhorresponda aos propsitos que motivaram a viagem. Neste caso, o viajanteviaja por mor de casos gerais e interesses que devem ser de toda a gente, emespecial os que toquem os domnios da arte (JS, p.400). A misso que tinhaassumido exige profissionalismo e organizao pois o viajante no seconfunde com o turista que leva-e-traz, mas nesta sua viagem no lhe cabe

    tempo para mais indagaes que as da arte e da histria(JS, p. 277).Alm dos lugares, territrios e paisagens mais representativas e

    icnicas do pas, as que qualquer cidado - na gria dos guias tursticos maisbanais - deve visitar antes de morrer, o livro de Saramago leva-nos a outroslugares aparentemente mais simples e banais. Esta Viagem a Portugalsobrepe vrios mapas, essa ferramenta imprescindvel ao planejamento decada jornada: o viajante olha o mapa: se esta curva de nvel no engana, altura de comear a descer. direita fica um largo e extenso vale (JS, p.48). O livro encerra, portanto, uma geograficidade complexa, que sedepreende tanto do que descreve dos espaos presentes, que foram objeto dereferncias diretas, como dos ausentes que no foram percorridos, pelo oautor no considerar interessante l ir ou pela impossibilidade de o autor ira todo o lado. A essas ausncias juntam-se espaos em branco,intencionalmente apagados na cartografia que o livro tem implcita, semqualquer referncia por no sensibilizarem o escritor ou porque a paisagem,o meio natural ou a presena humana no apresentam marcas dignas deregisto ou que meream destaque: sem desdouro para Fornos de Algodres

    e Mangualde no teve histria a jornada para Viseu (JS, p.292).A edio do livro em questo que temos termina com um longo ndice

    toponmico, no qual esto referenciados os 572 lugares mencionados aolongo do texto. A sua anlise permite estabelecer uma hierarquia dos locaisvisitados, em funo do nmero de citaes - ditadas por critrios subjetivos,porventura inconscientes, pela sensibilidade, imaginrio e interesses doautor. Centrando-nos apenas nos 53 lugares citados no livros mais de 4 vezes(9% do total de lugares mencionados), a hierarquia dos lugares maisimportantes, segundo Jos Saramago, aponta para os seguintes nveis

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    hierrquicos:Nvel I (1 lugar citado 33 vezes) - Lisboa; Nvel II(2 lugarescom 12 referncias) - Coimbra, Porto;Nvel III(4 lugares, 9 a 11 referncias)- Sintra, Vila Real, Bragana, vora; Nvel IV (7 lugares com 7 e 8referncias) - Braga, Monsanto (Idanha), bidos [8], Alcobaa, Aljubarrota,

    Guarda, Torres Vedras [7]; Nvel V (17 lugares com 5 e 6 referncias) -Leiria, Tomar, Viana do Castelo, Guimares, Beja, S. Joo Tarouca,Mrtola, Cidadelhe, Rio de Onor [6]; Faro, Aveiro, Castelo Branco,Abrantes, Amarante, Belmonte, Serpa, Marialva, S. Quintino [5]; NvelVI(22 lugares, 4 referncias] - Portalegre, Santarm, Viseu, Torres Novas, Vilado Conde, gueda, Barcelos, Estremoz, Fundo, Pinhel, Mirando do Douro,Batalha, Bom Jesus, Mafra, Salzedas, Idanha (Velha e Nova), lvaro,Escarigo, Juromenha, Rendufe, Rio Mau, Torre de Palma.

    A hierarquia dos lugares segundo Saramago no obedece, comovimos, a um escalonamento que se possa correlacionar estrita e linearmentecom a importncia administrativa, urbana ou econmica daqueles lugares, oque denuncia, antes, uma importncia resultante da apreciao subjetiva doautor s aldeias, vilas e cidades que visitou. O roteiro seguido, que igualmente proposto para futuros visitantes, assenta num pressuposto queno deixa de ser intencional: colocar no mapa e dar visibilidade a certoslugares isolados, esquecidos, recnditos, normalmente fora dos percursoscomuns feitos pelo tipo de turista que engrossa o turismo dominante. As

    cidades maiores e mais conhecidas so economicamente descritas,Saramago faz apenas as referncias essenciais para cumprir misso eresponder encomenda. Os lugares pequenos, perdidos e moribundos, soos que mais o fascinam, exercem maior apelo e levam o autor a dedicar maisternura, empenho e emoo.

    O roteiro que serve de alinhamento descrio da viagem estcarregado de intencionalidade, fazendo toda a diferena o sentido que adotoupara o itinerrio. A viagem inicia-se em Mirando do Douro, fronteira com a

    Espanha, comea de leste para oeste, do interior para o litoral, no sentidocontrrio ao dos ponteiros do relgio. Simbolicamente tem incio com umapregao aos peixes do rio Douro, arranca no interior mais profundo, comose o autor entrasse em Portugal pelas traseiras, vindo de fora para dentro.Esta viagem termina em Sagres, onde tambm simbolicamente teve inciouma outra viagem com a partida das caravelas.

    A Viagem, pois, uma peregrinao por lugares remotos, permitindoque seja lida tambm como um exerccio de cidadania a favor dosesquecidos, uma luta pela incluso dos que, estando longe da vista, ficam

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    perto do corao do autor. Neste sentido, os itinerrios contemplados emViagem a Portugal so sutis apelos incluso territorial feitos por umviajante comprometido com as pessoas e os territrios mais deserdados, umcartgrafo que desenha neste livro um mapa de afetos na expetativa de

    reverter o ostracismo a que esto devotados tais lugares e territrios numageografia de esperana.

    2.3 - Saramago , os mapas e a Carta Regio nal de Port ugal

    tempo de explicar que quanto aqui se diz ou venha a dizer verdade pura e pode ser comprovado em qualquer mapa, desdeque ele seja bastante minucioso para conter informaes

    aparentemente insignificantes, pois a virtude dos mapas essa,exibem a redutvel disponibilidade do espao, previnem quetudo pode acontecer nele. (J. S.,Jangada de Pedra, p. 20).

    Os mapas ajudam a antecipar a viagem e a descobrir o que muitasvezes nos escapa no terreno:com um mapa, iniciamos a nossa primeiraviagem, seguramente a mais mgica, de certeza a mais misteriosa. Porqueevolumos numa potica generalizada de nomes, de traados, de volumesdesenhados, de cores(ONFRAY, 2009, p. 27). Saramago d muita ateno

    aos mapas, seus companheiros de viagem: E quando numa sombra se detmpara consultar os mapas, repara que na carta militar que lhe serve de melhorguia no est reconhecida como tal a fronteira face a Olivena. No hsequer fronteira (JS, p. 549). O poder de observao remete o autor a umareflexo sobre fronteiras, no deixa passar em claro um tema pertinente paraa Geografia, que muitos gegrafos nem sequer observariam:

    O Guadiana banha de vida as suas margens, sem distinguirentre a de c e a de l, que, a avaliar pelo mapa, de c tambm,

    e d a curiosa sensao de ser, correndo vista de um lugarhabitado, um rio selvagem. , com certeza, o mais ignorado daterra portuguesa. (JS, p. 551).

    Munidos de um mapa nunca ficamos desarmados, entregues a nsprprios, merc do desconhecido: um recurso que, embora simplifique ereduza as formas do relevo e os elementos humanos (terras de cultivo, viasde comunicao, habitat etc.), estimula o gosto pela paisagem, fornecereferncias fundamentais para ler e interpretar o territrio. O gegrafo, comoo viajante mais experiente, tem no mapa um aliado, um instrumento de

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    trabalho privilegiado que usa para programar viagens, reais ou virtuais,profissionais ou de lazer. Ferramenta referida por Saramago em tantaspassagens desta sua Viagem,foi usada naturalmente para se orientar e definirum destino: olhando o mapa, o viajante decide: Comeo aqui (JS, p.

    104).O papel, a importncia e o significado dos mapas mudaram desde que

    Saramago realizou esta viagem, como mudou tambm a nossa relao comeles desde que apareceu o sistema de posicionamento global (GPS, GlobalPositioning System ou geoposicionamento por satlite) e se vulgarizaram asimagens de satlite pelo Google Earth. Muitos gegrafos deixaram de olharos mapas como um meio, fundamentais para as suas atividades deinvestigao, passando a t-los como um fim em si mesmo, ao apostar tudo

    nos sistemas de informao geogrfica (SIG) e numa hiperespecializao naqual parece que se esgota todo o saber geogrfico. O mapa continua a ser,apesar disso, tanto na verso impressa - mais artesanal e arcaica - como nosproduzidos pela mais avanada tecnologia digital - desmaterializada e virtual-, a maneira mais eficaz de lermos e interpretarmos o territrio. O mapa,porque enuncia a ideia que temos do mundo, no a sua realidade, noperde a carga metafrica que nos leva a perguntar como dizer o mundoatravs de um mapa que se limita a represent-lo reduzindo-o a merasconvenes?. Da uma certa incompletude, pois revelam, tal como o atlas,

    o essencial, mas no o todo. Falta sua opo conceptual uma polpaadicionada pela literatura e pela poesia (ONFRAY, 2009, pp. 21, 30 e 31).

    Na hora de sistematizar a informao recolhida no terreno e atravs demuitas fontes escritas e visuais, por exemplo os mapas, Jos Saramagoorganizou a sua Viagem a Portugalnos seguintes seis captulos:De Nordestea Noroeste, duro e dourado; Terras Baixas, vizinhas do mar;Brandas Beirasde Pedra, pacincia;Entre Mondego e Sado, parar em todo o lado;A grandee ardente terra de Alentejo; De Algarve e sol, po seco e po mole. Esta

    organizao tem implcita uma diviso regional de Portugal que nos remetepara uma breve reflexo sobre a regionalizao e as vicissitudes de um longoe inconclusivo processo. Em 1981 a regionalizao era um tema que estavana agenda poltica do pas, tendo o governo criado um Secretariado Tcnicopara a Regionalizao (Resoluo 231/81) e definido as linhas gerais doprocesso de regionalizao do Continente (Resoluo 1/82), que passaram aconstar de um Livro Branco produzido para orientar o debate pblico,ocorrido em 1982. O ano da morte da regionalizao viria a ser, contudo,1998, quando um referendo realizado para este efeito teve o desfecho

    conhecido de todos.

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    Viagem a Portugal segundo Saramago[Os mapas reproduzidos representam alguns itinerrios sugeridos pelo autor a

    quem pretenda reproduzir a sua experincia)

    Fonte: Viagem a Portugal. Crculo de Leitores (1 edio; 1981).

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    A diviso regional adotada por Saramago permite interrogar porqueoptou por esta geografia em detrimento da mais difundida, baseada no mapaelaborado por Amorim Giro, publicado no Esboo duma Carta Regionalde Portugal (1933), que o Estado Novo tinha amplamente difundido ao

    ponto de estar presente em todas as escolas primrias do pas. Embora fosseo mais representativo da cultura territorial dominante, o autor rejeita estemapa por associ-lo, eventualmente, ao contedo poltico e ideolgico queencerrava, passando a assumir a carta da diviso regional adotada com oadvento da democracia, baseada num projeto de diviso regionalapresentado pelo Ministrio da Administrao Interna (MAI). Esta propostafoi, posteriormente, assumida pelo Partido Comunista Portugus e vertidono projeto de Lei n 68/1, de 16/6/77, apresentado pelo seu GrupoParlamentar. O modelo territorial que lhe serviu de contraponto baseava-se

    num estudo do Departamento Central de Planejamento (DCP) e viria a serassumido pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (Projeto de Lei n226/1, de 22/3/79). Este mapa, por estar na base da diviso regionalsubmetida a sufrgio fora, portanto, recusada no dito referendo de 1998. Aproposta de diviso regional do MAI acabaria por evoluir, conhecersubsequentes adaptaes, acabando por se transformar na base territorial deatuao das Comisses de Planejamento Regional e, com a entrada na CEE,das Nomenclaturas de Unidades Estatsticas (NUTS).

    Uma anlise mais fria da Viagem a Portugalrevela outro pormenorinteressante quando comparamos o mapa mental seguido por Jos Saramagocom a geografia regional do Pas. Fazendo equivaler a extenso de cada umdos captulos s dimenses das regies de planejamento, chegamos concluso que estes dois mapas (ficcional e real) ocupam espaos no tosubstancialmente diferentes: o espao dedicado no livro Regio Norteocupa 163 pginas (De Nordeste a Noroeste, duro e dourado), o querepresenta 27,3 % da obra, valor no muito diferente dos 23.3% da superfciee 35% da populao que realmente detm no total do continente; o Centro(Terras Baixas, vizinhas do mar e Brandas Beiras de Pedra), conta com 112pginas (26,5% do total, valor ligeiramente superior aos 25,6% da rea e16.5% da populao); Lisboa e Vale do Tejo (Entre Mondego e Sado, pararem todo o lado), com 143 pginas (23,9 %), situa-se entre os 12,3% da reae 34,5% de populao; Alentejo (A grande e ardente terra de Alentejo),aparece numa situao oposta a anterior, j que ocupa apenas 90 pginas(15,1%), embora represente 29.3% da rea com apenas 5% da populao;Algarve (De Algarve e sol, po seco e po mole), com 30 pginas (5,0%)

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    est em linha com a rea (5,4%) e a populao (4.3%) que representa no todonacional (4.3%).

    3 - A Geografia de Portugal segundo Jos Saramago: legendas paraum mapa

    Todo o viajante tem direito de inventar as suas prprias geografias. Se o no fizer,considere-se mero aprendiz de viagens, ainda muito preso letra da lio e ao ponteiro do

    professor(JS, p. 504)

    A descrio dos lugares e dos territrios feita na Viagem a Portugal

    tem latente uma geograficidade que remete para temas de Geografia fsica ehumana que se podem considerar verdadeiras legendas do mapa de Portugalliterariamente desenhado por Jos Saramago. Nessa cartografia, comovimos, deixou implcita uma hierarquia de lugares cuja importncia estabelecida em funo dos que mais o sensibilizaram, impressionaram ouatraram. Destacou, em muitas passagens, um encontro inesperado, umdesvio fora da rota estabelecida, um acidente geogrfico, ou mesmo algumapessoa com quem se cruzou durante a viagem. Assim se explica que aldeiascomo Cidadelhe ou Monsanto sejam mais referidas que muitas cidades,

    certos rios e serras tenham recebido nome prprio - honra apenas concedidaao Senhor Guerra, natural de Cidadelhe, empregado do Hotel Turismo daGuarda, de quem ficaria amigo.

    Saramago guardou o melhor da sua arte para momentos especiais,descrever o modelado de certos montes recortando o cromatismo que asestaes do ano imprimem na paisagem ou o azul do cu num cenrio deOutono. Foi parco e econmico no relato dos restantes lugares que observou,descrevendo o essencial da paisagem e do patrimnio, chamando a ateno

    para serras, vales, rvores, castelos, antas, mosteiros ou igrejas, das quaisdestacou as romnicas pela sua impressiva austeridade. O tempo maisdemorado foi gasto a descrever certos detalhes que sublinham injustiasterritoriais (despovoamento, abandono e ausncia dos espaos rurais, porexemplo), desigualdades ou modos de vida duros e injustos, impostos aossegmentos sociais mais vulnerveis, evidenciando uma coerncia que estem sintonia com o engajamento social e poltico do autor. Esta Viagem aPortugalencerra, pois, uma Geografia de Portugal em que Jos Saramagodeixou plasmado tanto a sua cultura territorial como um acutilante olhar

    sobre o pas.

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    3.1 - Geog rafi a fs ica: terr a, ar, gua; (geo )mo rfo logias e ambiente

    Procura pedras, mas as outras, as que nenhum escopro bateu, ou, tendo batido,nelas deixou intacta a brutalidade

    (JS, p. 326)A terra, o ar e a gua so elementos telricos de que o autor se socorre

    para apreciar a evoluo da paisagem e o modelado do relevo, ressaltar adegradao ambiental e os riscos naturais, que resultam tantas vezes deincorretas intervenes humanas.

    Terra: litologia e patrimnio natural.Os agentes erosivos modelam aserra e o vale, o planalto e a plancie consoantes litologia e sua atuaose processam no xisto, granito, calcrio ou arenito. Por isso o viajante, que

    algumas vezes tem lastimado as fragilidades da pedra, pode agora pasmarcom a resistncia desta: quinhentos veres de calor assim, at um santo degranito teria o direito de dizer basta e sumir-se em p(JS, p. 520). As rochasj no so consideradas, apenas e s, simples recurso ou matria-prima:Pasma diante da grande e nica laje grantica que faz de praa, eira e camade luar no meio da povoao (JS, p.41). A pedra, quando a ao humanaou da natureza suficientemente prdiga para lhe conferir uma esttica quea eleve condio de arte, pode adquirir o estatuto de patrimniogeomorfolgico:

    Nota-se como tem influncia na expresso da obra o materialempregue: este mrmore de Estremoz incomparavelmentemais comunicante do que o alabastro rico do Convento daPena. A no ser que tudo seja mera questo de gosto pessoal(JS, p. 527).

    Ar: climatologia vivida e meteorologia aplicada. A viagem semprecondicionada pelo clima, o que levou o autor a aconselhar ver na Primavera

    o que se vira no Vero ou com sol onde primeiramente a chuva caia (JS,p. 627). O tempo tanto desperta momentos de exaltao, elevao interiorou expe a situaes extremas e a riscos climticos, como acontece com osefeitos nefastos das ondas de calor: Provavelmente por efeito do calor, oviajante no est nos seus dias de maior clareza, mas espera que o entendam(JS, p. 544).

    gua: hidrografia, cheias, inundaes. A gua marca a paisagem e osritmos da ao humana, provoca cheias e inundaes. Tais riscoshidrolgicos no deixam de ser, tambm, uma bno natural:

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    (...) aqui, as guas que a ribeira leva e se juntam s do rio Saborrefluem diante do grande caudal do Douro e vm espraiar-se

    por todo o vale, onde ficam a decantar as matrias fertilizantesque trazem em suspenso. a rebofa, dizem os habitantes de

    c, para quem o Inverno, se a mais se no demanda, umaestao feliz. (JS, p.41).

    Poluio fluvial: No vale a pena ir ver outra vez o rio: nem sequer ummorto limpo (JS, p.403); o Almonda um rio de guas mortas, vida, nele,s a da podrido. Em criana tomou banho neste pego. (JS, p.402).

    Ambiente, riscos naturais e antrpicos. A Viagemcontm refernciasa vrios tipos de riscos, a comear pelos ssmicos que afetaram Lisboa ouVila Real de Santo Antnio (1755), urbe submersa pelo tempo, arrasada

    por terremotos e que, enquanto cresce, a si mesma se vai devorando(JS:466). So ainda mencionadas diferentes formas de degradao antrpica dapaisagem (pisoteio dunar, desabamento de frgeis arribas etc.) motivadaspelo turismo ou pela presso urbanstica:

    A imagem do hotel no o larga. Aquela arriba parece forte, semdvida, mas aguentar ela? No tem esta inquietao que vercom o peso do edifcio, mas com o direito que a qualquer pedrahonrada assiste de alijar de seus magoados ombros

    insuportveis cargas fsicas e morais (JS, p. 450).Outros tipos de poluio. As atividades humanas tambm so

    geradoras de focos poluidores. Passivos ambientais resultantes daexplorao mineira: so os montes de detritos das minas da Panasqueira(JS, p. 338); industrial: e grandes so tambm as chamins por toda arecortada margem que se estende de Almada a Alcochete, com as suastorrentes areas de fumo branco, amarelo, e ocre, ou cinzento, ou negro (JS,p. 495); perigo nuclear:

    A Ferrel foi por uma razo s: ser esta a localidade donde seprev, ou previu, construir uma central nuclear. () o viajanteinterroga-se sobre os tempos em que vierem a esgotar-se asfontes de energia conhecidas, e se, ento, as fontes de energiaalternativa limpa (solar, elica, martima) encontraromaneiras racionais e econmicas de explorao. O homem temsido um animal envenenador, por excelncia o animal que suja(JS, p. 438).

    E ainda,

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    O viajante faz o que seria de esperar: assoma pequenavaranda, quanto basta a um poeta, olha por cima das casasnovas os campos antigos, e tenta compreender o segredo de

    palavras que parecem tiradas apenas dum compndio de

    geografia (JS, p. 530).

    3.2 - Geograf ia humana: paisagem, (des)povo amento , modo d e vida.

    Alguns fragmentos da Viagem podiam ilustrar os compndios deGeografia que pretendam explicar certas mudanas pelas quais passou o pasou evidenciar as suas principais clivagens e assimetrias, designadamente asque se verificam entre o litoral e o interior, o rural e o urbano ou o norte e o

    sul. Portugal , como sabemos, um palimpsesto onde est registada amemria material e intangvel da luta secular do homem pela sobrevivnciae a cada dia se inscreve a superexplorao abusiva e a especulao derecursos, que potenciam a vulnerabilidade ambiental e o ordenamentoinadequado do territrio. Apesar de ser um pequeno pas encerra uma grandediversidade paisagstica:

    Voltou a Castro Daire, sobe o que desceu, e agora vaiatravessar este lado da serra de Montemuro, paisagem to

    diferente, rida, outra vez barrocos, o mato bravio, o ossocinzento da montanha posto vista. Em meia dzia dequilmetros ficou mudada a face do mundo (JS, p. 299).

    Paisagem.No se fica indiferente paisagem, cuja contemplao podedespertar introspeo e mudana de estado de esprito:J quando saiu deMarialva acontecera o mesmo. As grandes impresses pem uma pessoa aolhar para dentro de si, mal v a paisagem e o que a mais se mostre (JS:291). A tenso entre o meio e a ao humana espelha-se na paisagem:

    depois veio o homem e ps-se a fabricar terra (JS, p. 74); e agora,tornando a subir, repara nas casas dos lavradores dispersas pelo vale, muitotrabalho aqui se fezpara tornar isto um jardim (JS, p.p. 269). No Douro,onde melhor se conjugou tal relao, atingiu-se uma harmonia que permitiuo reconhecimento como Patrimnio da Humanidade de uma paisagemampla, montanhosa, de grandes vales abertos, todas as encostas em socalcosverdssimos, amparados por muros de xisto (JS, p.241).

    Povoamento. Os lugares e o seu alfoz estruturam o territrio e definemdiferentes padres e tipologias de povoamento consoantes aos contextos

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    regionais, acabando por conferir significados distintos ao que se considerarural e urbano. O local e a posio especficos de cada lugar foram ditadospela geografia que, em muitos casos, lhes traou a funo:

    Em geral, pem-nos nuns altos inacessveis, que nem o viajantepercebe que interesse havia em conquist-los, quando nos vales que as riquezas agrcolas e pecurias se criam, e os benslazeres se desfrutam, s beiras do rio, na horta e no pomar, oucheirando as rosas no jardim (JS, p.518).

    Com o tempo pode ocorrer a mudana funcional:

    certo que o destino das vilas altas esmorecerem com otempo, verem os filhos descer ao vale onde a vida mais fcil

    e o trabalho melhor se alcana, mas o que no se pode entender que se assista de corao indiferente morte do que apenasesmorecido est, em vez de se lhe encontrarem novos estmulose energias novas. Um dia equilibraremos a vida, mas j noiremos a tempo de recuperar o que entretanto se perdeu (JS, p.290).

    Toponmia. preciso estar atento ao nome que identifica cada lugar:Penacova, nome que consegue a suprema habilidade de conciliar umacontradio, reunindo pacificamente uma ideia de altura (pena) e uma ideiade fundura (cova) (JS, p.236). A toponmia uma referncia que marca,quase sempre, tanto o esprito como a identidade do lugar: O carvalho paraser til tinha de morrer. Tanto o mataram, que o iam exterminando. Emalguns lugares no resta mais que o nome: o nome, como sabemos, a ltimacoisa a morrer (JS, p.445). O entorno, como o nome, tambm lhes moldao carter: H lugares por onde se passa, h outros aonde se vai. Monsanto destes (JS, p.325).

    Povoamento: tempo e imagem.O tempo longo confere espessura aoslugares:

    Nestes lugares, as idades so como largas mars. Veio oromntico e construiu, depois o gtico acrescentou, serenascena houve deixou sinal, o barroco apartou para o lado efez alguns estragos, enfim, entre ir e vir, se para isso houvefora bastante e poder de seduo, aonde a onda mais altachegou, deixou bandeira (JS, p. 314).

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    O tempo sedimenta na paisagem sutis e indescritveis encantos: umquadro que ningum poder pintar, uma sinfonia, uma pera, oinexprimvel(JS, p. 73);

    e mais do que as povoaes, esta beleza calma da paisagem,terra de agricultores, muita vinha, pomar, horticultura,constante ondulao do terreno, to regular que tudo colina elongo vale. A paisagem feminina, macia como um corpodeitado, e tpida neste dia de Abril, florida nas bermas daestrada, fertilssima nas lavras, j rebentando as cepas

    plantadas a cordel, geometria rara nesta nossa inconsequenteptria (JS, pp. 409-410).

    Outras paisagens, outras (geo)grafias:encostas cultivadas em socalcos,

    cobertas de vinhas de cima a baixo, a grafia dos murros de suporte que voacompanhando o fluir do monte, e as cores, como h de o viajante, em prosade correr, dizer o que so estas cores(JS, p.73). Junto ao mar as aldeias depescadores viraram lugares de veraneio e turismo:

    Palheiros de Mira, entrando, uma terra igual a outras da costado mar: ruas largas, casas baixas, v l que uma pequena subida

    perpendicular ao passeio marginal, como se ao comprido dalinha da praia se tivesse levantado um dique (JS, p. 206).

    Cidade e periferias urbanas.A cidade outro universo, permite outrasviagens: Mas Nicolau Nasoni riscou no papel viagens no menosaventurosas: o rosto em que uma cidade se reconhece a si prpria (JS, p.184). Ao percorrer o Porto observou novas realidades e ambientes distintos:durante meia manh andar por este Bairro do Barredo, a ver se aprende devez o que so ruas hmidas e viscosas, cheiros de fossa, entradas negras decasas (JS, p.176). Algumas cidades, como esta, tm personalidade vincada:ter a iluso de que todo o Porto Ribeira. A encosta cobre-se de casas, as

    casas desenham ruas, e, como todo o cho granito sobre granito, cuida oviajante que est percorrendo veredas de montanha. Mas o rio chega aquiacima (JS, p. 179). As periferias urbanas tiveram mudanas profundas,transformaram-se em espaos complexos, imbricados, de transio e deindecifrveis fronteiras entre o rural e o urbano:

    Estas terras por onde vai passar so povoadssimas, as aldeiasquase vizinhas de patamar, cada qual espreitando a prxima,de vertente para vertente. Comea aqui o desconhecido. ummodo de falar, claro est, que a capital est perto, mas que se

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    h de dizer de uma regio aonde poucos vm, precisamente porser pequena a viagem? (JS, p. 409).

    (Des)povoamento: xodo, ausncia, abandono. Interioridade rimacom despovoamento: um caminho de grande solido: so dezenas dequilmetros sem vivalma, montes em cima de montes, como pode ser togrande to pequeno pas(JS, p. 354). difcil percorrer vastas reas do passem se ser assaltado por algum pessimismo e desencanto; as aldeias sovistas como lugares sem retorno, merc de todos os fatalismos: entrePonte de Sor e Alter do Cho, por estas grandes solides de sobreiros erestolhos(JS, p. 517); Cidadelhe, calcanhar do mundo. Eis a aldeia, quasena ponta de um bico rochoso entalado entre os dois rios (JS, p.261). Aaldeia toda de pedra. Pedra so as casas, pedra as ruas. A paisagem pedra.

    Muitas destas moradas esto vazias, h paredes derrudas. Onde viverampessoas, bravejam ervas (JS, p. 263). Outros contextos, o mesmosentimento: esto as salinas desertas, os moliceiros encalhados, osmercantis ausentes. Resta a grande laguna e a sua silenciosa respirao deazul (JS, p.190). Percorrem-se caminhos sem vivalma: at So Brs aestrada faz boa companhia. Atravessa um grande ermo, paisagem de cabeosarredondados, mar picado de vaga curta, uma e outras pequenas tabuletas demadeira indicam o caminho para montes que da estrada no se avistam, nemsequer a ponta duma chamin (JS, p. 570). difcil mudar de opinio

    quando se atravessam campos e territrios abandonados: Entre VilarFormoso e Almeida no h que ver. Terras planas que do uma impressocertamente errada de abandono, pois no crvel que se deixem sem cultivoto grandes extenses. Mas este lado da Beira parece desrtico, quem sabese por ter sido terra de invases (JS, p. 281). Mesmo quando poucohabitados, um adequado ordenamento do territrio no deve prescindir dopapel que estes lugares podem desempenhar: O Convento da Flor da Rosa,hoje meio arruinado, continua a reger e a governar o espao que o rodeia(JS, p. 521).

    Aldeias, casas, sociedade, estrutura familiar, tudo foi profundamentealterado: A casa mais antiga uma casa deserta. Restam uns tios, uns vagosprimos, a grande melancolia do passado pessoal: pensando bem, s opassado coletivo exaltante (JS, p. 403). Contudo, subsistempermanncias, persistem equilbrios: o Cvado aqui uma beleza, entre asmargens altas, que as necessidades urbanas ainda assim respeitaram. L esta azenha que vista da outra margem humaniza a aridez da grande muralhasuperior, as runas do Pao dos Condes (JS, p.160).

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    As paisagens agrrias do pas so variadas e mltiplos os tipos deagricultura: Em Aguadora, os campos-masseiras inventam agriculturasentre areias estreis. Transporta-se a terra, o hmus, os frteis detritosvegetais, as algas colhidas do mar, e armam-se canteiros protegidos do

    vento, e tudo isto como cultivar hortas no deserto(JS, p. 115);depois do Azevedo o que se v um grande deserto de montes,com terras tratadas onde foi possvel. H searas, breves, as demais intenso verde so de centeio, as outras de trigo. E nasterras baixas cultiva-se a batata, o geral legume. Pratica-se umaeconomia de subsistncia, come-se do que se semeia e planta.

    O Alentejo , como se sabe, um caso parte no panorama agrrionacional, tema que Saramago explorou num dos seus romances: Vede como

    esto secos estes ribeiros, o barranco de Marzelona, a ribeira de Terges, osminsculos, invisveis afluentes que no se distinguem da paisagem to secacomo eles. Aqui se sabe, sem ter de recorrer aos dicionrios, o quesignificam estas trs palavras: calor, sede, latifndio (JS, pp.586-587).

    A vida no campo sempre foi dura e difcil, sendo imprevisvel amisria a que podem chegar homens, ficando nela a vida inteira e nelamorrendo (JS, p.157). As polticas pblicas implementadas no espao ruralforam incapazes de reverter tendncias to pesadas e negativas: Para estes

    lados, h umas povoaes a que chamam aldeias melhoradas. So elas VilaVerdinho, Aldeia do Couo e Romeu. Por causa da singularidade do nome,e tambm porque um grande letreiro informa haver a um museu decuriosidades, o viajante escolhe Romeu para maior demora(JS, p. 44). medida que a Viagemprogride o autor discorre sobre o problema social noscampos: se no v uma simples casa, pode permitir-se pensar que a grandepropriedade inimiga da densidade populacional (JS, p.530). Superar tovelhos problemas implica encontrar novas solues, pelo que recomendou dada altura: Castelo Rodrigo tem de fazer o inventrio das suas armasprprias e lutar pela vida: o conselho deixado pelo viajante, que nada maispode.

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