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O PAPEL DO REVISOR NA ATUALIDADE Ezequiel Schukes Quister. RESUMO A pluralidade de gêneros, formas e tipos textuais têm requerido um leitor mais capacitado, judicioso e consciente das diversas facetas que as obras atuais demandam. São muitos os títulos, muitos os segmentos e também muita confusão envolvida na padronização de obras, o que acarreta prejuízo ao leitor. A miríade de possibilidades que se descortinaram com os meios eletrônicos de comunicação, exige do leitor uma compreensão forçada, e porque não, obtusa. A evolução dos meios de comunicação traz, necessariamente, uma velocidade ora incompreensível à mente humana, a qual se limita apenas a interagir com este novo cenário. Assim, o papel do revisor não é só o de consertar um texto, mas torná-lo inteligível. PALAVRA-CHAVE: revisão; estrutura textual; padronização; objetividade. INTRODUÇÃO A produção literária brasileira é muito rica. Temos autores ilustres como Machado de Assis, e outros que à esteira dele fazem da nossa literatura algo conhecido mundo afora. A riqueza está na formulação de textos e na sua significação, no uso da língua e principalmente nas formas, coloquiais ou não, de se dizer algo. As literaturas ou mesmo os textos tecnicos, atualmente requerem do leitor uma capacidade maior de síntese e entendimento. A interpretação é e continua sendo algo fundamental na interação texto-leitor. As formas de interpretação requeridas e o perfil do leitor foram detectados já nos anos 60 (LEANDRO; MEDINA, 1973). Ou seja, a evolução mostra que o leitor é ao mesmo tempo objeto da análise e co-participante do processo de significação.

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O PAPEL DO REVISOR NA ATUALIDADE

Ezequiel Schukes Quister.

RESUMO

A pluralidade de gêneros, formas e tipos textuais têm requerido um leitor mais

capacitado, judicioso e consciente das diversas facetas que as obras atuais demandam.

São muitos os títulos, muitos os segmentos e também muita confusão envolvida na

padronização de obras, o que acarreta prejuízo ao leitor. A miríade de possibilidades

que se descortinaram com os meios eletrônicos de comunicação, exige do leitor uma

compreensão forçada, e porque não, obtusa. A evolução dos meios de comunicação traz,

necessariamente, uma velocidade ora incompreensível à mente humana, a qual se limita

apenas a interagir com este novo cenário. Assim, o papel do revisor não é só o de

consertar um texto, mas torná-lo inteligível.

PALAVRA-CHAVE: revisão; estrutura textual; padronização; objetividade.

INTRODUÇÃO

A produção literária brasileira é muito rica. Temos autores ilustres como

Machado de Assis, e outros que à esteira dele fazem da nossa literatura algo conhecido

mundo afora. A riqueza está na formulação de textos e na sua significação, no uso da

língua e principalmente nas formas, coloquiais ou não, de se dizer algo. As literaturas

ou mesmo os textos tecnicos, atualmente requerem do leitor uma capacidade maior de

síntese e entendimento. A interpretação é e continua sendo algo fundamental na

interação texto-leitor. As formas de interpretação requeridas e o perfil do leitor foram

detectados já nos anos 60 (LEANDRO; MEDINA, 1973). Ou seja, a evolução mostra

que o leitor é ao mesmo tempo objeto da análise e co-participante do processo de

significação.

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É o leitor do mundo em movimento, dinâmico, mundo híbrido, de

misturas sígnicas, um leitor filho da revolução industrial e do

aparecimento dos grandes centros urbanos, o homem na

multidão. Esse leitor, que nasce com a explosão do jornal e com

o universo reprodutivo da fotografia e cinema, atravessa não só a

era industrial, mas mantém suas características básicas quando se

dá o advento da revolução eletrônica, era do apogeu da televisão

(SANTAELLA, 2003)

Santaella argumenta que as mudanças tecnológicas são e serão influências

diretas para o leitor. O entendimento é que, mesmo aqueles leitores contemplativos,

como habitualmente são chamados os que gostam de ler algo cujo veículo é o papel, são

alvo constantes das mídias, que buscam meios de cativá-los. É para eles que o texto se

ajusta aos meios, ou os meios ao texto, visando um direcionamento, uma orientação.

Claro que os diversos suportes disponíveis para a leitura orientam e segmentam os

públicos. A diagramação, inserção de imagens, infográficos e recursos estilísticos

facilitam a interpretação do leitor (SCALZO, 2004), porém, o principal eixo é a

interação textual, que requer do leitor uma demanda de significações e interpretações

muito mais restrita ao seu repertório.

DESENVOLVIMENTO

Em que o revisor pode ajudar nessa tarefa de significação? É o registro de cada

pessoa que torna a leitura algo estritamente pessoal. As vivências, experiências e

mazelas da vida moldarão os tipos de leitores, logo, subentende-se que para cada um

deles, determinado texto pode ter ou não um valor intrínseco; os objetos de discurso a

que o texto faz referência são apresentados, em grande parte, de forma incompleta,

permanecendo muita coisa implícita (...) (KOCH, 2009, pág. 71). Por isso o profissional

da revisão é aquele que pode e deve dar significado e clareza ao texto. É ele que, na

ausência de sentido, vai cerzir as frases e torná-lo consumível. Koch argumenta que o

texto, por si, não tem significação à priori, sendo sua interpretação fruto de um contexto

estabelecido pelo autor. Logo, o papel do revisor, atualmente, não é só o de estruturar

um texto à norma culta, mas, como se dizia há algum tempo, realizar muito copidesque

(MALTA, 2000).

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Para Malta, o limiar entre um autor ou revisor pode ser tênue, visto que em sua função,

às vezes, é-lhe requerido o papel de autor ao melhorar um trecho obscuro, reparar uma

sentença incoerente ou mesmo realizar acertos de ordem histórica, cultural e técnica; é

como ser um co-autor. Um texto para ser bom, deve conter todas as nuances que o autor

tentou transmitir. Deve ter uma linguagem clara e concisa. Deve ser inteligível em seus

aspectos culturais mais ímpares. Deve remeter o leitor para dentro do texto, como já

disse Tom Wolfe.

Recentemente um estudo americano deixou muito claro que o texto, em si,

revela mais do que um modo ou meio de se dizer algo. O estudo feito pelo pesquisador

americano Alex Watson sobre obras de Nelson Rodrigues demonstrou que este autor

não tem penetração no mercado estadunidense devido à impossibilidade de se traduzir

conceitos e expressões regionalistas, cujas características fazem de suas obras algo

singular. Watson afirma que a dificuldade principal na tradução recai sobre o contexto

local utilizado nas obras de Nelson Rodrigues: o Rio de Janeiro dos anos 50.

Poderíamos objetar esse argumento considerando trabalhos de tradução realizados nas

obras de Henry Charles Bukowski, por exemplo, notoriamente conhecido como um dos

“poetas malditos”, cujas obras são singularmente reconhecidas pelo teor picante e pelos

contextos geográficos que as acompanhavam. Neste caso, seus trabalhos chegaram até

nós sem que se considerassem críticas ou prejuízos em relação à tradução, ao

significado. Ambos os exemplos reforçam o que anteriormente foi citado por Koch, de

que o repertório do leitor vai definir boa parte da significação do texto, senão todo ele.

Considerar ainda que os autores também fazem de sua obra uma expressão de

seus repertórios. O fenômeno de interpretação é um olhar diferenciado do autor, mesmo

em releituras.

(...) uma única obra literária pode dar lugar,

simultaneamente, a tipos de discurso bem distintos: a

Odisséia como texto primeiro é repetido, na mesma época,

na tradução de Bérard, em infindáveis explicações de texto,

no Ulysses de Joyce (FOUCAULT, 1999, pág.12).

Foucault argumenta que o primeiro texto, ou texto principal, é aquele que vai

conter todo o emaranhado de idéias, a riqueza de conceitos a partir do qual se pode

reatualizar informações.

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O que vem depois passa a ser mera situação opinativa; comentários. Assim, fica

evidente outra característica importante sobre a responsabilidade de um revisor-tradutor

no papel da transliteração.

Então, na confecção de uma obra escrita até a sua consumação, que culmina com

o leitor, uma gama de considerações é criada pelo autor, sempre buscando sua própria

satisfação ou a do seu público. Seja como for, seu trabalho de articulação o define,

conforme exemplifica Foucault, o autor é aquele que dá à inquietante linguagem da

ficção suas unidades, seus nós de coerência, sua inserção no real (FOUCAULT, 1999,

pág. 14). Nessa mesma linha Umberto Eco fundamenta muito bem o que foi dito

anteriormente com relação ao sentido do material criado após um resignificação, ou

reatualização, quando diz que não há interpretante que, ao confrontar o signo que

interpreta, não modifique, mesmo que só um pouco, seus limites (ECO, 1991, pág. 59).

Cada leitor busca em uma obra aquilo que lhe é mais peculiar. Aquilo que

facilmente lhe toca o sentido e lhe significa algo. A complexidade dessas relações

abrange teorias semióticas, lingüísticas e psicológicas. Pedro Celso Campos, por

exemplo, esboça alguns dos gêneros textuais jornalísticas cujas fórmulas dão ao leitor

uma visão segmentada dos tipos textuais que podemos encontrar e com os quais,

maioria das pessoas se identifica. É natural que se busque a equalização de idéias com

textos à altura da capacidade interpretativa do leitor. Por isso um revisor deve não

somente participar do processo corretivo de um texto, mas trabalhá-lo para que fique

objetivo. Não que hoje em dia isso já não seja um realidade no universo das publicações

disponíveis, porém, a diversidade pode requerer também uma padronização. Leitores da

Piauí não se deparam com textos semelhantes aos da Veja, porém, seus conteúdos e a

capacidade de significação de cada uma é fruto das experiências de seus leitores. A

possibilidade de se fazer textos lineares para ambas as publicações as tornariam objeto

de desprezo, talvez, pois a maneira de produção textual aplicada em cada uma faz o seu

diferencial. É nesse contexto que um revisor, não como mero corretor ortográfico, surge

para atenuar os problemas de um texto ou mesmo para reformulá-lo. Para isso, o

revisor, assim como qualquer profissional que lida com a informação, com textos, deve

ser uma pessoa muito bem informada. Ler é um requisito básico para aquele que se

dispões a exercer a profissão de revisor, só a técnica não basta (MALTA, pág. 27).

Apesar dos recursos de correção disponíveis nos programas de computador, que

hoje se mostram cada vez mais úteis, evoluindo para correção de sintaxe e sentido, o

material humano ainda é essencial para estabelecer o foco, a gama de conceitos

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abstratos e literários que fogem do padrão tecnicista de um corretor. Cabe aqui frisar

que um programa pode ajudar o revisor, mas não é parte essencial de seu trabalho.

Publicações com padronização de textos e formas também são bem-vindos, como os

manuais de redação jornalística da Folha de São Paulo, por exemplo.

CONCLUSÃO

Segundo palavras de Luiz Roberto Malta, em 30 anos foram publicados menos

de 10 títulos sobre o tema tratado neste trabalho. Malta escreveu isso em 2000, quando

da publicação de seu livro Manual do Revisor. Hoje é provável que essa marca já tenha

sido alcançada e superada. A maioria das obras publicadas na última década aponta um

caminho mais didático, enfatizando o aspecto tecnicista que está diretamente ligado à

profissão de revisor. Os poucos autores que se dedicaram a extrair ou explicar

conceitos textuais de forma mais literária, menos acadêmica, talvez, são, em suma,

autores de livros e jornalistas que se enveredaram pelos caminhos da literatura. A falta

de obras de referência pode denotar falta de interesse científico no assunto ou, falta de

padrão para uma área que ainda se pensa de forma tecnicista.

Os corretores ortográficos jamais podem substituir o trabalho humano neste

campo. Como dito anteriormente, essas ferramentas são de grande auxílio, mas, antes de

tudo é preciso um profissional que entendo um texto como arte.

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REFERÊNCIAS

SCALZO, Marília. Jornalismo de Revista. 3ª ed. São Paulo: Ed. Contexto, 2009.

SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. 2ª ed. São Paulo: Ed. Brasilienses, 2003. Coleção

primeiros passos. <Disponível em: http://wwwpucsp.br/pos/cos/epe/mostra/santaell.htm>

acessado em: 10 maio 2011.

KOCH, Ingedore Villaça. Ler e Compreender os sentidos do texto. 3ª ed. São Paulo:

Contexto, 2009.

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. 5ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

ECO, Humberto. Semiótica e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Editora Ática, 1991.

CAMPOS, Pedro Celso. Gêneros do Jornalismo e Técnicas de Entrevista.

<Disponível em: www.bocc.ubi.pt/pag/campos-pedro-generos-do-jornalismo.pdf.>

Acessado em 23 maio 2011

SAATKAMP, Henry. O Livro – preparação & revisão de originais. Porto Alegre:

Abigraf/AGE Editora, 1996.

MEDEIROS, João Bosco. Manual de Redação e Normalização Textual. São Paulo:

Editora Atlas, 2002.

MALTA, Luiz Roberto S. S. Manual do Revisor. São Paulo: Madras Editora, 2000.

Manual da Redação: Folha de São Paulo. São Paulo: Publifolha, 2008.

Jornal Folha de São Paulo: disponível em

<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1205201116.htm>.Acesso em 30 set.

2011.