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  • SRIE-ESTUDOSPeridico do Mestrado em Educao da UCDB

  • Srie-Estudos Peridico do Mestrado em Educao da UCDB, n. 25(junho 2008). Campo Grande : UCDB, 1995.

    Semestral

    ISSN 1414-5138

    V. 23,5 cm.

    1. Educao 2. Professor - Formao 3. Ensino 4. PolticaEducacional 5. Gesto Escolar.

    Indexada em:BBE - Biblioteca Brasileira de Educao (Braslia, Inep)EDUBASE - UNICAMPCLASE - Universidad Nacional Autnoma de Mxico

    Solicita-se permuta / Exchange is requested

    Tiragem: 1.000 exemplares

    Srie-Estudos publica artigos de carter terico e/ou emprico na rea de educao, comnfase em educao escolar e formao de professores .

  • Misso Salesiana de Mato GrossoUNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCO

    Instituio Salesiana de Educao Superior

    SRIE-ESTUDOSPeridico do Mestrado em Educao da UCDB

    Srie-Estudos Peridico do Mestrado em Educao da UCDB. Campo Grande-MS, n. 25, p. 1-241, jan./jun. 2008.

  • Chanceler: Pe. Lauro Takaki ShinoharaReitor: Pe. Jos MarinoniPr-Reitor Acadmico: Pe. Dr. Gildsio Mendes dos SantosPr-Reitor Administrativo: Ir. Raffaele Lochi

    Srie-Estudos Peridico do Mestrado em Educao da UCDBPublicada desde 1995Editora ResponsvelMargarita Victoria Rodrguez ([email protected])

    UNIVERSIDADE CATLICA DOM BOSCOInstituio Salesiana de Educao Superior

    Direitos reservados Editora UCDB (Membro da Associao Brasileira das Editoras Universitrias- ABEU):Coordenao de Editorao: Ereni dos Santos BenvenutiEditorao Eletrnica: Glauciene da Silva Lima SouzaReviso de Redao: Edilza GoulartVerso e Reviso de Ingls: Barbara Ann NewmanBibliotecria: Cllia Takie Nakahata Bezerra - CRB n. 1/757Capa: Helder D. de Souza e Miguel P. B. Pimentel (Agncia Experimental de Publicidade)

    Av. Tamandar, 6.000 - Jardim SeminrioCEP: 79117-900 - Campo Grande - MSFone/Fax: (67) 3312-3373e-mail: [email protected]://www.ucdb.br/editora

    Conselho EditorialAdir Casaro NascimentoLeny Rodrigues Martins TeixeiraMariluce BittarRegina Tereza Cestari de Oliveira

    Conselho CientficoAmarlio Ferreira Junior - UFSCarCelso Joo Ferretti - UNISOEmlia Freitas de Lima - UFSCarFernando Casadei Salles - UNISOGraa Aparecida Cicillini - UFUHamid Chaachoua - Universidade Joseph Fourier/FranaHelena Faria de Barros - UCDBJorge Nagle - UMCJos Luis Sanfelice - UNICAMP/UNISOLus Carlos de Menezes - USPManoel Francisco de Vasconcelos Motta - UFMTSonia Vasquez Garrido - PUC/ChileSusana E. Vior - UNLu/ArgentinaVicente Fideles de vila - UCDBYoshie Ussami Ferrari Leite - UNESP

  • Editorial

    A Srie-Estudos apresenta, no nmero 25, um Dossi que aborda a histria da educao,especificamente traz artigos relacionados com as instituies escolares a partir de diversasabordagens. As instituies escolares como objeto de pesquisa tm ganhado importncia naproduo acadmica da rea da educao, e o Peridico tem como objetivo dar a conheceralguns dos trabalhos produzidos por grupos de pesquisas nacionais e internacionais queestudam a histria das instituies escolares.

    O dossi Histria das Instituies Educacionais, organizado pela professora MargaritaVictoria Rodrguez, rene treze artigos, sendo que dez desses trabalhos discutem o processode instuticionalizao da educao pblica no Brasil, no perodo imperial e republicano. Trsartigos abordam as instituies educacionais em outros contextos histricos e geogrficos:um dos artigos apresenta resultados de pesquisa sobre as institucionais educativas religiosas,no Chile, na primeira metade do sculo XX, um enfoca os mosteiros na Idade Mdia e suafuno educativa, e o outro trata das instituies escolares no perodo do Imprio e da Repblicaem Roma.

    Conselho EditorialJunho/2008

  • Sumrio

    Ponto de vistaHistria das instituies escolares: desafios tericos .....................................................................11History of school institutions: theoretical challenges ............................................................................................................ 11

    Jos Lus Sanfelice

    Dossi Histria das Instituies EducacionaisHistria e memria: contribuies dos estudos das Instituies Escolares para aHistria da Educao .................................................................................................................................21History and memory: Contributions from the Educational Institutions Studies to theHistory of Education ...................................................................................................................................................................................................... 21

    Margarita Victoria Rodrguez

    A institucionalizao da instruo pblica no Paran: um estudo a partir de fontes .........31The institutionalization of public education in Paran: a study based on surces ............................... 31

    Maria Elisabeth Blanck Miguel

    A institucionalizao escolar entre 1879 e 1930 ...........................................................................43School institutionalization between 1879 and 1930 .............................................................................................................. 43

    Srgio Castanho

    Tempos vividos na Escola Militar: memrias de um aluno (1897-1900) .................................57The vivid times in the Naval School: memories of the a student (1897-1900) ........................................ 57

    Maria Teresa Santos Cunha

    Entre escolarizao e instituies escolares na historiografia da educao: aemergncia dos grupos escolares no Brasil da Repblica Velha (1889-1930) ......................67Relation between the schooling process and educational institutions in thehistoriography of education: the emergence of scholastic groups in Brazil in theOld Republic (1889-1930) ........................................................................................................................................................................................ 67

    Geraldo Gonalves de LimaDcio Gatti Junior

    A segunda escola profissional para o sexo feminino (Rivadvia Corra) do DistritoFederal ou a trajetria de sua diretora Benevenuta Ribeiro (1913-1961) ..........................85The second professional school for women (Rivadvia Corra) of the Federal Districtor the trajectory of its principal - Benevenuta Ribeiro (1913-1961) ...................................................................... 85

    Nailda Marinho da Costa Bonato

    Iderio de formao de professores: Colgio Sagrado Corao de Jesus ................................ 103Ideal of teachers education: the Sagrado Corao de Jesus School ..............................................................103

    Henrique Alves de LimaRosa Lydia Teixeira Corra

  • A escola normal de Mato Grosso no sculo XIX ............................................................................ 123The primary teacher training school of Mato Grosso in the nineteenth century .............................123

    Ana Paula da Silva XavierNicanor Palhares S

    Professores e instituies escolares no contexto do regionalismo mato-grossense .......... 133Teachers and school institutions in the context of the Mato Grosso region .......................................133

    Marisa BittarAmarilio Ferreira Jr

    O trabalho didtico nos grupos escolares Joaquim Murtinho e Lus de Albuquerque(Mato Grosso, 1910-1950) ................................................................................................................... 157The didactic labor in two primary schools: Joaquim Murtinho and Lus de Albuquerque(Mato Grosso, 1910-1950) ...................................................................................................................................................................................157

    Silvia Helena Andrade de Brito

    Iniciativas de modernizao escolar em Mato Grosso: grupos escolares e formaodocente o sul do estado (1910-1950) .......................................................................................... 171School modernization initiatives in Mato Grosso: school groups and teacher training the south of the state (1910-1950) ..........................................................................................................................................................171

    Regina Tereza Cestari de OliveiraArlene da Silva Gonalves

    Los Orgenes del Hogar de Cristo en Chile ...................................................................................... 193The origins of El Hogar de Cristo in Chile .........................................................................................................................................193

    Jaime Caiceo Escudero

    Os mosteiros e a institucionalizao do ensino na Alta Idade Mdia: uma anlise dahistria da educao ............................................................................................................................... 207The monasteries and the institucionalization of the teaching in the high-middleage: an analysis of the history of education .................................................................................................................................207

    Terezinha Oliveira

    Estado Romano e instituies escolares .......................................................................................... 219Roman state and school instituitions ...................................................................................................................................................219

    Jos Joaquim Pereira Melo

  • Ponto de vista

  • Histria das instituies escolares: desafiostericosHistory of school institutions: theoretical challenges

    Jos Lus Sanfelice

    Professor titular em Histria da Educao UNICAMP/FE/DEFHE; Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas -HISTEDBR.e-mail: [email protected]

    ResumoO presente artigo, reconhecendo a importncia que os estudos histricos das instituies escolares vmadquirindo no campo da historiografia educacional mais recente, busca realizar uma breve reflexo sobreos riscos terico-metodolgicos que podem comprometer o alcance de resultados cientificamente significa-tivos para a rea de conhecimento. Sem censurar as inovaes, indica que preciso entend-las no campodo confronto ideolgico que envolve a escolha de referenciais cientficos. Espera-se trazer uma contribui-o ao debate, com um posicionamento no mbito do materialismo histrico-dialtico.

    Palavras-chaveCincia da histria. Histria da educao. Histria de instituies escolares.

    AbstractThis paper, acknowledging the relevance that the studies about the history of school institutions have beenacquiring in the field of the most recent educational historiography, aims to briefly discuss about thetheoretical-methodological risks that can compromise the extent of scientifically significant results for thearea of knowledge. Instead of criticizing the innovations, it points out that they must be viewed in the lightof the ideological confrontation that involves the choice of scientific reference points. This work expects tobring some contribution to the debate, taking a position in the scope of the historical-dialectical materialism.Key wordsHistory science. History of education. History of school institutions.

    Srie-Estudos - Peridico do Mestrado em Educao da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 11-17, jan./jun. 2008.

  • 12 Jos Lus SANFELICE. Histria das intituies escolares: desafios tericos

    [...] o evento, o indivduo e at a retomadade algum estilo ou modo de pensar opassado, no so fins em si mesmo, masmeios de esclarecer alguma questo maisampla, que ultrapassa em muito o relatopart icular e seus personagens.(HOBSBAWM, 1998, p. 202)

    Produzir o estudo da histria das ins-tituies escolares tornou-se uma prticabastante comum entre os historiadores daeducao mais recentes. J se somam scentenas os trabalhos que se abrigam sobeste tema de investigao. Nosella e Buffa(2006) observaram, por exemplo, que essaspesquisas se desenvolveram, sobretudo, apartir dos anos 1990. Os motivos seriam aconsolidao da ps-graduao, que levoua uma maior institucionalizao da pesqui-sa acadmica, e o estmulo favorvel deuma possvel crise de paradigmas, propicia-dora de pluralismo epistemolgico e tem-tico, privilegiando o estudo de objetos sin-gulares.

    Pressupondo que Nosella e Buffa(2006) estejam corretos, quero entender queo estudo da histria de uma instituio es-colar o estudo de um objeto singular, mas,como os mesmos autores sinalizaram, tam-bm um estudo que pode resultar de umapossvel fragmentao que dificulta a com-preenso do fenmeno educacional em suatotalidade.

    Toda vez que observo o embate dasposturas que os autores citados registraram,procuro deixar logo claro: nenhum objeto,por mais singular que seja, est interditadoa um pesquisador que queira se compro-meter com a viso de totalidade histrica;os objetos so o que so e se manifestampela sua aparncia e/ou essncia.

    As abordagens visando captar osobjetos podem e devem ser mltiplas, poisso como instrumentos do pesquisadorempenhado em captar o real tal como ele. O alcance e os limites de cada aborda-gem se diferenciam e, em alguns casos, seesgotam j na constatao to somenteda aparncia. O senso comum, por exemplo,pode ser resultante de uma abordagemmais precria, enquanto o bom-senso resul-ta de maior elaborao. O bom-senso podedar origem ao conhecimento cientfico cadavez mais complexo, mas novas mediaesso necessrias.

    No sentido que acabo de explicitar,no vejo maiores dificuldades em aceitar apossibilidade de pesquisas voltadas paraobjetos singulares. Mais do que isso: vejo apossibilidade de se construir um conheci-mento verdadeiro dos objetos. Um conheci-mento verdadeiro para o(s) sujeito(s) queconhece(m) e que tm, sempre, certa relati-vidade, pois no seria a apreenso da tota-lidade da verdade. Mas, ainda assim, conhe-cimento verdadeiro e, portanto, sem a possi-bilidade de se constituir apenas em verdadesubjetiva, ou seja, o relativismo da verdadede cada um: uma verdade, enfim, relativa,objetiva/subjetiva.

    Preservados os espaos acadmicosdemocrticos, nos quais os pesquisadoresnecessitam de liberdade para escolheremos seus objetos de pesquisa e fazerem suasopes de abordagens, gosto de lembrarque essa democracia e liberdade costumamter condicionantes que as limitam. Cito trsexemplos: a) objetos de estudo que se en-contrem fora da moda acadmica hegem-nica podem no encontrar grande recepti-

  • Srie-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 11-17, jan./jun. 2008. 13

    vidade nas agncias de fomento s pes-quisas, quando os pesquisadores deman-dam recursos para seus projetos de investi-gao, pois as agncias estabelecem priori-dades; b) objetos e abordagens no con-templados pelo manto sagrado das linhasde pesquisa ou os grupos de pesquisa nocredenciados podem ser consideradas pes-quisas relevantes, bem propostas, mas paraas quais no esto previstos recursos; c)difundem-se, entre os pesquisadores, certosmodismos que sugerem a necessidade dese estar atualizado. H uma sensao deque no aderir moda ou ltima influn-cia da cultura europia ou norte-americanapor aqui divulgada, torna-nos ainda maissubdesenvolvidos e dependentes. H umolhar de desdm para com as resistnciase os resistentes comeam a ter seus espa-os de debates, de apresentao de traba-lhos em colquios, jornadas, simpsios, se-minrios e congressos cada vez mais dimi-nudos. Uma boa desculpa nos dias de hojepara evitar a participao dos indesejadose/ou inoportunos alegar que os ditos cujosno fazem a interlocuo com a produomais atual da rea.

    As observaes acima no me im-pedem de constatar que o tema histriadas instituies escolares, no sentido emque apontei, est na moda, entre outros.Isso significa dizer que o tema tem bonsespaos nas reas acadmicas, nas agn-cias e nas editoras, por exemplo. Sem ne-nhum pudor, tenho orientado vrios traba-lhos, desde os de concluso de curso (TCC),de mestrado ou mesmo de doutorado, es-pecificamente tratando do tema em pauta.1

    Assim posto, relembro que conside-ro o estudo da histria de uma instituioescolar o estudo de um objeto singular; queo estudo de um objeto singular no estinterditado ao pesquisador que deseja secomprometer com uma viso de totalidadehistrica, e que o estudo de um objeto sin-gular pode ser tambm a opo por umapostura epistemolgica fragmentada.

    A questo central, a partir de agora,passa a ser a seguinte: que implicaesdecorrem de cada uma das opes acima?Trata-se, portanto, de uma reflexo episte-molgica.

    Segundo Nosella e Buffa (2006, p. 3),a postura epistemolgica fragmentada vemse caracterizando por privilegiar temas como

    [...] cultura escolar, formao de professo-res, livros didticos, disciplinas escolares,currculo, prticas educativas, questes degnero, infncia e, obviamente, as institui-es escolares. A nova histria, a histriacultural, a nova sociologia, a sociologiafrancesa constituem as matrizes ou a telade fundo terica das pesquisas realizadas.

    Para os autores citados, a expressocultura escolar, por exemplo, vem sendousada como categoria abrangente e funcio-nam como categorias de anlise:

    o contexto histrico e as circunstnciasespecficas da criao e da instalao daescola; seu processo evolutivo: origens,apogeu e situao atual; a vida da escola;o edifcio escolar: organizao do espao,estilo, acabamento, implantao, reformase eventuais descaracterizaes; os alunos:origem social, destino profissional e suasorganizaes; os professores e administra-dores: origem, formao, atuao e organi-zao; os saberes: currculo, disciplinas,livros didticos, mtodos e instrumentos

  • 14 Jos Lus SANFELICE. Histria das intituies escolares: desafios tericos

    de ensino; as normas disciplinares: regi-mentos, organizao do poder, burocra-cia, prmios e castigos; os eventos: festas,exposies, desfiles e outros. (Nosella eBuffa, 2006, p. 4)

    Baseados na vasta experinciavivenciada na rea da Histria da Educaoe sendo profundos conhecedores do temaaqui abordado, Nosella e Buffa ponderam:

    Constatamos que este tipo de pesquisaapresenta srios perigos metodolgicos,porque o envolvimento do estudioso fcil;o difcil produzir um resultado final cr-tico e proveitoso. Freqentemente, o pes-quisador resvala em reducionismos teri-cos tais como particularismo, culturalismoornamental, saudosismo, personalismo,descrio laudatria ou apologtica.(NOSELLA e BUFFA, 2006, p. 5)

    Da minha parte, eu j havia apresen-tado trabalho na V Jornada do HISTEDBR2,afirmando que os caminhos de que o pes-quisador dispe para ingressar na histriade uma instituio escolar so inmeros.Conseguindo acessar a referida histria, portoda e qualquer porta que se abra (enten-da-se a diversidade de fontes) necessriomontar o quebra-cabea a ser decifrado(entenda-se, compreendido e analisado).Mas, o mais importante naquela comuni-cao era minha preocupao em sinalizarcomo o pesquisador, aps mergulhar pro-fundamente no objeto singular, sai dele, ouseja, algo que Nosella e Buffa chamaramde final crtico e produtivo.

    Tenho que reconhecer, como os au-tores citados fizeram que

    [...] estudos e pesquisas que retratam, deforma curiosa, aspectos singulares da ins-tituio escolar, em tempos diversos, sofascinantes e at sedutores. Quem no

    gosta de saber como eram vestidas eeducadas as crianas dos sculos passadose suas brincadeiras ou como as normalis-tas representavam a relao diploma-ca-samento? Ou ainda, quem no gosta dever enaltecidos os fundadores de umaescola significativa para sua prpria cida-de? Ou, finalmente, quem no gosta dever, consagrados em livros, nomes e foto-grafias de seus antepassados?

    Estudos como estes agradam a inmerosleitores. (NOSELLA e BUFFA, 2006, p. 5)

    At seria possvel fazer uma conside-rao, neste momento, sobre o sucessoeditorial e mercadolgico que as pesquisasque contemplam novos objetos e novasabordagens conseguem, mas seria umadigresso um tanto grande. Persigo, ento,a continuidade da reflexo3.

    O pesquisador da Histria da Edu-cao no necessita furtar-se abordagemdo objeto singular, embora, como j dito,haja riscos metodolgicos e vacilos quecomprometem o trabalho cientfico. pre-ciso enfrentar o desafio nodal:

    [...] por mais sedutoras que sejam essaspesquisas, no se pode admitir que adescrio pormenorizada de uma dadainstituio escolar deixe de levar o leitor compreenso da totalidade histrica. Adificuldade principal reside exatamente a:conseguir evidenciar, de forma conveni-ente, o movimento real da sociedade [...].(NOSELLA e BUFFA, 2006, p. 5)

    Corroborando perspectiva terico-metodolgica indicada acima, lembro daminha insistncia contida no trabalho apre-sentado V Jornada do HISTEDBR:

    [...] a dimenso da identidade de uma ins-tituio somente estar mais bemdelineada quando o pesquisador transi-tar de um profundo mergulho no micro e,

  • Srie-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 11-17, jan./jun. 2008. 15

    com a mesma intensidade, no macro. Asinstituies no so recortes autnomosde uma realidade social, poltica, cultural,econmica e educacional. Por mais quese estude o interior de uma instituio, aexplicao daquilo que se constata noest dada de forma imediata em si mes-ma. Mesmo admitindo que as instituiesadquirem uma identidade, esta fruto doslaos de determinaes externas a elas e,como j dito, acomodadas dialeticamenteno seu interior. (SANFELICE, 2007)

    De forma enftica, como foi sinteti-zado: Defendemos uma linha metodol-gica que descreve o particular, explicitandosuas relaes com o contexto econmico,poltico, social e cultural, dialeticamente rela-cionados (NOSELLA e BUFFA, 2006, p. 8).

    Diante do exposto, posso sugerir aj constante imagem que nos semprelembrada. O pesquisador, quando est defrente para uma imensa floresta, pode terduas posturas metodolgicas: a) pretenderconhecer a totalidade da floresta e, realmen-te, uma pretenso inicial; b) ou j encan-tar-se com o primeiro arbusto e tornar-seum especialista daquele arbusto, esquecen-do a floresta que nem mais v. Enquantono segundo caso a especializao levar pobreza de interpretao, pois se perde adimenso das relaes mltiplas do arbustocom o conjunto da floresta, a primeiraopo tambm pode comear pelo arbusto,mas caminha na direo do conhecimentoda floresta: trata-se de atender pretensoinicial.

    O mesmo acontece com a histriadas instituies escolares. Como um arbus-to da floresta social, poltica, cultural e eco-nmica, a histria de cada instituio esco-lar pode ser escrita, narrada, apresentada

    em mltiplos e infinitos detalhes que so,muitas vezes, interessantssimos e/ou curio-sos. A pesquisa pode se deter a, mas parauma opo metodolgica dialtica, no.Aps o exaustivo levantamento e apresen-tao dos dados empricos de um objetosingular a instituio escolar aindanecessrio explicitar suas mltiplas relaescom o contexto. Repito: um contexto social,poltico, cultural e econmico, entre outros.

    Por difcil que parea a apreenso dadialeticidade da relao entre estrutura esuperestrutura, entre sociedade e escola,fica claro que seu evidenciamento oobjetivo da cincia [...]. (NOSELLA e BUFFA,2006, p. 13)

    Resta-me, portanto, insistir na ques-to metodolgica e/ou epistemolgica, ouseja, na necessidade de se fazer da histriadas instituies escolares objetos singulares,um excelente exerccio para que se possainiciar e praticar as exigncias da cinciada histria. O objeto singular no se explicaem si mesmo, por mais que eu possa narraramplamente as caractersticas constitutivasde sua identidade. Uma instituio singu-lar instituda, por exemplo, por um ouvrios grupos sociais, ou por uma classesocial que, freqentando-a, levam para oseu interior um mundo j estabelecido foradela. O mesmo acontece com o conjuntode educadores que por ela transita. Masno s isso, pois as instituies escolaresrespondem a ordenamentos jurdicos e le-gais sobre os quais no tiveram poder deescolha. E h muito mais: h as polticaseducacionais, h o Estado e, em ltima ins-tncia, h a determinao de um mundoda produo material sobre o qual as ins-

  • 16 Jos Lus SANFELICE. Histria das intituies escolares: desafios tericos

    tituies e os homens se organizam eestabelecem suas conflituosas e antagni-cas relaes. preciso atentar para o fatode que a instituio escolar exerce apenasuma parcela das prticas educativas quecada sociedade desenvolve. E, s se justifi-ca o estudo histrico do objeto singular, nocaso, a histria das instituies escolares,se tais esforos trouxerem mais luzes paracompreendermos o fenmeno educativogeral de uma sociedade historicamente de-terminada. Se assim no for, estudaremoso arbusto sem conseguir enxergar a floresta.

    Novamente utilizo-me das palavrasdo autor j citado na epgrafe para sintetizaruma possvel concluso:

    A nova histria dos homens e das menta-lidades, idias e eventos pode ser vista maiscomo complementar que como substitutada anlise das estruturas e tendnciassocieconmicas. (HOBSBAWM,1998, p. 205)

    Logo, passa a ser possvel afirmarque tomar o complementar pelo principal

    no nenhuma necessidade da cincia dahistria, mas um embate que, em nome dacincia, se traduz, de fato, no campo dasideologias.

    Notas1 Alguns exemplos: ANANIAS, M. As escolas para opovo em Campinas: 1860-1889. Origens, iderio econtexto (Dissertao de Mestrado) UniversidadeEstadual de Campinas, Campinas, 2000. ALMEIDA,C. C. A. de. Origem e fundao da 1 Faculdade deEngenharia de Sorocaba: FACENS (Dissertao deMestrado) Universidade de Sorocaba, Sorocaba,2006. DESSOTTI, I. C. C. Histria da educao deVotorantim: do apito da fbrica sineta da escola(Dissertao de Mestrado) Universidade deSorocaba, Sorocaba, 2007. SILVA, F. C. A Faculdadede Tecnologia de Sorocaba: antecedentes e primei-ros anos (1971-1981) (Dissertao de Mestrado) Universidade de Sorocaba, Sorocaba, 2008.2 V Jornada do HISTEDBR Grupo de PesquisasHistria, Sociedade e Educao no Brasil, realizadade 9 a 12 de maio de 2005, na Universidade deSorocaba Uniso. Cf. Sanfelice (2007).3 Cf. Sanfelice (2006).

    Referncias

    HOBSBAWM, Eric. Sobre histria. So Paulo: Companhia da Letras, 1998.

    LOMBARDI, Jos C.; CASIMIRO, Ana Palmira B. S.; MAGALHES, Livia Diana R. (Orgs.). Histria,cultura e educao. Campinas: Autores Associados, 2006.

    LOMBARDI, Jos C.; NASCIMENTO, Maria Isabel M. (Orgs.). Fontes, histria e historiografia daeducao. Campinas: Autores Associados; HISTEDBR; Curitiba: PUCPR; Palmas: UNICS; PontaGrossa: UEPG, 2004.

    NOSELLA, Paolo, BUFFA, Ester. As pesquisas sobre instituies escolares: balano crtico. In:Navegando na histria da educao brasileira. Disponvel em: .Acesso em: 23 abr. 2008.

    SANFELICE, Jos Lus. Histria das instituies escolares. In: NASCIMENTO, Maria Isabel. M.;SANDANO, Wilson; LOMBARDI, Jos C.; SAVIANI, D. (Orgs.). Instituies escolares no Brasil.Conceito e reconstruo histrica. Campinas: Autores Associados; HISTEDBR; Sorocaba: Uniso;

  • Srie-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 11-17, jan./jun. 2008. 17

    Ponta Grossa: UEPG, 2007. p. 75-93.

    ______. Histria, instituies escolares e gestores educacionais. In: Revista Histedbr On-Line.Nmero especial, ago. de 2006. Disponvel em: . Acesso em: 20abr. 2008.

    ______. Perspectivas atuais da histria da educao. In: SCHELBAUER, A. R.; LOMBARDI, J. C.;MACHADO, M. C. G. (Orgs.). Educao em debate. Perspectivas, abordagens e historiografia.Campinas: Autores Associados, 2006. p. 23-52.

    Recebido em 30 de abril de 2008.Aprovado para publicao em 26 de maio de 2008.

  • Dossi Histria dasInstituies Escolares

  • Histria e memria: contribuies dos estudos dasInstituies Escolares para a Histria da EducaoHistory and Memory: contributions from the EducationalInstitutions studies to the History of Education

    Margarita Victoria Rodrguez

    Dra. em Educao pela UNICAMP, professora do Programade Ps-Graduao - Mestrado em Educao (UCDB).e-mail: [email protected]

    Desde os anos de 1990, verifica-se a expanso de diversos grupos de pesquisas deeducao, tanto no mbito nacional como internacional, que desenvolvem investigaessobre a histria das instituies escolares a partir de diversos enfoques tericos metodolgicos.Alm disso, tambm se detecta uma notvel produo cientfica sobre o mencionado obje-to de investigao apresentada em eventos acadmicos de diferentes naturezas, encontros,congressos, seminrios, colquios, entre outros. Sendo assim, este Dossi apresenta traba-lhos que discutem historicamente as instituies escolares, a partir de diferentes aborda-gens, com o intuito de contribuir para o debate da Histria da Educao.

    A educao, inicialmente, acontecia de modo natural, espontnea e inconsciente,na prpria produo humana e reproduo da natureza, ou seja, de modo informal.Lentamente, porm, esta forma de educar foi sendo deixada apenas para as aprendiza-gens que visavam uma socializao primria, e a educao formal foi ocupando umlugar central na produo e reproduo do conhecimento socialmente construdo. Emdecorrncia disso, foram criadas instituies especializadas responsveis por produzir,sistematizar e socializar conhecimentos.

    A socializao e construo de conhecimentos institucionalizados adquiriramcentralidade, e a instituio escolar foi adotada como a principal modalidade educativana sociedade contempornea. Os estudos que visam compreender e analisar a constituiodessas instituies tm ganhado relevncia na historiografia da educao.

    De modo geral, pode-se afirmar que as escolas e o sistema educacional, por mais heterogneosque sejam, aparecem como localidades que no podem ser negligenciadas como amostra signi-ficativa do que realmente acontece em termos educacionais e em qualquer pas, e, especial-mente no Brasil, onde as anlises governamentais tm a tendncia de obscurecer a problem-tica real de seu sistema escolar.

    Nesse sentido, seja na formulao de interpretaes ou anlises que dem conta do presente oudo passado, as escolas apresentam-se como locais que portam um arsenal de fontes e deinformao fundamentais para a formulao de interpretaes sobre elas prprias e, sobretudo,

    Srie-Estudos - Peridico do Mestrado em Educao da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 21-29, jan./jun. 2008.

  • 22 Margarita Victoria RODRGUEZ. Histria e memria: contribuies dos estudos das...

    sobre a histria da educao brasileira. (GATTI, 2002, p. 4)

    Nesses termos, compreende-se a educao como um processo histrico e socialque envolve opes polticas de produo e socializao de conhecimentos. Estas opesse materializam nas prticas educativas, nos projetos formativos, bem como nas formasinstitucionalizadas de ensino. Deste modo, A histria da escola e das instituies educativasse configuraria como campo de estudos referidos aos lugares formais de educao comuma considerao especial exatamente para a escola (RAGAZZINI, 1999, p. 25).

    A instituio educativa uma organizao social que se constitui tanto no planohistrico quanto no plano pedaggico como uma totalidade e recebe a influncia sociale cultural do meio em que se encontra. A instituio tambm marcada pela prpriacultura pedaggica presente no iderio e nas prticas de diversa natureza, e dirigidapor indivduos oriundos de diferentes camadas sociais.

    Magalhes (1999, p. 70) considera que,A histria das instituies educativas constitui um processo epistmico que medeia entre a(as)memrias(s) e o arquivo, no se limitando a memria s dimenses orais, mas incluindo ascrnicas e outros textos afins e no se confinando o arquivo documentao e informaesescrita. Totalidade em organizao e construo, uma instituio educativa no esttica, nem apercepo de conjunto se obtm a partir de uma nica fonte ou de uma s vez. Se a primeiraaproximao histria de uma instituio educativa se obtm a partir de um olhar externo, ,todavia medida que o historiador mergulha na sua interioridade a partir de informaes quelhe permitam uma anlise sistemtica, sob um mesmo conjunto de fenmenos, que a histriaestabelece hipteses-problemas e esboa um sentido para as suas investigaes. Uma compreenso,uma hermenutica que se processa de forma gradual e para a qual os primeiros contactos como arquivo so fundamentais. O arquivo, tal como se encontra organizado, quando o investigadorinicia o seu trabalho, constitui uma informao multidimensional e uma representao muitoaproximada da evoluo, das dimenses e do sentido que a instituio empresta ao seu quotidianoe ao seu destino.

    difcil explicar a histria da educao levando apenas em considerao dimen-ses isoladas, sejam elas as polticas, as institucionais, os saberes pedaggicos ou asidias pedaggicas. Por tal motivo, primordial articular todos estes aspectos, frisandoque o recorte histrico que o pesquisador realiza, evidentemente, focaliza uns dessesaspectos, porm leva em considerao a relao dialtica entre o singular e o universal.

    Ragazzini (1999, p. 25) afirma que necessrio superar o enfoque tradicional deestudos que pretende explicar a histria da educao segundo uma nica perspectiva:

    O enfoque tradicional voltado aos aspectos constitutivos de ordem legislativa mostra-se, por si s,parcial e insuficiente. No poder ser esquecido o complicado processo que leva dos comporta-mentos comuns s normas sociais e s normas jurdicas formais (l onde existe um Estado euma prtica legislativa e jurdica de tipo moderno); contemporaneamente, no poder ser esque-cido tambm o simtrico e diferentemente complicado processo que se interpe entre as normasjurdicas e as prticas sociais... [o autor alerta que] a histria das instituies no pode se limitaraos aspectos estritamente normativos: a instituio governada (com formas de gerenciamento

  • Srie-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 21-29, jan./jun. 2008. 23

    e decises polticas, perifricas e centrais); definida por espaos organizados, tempos adminis-trados e modalidades internas de funcionamento; possui figuras profissionais e usurios prprios;possui relaes externas com outras instituies, com os contextos ambientais e a dinmicasocial.

    O estudo das instituies escolares enfrenta problemas de ordem epistemolgicaporque o conceito de instituio ambguo e extremamente complexo:

    [...] usamos instituio para indicar uma nica escola e tambm para indicar o sistema escolar eo que dizer das competncias educativas da instituio municipal, das atividades da instituioeclesistica, daquela militar? E no poderamos chegar at as atividades formativas dos partidose dos sindicatos? E em determinados contextos histricos, certos eventos, festas ou ritos religio-sos, civis, esportivos, de diverso etc. , no tm talvez um carter ou um significado do institucional?E, enfim, no se diz, tambm, que a famlia uma instituio social? Eis que a histria da escolae das instituies educativas se alarga at a histria social de educao. (RAGAZZINI, 1999, p. 26)

    Com efeito, o estudo histrico das instituies educacionais deve considerar osdiversos aspectos envolvidos para podermos compreend-las nos mbitos social einstitucional. Focalizar as instituies escolares, nos estudos da Histria da Educao,implica tambm detectar as possveis vinculaes e articulaes com a histria da polti-ca educacional, considerando os aspectos escolares internos e seus condicionantes docontexto histrico, visando a compreenso dos modelos sociais, culturais e religiosospresentes nesses contextos. Portanto, imprescindvel desvendar os interesses de classe eas lutas travadas pelas elites regionais e nacionais presentes no mbito da disputas pelocontrole ideolgico do aparelho escolar, bem como apreender os movimentos e concep-es educacionais presentes, tanto nas definies das polticas quanto nos modelos deorganizao pedaggicas das instituies (WERLE, 2002).

    Sendo assim, os estudos das instituies escolares levam em considerao as idiaseducativas, alm de compreender o papel desempenhado pelos intelectuais e/ou grupos/tendncias pedaggicas presentes no recorte histrico definido pelo pesquisador, de acordocom seu referencial terico-metodolgico. Essa opo lhe permite identificar as relaesexistentes entre os projetos polticos e os discursos educativos, explicitados no mbito dahistria da educao.

    Assim, tambm, em muitas pesquisas de Histria da Educao so desenvolvidosos estudos da memria. O conceito de memria historicamente foi objeto de estudosfilosficos e cientficos. Este conceito foi modificado e adequado conforme o devir histri-co, assumindo diversas funes nas sociedades e adotou diferentes explicaes de acor-do com as necessidades sociais de produo de conhecimentos de cada perodo histrico.

    Na atualidade, este conceito tem adquirido um novo interesse, especialmente nosestudos realizados por pesquisadores das cincias fsicas e biolgicas que focam o funcio-namento da memria e oferecem importantes contribuies para o campo das CinciasSociais e Psicolgicas, reas do conhecimento que pesquisam temas vinculados memriacoletiva e individual. Esses estudos discutem conceitos como reteno, esquecimento,

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    seleo. Nesse sentido, a memria sempre uma construo feita no presente a partir devivncias/experincias ocorridas no passado.

    No campo da histria, os trabalhos de Maurice Halbwachs (1990) contribuempara compreender a relao existente entre a sociedade e a memria pessoal. O autorconsidera que a memria aparentemente mais particular nos conduz indefectivelmente aum grupo social humano. Ou seja, a lembrana do indivduo est sempre interagindocom a sociedade, seus grupos e instituies. no contexto dessas relaes que se cons-troem as lembranas. O rememorar como ato individual s possvel na urdidura dasmemrias dos diferentes grupos com a qual o sujeito se relaciona. Portanto, a memriado sujeito fica impregnada das memrias dos seres humanos que o rodeiam, mesmoque no se tenha conscincia da presena deles.

    O lembrar e a percepo do mundo circundante se constituem como conseqnciade intrincadas experincias, que inicialmente so captadas de modo confuso, pormlogo se organizam como uma unidade que parece ser s do prprio sujeito. Halbwachsconsidera que as lembranas se nutrem das diversas memrias proporcionadas pelogrupo, chamadas de comunidade afetiva, que serve como marco referencial. Assim, sejanos processos de produo da memria, ou na sua rememorao, o outro tem um papelbasilar.

    A memria se modifica e se rearticula conforme a posio que o sujeito ocupa e asrelaes que estabelece nos diversos grupos dos quais participa. Como j manifestado,as memrias individuais alimentam-se da memria coletiva e histrica e incluem elementosmais amplos do que a memria construda pelo indivduo e seu grupo. Nesse processode relaes entre seres humanos, a linguagem um dos elementos mais importantes,que afirma o carter social da memria, ou seja, lembrar e narrar so elementosconstitutivos da linguagem. A linguagem um instrumento socializador da memriaporque reduz, unifica e aproxima, num mesmo espao histrico e cultural, diversas vivncias,recordaes e experincias.

    Tambm, a memria envolve todo um processo de luta de classes na disputa pelocontrole do que deve ser lembrado ou esquecido. Implica, logo, numa pugna que seexpressa no uso de mecanismos de controle de um grupo sobre o outro. Desse embateresultam, por exemplo, as escolhas dos documentos a serem preservados, dos fatos quemerecem ser estudados e das datas que devem ser comemoradas, entre outros aspectos.Um outro elemento constitutivo da memria o espao de referncia ela se organizaconforme as referncias espaciais dos grupos, ou seja, o habitat social.

    Como afirma Hobsbawm (1998, p. 22),Todo ser humano tem conscincia do passado (definido como o perodo imediatamente anterioraos eventos registrados na memria de um indivduo) em virtude de viver com pessoas maisvelhas. Provavelmente todas as sociedades que interessam ao historiador tenham um passado,pois mesmo as colnias mais inovadoras so povoadas por pessoas oriundas de alguma socieda-

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    de que j conta com uma longa histria. Ser membro de uma comunidade humano situar-seem ralao a seu passado (ou da comunidade) ainda que apenas para rejeit-lo. O passado ,portanto, uma dimenso permanente da conscincia humana. O problema para os historiadores analisar a natureza desse sentido do passado na sociedade e localizar suas mudanas etransformaes.

    Desse modo, que um sujeito recorde determinadas situaes ou fatos e que fiquemregistrados na sua memria, implica uma ao seletiva e portanto parcial e comprometi-da com uma opo poltica e filosfica. Porm, isto no impede que os estudos histricostenham como objetivo especialmente recuperar essa memria. Os dados que ficammaterializados nos documentos (leis, artefatos arqueolgicos, utenslios, entre outros) tam-bm so preservados de maneira seletiva. No existe a inteno, portanto, de eliminar ouatenuar esta condio presente em qualquer tipo de depoimento, seja oral, escrito ouartefato, seno alertar sobre esta condio seletiva que deve ser observada pelo historia-dor ao se aproximar do objeto de pesquisa.

    A preservao da memria no significa apresent-la como fato histrico, acredi-tando que existe uma memria histrica objetiva, parcialmente perdida ou eclipsada eque precisa ser recuperada, desconsiderando que a histria um processo de constru-o coletiva. evidente que as recordaes no so imparciais e que esto carregadasde subjetividade, porm elas podem contribuir para o conhecimento histrico. Assim,

    Ao situarem a memria simultaneamente como fonte de alternativa e resistncias vernculas aopoder estabelecido e como objeto de manipulao ideolgica hegemnica por parte das estrutu-ras do poder cultural e poltico, os historiadores fizeram muito mais do que simplesmenteincorporar a memria sua coleo de ferramentas, fontes, mtodos e abordagem. A prpriamemria coletiva vem se convertendo cada vez mais em objeto de estudo: ela tem sido entendi-da, em todas as suas formas e dimenses, como uma dimenso da histria com uma histriaprpria que pode ser estudada e explorada. (THOMSOM, FRIXCH, e HAMILTON, 2001 p. 77)

    Deste modo, esta recuperao no parte de um sujeito abstrato seja a sociedadeou a humanidade que adota um carter de divindade capaz de conservar e manter aslembranas at o presente. Tampouco pode se considerar que exista um ser humano queconserva no seu interior a totalidade dos fatos dos quais participaram todos os sujeitos eque no presente devem ser descobertos ou resgatados, porque esse sujeito abstrato quecontm no seu seio toda a memria histrica no existe, seria apenas um ente metafsico.

    A histria como cincia no apenas memria, porque no significa somente arecordao do passado. Ela utiliza-se de mtodos para a interpretao, reconstruo eordenao dos diversos tipos de documentos que permanecem no presente. Portanto, aHistria produto do entendimento racional e no s da memria individual ou coletiva,pois a memria ou amnsia tem como suporte o crebro humano (singular) de cada ho-mem. Assim, a memria consegue conservar aquilo que cada homem singular experimen-tou ou viveu, ou seja, envolve aquilo que afeta diretamente sua trajetria ou atuao nasociedade. Histria ento no se reduz memria, mas esta faz parte daquela.

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    Evidentemente, a preservao da memria histrica pessoal (parcial e seletiva),considerada aqui como uma lembrana do mundo histrico que cada sujeito ou grupoviveu ativamente, no pode pretender ser uma histria objetiva ou total. A memriahistrica s poder se aproximar da imparcialidade quando deixa de ser memria epassa a ser simplesmente histria; enquanto as memrias pessoais lembranas, fatosou episdios ultrapassam o mero interesse individual e afetam outros homens adquirindoento importncia geral e pblica, superando o mero interesse privado (LE GOFF, 1996).

    Por conseguinte, as pesquisas que adotam esta abordagem no procuram ape-nas preservar a memria, mas objetivam priorizar uma leitura da histria que implicaromper com verses reducionistas e encarar um empreendimento de coleta e organiza-o de documentos, artefatos e depoimentos orais, dispersos e ou desarticulados, com ointuito de contribuir para o conhecimento da histria da educao e das polticas educa-cionais, mediante o resgate e catalogao das fontes que, s vezes, se encontram emarquivos pessoais.

    Enfim, no se pretende apenas incorporar a memria histria, porque se conside-ra que o processo de compreender e dar sentido ao passado complexo, sendo enten-dido como uma capacidade mais geral, expressa de vrias formas e modos, que podemser mais bem entendidos como organizados em vetores de diferentes espectros, em vezde estarem agrupados em torno de noes polarizadas de histria e memria (THOMSOM,FRIXCH e HAMILTON, 2001, p. 78).

    Por considerar que a historiografia da educao oferece um rico conjunto de docu-mentos, todavia no suficientemente explorado como objeto de pesquisa e destacandoos esforos das diferentes instituies e pesquisadores por organizar centros e ncleosque sistematizem arquivos, entende-se que esta coletnea de artigos reunidos neste dossicontribuir para o debate da histria da educao e das instituies escolares, na medi-da em que so disponibilizados aos leitores trabalhos realizados por pesquisadores quetm como objetivo a preservao de fontes histricas como patrimnio social, visando oconhecimento da histria, da sociedade e do prprio homem.

    Os trabalhos aqui reunidos trazem investigaes histricas sobre a histria da edu-cao, pensamento pedaggico, assim como das polticas educacionais e seus possveisdesdobramentos e influncia na deciso da criao das instituies escolares.

    Na sesso Ponto de Vista, o professor Jos Lus Sanfelice, no artigo Histria dasinstituies escolares: desafios tericos, reflete sobre as pesquisas que abordam as insti-tuies escolares e os problemas de cunho epistemolgico e metodolgico que o pesqui-sador deve enfrentar no seu trabalho. Alm de alertar que, na produo acadmica, estpresente sempre o confronto ideolgico, tanto na escolhas das fontes histricas, comonos referenciais cientficos que servem de marco terico para as anlises.

    Na sesso artigos so apresentados treze trabalhos que analisam a histria dasinstituies escolares a partir de diversas abordagens:

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    Maria Elisabeth Blanck Miguel, no artigo A institucionalizao da instruo pblicano Paran: um estudo a partir de fontes, discute a institucionalizao da instruo pblica,as concepes pedaggicas e a materializao das instituies escolares na provncia doParan, no perodo imperial. O trabalho A institucionalizao escolar entre 1879 e 1930,de Srgio Castanho, destaca a expanso da institucionalizao da escola no final doImprio e da Primeira Repblica no Brasil, no contexto da modernizao da nao, edistingue os embates polticos e ideolgicos entre as diversas faces das camadas do-minantes pelo controle poltico e instrucional do pas.

    O artigo de Maria Teresa Santos Cunha, Tempos vividos na Escola Militar: Mem-rias de um aluno (1897-1900), discute as prticas cotidianas que caracterizavam umacultura escolar de poca mediante a anlise das memrias escritas por Lucas AlexandreBoiteux, estudante na Escola Naval de Rio de Janeiro. Geraldo Gonalves de Lima eDcio Gatti Junior, no trabalho Entre escolarizao e instituies escolares na historiografiada educao: a emergncia dos grupos escolares no Brasil da Repblica velha (1889-1930), realizam uma reflexo a respeito das mudanas operadas no campo da histriae da historiografia da educao e analisam suas influncias nas pesquisas acadmicas,voltando sua apreciao para a implantao dos Grupos Escolares no Brasil enquantoinstituies de ensino que respondiam ao iderio republicano, caracterizado pelas idiasliberais de instruo pblica, laica, gratuita e universal.

    No trabalho A segunda escola profissional para o sexo feminino (RIVADVIACORRA) do Distrito Federal ou a trajetria de sua diretora Benevenuta Ribeiro (1913-1961), escrito por Nailda Marinho da Costa Bonato, apresenta-se a trajetria da EscolaRivadvia Corra como instituio educativa destinada ao sexo feminino, dando desta-que participao da diretora Benevenuta Ribeiro que foi elogiada pelo sucesso peda-ggico da escola, alm ser uma das participantes da primeira Conferncia pelo ProgressoFeminino, em 1922. Henrique Alves de Lima e Rosa Lydia Teixeira Corra, no artigo Ideriode formao de professores: Colgio Sagrado Corao de Jesus, apresentam a pesquisana qual analisam o percurso histrico da mencionada instituio e tentam compreendero iderio de formao de professores sustentado pela escola mediante a anlise dedepoimentos orais, de documentao do Colgio e jornais em circulao, no perodo1970 a 1980.

    A seguir quatro trabalhos deste Dossi so o resultado de pesquisa sobre institui-es escolares no estado de Mato Grosso no Perodo Imperial e Republicano: Ana Paulada Silva Xavier e Nicanor Palhares S, no artigo A Escola Normal de Mato Grosso nosculo XIX, analisam a institucionalizao da formao de professores normalistas noperodo 1837 e 1889, destacando as vicissitudes e lutas pela implantao da EscolaNormal em Mato Grosso, instituio que teve como objetivo incutir os valores polticos emorais apregoados no perodo. O artigo Professores e instituies escolares no contextodo regionalismo mato-grossense, escrito por Marisa Bittar e Amarilio Ferreira Jr., discute a

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    relao entre regionalismo, disputas polticas entre as elites agrrias de Mato Grosso e asinstituies escolares da primeira metade do sculo XX. Os autores demonstram, a partirdo estudo dos depoimentos das professoras cuiabanas, a influncia deles na educaodo sul do estado. Tambm salientam que as instituies escolares contriburam para quea populao mato-grossense incorporasse valores em defesa do regionalismo.

    Silvia Helena Andrade de Brito, no artigo O trabalho didtico nos Grupos Escola-res Joaquim Murtinho e Lus de Albuquerque (MATO GROSSO, 1910-1950), apresenta apesquisa que analisa a organizao do trabalho didtico nos dois grupos escolares edestaca que esta forma de escolarizao permitiu a materializao da forma/contedosmais acabados e organizados de maneira gradual e sistemtica. O trabalho de ReginaTereza Cestari de Oliveira e Arlene da Silva Gonalves, Iniciativas de modernizao esco-lar em Mato Grosso: Grupos Escolares e formao docente o Sul do Estado (1910-1950), analisa o processo de organizao da educao primria pblica, materializadonos Grupos Escolares implantados em Campo Grande e focaliza a dimenso das polti-cas educativas no perodo republicano.

    O artigo de Jaime Caiceo Escudero, Los Orgenes del Hogar de Cristo en Chile,aborda as origens do Hogar de Cristo e a contribuio educativa dessa instituio paraformao das crianas e jovens. Ademais, destaca a influncia social e poltica da IgrejaCatlica no contexto da sociedade chilena em meados do sculo XX. Terezinha Oliveira,no trabalho Os monastrios e a institucionalizao do ensino na alta idade mdia: umaanlise da histria da educao, considera que os Mosteiros medievais, da mesma for-ma que as escolas contemporneas, foram responsveis em divulgar e preservar os co-nhecimentos, alm de formar os homens e a sociedade de seu tempo. Por fim, no artigoEstado romano e instituies escolares, Jos Joaquim Pereira Melo reflete a respeito darelao entre o Estado e as instituies escolares durante o perodo da Repblica e oImprio Romano. Distingue a importncia da iniciativa privada para a educao dascrianas e jovens e evidencia a interferncia do Estado, seja na organizao e/ou noscontedos das instituies.

    Referncias

    GATTI JUNIOR, Dcio. A histria das instituies educacionais: inovaes paradigmticas etemticas. In: ARAUJO, Jos Carlos Souza e GATTI JUNIOR, Dcio. Novos temas em histria daeducao brasileira: instituies escolares e educao na imprensa. Campinas, SP: AutoresAssociados; Uberlndia, MG: EDUFU, 2002.

    HALBWACHS, Maurice. A memria coletiva. So Paulo: Vrtice, 1990.

    HOBSBAWM, Eric. Sobre Histria. So Paulo: Companhia das Letras, 1998.

    LE GOFF, J. Histria e Memria. 2. ed. Campinas: Editora da Unicamp, 1996.

  • Srie-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 21-29, jan./jun. 2008. 29

    MAGALHES, Justino Pereira de. Breve apontamento para a histria das instituies educativas.In:. SANFELICE, Jos Lus, SAVIANI, Dermeval e LOMBARDI, Jos Claudinei (Orgs.). Histria daeducao: perspectivas para um intercmbio internacional. Campinas, SP: Autores Associados;HISTERDBR,1999.

    RAGAZZINI, Dario. Os estudos histrico-educativos e a histria da educao. In: SANFELICE,Jos Lus, SAVIANI, Dermeval e LOMBARDI, Jos Claudinei (Orgs.). Histria da educao: pers-pectivas para um intercmbio internacional. Campinas, SP: Autores Associados; HISTERDBR,1999.

    THOMSOM, Alistair; FRIXCH, Michael e HAMILTON, Paula. Os debates sobre memria e histria:alguns aspectos internacionais. In. FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO Janana (Orgs).Usos e abusos da histria oral. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.

    WERLE, Flvia Obino Corra. Histria das instituies escolares: de que se fala? In: LOMBARDI,Jos Claudinei e NASCIMENTO, Maria Isabel Moura (Orgs.). Fontes, histria e historiografia daeducao. Campinas: Autores Associado; HISTEDBR: PUCPR;UNICS; UEPG, 2002.

    Margarita Victoria RodrguezOrganizadora do Dossi Histria das instituies escolares

  • A institucionalizao da instruo pblica noParan: um estudo a partir de fontesThe institutionalization of public education in Paran:a study based on surces

    Maria Elisabeth Blanck Miguel

    Dra. em Educao pela PUC-SP; Professora do Programade Ps-Graduao Mestrado em Educao (PUC-PR).e-mail: [email protected]

    ResumoO artigo trata da institucionalizao da instruo pblica no Paran, principalmente no perodo provincial(1854-1889). Aborda o tema enquanto processo de construo social e considera as interferncias sofridas,quer por meio do Estado, quer pelas prprias demandas criadas pela sociedade. Fundamenta-se naanlise de fontes documentais como os Relatrios da Instruo pblica, os Ofcios e os Requerimentos. Daanlise das fontes e da contextualizao dos fatos surgem as categorias: a materialidade da instruopblica e as concepes ou idias sobre a instruo pblica e sua disponibilizao para a populao.Tambm aponta a modificao que o discurso sobre a instituio escolar pblica sofre nos diversos nveissegundo o sujeito que o redige: o professor, o inspetor paroquial, o inspetor provincial e o presidente daProvncia.

    Palavras-chaveInstitucionalizao escolar. Instruo pblica. Educao provincial paranaense.

    AbstractThe article deals with the institutionalization of public education in the state of Parana, specially during theprovincial period (1854-1889). It covers the theme as a social construction process and considers theinterferences caused, either by the State or by the demands created by society. It is fundamented on theanalysis of documental sources such as Public education reports, Official letters and Pettitions. From thesources analysis and contextualization of the facts that they inform, categories are raised: the materiality ofpublic education and the conceptions or ideas about it and its availability to the population. It also showsthe change that the discourse about the public school institution had in several levels, according to whowrites it: the teacher, the parochial inspector, the provincial inspector and the president of the province.

    Key wordsInstitutionalization of school. Public education. Provincial education in Parana.

    Srie-Estudos - Peridico do Mestrado em Educao da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 31-41, jan./jun. 2008.

  • 32 Maria Elisabeth Blanck MIGUEL. A institucionalizao da instruo pblica no...

    Fundamentalmente, as instituiesescolares podem ser estudadas consideran-do-se dois aspectos: a histria de uma ins-tituio escolar em particular e a histriada institucionalizao de um determinadonvel de educao. Em relao primeiraabordagem considera-se sua organizaoe funcionamento e, nesta perspectiva, estimplcita a vida na escola, sua funo nacomunidade na qual esta inserida, os livrosutilizados, a histria dos professores, enfimaspectos bem especficos da instituio emquesto. Em relao segunda abordagem,considera-se o contexto no qual se insere ainstitucionalizao da instruo, quer pbli-ca ou particular, as influncias recebidas eo modo como a sociedade e o Estado inter-ferem na viabilizao da instituio.

    Este artigo focaliza a instituio esco-lar no seu processo de construo social e asinterferncias sofridas do Estado ou das de-mandas da sociedade. Toma como objeto ainstitucionalizao da instruo pblica noParan enquanto Provncia, no perodo de1854 a 1889, a partir das fontes documen-tais: Relatrios, Ofcios e Requerimentos da ousobre a instruo pblica.

    As fontes: ponto de partida para oconhecimento da histria dainstruo pblica

    Os relatrios e ofcios da instruopblica aliados s leis do perodo constitu-em um amplo e profcuo manancial dequestes importantes para se compreendero modo como a educao paranaense, in-serida no contexto nacional e internacionalfoi se configurando e adquirindo certos con-

    tedos responsveis pela forma como a ins-truo pblica foi vivenciada. Tais questesconstituem-se em aspectos pouco ou aindanada estudados concernentes histria daeducao local e regional. O estudo de te-mas tais como a obrigatoriedade escolar eo conceito de cidadania de ento, a distn-cia entre as intenes legais e as necessida-des reais da populao, a influncia dasrelaes econmicas e polticas da naono delineamento das polticas pblicas deeducao, a organizao da escola, a for-mao do professor, a relao professor-aluno, as carncias dos alunos em relaoao material escolar, os contedos aborda-dos, enfim a vida da escola, emergem dasfontes. Como afirmou Farge (1989), as fon-tes nos levam ao conhecimento de fatosque possibilitam construir um objeto novo,uma outra forma de saber.

    Assim, o historiador tem nelas seuprincipal meio de pesquisa. Elas se consti-tuem a matria-prima para indagar o pas-sado, questionar o presente e lanar hip-teses para o futuro. Mais do que isso, sepressupe-se que o conhecimento, mesmoaproximado de fatos remotos, contribui paranovos posicionamentos em relao squestes que perpassam a educao.Como diria o Presidente da Provncia doParan, Dr. Antnio Luiz Affonso de Carva-lho, no Relatrio que apresentou Assem-blia Legislativa do Paran, em 15 de feve-reiro de 1870, fazendo uma apreciaosobre as causas da insuficincia da instru-o pblica: Sem querer culpar a ningum,porque no trato de esmerilhar o passado,mas de curar o presente e prevenir o futuro[...] (PARAN. Relatrio oficial [n.p.]).

  • Srie-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 31-41, jan./jun. 2008. 33

    A tomada de decises no dependeapenas de conhecer o passado, do qual asfontes so emissrias relativas, pois os fatosse deram em determinados contextos his-tricos delimitados por fatores econmico-polticos e socioculturais, prprios de deter-minado perodo. Elas constituem-se comoapoio ou suporte para as investigaes,sejam documentos ou outros vestgios dahistria (BLOCH, 2001).

    Alm de considerar os contextos dosquais os documentos ou outro qualquervestgio do passado tenham sido oriundos,faz-se necessrio verificar sua veracidadepela comparao com outras fontes quetratem ou retratem o mesmo objeto ou fe-nmeno. Este processo pode revelar dife-rentes perspectivas sobre a mesma questoou ainda mostrar o modo como a percepomuda conforme os sujeitos tenham ocupa-do diferentes lugares e posies na socieda-de. Esses procedimentos (hermenutica dasfontes) fazem parte das crticas s fontes, eso fundamentais para que o historiadorse aproxime, tanto quanto possvel, do pas-sado.

    As peas documentais, pela anlisedas informaes que comunicam(MARROU, 1954), propiciam no somenteo acesso s informaes, mas podem reve-lar questes importantes hoje negligencia-das, porm outrora significativas, que con-triburam para questes educacionais queainda persistem. Destarte, tais questespodem estar na origem de tendncias edu-cacionais responsveis por polticas e aesintervenientes no meio escolar. As pesqui-sas com fontes de arquivos locais ou regio-nais, por sua vez, facilitam a compreenso

    de diversidades e peculiaridades regionaiscapazes de contriburem para complemen-tar ou enriquecer a histria da educao,permitindo que a identificao das peculi-aridades e sua compreenso no contextonacional possibilitem uma nova sntese(MIGUEL, 1999, p. 87).

    A ausncia de uma ou outra docu-mentao fez com que se tornasse neces-srio recorrer a um outro tipo de documen-tao que retrata problemas no resolvidos,como abaixo-assinados de pais pedindoprofessores nas escolas ou ento professo-res solicitando materiais para os alunos ousalrios no recebidos. Essas fontes com-plementam ou esclarecem o que calam asfontes oficiais. As consideraes at aquiexpostas subsidiam o presente estudo.

    A institucionalizao da escolapblica no Paran

    Quando nos debruamos sobre aleitura de Relatrios, Ofcios e demais do-cumentos do passado, temos a sensao,tal como j afirmou Farge (1989), de quenos aprofundamos em sensaes que ul-trapassam a materialidade dos arquivos esuas fontes para penetrarmos nos pensa-mentos, motivos e argumentaes daque-les que redigiram os contedos dos docu-mentos e conhecer as condies em queviviam. Desta feita, os contedos das fon-tes consultadas nos levaram a perceber di-ferentes perspectivas dos autores, segundoo lugar social que ocupavam. Mais ainda, possvel perceber suas concepes sobrea instruo pblica e sua institucionalizao,pelo Estado, pertinentes educao que

  • 34 Maria Elisabeth Blanck MIGUEL. A institucionalizao da instruo pblica no...

    haviam recebido. Os Presidentes da Provn-cia, autores dos Relatrios da InstruoPblica, traduzem em linguagem mais ela-borada a concepo liberal de educaomuito mais pertinente s sociedades euro-pias do que nacional. A recorrncia aosexemplos de implantaes de leis daHolanda e da Frana comum e traduzleituras das quais no partilham os inspe-tores gerais da instruo pblica, os paro-quiais e os professores.

    A institucionalizao da instruopblica, nos documentos consultados, sur-ge eivada por diferentes concepes epermeada por problemas como a criaode escolas e seu no provimento, a forma-o do professor, as ingerncias polticasnas nomeaes de professores e inspetores,a pobreza da populao, a falta de paga-mento dos salrios para os mestres e a es-cassez ou falta total de bancos e mesasescolares, de livros e demais materiais emtodos. Tais questes constituem catego-rias como a materialidade da instituioescolar e as concepes sobre a instruopblica.

    Quanto materialidade da institui-o escolar, os depoimentos registradosinformam que as questes referentes ins-tituio podem ser compreendidas quandoos ofcios dos professores ou inspetores de-nunciam a falta de condies para a ins-truo pblica e demandam condies, demodo que a instruo possa chegar po-pulao. Esta, embora exgua no territrioparanaense, muitas vezes procura freqen-tar as aulas como est registrado nos do-cumentos consultados.

    Cabe-me por agora louvar ao Sr. FernandoPeiteado Rosas, Inspetor da instruo pri-mria desta freguesia, este digno Inspe-tor pobre e verdadeiro pai da mocidadeque cuidadoso tem cooperado para o pro-gresso da educao da mocidade, j colo-cando professores e procurando casa paranela haver ensino, procurando todos osmeios para prosperar aqui a instruoprimria, j surtindo com papel, penas,tinta e moblia, porque a aula normal destafreguesia sempre gemeu com o peso danecessidade, tudo sempre lhe faltou, aNao nunca lhe prestou socorro algumpara as meninas pobres e por isso tam-bm alguns pais pobres deixam de porseus filhos na aula.

    Os meninos cometem imensas faltas, ospais tiram-os por um e dois meses em-pregando-os j na roa. (PARAN. Relat-rio oficial, 1854, [n.p.])

    O redator do ofcio continua infor-mando que til que haja uma casa pr-pria para o ensino pblico, ao contrrio tudofenece porque, havendo neste lugar qual-quer festividade os proprietrios tomamposse das casas e o professor est na rua,e os alunos privados de receber a instru-o primria (PARAN. Relatrio oficial,1854, [n.p]).

    Ainda em 1854, na recm instaladaProvncia do Paran, na localidade de Por-to de Cima, o Inspetor Manoel FranciscoCorra Jnior comunica ao Presidente pro-vincial a solicitao dos professores quejustificavam a indisciplina dos alunos por-que eles acomodavam-se nos corredores,visto no caberem na sala de aula instala-da na casa do professor. Queixava-se tam-bm o Inspetor de que A falta de utensli-os bem sensvel em todas as salas deaula da Provncia e muito mais nas deste

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    Municpio, onde pouco foi reclamado, enunca foi atendido [...](PARAN. Relatriooficial, 1854, [n.p.]).

    Os inspetores do distrito dirigem re-querimentos ao Inspetor Geral da InstruoPblica solicitando escolas:

    [...] julgo mais conveniente que o Exmo.Governo da Provncia, conforme lhe foiautorizado pela Lei ultima, se digne criarnaquele bairro, j bem populoso, umaescola pblica, onde os habitantes commais facilidade e comodidade possam fa-zer aprender seus filhos, e ento se lheconceda os auxlios possveis e necessri-os. (PARAN. Relatrio oficial, 1854, [n.p.])

    Em 1866, os primeiros sinais de racio-nalizao relativos distribuio de escolas(cadeiras) comeam a aparecer. Segundoo Relatrio do Presidente, Dr. Andr dePdua Fleury, dirigido Assemblia Legis-lativa provincial do Paran, em 15 de feve-reiro, a situao das cadeiras em relao freqncia dos alunos, desde o ano de1861, era a seguinte:

    1861 39 com 15831862 32 com 14541863 38 com 16011864 41 com 16051865 46 com 15321

    O Presidente atribua aos professo-res a causa do insucesso e do atraso dainstruo pblica, discurso corrente em to-dos os relatrios das autoridades, e mani-festava-se afirmando:

    Em vez de ocupar-nos em multiplicar ca-deiras mesquinhamente retribudas, aolado que o so com generosidade, cure-mos de depurar o ensino, tirando ao pro-fessorado o carter de especulao que o

    enfeza, para restituir-lhe o de sacerdcioque o empobrece.

    A fim de conseguirmos tal melhoramentoconvm:Suprimir as escolas no freqentadasReorganizar a inspeoPreparar pessoal habilitado

    1 A multiplicidade das escolas deve terpor limites os recursos financeiros da Pro-vncia, e a insuficincia de seu pessoal.Exager-la entregar o ensino igno-rncia e inpcia, incumbindo-as de ins-truir o povo. Sendo admitido que s umadcima parte da populao livre est nascondies de freqentar as escolas, onmero destas tem de proporcionar-se a8749; donde resulta que a cada uma das54 atuais correspondem 160 habitantes.Se entendermos, porm, que na Frana,onde a populao 36 vezes mais densae na Holanda 50, se adota a proporo de1000 e 2000 por escola, concordais que excessivo o nmero de 54 para 8749.(PARAN. Relatrio oficial, 1866, [n.p.] ).

    O Presidente era de parecer que aresposta para as pssimas condies ma-teriais e de funcionamento da instruopblica seriam resolvidas com a inspeoescolar e a formao de professores que,em cursos de dois anos, poderiam estudarCaligrafia, Gramtica Portuguesa e Prticada Aritmtica at propores inclusive, Sis-tema mtrico de pesos e medidas, Noeselementares de Geografia, Agrimensura enivelamento, princpios da doutrina da reli-gio do Estado e Histria do Brasil(PARAN. Relatrio oficial, 1866, [n.p.] ).

    A categoria da materialidade da es-cola, entendida como as cadeiras regidaspor um professor, o seu espao fsico e ascondies de sua viabilizao aparece

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    imbricada, na tica das autoridades, com aformao do professor. Ao tratarem dessaformao e das questes materiais da ins-truo, manifestam a concepo de edu-cao.

    Em 15 de fevereiro de 1870, em Re-latrio apresentado Assemblia Legisla-tiva do Paran, o Presidente, Dr. AntnioLuiz Affonso de Carvalho, afirmava a dis-tino entre educao e instruo. Segun-do ele: A educao tem por fim desenvol-ver as faculdades morais, a instruo for-mar e enriquecer as faculdades intelectu-ais. E justificava, dizendo que: Para formaros bons costumes necessrio dar princ-pios: estes somente se estabelecem pelainteligncia: a instruo contribui pois paraa educao, como esta pelos seus hbitosde ordem, de regularidade e de trabalhopara a instruo(PARAN. Relatrio ofici-al, 1870, [n.p.]).

    O discurso de Antnio Luiz Affonsode Carvalho traduz a compreenso de que,por meio do cultivo da inteligncia e dapropagao das luzes do saber, a Provnciapromoveria seu desenvolvimento. Assim,para ele:

    As constituies por mais liberais quesejam, no podem erguer a moral do povoe felicit-lo, quando h ausncia de luzes,uma das causas primordiais dos maioreserros que afligem a humanidade.

    Aqui no Paran tem-se escrito muito so-bre a instruo pblica: largas dissertaesencontro nos documentos oficiais, os quaisatestam a alta ilustrao de seus autorese bons desejos, de que estavam possudos.Mas, necessrio que no dissimulemos:se muito se tem escrito, aconselhando olegislado, pouco se tem praticado e infe-

    lizmente neste ramo de servio pblico,mais que em todos os outros, os momen-tos perdidos no se recuperam (PARAN.Relatrio oficial, 1870, [n.p.] ).

    No entanto, apesar do discurso ma-nifestar um tom de crtica ao que at entohavia sido ou no realizado, o autor tam-bm atribui ao professor a causa dos pro-blemas da instruo pblica, pois, segundoele, a falta de formao dos professoresconcorria mais para o abandono da instru-o do que o desleixo dos pais. O remdioseria a criao da Escola Normal, em doisanos, de matrcula gratuita. Aparece entoreferncia s casas escolares, independenteda casa do professor. possvel afirmar quej existe em germe a idia de agrupar asaulas em casas prprias, prenncio dos fu-turos grupos escolares republicanos. Diziaele, a respeito: Uma das idias complemen-tares propagao da instruo primria sem dvida alguma a adoo de casasescolares convenientemente edificadas epreparadas para o estabelecimento dasaulas. Essas casas devem ser feitas s cus-tas dos cofres provinciais e conterem os m-veis, utenslios e objetos indispensveis aoensino (PARAN. Relatrio oficial, 1870,[n.p.] ).

    Recomendava ainda no ser neces-srio, a princpio, construir mais do que duasou trs casas escolares, por ano. Cada umadessas casas deve ser calculada para 60discpulos (PARAN. Relatrio oficial, 1870,[n.p.] ).

    Quanto ao mtodo empregado nasclasses, os professores relatam o que apli-cavam em sala de aula e, na maioria dasvezes, justificavam que assim o faziam por-

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    que o mtodo empregado era o que melhorauxiliava seus alunos no processo de apren-dizagem.

    O prof. Jernimo Durski, em 30 denovembro de 1868, informava ao Inspe-tor Geral da Instruo Pblica reger trsclasses e:

    Na leitura achei o mtodo de soar as le-tras muito prefervel de que silabar e etc.

    Os alunos de 2 classe quando entraramnesta escola, sabiam tanto que nada. Emtrs meses conseguiram at a leitura dequalquer palavra, (seja que vagaroso) masassim mesmo muito.

    Como este mtodo mais simples e maisclaro do que qualquer outro, por isso tantoo professor como os alunos ganham muitono tempo e por isso recomendvel atodos os professores. Em este sentido fal-tam os livros com boa prtica para a 1leitura. Esta falta incitou-me para acabarum livro correspondente a este mtodo o que j 8 anos tem principiado. Em es-pao de 4 a 5 meses quero apresentar aV. S digne-se dar sua ateno e reco-nhecimento e se merecer sua valiosa erespeitvel recomendao para a impren-sa. (DURSKI, 1868)

    O relatrio do Professor JernimoDurski difere dos relatrios dos professoresatuantes nas classes de ento. Assim comoos demais professores que provinham daEuropa e atendiam os imigrantes, o referidoprofessor demonstrava conhecer um poucomais das questes pedaggicas e at es-crevia um livro que esperava ver publicadopara aplicao nas demais classes para-naenses.

    Em dezembro de 1868, o ProfessorMoericofer, da Colnia de Assungi, dirigerelatrio ao Inspetor Geral da Instruo

    Pblica informando que o ensino era simul-tneo, que o nmero de alunos no princ-pio do ano era

    31 21 do sexo masculino, 10 do sexofeminino. Eles freqentavam a aula bas-tante regular somente no primeiro e se-gundo trimestre; com o ms de junho to-dos os alunos maiores, que podem servirna lavoura abandonam a escola, da ma-neira que restam somente os menores.

    Acabados os trabalhos da roa, todos tor-nam a voltar no ms de janeiro, repetindoo que tem esquecido nos seis meses pas-sados. Para o ano seguinte j esto avisa-dos um bom nmero de novos alunos.(MOERICOFER, 1868)

    O Professor Moericofer informavatambm haver feito seus estudos na Euro-pa, estar estabelecido no Imprio (Brasil)desde os dezoito anos; ter 22 anos de pr-tica no seu ofcio e haver obtido bons resul-tados, fato que no o livrava da ameaade ser enviado de volta ao seu pas de ori-gem, uma vez que sofria perseguio, cer-tamente poltica, no local onde atuava. In-formava ainda que os colonos alemes,como os Seonharo, Obladenm Rwolph etc,que desejam muito mandar seus filhos paraa escola, porm a grande distncia e mauestado dos caminhos so obstculos ques podem vencer por um internato, como oSr. Diretor da colnia j tem proposta(MOERICOFER, 1868).

    Conforme possvel perceber-sepelos depoimentos contidos nos relatriose ofcios, no era somente a deficienteformao do professor a causa do fracassoda instruo pblica, mas tambm as con-dies materiais que conformavam e limi-tavam a freqncia s classes simultneas

  • 38 Maria Elisabeth Blanck MIGUEL. A institucionalizao da instruo pblica no...

    existentes. Mesmo que o professor tivessemelhor formao, no dava conta de ven-cer os problemas sociais que perpassavama escola.

    Ainda referente ao mtodo aplicadonas escolas, encontra-se no relatrio doProf. Maurcio Dcio da Costa Lobo, redigi-do em 1 de dezembro de 1868 e endere-ado ao Inspetor Geral da Instruo Pbli-ca, Dr. Ernesto Francisco de Lima Santos,entre demais informaes, a seguinte:

    O mtodo do ensino o simultneo so-corrido pelo mtuo, quanto ao uso de mo-nitores, que so nomeados de entre osalunos da 3 classe, segundo o seu adian-tamento intelectual e conduta moral.

    As classes so 3, constando a 1 de 11, a2 de 37 e a 3 de 32 alunos, inclusivePedro da S Arouca, que continua a fre-qentar a escola, cuja coadjuvao temsido de muita utilidade.

    Requereu o mesmo Arouca uma gratifi-cao ao Exm Governo pelo seu trabalhonesta escola na qualidade de aluno-mes-tre, porm no foi atendido (LOBO, 1868).

    O mtodo era o simultneo, uma vezque o professor atendia alunos em diferen-tes nveis de aprendizagem. Como erammuitos os alunos, ele aplicava o mtodomtuo previsto em lei, que permitia o aux-lio de monitores. O fato novo era o monitorsolicitar pagamento ao governo, uma vezque mesmo os professores tinham dificul-dade em receber seus proventos.

    Talvez um quadro mais aproximadoda realidade das classes e dos problemascom os quais os professores se defronta-vam seja o relatado pela professora deMorretes, Maria Josefina Mangin, em 30 denovembro de 1868. Dizia a professora: As-

    sim pois desde 8 de janeiro tenho visto cairdos desapiedados golpes das tantas enfer-midades conhecidas com os nomes deCmara de sangue e Tifo muitas daquelasque seus pais tem confiado a meus cuida-dos, a fim de receberam a educao queest ao alcance de minha fraca intelign-cia, e curtas habilitaes (MANGIN, 1868).E mais adiante suas palavras deixavamentrevar a real funo que a escola exercianaquele local:

    Reconheo que poderia ter me evitadoparte destes trabalhos. Destes sofrimentosconstantes, que a todo o municpio preju-dicara. Mas, como? Obrigando os pais ouprotetores a ir tratar seus doentes fora deminha casa. No seria desumanidadepriv-los do nico recurso que temos; poisque a maior parte, habitantes de outroslugares, no tem aqui conhecimento; equando os tivesse, cada um lutar comos mesmos males no terrvel quadro queatravessamos, seria, pois imprudncia osaumentar-lhe. E, alm disso, prende-mea amizade a esses entes, que, ao menospor algum tempo, fazem parte de minhafamlia; e cuja recordao sempre conser-varei. (MANGIN, 1868)

    Ao lado da afetividade feminina tan-tas vezes decantada na literatura e motivode atribuio do papel de substituta da me professora, o espao da escola se con-funde com o espao domstico, no s porser a sala de aula na casa do professor,mas tambm porque as funes que seriamde outras instncias sociais, como a dasade, so realizadas pela instncia esco-lar e, mais propriamente, pela professora.Faria Filho (2000), ao tratar da instruoelementar no sculo XIX, afirma o diminu-to papel do Estado nas Provncias e o pr-

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    prio lugar da escola. Segundo ele,A presena do Estado no apenas eramuito pequena e pulverizada como, al-gumas vezes, foi considerada perniciosano ramo da instruo. H que considerar,tambm, que nem a prpria escola tinhaum lugar social de destaque, cuja legiti-midade fosse incontestvel. Foi precisoento, lentamente, afirmar a presenanessa rea e produzir, paulatinamente, acentralidade do papel da instituio esco-lar na formao das novas geraes. (FA-RIA FILHO, 2000, p.135-36)

    Apesar das leis que regularizavamformalmente a instruo pblica, as fontesdocumentais demonstram a afirmao doautor acima citado e ratificam a distnciaentre as intenes legais e as necessidadesreais da populao (MIGUEL, 1999).

    No final do Imprio, em 1888, o re-latrio que o Vice-Presidente da Provnciaapresentou na transmisso de cargo mos-trava ser desolador o estado da instruopblica, segundo a comisso designadapara elaborar as bases da reforma do ensi-no pblico provincial. Dizia a comisso:

    bem desoladora situao est reduzidaa instruo pblica desta provncia. Absor-vendo mais de um tero das rendas dasrendas provinciais, insignificantes so osresultados colhidos pelo ensino pblicoem relao aos grandes sacrifcios pecu-nirios que seu custeio impe.

    Antes de tudo de notar-se a defeituosaestrutura do organismo do ensino pblicoprovincial.

    Compe-se sua constituio de uns tan-tos extensos regulamentos, nada menosde 4, uns em vigor e outros no, promul-gados em datas diversas, alm de muitosoutros atos e instrues presidenciais.

    Atestando esses diversos regulamentos eatos a competncia e os altos intuitos deseus autores, no formam eles, entretanto,um organismo lgico e completo, extremede sensveis lacunas e de grandes defeitos.

    Urge, pois, tomando a srio o assunto,encar-lo de alto e em seu conjunto esem demora assent-lo em suas largas everdadeiras bases.

    Aproveitando os bons elementos existen-tes, cumpre quanto antes coorden-losconvenientemente e desenvolv-los demodo a produzir satisfatrios efeitos.(PARAN. Relatrio oficial, 1888, [n.p.])

    Assim, a institucionalizao da edu-cao pblica foi se configurando medidaque os meios de produo da vida materialcriaram novas relaes sociais e a escolatornou-se necessria na perspectiva do Es-tado e da populao. Quando na organi-zao do estado republicano, a participaomais efetiva da populao foi solicitada aparticipar da fora de trabalho. Aps a liber-tao da escravatura, a educao popularconstituiu-se, ao menos no discurso, comoo meio de implantao do novo modelo.

    No Paran, a partir de 1920, iniciou-se a organizao escolar sob os princpiosda racionalizao de meios e sistematiza-o de fins. Este fato decorreu tambm dasmudanas no contexto social, econmico,poltico e cultural que o estado do Paransofreu, com a vinda dos imigrantes, o pro-cesso de migrao interna, e o incio dacultura do caf, a partir de 1940 (BALHANA,MACHADO, WESTEPHALEN, 1969). Porm,a instituio bsica carecia de recursos eda formao dos professores. O Estadopreocupou-se, a partir de 1920, com a for-mao de professores implantando a

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    Reforma na Escola de Professores deCuritiba. A partir de 1940, implantou novasescolas acompanhando a ocupao deterras e a formao de novos ncleospopulacionais.

    Notas1 Conforme consta no Relatrio citado.

    Referncias

    BALHANA, Altiva. P.; MACHADO, Brasil P.; WESTEPHALEN, Ceclia M. Histria do Paran. Curitiba:Grafipar, v. 1, 1969.

    BLOCH, Marc. Apologia da histria ou o ofcio do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

    FARGE, Arlette. Le got de larchive. Paris: Editions du Seuil, 1989.

    FARIA FILHO, Luciano M. Instruo elementar no sculo XIX. In: LOPES, Eliana M.; FARIA FILHO,Luciano M.; VEIGA, Cynthia G. 500 anos de educao no Brasil. Autntica: Belo Horizonte, 2000.

    MARROU, Henri-Irenee. De la connaissance historique. Paris: ditions du Seuil, 1954.

    MIGUEL, Maria Elisabeth B. O significado da educao pblica no Imprio (Paran-Provncia).In: FARIA FILHO, Luciano M. (Org.). Pesquisa em histria da educao: perspectivas de anlise objetos e fontes. Belo Horizonte: Edies HG, 1999. p. 87-94.

    Fontes Documentais

    PARAN, Relatrios

    ______. Relatrio Oficial do Inspetor Manoel Francisco Corra Jnior. Curitiba: DEAP, 1854.

    ______. Relatrio Oficial do Presidente da Provncia Andr de Pdua Fleury. Curitiba: DEAP, 1866.

    ______. Relatrio Oficial do Vice-Presidente Agostinho Ermelino de Leo apresentado ao Presi-dente da Provncia Polidoro Cesar Burlamaque. Curitiba: DEAP, 1866.

    ______. Relatrio Oficial do Presidente da Provncia Antnio Luiz Affonso de Carvalho. Curitiba:DEAP, 1870.

    ______. Relatrio apresentado pelo Prof. Jernimo Durski ao Inspetor Geral da Instruo Pblica.Curitiba: DEAP, 1868.

    ______. Relatrio apresentado pelo Prof. Carlos Moericofer ao Inspetor Geral da Instruo Pblica.Curitiba: DEAP, 1868.

    ______. Relatrio apresentado pelo Prof. Maurcio Dcio da Costa Lobo ao Inspetor Geral daInstruo Pblica. Curitiba: DEAP, 1868.

  • Srie-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 31-41, jan./jun. 2008. 41

    ______. Relatrio apresentado pela Profa. Maria Josefina Mangin ao Inspetor Geral da Instru-o Pblica. Curitiba: DEAP, 1868.

    ______. Relatrio apresentado pelo Vice-Presidente Ildefonso Pereira Correia ao Presidente daProvncia Jos Cesrio de Miranda Ribeiro. Curitiba: DEAP, 1888.

    Recebido em 30 de abril de 2008.Aprovado para publicao em 26 de maio de 2008.

  • A institucionalizao escolar entre 1879 e 1930School institutionalization between 1879 and 1930

    Srgio Castanho

    Doutor em Educao pela UNICAP; Professor do Programade Ps-Graduao; Educao Mestrado e Doutorado naUNICAMP.e-mail: [email protected]

    ResumoO que se pretende com esta comunicao verificar como, no perodo do final do Imprio e da PrimeiraRepblica no Brasil, a educao torna-se progressivamente uma prtica institucional-escolar, isto , reali-zada na instituio que historicamente especializou-se na tarefa educativa, a saber, a escola. No decorrerdo processo de institucionalizao escolar so observadas especificidades, de maneira que, a par de umaprofunda arritmia social, ocorrem tambm discrepncias entre os diversos nveis e modalidades educacio-nais. No decorrer do sculo XIX, esse processo conheceu grande acelerao para, no seu final, desabro-char, embora com mais brilho e positividade no discurso dos intelectuais, como transparece dos Pareceresde Rui Barbosa, de 1882, e nas proclamaes de textos legais. Com a Repblica, a institucionalizaoescolar avana a largos passos. Em concluso: a institucionalizao escolar realmente foi um fenmenoque caracterizou fortemente a quadra final do sculo XIX e a inicial do sculo XX, muito embora comantecedentes que remontam ao perodo colonial.Palavras-chaveHistria da Educao. Institucionalizao escolar. Final do Imprio. Primeira Repblica.

    Abstracthe intention of this communication is to verify how, during the final period of the Empire and the FirstRepublic in Brazil, education became progressively the practice of school institutionalization; that is, educationtaking place in an institution that historically specialized in the task of education, that is to say the school.During the process of school institutionalization, distinctions can be observed where, in a certain way,along with a profound social pace, they also occurred as discrepancies between diverse educational levelsand modalities. During the Nineteenth Century this process was greatly accelerated so that at its end itblooms more brilliantly in the discourse of intellectuals like in the transparency of the Pareceres (Opinions)of Rui Barbosa in 1882 and in the proclamations of legal texts. With the Republic, school institutionalizationtakes giant steps. In conclusion: school institutionalization was actually a phenomenon that stronglycharacterized the last quarter of the Nineteenth Century and the beginning of the Twentieth Century,although it had antecedents that occurred in the colonial period.

    Key wordsHistory of Education. School Institutionalization. End of the Empire. First Republic.

    Srie-Estudos - Peridico do Mestrado em Educao da UCDB.Campo Grande-MS, n. 25, p. 43-56, jan./jun. 2008.

  • 44 Srgio CASTANHO. A institucionalizao escolar entre 1917 e 1930

    O que se pretende com esta comuni-cao verificar como, no perodo indicadono ttulo, ou seja, final do Imprio e PrimeiraRepblica no Brasil, a educao torna-seprogressivamente uma prtica institucional-escolar, isto , realizada na instituio quehistoricamente especializou-se na tarefaeducativa, a saber, a escola.

    O processo de institucionalizaoescolar d-se no decorrer do Imprio brasi-leiro, observadas as especificidades com res-peito aos nveis e modalidades educacio-nais. H, com efeito, a par de uma profundaarritmia social nesse processo, de jeito quediferentes camadas da sociedade praticamformas diversas de educao, tambm rit-mos diferentes, dependentes dos primeiros,marcando a institucionalizao escolar nosdiversos nveis e modalidades em que serealiza. Tentaremos, com os devidos cuida-dos que essas dessincronias impem, pro-por o quadro histrico em que se d talprocesso.

    Antes, porm, tentemos explorar umpouco mais a questo da instituio escolarou, como prefere Justino Magalhes, da ins-tituio educativa. De fato, instituioeducativa termo mais amplo e abrangeno apenas a escola como a conhecemosno seu evolver histrico, mas tambm ou-tras formas societais duradouras em quese desenrola o processo de transmisso cul-tural. Nesse sentido, a expresso usada pelohistoriador da educao portugus maisampla. Mas, no meu entender, essa ampli-tude se presta a equvocos. Veja-se a defi-nio proposta por Magalhes: No planohistrico, uma instituio educativa umacomplexidade espao-temporal, pedaggi-

    ca, organizacional, onde se relacionam ele-mentos materiais e humanos, mediantepapis e representaes diferenciados...(1968, apud GATTI JNIOR, PESSANHA,2005). Tal definio se presta perfeitamente escola. E talvez se preste a outras institui-es que so educativas, porm no demaneira especializada, como a famlia, porexemplo.

    Isso no significa, em absoluto,desconsiderar as pistas abertas por JustinoMagalhes nessa rea da histria institucio-nal da educao. Pelo contrrio. Veja-se aclareza de Magalhes quando define anossa disciplina: A histria da educao um discurso cientfico sobre o passado edu-cacional, nas suas diversas dimenses eacepes, tendendo para uma histria to-tal . . . (MAGALHES, 2005, p. 97) . Ecomplementa:

    A histria das instituies educativas umdomnio do conhecimento em renovaoe em construo a partir de novas fontesde informao, de uma especificidadeterico-metodolgica e de um alargamentodo quadro de anlise da histria da edu-cao, conciliando e integrando os planosmacro, meso e micro. (Idem, ibidem, p. 98)

    Essa integrao dos planos macro,meso e micro, que em outro registro se podedesignar como um movimento terico en-volvendo o global, o particular e o singular, que permite que a histria institucionalda educao no seja uma mera descriointerna das unidades educativas, mas evo-lua para um conhecimento totalizante dofenmeno educacional que, sem embargo,inclui a vida de tais unidades. o que reco-nhece Magalhes (p. 102).

  • Srie-Estudos... Campo Grande-MS, n. 25, p. 43-56, jan./jun. 2008. 45

    Antonio Viao Frago sentencia:Afirmar que a escola, entendido este ter-mo no seu sentido amplo, uma institui-o, eis algo bvio. Igualmente bviodizer que existe uma cultura escolar. Pre-cisamente porque a escola uma insti-tuio, podemos falar de cultura escolar,e vice-versa. Mais difcil se pr de acor-do sobre o que implica a escola ser umainstituio e sobre o que seja a tal culturaescolar ou se no seria prefervel falar,no plural, de culturas escolares. (VIAOFRAGO, 1995, p. 68)

    Uma outra forma de abordar a ques-to a de Guy Vincent que leva em consi-derao uma pluralidade de formas edu-cacionais, entre as quais a forma escolaou forma escolar. Refere-se ele a

    [...] uma forma escolar, ou seja, um localseparado de todos os outros, compreendi-dos os locais de culto; um espao organi-zado de maneira a que os mestres e osescolares possam [...] cumprir os seus de-veres; um tempo regrado por um empre-go do tempo que princpio de ordemmais que de eficcia; um mestre laico pelomenos em sua funo