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AS MLTIPLAS FACES DO CONHECIMENTO

ISSN 1808-1576 ANO 2010

Revista: Pedagogia em Foco #5 - Ano: 2010 Sub-titulo: Discutindo velhos e novos paradigmas Pedagogia em Foco - n 5 (Jan/Dez) - Iturama: FAMA, 2010 Periodicidade: Anual

ISSN: 1808 - 15761. Educao. I. Pedagogia.

Publicao anual do Curso de Pedagogia FAMA Faculdade Aldete Maria Alves

Mantenedora Instituio Ituramense de Ensino Superior Mantida Faculdade Aldete Maria Alves Presidente Eva Dias de Freitas Diretora Acadmica Ana Paula Pereira Arantes Diretora Financeira Maria Jos Floriano Coordenadora do Curso de Pedagogia Naime Souza Silva Design e Diagramao Csar Bechara

Comit Editorial Diretor (a) Geral: Naime Souza Silva Diretor de Editorao: Me. Eduardo Barbuio Diretor de Divulgao: Me. Lo Huber Secretria: Dra. Ana Maria Zanoni da Silva Tesoureiro: Me. Rafael Vicente de Morais Consultores: Prof Ana Paula Pereira Arantes Prof Naime Souza Silva Consultores Ad hoc Prof. Me. Fernando Souza Costa Prof. Anderson Jos de Paula Conselho Editorial Prof. Me. Adailson S. Moreira (DCS/ CPTL/ UFMS) Prof. Esp. Csar M. Bechara (AEMS/ UNIMAR) Prof. Me. Cristiano Camilo Lopes Prof. Dr. Daniel F. Brandespim (UAG/ UFRPE) Prof. Dr. Eli Nazareth Bechara (IBILCE/UNESP) Prof. Me. Elizandra Moura (FEF) Prof Me. Eneida Gomes N. de Oliveira (UNIFRAN) Prof. Me. Hrcules F. Cunha (UniSalesiano/AEMS) Prof Me. Izabel de L. Gimenez SOUZA (AEMS) Prof. Esp. Jos David Borges Jnior (FFLCH-USP) Prof. Me. Jehu Vieira Serrado Jnior (AEMS) Prof Esp. Juliana Pdua S. Medeiros (FFLCH-USP). Prof Me. Luciana Ap. de Souza Mendes (AEMS) Prof Me. Maria Auxiliadora V. de L. Arsiolli (UFMS) Prof Dra. Maria Flvia Figueiredo (UNIFRAN) Prof Me. Maria Laura Pozzobon Spengler (UNISUL) Prof. Me. Patrcia S. Teixeira (UNILAGO) Profa. Dra. Raimunda Abou Gebran (UNOESTE) Prof Me. Silvia A. Dettmer (DCS/ CPTL/ UFMS) Prof. Dr. Silvio Csar Nunes Milito (UNESP) Prof Me. Vnia Thom S. Reis (AEMS)

Algumas palavras antes de comearmos

por Naime Souza [email protected]

5

A educao sozinha no transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.

Paulo Freire

Dada a realidade dos dias atuais crescente o nmero de educadores que discutem os melhores caminhos para

Prof Naime Souza Silva Coordenadora do curso de Pedagogia da FAMA

solidificar um processo educativo que aponte, no s para uma repetio mecnica de tcnicas de ensino e aprendizado, classificadas dentro de modelos pedaggicos, mas a busca por diretrizes que realmente preparem crianas, adolescentes e profissionais para a vida na sociedade de hoje. Neste contexto, a pesquisa acadmica passou a ter importncia indita, pois estas novas concepes exigem cidados que sejam, acima de tudo, competentes para se adequarem s diferentes situaes que a eles se apresentem. Em outras palavras, o ensino, hoje, necessita estar intimamente ligado pesquisa e esta, por sua vez, atenta as novas direes da sociedade. A quinta edio da revista Pedagogia em Foco do curso de Pedagogia da FAMA, vem confirmar a sua importncia como espao cientfico de reflexo e de estabelecimento de referncias conceituais de questes relacionadas educao. Em consonncia com a demanda dos novos tempos, renem-se na Pedagogia em Foco 5: As Mltiplas Faces do Conhecimento, textos que refletem o pensamento terico e crtico sobre a formao e atuao do educador e vrias problemticas sobre o sistema educacional em nossa regio e em todo o Brasil, expondo, por meio da diversidade de experincias dos autores que dela participam, vrias questes relevantes para o debate sobre educao. A cada edio, temos buscado aprimorar e pluralizar nosso contedo e, assim, participar do processo, sempre inacabado, da construo do saber. Boa Leitura!

Palavras de Comemoraopor Eva Dias de FreitasPresidenta da Mantenedora da FAMA

7

Investir em conhecimentos rende sempre os melhores juros.

Benjamin Franklin

Este ano comemoramos cinco anos da Revista Pedagogia em Foco, uma publicao do Curso de Pedagogia da Faculdade Maria Aldete Alves.

Eva Dias de Freitas Presidenta da Mantenedora da FAMA

De iniciativa promissora, nosso peridico se tornou realidade, a ponto de hoje, alm de trazer publicaes dos docentes de nossa instituio, tambm contar com contribuies de um variado grupo de pesquisadores de universidades pblicas e particulares de diferentes estados do pas. Este tambm figura entre o grupo de publicaes acadmicas indexados ao Latindex, um sistema surgido da cooperao de Instituies de Educao Superior e rene estudos cientficos realizados em pases de toda a Amrica Latina, Caribe, Espanha e Portugal. Muitos so os fatores responsveis para que alcanssemos esse patamar, mas podemos destacar o empenho das diretorias pedaggicas e administrativas da Faculdade FAMA, a coordenao do curso de Pedagogia, a competncia dos profissionais que formam o conselho editorial, a atuao da comisso editorial e a colaborao de diversos autores. O sucesso de nosso peridico traz consigo a busca de novidades. Por esse motivo que a partir de 2010, organizasse tambm uma verso digital de cada edio. Alm dessas, h outras pretenses para as edies futuras, mas no cabe aqui mencion-las, pois isso representaria se comprometer por demais antecipadamente. Por hora, desejo a todos a apreciao do quinto volume da Pedagogia em Foco, certa que nossa revista acadmica cumpre sua meta de disseminar os resultados de pesquisas realizadas na FAMA e em universidade parceiras, alimentando o conhecimento intelectual dos leitores e fomentando novos estudos e discusses.

ndice do Volume

Jogos Eletrnicos: Um bem ou um mal?Celso Antunes

10

Preconceito e Discriminao na Escola: Da Homofobia CidadaniaAdailson Moreira,Ana Maria Tonholo, Flvia Sumaio dos Reis

12

A educao no sistema penitencirio: conceitos importantes prtica pedaggica

24

Jehu Vieira Serrado Jnior, Ana Flvia Dias Ximenes, Luana Fernanda Mermiris Guerra Ciuffa

As crenas e a formao do professor: um estudo dos dizeres do professor em sala de aulaMaria Auxiliadora Vieira de Lima Arsiolli

34

Organizao e gesto da escola: os professores e a construo coletiva do ambiente de trabalhoSilvio Csar Nunes Milito, Sara Regina dos Santos

52

A formao do professor numa perspectiva ldico-inclusiva: uma realidade possvel?Izabel de Lourdes Gimenez Souza

60

Percursos e percalos do ensino de lngua estrangeira

70

Ana Maria Zanoni da Silva, Marina Arajo de Oliveira, Nila Mala Oliveira

O caminhar da histria enquanto disciplina escolar no brasilLucimar Manzoli de Albuquerque Lima, Raimunda Abou Gebran

86

Da segurana do professor autonomia do aluno: A configurao do carter formador do espao pedaggicoMaria Flvia Figueiredo

96

Letramento e letramento literrio: anlises sobre teoria e prtica docenteKelly Cristina Costa Martins

108

Repensando a educao frente aos novos recursos tecnolgicosCludia Marques Ferreira, Francisco Jos de Freitas

124

Reflexes sobre a formao continuada dos professores atuantes na rede 140 estadual de ensino de minas geraisAlex Gomes da Silva, Ana Paula Pereira Arantes, Naime Souza Silva, Tereza de Jesus Ferreira Scheide

A criana, a arte e o brincar na educao infantilElza Maria de Andrade, Lo Huber

158

Os reflexos do processo de ensino aprendizagem da tecnologia digital na 174 empregabilidade do adolescenteMarcelo Bolfe, Kellen Cristine Almeida Mamede

10

JOGOS ELETRNICOS: UM BEM OU UM MAL?

Prof. Me. Celso Antunes*

Uma questo que com extrema freqncia feita por professores, mas, sobretudo por pais, diz respeito aos jogos eletrnicos que em pequenos aparelhos manuais fazem a festa do consumo para crianas de diferentes idades, desde que em famlias com condio material para aceitar seu assdio. - um Bem? Ou um Mal? A dificuldade da resposta no se escora em dvidas cruis. Sobre o tema existem interessantes estudos realizados no Brasil, mas principalmente que nos chegam do Japo, da Europa e dos Estados Unidos. A maior dificuldade se desejar responder de maneira maniquesta, afirmando que um bem e assim atraindo para esses joguinhos todas as virtudes do mundo, ou garantindo que um mal e condenando sua construo e a possibilidade dos pais no presente. Mais certo seria afirmar que os tais jogos eletrnicos so, sob certos ngulos um indisfarvel bem e so tambm um mal, se olhado por outro aspecto. Vamos, pois, buscar o bom senso da resposta esclarecedora, sem endeusar esses pequenos aparelhos, mas tambm sem a inteno de demoniz-los. Toda criana, ao se envolver em um joguinho eletrnico est estimulando seu crebro, colocando-o de maneira rpida e desafiadora em constantes tomadas de decises e o que mais se cobra na vida de uma pessoa que tomadas de decises? Alm disso, quando esses jogos no expem gratuita violncia, exigem sagacidade ttil e impe desafios lgicos rpidos, teis na estimulao matemtica, importante no desenvolvimento de pensamentos estratgicos, desafiadores para o senso realista, competncias importantes e que dificilmente poderiam* Licenciado em Geografia, Especialista em Inteligncia e Cognio e Mestre em Cincias Humanas pela Universidade de So Paulo. Autor de cerca de 180 livros didticos consultor e autor em diversas revistas especializadas em Ensino e Aprendizagem. Como palestrante tem participado desde 1963 de Simpsios, Congressos e Seminrios ministrados em todo o Brasil, Amrica Latina e Europa.

11ser trazidas por outra brincadeira qualquer. Esse , sem dvida, sem lado bom. O lado negativo , entretanto claramente percebido em trs contextos: o primeiro que, solitrio, retrai a criana e a afasta de imprescindvel socializao, o segundo que, obcecaste a criana no quer largar o jogo por nada deste mundo e assim rouba de si mesmo tempo imprescindvel para outras atividades mentais e as necessrias atividades fsicas e, finalmente, porque dinmicos em suas evolues os modelos envelhecem do dia para a noite e as crianas se envolvem na doena perversa do consumismo, desejando a cada dia os jogos mais novos e mais desafiadores. As se colocar, de forma sumria, pontos positivos e os pontos negativos dos jogos eletrnicos, no difcil encontra-se o bom senso intermedirio de sempre que possvel permitir seu uso, explorando seu lado bom, mas restringindo-o com doce firmeza a durao prescrita e, dessa forma, anulando seu lado mau. Mais ainda, ao se tomar a sbia atitude de disciplinar e restringir os momentos para o uso dos jogos eletrnicos pais e professores esto ensinando que a vida precisa sempre de regras para que possa ser bem vivida. por assim pensar que a soluo mais sbia no impedir o uso e ajudar a criana a agilizar sua mente na tomada de decises e em estmulos inteligentes e desafiadores essenciais, mas restringir esse uso para no mximo, duas horas alternado por dia e assim levando toda criana a descobrir que a hora no toda hora, ao mesmo tempo ensinando-a a momentos de leituras e de conversas, de pulos e estripulias, de bolas e de guas, de amigos e de lies. Educar uma criana principalmente disciplin-la com ternura, levando a doce percepo de que quem organiza seu tempo tem tempo para tudo. Para tudo e um pouco mais.

12

PRECONCEITO E DISCRIMINAO NA ESCOLA: DA HOMOFOBIA CIDADANIA

Adailson Moreira1 Ana Carolina Tonholo2 Flvia Sumaio dos Reis3

A escola o templo do conhecimento e do saber. Mas tambm o local onde acontece uma forma bastante cruel de discriminao e preconceito dirigida aos homossexuais: a homofobia, que quase sempre est relacionada violncia, seja ela fsica ou psicolgica, tambm conhecida como bullying, que rene em seu conceito o hbito de se valer da superioridade fsica para intimidar, amedrontar ou humilhar outra pessoa, a partir de suas caractersticas particulares, tais como sexo, raa, orientao sexual, etc.

RESUMO

Palavras-chave

Preconceito; Homofobia; Escola; Bullying.

Introduo Inumerveis observaes sobre o dinamismo e a flexibilidade da sociedade contempornea so perpetrados diariamente, mundo afora. No entanto, muitos dos traos culturais que se manifestam nas mais diferentes sociedades, vm de tempos bastante remotos e so repetidos, num processo que remete maneira como a sociedade est organizada. Isso mostra claramente que apesar do vertiginoso desenvolvimento da capacidade humana de adaptao, em termos de racionalidade e tecnologia, existe uma srie de valores e paradigmas que se mantm intocveis, acobertados pelo manto das tradies.1. Formado em Direito e Psicologia, Mestre em Filosofia do Direito e Professor da UFMS Campus de Trs Lagoas. 2. Aluna do curso de Direito da UFMS Campus de Trs Lagoas. 3. Aluna do curso de Direito da UFMS Campus de Trs Lagoas.

13Naturalmente, as bases ideolgicas da sociedade visam conservao da prpria sociedade que as produziu. Assim sendo, a tradio que nada mais que a normalizao de esteretipos e dos costumes da classe dominante funciona na sociedade como instrumento de manuteno e reproduo de conceitos pr-formados4, como so os casos do machismo e do heterossexismo, estimulando o preconceito e a discriminao aos diferentes. A escola o templo do conhecimento e do saber. Mas tambm o local onde acontece uma forma bastante cruel de discriminao e preconceito dirigida aos homossexuais: a homofobia5. Embora no seja um fenmeno exclusivamente escolar, j que reproduz comportamentos que so encontrados na sociedade mais ampla, nela que sua ocorrncia causa mais estranheza, j que a educao o meio privilegiado para se buscar a luz do conhecimento racional e exerccio da cidadania. Contudo, a uma parcela da populao esse direito bsico negado, transformando essa parte da populao em cidados de segunda categoria. E essa perplexidade ocorre porque a homofobia quase sempre est relacionada violncia, seja ela fsica ou psicolgica. Esse tipo de violncia homofbica que acontece no ambiente escolar possui um nome tcnico: bullying. Palavra de origem inglesa, derivada do adjetivo bully, que pode ser traduzido por valento, rene em seu conceito o hbito de se valer da superioridade fsica para intimidar, amedrontar ou humilhar outra pessoa. Os(as) homossexuais correm o risco de serem espancados(as), expulsos(as) de suas casas e despedidos(as) dos seus empregos simplesmente porque se relacionam com pessoas do mesmo sexo6. Uma grande parte da violncia contra homossexuais acontece porque a maioria das pessoas desconhece que no existe uma opo homossexual. O indivduo que possui essa orientao no escolheu ser assim, da mesma forma que o heterossexual tambm no escolheu sua orientao heterossexual. E essa orientao est presente j no nascimento. No h qualquer prova de que pode ser adquirida ao longo da vida, seja pelas teorias do pai ausente, ou da me super-protetora, ou da influncia de uma pessoa qualquer, seja essa pessoa um parente, um amigo ou um professor homossexual.4 CHAUI, 2001, p. 7. 5 A palavra deriva de homo, radical grego que significa semelhante e fobia, que remete a medo exagerado, falta de tolerncia, averso, ao de horrorizar, amedrontar. A homofobia dio ou averso demonstrados contra homens e mulheres homossexuais uma prtica disseminada... entre adolescentes, jovens, adultos e idosos que, por motivos culturais, sociais ou de conduta individual, discriminam pessoas de acordo com a orientao sexual. (CEPAC, 2005, p. 19) 6 CEPAC, 2005, p. 20.

14A partir de uma viso do desenvolvimento humano, passando pela influncia do meio social, incluindo a a escola e a famlia, para uma noo de construo da auto-estima, verifica-se uma possibilidade de compreenso do indivduo diferente. Consequentemente, entendendo o diferente, possvel se falar em combate a toda forma de preconceito e discriminao. O Desenvolvimento Humano e o Papel da Escola Atualmente a responsabilidade pela educao das crianas, at por volta dos sete anos, da famlia7, j que o desenvolvimento do ser humano est subordinado a fatores hereditrios/biolgicos e de interao social, que intervm desde o bero e desempenham um papel de progressiva importncia, durante todo o crescimento, na constituio dos comportamentos e da vida mental8. A famlia o primeiro modelo e exemplo de todo comportamento que o indivduo ir apresentar ao longo de sua vida. Alm da famlia, pode-se dizer que a sociedade na qual essa famlia se situa tambm responsvel pelo processo de educao, que acontece de modo informal, espontneo. A educao existe mesmo onde no h escolas. Nas sociedades chamadas primitivas e de povos considerados barbaros, por exemplo, no existem escolas nem mtodos de educao conscientemente reconhecidos como tais. No entanto, existe educao, cujo objetivo promover o ajustamento da criana ao seu ambiente fsico e social por meio da aquisio da experincia de geraes passadas.9 Esse ajustamento o responsvel pela adeso do indivduo ao grupo social, fazendo com que se sinta integrante do grupo, antes mesmo de ingressar em uma instituio educacional. Essas formas de comportamento so adquiridas por transmisso exterior, de gerao em gerao, isto , atravs da educao, e s se desenvolvem em funo de interaes sociais mltiplas e diferenciadas10.

7 PIAGET, 1988, p. 34. 8 PIAGET, 1988, p. 29. 9 MONROE, apud SAIANI, 2003, p. 118-119. 10 PIAGET, 1988, p. 30.

15Somente depois desse estgio inicial que a criana chega escola. A escola desempenha papel muito importante por ser o primeiro ambiente que a criana encontra fora da famlia.11. A escola vai, junto com a famlia, que iniciou o processo, contribuindo para a estruturao da personalidade da criana, que ao entrar na escola, ainda , em todo o sentido, apenas um produto dos pais12, reproduzindo todos os valores, hbitos e prticas familiares. A escola uma das mais importantes instituies existentes, por contribuir na mediao entre o indivduo e a sociedade. No seu papel de transmitir a cultura, incluindo a os modelos sociais de comportamento e os valores morais, facilita que a criana desenvolva sua humanidade, ou seja, se torne um ser civilizado13. As teorias do desenvolvimento ou da personalidade sempre apontam para um desenvolvimento que jamais se d de forma linear, embora possam ser descritas como se isso acontecesse. Nesse sentido Guacira Lopes Louro entende que preciso abandonar qualquer pressuposto de um sujeito unificado, que v se desenvolvendo de modo linear e progressivo, na medida em que, pouco a pouco, em etapas sucessivas, supera obstculos, interioriza conhecimentos e entra em contato com pessoas ou leituras.14. O sujeito constitudo de fragmentos, de experincias, de informaes, de retalhos de vida, sua e de outras pessoas ao seu redor. As influncias so tantas que se torna impossvel tentar buscar sua origem. Nesse processo de dupla educao/aprendizagem (famlia/escola) a criana absorve hbitos, costumes e comportamentos que observa no seu universo. A criana tem uma psique extremamente influencivel e dependente, que se movimenta por completo no mbito nebuloso da psique dos pais15. Desta forma, os comportamentos manifestos das crianas na escola so reflexos do que aprenderam e/ou observaram em casa. Vale dizer, o conjunto de crenas e valores dos pais so transmitidos para as crianas de modo espontneo. Assim, todo comportamento agressivo, discriminatrio e preconceituoso , quase sempre, fruto do aprendizado domstico. O entendimento bastante simples: uma criana que educada na linguagem da pancada, que apanha dos pais, por exemplo, tem uma tendncia bastante acen-

11 JUNG, 1981, p. 59. 12 JUNG, 1981, p. 58. 13 BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2003, p. 261. 14 2004, p. 12. 15 JUNG, 1981, p. 54.

16tuada a reproduzir esse tipo de comportamento na escola, batendo nos seus colegas. Formao do Autoconceito e da Auto-Estima Primeiro na famlia, e depois na escola, que muitas vezes o refora, a criana se v nomeada, declarada, rotulada por uma definio a partir de seu corpo, de suas caractersticas fsicas, acarretando inmeros significados culturais. O ato de nomear o corpo acontece no interior da lgica que supe o sexo como um dado anterior cultura e lhe atribui um carter imutvel, a-histrico e binrio16. Dessa forma, ao se nomear um corpo, a partir do sexo fsico, e pressupor seu significado cultural, determina-se o gnero e atrela a este uma forma determinada de desejo. Seguindo essa ordem pr-estabelecida o sujeito qualifica-se como legtimo, tornando-se um corpo que importa17. Ter um sexo definido materialmente (masculino/feminino) provoca um discurso que atribui a este corpo um comportamento j previamente estipulado. Assim, os que so meninos devem se comportar de forma masculina e viril; as que so meninas devem se comportar de forma feminina e delicada. Esse discurso normalizador no abre espao para outras formas de ser, ou seja, parte de uma prtica regulatria que produz os corpos que governa18. assim que, o sexo um ideal regulatrio/normalizador que impe suas formas de comportamento, como conseqncia, surge a identificao entre os iguais e o estranhamento com relao aos desviantes dessa norma: surge o anormal. A formao de um sujeito exige uma identificao com o fantasma normativo do sexo19. A sexualidade o nome que se pode dar a um dispositivo histrico: no realidade subterrnea que se apreende com dificuldade, mas grande rede da superfcie em que a estimulao dos corpos, a intensificao dos prazeres, a incitao ao discurso, a formao dos conhecimentos, o reforo dos controles e das resistncias, encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas grandes estratgias de saber e de poder.20 Fruto desse exerccio de poder, os considerados diferentes se vem vtimas de preconceito e16 LOURO, 2004, p. 15. 17 BUTLER, 1999, p. 153. 18 BUTLER, 1999, p. 153. 19 BUTLER, 1999, p. 156. 20 FOUCAULT, 1984, p. 100.

17discriminao desde os primeiros contatos sociais, j na escola. Preconceito Contexto Histrico A sexualidade da espcie humana se manifesta de uma forma bastante variada, diferentemente da maioria dos animais que apenas se acasalam em perodos frteis, ou seja, o ser humano busca, alm da procriao, tambm, e principalmente, o prazer sexual e esse prazer se d de formas muito variadas. Dentro dessa variedade, encontram-se as prticas homossexuais, ou mais apropriadamente, homoafetivas21. nesse sentido que a homossexualidade uma infinita variao sobre um mesmo tema: o das relaes sexuais e afetivas entre pessoas do mesmo sexo22. O preconceito uma postura de estranheza diante do diferente, assimilando-o como um pr-julgamento, um sentimento ou resposta antecipado a coisas ou pessoas23. Essa forma de julgamento est arraigada ao modo de ser do povo brasileiro, j que fruto de comportamento antigo. No perodo colonial existia no Brasil o crime de sodomia, que era punido com mais severidade do que crimes como roubo, por exemplo. A princpio a homossexualidade era tida como pecado-delito. Depois, quando deixou de ser crime, passou a ser considerada um desvio biolgico da sexualidade humana, sendo nomeada pelos discursos mdicos, preservando a discriminao e a excluso social aos homossexuais. Com isso, perpetuou-se a intolerncia s pessoas que no se enquadram aos padres tradicionais de normalizao da sociedade24. Com a extino da Inquisio e o fim da pena de morte contra os sodomitas no sculo XIX, o Cdigo Penal do Imprio Brasileiro excluiu o crime de sodomia. Mas apesar da descriminalizao, o preconceito permaneceu. Aps dcadas, as lutas contra o preconceito homossexual ainda existe e vm crescendo cada vez mais, dando incio na dcada de 80 s campanhas, projetos e publicaes, tornando o conceito de pessoa homossexual mais comum e iniciando o processo de regularizao dos direitos desse segmento social25. O mais preocupante que no contexto pedaggico em que as tradies aparecem enunciando comportamentos a serem imitados pelas crianas, a educao fundamental tem um papel21 As palavras que designam pessoas com essa orientao, geralmente, esto carregadas de estigmas e preconceitos sociais, como o caso das palavras gay e homossexual, por exemplo, da a opo do termo homoafetividade, para j deixar claro que a relao entre duas pessoas do mesmo sexo carrega a possibilidade do vnculo afetivo. 22 FRY; MAcRAE, 1985, p. 7. 23 PICAZIO, 1998, p. 99. 24 COSTOLI, 2010, p. 2. 25 MOTT, 2010.

18especialmente relevante na construo de novos paradigmas ou na manuteno dos velhos preconceitos. Diante disso, em 2004 o Governo Federal lanou, em conjunto com a sociedade civil, o Programa Brasil sem Homofobia26, visando implementao de polticas pblicas de combate ao preconceito e violncia contra homossexuais. A partir de 2005, o MEC assumiu postura ativa contra o preconceito, adotando uma srie de medidas dentro deste programa, das quais pode-se destacar a produo de material didtico especfico e a formao de professores para trabalhar com essa temtica27. O profissional da educao no tem obrigao de saber o que seus educandos e educandas sero no futuro. Mas pode garantir que exeram plenamente seus direitos. Uma das possibilidades trabalhar com o Estatuto da Criana e do Adolescente em sala de aula. Destrinchar os artigos que garantem o acesso educao e sade ou que condenam a negligncia e a discriminao, por exemplo, pode reforar a idia de que a orientao sexual no influi na maneira como uma pessoa deve ser respeitada por outra.28 nesse sentido que caminham as polticas pblicas: de proteger e resguardar o direito de todas as pessoas, indistintamente. Ningum deve ser discriminado por uma condio que no escolheu: nem a mulher, nem o negro, nem o pobre, nem o homossexual, etc. Igualdade x Diferena A Justia caminha para o reconhecimento dos direitos de todas as pessoas. A base para esse posicionamento est contido na prpria Constituio Federal, quando prev no artigo 5 que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade... Esse preceito jurdico norteia todas as demais legislaes infra-constitucionais e serve de

19parmetro para que todos os segmentos sociais lutem pelo reconhecimento de seus direitos. Na prtica, contudo, as pessoas no so iguais. Cada um guarda a sua individualidade, a sua singularidade. E isso algo que deve ser respeitado. Conviver com as diferenas enriquece a existncia humana. Cada indivduo diferente e ao se juntar aos demais, somam-se as diferenas, produzindo um mosaico humano extremamente rico. a juno de todos os matizes que forma a riqueza humana. No toa que o smbolo da luta pelos direitos homossexuais um arco-ris. O Fenmeno da Violncia Escolar Bullying Embora a convivncia com as diferenas seja o objetivo da vivncia social, nem sempre isso possvel. Uma parcela considervel de pessoas (adultos) ainda guarda traos de preconceito e discriminao em funo das diferenas individuais, seja ela ideolgica, religiosa ou de orientao sexual. E esses traos extremamente nocivos so transmitidos s crianas por pais e mes, s vezes por professores despreparados, pela televiso29. Sobretudo nos primeiros anos de vida do ser humano, no decorrer do processo de desenvolvimento da identidade, o aprendizado e a formao de conceitos esto intimamente ligados imitao. A criana tende a imitar seus pais, seus amigos, o que v na televiso, na escola ou em qualquer meio social em que esteja inserida, de maneira que a sua identidade seja gradativamente condicionada ao embate entre os padres de comportamento que pode observar e a orientao de pais e educadores. Acontece que no processo de busca da prpria identidade, a criana inconscientemente evita confuses e contradies para ela mesma. Com isso, a imitao de um determinado esteretipo ou padro de comportamento, com o qual a criana se identifique, acaba implicando na procura por iguais, j que a convivncia com semelhantes funciona para reforar a identidade em formao. Por influncia de algumas caractersticas culturais preponderantes da sociedade capitalista contempornea, a fim de afirmar a prpria identidade para si e para seus semelhantes, os jovens desenvolvem uma espcie de averso ao diferente. No entanto, esta averso ao diferente no se

29 JUNG, 1981, p. 58.

20d em relao a um e outro indivduo, mas entre cada indivduo e um determinado meio social, de maneira que alguns grupos sociais especficos acabam sendo vtimas desta averso da sociedade em geral contra eles. Esta averso geralmente se expressa atravs do bullying. O bulluing est presente na famlia, na escola, no trabalho, na comunidade, no meio religioso, etc. Mas no ambiente escolar que sua prtica assustadoramente comum, revelando e acentuando essa averso ao diferente. O fenmeno bullying arquitetado por uma amplitude referente raa, etnia, condio social, padres estticos, orientao sexual, dentre outras diferenas. Mas a diversidade sexual que ainda no se afirma com relao ao pedaggica, j que encontra, na maioria das vezes, professores e tcnicos escolares despreparados para lidar com sua ocorrncia. O bullying homofbico encontrado em todos os nveis de escolaridade, desde o ensino bsico at o superior. Maneiras que podem parecer inocentes como colocar apelidos, assediar moralmente, amedrontar atravs de gestos ou at mesmo ignorar, pode produzir conseqncias muito graves. Segundo a pesquisa Juventude e Realidade, realizada em 2004, pela UNESCO, em escolas de 14 capitais do Brasil, ficou demonstrado que o preconceito nas salas de aula ainda incomoda muito: 25% dos alunos no gostariam de ter um homossexual entre seus colegas de classe. Essa intolerncia enfrentada todos os dias por milhares de alunos e alunas homossexuais da rede de ensino, resultando em violncia escolar30. No ambiente escolar, a ameaa e a falta de assistncia prejudicam a prpria descoberta da sexualidade. As vtimas perdem a auto-estima e autoconfiana, comeam a ter dificuldade de concentrao, fobia da escola, sentimentos de culpa e vergonha, depresso, ansiedade, medo de estabelecer relaes com estranhos, levando em alguns casos a tentativa de suicdio31. Cabe s escolas, famlia, sociedade, a todos os agentes sociais, se voltarem mais para este assunto assegurando s crianas e aos adolescentes atitudes que visam a mdio e a longo

30 CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2004. 31 TEIXEIRA FILHO; MARRETTO, 2008.

21prazos ao combate homofobia, evitando a ascendncia dessas discriminaes no decorrer da vida e o agravamento das desigualdades sociais. Segundo Dreyer[...] a nica maneira de combater esse tipo de prtica a cooperao por parte de todos os envolvidos: professores, funcionrios, alunos e pais; (...) As estratgias utilizadas devem ser definidas em cada escola, observando-se suas caractersticas e as de sua populao. O incentivo ao protagonismo dos alunos, permitindo sua participao nas decises e no desenvolvimento do projeto, uma garantia ainda maior de sucesso. No h geralmente, necessidade de atuao de profissionais especializados; a prpria comunidade escolar pode identificar seus problemas e apontar as melhores solues.32

A receita promover um ambiente escolar seguro e sadio, onde haja amizade, solidariedade e respeito s caractersticas individuais de cada um de seus alunos. Reconhecidamente essa uma meta muito difcil de ser alcanada, mas no impossvel. Concluso As instituies governamentais e sociedade civil devem se esforar para conscientizar e mobilizar a sociedade. Nesse processo a escola ocupa lugar privilegiado. No h procedimentos prontos ou acabados que conduzam a maneira como um profissional da educao, da sade, colegas ou familiares devem atuar, todos so responsveis e devem agir unidos. O ambiente escolar reproduz os preconceitos da sociedade de modo que as crianas e os adolescentes homossexuais sofrem alm de preconceito, rejeio, excluso, perseguio e dificuldades na constituio de sua identidade; a escola deveria ser um ambiente de reflexo e resguardo acima de todas as diversidades e diferenas. Assim, educando as crianas e os adolescentes para a heterogeneidade, formar-se- um futuro desenraizado desse tradicionalismo discriminante e homofbico, desenvolvendo atitudes de solidariedade e habilidade para a convivncia com as diferenas. Trata-se do desenvolvimento da cidadania.

32 2009, p. 2.

22Referncias Bibliogrficas BOCK, Ana Mercs Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introduo ao estudo de psicologia. 13. ed. ref. e ampl. So Paulo: Saraiva, 2003. BRASIL. Brasil sem homofobia. Disponvel em . Acesso em 11 abr. 2010a. ______. Constituio da repblica federativa do Brasil de 1988. Disponvel em . Acesso em 29 abr. 2010b. BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, Guacira Lopes (org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2. ed. Belo Horizonte: Autntica, 2000. p. 151-172. CASTRO, Mary Garcia; ABRAMOVAY, Mirian; SILVA, Lorena Bernadete da. Juventude e sexualidade. Braslia: Unesco, 2004. CEPAC Centro Paranaense de Cidadania. Educando para a diversidade: como discutir homossexualidade na escola? Curitiba: CEPAC-Ministrio da Educao, 2005. CHAUI, Marilena. O que ideologia. 2. ed. rev. e ampl. So Paulo: Brasiliense, 2001. (Coleo primeiros passos, 13) COSTOLI, Igor. Estudos identificam origens da homofobia e retratam histria do preconceito no Brasil. Disponvel em < http://www.inclusive.org.br/?p=12794>. Acesso em 11 abr. 2010. DREYER, Diogo. Bullying: brincadeira que no tem graa. Disponvel em . Acesso em 21 jan. 2009. FOUCAULT, Michel. Histria da sexualidade I: a vontade de saber. Trad. de Maria Thereza da Costa

23Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 5. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984. FRY, Peter; MAcRAE, Edward. O que homossexualidade. So Paulo: Brasiliense, 1985. (Coleo primeiros passos, 26) JUNG, Carl Gustav. O desenvolvimento da personalidade. Trad. de Frei Valdemar do Amaral. Petrpolis: Vozes, 1981. (Obras completas de C. G. Jung, v. 17) JUNQUEIRA, Rogrio Diniz (Org.). Diversidade sexual na educao: problematizaes sobre a homofobia nas escolas. Braslia: Edies MEC/UNESCO, 2009. (Coleo educao para todos) LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autntica, 2004. MOTT, Luiz. A histria da homossexualidade no Brasil: uma cronologia dos principais destaques. Disponvel em . Acesso em 11 abr. 2010. PIAGET, Jean. Para onde vai a educao? Trad. de Ivette Braga. 10. ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1988. PICAZIO, Claudio. Sexo secreto: temas polmicos da sexualidade. 2. ed. So Paulo: Summus, 1998. SAIANI, Cludio. Jung e a educao: uma anlise da relao professor/aluno. 3. ed. So Paulo: Escrituras, 2003. (Coleo ensaios transversais) TEIXEIRA FILHO, Fernando Silva; MARRETTO, Carina Alexandra Rondini. Apontamentos sobre o atentar contra a prpria vida, homofobia e adolescncias. Revista de Psicologia da UNESP, v. 7, n. 1, p. 133-151, 2008.

24

A EDUCAO NO SISTEMA PENITENCIRIO: CONCEITOS IMPORTANTES PRTICA PEDAGGICA.

Jehu Vieira Serrado Jnior1 Ana Flvia Dias Ximenes2 Luana Fernanda Mermiris Guerra Ciuffa3

Este trabalho parte de uma pesquisa mais ampla que vem sendo desenvolvida no Programa de Ps-Graduao - Mestrado em Educao - FCT/UNESP, na cidade de Presidente Prudente-SP, e tem como objetivo trazer tona a discusso sobre as implicaes tericas e metodolgicas do oferecimento da educao no sistema penitencirio. Neste aspecto, buscamos demonstrar que, apesar da boa vontade em oferecer um ensino escolar regular como garantia e preservao do direito constitucional, existem outras implicaes inerentes ao processo de (re)insero social do preso que esto atreladas a questes que no so facilmente resolvidas devido ao desconhecimento de aspectos embutidos no bojo das instituies penais, e que, de certa forma, se contradizem o tempo todo, e que ainda precisam ser desenvolvidas teoricamente com mais afinco. Estas contradies sero importantes e nos faro perceber a especificidade absoluta que existe no oferecimento da EJA no interior do sistema prisional, pois o modo em que esta modalidade de ensino se realiza e se apresenta tem como finalidade assumida e instituda o carter civilizatrio do preso. Porm esta educao oferecida em um ambiente anti-civilizatrio. Nesta perspectiva, buscaremos neste texto iniciar a discusso a qual nos propomos em nossa pesquisa maior, onde visamos analisar: quais as contradies existentes entre a proposta de ensino (que se auto-intitulam, ou se pretendem, libertadora) e o modo que este ensino oferecido no interior das penitencirias de regime fechado, que tem por caracterstica ser instituies autoritrias, severas e disciplinares? Quais as possibilidades eventuais? Quais as dificuldades que aparecem e quais os limites que esto dados a ela?Palavras-chave

RESUMO

Educao de Jovens e Adultos, Polticas Pblicas, Sistema Prisional.

Introduo Este trabalho faz parte dos resultados da pesquisa desenvolvida no Programa de Ps-Graduao Mestrado em Educao - da Faculdade de Cincia e Tecnologia FCT/UNESP, na cidade de Presidente Prudente-SP. Essa pesquisa tem por objetivo responder a seguinte pergunta: Dado um determinado sistema penitencirio, que tem um modelo de educao regular, entendido e institudo como um Direito Constitucional, quais so as contradies objetivas do ponto de vista da aprendizagem e da promoo humana neste sistema? Buscamos tambm explicitar como essas contradies se materializam e se desdobram na prtica, dentro de uma Unidade Prisional do interior do Es1 Pedagogo formado pela UFMS e Mestre em Educao pela FCT-UNESP. Coordenador do curso de Pedagogia, Coordenador do Instituto Superior de Educao, Coordenador do Projetos de Extenso, Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formao Docente e Prticas Pedaggicas (GEPEFDPP), todos vinculados s Faculdades Integradas de Trs Lagoas - AEMS, e membro do GPFOPE-FCT/UNESP. E-mail: jehujunior@hotmail. com 2 Acadmica do Curso de Pedagogia das FITL-AEMS e membro Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formao Docente e Prticas Pedaggicas (GEPEFDPP). 3 Acadmica do Curso de Pedagogia das FITL-AEMS e membro Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formao Docente e Prticas Pedaggicas (GEPEFDPP).

25tado de Mato Grosso do Sul. E ainda, quais so as possibilidades, dentro do sistema penitencirio, de se oferecer uma educao que recupere o sentido histrico da EJA, e o que necessrio para que essas possibilidades de concretizem? No desenvolver da pesquisa percebemos o quanto o sistema prisional vem se modificando no decorrer dos tempos, sendo que, pudemos observar que a ideologia vigente e o contexto sciocultural e histrico influenciam substancialmente no tipo de pena aplicada e tambm no seu cumprimento. Neste trabalho, especificamente, explicitaremos as contradies existentes entre o oferecimento de uma educao para a libertao num ambiente que por definio um lugar de negao desta mesma liberdade. Discutiremos tambm como a educao oferecida no sistema penitencirio se distingue e se assemelha da EJA oferecida nos espaos escolares formais. Explicitar essas contradies se faz necessrio para nortearmos os rumos e a preciso conceitual que a mudana de paradigma requer, bem como compreendermos os pontos ambguos que fragilizam e at limitam a execuo das atividades educacionais, as quais, lembro, no so regalias e sim Direito Constitucional. Lembrando que, ao destacarmos tais contradies no queremos conot-las como impedimento absoluto, mas sim como entraves que dificultam sobremaneira o desenvolvimento amplo das atividades educacionais no interior do sistema penitencirio. Estas contradies sero importantes e nos faro perceber a especificidade absoluta que existe no oferecimento da EJA no interior do sistema prisional, visto que, o modo em que esta modalidade de ensino se realiza e se apresenta tem como finalidade assumida e instituda o carter civilizatrio da educao prisional. Neste sentido procuraremos analisar quais as contradies existentes e que esto implcitas no oferecimento de educao durante o cumprimento da pena restritiva de liberdade; entre a modalidade de ensino adotada e suas origens; entre a proposta de ensino (que se auto-intitula, ou se pretende, libertadora) e o modo que este ensino oferecido no interior de uma Unidade Penal, que como as demais prises, possui como caracterstica ser uma instituio autoritria, severa e disciplinar. 1. A Educao de Jovens e Adultos, a Educao popular e a Educao oferecida pelo Estado. A Educao de Jovens e Adultos (EJA) a modalidade educativa que se adeqa realidade do sistema penitencirio, uma vez que as caractersticas dos alunos(as) da EJA oferecida no

26sistema regular de ensino se assemelham em grande medida com a realidade social da populao carcerria. Como salienta Arroyo4, a EJA:(...) so trabalhadores, pobres, negros, subempregados, oprimidos, excludos (...) O tema nos remete memria das ltimas quatro dcadas e nos chama para o presente: a realidade dos jovens e adultos excludos (...) Os lugares sociais a eles reservados marginais, oprimidos, excludos, empregveis, miserveis... tm condicionado o lugar reservado a sua educao no conjunto das polticas oficiais (...) A educao popular, a EJA e os princpios e as concepes que as inspiraram na dcada de 60 continuam to atuais em tempos de excluso, misria, desemprego, luta pela terra, pelo teto, pelo trabalho, pela vida. To atuais que no perderam sua radicalidade, porque a realidade vivida pelos jovens e adultos continua radicalmente excludente.

A EJA, como a conhecemos hoje, teve suas origens nos movimentos populares do sculo XIX para atender a necessidades especficas e como alternativa ao modelo de educao formal oferecida pelo Estado, apesar de continuar vinculado ele. E como salienta Haddad (2007. p. 02), a EJA no foi inventada para fugir do sistema pblico, mas porque neste no cabiam as trajetrias humanas dos jovens e adultos populares. Diante de um contexto de revolta o movimento de Educao Popular foi pensado com o intuito de preparar a populao para agir conforme interesses estratgicos das classes populares em funo de seus interesses.O pensamento pedaggico de Paulo Freire, assim como sua proposta para a alfabetizao de adultos, inspiraram os principais programas de alfabetizao e educao popular que se realizaram no pas no incio dos anos 60. Esses programas foram empreendidos por intelectuais, estudantes e catlicos engajados numa ao poltica junto aos grupos populares. Desenvolvendo e aplicando essas novas diretrizes, atuaram os educadores do MEB Movimento de Educao de Base, ligado CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil, dos CPCs Centros de Cultura Popular, organizados pela UNE Unio Nacional dos Estudantes, dos Movimentos de Cultura Popular, que reuniam artistas e intelectuais e tinham apoio de administraes municipais. (RIBEIRO, 1997, p. 23).

Devido presso que esses grupos passaram a exercer sobre o governo federal, no incio de 1964 foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetizao, que previa a disseminao por todo Brasil de programas de alfabetizao orientados pela proposta de Paulo Freire. Porm, alguns meses depois4. Disponvel em: http://www.nea.fe.usp.br/site/EDM0474/Textos_Leituras/Miguel%20Arroyo %5B1%5D.doc ; Acesso em 20/03/2009.

27esse processo foi interrompido pelo golpe militar. Streck (2006, p.10), afirma que a Educao Popular procurou ser uma prtica poltico-pedaggica de formao do pblico a partir de um lugar que se identificava com quem estava de fora ou por baixo na escala social, no tendo como ponto de partida um nico lugar, e como ponto de chegada um nico projeto. O autor defende que:O ponto de partida pode ser as mulheres, os povos indgenas, os camponeses, os desempregados, os moradores de rua ou os trabalhadores da indstria e do comrcio, cada um desses segmentos sociais com suas formas de organizao, pautas de luta e projeto de sociedade. O ponto de chegada que se deseja pode variar desde a ampliao de espaos na sociedade existente at a criao de um modelo alternativo, parcial ou totalmente distinto daquele que existe (STRECK, 2006, p. 20).

Como j salientamos acima, o fato da EJA estar intrinsecamente ligada educao popular, e como tal, emergida das necessidades populares como alternativa educao oferecida pelo Estado por si s j seria uma grande contradio. Porm, para ns que ainda acreditamos no desenvolvimento da sociedade por meio do exerccio pleno da democracia este trecho do nosso trabalho ao mesmo tempo intrigante e instigante, pois, veremos que apesar de nos declararmos educadores libertadores ou progressistas, muitas vezes no alcanamos nossos intentos de modo satisfatrios por diversos motivos. Haddad (2007, p. 22) credita essa dificuldade tendncia tradicionalista que tem pensado a EJA como reposio da escolaridade perdida existente at bem pouco tempo atrs. Certa feita, Britto me disse que essa contradio se apresenta porque a educao de adultos um campo vasto e ambguo porque ao mesmo tempo que ela lugar de ao popular tambm lugar de ao do Estado. Alis, esse fato historicamente demonstrado por Beisiegel (2004), quando ele afirma que, preciso observar, a este respeito, antes de mais nada que, em suas diversas modalidades, a educao para o povo, no Brasil, sobretudo um produto da atuao do poder pblico. Afora a epopia jesutica dos primeiros tempos da colonizao e tambm alguns outros exemplos da ao privada, no ensino elementar de crianas, adolescentes e adultos, a educao popular sempre se apresentou como uma tarefa da iniciativa oficial. Por isso mesmo, tanto as suas origens quanto os momentos mais significativos de sua evoluo, no pas, apenas se esclarecem quando analisadas no contexto das orientaes globais da atuao do Estado. Mais ainda, os caminhos da compreenso das origens e de algumas dentre as principais vicissitudes dessa educao para o povo, no Brasil, passam necessariamente pela

28anlise das ideologias em que se exprimem as orientaes do Estado. (BEISIEGEL, 2004, 63).

O que podemos observar neste aspecto que, quando o Estado est alinhado, ou submisso, orientaes da ideologia neoliberal a sua ateno para com a maior parte da populao fica prejudicada, seja na prestao ou na garantia dos direitos pblicos constitucionais. Pois, na viso e no iderio neoliberal, a educao um bem que pode e deve ser comprada como as elites o fazem. Paulo Freire j apontava os reflexos deste tipo de ideologia na formao dos indivduos. A educao burguesa individualista, egosta e competitiva. como bem demonstram as propagandas das escolas particulares: todas prometem uma formao para um mundo competitivo, onde apenas os melhores tero vez. (FREIRE; GUIMARES, 1982, p. 205). Devemos ter claro, portanto, que o Estado sempre preferiu os modelos institucionais importados das naes ocidentais dominantes do que ouvir a voz do povo e buscar a to sonhada igualdade e equidade social.(...) a educao, entendida como condio e fator do progresso, aparecia sobretudo como uma reivindicao do liberalismo e que, ao harmonizar-se com as linhas mestras desse sistema de idias, as idias de uma educao reivindicada enquanto instrumento de interveno na realidade se autolimitavam, apareciam como um apelo a uma interveno que hesitava em reconhecer-se como tal. (BEISIEGEL, 2004, p. 62).

Vemos portanto que, as intenes do Estado tambm se contradizem, na medida em que, se a opo oferecer uma educao para todos (e todos significa que no haver distino entre parcelas ou camadas da populao), esse intento deixou de ser levado em considerao, pois, a educao das elites continua sendo diferenciada em relao do restante da populao, a qual constantemente autolimitada, como meio de evitar equivalncias e/ou manter o desequilbrio estrutural produzido pelo neoliberalismo. Populao esta que ainda tem grandes contingentes que no tm e no tero acesso essa educao popular que lhes cabe. Os inempregveis, como chamaria Pablo Gentili (2001). Podemos afirmar ainda que a ampliao do oferecimento de servios voltados educao pelo poder pblico no se deu pela ateno s reivindicaes populares, ou pela disponibilidade de capitais privados que pudessem ser investidos na criao de novas escolas. Antes, porm, estava fortemente ligada preocupao do Estado com a formao que atendesse aos novos padres da sociedade urbana e industrial. Em contra-partida, Mszros assim resume a atuao do Estado em relao educao.

29A educao institucionalizada, especialmente nos ltimos 150 anos, serviu no seu todo ao propsito de no s fornecer os conhecimentos e o pessoal necessrio mquina produtiva em expanso do sistema do capital, como tambm gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se no pudesse haver nenhuma alternativa gesto da sociedade, seja na forma internalizada (isto , pelos indivduos devidamente educados e aceitos) ou atravs de uma dominao estrutural e uma subordinao hierrquica e implacavelmente impostas. A prpria Histria teve de ser totalmente adulterada, e de fato frequentemente e grosseiramente falsificada para esse propsito. (MSZROS, 2005, p. 35-36).

Neste sentido, ao inter-relacionarmos a EJA, a educao popular e a educao oferecida pelo Estado podemos inferir que ao oferecermos a EJA em um determinado modelo de educao, que no nosso caso no interior do sistema penitencirio, estamos dizendo que pretendemos disponibilizar uma educao diferenciada da oferecida pelo Estado mesmo que o mbito deste oferecimento seja regulamentado, organizado e dirigido por este mesmo Estado. Eis a nossa primeira contradio. Devemos, contudo, levar em considerao que a EJA tem buscado uma mudana de paradigma necessria e essencial para que se alcance os fins por ela pretendidos. Paulo Freire afirma que somente a educao popular daria conta desta demanda dizendo que,Um projeto de educao solidrio e libertrio tem de romper com essa concepo de educao e de sociedade, construindo alternativas de saber e de organizao social. Por isso, no se limita ao ensino de contedo, articulando cotidiano pedaggico com interveno social. (FREIRE; GUIMARES, 1982, p. 205).

O trabalho educativo da EJA contempornea no deve se voltar recuperao do contedo perdido, s carncias e o passado, mas est em reconhecer os jovens e adultos como sujeitos plenos de direitos e de cultura, e que desta forma buscam suprir as necessidades de aprendizagem do/ no presente. 2. A EJA e a sua oferta no sistema penitencirio: Suas especificidades. Aps a qualificao deste trabalho, cheguei ratificao da concepo de que a EJA desenvolvida no sistema penitencirio no uma EJA qualquer, ela outro jogo(Britto). E no outro jogo simplesmente porque ela oferecida dentro do sistema penitencirio, mas sim porque existem especificidades neste mbito que necessitam de serem descritos e que trazem conseqncias no desenvolvimento das atividades escolares. Alguns deles podemos transpor facilmente, outros es-

30barramos na falta de compreenso de servidores, e outros temos que aprender a conviver com eles. A especificidade da educao no sistema penitencirio se apresenta justamente devido sua amplitude em relao educao formal, escolarizada e institucionalizada, na medida em que temse, ao mesmo tempo, que garantir o direito constitucional e propiciar ao preso, por meio da educao, a oportunidade de aquisio de uma concepo e compreenso desalienada da realidade social e, a partir desta conscientizao buscar novos rumos para a sua vida. Pois, como afirma Freire (2001) a conscientizao uma das fundamentais tarefas de uma educao realmente libertadora e por isso respeitadora do homem como pessoa. Esse objetivo, contudo, no deve ser tido como bvio, pois, como afirmou-me Britto isso no bvio. O processo de ressocializao depende de uma srie de outros fatores, alm da conscientizao que propomos, porm, sem ela to pouco esse processo acontece. O que se tem buscado para a educao no sistema penitencirio exatamente o que Florestan Fernandes5 propunha para as classes populares:O que as classes populares reivindicam hoje uma escola pblica que no seja apenas a extenso da escola burocrtica do Estado, mas, sobretudo querem discutir a funo social dessa escola, colocando em questo seus contedos e sua gesto. Importante lembrar que esse movimento no tem a pretenso de negar o papel do Estado como principal articulador das polticas sociais, o que se coloca em questo um movimento que reivindique a autonomia com vista a definio de um novo projeto poltico pedaggico.

Assemelho essas duas perspectivas porque no caso do sistema penitencirio a educao oferecida, assim como o cumprimento de pena, de responsabilidade do Estado, sendo este o mantenedor e subsidiador das polticas pblicas. Devemos para tanto compreender que a busca por uma educao popular no sistema penitencirio, no significa arrancar do Estado as suas prerrogativas constitucionais, antes queremos submet-la crtica sem negar suas contribuies histricas nem abdicar dos contedos formais da escola. Mas deve-se estar latente que a busca pela democratizao do ensino implica na diminuio da burocracia estatal, no aumento de investimento especfico na rea, na melhoria da qualidade do ensino desenvolvido na escola pblica, na extino do processo de excluso e das representaes ideolgicas legitimadoras das desigualdades e da dificuldade de acesso vaga, enfim, na reflexo5 Apud. BARROS, Roque Spencer Maciel de. Diretrizes e bases da educao nacional. Pioneira, 1960, p. 163-164.

31crtica de todos os envolvidos (suas famlias, servidores, educadores do sistema penitencirio, intelectuais e da populao em geral) no processo de (re)insero do preso sociedade. A principal relevncia na mudana de paradigma sugerido por Paulo Freire, na nossa opinio, foi o entendimento que o analfabetismo no a causa da pobreza e da marginalizao, mas sim, o efeito da falta de estrutura gerada pela sociedade como um todo. (RIBEIRO, 1997, p. 24). No se deve compreender essa transformao propriamente como um processo de reduo das desigualdades, pois, a escolarizao, do ponto de vista do sistema, se impe como necessidade pragmtica e de garantia de direitos. Partiu da a concepo da necessidade de uma educao que, alm de transmitir os contedos formais, interfira na estrutura da sociedade, e que assim, deixe de produzir a desigualdade social e a marginalizao dos cidados a partir de um auto-exame crtico das origens de seus problemas e das possibilidades de superao dessa realidade.Alm dessa dimenso social e poltica, os ideais pedaggicos que se difundiam tinham um forte componente tico, implicando um profundo comprometimento do educador com os educandos. Os analfabetos deveriam ser reconhecidos como homens e mulheres produtivos, que possuam uma cultura. Dessa perspectiva, Paulo Freire criticou a chamada educao bancria, que considerava o analfabeto pria e ignorante, uma espcie de gaveta vazia onde o educador deveria depositar conhecimento. Tomando o educando como sujeito de sua aprendizagem, Freire propunha uma ao educativa que no negasse sua cultura mas que a fosse transformando atravs do dilogo. Na poca, ele referia-se a uma conscincia ingnua ou intransitiva, herana de uma sociedade fechada, agrria e oligrquica, que deveria ser transformada em conscincia crtica, necessria ao engajamento ativo no desenvolvimento poltico e econmico da nao. (BRITTO, 2003, p. 15).

Em relao educao no sistema penitencirio no significa ruptura com a educao regular e formal, pelo contrrio, esses conhecimentos, saberes e competncias no podem ser ignorados. Deve-se, contudo, ampliar seus horizontes e vincula-los ao processo de humanizao, dignificao, compreenso, libertao das amarras culturais e da emancipao, ou seja, ao processo de (re)insero social do preso. Portanto, os contedos, as funcionalidades, os mtodos e os procedimentos devem ser diferenciados, assim como diferenciados so os motivos que levam o preso a estudar no sistema penitencirio. Em suma, sob o princpio bsico de Paulo Freire: A leitura do mundo precede a leitura da palavra, podemos inferir que uma proposta educacional conscientizadora de adultos, deve ter como

32objetivo principal fazer com que eles se assumam como sujeitos de sua aprendizagem antes mesmo de aprender a escrever, e que possam reconhecer e problematizar sua situao atual e se reconhecerem atores, e no como coadjuvantes, da sua mudana de perspectiva. Portanto, a educao no sistema prisional tem especificidades que a distingue das demais modalidades de ensino, inclusive da EJA formal (pensada para atender as necessidades populares), porque ela vai alm do contedo por ela oferecido e, principalmente, no parte exclusivamente da necessidade desta populao especfica (apesar de ser o principal objetivo), mas sim da necessidade proposta pelo Estado para ser cumprida pelo sistema penitencirio que fazer com que o sujeito cumpra sua pena e de alguma forma no volte a reincidir na prtica delituosa. Assim se apresenta a segunda contradio. Consideraes Finais Como vimos, se pensarmos que a EJA formal foi pensada porque ela no se encaixava com a educao oferecida pelo Estado, sendo caracterizada, portanto, como uma educao que atendesse aos interesses populares e no do Estado, os objetivos da EJA oferecida no sistema penitencirio conflitua com o sistema inteiro, uma vez que quem o responsvel tanto pela priso, julgamento, cumprimento de pena e garantia dos direitos constitucionais dos presos exatamente o Estado. Aps reconhecermos as especificidades e as contradies inerentes ao oferecimento da EJA no sistema penitencirio, nosso desafio se volta busca da recuperao do sentido histrico da EJA neste mbito. Essa busca tem grandes implicaes tericas, metodolgicas e prticas que devem ser pensadas, como j demonstrara Haddad (2007) ao afirmar que:Avanar numa nova concepo de EJA significa reconhecer o direito a uma escolarizao para todas as pessoas, independentemente de sua idade. Significa reconhecer que no se pode privar parte da populao dos contedos e bens simblicos acumulados historicamente e que so transmitidos pelos processos escolares. Significa reconhecer que a garantia do direito humano educao passa pela elevao da escolaridade mdia de toda a populao e pela eliminao do analfabetismo (...) Uma nova viso do sujeito da EJA tem como desdobramento um novo modo de acolhimento, em que a participao efetiva dos educandos princpio bsico dos processos de escolarizao, garantindo que os modelos de escola vo se produzindo e reproduzindo como resultado dessa ao participativa. (HADDAD, 2007, p. 15).

Para chegarmos esse objetivo devemos desconstruir o nosso olhar em relao ao preso, que estuda ou no, e ao modo como temos administrado esse direito alheio. Para que isso acontea necessrio reconhece-los como sujeitos histricos que compem as classes de EJA na sua condi-

33o de demandatrios de direitos. Isso implica, sobretudo, em enxerg-los para alm do preso que ora cumpre pena, para alm do aluno ou jovem que abandonou a escola devido a trajetrias escolares truncadas, mas portadores de trajetrias perversas de excluso social, de negao dos direitos mais bsicos vida, ao afeto, alimentao, moradia, ao trabalho e sobrevivncia. (HADDAD, 2007, p. 15). Concluindo, retomo as falas de dois cones de nossa educao. Paulo Freire (1982, p. 27) ao afirmar que fundamental que o professor tenha clareza em torno de, a favor de quem e do qu, e portanto, contra quem e contra o qu, fazemos a educao, e Gaudncio Frigotto (1993, p. 135) quando salienta que o conhecimento (enquanto responde a necessidades concretas) sempre presta um servio. Cabe perguntar : Serve a qu? Serve a quem?. Referencias Bibliogrficas BRITTO, Luiz P. Leme. Contra o consenso: cultura escrita, educao e participao. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003. (Coleo Ideias sobre Linguagem) FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possveis. Ana Maria Arajo Freire (org.). So Paulo: Editora Unesp, 2001. FREIRE, Paulo; GUIMARES, Srgio. Sobre educao: dilogos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. (Coleo Educao e comunicao; v. 9) FRIGOTTO, Gaudncio. A produtividade escola improdutiva: um (re)exame das relaes entre educao e estrutura econmico-social e capitalista. 4 ed. So Paulo: Cortez, 1993. GENTILI, Pablo. Educar na esperana em tempos de desencanto. Petrpolis-RJ: Vozes, 2001. HADDAD, Srgio. A ao de governos locais na educao de jovens e adultos. Rev. Bras. Educ. , Rio de Janeiro, v. 12, n. 35, 2007 . Disponvel em: . Acesso em: 21 Jul 2008. doi: 10.1590/ S1413-24782007000200002 MSZROS, Istvn. A educao para alm do capital. So Paulo: Boitempo, 2005. Ribeiro, Vera Maria Masago (coord.). Educao de jovens e adultos: proposta curricular para o 1 segmento do ensino fundamental. So Paulo: Ao Educativa; Braslia: MEC, 1997. STRECK, Danilo. R. A educao popular e a (re)construo do pblico: H fogo sob as brasas? . Revista Brasileira de Educao, 2006.

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AS CRENAS E A FORMAO DO PROFESSOR: UM ESTUDO DOS DIZERES DO PROFESSOR EM SALA DE AULAMaria Auxiliadora Vieira de Lima Arsiolli1

Neste artigo, percorremos primeiro, algumas teorias sobre aprendizagem que consideramos relevante sobre ensino de Lngua Estrangeira (LE). Em segundo lugar, trazemos alguns estudos sobre crenas de professores em escolas pblicas. Em terceiro explicamos a metodologia utilizada, apresentamos e discutimos os resultados encontrados na anlise. Finalizamos com os resultados desta pesquisa e as implicaes para o ensino de LE.

RESUMO

Palavras-chave

professor, teorias de aprendizagem, crenas

INTRODUO O tema formao de professor, teorias e crenas sobre o aprendizado tem merecido destaque e h vrios estudos e publicaes a esse respeito, como por exemplo, teses e dissertaes defendidas nos programas de ps-graduao (Fernandes, C. S. 2006; Perina, A. A., 2003; Torres, R. P. S. da S. B., 2007; Mateus, E. F., 2007), artigos (Barcelos, 2004; Moreira e Alves, 2004 dentre outros) e captulos de livros (Barcelos, 2004a; Vieira-Abraho, 2004; etc) bem como a publicao de livros a respeito de crenas sobre aquisio de segunda lngua (Kalaja e Barcelos, 2003 e Barcelos e Abraho, 2006). Muito tem-se publicado a respeito de crenas no Brasil e no exterior desde 19951 Mestra em Letras pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Coordenadora Pedaggica do Centro de Ensino FISK Trs Lagoas MS.

35e, portanto, esse trabalho busca contribuir para a discusso sobre como e com quais fundamentos a prtica docente no ensino de LE ocorre. Trs palavras-chave professor, teorias de aprendizagem e crenas assentam-se nessa discusso. Apresentamos algumas teorias de aprendizagem relevantes para este contexto, uma vez que fazer pesquisa sobre teorias de aprendizagem e crenas em escola pblica exige do pesquisador a conscincia da abrangncia desse contexto. O movimento internacional da formao reflexiva na rea de educao iniciado no final da dcada de 80, substitui a concepo do professor como tcnico - que deve dominar competncias - para o professor reflexivo - que deve refletir sobre a prtica que realiza e poder mud-la -. Esse novo paradigma motivou vrias pesquisas na rea de formao de professor e conseqentemente gerou vrias publicaes a esse respeito, como os trabalhos de: Almeida Filho (1999); Leffa (2001); Brbara e Ramos (2003); Celani (2003, 2005); Vieira-Abraho (2004), Gimenez (2004); Magalhes (2004); Pimenta e Ghedin (2005) e mais recentemente Sparano et al (2006). Em os professores no ERRAM, (Nosella e Buffa, 2005: 16), na introduo ao leitor, afirmam:os professores, por sua vez resistem como podem aos modismos tericos que sempre so prdigos em apontar os erros que os professores cometem. Cada nova moda pedaggica censura o professor por ensinar do jeito que ele sabe e o fora a seguir uma nova concepo que ele desconhece. eloqente o desabafo de uma professora: fui deitar alfabetizadora de cartilha e acordei construtivista, isto , insegura, vazia, culpada.

Nosella e Buffa (2005: 21-72) mostram como a resistncia dos professores evidenciou-se desde o perodo colonial e persiste at os dias de hoje, explicando no primeiro artigo de os professores no ERRAM as razes porqu os professores resistem fazendo um esboo histrico. Para nosso artigo, percorremos primeiro, algumas teorias sobre aprendizagem que consideramos relevantes sobre o ensino de Lngua Estrangeira (LE). Em segundo lugar, trazemos alguns estudos sobre crenas de professores em escolas pblicas. Em terceiro lugar, explicamos a metodologia utilizada, apresentamos e discutimos os resultados encontrados atravs da anlise. Finalizamos com os resultados desta pesquisa e as implicaes para o ensino de LE. FUNDAMENTAO TERICA

36Iniciamos com a seguinte pergunta: a prtica pedaggica dos professores reflete as teorias de aprendizagem? Para Giddens (apud van Lier,1994) e Rosenholtz (1989), o contexto, ou seja, a realidade das escolas e as condies reais de trabalho docente so mais determinantes da prtica do professor do que as teorias que eles aprenderam. Porm, acreditamos que, muitas vezes, o professor carrega consigo a sua prpria experincia como aluno, como eles aprenderam a lngua e desenvolveram as quatro habilidades nos cinco anos do curso de Letras. Os professores parecem agir em classe conforme as teorias que trazem implcitas, isto , conforme teorias que permearam sua experincia com os aprendizes de LE. Da estudarmos as teorias de ensino aprendizagem para inferirmos porqu o professor ensina como ensina e quais os princpios que direcionam suas aes em sala de aula e os resultados de sua prtica pedaggica. Vrios autores foram estudados, como, Willians S. Burden (1997); Giusta (2003); Case (2000), a fim de entendermos as teorias de aprendizagem desde a metade do sculo passado e assim contribuir para essa pesquisa. O quadro abaixo procura mostrar um resumo desse estudo. Willian & Burden (1997)Enfoque na psicologia educacional Positivismo (behaviorismo) E R foco comportamento

Giusta (2003)Enfoque no conhecimento Empirismo (Positivismo) ER Racionalismo (Gestalt) Construtivismo

Case (2000) in: OlsonEnfoque filosfico 1 viso: Comportamentalismo (base: empirismo britnico), em transio no caminho da cognio 2 viso: Construtivismo (base: racionalista), percebe que o conhecimento racionalmente construdo porque existe um processo pelo qual o indivduo passa.

Cognitivismo (construcionismo)

Interacionista (Piaget) Scio-interacionista (Vygotsky)

Humanismo Interacionismo Social Complexidade

3 viso: Cultural base (scio-histrica)

37Williams e Burden (1997) tratam as teorias sob o enfoque da psicologia educacional e nos proporcionam uma viso de aprendizagem no foco do Positivismo 2 (behaviorismo de Skinner) onde aprender criar um hbito. Skinner introduziu o termo operante (variedades de comportamento que os organismos executam ou so capazes de executar) e enfatizou a importncia do reforo. Sua teoria veio explicar o aprendizado em termos de condicionamento operante: um indivduo responde a um estmulo de uma forma particular. Skinner sugeria quatro procedimentos bem simples: professores deveriam esclarecer o que esto ensinando3; as tarefas deveriam ser divididas em pequenas partes; os alunos deveriam ser encorajados a trabalhar nos seus ritmos, por programas de aprendizagem individualizada; aprender deveria ser programado, incorporando os procedimentos acima e fornecendo reforo positivo imediato baseado na frmula 100% de sucesso. Essa viso de aprendizagem foi amplamente adotada pelos professores de lnguas e influenciaram muito no mtodo udio-lingual. O professor deve desenvolver bons hbitos de linguagem feitos atravs de repeties de estrutura (drills), memorizaes de dilogos, repeties em coro dessas estruturas. Professores podiam seguir os passos nos manuais de forma mecnica. Apesar de muito criticado o ponto positivo do behaviorismo de Skinner e seus seguidores que pais e professores se engajaram em estabelecer condies mensurveis de ensino. Em contra posio ao behaviorismo, encontramos o Cognitivismo (construtivismo de Piaget), em que aprender construir seu prprio conhecimento. O cognitivismo teve considervel influncia no ensino de lnguas. Na abordagem cognitiva, o aprendiz visto como um participante ativo no processo de aprendizagem, usando vrias estratgias mentais a fim de separar o sistema da lngua a ser aprendida. Os alunos deveriam usar a mente para observar, pensar, categorizar e hipotetizar e dessa forma gradualmente descobrir como a linguagem opera. Para Piaget todos so capazes de construir seu sentido de mundo e o que o rodeia. Piaget estava interessado na forma em que as pessoas vinham a saber coisas e como elas desenvolviam da infncia a vida adulta. Como seguidores das idias de Piaget encontramos Jerome Bruner (1960, 1966) e George Kelly (1955). Bruner, diferente de Piaget, tentou relacionar as idias do desenvolvimento cognitivo sala

2 Os negritos foram feitos por ns. 3 Traduo da autora.

38de aula e Kelly, outro pioneiro do movimento construtivista, criou a teoria da construo pessoal, a qual teve importante implicao para os professores, treinadores e psiclogos educacionais. Para ele, as pessoas carregam suas prprias experincias pessoais, constroem hipteses e ativamente procuram confirm-las e desconfirm-las e assim constroem teorias sobre que tipo de lugar o mundo e que tipo de pessoas vivem nele. Outra teoria apontada por Williams e Burden (1997) o Humanismo (Rogers, 1969) que considera a subjetividade com relao ao seu emocional numa combinao de raciocnio e afeto. O aprendiz deve ser visto como ser humano e a aprendizagem deve ser significativa. A abordagem humanstica enfatiza a importncia do mundo interior do aprendiz e coloca os pensamentos dos indivduos, sentimentos e emoes frente do desenvolvimento humano. Estes so aspectos que de acordo com a abordagem humanstica so freqentemente negligenciados no processo de aprendizagem e de vital importncia para entender o aprendizado humano na sua totalidade. Carl Rogers, principal nome da teoria identificou um nmero de elementos chave da abordagem humanstica para a educao. Ele baseou-se na premissa de que o homem tem potencial natural para a aprendizagem e que a aprendizagem s ser efetiva se for de relevncia pessoal para o aprendiz. Na metodologia do aprendizado de lnguas teve considervel influncia. Algumas colaboraes: criar um sentido de pertencer, de fazer parte de4 tornar o assunto relevante ao aprendiz envolver o indivduo por inteiro encorajar o conhecimento prprio desenvolver a identidade pessoal encorajar auto-estima envolver sentimentos e emoes minimizar a crtica encorajar a criatividade desenvolver o conhecimento do processo de aprendizagem encorajar a iniciativa prpria permitir escolhas encorajar a auto-avaliao4 Traduo da autora.

39E, por fim, o Interacionismo social ou Scio-Interacionismo (Vygotsky, 1934/1989), no qual a aprendizagem ocorre por meio da interao com o meio social, com o outro e consigo mesmo. Essa teoria enfatiza a natureza dinmica da interao entre professores, aprendizes e tarefas e fornece uma viso de aprendizagem como nascendo da interao com o outro. Quatro fatores influenciam no processo de aprendizagem: professores, aprendizes, tarefas e contexto. Eles no agem sozinhos, ao contrrio interagem como parte dinmica do processo de aprendizagem. Os professores selecionam tarefas que refletem suas crenas sobre ensinar e aprender. Os aprendizes as interpretam de forma significante e pessoal para eles como indivduos. A tarefa a interface entre o professor e o aprendiz. Professores e aprendizes tambm interagem uns com os outros. A forma com que os professores se comportam em classe, reflete seus valores e crenas e a forma que os aprendizes reagem em classe ser afetada por suas caractersticas individuais de aprendizes e os sentimentos que os professores lhes transferem. Esses trs elementos, professor, aprendiz e tarefa, so a dinmica do equilbrio. Giusta (2003) aponta alm do Empirismo/behaviorismo, a viso holstica da Gestalt, a viso do todo atravs do insight. O indivduo j nasce com a capacidade de raciocnio, a aprendizagem vista como o objeto, soluo de problemas. Mostra tambm a aprendizagem na viso construtivista interacionista de Piaget, e socio-interacionista de Vygotsky, e apresenta a aprendizagem na viso da teoria da Complexidade de Morin, onde aprendizagem vista como a estrutura de um risoma, catica, o conhecimento no mais linear como se supunha no Behavorismo. Giusta (2003: 63-67) tambm faz um percurso histrico das teorias de aprendizagem que mencionamos acima, detendose, diferentemente, no processo ensino-aprendizagem via da complexidade. Segundo a autora, esse processo est primeiro, ligado a questo de identidade, a capacidade de computar, isto , de lidar com os signos, ndices, enfim informaes. H tambm o princpio da intercomunicao com o semelhante. Somos paradoxais, oscilamos entre incluso e excluso, comunicao e incomunicabilidade, egosmo e altrusmo e nossa subjetividade construda nas relaes sociais e a relao ensino/aprendizagem no s possvel como fundamental. Essa relao complexa. Nem tudo que se quer ensinar aprendido, pelo menos no na proporo desejada. Essa relao s efetiva quando fruto da compatibilidade de objetivos, emoes, contedos e projetos compartilhados por professores e alunos. (Giusta, 2003:65) Case (2000) nos apresenta o enfoque filosfico das teorias de apredizagem, no qual o conhecimento est sendo construdo. Alm da idia de que a construo do conhecimento retros-

40pectiva e prospectiva tambm. Sua primeira viso do comportamentalismo de base britnica (em transio entre o behaviorismo e o construtivismo), uma segunda viso o construtivismo de base racionalista (o conhecimento construdo porque existe um processo pelo qual o indivduo passa) e uma terceira, cultural, de base scio-histrica. Case faz uma comparao dessas trs abordagens de aprendizagem e mostra o impacto dessas vises sobre a pesquisa e a prtica educacional. A propsito da teoria scio-histrica de Vygotsky (1934/1989), buscamos seus principais conceitos em Wertsch (1985) atravs dos artigos de Bruner, (o qual cita a zona proximal de desenvolvimento: ZPD) Cole, (que d uma viso psicolgica da chamada ZPD), bem como Forman & Cazden (que introduzem o termo peer no papel da interao e no papel da me como iniciante dessa interao). Jerome Bruner, em seu artigo (Vygotsky: a historical and conceptual perspective), faz um relato da sua experincia e contato com a teoria de Vygotsky explicando que a ZPD a distncia entre o nvel de desenvolvimento atual como determinante pela soluo de um problema e o nvel de desenvolvimento potencial como determinante para a soluo de um problema sob a guarda de um adulto ou em colaborao com algum par mais capacitado, ou seja, o limite que existe entre o que um indivduo faz e onde ele pode chegar com a ajuda de pares mais experientes. Michael Cole procura dar uma viso psicolgica a chamada zona de desenvolvimento proximal e aponta os experimentos de Luria com crianas no Uzbequisto: seus estudos basearam-se nos princpios gerais de funo mental e desenvolvimento cognitivo. J o artigo de Forman e Cazden fala da interao entre adulto e criana, da relao PEER e o contraste de ambiente como papel decisivo e transformador na educao. E mais recentemente, tem-se discutido a aprendizagem via teoria da Complexidade de Edgar Morin, comentada por Demo (2002), Giusta (2003) e tambm Petraglia (2005), mostrando que at no caos existe uma organizao. Morin nos leva a pensar sobre a complexidade da realidade fsica, biolgica e humana, visto que os conceitos de ordem, desordem e organizao esto presentes no Universo e na sua formao, na vida. Partindo da definio de organizao e da reflexo o autor nos remete s noes de sujeito, autonomia e auto-eco-organizao, discutidos por Petraglia (2005: 39-79). A autora explica que Morin parte desse processo organizador de autoconhecimento para explicar que o indivduo transforma sua identidade e aprende em funo do seu meio ambiente. A capacidade de aprender est ligada ao desenvolvimento das competncias inatas do indivduo de adquirir conhecimento associada s influncias externas da cultura. O professor, para Morin, deve ir

41em busca, individualmente, da formao necessria para essa prtica renovadora. Demo (2002), por sua vez, aponta o conceito de complexidade aplicado realidade e ao conhecimento. Discute o conceito do que real, associando ao conceito de complexidade de Morin. O autor ressalta quatro caractersticas da complexidade e as discute uma a uma. So elas: dinmica, no linear, reconstrutivista e processo dialtico evolutivo (Demo, 2002: 13-23) Nesta primeira parte, tivemos como objetivo apresentar as principais teorias sobre aprendizagem para melhor compreender o discurso do professor. No nosso entender, a contribuio dos recentes estudos sobre professor e teorias da aprendizagem nos possibilita compreender a formao profissional de professores a partir do trabalho real das prticas no contexto de trabalho. CRENAS Passamos a apresentar, o conceito de crenas na viso de Barcelos & Abraho (2006), e Claxton (2005). Cabe nesse momento destacar que crena para essas autoras so sociais, dinmicas e contextuais. Dinmicas porque mudam com o tempo, contextuais e sociais porque so estruturas mentais que mudam e se desenvolvem medida que interage com o social. Quanto a ns, entendemos crenas maneira de Claxton (2005), isto , como sendo um sistema de valores que surge num contexto social, do senso comum, sem fundamentao lgica e perpetuada por uma sociedade em funo de sua cultura. Barcelos e Abraho (2006) apontam as crenas do professor em relao ao processo de ensino e aprendizagem de lnguas, Claxton, por sua vez, discute-as em relao ao processo de aprendizagem. Sabemos que pesquisar as crenas dos professores uma tarefa complexa (Vieira-Abraho, 2004; Barcelos, 2004). Muitas vezes o professor no consegue articular as crenas, pois se depara com novas situaes de ensino, informao e, assim, novas crenas so formadas. Baseando-se em alguns estudos e em suas prprias experincias, Barcelos( 2004: 90) sugere algumas crenas de professores: ensinar cobrir o material, entreter os alunos, direcionar e envolver os alunos, uma atividade melhor desenvolvida por tentativas e erros, aprender a ensinar e a fazer. Nos estudos de Vieira-Abraho (2004) foram apontadas sete categorias sobre as crenas de seis alunos-professores de um curso de Letras: 1. concepes de linguagem, 2. de ensino, 3. de aprendizagem, 4. papis de professores e alunos, 5. fatores que afetam a aprendizagem de LE, 6.

42conceito de erro, correo e avaliao na sala de aula e 7. o livro didtico. Claxton (2005), elenca as seguintes categorias para as crenas sobre a aprendizagem: aprendizagem aquisio de conhecimento, quando as pessoas pensam em aprendizagem, pensam no produto final e no na atividade; conhecimento verdade, juntamente com o enfoque no conhecimento, pode seguir a crena de que tal conhecimento, se tiver o crdito adequado, possa ser confivel; aprender para os jovens, uma viso geral diria que aprender fundamentalmente para os jovens; aprender simples, supe-se que, seja o que for a aprendizagem, ela um processo simples, que envolve adicionar novos bocados de informao, fazer conexo e desenvolver hbitos; aprender envolve ensinar, em uma viso disseminada, aprender envolve atividade especial, em geral trabalho intelectual e difcil; a aprendizagem acontece calmamente, aprendizagem um processo racional, cognitivo, e que, se emocionar, um sinal de que o processo no est acontecendo; aprendizagem adequada envolve o entendimento, aprendizagem igual a memorizao. Para Claxton (2005: 32), a viso das pessoas sobre conhecimento, aprendizagem e competncia, corresponde aos itens apontados. O problema, segundo Claxton, que essas vises influenciam o modo como as pessoas operam enquanto aprendizes. Segundo Barcelos e Abraho (2006: 33) h vrios trabalhos sobre crenas de professores e, de alunos, acerca das crenas de formao de professores. , portanto, nessa linha que tentamos investigar, concordando com Claxton quando diz que as vises sobre aprendizagem que o professor tem influencia, sim, sua prtica. Centraremos nossa anlise na experincia de sala de aula do professor. A seguir, apresentaremos o percurso metodolgico que seguimos para a anlise dos dados. METODOLOGIA Conforme apresentamos na introduo deste artigo, apresentaremos a pesquisa com sua natureza, o contexto pesquisado e os procedimentos metodolgicos usados.

43O presente trabalho tem como objetivo conhecer a formao do professor de lngua estrangeira por meio da anlise de sua fala em sala de aula e examinar quais crenas aparece no seu discurso e influenciam na sua prtica pedaggica. As perguntas que norteiam esse estudo so: Quais teorias de aprendizagem parecem permear o discurso do professor? Como as crenas se manifestam na sua fala em sala de aula? Esta pesquisa de cunho qualitativo e caracteriza-se como um estudo de caso. Os dados constituem-se de gravaes de dez aulas de 45 minutos cada, que foram gravadas durante quatro meses durante o primeiro semestre de 2005. Tendo em vista que nas cinco primeiras aulas poderiam ter tido interferncias dos alunos (no acostumados ao gravador em sala) optamos por analisar as cinco aulas restantes, porm consideramos como aula 1, aula 2, etc, para este trabalho. Outro fator que as aulas da professora so extremamente repetitivas, por isso os excertos no so to variados como gostaramos de mostrar. A seguir, descrevemos o contexto da pesquisa e o perfil dos participantes deste, bem como os procedimentos utilizados na coleta e na anlise dos dados. Participaram desta pesquisa uma professora de lngua inglesa, que ser identificada pela inicial T (escolhido aleatoriamente) e seus 31 alunos, que sero identificados por A1, A2, da 5 srie do ensino fundamental na faixa de 10 a 11 anos, de uma escola estadual localizada no municpio de Trs Lagoas/MS, considerada, pela professora, uma escola de elite, com alunos de classe mdia alta. A PROFESSORA T tem 39 anos, graduou-se h 16 anos, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Trs Lagoas, em Licenciatura Plena em Portugus e Ingls, Leciona desde 1990 na rede pblica, onde trabalha nos trs perodos. T pode ser caracterizada como uma professora experiente. Com relao aos ALUNOS, segundo a professora da turma, destes alunos, nove so considerados fracos, um possui problema mental, seis so repetentes e apenas uma aluna faz curso de ingls em escola de idiomas, os catorze restantes so esforados, a maioria reside com os pais, os quais tm profisses variadas (a professora no informou quais as profisses). A maioria estudou ingls na 1, 2, 3 sries, mas no tiveram no ano anterior (4 srie). A respeito da SALA DE AULA, a professora assim se refere: uma sala boa, salvo algumas excees que so muito fracas. Tem os que vieram de outras escolas e no se sabe dos seus rendimentos e conhecimentos em LE e tm tambm alguns repetentes. Mesmo assim, acredita-se que

44 uma sala boa pra se desenvolver um bom trabalho. No intuito de realizar esta pesquisa interpretativa, utilizamos um gravador de fitas cassetes como instrumentos para a coleta de dados, a narrativa da professora e cinco aulas gravadas em udio e transcritas pela professora pesquisadora, cujos excertos, sero assim identificados: [aula1], [aula 2], etc. Antes de iniciar a pesquisa, foi solicitado professora participante que escrevesse uma narrativa em que relatasse sua formao e os aspectos referentes aos alunos e escola. Aps a transcrio das aulas, as mesmas foram oferecidas para que a professora pudesse fazer observaes e comentrios. ENTENDENDO O DISCURSO DO PROFESSOR Notamos no discurso de T sinais de teoria sobre ensino aprendizagem congelada dcadas atrs. As razes que me levaram a esta considerao foram os recortes encontrados na fala de T que parecem sinalizar a teoria que permeia sua prtica. Foram estabelecidas as seguintes categorias: Viso tradicional do que seja ensinar e aprender:A1: Mas a gente no sabe como . A2: s essas palavras aqui? T: S. Pronto. Agora correo. Prestando ateno. A conversa est demais. Virada pra frente. Olha s gente! [aula 1]

Foco centrado no professor:T: O, Wilson? Todos com a apostila na mo. Olhando as pginas que EU[grifo meu] indiquei pra fazer os exerccios, t? [aula 2]

LE vista ou entendida como um sistema de regras a serem repassadas:T: O Eduardo no pegou a apostila at agora e est colando. Ento, olha s gente, completando com o VERBO to be na forma correta. Quer dizer, tem forma que vai ser contrata e tem forma que no. Ento vocs vo ver, se tiver apstrofo em cima ?... Contrata, abreviada. Seno vai ser a forma normal. [aula 2]

Apostila seguida prescritivamente:T: Ento olha s. Aqui o 30, o 30, t? Thirty. Agora gente olha s. Na APOSTILA. s escrever. [aula 3]

45exerccios passados na lousa para serem copiados e lidos em voz alta: T: Antes de corrigirmos as demais vamos ler. Repetindo as frases. Vamos l! Eu falo, vocs repetem. Pra falar vocs tem que ouvir!... Eu no quero que ningum converse na sala, viu gente? [aula3]

Tais categorias vm ao encontro do que Willians e Burden (1997: 8) apresentam, e mostram que as razes do behaviorismo tiveram profundas influncias no mundo todo no que diz respeito aprendizagem, e o que apontamos acima vem ao encontro das formas de condicionamento mostradas nessa teoria: Foi postulado que todo conhecimento humano poderia ser explicado nos termos de troca em que a simples conexo estmulo-recompensa foram construdos5 . Concentrada apenas no resultado e no no processo a professora apenas refora os sinais behavioristas no seu comportamento. Analisando os dados para observar as crenas presentes no discurso da professora T, podemos encontrar marcas que vm ao encontro do que vemos em Barcelos e Abraho (2006) que apresentam as seguintes categorias: ensinar cobrir material, entreter os alunos, direcionar e envolver os alunos, uma atividade melhor desenvolvida por tentativas e erros, aprender a ensinar e a fazer. Em Vieira-Abraho (op. Cit.), encontramos as seguintes categorias: concepes de linguagem, de ensino, de aprendizagem, papis de professores e alunos, fatores que afetam a aprendizagem de LE, conceito de erro, correo e avaliao em sala de aula e o livro didtico. Abaixo, podemos observar as categorias que encontramos na fala de T: 1. Uma boa aula aquela que o professor domina a gramtica. Haja vista que as aulas de T focalizam exclusivamente a gramtica:T: O adjetivo em ingls no varia, t? Ento no vai para o plural. No varia. Short ?... baixo, baixa, baixos e baixas.[aula 4]

2. impossvel ensinar ingls em escola pblica, uma vez que h tanta diversidade em sala de aula e apenas uma aluna faz curso de idioma:a sala composta por 31 alunos. Destes, 9 so fracos, 1 tem problemas mental e 65it was postulated that all human behavior could be explained in terms of the way in which simple S-R connections were built up(Willians e Burden, 1997: 8)

46so repetentes, apenas uma aluna faz curso de ingls em escola particular. Conversam durante as aulas, no prestam ateno na matria. [relato]

3. T prefere o aluno hipnotizado e em silncio baseado no ensino tradicional focalizado no professor:A3: Professora a sra. No passou na minha carteira. T: Prestando ateno! Eu no passei na carteira de ningum! Fulano, abaixa essa cabea faz favor [aula 1]

4. As aulas so baseadas em exerccios gramaticais, descontextualizadas da realidade do aluno:T: Carol. Ento voc vai ligar I am Carol. Este a j est pronto. o exemplo. Vocs vo ligar a 1 com a 2 coluna de acordo com o texto. Ento vocs j sabem n? Sobre o que o texto est falando e vocs vo ligar. A olha. I am. Eu sou. Ali no texto, quem que sou eu? [aula 5]

5. A ordem deve imperar na aula de T, pois a gramtica o foco principal e corrobora com a crena de que saber lngua corretamente saber usar a gramtica. Ento se o aluno no aprende as regras no falar ingls:A4: tem traduo? T: Tem eu coloquei ali no final, no vocabulrio. Vocs esto olhando? Vocs querem tudo pronto.(...) Comecem a procurar, seno vocs nunca aprendem. A1: Eu aprendi prof. A2: Por que no fez? T: Quem terminou de copiar ? Pega, senta aqui, olha e faa a traduo no caderno. E eu quero tudo certinho. [aula 5]

6. Os dilogos devem ser treinados antes da apresentao sob a superviso de T:T: Agora o grupo 1, t?(...) Certinho. A Brbara e o Caio. Falem alto pra eu poder ouvir. Olha arrastando a carteira a! Sossega um pouco. Vamos podem comear. Muito bom. [aula 4]

47Conforme apresentamos nos excertos acima, as aulas so mecnicas, desprovidas de significados, enquanto isso acontece os alunos dispersam-se, pois as aulas esto longe da vida real, das necessidades deles. o que nos explica Petraglia (2005, p.55), a respeito da teoria da complexidade, e que confirma o pargrafo anterior: a desordem vai alm da idia do acaso (...). Mas a desordem significa desvios que aparecem em qualquer processo. Liberdade faz parte do processo de identidade do ser humano e este sabe o que quer porque escolhe e decide diante das possibilidades que lhes so oferecidas. Ento os alunos de T decidem pelo caos, informando-lhe que no isso que querem, isto , os alunos no querem uma aula que no faa sentido para eles, que no esteja ligada realidade deles. As crenas de T parecem marcar fortemente o seu ensino e isso pode originar-se da influncia de antigos professores e de preferncias estabelecidas em sua prtica, cujos resultados foram satisfatrios naquele momento, porm tal prtica no se aplica aos dias de hoje e aos alunos de hoje. Tais prticas podem tambm indicar uma forma de proteger-se daquilo que no domina, mas entraria em contradio esta ltima afirmao, pois T afirma que se formou em um curso de idiomas. A professora parece acreditar que as condies contextuais (o bairro onde est inserida a escola, o contexto familiar dos alunos) tm influncia no ensino. Outro fator que interfere o nmero de alunos por turma e as condies das aulas (a primeira s 7 h e a segunda aps o intervalo do recreio). Este aspecto aparece bem caracterizado no discurso de T e pode ser