6 - nye, joseph. compreender os conflitos internacionais (pg.1 - 37)

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JOSEPH S. NYÈ, JR. OS CONFLITOS Uma Introdução à Teoria e à História TRADUÇÃO TIAGO ARAÚJO. REVISÃO CIENTÍFICA HENRIQUE LAGES RIBEIRO gradiva

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JOSEPH S. NYÈ, JR.

OS CONFLITOS

Uma Introdução à Teoria e à História

TRADUÇÃO

TIAGO ARAÚJO.

REVISÃO CIENTÍFICA

HENRIQUE LAGES RIBEIRO

gradiva

Alto-relevo em mármore celebrando os atenienses mortos ná Guerra do Peloponeso

Existe uma lógica duradoura de conflito na política mundial?

Duas tradições teóricas: realismo e liberalismo

O mundo está a encolher. O Mayflower levou três meses a atravessar o Atlântico. Em 1924, o vòo de; Charles Lindbergh levou 24 horas. O Con­corde de hoje pode fazê-lo em três horas; mísseis balísticos em 30 minutos. Nos anos 90, um voo transatlântico custa um terço do que custava em 1950 e uma chamada telefónica de Nova Iorque para Londres custa apenas 6%

custava há meio século. As comunicações globais pela Internet são instantâneas e os custos de transmissão são ínfimos. Um ambientalista

um activista dos direitos humanos em África, têm hoje um poder de comunicação antes apenàs desfrutado por grandes organizações, como governos òu empresas transnacionais. Num registo mais sombrio, as armas

nucleares acrescentaram uma novà dimensão à guerra, a que um autor chama ■de «morte du'pla», querèndo com isto dizer que não apenas podem morrer indivíduos mas, em determinadas circunstâncias, toda a espécie humana pode ser ameaçada.

Ainda assim, determinados aspectos em torno da política internacional mantivéram-se os mesmos ao longo dos tempos. O relato de Tucídides sobre o combate entre Esparta e Atenas na Guerra do Peloponeso, 2500 anos atrás, revela semelhanças misteriosas com o conflito israelo-árabe após 1947. O mundo no final do século xx é um estranho cocktail de continuidade e mudança. Alguns aspectos da política internacional não se alteraram desde Tucídides. Existe uma determinada lógica de hostilidade, um dilema de segurança'que acompanha a política entre Estados. Alianças, equilíbrios de poder e escolhas de políticas: entre a guerra e o compromisso permaneceram semelhantes ao longo dos milénios.

Por outro lado, Tucídides não teve de se preocupar com armas nucleares, a camada de ozono ou o aquecimento global. A tarefa dos estudantes de política inte.macional é a de construir a partir do passado sem serem por ele aprisiona­dos, de compreender tanto as continuidades como as mudanças. Temos de apreender as teorias tradicionais e adaptá-las depois às circunstâncias actuais.: A política internacional transformar-se-ia se os estados independentes

fossem abolidos, mas o governo mundial não sé.encontra ao virar da es­quina: Os povos que vivem em quase 200 estados neste globo desejam a independência, culturas separadas e línguas diferentes. Na verdade, o nacio­nalismo e a exigência de independência dos estados, em vez de se terem esvaído, aumentaram. Em vez de menos estados, este novo século irá pro­vavelmente assistir ao aparecimento de mais. Üm governo mundial não resol­veria automaticamente o problema da guerra A maioria das guerras actuais são guerras civis ou étnicas. De facto, as guerras mais sangrentas do século xix não foram travadas pelos desavindos estados da Europa, foram antes a rebelião Taiping na China e a Guerra Civil Americana. Iremos continuar a viver num mundo de estados independentes ainda por bastante tempo e é importante compreender o que isso significa para as nossas investigações.

O que é a política, internacional?

O mundo não esteve sempre dividido num sistema de estados indepen­dentes. Ao longo dos séculos houve três formas básicas de política mundial. Num sistema de iyipério mundial, U m governo é dominante sobre a maior parte do,mundo com o quàl tem contacto. O exemplo mais significativo no mundo Ocidental foi o Império Romano. A Espanha, no século xvi, e a prança, iio final do séculò, x v ii , tentaram atingir supremacia idêntica, mas

fracassaram. No século x d c , o Império Britânico estendeu-se peio g l o b o , mas mesmo os Britânicos tiveram de partilhar o mundo com outròs estados poderosos. Impérios mundiais da Antiguidade — o Sumério, o Persa, o Chi­nês — eram na realidade impérios* regionais. Pensavam que governavam o mundo, mias estavam protegidos do conflito com outros impérios por falta de comunicação. As lutas com bárbaros nas periferias do império eram diferen­tes de guerras entre estados com poder aproximadamente igual.

Uma segunda forma básica de política internacional e um sistema feudal, no qual as léaldades humanas e as obrigações políticas não são fixadas fundamentalmente por limites territoriais. O feudalismo tomou-se comum no Ocidente após o colapso do Império Romano. Um indivíduo tinha obriga­ções perante um senhor local, mas podia também dever obediência a algum nobre ou bispo distante, assim como ao Papa, em Roma. As obrigações políticas eram,.em grande parte, determinadas pelo que acontecia aos hierar­quicamente superiores. Se um governante casasse, uma determinada área e a sua população podiam ver as suas obrigações reajustadas como parte de um dotede casamento. Uma população nascida jxancesa podia subitamente tomar-se flamenga ou mesmo inglesa. Cidades e ligas de cidades tinham por vezes um estatuto especial semi-independènte. A louca manta de retalhos de guerras, que acompanhava a situação feudal, não tem nada a ver com o que consideramos modernas guerras territoriais. Tanto podiam ocorrer no interior

- còmò atravessando territórios-e estavam relacionadas com esses conflitos e lealdades transversais, não-territoriais.

Uma terceira forma de política mundial é um sistema anárquico de es­tados, composto por estados relativamente coesos mas sem um poder supe­rior acima deles. Disso constituem exemplo as cidades-estado da.Grécia Antiga oü a Itália do século xv de Maquiavel. Outro exemplo de um sistema anárquico de estados é o estado territorial dinástico, cuja coesão advém do controlo por parte de uma família reinante. Podem ser encontrados exemplos ha índia ou na China no século v a. C. Grandes dinastias territoriais reemergiram na Europa por volta do anò de 1500 e outras formas de orga­nização política internacional, como as cidades-estado ou ligas de territórios pouco coesas, começaram a desaparecer. Em 1648, a Paz de Vestefália en­cerrou a Guerra dos Trinta Anos, por vezes considerada a última das grandes guerras de religião e a primeira das guerras dos estados modernos. Em retrospectiva, esse tratado estabeleceu o estado territorial soberano como a forma dominante de organização internacional.

Destá forma, quando hoje falamos de política internacional, referimo-nos habitualmente a este sistema de estado territorial e definimos política inter­nacional como a política na ausência de um soberano comum, a política entre entidades sem um poder acima delas. A política internacional é fre­quentemente classificada de anárquica. Assim como a monarquia significa

um governante, anarquia— «an-arGhy» ;— sigijificâ a ausência de. qualquer governante. A política internacional é uni sistemá de autò-ajüda. Thomàs,

' Hobbes, o filósofo inglês do século xvn, designava, por «êstadò de natureza» tais sistemas anárquicos. Para alguns, as palavras estado de natureza podem evocar imagens de uma manada de vácas pastando pacificamente em Vermont, mas não é a isso que Hobbes se referia. Pensemos antes, numa cidade do Texas sem xerife na época do Velho Oeste, no Líbano após a .queda do , governo na década de 1970 ou na Somália na década de 1990, O estado de natureza de Hobbes não 4 benigno; é uma guerra de todos contra todos, porque não existe um pbder mais elevado para impor a ordem. Gomo Hobbes' celebremente declarou; a vida num mundo assim tende a ser desagradável, brutal e curta. r _

A consequência é a existência de diferenças legais, políticas e sociais "entre.a política;interna, e a internacional. O.direito nacional é geralmente obedecido e, se não o for, a polícia e os tribunais impõem sanções, contra os transgressores-. O direito internacional, por outro lado, apoia-se em sistemas legais concorrenciais, não existindo imposição comuin. Não existe uma polícia internacional para impor a lei. ■

A força desempenha um papel diferente nà política interna e na interna­cional. Num sistema'político interno bem ordenado, o govemo detém o monopólio do uso legítimo da força. Na política internacional, ninguém detém Um monopólio sobre o uso da força. Como a política internacional è o reino da auto-ajuda e uns estados são mais fortes do que outros, existe sempre o perigo de que estes possam recorrer à força: Quando a força não pode ser excluída, o resultado é a desconfiança e a suspeita.

A polítjca interna e a internacional diferem também quanto aó subjacente sentimento de comunidade. Numa sociedade interna bem ordenada, existe um sentimento partilhado de comunidade que gera lealdades, padrões de jüstiça e concepções comuns sobre o que é a autoridade legítima. Na política internacional,-os povos divididos não partilham as mesmas lealdades. É fraco qualquer sentimento de comunidade global/ As pessoas discordam muitas vezes sobre o que lhes •, parece justo e legítimo. O resultado é um grande fosso entre dois valores políticos básicos: ordem e justiça. Num mundo assim, a maioria das pessoas coloca a justiça nacional à frente da internacio­nal. O Direito é .a Ética desempenham um papel na política internacional mas, na ausência de um, sentimento de comunidade, não são tão vinculativos como na política interna. •

Dos três sistemas básicos -— dê império mundial, feudal e anárquico —> o último é o mais relevante para a política internacional no mundo contem­porâneo, apesar de, como iremos ver nos últimos capítulos,, algumas pessoas especularem que o século xxi poderá presenciar a evolução gradual de um novo feudalismo.

DUAS CONCEPÇÕES DE POLÍTICA ANÁRQUICA

,A política internacional é anárquica no sentido em que não existe um governo mais elevado, mas mesmo na Filosofia Política existiram duas di­ferentes visões acerca da severidade de um estado de natureza. Hobbes, que escrevia numa Inglaterra do século xVh destroçada pela guerra civil, deu ênfase à insegurança,-à força e à sobrevivência. Hobbes resumiu-o como um estado de guerra. Meio século mãis tarde, John Locke, escrevendo numa Inglaterra mais estável, argumentou que, apesar de no estado de natureza não existir um soberano comum, as pessoas podiam desenvolver laços e estabe­lecer contratos e, por èssa razão, a anarquia era menos ameaçadora. Essas duas visões de um estado de natureza são os precursores filosóficos de duas concepções actuais de política internacional, uma mais pessimista e outra mais optimista: a abordagem realista e a liberal à política internacional.

O realismo tem sido a tradição dominante no pensamento sobre a política internacional. Para o realista, o problema central da política internacional é a guerra e o uso da força e os actores principais sãó os estados. Entre ame­ricanos contemporâneos, 0 realismo é exemplificado pélos escritos e pelas políticas do Presidente Richard Nixon e do seu secretário de estado, Henry Kissinger. O realista parte da assunção do sistema anárquico de estados. Kissinger e Nixon, por exemplo, procuraram maximizar o poder dos Estados Unidos e minimizar a capacidade de outros Estados de pôr em perigo a segurança dos EUA. Segundo o realista, o princípio e o fim da política internacional é o estado individual em interacção com outros estados.

A outra tradição é designada por liberalismo, não por causa da política interna americana, mas porque pode Ser encontrada, na filosofia política ocidental, até ao Barão de Montesquieu e Immanuel Kant, na França e na Alemanha do sécuío xvm, respectivamente, e filósofos ingleses dò século xix, tais como Jeremy Bentham e John Stuart Mill. Um exemplo contempo­râneo americano pode ser encontrado nos escritos e nas políticas do presi­dente e cientista político Woodrow Wilson.

Os liberais vêem umà sociedade global que funciona lado a lado com os Estados e que estabelece parte do contexto para os estados. O comércio atravessa fronteiras, as pessoas têm contacto umas com as outras (como os estudantes a estudarem em países estrangeiros) e instituições internacionais, como as Nações Unidas, criam um contexto dentro do qual a visão realista de pura anarquia é insuficiente. Os liberais queixam-se de que os realistas retratam os estados como duras bolas de bilhar chocando umas contra as outras na tentativa de equilibrar o poder, mas isso não é suficiente porque os povos estabelecem verdadeiramente contacto através das fronteiras e porque existe uma sociedade internacional. Alegam os liberais que os realistas exa­geram a diferença entre a política interna e a internacional. Dado que a

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■ -̂ ' , •'.: J ;• , ‘ •- . , ’ . , - ' ( N' ' ' " J ' ' ; . ‘ . . *■•imagem de anarquia realista de um «estado dé guerra», hobbesiano se centra apenas em situações extremas, ela não toma em consideração, segundo os liberais, o crescimento da interdependência económica e a evolução de uma sociedade transnacional global.

Os realistas respondem citando Hobbes: «Assim como um tempo tempes­tuoso não significa chuva perpétua, um estado de guerra não significa guerra permanente1.» Assim como os londrinos carregam guarda-chuvas em sola­rengos dias dè Abriga perspectiva de guerra num sistema anárquico faz com que os estados mantenham exércitos mesmo em tempos de paz. Os realistas chamam a atenção para previsões liberais anteriores que se revelaram erra­das. Em 1910, por exemplo, o presidente da. Universidade de Stanford afir­mou que no futuro a guerra seria impossível porque âS nações não a pode­riam suportar. Livros proclamaram que a guerra se tornara obsoleta; a civilização tinha conseguido ultrapassar a guerra. A interdependência econó­mica, os laços entre os sindicatos e ós intelectuais e o fluxo de capital tornavam aguerra impossível. Naturalmente, estas previsões falharam catas­troficamente em 1914 e os realistas foram vingados.

Nem, a história nem o debate pararam em 1914. A década de 1970 assistiu ao ressurgimento de alegações liberais acerca de como a crescente interdependência' económica e social estava a transformar a. natureza da política internacional. Na década de 1980, Richard RoseCrartce, um profes­sor da Califórnia, escreveu que os estados podem aumentar o seu poder de duas maneiras, de forma agressiva, através da conquista territorial, -ou paci­ficamente, através, do comércio. Rosecrance utilizou a experiência do Japão como exemplo: Na década de 1930, o Japão tentou á conquista territorial e sofreu o desastre da Segunda Guerra Mundial. Mas desde então, o Japão tem

sido um estado mercantil, tomando-se na s e g u n d a m a i o r e c o n o m i a m u n d ia l e uma potência importante na Ásia Oriental. O Japão prosperou sem -uma grande força militar. Desta forma, Rosecrance e os liberais modernos afir­mam que está a ocorrer uma mudança na natureza da política internacional.

Alguns dos novos liberais olham ainda mais longe para o futuro e acre­ditam que o crescimento dramático na interdependência ecológica irá obscu­recer tanto as diferenças entre a política interna e internacional que a huma­nidade evoluirá rumo a um mundo sem fronteiras. Por exemplo, todos, sem consideração de fronteiras, serão afectados se a diminuição do ozono na camada superior dà atmosfera causar cancro da pele. Se a acumulação de Ç02 aquecer o clima e levar à fundição das calotâs polares, a subida dos oceanos irá afectar todos os estados costeiros. Alguns problemas como a SIDÀ e os estupefacientes atraVessam fronteiras com tal facilidade que po­demos, estar a caminho de um mundo diferente. O professor Richard Falk de Princeton afirma que estes problemas e valores transnacionais irão gerar novas lealdades não-territoriais que irão alterar o sistema de estados que tem sido dominante ao longo dos últimos 400 anos. Forças transnacionais estão a desmantelar a Paz de Vestefália e a humanidade está a evoluir rumo a uma nova forma de polítjca internacional.

Em, 1990, os realistas replicaram: «Digam isso a Saddam Hussein!» O Iraque mostrou que a força e a guerra são perigos sempre presentes. A "resposta liberal foi a de que a política no Médio Oriente constituía uma excepção. Com o .tempo, dizem, o mundo está a ultrapassar a anarquia do sistema de estados soberanos. Estas perspectivas divergentes acerca da natu­reza da política internacional e a fòrma como está a evoluir não serão recon­ciliadas nos próximos tempos. Os realistas enfatizam a continuidade; os liberais enfatizam a mudança. Ambos reclamam a superioridade de um rea­lismo com um r minúsculo. Os liberais tendem a yer os realistas como "cínicos, cujo fascínio pelo passado os cega para a mudança. Os realistas, por seu lado, apelidam os liberais de sonhadores utópicos e rotulam o seu pen­samento de «globalouco»*.

Quem está certo? Ambos estão; e ambos estão errados. Uma resposta clara poderia ser agradável, mas seria também menos precisa e menos inte­ressante. A mistura de continuidade e mudança que caracteriza o mundo no dealbar no século xxi, toma impossível chegar a uma explicação única, fácil e sintética.

Porque envolve comportamentos humanos inconstantes, a política inter­nacional nunca será çomo a Física: não possui uma teoria determinista forte. Além do mais, realismo e liberalismo não são as únicas abordagens. Durante grande parte do século passado o Marxismo, com as suas previsões de con-

* «Globaloney», no original. (N. do T.)

* COMPREENDER OS CONFLITOS INTERNACIONAIS1 ' I

flitos de classe e hostilidade originada por problemas entre estados capita­listas, foi uma alternativa eredívèl para muitas pessoas. Contudo, mesmo antes do còlápso da União Soviética em. 1991, a incapacidade dá teoria

■ marxista em explicar a paz entre os estados capitalistas mais importantes e a hostilidade entre, alguns estados comunistas, deixou-a para trás ná compe­tição argumentativa. Nas décadas de 1960 e Í97G, efa popular a teoria da dependência. Ela previa que os países ricos no «centro» do mercado global viriàm a controlar e a reter os países mais pobres da «periferia». Mas a teoria da dependência perdeu credibilidade quando não conseguiu explicar por que motivo, nas décadas de 1980 e 1990, países periféricos da Asia Oriental, como a Coreia do Sul, Singapura e a Malásia, cresceram mais rapidamente do que países «centrais» como osEstados Unidós e a Europa. Esta perda de credibilidade foi realçada quando Fernando Henrique Cardoso, um académico de topo entre os teóricos da dependência nos anos de 1970, se voltou para políticas lilperais de crescente dependência nos mercados globais, após ter sido eleito presidente do Brasil na década de 1990.

Na década de 1980, analistas de ambos os lados da divisão realista-liberal terítaram delinear teorias mais dedutivas, semelhantes às da microeconomia. «Neo-realistas», tais como Kenneth Waltz, e «neòliberais», como Robert Keohane, desenvolveram modelos de estados como actores racionais cons­trangidos pelo sistema internacional. Neo-realistas è neòliberais desenvolve­ram a simplicidade e a elegância da teoria, mas fizeram-no à custa da supres­são de muita da rica complexidade das teorias realista e liberal clássicas. «No final da década de 1980, a contenda teórica que> poderia existir foi reduzida a discordâncias relativamente diminutas dentro de ■ um modelo racionalista de relações internacionais centrado no estado3.»

Mais recentemente, um grupo distinto de teóricos, classificados de construtivistas, criticaram o realismo, e o liberalismo pelo que acreditam ser a súa incapacidade de explicar de forma adequada a mudança de longo prazo na política mundial. Neo-realistas e neòliberais tomaram, por certo que os fins. que os estados prosseguiram sofreram alterações ao longò do tempo. Os construtivistas valeram-se de diferentes campos é disciplinas para examinar os processos pelos quais líderes, povos e culturas alteram as suas preferên­cias, moldam as suas identidades e adoptam um comportamento diferente. Por exemplo, a escravatura no século xix e o apartheíd na África do Sul foram ambos outrora aceites por muitos estados, mas foram .depois ampla­mente rejeitados. Os construtivistas interrogam-se: porquê .esta mudança? Que papel desempenharam as ideias? Acontecerá algum dia o mesmo à prática da guerra? E ao conceito de estado-nação soberano? O mundo está repleto de entidades políticas, tais como as tribos, nações e organizações nãò-govemamentais. Apenas nos sécúlos mais recentes o estado soberano tem sido um conceito dominante-. Os construtivistas salientam qiie conceitos,

tais como nação e soberania, que conferem sentido tanto às nossas vidas como às nóssâs teorias, são construídos socialmente, não andam «no mundo» como uma realidade permanente. Construtivistas feministas acrescentam que

- a linguagem e as representaçofes da guerra, como instrumento central da política mundial, têm sido largamente influenciadas pelo género.

O construtivismo é uma abordagem e não uma teoria, mas fornece ao mesmo tempo uma crítica útil e um suplemento importante às teorias prin­cipais do realismo e do liberalismo. As abordagens construtivistas, apesar de, por vezès, formuladas de forma vaga e carecidas de poder de previsão, recordam-nos o que as duas teorias principais geralmente não alcançam. Como iremos ver no capítulo seguinte, é importante olhar para lá da racionalidade instrumental da prossecução de fins actuais e perguntar como as identidades é interesses inconstantes podem pôr vezes conduzir a müdan- ças subtis nas políticas dos estados e, por vezes, a mudanças profundas nos assuntos internacionais. Os construtivistas ajudam-nos a compreender como as preferências sáo formadas e o conhecimento é gerado, antes do exercício da racionalidade instrumental. Nesse sentido, eles complementam as duas teorias principais em vez de se lhes oporem. Iremos ilustrar as questões acerca da compreensão da mudança a longo pràzo no próximo capítulo e voltar a elas no capítulo final. É suficiente por agora dizer que enquanto tentava compreender a política internacional e ajudar a formular as políticas externas americanas, como secretário-adjunto em Washington, dei por mim a pedir emprestados elementos dos três tipos de pensamento: realismo, libe­ralismo e construtivismo.

OS ELEMENTOS DA POLÍTICA INTERNACIONAL

Actores, fins e instrumentos são três conceitos básicos para a teorização sobre a política internacional, mas cada nm deles está. a transformar-se. Na tradicional visão realista da política internacional, os únicos «actores» im­portantes são os estados, e apenas os grandes estados realmente interessam. Mas isso está a mudar. O número de estados cresceu enormemente no pe­ríodo do pós-guerra: em 1945, existiam cerca de 50 estados no mundo; em 1998, existiam 185 membros das Nações Unidas, com perspectivas de virem a aumentar. Mais importante do que o número de estados é o aumento de actores, não-estaduais. Grandes empresas multinacionais, por exemplo, atra­vessam fronteiras internacionais e põr vezes controlam mais recursos económicos do que muitos estados-nação. Pelo menos 12 empresas trans- nacionais apresentam vendas anuais mais elevadas do que o produto nacional bruto (PNB) de mais de metade dos estados do mundo. As vendas de uma empresa como a Shell, IBM ou General Motors são mais elevadas do que o produto interno bruto (PIB) de países como a Hungria, o Equador ou a

República Democrática do Congo. Apesar de estas empresas multinacionais carecerem de alguns tipos de poder, tais como a força militar, elas assumem uma enorme relevância para os fins económicos de um país. Em termos económicos, a IBM é mais importante para a Bélgica do que o Burundi, uma antiga colónia belga.

Uma descrição do Médio'Oriente sem os estados em guerra e a influência das potências estrangeiras seria manifestamente tosca, mas seria também tristemente inadequada -caso não ‘incluísse uma variedade de actores não- -estaduais. Companhias petrolíferas multinacionais como a Shell, a British- Petroleum e a Mobil são um tipo de actores não-estaduais, mas existem outros. Existem grandes instituições intergovemamentais como as Nações Unidas e outras mais pequenas como a Liga Árabe e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPÊP). Existem organizações não-gover- namentais (ONGs).-nas quais se incluem a Cruz Vermelha e a Amnistia Internacional. Existem ainda uma variedade de grupos étnicos transnacionais, tais como os curdos que vivem na Turquia, Síria, Irão e Iraque, ou os Arménios dispersos pelo Médio Oriente e pelo Cáucaso. Movimentos de guerrilha, cartéis de droga e organizações mafiosas transcendem as fronteiras nacionais e frequentemente dividem os seus recursos entre vários estados. Movimentos religiosos internacionais, em particular o islamismo político no Médio Oriente e no Norte de África, acrescentam uma dimensão adicional. ao círculo de possíveis actores não-estaduais. "

A questão não é saber qual é a classe mais importante, a dos estados ou a dos actores não-estaduais — geralmente é a dos estados —, mas saber como novas coligações complexas influenciam a política de uma regiãó, de uma forma íque a tradicional visão realista é incapaz de revelar. Os estados são os actores mais importantes na actual política internacional, mas não têm o palco apenas para si próprios.

Em segundo lugar, e relativaménte aos fins? Tradicionalmente, o fim dominante dos estados num sistema anárqúico é a -segurança militar. Actualmente, os países preocupam-se obviamente com a sua segurança mi­litar, mas muitas vezes preocupam-se tanto oú mais com a sua prosperidade económica, com questões sociais, tais como o tráfico de estupefacientes e a propagação da SIDA, ou com alterações ecológicas. Além disso, à medida que as ameaças-mudam, à definição de segurança altera-se; a segurança militar não é o único fim que os estados prosseguem. Olhando para a relação entre os Estados Unidos e o Canadá, onde as perspectivas dé guerra são extraordinariamente pequenas, um diplomata canadiano afirmou um dia que o seu medo não era o de que os Estados Unidos marchassem pelo Canadá dentro é capturassem novamente Toronto, tal como fizeram em 1813, mas qUe Toronto fosse classificado de pouca relevância por um computador no Texas — um dilema bastante diferente do dilema tradicional dé estados

num sistema anárquico. O poder económico não substituiu a segurança militar (como o Koweit descobriu quando o; Iraque o invadiu em Agosto de 1990), mas a agenda da política internacional tem-se tomado mais cómplexa à medida que os estados prossegúem um conjunto de fins mais alargado.

Ém térceiro lugar, os instrumentos da política internacional estão a mu­dar. A visão tradicional é a de que a força militar é o instrumento que realmente interessa. Descrevendo o mundo antes de 1914, o historiador bri­tânico A. J. P. Taylor definiu uma grande potência como aquela que é capaz de prevalecer na guerra. Obviamente que hoje em dia os estados utilizam a força militar, ma$ ao longo do último meio século o seu papel tem sofrido alterações. Muitos estados, grandes estados em particular, constatam ser agora

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mais dispendioso utilizar a força militar para atingir os seus fins do que acontecia noutros tempos. Como afirmou o Professor Stanley Hoflfmann da Universidade de Harvard, a relação èntre o poder militar e realização efectiva tem vindo a atenuar-se.

Quais são os motivos? Um prende-se com o facto dos meios extremos de força militar, as armas nucleares, serem irremediavelmente músculos manie­tados. Apesar de terem atingido um total superior a 50 000, as armas nuc­leares não foram usadas em guerra desde 1945. A desproporção entre a enorme devastação que as armâs nucleares podem inflingir e quaisquer razoáveis fins políticos, tornou os líderes compreensivelmente relutantes em utilizá-las. Desta forma, a forma extrema de força militar é, para fins prá­ticos, demasiado gravosa para os líderes nacionais a utilizarem em tempo de guerra.

Mesmo a força convencional se tomou mais gravosa quando utilizada para dominar populações nacionalisticamente despertas. No século xix, paí­ses europeus conquistaram outras partes do globo, enviando um punhado de soldados equipados com armamento moderno, e depois administraram as suas possessões coloniais com guarnições relativamente modestas. Mas, numa era de populações socialmente mobilizadas, é difícil dominar um país ocu­pado cujo povo se tomou nacionalisticamente autoconsciente. Os America­nos descobriram isto no Vietname nas décadas de 1960 e 1970; os Soviéticos descobriram-no no Afeganistão na década de 1980. O Vietname e o Afeganistão não se tinham tomado mais poderosos do que as superpotências nucleares, mas tentar dominar aquelas populações nacionalisticamente des­pertas. foi demasiado dispendioso tanto pára os Estados Unidos como para a União Soviética.

í ■

Uma terceira alteração no papel da força está relacionado com constran­gimentos internos. Tem-se assistido, ao longo do tempo, a uma crescente ética de antimilitarismo, particularmente nas democracias. Tais concepções não impedem a utilização da fòrça, nias fazem dela uma escolha política'-1 mente arriscada para os líderes, particularmente quando o seu uso é extenso

( e prolongado. A força não está obsoleta, mas é mais dispendiosa e mais difícil dè usar do que no passado.

Por último, uma série de problemas muito simplesmente não se presta a soluções violentas. Consideremos, por exemplo, as relações económicas entre os Estados Unidos e o Japão. Em 1853, o Almirante Perry navegou até ao interior de um porto japonês e ameaçou bombardeá-lo caso o Japão não abrisse os seus portos ao comércio. Esta não seria uma forma muito útil ou politicamente aceitável de resolver as actuais disputas comerciais Estados Unidos-Japão. Desta forma, embora a força continue a ser um instrumento crucial da política internacional, não é o único instrumento. O emprego da interdependência económica, das comunicações, de instituições internacio­nais e de actores transnacionais desempenha por vezes um papel mais im­portante do que a força. A força militar não está obsoleta enquanto instru­mento, mas alterações no seu custo e eficácia tomam a política internacional de hoje mais complexa. .

Não obstante,’ o jogo básico da segurança continua. Cinco anos antes da Guerra do Golfo, um estudo do Instituto de Investigação da Paz Interna­cional de Estocolmo revelava que decorriam 36 guerras, que provocaram a morte de 3 a 5 milhões de pessoas. Alguns cientistas políticos defendem que o equilíbrio de. poder é geralmente determinado por um estado director, ou hegemónico — como a Espanha no século xvi, a França sob o reinado de Luís xiv, a Grã-Bretanha na maior parte do século xix e os Estados Unidos na maior parte do século xx. O país mais importante irá eventualmente ser contestado e essa contestação irá levar ao tipo de vastas conflagrações que classificamos de hegemónicas ou guerras mundiais. Após as guerras mun­diais, um novo tratado estabelece a nova estrutura da ordem: o Tratado de Utreque em 1713, o Congresso de Viena em 1815, o sistema das Nações Unidas após 1945. Se nada de fundamental se alterou na política interna­cional desde a luta pela supremacia entre Atenas e Esparta, irá surgir uma nova contestação conduzindo a outra guerra mundial ou terá chegado ao fim o ciclo da guerra pela hegemonia? Terá a tecnologia nuclear tomado a guerra mundial demasiado devastadora? Terá a interdependência económica toma­do-a demasiado dispendiosa? Terá a sociedade global tomado-a social e moralmente inconcebível? Temos de acreditar que sim, porque a próxima guerra -pela hegemonia seria provavelmente a última.. Mas, primeiro, é im­portante compreender a hipótese da continuidade.

À guerra do peloponeso

Tucídides é o pai do realismo, a teoria que a maioria das pessoas usa quando’pensa sobre a política internacional, mesmo quando não sabem que estão a usar uma teoria. As teorias são ferramentas indispensáveis que uti­lizamos para organizar factos. O economista John Maynard Keynes comen­tou outrora que homens de negócios práticos, que pensam não ter qualquer necessidade de teoria, são provavelmente prisioneiros de algum escrevinhador desconhecido, cujó nome há muito esqueceram. Muitos dos actuais homens

Busto de Tucídides

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de Estado e editoriàlistas usam teorias realistas, mesmo que nunca tenham ouvido falar de Tucídides. Robert Gilpin, um realista, afirmou: «Para sermos honestos, devemo-nos inquirir se os estudantes de relações internacionais do século xx sabem ou não alguma coisa que Tucídides e os seus compatriotas do século v a. C. não soubessem sobre o comportamento dos estados.» Res­pondeu depois à sua própria interrogação: «No üm de contas, a política internacional pode ainda ser caracterizada da forma como Tucídides o fez5.» A proposição de Gilpin é discutível, mas para debatê-la temòs de conhecer o argumento de Tucídides. E que melhor introdução à teoria realista do que uma das grandes histórias da História? No entanto, como muitas grandes histórias, tem as suas limitações. Uma das coisas que aprendemos com a Guerra do Peloponeso é como evitar uma leitura da História demasiado simplista. i

UMA VERSÃO CURTA DE UM A LONGA HISTÓRIA

No início do século v, Atenas e Esparta eram aliados que haviam coope­rado para derrotar o Império Persa (480 a. C.). Esparta era um estado con­servador, orientado para a terra, que se voltou para dentro após a vitória sobre a Pérsia; Atenas era" um Estado comercial e orientado para o mar, que se voltou para o exterior. A meio do século, Atenas tinha 50 anos de cres­cimento que conduziram ao desenvolvimento de um império Ateniense. Atenas formou a Liga de Delos, uma aliançá de estados em tomo do Mar Egeu, parà protecção mútua contra os Persas. Esparta, por seu lado, organi­zou os seus vizinhos na península do Peloponeso numa aliança defensiva. Estados que se tinham juntado a Atenas livremente para se protegerem con­tra os Persas em breve tiveram de pagar impostos aos Atenienses. Devido à força crescente de Atenas e à resistência de alguns ao seu império crescente, uma guerra irrompeu em 461 a. C., cerca de 20 anos após os Gregos terem derrotado os Persas. Em 445 a. C., a primeira Guerra do Peloponeso termi­nou, seguindo-se um tratado que prometia paz por 30 anos. A Grécia des­frutou assim de um período de paz estável antes da segunda, ou maior, Guerra do Peloponeso.

Em 434 a. C., uma guerra civil irrompeu na pequena e periférica cidade- -estado de Epidamno. Como um seixo que começa uma avalanche, este acontecimento provocou uma série de reacções que levaram por fim à Guerra do Peloponeso. Grandes conflitos são frequentemente precipitados por crises relativamente insignificantes, em lugares periféricos, como iremos ver quando discutirmos a Primeira Ouefra Mundial.

Em Epidamno, os democratas disputavam com os oligarcas a forma como o país devia ser governado. Os democratas apelaram para a cidade-estado de Çórcira, que tinha ajudado a estabelecer Epidamno, mas o seu pedido foi

KpWamno

TESSÁLIAOSrcita

. Mar ' Jónico

Grécia Clássica

rejeitado. Voltaram-se então para outra cidade-estado. Corinto, e os Coríntios decidiram ajudá-los. Isto enfureceu os Corcirenses, que enviaram uma es­quadra para recapturar Epidamno, sua antiga colónia. No decurso dos acon­tecimentos, os Corcirenses derrotaram a esquadra coríntia. Corinto sentiu-se ultrajada e declarou guerra a Córcira. Esta, temendo um ataque de Corinto, solicitou ajuda a Atenas. Córcira e Corinto enviaram os representantes a Atenas,

Os Atenienses,, após ouvirem ambos os lados, encontraram-se perante um dilema. Não queriam quebrar a trégua que tinha durado uma década, mas se os Coríntios {que eram próximos dos Peloponésios) conquistassem Córcira e assumissem o controlo da sua grande armada, a balança de poder entre os estados gregos inclinar-se-ia em desfavor de Atenas. Os Atenienses sentiram

Figura 1.1

que não podiam arriscar deixar cair a armada corcirense nas mãos dos Coríntios, pelo que decidiram «envolver-se um pouco». Lançaram uma pe­quena expedição, para assustar os Coríntios, enviando 10 navios com instru­ções para não atacarem a não Ser que fossem atacados. Mas a dissüação falhou; Corinto atacou e quando os Corcirenses começaram a perder a ba­talha, os navios atenienses foram arrastados para o combate .mais do que o previsto. O envolvimento ateniense enfureceu Corinto, o que preocupou, por seu lado, os Atenienses. Èm particular, Atenas temia que Corinto estimulasse problemas em Potideia que, apesar de aliada de Atenas, possuía laços his­tóricos com Corinto. Esparta prometeu auxiliar Corinto caso Atenas atacasse Potideia. Quando, de facto, uma revolta ocorreu em Potideia, Atenas enviou tropas para a suprimir. .

Teve lugar, éntãõ, um grande debate em Esparta. Os Atenienses apelaram aos Espartanos para permanecerem, neutrais. Os Coríntios incitaram os Espartanos a entrar em guerra e chamaram a atenção para o perigo de não cbntrabalançarém o crescente poder de Atenas. Mégara, outra importante cidade, concordou com Corinto porque, contrariamente ao previsto no tra­tado, os Atenienses tinham banido o comércio de Mégara. Esparta encon­trava-se dividida, mas os Espartanos acabaram por votar a favor da guerra porque temiam que, caso o poder ateniense não fosse controlado, Atenas pudesse vir a dominar toda a Grécia. Esparta entrou em guerra para mantero.equilíbrio de poder entre as cidades-estado gregas.

Atenas rejeitou o ultimato de Esparta e a guerra começou em 431 a. C. A postura ateniense era de grandeza imperial, de orgulho e patriotismo pela sua cidade e o seu sistema social e optimismo sobre a maneira tomo aca­bariam por vencer ã guerra A fase inicial da guerra saldou-se por um em­pate. Tréguas foram declaradas após 10 anos (421 a. C.), mas eram umas tréguas-frágeis e a guerra irrompeu novamente. Em 413, Aténas empreendeu uma aventura bastante arriscada. Enviou duas esquadras e infantaria para conquistar a Sicília, a grande ilha ao largo do sul de Itália,"que tinha algumas colónias gregas aliadas a Esparta. O resultado foi uma terrível derrota para os Atenienses. Ao mesmo tempo, Esparta recebeu dinheiro adicional dos Persas, qüe não poderiam ficar mais satisfeitos do que a ver Atenas vencida. Ápós a derrota na Sicília, Atenas encontrava-se dividida internamente. Em 411, os òligarcas derrubaram os democratas e 400 dentre eles procuraram governar Atenas. Estes acontecimentos não representaram o final, mas Ate­nas nunca mais recuperou. Uma vitória naval ateniense em 410 foi seguida, cinco anos mais tarde, por uma vitória naval espartana e em 404 Atenas foi forçada a implorar a paz. Esparta exigiu que Atenas arrasasse as lon­gas muralhas que a protegiam de ataque por parte de potêncjas terrestres.O poder de Atenas fora destruído.

CAUSAS E. TEORIAS

Está é urna história dramática e convincente. O que originou a guerra? Tucídides é bastante cláro. Após narrar os vários acontecimentos em Epi- damno, Córcira e assim pof diante, elè afirma que essas não foram as causas reais. O que tomou a guerra inevitável foi ©'crescimento do poder de Atenas e a apreensão que isso causou em Esparta.

Teve.Atenas alguriia escolha? Poderia Atenas ter evitado este desastre com uma melhor capacidade de previsão? Péricles, o líder ateniense teve, nos primeiros dias da guerra, uma resposta curiosa para os seus concidadãos. <<E legítimo e respeitável que defendam a dignidade imperial de Aténas. O vosso império é agòra como Uma tirania:,pode ter sidp errado cbnquistá- -lo, mas é certamente perigoso abandõná-lo6.» Por outras palavras, Péricles disse aos Atenienses que não tinham escolha. Talvez não devessem estar onde estavam, mas uma vez que detinham um império, pouco podiam fazer sem correr riscos áinda maiores. Péricles era portanto favorável à guerra. Mas havia outras vozes em Aténas, tais como as dos delegados atenienses ao debate em Esparta em 432,' que disseram aos Espartanos: «Pensem, também, na parte importante que é desempenhada pelo imprevisível na guerra: pen­sem nisso agora antes que estejam verdadeiramente empenhados na guerra. Quanto mais uma guerra se prolonga, mais as coisas tetídem a depender de acidentes7.» Isto acabou por revelar-se um bom aviso; por que não seguiram õs Atenienses o seu próprio conselho? Talvez tenham sido' arrebatados por patriotismo emocional, ou ódio, que toldaram o seu raciocínio. Mas existe uma possibilidade máis interessante: talvez os Atenienses tenham agido racionalmente, mas tenham sido enredados num 'dilema de segurança.

Dilemas de segurança estão relacionados com a característica essencial, da política internacional: organização anárquicp, a ausência de um poder mais elevado. Sob a anarquia, a actuaçãò independente por parte de um estado para aumentar a sua segurança pode tomar todos os estados mais inseguros. Se um estado constrói o seu poder de forma a garantir que outro seja incapaz de o molestar, o outro, vendo o primeiro a fortalecer-se, pode desenvolver o seu poder para se proteger dele. O resultado é ó de que os esforços independentes de cada üm para desenvolver o seu poder e segurança tomam ambos mais inseguros. É um resultado irónico, já que nenhum deles agiu irracionalmente. Nenhum deles agiu por ódio ou orgulho, mas por receio provocado pela ameaça observada no fortalecimento do outro. Afinal, erigir defes'as,.é uma resposta racional a uma ameaça perceptível.

Os estados poderiam cooperar para evitar este dilema de segurança; isto ■ é, poderiam combinar que nenhum desenvolveria as suas defesas e todos ficariam melhor. Se parece óbvio que os estados deveriam cooperar, por que não o fazerp? Uma resposta pode ser encontrada num jogo denominado por

«Dilema do Prisioneiro». (Os dilemas de segurança são um tipo específico do Dilema do Prisioneiro.) O enredo do Dilema do Prisioneiro é o seguinte: imaginem que em qualquer lado a polícia prende dois homens que têm pequenas, quantidades de droga na sua posse, o que resultaria provavelmente em sentenças de um ano de prisão. A polícia tem boas razões para acreditar que esses dois são na verdade traficantes de droga, mas não têm provas suficientes para uma condenação. Comô traficantes, os dois poderiam facil­mente apanhár sentenças de 25 anos de prisão. A polícia sabe que o teste­munho de um contra o outro seria suficiente para condenar o outro a uma sentença máxima. A polícia propõe libertá-los se cada um deles testemunhar que o outro é um traficante de droga. Ela diz-lhes que se ambos testemunha­rem, ambos receberão sentenças de 10 anos de prisão. A polícia julga que desta forma estes traficantes de droga ficarão fora do activo por 10 anos; caso contrário, ambos estarão na prisão por apenas um ano e rapidamente estarão a vender droga outra vez. '

Os suspeitos são colocados em celas separadas e não lhes é permitido comunicarem um com o outro. Cada prisioneiro depara-se com o mesmo dilema: pode denunciar o outro, énviando-o para a prisão por 25 anos e saindo ele próprio em liberdade, ou pode manter-se calado e passar um ano na prisão. Mais se ambos falarem, passam ambos 10 anos na prisão. Cada um deles pensa: «Será melhor falar. Se ele se mantiver calado e se eu não falar, passarei um ano na prisão. E se o outro tipo falar? Se eu o denunciar também, apanho 10 anos, mas se eu ficar palado, passarei 25 anos na prisão e ele irá em Uberdade; serei parvo. Se eu o ajudar, 'permanecendo calado, como posso ter a certeza de que ele não me denunciará?»

É esse o. dilema estrutural básico da acção racional independente. O melhor resultado para um indivíduo é enganar o outro e conseguir sair em liberdade. O segundo melhor resultado é o de ambos ficarem calados e passarem um ano na prisão. Um resultado pior é ambos denunciarem-se e passarem 10 anos atrás das grades. O pior de tudo é ser tomado por parvo, permanecendo calado enquanto o outro fala, e passar 25 anos na prisão. Se cada um deles fizer o que é melhor para si próprio, acabam ambos com um mau resultado. Escolher o melhor resultado, a liberdade, é a expressão de uma preferência racional, mas se ambos tentarem obter de forma inde­pendente o seu próprio melhor resultado, ambos obtêm um mau resultado. A cooperação é difícil na ausência de comunicação. Se os dois pudessem falar um com o outro, poderiam anuir em fazer um acordo para permanece­rem calados e passarem ambos um ano na prisão.

Mas mesmo que a comunicação fosse possível, existe um outro problema: confiança e credibilidade. Continuando com a metáfora do Dilema do Pri­sioneiro, cada suspeito poderia dizer para si próprio: «Somos ambos trafi­cantes de droga. Já conheço a forma de actuação dele. Como posso saber se

após termos,feito este acordo, ele não dirá, ‘Fantástico! Convenci-o a ficar calado. Agora posso atingir o meu melhor resultado, sem risco dé ser enga-

‘nado’.».De forma semelhante, a ausência de comunicação.e confiança na política internacional encoraja os estados a garantirem a sua própria segu­rança, mesmo que isso possa conduzir todos os estados à insegurança mútua. Por outras palavras, um estado pode dizer a outro: «Não desenvolvam os vossos armamentos, que nós não desenvolveremos os nossos, e viveremos ambos felizes para sempre», mas o segundo estado poderá"questionar-se se se pode permitir confiar no primeiro estado.

A posição dos Atenienses em 432 a. Ç. assemelha-se muitó ao Dilema do Prisioneiro. A meió do século, os Ateniensès e os Espartanos acordaram que era melhor se ambos estabelecessem umas tréguas. Mesmo após os aconte­cimentos em Epidamno e a disputa entre Córcira e Corinto, os Atenienses estavam relutantes em quebrar a trégua. Os Corcirenses convenceram final­mente os Atenienses com o seguinte argumento: «Existem três potências navais consideráveis èm Hellas: Atenas, Córcira e Corinto. Se Corinto se apossar de nós primeiro, e vocês permitirem que a nossa armada seja unida à deles, terão de combater contra as esquadras combinadas de Córcira e do Peloponeso. Mas se nos receberem na vosSa aliança, entrarão na guerra com os nossos navios juntamente com os vossos8.»

Atenas deveria ter cooperado com os Peloponésios, cumprindo o tratado, rejeitando o apelo de Córcira? Se o tivessem feito, o que teria acontecido caso os Peloponésios tivéssem feito batota e capturado a esquadra corcirense? O equilíbrio naval seria então de dois para um contra Atenas. Atenas deveria ter confiado em que os Peloponésios mantivessem as suas promessas? Os Atenienses decidiram quebrar o tratado, o equivalente a denunciarem o outro prisioneiro. Tucídides explica a razão: «O sentimento geral era o de que, 0 que quer que acontecesse, á guerra com o Peloponeso era inevitável9.» Se fosse esse o caso, Atenas não podia arriscar que a poderosa armada de Córcira passasse para as mãos de Corinto.

INEVITABILIDADE E A SOMBRA DO FUTURO ’

.. Ironicamente, a convicção, de qué a guerra era inevitável desempenhou üm papel importante em provocá-la, Atenas percebeu que se a guerra iria acontecer, seria melhor ter uma s.uperioridade naval de dois-para-um do que uma inferioridade naval de um-para-dois. A convicção de que a guerra era eminente e inevitável foi crucial para a decisão. Por que razão tinha de ser assim? Olhemos novamente para o Dilema do Prisioneiro. À primeira vista, o melhor para cada prisioneiro é enganar o outro sujeito e deixá-lo fazer figura de parvo, mas como cada um conhece a situação, sabem igualmente que se puderem confiar um no outro, devem ambos tentar atingir ó segundo

melhor resultado e cooperar, permanecendo calados. A cooperação é difícil de desenVolver jogando o jogo apenas uma vez. Se jogarem o jogo repeti­damente, as" pessoas podem aprender a cooperar, mas se é um jogo único, quem quer que engane o outro podê ganharia recompensa e quem quer que confie rio outro é parvo. O cientista político Robert Axelrod jogou o Dilema do Prisioneiro num computador com estratégias diferentes. Descobriu que após muitos jogos, em média os melhores resultados eram obtidos com a estratégia que ele chama de olho por olho: «Far-te-ei a ti o que me fizeres a mim.» Se na primeira jogada me enganarem, eu devo fazer o mesmo. Se me enganarem novamente, eu devo enganá-los novamente. Se cooperarem, devo cooperar. Se cooperarem novamente, coopero novamente. Eventual­mente, os jogadores percebem que o benefício global com o jogo é maior aprendendo a cooperar. Mas Axelrod advèrte que o olho por olho é uma boa estratégia apenas quando se tem a oportunidade de continuar o jogo durante um período longo, quando existe uma «sombra longa do futuro». Quando sabemos que vamos jogar com as mesmas pessoas durante muito tempo, podemos aprender a cooperar.

E por isso que a convicção de que a guerra é inevitável é tão corrosiva na política internacional. Quando acreditamos que a guerra é inevitável, estamos muito perto da última jogada. Quando chegamos à última jogada (a qual pode envolver a nossa sobrevivência — por outras palavras, se iremos alguma vez ter a oportunidade de voltar a jogar este jogo), podemos então preocupar-nos com ò facto de podermos ou não confiar ainda no nosso oponente. Se suspeitarmos que o nosso oponente nos irá enganar, o melhor é confiarmos em nós próprios e corrermos o risco de nos afastarmos em vez de cooperar. Foi isto que os Atenienses fizeram. Confrontados com a con­vicção dé que a guerra iria ocorrer, decidiram que não poderiam permitir-se confiar nos Coríntios ou nos Espartanos. Era melhor ter a armada corcirense do seu lado do que contra si quando parecia ter chegado o último lance do jogo e ser a guerra inevitável.

A Guerra do Peloponeso era realmente inevitável? Tucídides tinha uma visão pessimista da natureza humana; declarou ele: «A minha obra não é um escrito destinado a satisfazer o gosto de um público imediato, mas foi rea­lizada para durar para sempre10.» A^sua história apresenta a natureza humana enredada na situação do Dilema do Prisioneiro, então e para todo o sempre. Tucídides não nos pretendeu induzir em erro deliberadamente mas, como todos os historiadores, foi obrigado a salientar determinados factos e não outros. Tucídides concluiu que a causa da guerra foi o aumento do poder de Atenas e o receio que isso causava em Esparta. Mas o classicista Donald Kagan sustenta que o poder ateniense não estava a aumentar no período imediatamente anterior ao eclodir da guerra em 431 — as coisas tinham começado a estabilizar um pouco. Além disso, afirma Kagan, Esparta não

tinha tanto medo de Atenas, como tinha da guería. Atenas e Esparta eram ambas estados esclavagistas e ambas temiam que a ida para a guerra pudesse proporcionar uma oportunidade para os escravos se revoltarem. A diferença era a de que os escravos, ou Hilotas, em Esparta constituíam 90% da popu­lação, uma percentagem de escravos muito mais elevada do que a de Atenas, e' os Espartanos tinham sofrido havia pouco tempo, em 464, uma revolta hilotá. Segundo Kagan, os Espartanos preocupavam-se com o crescimento do põder ateniense, e isso provocava receios, mas Esparta tinha um receio

< ainda maior de uma revolta dos escravos.Desta forma, as causás imediatas e precipitantes da guerra foram, se­

gundo Kagan, mais importantes do que o que a teoria da inevitabilidade de Tucídides reconhece. Corinto, por exemplo, julgava que Atenas não iria combater; avaliou-incorrectamente a resposta ateniense, em parte por estar tão inflamada contra Córcira. Péricles reagiu mal-; pometeu erros ao lançar um ultimato a Pptideia e ao punir Mégara com a interrupção do seu comér­cio. Esses erros diplomáticos levaram os Espartanos a considerar que afinal a guerra poderia valer o risco. Kagan afirma que o crescimento de Atenas originou a primeira Guerra do Peloponeso mas que a Trégua de Trinta Anos extinguiu esse fogo. Assim, para despoletar a segunda Guerra do Peloponeso,

- «a centelha do problema de Epidamno precisava de pousar num dos raros pedaços de matéria inflamável que não tinham sido inteiramente encharcados. Depois disso precisava de ser contínua e 'vigorosamente atiçada pelos Coríntios, logo assistidos por Mégara, Potídeia, Egina e pelo Partido da Guerra espartano. Mesmo então, a centelha poderia ter sido extinta caso os Atenienses não tivessem fornecido algum combustível adicional no momento crucial»11. Por outras palavras, a guerra não foi causada por forças impes­soais mas por más decisões, em circunstâncias difíceis.

’ Será porventura insolente pôr em causa Tucídides, a figura patriarcal dos historiadores, mas raramente existe algo verdadeiramente inevitável na his­tória. O comportamento humano é voluntário,' apesar de existirem sempre constrangimentos externos. Karl Marx afirmou que os homens fazem a his­tória, mas não em condições por eles escolhidas. Os Antigos Gregos fizeram escolhas erradas porque foram enredados na situação adequadamente des­crita por Tucídides e no Dilema do Prisioneiro. O dilema de segurança tomou a guerra altamente provável, mas «altamente provável» não é o mesmo que «inevitável». A guerra sem limites de 30 anos que devastou Atenas não era inevitável. As decisões humanas tiveram a sua importância. O acaso e as personalidades têm importância,' mesmo que operem dentro dos limites impostos por uma estrutura mais vasta; a situação de insegurança que se assemelha ao Dilema do Prisióneiro.

Que lições actuais podemos aprender pom esta antiga história? Temos de. estar conscierités tanto das regularidades como das mudanças. Algumas

características estruturais da política internacional predispõem os aconte­cimentos numa direcção em vez de noutra. É por isso que é necessário compreender os dilemas de segurança e o Dilema do Prisioneiro. Por outro lado, tais situações não provam que a guerra é inevitável. Existem mar­gens de liberdade e as decisões humanas podem, por vezes, evitar os piores acontecimentos. A cooperação em assuntos internacionais verifica-se na realidade, mesmo apesar da estrutura geral de anarquia tender a desenco­rajá-la.

E necessário igualmente ter cuidado com analogias históricas manifesta­mente superficiais. Durante a Guerra Fria, era frequentemente popular afir­mar que, porque os Estados Unidos eram uma democracia e uma potência baseada no mar enquanto que a União Soviética era uma potência baseada na. terra e um estado de escravos, a América era Atenas e a União Soviética era Esparta, forçados a reinterpretarem um grande conflito histórico. Mas tais analogias superficiais não tinham em consideração o facto de a antiga Atenas ser um estado esclavagista, destroçado pela desordem interna e de os democratas não terem estado sempre no poder. Além do mais, ao contrário do que aconteceu na Guerra Fria, Esparta ganhou.

Outra lição é a de estarmos atentos à selectividade dos historiadores. Ninguém pode contar a história completa de um qualquer acontecimento. Imaginemos o que seria tentarmos narrar tudo o que aconteceu na última hora, quanto mais a história completa da nossa vida ou de uma guerra inteira. Demasiadas coisas aconteceram. Para começar, um relato segundo a segundo, no qual tudo é reproduzido, demoraria tanto a ser narrado quanto os acontecimentos a' desenrolarem-se. Assim sendo, os historiadores resu­mem sempre. Para escrever história, mesmo a história da última hora do último dia, temos de simplificar. Temos de seleccionar. O que seleccionamos é obviamente afectado pelos valores, inclinações e teorias nas nossas mentes, quer estès sejam claros ou incipientes.

Os historiadores são influenciados pelas suas preocupações contemporâ­neas. Tucídides estava interessado na forma como os Atenienses estavam a aprender as lições da guerra, culpando Péricles e os democratas pelo erro de cálculo. Enfatizou, portanto, aqueles aspectos da situação que descrevemos como o Dilema do Prisioneiro. Todavia, apesar de estes aspectos da guerra serem importantes, não formam a história completa. Tucídides escreveu pouco acerca das relações atenienses com a Pérsia, ou acerca do decreto que inter­rompeu o comércio com Mégara ou sobre o facto de Atenas ter aumentado o montante do tributo que os outros membros da Liga .de Delos lhe tinham de pagar.. A história de Tucídides não fòi deliberadamente enganadora ou tendenciosa, mas um exemplo de como cada era tende a reescrever a história, porque as questões geradas pela vasta panóplia de acontecimentos tendem a müdar ao longo dó tempo.

A necessidade de seleccionar não significa que tudo é relativo ou que a história é um disparate. Uma tal conclusão é injustificada. Os bons histo­riadores e cientistas sociais fazem o seu melhor para responder às questões honestamente, levando objectivamente os factos a ajustarem-se ào seu objecto. Mas tanto eles como os seus alunos devem estar conscientes de que o que, é seleccionado é necessariamente apenas parte da história. Temos sempre de perceber quais as perguntas a que o autor estava a dar resposta, assim como se ele apurou os factos cuidadosa e objectivamente. A escolha é uma parte muito importante da história e da escrita da história. A cura para a com­preensão errada da história é ler mais, não menos. y

Questões éticas e política internacional

Dada a natureza do dilema de segurança, alguns realistas acreditam que as preocupações morais não desempenham papel algum nos conflitos inter­nacionais. Contudo, a ética desempenha na realidade um papel nas relações internacionais, embora não o mesmo que na política interna.'Argumentos .morais têm sido usados desde os dias de Tucídides. Quando Córcira se dirigiu a Atenas para solicitar ajuda contra Corinto, utilizou a linguagem da ética: «Em primeiro lugar, não estarão a ajudar agressores, mas pessoas que são vítimas de agressão. Em segundo lugar, conquistarão a nossa etema gratidão12.» Substituam «Bósnía» por «Córcira» e «Sérvia» por «Corinto» e essas palavras poderiam ser proferidas nos tempos actuais.

Os argumentos morais persuadem e constrangem as pessoas. A moralidade é, nesse sentido, uma realidade poderosa. No entanto, os argumentos morais podem ser igualmente utilizados retoricamente como propaganda para mas­carar motivos menos nobres, e os que detêm mais poder são frequentemente capazes de ignorar considerações de ordem moral. Durante a Guerra do Peloponeso, os Atenienses navegàram até à ilha de Meios para suprimirem uma revolta. Em 416 a. C., o porta-voz ateniense disse aos Mélios que estes podiam combater e morrer ou render-se. Quando os Mélios declararam que estavam a lutar pela sua liberdade, os Atenienses responderam que «os fortes fazem o que têm poder para fazer e os fracos aceitam o que têm de acei­tar»13. Os Atenienses afirmaram essencialmente que num mundo realista há pouco lugar para a moralidade. Quando o Iraque invade o Koweit, os Estados Unidos invadem Granada ou os Indonésios suprimem uma revolta em Timor Leste, todos empregam, até' certo ponto, uma lógica similar. Mas, no mundo modemo, é cada vez menos aceitável expressar os motivos tão abertamente como Tucídides sugere que os Atenienses fizeram em Meios. Isto significa que a moralidade tem vindo a ocupar um lugar mais proeminente nas rela­ções internacionais? Ou simplesmente que os estados se tomaram mais há­

beis na propaganda? A política internacional alterou-se radicalmente, com os estados mais preocupados com questões éticas, ou existe uma manifesta continuidade entre as acções dos Atenienses há 2500 anos e as acções do Iraque ou da Sérvia no final do século xx?

Os argumentos morais nãb são todos iguais. Alguns são mais constran­gedores do que outros. Perguntamo-nos se eles serão lógicos e consistentes. Por exemplo, quando Phyllis Schlafly afirmou que as armas nucleares eram uma coisa boa porque Deus as tinha dado aò mundo livre, deveremos inter­rogar-nos por que motivo Deus as deu igualmente à União Soviética de Estaline e à China de Mao. Os argumentos morais não são todos iguais.

A pedra dê toque básica dos argumentos morais é a imparcialidade — a ideia de que todos os interesses são julgados pelo mesmo critério. Os vossos interesses merecem a mesma atenção que os meus. Dentro deste quadro

/de imparcialidade, todavia, existem duas diferentes tradições na, cultura política ocidental acerca da maneira como julgar argumentos morais. Uma descende de Immanuel Kant, o filósofo alemão do século xvm, a outra dos utilitaristas britânicos do início do século xix, tais como Jeremy Bentham. Como exemplo das duas abordagens, imagine-se a entrar numa aldeia da América Central e descobrir que um militar está prestes a fuzilar três pessoas alinhadas contra a parede. Pergunta: «Por que está a fuzilar estes campone­ses? Eles parecem bastante inofensivos?» O militar responde: «Ontem à noite alguém nesta aldeia disparou sobre um dos meus homens. Eu sei que alguém nesta aldeia é culpado,' por isso vou matar estes três para servirem de exemplo.» Você diz: «Não pode fazer isso! Vai matar uma pessoa ino­cente. Se apenas um tiro foi disparado, então pelo menos duas destas pes­soas estão inocentes, talvez as três. Não pode, de forma alguma, fazer isso.» O militar agarra numa espingarda de um dos seus homens e entrega-a a si, dizendo: «Dispare sobre um deles por-mim e deixarei os outros dois irem embora. Pode salvar duas vidas se matar um deles. Vou ensinar-lhe que na guerra civil temos de tomar decisões difíceis.» O que é que você fará?

Poderia tentar ceifar todos os soldados num movimento tipo Rambo, mas o oficial' tem um soldado com uma arma apontada para si. A sua opção é então entre matar uma pessoa inocente de modo a salvar duas e largar a arma e manter as mãos limpas. A tradição kantiana, de que apenas devemos fazer as coisas que estão certas, exigiria que se recusasse a perpetrar a má acção. A tradição utilitarista sugeriria talvez que, se pode salvar duas vidas, deve fazê-lo. Se optar pela solução kantiana, imagine que os números são aumen­tados. Süponha que estavam 100 pessoas contra a parede ou que pode salvar uma cidade cheia de pessoas. Deverá recusar-se a salvar um milhão de pessoas de forma a manter limpas as mãos e a consciência? A algum mo­mento, as consequências têm importância. Os argumentos morais podem ser julgados de três formas: pelos motivos ou intenções envolvidos, pelos meios

usados e pelas suas consequências ou efeitos práticos. Apesar de estas di­mensões não serem sempre facilmente reconciliáveis, um bom argumento moral tenta realmente ter em conta as três. -

LIMITES À ÉTICA NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

A Ética desempenha um papel menor na política internacional do que na política interna por quatro razões. Uma é o débil consenso internacional sobre valores. Existem diferenças culturais e religiosas acerca da avaliação de determinados actos. Em segundo lugar, os estados não são como os in­divíduos. Os estados são abstrações e, apesar dos seus governantes serem indivíduos, os homens de estado são julgados de forma diferente de quando agem enquanto indivíduos. Por exemplo, aquando da escolha de um compa­nheiro de quarto, a maioria das pessoas pretende alguém que acredite em «não matarás». Mas as mesmas pessoas poderiam votar contra um candidato presidencial -que dissesse: «Nunca, sem qualquer circunstância, tomarei ne­nhuma acção que conduza a uma morte.» Um presidente é incumbido pelos cidadãos de proteger os seus interesses e, em determinadas circunstâncias, tal pode implicar o uso da força. Presidentes que salvassem as suas próprias' almas mas fossem incapazes de proteger o seu povo, não seriam bòns admi­nistradores.

Na moralidade privada, o sacrifício poderá ser a maior prova de uma acção moral, mas os governantes devem sacrificar todo o seu povo? Durante a Guerra do Peloponeso, os Atenienses disseram aos governantes da ilha de Meios que, sé resistissem, Atenas mataria toda a gente. Os líderes mélios resistiram e o seu povo foi massacrado. Deveriam ter chegado a acordo? Em 1962, o Presidente Kennedy deveria ter corrido o risco da guerra nuclear para forçar os Soviéticos a removerem mísseis* de Cuba, quando os Estados Unidos possuíam 'mísseis semelhantes na Turquia? Diferentes pessoas po­dem responder a estas perguntas de forma diferente. A questão é que, quando os indivíduos actuam enquanto governantes de estados, as suas acções são julgadas de forma algo diferente. v _

Uma terceira razão para a ética desempenhar um papel menor na política internácional é a complexidade da causalidade. E suficientemente difícil conhecer as consequências das acções .em assuntos intemos, mas nas rela­ções internacionais existe um estrato adicional de complexidade: a interacção de estados. Essa dimensão extra toma mais difícil fazer previsões exactas acerca das consequências. Um exemplo famoso é o do debate entre estudan­tes na Oxford Union, o clube de debate da Universidadède Oxford, em 1933. Cortscientes dòs 20 milhões de pessoas mortas na Primeira Guerra Mundial, a maioria dos estudantes 'votaram a favor de uma’resolução que declarava que nunca mais iriam-combater pelo rei e pelo país. Mas outra pessoa estáva

a escutar: Adolf Hitler. Concluiu que as democracias eram brandas e que as poderia pressionar à vontade, que elas não ripostariam.-No-final, pressionou demasiado e o resultado foi a Segunda Guerra Mundial, uma consequência nãò desejada ou prevista por aqueles estudantes que; votaram nunca combater pèlo rei e pelo país. Muitos fizeram-no mais tarde e muitos morreram.

Um exemplo mais trivial é o do «argumento do hambúrguer», do início da década de 1̂ 970, quando as pessoas estavam preocupadas com a falta de comida no mundo. Um conjunto de estudantes de colégios americanos disse: «Quando formos para o refeitório, recusemo-nos a comer carne, porque um quilo de carne equivale a quatro quilos de cereal, que poderia ser usado para alimentar pessoas póbres à volta-do mundo.» Muitos estudantes deixaram de comer hambúrgueres e sentiram-se bem consigo próprios, mas não ajudaram nem um pouco as pessoas com fome na índia ou no Bangladesh. Por que não? O cereal libertado por não se comerem hambúrgueres na América não chegou às pessoas com fome no Bangladesh porque essas pessoas com fome não tinham dinheiro para comprar o cereal. O cereal libertado era simples­mente um excedente no mercado americano, o que quer dizer que os preços americanos desceram e os agricultores produziram menos. Ajudar os campo­neses no Bangladesh requeria conseguir-lhes dinheiro para que pudessem comprar algum do cereal libertado por não se comerem hambúrgueres. Os estudantes falharam, lançando uma campanha contra a ingestão de hambúr­gueres, mas sendo incapazes de compreender a complexidade da cadeia causal que ligaria o seu acto bem-inteneionado às suas consequências.

Finalmente, há o argumento de que as instituições da sociedade internacio­nal são particularmente fracas e de que a separação entre ordem e justiça é maior na política internacional do que na interna. Ordem e justiça são ambas importantes. Numa comunidade política interna, temos tendência a tomar a ordem por certa. De facto, por vezes manifestantes rompem a ordem propo­sitadamente de forma a promoverem a sua concepção de justiça. Mas se houver desordem total, é muito difícil haver qualquer justiça; lembremo-nos dos bombardeamentos, raptos e assassínios em todo o lado, no Líbano na década de 1980 e na Somália na década de 1990. Uma certa quantidade de ordem é uma condição prévia à justiça. Na política internacional, a ausência de uma legislatura comum, de um executivo central ou de um sistema judi­cial forte, toma muito mais difícil preservar a ordem que precede a justiça.

TRÊS CONCEPÇÕES SOBRE O PAPEL DA MORALIDADE

Existem pelo menos três diferentes concepções sobre a ética nas relações internacionais: os cépticos, os moralistas do estado e os cosmopolitas. Ape­sar de não existir nenhuma conexão lógica, aqueles que são realistas nas suas análises descritivas da política mundial tendem frequentemente a ser cépticos

ou' moralistas do estado na sua abordagem avaliatiVa, enquanto que aqueles - que enfatizam a análise liberal tendem para os pontos de vista mprais dos moralistas do estado ou dos cosmopolitas.

Cépticos. O céptido afirma que as categorias morais não'têm sentido nas relações internacionais porque não existem instituições para estabelecer a ordem. Além do mais, não há um sentimento de comunidade e portanto não podem existir direitos e deveres morais. Para os cépticos, a proposição clás­sica sobre ética na política internacional foi a da resposta ateniense ao pedido de clemência meliano: «Os fortes fazem o que têm poder para fazer e òs ‘ fracos aceitam o que têm de aceitar.» A razão está do lado dã força E isso, para os cépticos, é tudo o‘ que há para dizer. >

Os filósofos afirmam frequentemente que «dever» (obrigação moral) implica «poder» (a capacidade de fazer algo). A moralidade requer capaci­dade de escolha. Se algo é impossível, não podemos ter uma obrigação de . o fazer. Se as relações internacionais são simplesmente o domínio do matar òu ser morto,' então nãò existe escolha e' isso justificaria ã posição dos cépticos; Más a. política internacional é mais do que apenas mera sobrevivên-

> cia. Sé existem escolhas nas relações internacionais, alegar que não existe éscolha é meramente uma forma de escolha disfarçada. Pensar apenas em termos de interesses nacionais egoístas é simplesmente introduzir sub- repticiamente valores sem o admitir. O diplomata francês que me disse um dia «o que é moralmente correcto é tudo o que for bom para a França»,. estava a evitar escolhas difíceis acerca da razão por que apenas os interesses . franceses deviam ser considerados. O estadista que afirma: «Não tive esco- • lha», teve muitas vezes escolha, ainda que uma nãó muito agradável. Se há um certo grau de ordem e de comunidade nas'relações internacionais, se não é permanentemente «matar ou morrer», então há espaço para escolhas. «An-archy» significa sem governo, mas não significa necessariamente caos' e desordem total. Existem práticas e instituições rudimentares que propor­cionam, ordem suficiente para permitir algumas, escolhas importantes: equi- , líbrio de poder, direitõ internacional e organizações internacionais. Cada Uma delas e crucial para compreender por que razão á' argumentação céptica não é suficiente. . . .

Thomas Hobbes defendeu que para. escapar do «estado de natureza», onde qualquer pessoa poderia matar outra, os indivíduós entregam a sua liberdade a um lêviatã, ou governo, para protecção, porque a vida no estado dè natureza é desagradável, brutal e curta. Por que não formam os governos então um superleviatã? Por que razão não existe um governo mundial?A razão, afirmou Hobbes, é a de que a insegurança não é tão grande a nível internacional como a nível do indivíduo. Os governos proporcionam um certo grau de protecção contra à,brutalidade dos indivíduos mais fortes de fazerem tudo o que desejarem e o equilíbrio de poder entre os estados

' ■ . \ ■

proporciona um certo grau de ordem. Mesmo apesar de os estados se encon­trarem numa postura hostil de guerra potencial, «continuam mesmo assim a assegurar a actividade diária dos seus súbditos». O estado de natureza inter­nacional não cria a miséria diária que acompanharia o estado de natureza entre indivíduos. Por outras palavras, Hobbes acreditava que a existência de estados num equilíbrio de poder alivia suficientemente a condição de anar­quia internacional para permitir um certo grau de ordem.

Os liberais apontam ainda para a existência do direito e de costumes internacionais. Mesmo que rudimentares, tais regras colocam o ónus da prova sobre os que as quebram. Tomemos em consideração a crise do Golfo Pérsico em 1990. Saddam Hussein alegou ter anexado o Koweit para recuperar uma província roubada ao Iraque nos tempos coloniais. Mas porque o direito internacional proíbe que se atrávessem fronteiras por tais razões, uma maio­ria esmagadora de estados viu a sua acção como uma violação da Carta das Nações Unidas. As 12 resoluções aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU demonstraram claramente que a visão da situação de Saddam .ia contra normas internacionais. O direito e as normas não impediram Saddam de invadir o Koweit mas tornaram-lhe mais difícil recrutar apoio e contribuíram para a criação de uma coligação que o expulsou do Koweit.

As instituições internacionais, mesmo qué rudimentares, proporcionam um grau de ordem, facilitando e encorajando a comunicação, e algum grau de reciprocidade na negociação. Dada esta situação de comunicação pratica­mente constante, a política internacional não é sempre, como os cépticos alegam, matar ou morrer. As energias e atenções dos governantes não estão sempre centradas na segurança e na sobrevivência. Existem vastas áreas de interacção económica, social e militar onde a cooperação (assim como o conflito) ocorre. E mesmo apesar de existirem diferenças culturais acerca da noção de justiça, ocorrem juízos morais na política internacional e são intro­duzidos princípios no direito internacional.

Mesmo nas circunstâncias extremas da guerra, a lei e a moralidade po­dem por vezes ter um papel a desempenhar.. A doutrina da guerra justa, com origem na primitiva igreja cristã e secularizada após o século xvu, proíbe a morte de civis inocentes. A proibição de matar inocentes tem origem na premissa «não matarás». Mas se essa é uma premissa moral básica, como é que qualquer morte pode alguma vez ser justificada? Os pacifistas absolutos afirmam que ninguém deveria matar outrem, qualquer que seja a razão. Porém, a tradição da guerra justa tem argumentado que se alguém está prestes a matar-nos e nós nos recusarmos a actuar em autodefesa, o resultado será o de que o mal levará a melhor. Os bons, ao recusarem defender-se, morrem. Se alguém está em perigo eminente de ser morto, pode ser etica­mente correcto matar em autodefesa. Mas temos de fazer a distinção entre os’ que podem e os que nao podem ser mortos. Por exemplo, se um soldado

avança para mim com uma espingarda, posso matá-ló em autodefesa, màs assim que o. soldado pousa a espingarda, levanta os braços e diz «rendo-me», não tenhó o direito de lhe tirar a vida. Dè facto, tal está estabelecido no direito.internacional, assim como no código militar dos EUA. Um soldado americano que mate um soldado inimigo após esté se ter rendido pode ser julgado por assassínio num tribunal americano. Na Guerra do Vietname, alguns oficiais americanos foram enviados para a prisão por terem violado essas leis. Mesmo apesar de muitas vezes serem violadas, há determinadas normas que subsistem mesmo sob as circunstâncias internacionais mais se­veras, O facto de existir um sentimento de justiça rudimentar contido num direito internacional imperfeitamehte cumprido, desmente o argumento dos cépticos de que não existem escolhas numa situação de guerra.

Podemos rejeitar a cepticismo absoluto, já que existe .espaço para a moralidade na política internacional. A moralidade está relacionada com a es­

colha e as escolhas expressivas variam com as condições de sobrevivência. Quanto maiores- forem as ameaças à sobrevivência, menor é o espaço para a escolha moral. No início da Guerra do Peloponeso, os Atenienses afirmaram:' «Aqueles que verdadeiramente são dignos de louvor são aqueles que, embora suficientemente humanos para apreciarem o poder, todavia prestam mais aten­ção à jüstiça do que, pela sua situação, estão obrigados a fazê-lo14.» Infeliz­mente, os Atenienses esqueceram-se dessa sabedoria mais tarde durante a sua guerra, mas isso recorda-nos que situações sem qualquer tipo de escolha são raras ê què a segurança nacional e.'os níveis de ameaça são muitas vezes, ambíguos. Os cépticos evitam escolhas morais difíceis, reivindicando o contrá­rio. Resumindo num aforismo: os séres humanos podem„não viver completa­mente pela palavra, mas tampouco vivem unicamente pela espada. «

Muitos, autores e líderes, que são realistas nas suas análises descritivas, são . ao mesmo tempo cépticos nas suas concepções acerca dos valores na política mundial. Mas nem todos os realistas são completamente cépticos. Alguns reco­nhecem que existem obrigações morais, mas defendem que a ordém deve vir em primeiro lugar. A paz é.uma prioridade moral, mesmo se for uma paz injusta. A desordem da guerra dificulta a justiça, especialmente numa era nu- _ clear. A melhor forma de preservar a ordem é preservar o equilíbrio de poder entre õs estados. As cruzadas morais rompem os equilíbrios de poder. Por exemplo, se os Estados Unidos se começarem a empenhar demasiado ha dis­seminação da democracia ou dos direitos humanos pelo mundo, tal pode gerar desordem que, na verdade, irá a longo prazo fazer mais mal do que bem.

Até certo ponto, bs realistas detêm um argumento válido. A ordem inter­nacional é importante, mas é uma questão de grau e existem concessões a fazer entre a justiça e a ordem. Que quantidade de ordem ,é necessária antes de nos começarmos a preocupar com a justiça? Por exemplo, após o ̂ desmo­ronamento soviético nas Repúblicas Bálticas em 1990, durante o qual foram

mortas uma série de pessoas, alguns americanos exortaram a uma quebra nas relações com a União Soviética. Na sua opinião, os Americanos deveriam expressar os seus valores de democracia e de direitos humanos na política externa, mesmo que isso implicasse instabilidade e o fim de conversações de controlo de armamentos. Outros defenderam que, apesar das preocupações com a paz e os direitos humanos serem importantes, era mais importante controlar as armas nucleares e negociar um tratado de redução de armamen­tos. No final, o governo americano prosseguiu com as negociações sobre armamentos, mas vinculou o fornecimento de auxílio económico ao respeito pelos direitos humanos. Na política internacional, repetidamente, a questão não é a de ordem absoluta versus justiça, mas de que forma avaliar a troca de concessões a fazèr em situações particuláres. Os realistas possuem um ponto de vista válido, mas exageram-no quando assumem que tem de haver uma ordem total antes, de haver qualquer justiça.

Moralistas do Estado. Os moralistas do estado defendem que a política internacional se baseia numa sociedade de estados com determinadas regras, mesmo apesar dessas regras não serem sempre perfeitamente observadas. A regra mais importante é a da soberania do estado, que proíbe os estados de intervirem para lá das fronteiras, na jurisdição uns dos outros. O cientista político Michael Walzer, por exemplo, sustenta que as fronteiras nacionais têm uma importância moral, já que os estados representam os direitos com­binados de indivíduos que se juntaram para uma vida em comum. Desta forma, o respeito- pela soberania e integridade territorial dos estados está relacionado com o respeito pelos indivíduos. Outros defendem mais simples­mente que o respeito pelà soberania é a melhor forma de preservar a ordem. Bons muros fazem bons vizinhos.

Na prática, estas regras de comportamento dos estados são violadas com bastante frequência. Nas últimas décadas, o Vietname invadiu o Cambodja, a China invadiu o Vietname, a Tanzânia invadiu o Uganda, Israel invadiu o Líbanò, a União Soviética invadiu o Afeganistão, os Estados Unidos invadi­ram Granada e o Panamá, o Iraque invadiu o Irão e o Koweit, apenas para dar alguns exemplos. A intervenção é um problema antigo. Em 1979, os Americanos condenaram a invasão soviética do Afeganistão em ardentes ter­mos morais. Os Soviéticos chamaram a atenção para a Repúbíica Dominicana, para onde, em 1965, os Estados Unidos enviaram 25 000 soldados para impedirem a formação de um governo comunista. A finalidade por detrás da intervenção americana na República Dominicana, impedir um regime hostil de ascender ao- poder nas Caraíbas, e a finalidade da intervenção soviética no Afeganistão, impedir a formação de um governo hostil nas suas frontei­ras, eram bastante semelhantes.

Para encontrarmos diferenças, temos de analisar algo mais do que as intenções. Em termos dos meios utilizados, muito poucas pessoas foram

Imaginemos Um líder comunista

-independente d a U m S o S o w íic a .I s to preocupiivaosIícieressoviiÍL um regime independenr&na s-ua' fronteira p^oaena:fomeQtàr'ífgi.t|| a Á sia Centrai (incluindo a Àsíji Central .soyú&çâ) «.cri^kyxjíjrc iig o so dè um pequeno vizinho1 tom im ista .se lib er iM .d ô íI^ ^ O

■ Imaginem ogen era l russa encarregue,da .forfa de invasão soviét: ,:;iätnäo o líder afegão renegado, o qual está prestes a mai

razão está a agir dessa forma, contra as tógr^ ÍQtc^.ac;gç5fô;$iè. não-intervençãp. «No 'qúé: dizd ó s julgam que não existe diferença entre os dois e se vos porque estamoà-com medo. Pelo que, conquistando-vos,, aurneniapétiaS a extensão m as a segurança dcftoosça .lm p% o^j6s/flpin|fiai

v . . • - .da Asia. Central e vocés são um estado frim tèiriço .^ mals-fract outros.- É pois particularmente importante /que; voc& não escápcn

palavras -<.China;- adicionada e ^Àsia Çqntra^ 'subsüniída por :<<Éva fronteiriço» por «ilhas»." Á intervenção Ttào é.um problema covíi.

[estado

mortas pela intervenção americana na República Dominicana e os America* nos retiraram rapidamente. No caso afegão, um grande número de pessoas foi morto e.as forças soviéticas permaneceram lá por quase uma década. Mais recentemente, críticos compararam a invasão iraquiana do Koweit com a invasão americana do Panamá. Em Dezembro de" 1989, os Estados Unidos enviaram tropas para depor o ditador panamiano, Manuel Noriega, e em Agosto de 1990 o Iraque enviou tropas para o Koweit para depor o Emir. Tanto os Estados Unidos como o Iraque violaram o princípio de não-inter- vènção. Mas, mais uma vez, houve diferenças nos meios e nas consequências. No Panamá, os Americanos colocáram no poder um governo que tinha sido devidamente eleito mas que Noriega não tinha permitido que assumisse o cargcr Os Americanos não tentaram anexar o Panamá. No Koweit, o governo iraquiano tentou anexar o país e ptovocou um grande derramamento de sangue ao fazê-lo. Estas considerações não significam que o caso do Panamá tivesse sido completamente certo ou errado mas, como veremos no capí­tulo 6, existem frequentemente problemas na aplicação de regras simples de não íntenvenção e soberania.

Cosmopolitas. Os cosmopolitas encaram a política internacional não-ape­nas como uma sociedade de estados, mas como uma sociedade de indiví­duos. Quandó falamos de justiça, dizem os cosmopolitas, deveríamos falar de justiça para os indivíduos. Os realistas centram-se demasiado em questões de guerra e de paz. Se sre centrassem em questões de justiça distributiva, isto

■ é,m quem recebe o quê, aperceber-se-iam da interdependência económica no mundo. A constante intervenção económica através de fronteiras pode ter por vezes consequências de vida e de morte. Por exemplo, é uma questão de vida ou de morte sé formos um camponês nas Filipinas e o nosso filho morrer de uma doença curável porque o rapaz da terra que estudou medicina está agòra a trabalhar nòs Estados Unidos com um salário muito mais elevado.

Os cosmopolitas afirmam que as fronteiras nacionais não têm qualquer ■» validade moral; simplesmente defendem uma desigualdade que deveria ser

• abolida cáso pensássemos em termos de justiça distributiva. Os realistas (o que inclui tanto os cépticos morais como alguns moralistas do estado) res­pondem que o perigo é o de que a abordagem cosmopolita possa conduzir a uma enorme desordem. Se cumpridos à letra, os esforços para uma redistribuição radical conduziriam previsivelmente a um violento conflito, já que as pessoas não desistem das suas posses com facilidade. Um argumento cosmopolita mais limitado baseia-se no facto, das pessoas possuírem-fre­quentemente múltiplas lealdades — para com famílias, amigos, bairros, nações, talvez para com alguns grupos religiosos transnacionais e para com o conceito de humanidade comum. A maioria das pessoas comove-se com imagens de crianças sudanesas esfomeadas ou refugiados kosovares, pois existe alguma comunidade universal para lá do âmbito nacional, ainda que mais fraca. Somos todos humanos. Os cosmopolitas lembram-nos que exis­tem dimensões distributivas nas relações internacionais onde a moralidade assume importância tanto na paz como na guerra. Podem ser esboçadas políticas para prover as hecessidàdes humanas básicas e direitos humanos básicos sem destruir a òrdem.

Das abordagens à moralidade internacional, o céptico apresenta um argu­mento válido sobre a ordem ser necessária à justiça, mas não é capaz de apreender ás interacções entre a ordem e a justiça. O moralista do estado, que vê uma sociedade de estados com normas contra a intervenção, apre­senta uma abordagem institucional à ordem mas nao fornece respostas satisfatórias acerca da altura em que algumas intervenções podem ser justifi­cadas. Finalmente,- o cosmopolita, que se centra numa sociedade de indi­víduos, apresenta, uma profunda perspicácia acerca de uma humanidade

. comum mas corre o risco de fomentar uma enorme desordem. A maioria das pessoas desenvolve uma posição híbrida; os rótulos são menos importantes do que o ponto central de que' existem interacções entre estas abordagens.

Por causa das diferenças entre a política intema e a política internacional, a moralidade é mais difícil de aplicar nesta última. Mas apenas porque existe uma pluralidade de princípios, não significa que de todo não existam prin­cípios. Até onde devemos ir na aplicação da moralidade nà política interna­cional? A resposta é a de sermos prudentes, pois quando os juízos morais determinam tudo, a moralidade pode conduzir a um sentimento dé ultraje e

o ultraje pode conduzir a um risco acrescido. Afinal, não existem questões morais entre os incinerados. Mas não podemos honestamente ignorar a moralidade na política internacional. Cada pessoa deve estudar os aconteci­mentos e tomar as suas próprias decisões acerca de juízos e concessões miítuas. A lógica duradoura de conflito internacional não anula a respon­sabilidade pelas escolhas morais, apesar de exigir uma compreensão do am­bientei especial que toma difíceis essas escolhas.

Apesar dos, dilemas morais e de segurança específicos- da Guerra do Peloponeso. serem, únicos, muitas das questões são recorrentes ao longo da história. A medida que traçarmos a evolução das relações internacionais, encontraremos repetidamente a tensão entre realismo e liberalismo, entre cépticos e cosmopolitas, eiítre um sistema anárquico de estados e organiza­ções internacionais. Revisitaremos o Dilema do Prisioneiro e continuaremos a lutar contra os enigmas éticos da guerra. Iremos analisar a forma como diferentes actores no palco internacional enfrentaram as crises do seu tempo e como os seus fins e instrumentos variararrí. Como foi mencionado no início, determinadas variáveis que caracterizam hoje a política internacional simplesmente não existiam no tempo de Tucídides. Não apenas não existiam armas nucleares, como não existiam Nações Unidas, empresas transnacionais, cartéis. O estudo do conflito internacional é uma ciência inexacta que com­bina história e teoria. À medida que desbravamos o nosso caminho através das teorias e dos seus exemplos, tentamos ter presente tanto ò que mudou como o, que permaneceu constante, para que melhor sejamos capazes de compreender o nosso passado e o nosso presente e melhor possamos navegar nos, bâixios desconhecidos do futuro.

Notas I1. Thomas Hobbes, Leviathan, ed. C. B. MacPherson, Londres, Penguin, 1968,

1981,' p. 186. ■2. «From Our Dec. 13 Pages, 75 Years A go», International’ Herald Tribune, 13 de

Dezembro de 1985.3L. M iles Kahler, «Inventing International Relations: International Relations Theory

after 1945», in Michael W-' D oyle e G. John Ikenberry, eds., New Thinking-in . International Relations Theory, Boulder, CÖ, Westview Press, 1977, p. 38.

4. Joseph S. Nye, Jr., «As China Rises, Must Others BoW?», The Economist, 27 de . Junho de 1998, p. 23. -

5. Robert Gilpin, War and Change in World Politics, Cambridge, Cambridge1 University Press, 1981, pp. 221-228.6 . Tucidides, H istory o f the Peloponnesian War, trad. Rex Warner, ed. M. K. Finley,

Londres, Penguin, 1972, p. 161.7. Ibid., pp. 82-83.

8 . Ibid., p. 57.9. Ibid., p. 62.

10; Ibid., p. 48;11. Donald Kagan, The Outbreak o f the Peloponnesian War, Ithaca, Nova Iorque,

Cornell University Press, 1969, p. 354. Para uma interpretação alternativa das realidades da expansão, ateniense, ver G. E. M. de Ste. Croix, The Origins o f thé Peloponnesian War, Ithaca, Nova Iorque, Cornell University Press, 1972, pp. 60, 201-203.

12. Tucidides, H istory o f the Peloponnesian War, p. 55.13'. Ibid., p. 402.14. Ibid.,' p. 80.

Leituras recomendadas

1. Morgerlthau, Hans:. Politics Among Nations, Nova Iorque, Knopf, 1989, cap. 1.2. Waltz, Kenneth, Man, the State, and War, Nova Iorque, Columbia University

Press, 1959, pp. 1-15.3. Tucidides, History o f the Peloponnesian War, trad. Rex Warner, ed. M. K. Finley,

Londres, Penguin, 1972, pp. 35-87, 400-408. . '*4. Kagan, Donald, The Outbreak o f the Peloponnesian War, Ithaca, Nova Iorque,

Cornell University Press, 1969, pp. 31-56, 345-356.

Leituras adicionais

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Questões de estudo1 . Que papel deveriam desempenhar as considerações éticas na condução das rela-

. ções internacionais? Que papel desempenham elas? Podemos falar significativa­mente acerca de deveres morais para com outras nações ou suas populações?

• 2\ Existe diferença entre as obrigações morais nos domínios da política interna e da política internacional? Com base no diálogo dos M élios, os Atenienses actuaram de forma eticamente correcta? E os anciãos mélios?

3. O que e o realism o? D e que m odo difere da v isãoliberal da política mundial?

4. O que é qus Tucidides aponta como as causas principais da Guerra do Peloponeso?Quais eram imediatas? Quais eram estruturais? '

5. Que tipo de teoria de relações internacionais está implícito no relato da guerra por Tucidides?

6 . A Guerra do Peloponeso era inevitável? Se sim; porquê e quando? Se não, como e quando poderia ter sido evitada?

Cronologia: Guerras do Peloponeso

490 a. C. Primeira Guerra Persa480 a. C. Segunda Guerra. Persa478 a. C. Espartanos abdicam da liderança476 a. C. Formação da Liga de Delos e Império Ateniense464 a. C. Revolta Hilota em Esparta461 a. C. Erupção da primeira Guerra do Peloponeso445 a. C. Trégua de Trinta Anos4 4 5 .4 3 4 a. C. 10 ános de paz434 a. C. Conflitos de Epidamno e Córcira433 a. C. Atenas intervém em Potideia432. a. C. Assembleia espartana debate a guerra431 a. C. Erupção da segunda Guerra do Peloponeso430 a. C. Oração Fúnebre de Péricles416 á. C. D iálogo dos M élios413 a. C. Derrota ateniense na Sicília411 a. C. Revolta dos oligarcas em Atenas404 a. C. Atenas derrotada, forçada a arrasar as suas muralhas