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6 – A EMERGÊNCIA DO MERCADO I – Circulação e Comercialização da Música A avaliação e estudo de reportórios e sua circulação baseada exclusivamente nas espécies de música impressa tem, neste período, uma representatividade parcelar no conjunto da música consumida uma vez que coexistia um alargado mercado de cópias manuscritas. Este circuito plenamente instalado, que assegura o mercado anterior à vulgarização de música impressa, vai manter-se activo pelo menos até meados do século XIX 1 e terá como consumidor preferencial o músico amador, bem como os músicos profissionais. Acresce a persistência de música manuscrita nas casas nobres cujas cópias são feitas por músicos ao serviço da família. Já no contexto da classe média pode ainda considerar-se a circulação de música em cópias elaboradas pelos próprios músicos amadores, sobretudo quando se trata de aprender com urgência alguma peça popular ou em moda. A música manuscrita elaborada para venda comercial concorre fortemente com a música impressa pois oferece condições diferenciadas à medida e “gosto do cliente”, normalmente a preços mais acessíveis. O mercado de música manuscrita acompanha também o gosto pela novidade de reportório a par e passo com a oferta editorial. Verifica-se ainda que antes deste mercado ser dominado pelos armazéns especializados de música os livreiros dão resposta a um público que se vai alargando: Na loja de João Baptista Reycend e Companhia, Mercadores de livros no Largo do Calhariz. 2 Os mesmos fizerão imprimir um Catalogo de varios livros, que lhes tem chegado novamente, os quaes vendem pelo preço mais commodo que lhes he possivel, (...) Igualmente vendem Musica vocal, e instrumental moderna, assim impressa, como manuscrita (GL 24: 1792/06/12). 1 Este mercado de música manuscrita e barata vai manter-se ao longo do século XIX: “Toda a pessoa que necessitar de muzica muito bem copiada, e pelo modico preço de 80 réis a folha, deixe o seu nome e morada na rua da fabrica da seda Nº51, para se lhe ir fallar” (GL 131: 1826/ 06/06). Até editores especializados como Valentim Ziegler anunciam a venda de música manuscrita (GL 220: 1830/09/17). 2 Para informação detalhada sobre a actividade de João Baptista Reycend que se terá estabelecido como mercador de livros em Lisboa pouco depois do terramoto Cf. Domingos (1989 e 1995) e Guedes (2005). 329

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6 – A EMERGÊNCIA DO MERCADO I – Circulação e Comercialização da Música

A avaliação e estudo de reportórios e sua circulação baseada

exclusivamente nas espécies de música impressa tem, neste período, uma

representatividade parcelar no conjunto da música consumida uma vez que

coexistia um alargado mercado de cópias manuscritas. Este circuito

plenamente instalado, que assegura o mercado anterior à vulgarização de

música impressa, vai manter-se activo pelo menos até meados do século XIX1

e terá como consumidor preferencial o músico amador, bem como os músicos

profissionais. Acresce a persistência de música manuscrita nas casas nobres

cujas cópias são feitas por músicos ao serviço da família. Já no contexto da

classe média pode ainda considerar-se a circulação de música em cópias

elaboradas pelos próprios músicos amadores, sobretudo quando se trata de

aprender com urgência alguma peça popular ou em moda. A música

manuscrita elaborada para venda comercial concorre fortemente com a música

impressa pois oferece condições diferenciadas à medida e “gosto do cliente”,

normalmente a preços mais acessíveis. O mercado de música manuscrita

acompanha também o gosto pela novidade de reportório a par e passo com a

oferta editorial. Verifica-se ainda que antes deste mercado ser dominado pelos

armazéns especializados de música os livreiros dão resposta a um público que

se vai alargando:

Na loja de João Baptista Reycend e Companhia, Mercadores de livros no Largo

do Calhariz.2 Os mesmos fizerão imprimir um Catalogo de varios livros, que lhes tem chegado novamente, os quaes vendem pelo preço mais commodo que lhes he possivel, (...) Igualmente vendem Musica vocal, e instrumental moderna, assim impressa, como manuscrita (GL 24: 1792/06/12).

1 Este mercado de música manuscrita e barata vai manter-se ao longo do século XIX: “Toda a pessoa que necessitar de muzica muito bem copiada, e pelo modico preço de 80 réis a folha, deixe o seu nome e morada na rua da fabrica da seda Nº51, para se lhe ir fallar” (GL 131: 1826/ 06/06). Até editores especializados como Valentim Ziegler anunciam a venda de música manuscrita (GL 220: 1830/09/17). 2 Para informação detalhada sobre a actividade de João Baptista Reycend que se terá estabelecido como mercador de livros em Lisboa pouco depois do terramoto Cf. Domingos (1989 e 1995) e Guedes (2005).

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A João Baptista Reycend, Mercador de Livros no largo do Calhariz, chegou

ultimamente hum copioso sortimento de Musica vocal e instrumental, que vende por preço muito accommodado, attendendo ser a maior parte della impressa. Tambem vende tarjas de bom gosto para rostos de collecções de Musica. (GL 19: 1794/05/13).

Pelo enunciado depreende-se que só pelo facto de ser música impressa,

normalmente mais cara, a venda em causa é uma pechincha, oferecem-se

ainda acessórios de fino gosto para a organização das colecções pessoais de

música dos amadores. O material necessário para escrever música é também

fornecido e anunciado regularmente pelos Armazéns especializados.3

Acresce que o comércio de música manuscrita concorre fortemente com

a música impressa pois oferece condições diferenciadas à medida e gosto do

cliente, muitas vezes a preços mais acessíveis.4 A mais valia deste mercado

que permite a adaptação aos recursos da prática de música doméstica pode

envolver os serviços de nomes relevantes, como é o caso de José Ferlendis

que oferece ao público a redução para trio da ópera Nina5 de Paisiello,

adaptada aos instrumentos requeridos pelos interessados. (CM 3: 1802/01/19).

A prática de comercialização de música em cópias manuscritas vai

perdurar pelo século XIX, implantando-se mesmo em novos armazéns que

abrem após 1820. Esta prática remete-nos para o alargamento de um

reportório instrumental adaptado ao contexto doméstico e construído com base

na redução e arranjo de obras de grande disseminação, sobretudo oriundas do

teatro:

3 "No Armazem de Musica de Mr Waltmann a S. Paulo defronte da Fabrica de Vidros se achão as Colecções de Modinhas, (...). O mesmo Armazem recebeo ultimamente hum completo sortimento de papel pautado." (GL 23: 1801/06/09). Referência também para "J.B.Weltin, Professor de Musica de S.A.R., e morador defronte da Igreja dos Martyres Nº 21, participa ter recebido de Hollanda papel pautado, e papel para escrever, de differentes qualidades, pennas de corvo, e harpas de Inglaterra (...)" (GL 271: 1814/11/16). 4 Sobretudo quando se trata de oferecer arranjos instrumentais mais convenientes ao músico amador de obras conhecidas. "Joaquim José Lopes, Professor de Musica, desta Cidade, morador na rua de S. Sebastião Nº25, faz publico, que elle tem para vender varias Missas, Symphonias, Rondós, Hymnos, Modinhas &c., tudo producções suas, algumas das quaes já são conhecidas; além do referido, continua em hum sufficiente sortimento, e se offerece a compor, ou promptificar outras quaesquer Peças de Musica, que se lhe encommendem, para qualquer instrumento; tambem dá lições de cantar e tocar, tudo pelos preços os mais commodos possiveis" (CP 267: 1822/11/11). 5 Nina, o sia La pazza per amore (1789-90), (Cf. Cap.5 – III.4).

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No armazem de musica de Valentim Ziegler, na rua do Loureto Nº41, se acha hum grande sortimento de musica nova, recentemente chegada de França e Italia (...) o dito Valentim Ziegler querendo mostrar ao pubico que no seu armazem se vende tudo por preços commodos, propõe-se vender todas as operas de Rossini, e outros authores, para pianno e canto, por 5$760 réis cada huma, e para pianno só, a 3$200 réis; (...) Tambem se incumbe de promptificar com todo o zelo e brevidade, qualquer encomenda que se lhe faça, de musica, tanto de Igreja como de Theatro, não levando pela cópia mais que 200 réis por folha; o mesmo faz assignaturas de musica pelo preço de 80 réis por pessa [sic.], alluga toda a qualidade de instrumentos (...). (GL 98: 1827/04/25).

Ainda uma análise do Fundo do Conde Redondo permite avaliar da

representatividade da música manuscrita, verificando-se a eventual contratação

de um músico copista, que assina as suas excelentes cópias como Françem.6

Regista-se neste fundo a elaboração de partes cavas manuscritas muitas das

vezes de um reportório cosmopolita, que já conhecia circulação sob a forma

impressa, o que nos leva a pensar em razões de pendor economicista que

justificavam a manutenção de músicos copistas associados à livraria musical

das casas nobres.

Parte importante do reportório consumido em contexto privado circulava

por via manuscrita, como referimos, e uma outra parte era importada

directamente pelos interessados como nos comprovam as tabelas

alfandegárias. Destes documentos transcrevemos a título de exemplo a tabela

seguinte, sublinhando o facto de se identificar um nome importante do universo

da música instrumental de então, como é o caso de Pierre Anselme Maréchal

de quem se regista a chegada de música para seu uso pessoal, em 1794,

presumindo-se que não se destinaria portanto a ser comercializada no seu

armazém. Nas listas apresentadas destaca-se, pela quantidade de referências,

o nome de Francisco Gerarde [Geraldo] Mendes. Refira-se ainda, a propósito,

que Beckford assinala nos seus relatos a chegada de remessas de música

nova do Brasil e de Inglaterra.7

6 Família de músicos que conta entre os seus membros Joaquim Jozé Francem (fl. 1780 trompa e director) e João Francem (inícios séc. XIX, trompa) cuja actividade vem relatada nos Manifestos da ISC. A título de exemplo referimos (P-Ln, F.C.R. ms.49.2) de Domenico Cimarosa: Sinfonia con violinos e viola e oboes e trombe e Basso de Senhor Maestro Chemarroza: Allegro. Abertura em RéM cujas partes cavas são copiadas por Françem [sic] vl1 e 2, ob, cor 1 e 2, vla, vc. 7 Beckford (1954: 264. 1787/11/08. Neryve), Cf. Cap.4 -VI.

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Quadro 24

Registos de entradas de música na Alfândega do Porto:8

1787 – (Livro 479) N.2 – João Salgado de Almada 1 Embrulho com vários concertos de muzica N.11 – Cristóvão Guerra hum embrulho de papel com papeis de muzica hum (..?.) com (.?..) papeis hum (...?) com um ‘l..ço’ [lanço] de cordas para Rebeca N.53 – Em S. Antº Fr.e na Ordem de Christo 1 embrº com vários concertos de muzica N.193 – João S [...] Coronel do Regimento da Cavalaria dos ligeiros da Praça del chaves. Pª uso dos Músicos do mmº Regimtº

1 Caixa com o Segt.e 1 fagote com seus pertenses 2 clarinetes com dºs 2 trompetes com dº s

2 trompas com dº s e vários concertos de muzica 1789 – (L. 537) N.3 – Francisco Gerardo Mendes Hum embrulho com papeis de musica N.57 – Francº Gerardo 1 embrulho com papeis de muzica pª cravo N.149 – Franccº Geralde Mendes Hua caixa com papeis de muzica N.171 – Em 8 de Janeiro de 1790 Conrado Henrique Silviees [?] 1 embrulho com papeis de muzica 1790 – (L. 558) N.6 – [?] Hum embrulho com papeis de muzica gds. N.39 –J. Pedro Ctº Meirelles 1 embrulº com papeis de muzica N.47 – Francisco Gerardes 1 Caixª com papeis de muzica N.98 – João Antº Frausque [?] 1 caixa com musica 1791 – (L. 602) N.37 – João Salgado d’Almada

1 Caixª com muzica N.57 – Antº Pinto da Fonsª 1 Caixinha com papeis de muzica 1794 – (L.707) N.15 – José Correa de Aguiar Hum embrulho empapelado com papeis de muzica N.143 – Pedro Anselmo Marchar [Maréchal] Hua Caixa com muzica pª seo próprio uso N.145 – [?] Embº com papeis de muzica

8 ANTT, Alfândega do Porto, Para as Liberdades da meza da Abertura.

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1795 – (L.739) N.94 – Manoel Guedes p. Ordem do Administrador... Hum piano forte, e hums papeis de solfa em hum Caixão 1797 – (L. 814) N.26 – Daniel Dull e Silvius 1 embrulho com muzica N.82 – José Durelli Hum embrulho com Muzica

A comercialização de música impressa no período em causa aparece

discutida no estudo de Maria João Albuquerque (2006) que enuncia as

dificuldades em estabelecer um quadro completo devido a “lacunas das

próprias fontes primárias, principalmente da música profana, devido ao carácter

efémero deste tipo de edições, que eram muitas vezes publicadas em folhetos.

Subsistindo por isso de algumas destas edições apenas os anúncios em

periódicos da época, o que não permite conhecer a totalidade da música

impressa deste período” (ibid.: 16). No referido estudo constata-se que a acção

dinamizadora da actividade editorial por parte da Coroa ao estender-se aos

editores, a par de factores como a transformação das práticas musicais que

favorecem o aparecimento de um novo mercado para a música impressa e os

avanços tecnológicos a nível dos processos de impressão de música, terão

contribuído para o desenvolvimento em Portugal da edição musical, sobretudo

profana, em finais do Antigo Regime (Ibid.: 24).

O desenvolvimento da comercialização de música apresenta alguns

paralelismos com o comércio de instrumentos, na medida em que há casos de

acumulação destas actividades, como acontece com João Baptista Waltmann e

João Baptista Weltin que se revelam influentes em ambos os domínios. A partir

de 1794 Waltmann expande a sua actividade sobretudo no domínio da

distribuição de música impressa importada, anunciando também a

possibilidade de aluguer de toda a “qualidade de música (...) que [o assinante]

podia guardar por hum mez, para adquirir a facilidade de o tocar com mais

perfeição” (GL 10: 1800/03/14). Este novo regime alarga as possibilidades de

circulação do reportório e as práticas comerciais:

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No Armazem de Musica e Instrumentos de João Baptista Waltmann,(...) se recebem tambem Assinaturas para toda a qualidade de Musica seja para que Instrumento for, pagando 100 réis por cada Exemplar, que cada Assinante póde conservar por hum mez, e no fim deste tornallo a mandar ao dito Armazem, para receber outro da mesma conformidade. Se porém quizer ficar com algum dos Exemplares, pagará por elle o preço, que no mesmo se aponta, menos os 100 réis que dera d'antemão. Adverte-se que se os Assinantes forem fóra de Lisboa, será por sua conta e despeza o transporte, assim da ida como da vinda. (CM 51: 1800/12/23).

II – Circulação e Comercialização dos Instrumentos

O processo de alargamento da aquisição de instrumentos para a prática

musical doméstica constituiu-se como um impulso decisivo para a expansão

das práticas comerciais neste domínio, patente no número e qualidade dos

armazéns de música, que nas suas formas mais especializadas se encontram

nas mãos de músicos instrumentistas. A afirmação sonante do cronista da

Allgemeine Musikalische Zeitung (AMZ), quando escreveu: “Há uns doze anos

atrás havia talvez pouco mais de 20 pianos-fortes em toda a Lisboa; hoje

devem existir certamente mais de 500 (a maioria dos quais de Astor em

Londres)” (Brito/Cranmer 1990: 50. 1821/08/29), é parcialmente corroborada

pelo crescente número de anúncios na imprensa relativos a leilões do recheio

de casas (por morte do proprietário), que referem entre o rol de bens

instrumentos musicais como o cravo e o piano-forte. É também na imprensa

que encontramos um crescente marketing relativo à comercialização de

instrumentos, anunciando-se com frequência as novidades neste capítulo.

Existem ainda tabelas alfandegárias que comprovam a importação de

instrumentos a título particular. Regista-se assim neste período uma gradual

diversificação desta actividade e uma crescente circulação do número de

instrumentos para venda, devidas à proliferação da prática musical doméstica.

O piano-forte lidera as trocas comerciais a julgar não apenas pelos anúncios de

imprensa, mas também pelas entradas via alfândega em nome de particulares.

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A crescente circulação vai sustentar ainda o comércio de instrumentos em

segunda mão, através de leilão, bem como por venda directa dos particulares.

A análise das actividades comerciais associadas à circulação de

instrumentos fornece informação de relevo relativa à música instrumental, uma

vez que se constitui como sintoma de um dinamismo crescente. Os anúncios

para venda de instrumentos presentes nos periódicos da época fornecem

dados qualitativos (que instrumentos se vendiam) e quantitativos (que

instrumentos se vendiam mais), para além de confirmarem o acompanhamento

das novidades comercializadas na Europa.

O processo de transformação estimulado pelo espírito de modernização

e empreendimento que presidiu à construção de mecanismos nos instrumentos

de música, encontrava-se sediado nos armazéns de Paris e Londres. A partir

destes epicentros erradiou uma forte linha comercial de exportações para toda

a Europa, que também em Portugal estabeleceu um ponto de recepção através

dos armazéns dirigidos por músicos estrangeiros. Foi por influência de

músicos como João Baptista Waltmann (fl. 1792-1824) ou João Baptista Weltin

(fl. 1798-1824), ambos instrumentistas na Real Câmara, que se inaugurou a

comercialização especializada de instrumentos e artigos de música importados,

a par da edição musical que conheceu, também ela, um processo de expansão

no mesmo período igualmente por influência estrangeira.9

João Baptista Waltmann foi o primeiro vendedor especializado de

instrumentos, com uma oferta consideravelmente variada de artigos,

regularmente anunciada na Gazeta de Lisboa. Trompista de origem alemã,

com registo de entrada para a Irmandade de Santa Cecília em Maio de 1791,

Waltmann foi um músico particularmente activo na sua actividade comercial,

9 A actividade comercial ligada à venda de música aparece registada no século XVIII, nomeadamente com Francisco Domingos Milcent em 1787 (Cf. Albuquerque 2006: 122, 125). Neste estudo aparece explanada a actividade de Milcent como editor até ao estabelecimento da “Real Fábrica de Impressão de Música” em 1792. Nos anos de 1763, 1764, 1768 e 1769, Borges de Macedo, no levantamento por freguesias das profissões que efectuam pagamento das décimas de maneio na cidade de Lisboa, (Cf. Macedo 1982) identifica apenas a existência de dois copistas de música e nenhum editor ou vendedor de instrumentos musicais. Aqueles que posteriormente se identificam pela morada de localização dos armazéns não são nomeados e aparecem referidos no registo de imposto apenas como “Negociante” (AHTC. Décima da Cidade de Lisboa, Arruamentos, Nª Srª dos Martires, Mç734, f.28). Weltin: “com Armazém de Muzica” (AHTC. Décima da Cidade de Lisboa, Arruamentos, S.Paulo, Mç.909, f.106-108). Waltmann: “músico que vende instrumentos” (AHTC. Décima da Cidade de Lisboa, Arruamentos, Encarnação, Mç.415, f.34). (Cf. Albuquerque 2006).

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mas também enquanto músico.10 A partir de 1792 estabeleceu o seu Armazém

de Música na “Travessa que vai do chafariz do Loreto para a Portaria da

Trindade, no terceiro andar das casas de João Fernandes”,11 começando por

prosperar na comercialização de partituras importadas.12 Lançou-se na venda

de instrumentos importando sobretudo as novidades, tal como se verificou,

aliás, no reportório. Nos seus anúncios destaca-se desde logo a ênfase na

modernidade: “hum Piano-forte [e] huma harpa de nova invenção” (GL 1:

1793/01/01). A partir de 1794 – com a excepção de quatro anúncios para

venda de cordas - Waltmann expandiu a sua actividade sobretudo no domínio

da distribuição de música impressa importada.

A partir de 1798 a colocação de anúncios começou a intensificar-se

numa lógica de competição clara, a partir da implementação no mercado do

seu concorrente mais directo, João Baptista Weltin. Uma semana depois da

colocação do aviso de João Baptista Weltin anunciando para venda um

“sortimento de instrumentos de vento de todas as qualidades; e que tambem

vende instrumentos Mathematicos e Nauticos” (GL 44: 1799/10/29), Waltmann

anuncia, também pela primeira vez, um “grande sortimento de Instrumentos de

todas as qualidades” (GL 45: 1799/11/05). Os anúncios de ambos os armazéns

passam a destacar agora a variedade e quantidade de instrumentos

disponíveis, fornecendo cada vez mais detalhes, numa intensificação das

estratégias de marketing, para atrair o público interessado. A partir de 1800

Waltmann expande a sua actividade à edição musical, a qual abandonará em

1803 e só voltará a ser relançada pela “Viúva Waltmann e filhos” no ano após a

sua morte em 1824.13 Tal como Weltin, também Waltmann anuncia

pontualmente a venda no seu armazém de outros produtos, importados ou não,

como é o caso de “hum sortimento de Cartas Geograficas do Reino de

10 Já em Fevereiro desse mesmo ano de anuncia na Imprensa um concerto de trompa “nas casas de Martinho Antonio de Castro Guimarães à Boa-Vista” (CM 1791/02/02). Entre 1791 e 1797 ocupará a estante de trompista da Real Câmara de Lisboa (Scherpereel 1985: 33). 11 GL 40: 1792/10/06. 12 Em 1795, com o armazém estabelecido “na rua direita de S. Paulo”, Waltmann solicita à Real Mesa Censória autorização para imprimir um catálogo das obras que vende no seu Armazém, no qual constam mais de 1000 títulos (Albuquerque 2006: 128-129). 13 Tendo-se anunciado "ao Publico, que o armazem de musica e instrumentos, na rua direita de S.Paulo Nº18, 2ºandar, do fallecido João Baptista Waltman, continúa a existir sem alteração alguma debaixo da firma da viuva Waltman e filhos” (GL 302: 1824/12/22). Relançamento: GL 190: 1825/08/15. (Cf. Albuquerque 2006: 131-132).

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Portugal, divididas em oito Mapas” (GL 30: 1799/07/23), “excellente jaleia de

França” (CM 41: 1802/10/12), “arêa luminosa para escrita da mais fina que tem

apparecido” (CM 44: 1803/11/01) ou xaropes (CM 27: 1804/07/03). Tratando-

se sobretudo de produtos de luxo que apontam para um público aberto ao

consumo sofisticado e à aquisição das novidades em voga na Europa, e que

não por acaso aparecem num jornal (Correio Mercantil) mais directamente

associado a um público ligado à actividade comercial.

Pela avaliação dos anúncios colocados em imprensa, Waltmann investe

sobretudo, a partir de 1812, na venda de instrumentos musicais afirmando-se

como um dos principais armazéns, “de tudo quanto he pertencente á Arte da

Musica" (GL 271: 1814/11/16), sendo o responsável pela introdução em

Portugal de inovações como o metrónomo em 1818 (GL 164: 1818/07/14).

Apesar do gradual surgimento de outros pontos de venda de instrumentos a

partir de 1813, confirma-se que os armazéns de Weltin e Waltmann marcam a

diferença pelo grau de especialização e variedade de oferta. A este último

deve-se também a publicação na imprensa, em 1800, do primeiro anúncio tipo

catálogo dos instrumentos em venda, incluindo referências à qualidade dos

materiais, acessórios e preços.14 Neste mesmo ano voltaria, aliás, a anunciar

instrumentos, incidindo os detalhes de informação sobre as últimas novidades

no aperfeiçoamento do pianoforte - aprovadas pelo critério musical

cosmopolita, i.e., os melhores Professores da Europa - e ainda a sua particular

adequação às especificidades do mercado luso-brasileiro. Interessam-nos

sobretudo os detalhes relativos à armação em ferro no piano, menos

susceptível de oscilações na afinação devido aos níveis de humidade e

temperatura em Portugal e sobretudo no Brasil. Confirma-se assim ser esta

uma das vias de comercialização dos instrumentos existentes no Brasil.

14 “grande fornecimento de instrumentos (...): rebecas N.1 a 3800 reis.N.2 a 4200 reis. N.3 a 11200 reis. N.4 a 12000 reis. N.5 a 12800 reis. N.6 a 15200 reis: Violetas N.10 a 6200 reis. N.11 a 7200 reis. N.12 a 8400 reis. N.13 a 12800 reis. N.14 a 13600. N.15 a 15200 reis: rebecões pequenos N.7 a 16000 reis. N.8 a 18000 reis. N.9 a 30400 reis: os tres referidos instrumentos tem escaravelhas, ponto e estandarte de ebano; as rebecas nºs, 3 4 5 6 tem duas caixas muito bem feitas com fechaduras de latão; e igualmente as tem as violetas Nºs 13 14 15, e os rebecões pequenos n.9. No mesmo armazem se achão tambem trompas e clarins de nova invenção, com suas caixas e sem ellas, e fagotes, serpentões e campainhas de nova invenção, e tudo o que he concernente à Musica Militar.” (GL 17, 2º supl.: 1800/04/29). Waltmann demonstrara já em 1795, este tipo de preocupação, quando publicou o catálogo de música impressa para venda, no qual constam mais de 1000 títulos de autores estrangeiros, em venda no seu armazém (Cf. Albuquerque 2004: 139-174, a transcrição deste catálogo encontra-se na referida tese de mestrado. ANTT. Real Mesa Censória, Requerimentos para obtenção de licença de impressão, Cx. 27, Doc.29).

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recebeo um copioso sortimento de todos os instrumentos pertencentes à

Musica Militar: flautas de nova invenção de Bingala, e pianos-fortes quadrados de nova invenção, com a máquina de metal feita de proposito para o clima de Portugal e do Brasil, com 4 pedaes, que trabalharão com os pés, e em cada tecla 3 cordas, que recebem huma afinação perfeita, e servem de piano-forte, e de forte-piano, dando-lhes a preferencia neste genero os melhores Professores da Europa. (GL 2, 1º supl.: 1800/07/15).

João Baptista Weltin desenvolveu também uma importante actividade

como músico,15 a expansão da sua actividade à comercialização de música e

instrumentos importados iniciou-se em 1798, ano em que “dá a saber ao

Público que elle recebeo ultimamente hum copioso sortimento de toda a

qualidade de Musica a mais moderna [sic], como tambem de Flautas,

Clarinetes, Harpas, e Pianos-Fortes, o que tudo se vende na Real Fabrica de

Musica ao Chiado, aonde tambem se aluga Musica" (GL 3: 1798/01/ 20). A sua

actividade comercial abarcou também a distribuição de música impressa

importada e a sua, aparentemente limitada, actividade como editor está

documentada pelo anúncio à subscrição de dois periódicos de música.16 Logo

no ano seguinte de início de actividade, em Outubro de 1799, Weltin abandona

a razão social anunciada de “Real Fabrica de Musica”, talvez por se confundir

com a de Joaquim Inácio Milcent.17 A partir de então anuncia-se como “Musico

da Camara de S. A. R., morador na rua dos Martyres, na esquina que vai dar

ao Real Theatro de S. Carlos” (GL 44, supl.: 1799/10/29). Em 1816 toma como

sócio Luis Gonzaga Weltin, seu irmão, do qual não há registo de actividade

como músico nem tão pouco aparece inscrito na Irmandade de Santa Cecília.

Constituem então a razão social “João Baptista e Luiz Weltin com armazem de

Musica e instrumentos” (GL 257: 1816/10/29) que se mantem até 1824.18 Tal

15 Integrou a Orquestra da Real Câmara (1792 e 1824) e fez também apresentações públicas como solista. Nessa qualidade integra o elenco que se apresenta no “concerto vocal e instrumental” no Theatro da Rua dos Condes, em benefício de Mr. Pedro Gervais (violinista), a 23/05/1791, cujo programa variado inclui uma “Sinfonia concertante de Devienne na qual executará os solos de Fagote Mr. Welttin, e os de trompa Mr. Watmann” (GL 20: 1791/05/ 17). 16 Cf. Albuquerque 2006: 136-137. Subscrição dos periódicos musicais, respectivamente, em 1815 (GL 266: 1815/11/10) e 1820 (GL 250: 1820/10/17). 17 GL 42: 1799/10/19. (Cf. Albuquerque 2006). 18 Nesse ano anunciam “João Baptista Weltin, Musico da Real Camara de Sua Magestade Fidelissima, e Luiz Gonzaga Weltin, seu irmão e Socio no Negocio de Musica e Instrumentos, rogão aos seus credores queirão ajustar as suas contas com elles, visto que em breves dias se hão de retirar desta Corte para a

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como se verificou com Waltmann o leque de oferta, e sobretudo o detalhe de

informação especializada que é fornecida, em termos de comercialização de

instrumentos vai enriquecendo gradualmente. Logo no seu primeiro anúncio,

acima citado (GL 3: 1798/01/20) Weltin dá conta de uma considerável

variedade de instrumentos, incluindo já as harpas e pianos-fortes.

Com a excepção isolada do anúncio de 1781 de Adam Miller “de

Inglaterra” que oferece pianos fortes (GL 4: 1781/01/26) e no que se refere ao

processo de expansão da comercialização de instrumentos, confirma-se que

Waltmann dominou esta actividade em armazém especializado entre 1792 e

1798, embora com escasso investimento nos anúncios em imprensa. A partir

do momento em que Weltin inicia a sua actividade neste ramo, em 1798,

vemos que a diversidade e quantidade de oferta, bem como as estratégias de

marketing se intensificam, numa aparente lógica de concorrência entre os dois

armazéns explorados pelos músicos régios, que vão dominar este comércio

especializado até pelo menos 1812.

A partir de 1813 inicia-se uma gradual diversificação dos pontos de

venda de instrumentos importados. Desde logo o armazém da Rua dos

Fanqueiros nº64 que, entre 1813 e 1816, anuncia a venda de pianos-fortes de

Londres. 19 Em 1814 o comerciante Schlegel, do Porto, faz saber em anúncio

isolado que tem também para vender pianos-fortes dos “melhores autores” (GL

129: 1814/06/02). No mesmo ano, em Lisboa, o armazém de Aldosser e

sobrinhos (GL 240: 1814/10/11) anuncia uma oferta variada de instrumentos,

incluindo os pianos-fortes importados de Londres. Este último armazém

continua a sua actividade de comercialização de instrumentos até pelo menos

1831,20 estabelecendo uma concorrência clara aos armazéns de Weltin e

Waltmann, sempre activos no período em estudo. Aldosser e Sobrinhos vão

contudo alargar o leque de produtos comercializados com a razão social de

“armazem e loja de livros” em 1824,21 anunciando, para além dos instrumentos

sua Patria, com licença de Sua Magestade Fidelissima, para arranjarem os negocios de sua familia" (GL 159: 1824/07/08). 19 "Quem quizer comprar Pianos-fortes, de excellentes authores, como Clemente, e outros, os quaes chegaraõ ha pouco de Londres, primorosamente acabados, dirija-se no dia 3 de Abril das 10h da manhã até ás 4 horas da tarde, á Rua dos Fanqueiros Nº64”. (GL 72: 1813/03/26). 20 GL 93: 1831/04/21. 21 GL 175: 1824/07/27.

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musicais, produtos como as “aguas minerais de Pyrmont, Saitschitz, e Geilnau

novamente chegadas da Alemanha, e da verdadeira agua de Colonia”. Em

1826 apresentam-se como “armazem e loja de vidros e quinquilharias”,

anunciando a verdadeira graxa de Day e Martin, para além dos instrumentos

musicais (GL 186: 1826/08/10).

Os restantes anúncios de venda de instrumentos importados e em

primeira mão que encontramos na segunda década de oitocentos, com a

excepção do armazém de Aldosser e sobrinhos, são exclusivamente

vocacionados para a distribuição de pianos, na sua quase totalidade oriundos

de Inglaterra. O esquema de venda, é tal como no referido Armazém da Rua

dos Fanqueiros, concentrado no tempo e por vezes em leilão. É este o caso E.

[Duarte] Edwards,22 activo entre 1818 e 1819, que anuncia um “grande

numero de magnificos forte-pianos e pianos-fortes, tanto horizontaes como

verticaes, do som o mais brilhante, feitos pelos seguintes Mestres: Clementi e

Companhia, Stodart, Jomkinson, Broadwood, Astor, e Horwood”, os quais

vende em leilão público numa “occasião favoravel para os Professores e

curiosos de Musica” (GL 119: 1818/05/22. 144: 1818/06/20). Este comerciante

oferece ainda a facilidade de troca de pianos após compra e recorre à fama de

João Domingos Bomtempo como estratégia de marketing, desta feita, “faz

saber que tem hum grande Piano-forte (Horizontal) tal e qual como o Piano-

forte que tem o celebre Musico Bomtempo, e feito pelo mesmo Author

Clemente e Companhia." (GL 295: 1818/12/14). Dos restantes pontos de venda

que surgem no início do século XIX importa referir Franz Anton Driesel, um

importante promotor da prática musical doméstica segundo o cronista da

AMZ.23 O processo de expansão é constante na década de 1830, sendo os

principais armazéns de venda de instrumentos variados os de Waltmann, sob a

razão social de viúva Waltmann e filhos a partir de 1824, de Aldosser e

sobrinhos e os dois novos armazéns que surgirão, sob a responsabilidade de

Valentim Ziegler e de Paulo Zancla.24

22 Na tv. do Athaíde nº1 e depois a partir de Janeiro de 1819 na rua nova dos Correeiros Nº109, 2º andar. 23 Cf. Cap. 4. Em 1817 Driesel coloca o seu primeiro anúncio para vender “dois grandes Pianos fortes ou fortes Pianos de Astor de superior qualidade, e tambem hum Piano organiado de Erard” (GL 15: 1817/01/17), vai manter a sua actividade comercial até pelo menos 1831. 24 GL 186: 1825/08/10 e GL 267: 1825/11/12.

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A comercialização do piano conhece uma expansão muito expressiva,

confirmada pela crescente actividade dos armazéns e o conteúdo dos anúncios

que trazem a público, e ainda pelas informações que constam de registos

alfandegários de importação. Esta é contudo acompanhada por alguns outros

sintomas associados ao fascínio pelo enriquecimento do espaço doméstico

com artigos de luxo e novidades modernas e sofisticadas, tanto mais se estas

animarem a convivialidade, revelando-se um interesse particular pelos

mecanismos. O fascínio e investimento na máquina, no mecanismo, revela-se

como um traço importante no processo de passagem para a época moderna

cuja matriz assenta na ideia de progresso e desenvolvimento. Uma visão

optimista assente no equilíbrio entre razão e sentimento que é inaugurada pelo

Iluminismo e que no universo instrumental podemos considerar modelarmente

representada pelo piano, mas também pelo aperfeiçoamento de mecanismos

associados aos instrumentos de cilindros. Refiram-se os casos de David

Guinié, relojoeiro, que concerta estes mecanismos e sobretudo actualiza o seu

reportório: “Orgãos ou Realejos com cylindros, e pertender concertallos ou

meter-lhes novos cylindros com musicas escolhidas, ou nos mesmos que

tiverem tirar numas, e em seu lugar introduzir outras musicas de melhor gosto”

(GL 47: 1804/11/20). Também João Baptista Jacotel e João Baptista Tribolet,

Organeiros, e vindos de Paris, “fazem e concertão Orgãos e Cilindros, e outros

instrumentos de mecanica, e Realejos de todas as qualidades. (...) fazem

novos cilindros para Orgãos e Realejos com qualquer Muzica, que lhes

ordenem” (GL 179: 1816/07/30). Waltmann com o seu apurado sentido

comercial anuncia também instrumentos deste tipo, acentuando a modernidade

do reportório de dança que oferecem, “Orgãos de 10 palmos de altura, com

tres grandes symfonias, com campainhas e zabumba, e trinta tocatas diversas,

nas quaes estão contradanças, e waltzas das mais modernas: tambem ha

destes Orgãos de oito palmos e meio de altura, com trinta tocatas com

zabumba, e campainhas”. Mais tarde anuncia “Orgãos de hum até nove

Cylindros, cujas peças de musica são das mais modernas”, não sendo já

necessárias especificações (GL 271: 1814/11/16. GL 4: 1819/01/05).

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Quadro 25 Armazéns de Comercialização de Instrumentos:

1792-1798

comércio dominado por Waltmann

1798-1812

comércio dominado por Waltmann e Weltin

1804 David Guinié, relojoeiro (cilindros) 1813 R. Fanqueiros nº 64 (só pfs. Clementi e outros de Londres) 1814 R. Fanqueiros nº 64.

Ignacio José Schlegel (pfs), Porto: Rua das Taipas nº49, 1º João Aldosser e Sobrinhos (pf Londres, instr. vários: hrp, guit., cl, fl, fg, tp ), na rua Direita de S. Paulo nº37-38.

1815 R. Fanqueiros nº 64. R. Nova S. Mamede (pf Londres: Astor e Clementi).

1816 R. Fanqueiros nº 64. R. Nova S. Mamede. Aldosser e Sobrinhos. Jacotel e Tribolet (organistas): cilindros.

1817 F.A. [Francisco António] Driesel, R. S. Paulo 85 (2 pf. Astor e 1 pf organiado Erard) Fabrica Instrumentos, R.Loreto nº20/nº80 (1 harpa em bom uso). Aldosser e Sobrinhos.

1818 Rua do Crucifixo (2 pf). E. [Duarte] Edwards, tv. Athaíde nº1 (gr. nº de pf de Ingl.)

1819 E. [Duarte] Edwards, r. Dos Correeiros nº109. R. Fanqueiros nº82 (pf e fp de Ingl.) R. da Prata nº97 (3 pf) Aldosser e Sobrinhos (até 1825)

1820 A. Zengraff, R.S.Paulo nº 44 (cordas) Relojoeiro inglez, Porto (vários pf Londres novos)

1813-1824

Neste período de expansão e surgimento de outros Comerciantes, Waltmann e Weltin continuam a sua actividade e confirmam-se como os vendedores especializados que desenvolvem actividade mais consistente e regular.

A comercialização de pianos em Portugal é dominada, embora não

exclusivamente, pelas importações de Inglaterra, cujas respectivas autorias

foram atrás referidas. Anunciam-se contudo também instrumentos oriundos de

França e só mais tardiamente entram no circuito nacional os pianos alemães e

austríacos. Weltin apresenta-se como o comerciante que importa com maior

regularidade pianos franceses, nomeadamente Erard, os quais anuncia a partir

de 1806, “acaba de receber Pianos-fortes de Erard, freres, sendo huns em

forma quadrada, outros em forma de cravo, e outros em forma de orgão” (GL

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37: 1806/09/16. GL 52: 12/30).25 Em 1818 o mesmo Weltin anuncia pela

primeira vez instrumentos Pleyel:

(...) Novamente recebido de Londres hum sortimento de Pianos, e Forte-

Pianos, e Pianos de Gabinete, e tambem Pianos do celebre Ignacio Pleyel de Paris. (GL 144: 1818/06/20).

O domínio inglês na comercialização de pianos em Portugal é aliás

confirmado pela documentação disponível das Alfândegas. Na Alfândega do

Porto regista-se a entrada de instrumentos comprados por particulares, entre

os quais os pianofortes que estão em grande maioria e são oriundos na sua

totalidade de Inglaterra. Este registo documental contraria algum exagero do

contido na afirmação do cronista da AMZ, que contabiliza a existência de

apenas 20 pianos em Lisboa por volta de 1808. Interessa considerar também a

presença de prática instrumental no Porto,26 decerto estimulada pela

comunidade inglesa aí residente. Lisboa apesar de ter um porto com enorme

movimento comercial colonial mas também europeu apresenta um controle

alfandegário apertado, decerto dependente de uma variada rede de relações

interpessoais baseada na lógica dos privilégios e favores pessoais.

Manique has released my pianoforte from the Custom House, but still detains

four or five cases in spite of the Marquis' [Marialva] solicitations. (Beckford 1954: 140. 1787/07/21 ou 22. Neryve).

25 A partir de 1812 Waltmann liga-se ao circuito comercial inglês, anunciando pianos “fabricados pelo Author Broadwood, [John Broadwood 1732-1812] bem conhecido pelos Professores por ser o melhor Author: elle foi escolhido para fazer estes Instrumentos para a familia Real de Inglaterra” (GL 136: 1812/06/11). No mesmo ano Weltin anuncia a venda de pianos ingleses e continuará a comercializar pianos de ambas as proveniências, “hum grande Forte Piano d'Erard em Paris, e outros Pianos, novamente chegados de Inglaterra, de seis oitavas, todos do melhor gosto e perfeição, pelo célebre Astor” (GL 81: 1814/05/05 e GL 169: 1815/07/20). 26 Refira-se a propósito o aviso em que se pode ler: "Na Cidade do Porto, em cima do Muro, Nº23, em casa do relojoeiro Inglez, se vendem Pianos-fortes novos, de cinco oitavas e meia de excellente qualidade, feitos de encommenda, e chegados proximamente de Londres". (GL 172: 1820/07/22).

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Quadro 26

Alfândega do Porto - registo de entrada de instrumentos: 27

1787 – 2 pf [L.479, N.209, 216]

1788 – 2 pf usados, um deles para consertar. [L.515, N.108, 152]. 1789 - 7 pf [L.537, N.31, 39, 104, 135, 138, 141, 150]. 1790 - 3 pf, um deles para consertar [L.558, N.9, 65, 129]. 1791 – 8 pf [L.602, N.76, 78, 87, 94, 112, 115, 116, 128] 1792 – (não há L. deste ano) 1793 – 6 pf [L.682, N.12, 57, 62, 111, 116, 117] 1794 – 1 pf [L.707, N.83] 1795 – 8 pf [L.739, N.43, 51, 60 (2 pf), 81, 84, 94, 137,] 1796 – 7 pf [L.739,N.183, 195, 196, 131, 146. L.779, N.74, 145] 1797 – 2 pf [L.814, N.22, 61] 1798 – (não há L. deste ano) 1799 – 10 pf [L.883, N.13, 17, 18, 46, 52, 73, 76, 91, 193, 194] 1801/02. 1809/10.1811: não há registo de importação de pf e só um

de “outros” instr. musicais

Quadro 27 Alfândega de Lisboa - registo de entrada de instrumentos: 28

Entre os poucos dados desta Alfândega registam-se entradas de pf oriundos de Inglaterra em: 1809 – 1pf 1810 – 2 pf 1812 – registo da importação de “duzentos setenta arrateis de fio de manicordio29

Os registos da Balança Geral do Comércio de Portugal (SR) da Junta do

Comércio, entre 1799-1830 (um fundo de 30 Livros), incluem o comércio entre

os domínios ultramarinos e nações estrangeiras. Nestes é comum o registo de

“Instromentos” no detalhe do item generalista de “Varios Generos”, não vindo

especificado se se trata de instrumentos musicais. Contudo nos anos em que

27 ANTT – Alfândega do Porto/Para as Liberdades da meza da Abertura: Livros de registo entre 1787 e 1811. 28 ANTT – Alfândega de Lisboa/ Mesa Grande do Açucar. Receitas Livres, L.1282, N.6 e N.68. O preenchimento do Livro termina a meio. 29 ANTT- Alfândega de Lisboa/ Receita das Fazendas Inglesas, L.736, f.12v. O termo manicordio é usado por diversas vezes nos registos de alfândegas como sinónimo de pianoforte.

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são especificados os Instrumentos musicais importados, no caso pianos,

constata-se que não parece posteriormente a alínea “Instromentos” podendo

concluir-se, embora com alguma margem de erro, que se tratasse

efectivamente de instrumentos musicais. A partir da década de 1820 a

importação de pianos regista um aumento exponencial, referindo-se aqui

alguns dos números conhecidos:

Quadro 28 Importação de Pianos oriundos de Inglaterra pela Alfândega de Lisboa:

1826: 38 Pianos fortes” que pagam a taxa alfandegária de 6.699$129 [L.211, p.82v]. 1826: 39 Pianos fortes sob a taxa de 6.699$129 (L.212, p.63v). 1827: 41 Pianos fortes sob a taxa de 5.804$039 (L. 213, p. 58v). 1828: 6 Pianos fortes sob a taxa de 667$234, (L. 214, p. 54v).

Os anos de 1826 a 1828, foram aqui destacados porque é a primeira vez

que encontramos nos registos da Balança Geral do Comércio a especificação

dos instrumentos musicais importados. Anteriormente consta apenas a

referência genérica a “Instrumentos musicais” como acontece no ano de 1815,

no qual se especifica nos registos de importação de Inglaterra e na rubrica

“Vários géneros”.

Quadro 29 Balança Geral do Comércio: Importações de Inglaterra (1815) e França (1817).

1815: Inglaterra [L. 198, p. 76v.] (...) Madeiras Vários géneros Azeite de peixe 37586$000 Papel Pelles 17142$000 Instromentos de Muzica 22399$270”

1817: França [Livro 200, p. 85v]

Vários Géneros (...) Instromentos de Muzica ..............2611$400

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Como evidência histórica da gradual preferência pelo pianoforte, a

comercialização de cravos em primeira mão apresenta-se em franco declínio

no período em estudo. São praticamente inexistentes os anúncios a este

instrumento por parte dos armazéns especializados, aparecendo mormente no

circuito de vendas em segunda mão, seja isolado, seja integrado em leilão. Na

documentação relativa à Alfândega do Porto encontramos os dados seguintes:

Quadro 30 Alfândega do Porto30 - registos relativos a cravos:

1787 – 1 Cravo uzado que foi a concertar a Londres (L. 479, N 21) 1789 - 2 cv de Londres (L. 537, N.104, 110) 1790 - 2 cv (L.558, N.128, 146) 1791 - 2 cv (L.602, N.10, 65).

Regista-se ainda a entrada em Lisboa em 1799 de um cravo inglês para

uso da família real, o que só confirma todos os relatos que atestam da elevada

formação musical da rainha e das princesas suas irmãs e do recurso à

importação de instrumentos:

Manda o Principe Regente N. Senhor, que se entregue ao portador da Prezente Portaria, hum cravo que chegou de Londres, para sua Alteza Real a Princeza Nª Srª, e que possa ser conduzido para terra de bordo de qualquer Navio em que estiver – Palácio de Queluz a 28 de Setembro 1799 – Luis Pinto de Souza. (ANTT/MNE 365, Livro de passaportes de entradas e saídas 1794 -1809).

Refira-se o sintomático uso de terminologia híbrida, própria ao processo

de transição e substituição no instrumentário, que começa a aparecer

relativamente cedo: “Quem quizer comprar hum Cravo de martelinhos em bom

uzo, e o dito se acha em Caza de Clemente Gomes, Organista” (HL 3:

1766/07/22). Este instrumento seria provavelmente da autoria de Manuel

Antunes (1760-1767), reconhecido como o primeiro construtor de pianos

estabelecido em Lisboa, com privilégio Real para a venda exclusiva de “Cravos 30 ANTT, Alfândega do Porto, Para as Liberdades da meza da Abertura - Livros 479, 537, 558 e 602.

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de Martellos” entre 1760-1770 (Lambertini 1914: 8).31 Também Mathias

Bostem, no anúncio já atrás citado, avisa para um cravo de martelos de sua

construção (GL 30: 1793/07/23, supl. extr.), tendo iniciado esta sua actividade

porventura a partir de 1770, ano em que expirava o privilégio atrás referido.

Regista-se ainda a actividade de outros construtores estabelecidos em

Lisboa,32 o que reforça a ideia de que o circuito comercial da construção e

venda de cravos se encontrava estabilizado no mercado local, não

necessitando de recorrer regularmente à imprensa33.

O armazém de J. B. e L. Weltin, limita-se a anunciar por uma única vez a

venda de “pennas de Corvo para cravo”, e já em época tardía (GL 257:

1816/10/29). Finalmente a versatilidade necessária em período de transição do

instrumentário é anunciada por José da Cruz Antunes, que se oferece como

“afinador de Piannos fortes, Cravos, Monocordios, etc. e que igualmente os

concerta” (GL 144: 1820/06/ 20). Refira-se que, para além da venda em

segunda mão, os cravos poderiam ser também sujeitos a transformações no

mecanismo: hum sugeito que se obriga a pôr com martellos os cravos de pennas, ficando

quasi com força de piano [sic], pelo preço de vinte mil réis em metal: as pessoas que se quizerem utilizar do seu prestimo por preço tão commodo, se podem dirigir á loja do livreiro Costa, na rua direita d'Alcantara, Nº36, e em Lisboa, na rua dos Fanqueiros, Nº24, aonde deixarão o seu nome, e Nº da morada, a fim de o dito sugeito ir vêr primeiramente se os cravos tem proporções para admittir a tal mudança. O dito sugeito tambem concerta, e afina pianos, etc. (GL 133: 1830/06/07).

Entram ainda pelas alfândegas principais outros instrumentos

identificados como rabecas, rabecões ou orgãos pequenos (um deles foi para

consertar em Londres), mas que não estão directamente associados à 31 O privilégio impunha a condição de não vender nenhum desses instrumentos por preço superior a 120$000 réis (Ibid. 8, nota 3). Itálico no texto do autor. 32 O consagrado construtor português Joaquim José Antunes, anuncia “dous Cravos de oitava larga” (CM 15: 1794/04/15). A propósito de uma edição musical em venda, temos mais um anúncio isolado do construtor de cravos “Feliciano José de Faria, o qual faz e affina Cravos” (GL 12: 1795/03/24, 2º supl.). Ainda a propósito da venda de um pianoforte ficamos a saber da actividade de “José Calisto, Mestre cravista e afinador” (GL 229: 1812/09/30). Refiram-se ainda os construtores de pianos e cravos (listados em conjunto) inclusos no estudo de Lambertini (1914: 8): Manuel Angelo Villa (1745), João Esvenich (1749), Jacintho Ferreira (1783), Joaquim José Antunes (1785) e Feliciano José Faria (1795). 33 Lambertini (1914:10) transcreve uma pauta de alfândega (localização não identificada) de 1776 onde se refere a origem nacional, “feitos no Reino”, dos instrumentos: Cravos de martellinhos para musica feitos no Reino, hum ............. 32$000 Ditos de pennas, hum...................................................................... 20$000 Manicordios grandes feitos no Reino, hum ...................................... 7$200 Ditos pequenos, hum ........................................................................ 4$000

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realidade da música no contexto doméstico, sobretudo no caso dos

instrumentos de sopro cuja aquisição aparece associada a um regimento

militar. Referimos ainda as entradas via Inglaterra de três guitarras: uma usada

em 1788,34 duas em 179735 e mais uma em 1799,36 pra além de um realejo em

1797.37 De Hamburgo chega em 1793 “Hum instrumento de vidros p. Tocar

musica em hua caixa”,38 sonoridade que, como foi já referido, era apreciada

não só nos concertos privados, sobretudo no seio da corte, mas também nos

concertos públicos e na igreja.

1 – Estratégias de Marketing

A partir de 1800 a eloquência retórica dos anúncios para venda de

instrumentos intensifica-se sobretudo no que se refere aos pianos, com o

intuito de chamar a atenção do público para as características e qualidade dos

produtos em venda, relevando-se o facto de serem instrumentos importados

das principais cidades da Europa, sobretudo Londres. Este é portanto mais um

sinal que confirma o cosmopolitismo como um dado regulador da prática

musical privada. Naturalmente o prestígio de quem vende, sobretudo tratando-

se de músicos régios é apresentado como uma garantia de qualidade

acrescida, pois uma vez mais e por via indirecta permite ter acesso à

legitimação Real por via da música em privado.39 Com a entrada no século

34 ANTT, Alfândega do Porto, Para as Liberdades da meza da Abertura, Livro 515, N.154. 35 Ibid.: Livros 814 N.114. 36 Ibid.: Livros 883 N.217. 37 Ibid.: Livros 814 N.113. 38 Ibid.: Livros 682 N.153. 39 A garantia de confiança para o público comprador e o prestígio que emana dos instrumentos e música comercializada é reforçada por se tratarem dos músicos da corte: “João Baptista Waltman, Musico da Camara de S.M.F.” (GL 1: 1793/01/01); “Mr. Weltin, Musico da Camara Real” (GL 11: 1800/03/18); o mesmo “João Baptista Weltin, Professor de Musica de S.A.R., o Principe Regente de Portugal” (GL 20: 1813/01/25); e ainda “Mathias Bostem, Cravista de S. M.” (GL 30: 1793/07/23, supl. extr.).

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XIX, ao que não terão sido alheias as invasões francesas, vão dominar as

apresentações de mero carácter comercial constando a identificação da

localização dos armazéns de venda, é também este o caso de Waltmann que

entre 1803 e 1824 passa também a identificar o seu armazém apenas pela

morada (rua direita de S. Paulo nº18).

Grande parte dos anúncios, elogiam à cabeça a modernidade, ou seja, a

novidade destes instrumentos portadores e representantes das últimas

invenções, e mais recentes tendências do gosto em vigor na Europa. É o que

se constata na apresentação de “Pianofortes feitos com a maior perfeição,

segundo o hultimo gosto” (GL 11: 1800/03/18);40 para mais com a chancela da

aprovação régia, “Pianos-Fortes de nova invenção, que merecem a aprovação

dos melhores Professores desta Corte, sendo feitos de proposito para o clima

de Portugal; e harpas como ainda se não virão neste Paiz, de 38 cordas." (GL

39: 1800/09/29). Estratégia esta que se vê reforçada aquando da introdução

dos instrumentos de Broadwood “bem conhecido pelos Professores por ser o

melhor Author: elle foi escolhido para fazer estes Instrumentos para a familia

Real de Inglaterra” (GL 136: 1812/06/11).

É ainda enaltecida a beleza e riqueza dos instrumentos, para além da

qualidade de construção reconhecida aos construtores nomeados.41 Refira-se

o anúncio colocado pelo cravista régio Mathias Bostem (ao serviço entre 1766-

1806, ano da sua morte) que anuncia “hum Cravo de martellos novo, de 5

oitavas, com caixa de pao Magno, guarnecida com seus filetes em roda” (GL

30: 1793/07/23).42 Weltin reforça a questão estética confirmando o valor

ornamental dos pianos nos salões, “chegaraõ de Londres Piannos de Seis

Oitavas, os quaes são da melhor qualidade, e mui lindos” (GL 126:

40 Refira-se ainda “hum Piano-forte, huma harpa de nova invenção e dos mais bem feitos que até agora se tem visto” (GL 1: 1793/01/01); “Pianos Fortes Inglezes, novamente chegados” (GL 156: 1812/07/07); “Pianos Fortes, e Fortes Pianos de differentes invenções, e moderno gosto, dos melhores Authores” (GL 129: 1814/06/02). 41 Refira-se a título de exemplo Weltin que oferece “Pianos-fortes de Erard, freres, sendo huns em forma quadrada, outros em forma de cravo, e outros em forma de orgão; como igualmente harpas dos melhores Authores” (GL 37: 1806/09/16. Waltmann quando anuncia pela primeira vez instrumentos ingleses, “hum sortimento de grandes Fortes Piannos de seis Oitavas, e tambem de Piannos Fortes de seis oitavas, e de cinco Oitavas e meia; são fabricados pelo Author Broadwood” (GL 136: 1812/06/11). 42 Bostem aparece como intermediário avisando que quem quiser o instrumento “póde ir ou mandar vello a casa do dito Cravista, que mora na rua da Emenda, onde se poderá saber quem he seu dono, para com elle se ajustar a compra". Local onde Bostem tem estabelecida uma fábrica de cravos e piano-fortes produtiva (Vieira 1900: II, 409-410).

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1813/05/31). As facilidades de compra a preços acessíveis integram também a

lógica dos anúncios, com instrumentos “por preço muito arrazoado” (GL 4:

1781/01/26), “por hum preço muito commodo” (GL 1: 1793/01/01), até à

possibilidade de “depois da compra feita se quizer trocar algum por outro de

differente Author promptamente se fará.” (GL 295: 1818/12/14), ou, já em 1820,

Weltin que anuncia ter “tambem piannos em segunda mão” (GL 96:

1820/04/24), necessariamente mais baratos, o que acontece num momento em

que há indícios de ser já consideravelmente alargado o comércio de

instrumentos usados.

Mais do que adoptar as formas de tratamento de respeitosa

subserviência em relação ao público que encontramos por exemplo nos

anúncios relativos a concertos, espectáculos de benefício ou mesmo edições

de música vocal e instrumental, temos um tratamento menos pomposo que

claramente inclui os músicos profissionais. Os potenciais compradores são

normalmente nomeados em fórmulas simples, mas com a entrada no século

XIX, começa a assumir-se também o potencial de um público constituído por

amadores e naturalmente com crescente apetência feminina.43

Tal como o piano, mas com uma representatividade muito menor, a

harpa é um instrumento que reúne neste período vários atractivos para se

apostar na sua comercialização, investimento notável na evolução do

mecanismo que alarga o seu reportório e potencialidades musicais, gradual

valorização na linha de influência do salão francês, para além do forte impacte

estético na riqueza ornamental de um salão cosmopolita e luxuoso. Em 1793

Waltmann avisa que tem para vender “huma harpa de nova invenção” (GL 1:

1793/01/01).44 Em 1814 no mesmo armazém, e aparentemente como resposta

a uma crescente apetência por este instrumento ao nível da prática musical

doméstica avisa-se que “ha para vender, novamente chegadas de fóra, Harpas

de nova invenção muito ricas com sua estante, e seu methodo para se

aprender com muita facilidade, principalmente para as Senhoras que sabem

43 Refira-se a título de exemplo, "João Baptista Weltin, Musico da Camara de S.M.F., dá a saber ao Público” (GL 3: 1798/01/16); “participa às pessoas curiosas de Musica” (GL 37: 1798/09/16); “participa aos amadores de musica” (GL 20: 1813/01/25); “participa aos Senhores e Senhoras curiosos e Professores de Musica” (GL 257: 1816/10/29). 44 Provável importação da harpa de acção simples introduzida por Sébastien Erard em 1792 (Cf. Brito 1989: 164). Em 1801 o mesmo Waltmann anuncia “harpas como ainda se não virão neste Paiz, de 38 cordas”. (GL 39: 1801/09/29).

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tocar Piano-Forte” (GL 271: 1814/11/16). O piano enquanto paradigma da

perfeição mecânica, chega a ser referido a propósito da harpa por Weltin que

avisa que “recebeo huma Harpa com o mecanismo de nova invenção, o mais

raro e solido neste genero que tem apparecido, o qual mecanismo faz este

instrumento tão perfeito como hum forte piano” (GL 289: 1818/12/07). Os

anúncios que vão aparecendo com alguma regularidade na imprensa fazem-

nos pensar que este era um instrumento com alguma expressão, mesmo que

circunscrita à comunidade estrangeira, sendo apresentado em palco no circuito

dos concertos públicos por Marie Thérèse Marechal quando se apresenta com

seu marido.45

2 – Comércio de Instrumentos Usados

O comércio de instrumentos em segunda mão resulta de vendas avulso,

por eventual necessidade, e de vendas em leilão em que se arremata o recheio

de casas, normalmente por falecimento do proprietário. Nesta segunda

situação os instrumentos são anunciados em conjunto com o restante

mobiliário fornecendo informação sobre as existências de instrumentos em

contexto doméstico. Também neste circuito comercial se constata que à

medida que se avança no século XIX o piano vai gradualmente ganhar

representatividade em relação ao cravo. Ao contrário do que acontece nos

anúncios colocados pelos armazéns de música, escasseiam nestes as

informações sobre as características dos instrumentos. Contudo à medida que

avançamos na primeira década do século XIX já surgem referências aos

construtores dos instrumentos, sobretudo pianos. A presença do piano neste

mercado de vendas avulso é crescente e por isso encontramos entre 1798 e

45 Entre os anúncios a harpas refiram-se mais alguns exemplos em que se enfatiza a valorização estética “harpas de Inglaterra, cujo mecanismo he da maior perfeição, e o ornamento do melhor gosto” (GL 271: 1814/11/16). Ainda “huma Harpa de patente Erard, ultimamente chegad[a]” é anunciada pelo armazém de Aldosser e Sobrinhos (GL 67: 1817/03/19) e “Harpas ricas de seis oitavas” importadas por Waltmann (GL 114: 1817/05/15).

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1820, 25 avisos para venda de 22 instrumentos e para aluguer de um único

(em 1816).46 Nos anos de 1798, 1800, 1810, 1811, 1813, 1815, 1816, 1817,

1819 vendem-se à razão de um instrumento. Em 1812, 1814 e 1820 são

anunciados dois pianos por ano. 1818 é o ano de máximo movimento de

vendas, no qual se vendem sete pianos.

Em termos de contabilização geral de anúncios isolados encontramos

entre 1764 e 1820 avisos para venda de 14 cravos, sendo o dado mais

sintomático o facto da maior parte destas transacções (10) ocorrer entre 1764 e

1796.47 Naquele que será um dos derradeiros anúncios, de 1816, o cravo

aparece relegado para instrumento de formação e não propriamente para a

prática musical "Quem Quizer comprar hum cravo para aprender musica, muito

em conta, falle com (...)” (GL 131: 1816/06/03). Já no que se refere às vendas

por leilão o número de cravos anunciados decresce registado-se referências a

apenas três cravos.48 Facto singular é o aviso da venda dos instrumentos

pertencentes ao cravista régio em 1820.49

No sentido inverso é a rota da comercialização de pianos-fortes que se

encontra em clara expansão. Nas vendas por leilão registam-se entre 1797 e

1820 avisos para a venda de 32 instrumentos, aos quais se somaria um

número não especificado relativo aos anúncios por grosso (que não fornecem

informação sobre o número de instrumentos), como o aviso acima citado

decorrente da morte do cravista régio. É certo que este crescimento é gradual,

pois em 1797 é leiloado apenas um piano-forte pertencente ao Consul Geral da

Grã- Bretanha (GL 1: 1797/01/03), facto que se articula com a, já aqui referida,

decisiva influência estrangeira na afirmação da música instrumental.50 Só a

46 São raros os anúncios para venda de outros instrumentos mas existem, nomeadamente para 2 flautas (1801) e 2 orgãos (GL 262: 1814/11/05 e 1816), sobre estes últimos é fornecida informação detalhada no que se refere a âmbito e registos. 47 Venderam-se os restantes em 1811 (2), 1816 (1) e 1817 (1). Refira-se a título de exemplo três anúncios: “Quem quizer comprar hum Cravo de pennas, de dous Teclados” (HL 6: 1764), “Vende-se huma Espinheta de tom natural” (HL 17: 1765), "Vende-se hum Cravo do Author Castelli: quem o quizer comprar, na loja da Gazeta saberá onde mora o vendedor" (CM 19: 1795/05/12). 48 Em 1794 (2) e 1797 (1, Kirkman). 49 "23 do corrente se hão de vender na praça dos leilões ao Poleirinho [sic], huns Pianos-fortes e Cravos, que ficarão por fallecimento do cravista de Sua Magestade, madeira de vinhatico e magno [sic]" (GL 44: 1820/02/21). 50 Referência outros exemplos ligados à comunidade de estrangeiros residentes no nosso país: "(...) se ha de fazer leilão nas casas em que morou o defunto Medico da Feitoria Ingleza, sitas na rua de Santo Ildefonso freguezia de Santa Isabel, de varios móveis de casa, hum orgão, e hum cravo de pennas, duas

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partir de 1809 surgem novos anúncios de leilões de pianos integrados em

recheios de casas, chegando-se em 1820 a leiloar dez pianos.51 Para sublinhar

o papel ornamental de que está investido o piano-forte no salão distinto refira-

se um aviso que anuncia o “leilão da mobilia de huma casa, em que entra

algum cobre de cozinha, e dois Piannos, hum delles com fogão” (GL 115:

1820/05/16).

Para além dos cravos e pianos, outros instrumentos, embora raros, vão

a leilão. Tal é o caso de dois orgãos (1794 e 1809)52 sobre os quais não são

fornecidos detalhes, dois realejos (1815 e 1818), e referência ainda para um

anúncio que denota uma especialização no comércio leiloeiro de bens em

segunda mão:

10 do corrente Outubro, ás dez horas, no Largo de S. Paulo Nº10, primeiro andar, haverá leilão de trastes de casa, como leitos, mezas, cadeiras, loiça, vidros, etc. assim como diversos instrumentos de musica, a saber: hum Piano-forte Francez de Thory, hum dito inglez de Astor, duas rebecas [violinos], huma violeta, hum rebecão grande [contrabaixo], dois ditos pequenos [violoncelos], huma guitarra Franceza [viola], e diversos instrumentos de vento, (GL 243: 1820/10/09).

Com óbvio sentido de oportunidade para a expansão comercial Paulo

Zancla (fl. 1822-1830) vai desenvolver importante actividade neste domínio,

que como se pode concluir será cada vez mais rentável. Quando alarga a sua

actividade comercial para o Porto em 1827, escolhe como seu representante e

administrador, Caetano Manuel de Sousa Mesquita Barros, dono de uma casa

leiloeira.53 No ano seguinte o armazém de música no Porto expande-se e

anuncia para Lisboa que:

Paulo Zancla; Negociante estabelecido há muitos annos nesta Capital, (...)

previne o respeitavel público que alem do armazem de muzica e instrumentos, (...) estabeleceo novamente no 2º andar da mesma propriedade huma nova casa de leilões (...) (GL 206: 1828/08/30).

alcatifas grandes, varios trastes de prata e prateados, fivelas, caixas de ouro, anneis, &c." (CM 23: 1794/06/10). "(...) na rua dos Fanqueiros, nas casas em que morou o defunto Doutor Pedro Travers, Medico, e Agente que foi do Hospital de S. M. Britanica, se ha de fazer venda de varios móveis, louça, &c. em que tambem entra hum Cravo de dous Teclados (seu Author Kirkman, de Londres) Esta venda se fará a quem der mais sobre as avaliações dos ditos trastes (...)". (GL 22: 1797/05/30). 51 Em 1809 (3), em 1810, 1814 e 1815 (1 por ano), 1816 (2), 1817 (4, 2 deles referidos como novos), 1818 (3), 1819 (6) e 1820 (10 pianos). 52 CM 23: 1794/06/10, GL 116: 1809/10/14. 53 “na Rua Nova de Sancto Antonio numeros 29 E, e 29 F” (OP vol.III, 236: 1827/08/08).

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A comercialização de instrumentos em segunda mão, encontra-se

portanto em plena expansão a partir da década 1820, o que, se por um lado

comprova a qualidade e robustez de construção, confirma a crescente

acessibilidade dos instrumentos, sobretudo pianos, que existem para todos os

preços.

III – Oferta de Formação 1 – Professores Privados e Escolas

A expansão do consumo e prática da música instrumental que está

associada aos novos modelos de sociabilidade emergentes na segunda

metade do século XVIII, provocou também alterações no universo do ensino

da música. À margem das instituições de ensino tradicionais que formavam os

músicos profissionais, e que estavam adstritas à corte e à Igreja, como é o

caso paradigmático do Seminário da Patriarcal, desenvolveu-se uma

importante rede de ensino privado. A expansão do ensino da música em

regime particular, favoreceu naturalmente o leque de opções de trabalho dos

músicos profissionais dando-lhes possibilidade de desenvolverem actividades

alternativas ás que eram oferecidas tradicionalmente pelas instituições.

O facto da música ser entendida como essencial no elenco de virtudes

atribuídas ao papel social feminino passou a exercer uma enorme pressão no

sentido do reforço e generalização do seu ensino. Numa estratégia de

apropriação dos recursos de distinção socio-económica, o domínio da arte

musical constituiu-se como demarcador relevante, verificando-se na segunda

metade do século XVIII um investimento nesta formação no seio da burguesia,

logo seguida pelas classes médias. As motivações do ensino da música

inserem-se na linha de educação feminina proposta por Luis António Verney

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(1713-1792) no seu influente livro, Verdadeiro Método de Estudar, de 1746.54

Tratando-se de um dos autores mais importantes na afirmação do Iluminismo

em Portugal, cuja obra só teria aplicação no reinado de D. José no quadro da

reforma pombalina, reconhece à educação feminina um papel necessário e

relevante, dedicando-lhe parte da Carta XVI. O reconhecimento do acesso

feminino à educação levantou aliás alguma resistência aquando da publicação

cuja autoria sintomaticamente se escondeu sob o pseudónimo de Barbadinho.

De acordo com o papel social atribuído e que tem como fim a boa orientação

doméstica, Verney reconhece a importância do papel formador “[d]as maens de

familia, [que] sam as nossas mestras, nos primeiros anos da-nossa vida” (Ibid.:

II, 291). Os benefícios da educação feminina resultam em contribuir para que

reine a paz na família, mas também para entreter melhor o ânimo do marido,

sobretudo se este for erudito (Ibid.: II, 292). Para além da gramática, sublinha a

utilidade da aritmética para a economia doméstica e recomenda que a

educação seja regulada e ministrada em casa devendo-se nesta fase inicial:

praticar o mesmo, que [no caso] dos rapazes: O primeiro estudo das mãys

deve ser, ensinar-lhe por-si, ou tendo posibilidade, por-meio de outra pesoa capaz, os primeiros elementos da-Fé. &c. explicando-lhe bem todas estas coizas: o que podem fazer, desde a idade cinco anos, até os sete. Depois, ler, e escrever Portuguez correctamente. Isto é o que rara molher sabe fazer, em Portugal. (Ibid.: II, 292).

O autor reconhece que a música serve ainda de distracção aos pais, que

são quem investe nesta onerosa formação das filhas, para além de ser

“divertimento inocente (...) com o fim, de nam estarem ociozas”.

Pragmaticamente recomenda também os estudos musicais para as futuras

freiras que terão que tocar orgão (Ibid.: II, 297).

A condição socio-económica implicava exigências diferenciadas em

termos de educação, considerando o Barbadinho, relativamente aos

conhecimentos de música, canto e dança que:

Nas senhoras Grandes nam é tam condenavel, aplicar-se mais a estes

divertimentos inocentes, se o-fazem com o fim, de nam estarem ociozas. O que porem me parece necessario, a uma Senhora que tem boa educasam, é, aprender alguma coiza a dansar: nam para se servir de todas as galantarias, que ensinam os mestres,

54 P-Ln, L.1480A.

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mas para aprender o que é necessario, a uma pessoa, que á-de tratar com gente bem educada, e de nacimento. (...) [E também] para que em uma ocaziam posa dansar um menuete, e divertir-se com os seus parentes. (Ibid.: II, 298).

Como se verifica correntemente nos próprios Métodos de dança, esta

arte é justificada pela sua dupla função de contenção do corpo, pois ensina a

andar, a movimentar-se e a saudar com elegância. Refira-se a propósito um

entre vários anúncios que oferecem ensino privado para o elenco genérico dos

conteúdos necessários à boa educação feminina. A esta formação de base é

que se poderiam eventualmente acrescentar as referidas prendas artísticas.

Quem quizer mandar ensinar meninas e boas educaçoens, a ler, escrever,

cozer, fazer meya, luvas, e caziar, e à Doutrina Christan, poderá falar a huma Mestra moradora na rua da triste feya a Nossa Senhora das Necessidades, que ensina a preço de hum tostão cada Mez, e hum pão todos os Sabados.(HL 5: 1764).

Como já aqui ilustrámos através das cartas trocadas entre a Condessa

do Vimieiro e a Marquesa de Alorna55 a propósito da contratação de um

músico, a alta nobreza empregava os seus criados por meio de uma rede

interna de referências e recomendações e não por anúncio de jornal. A

primazia era dada naturalmente aos músicos que se encontravam no circuito

régio, pois teriam já passado por um exigente crivo de selecção. Este modelo

de funcionamento prendia-se com óbvias questões de precaução, uma vez que

os músicos conviviam sobretudo com as senhoras da casa, de acordo com um

entendimento que favorecia um elevado grau de intimidade e coabitação entre

amo e criados.56

A colocação de anúncios na imprensa para o ensino privado da música é

sintomático do já referido processo de generalização deste mesmo ensino

entre senhoras detentoras do poder económico, mas não integradas na rede de

informações ao mais alto nível, a qual envolve normalmente recomendações

dos músicos régios.57 Também sintomático é o facto destes anúncios

55 Cf. Cap. 4. 56 Relaciona-se com a rede de afecto que é estruturante no modelo de comunidade do Antigo Regime, em que o amo é aquele que ama, i.e., que tem a capacidade de amar e é servido por aquele que foi criado em casa, desenvolvendo-se uma lógica familiar, Cf. Cardim (2000: 357). 57 Em 1818 verificamos que os músicos régios continuam a exercer a função de seleccionar e recomendar os serviços de músicos privados no seio da aristocracia mesmo recorrendo à imprensa para tal: "Pretende-se para casa de hum Fidalgo hum Capellão Secular ou Regular que confesse, saiba musica, e toque qualquer instrumento: quem estiver nestas circunstancias procure José Faustino de Lemos, Musico

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começarem por aparecer no Hebdomadário Lisbonense, um jornal rico em

informações relacionadas com a praça comercial e não tanto com a

representação pública do reino como é o caso da Gazeta de Lisboa,

privilegiando-se assim uma publicação que claramente se destina a um público

relacionado com o mundo do comércio e dos negócios. Na GL os anúncios

relativos ao ensino da música aparecem mais tardiamente só começando a

generalizar-se a partir de 1800. Em anos anteriores só se justificam pela

eventual urgência ou raridade dos serviços requeridos, como por exemplo, uma

ama de companhia musical para servir uma Senhora nobre.58

Os termos dos primeiros anúncios colocados na imprensa não se

distinguem em nada do modelo de músico ao serviço da aristocracia,

oferecendo sobretudo humildes serviços manuais, i.e., pentear, afinar cravos e

copiar música. Entre os desempenhos presume-se que caberá ainda o ensino

rudimentar da música e o acompanhamento ao cravo do canto da senhora.

Creados que procuraõ Amos –

Pertende-se acommodar hum Sugeito para acompanhar qualquer Senhora, sabe hum pouco de pentear, afinar cravos, e copiar solfa; quem o pertender fale neste oficina. (HL 4: 1766/07/26).

Grande parte dos professores/acompanhadores contratados para o

ensino e prática musical em privado são oriundos da esfera do clero secular,

não só porque é nesta rede de ensino que estão enquadradas as principais

sedes de formação, mas também porque socialmente seria menos

problemática a sua integração no seio do convívio doméstico das famílias.

Refira-se, a propósito, que Verney é muito crítico em relação à qualidade do

ensino eclesiástico em geral, interessando-nos sobretudo o seu juízo sobre a

música.

Este é um dos-motivos porque digo a V. P. que o Clero secular deste Reino, é

ignorante: pois os Bispos cuidam pouco nisso. Nem deviam ordenar, senam omens da Camara de Sua Magestade, na rua do Sacramento Nº57, calçada da Pampulha, o qual dirá quem o pretende, e o partido que se lhe faz." (GL 259: 1818/11/02). 58 "Huma Senhora da primeira Nobreza desta Corte pertende tomar para sua casa huma donzella de 18 até 20 annos, que saiba bem Musica e tocar Cravo. Aquella que se achar em circumstancias de offerecer-se para isso, poderá mandar o seu nome com o lugar da sua assistencia á loja da Gazeta, a fim de se fazer hum ajuste adequado a similhante prestimo.” (GL 17: 1796/04/26- 2ºsup.).

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capazes. (...) Aqui nos-seminarios Episcopais só se-aprende, algum bocadinho de má Muzica, a Gramatica pola maior parte vam apprendèla fora, no mais nam cuidam os Bispos. (...) Por-is[s]o os Parrocos da-Cidade sabem pouco: e os do-Campo nada. (Ibid.: II, 287).

William Beckford nas referências que faz aos professores de música ao

serviço das casas nobres, adopta normalmente um tom depreciativo, mordaz

mesmo, se oriundos do clero. Associa-lhes a circulação de um reportório local

de fraco gosto em matéria instrumental, embora acabe por se render aos

encantos das modinhas. 59

Estes professores privados de música asseguravam a circulação, e

também a criação,60 de um reportório de alcance local que servia o universo

dos músicos amadores. Em finais do século XVIII este circuito começaria a ser

cada vez mais pressionado pela urgência de acompanhar as tendências, de

estar na moda o que provocou, entre outras consequências, uma difusão sem

precedentes do ensino privado da música. Difusão essa que foi acompanhada

por um processo de vulgarização a vários níveis que levaria à emergência de

um discurso caricatural e correctivo dirigido sobretudo à classe média. O

sentido destas críticas aponta para a necessidade de se elevar a qualidade do

ensino ministrado pelos professores privados, apelando ainda ao juízo crítico

das potenciais alunas que, na urgência de adquirirem as prendas artísticas da

moda, se expõem ao ridículo. Um dos autores (anónimo) deste quadro de

tendências acrescenta que é necessário ter cravo em casa; e prossegue

afirmando que se é moda “terem as Senhoras Mestres de solfa, também o é

nas que são mais da sécia não a quererem aprender, contentando-se com que

se lhe ensinem de cór algumas árias, assim como se ensinam os papagaios a

falar” (Cartas sobre as Modas 1789: 55-56).61

59 Referência elogiosa às modinhas Beckford (1954: 69. 1787/06/07 e 1834: 73. 1787/06/14. Neryve); desagrado em relação às Sonatas tocadas pelos músicos ao serviço do Marquês de Penalva (Ibid. 1954: 102. 1787/06/24) e ao saltério ouvido num sarau da rainha com as infantas (Ibid.: 250, 29/10/1787). Cf. Cap. 2 e 4. Refira-se ainda a este propósito o anúncio colocado na imprensa por um destes potenciais professores de música com a particularidade de oferecer o seus serviços precisamente no saltério "Hum Seminarista do Collegio Real se offerece para ensinar a tocar Salterio, e fornecer Musica moderna para o mesmo instrumento. Quem quizer aproveitar-se do seu prestimo, deixe aviso na Loja da Gazeta". (GL 30: 1802/07/27). 60 Refira-se a propósito a cena representada em teatro de cordel que relata precisamente um quadro em que duas jovens irmãs cantam “aquella modinha nova, que nos fez o nosso mestre” [de música] para agradar em assembleia doméstica. (Cf. A Manhã de S. João, 1792: 9. Nerytc). 61 Cf. Lousada (2001: 20). Cartas sobre as Modas, Lisboa, Typ. Rolandiana, 1789: 55-56.

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No teatro de cordel são correntes as alusões a mestres de música ao

domicílio de duvidosa competência que não se poupam a elogiar os progressos

inexistentes de alunas medíocres, por mera estratégia de sobrevivência

profissional. A este propósito citamos a lição de música da peça A Velhice

Namorada,62 que já no título faz alusão a uma solteira de idade madura

(Antiquaria) que vive com o irmão (o velho Alfarrabio) e se apaixona pelo jovem

Mestre de música (Ambrozino). O ridículo recai sobre esta aluna, vulnerável

pela idade e paixão, que podemos imaginar em cena a berrar, desafinada e

desfigurada pela boca demasiado aberta.63

Entra Bisborria, [a criada], à frente de dois criados que trazem um manicórdio e cadeiras para os aposentos de Antiquaria, e tem início a aula de Música. ANTIQUARIA - Hoje podemos dar a lição aqui, porque está meu irmão na salla curando as suas fontes. AMBROZINO - Sim, minha Senhora, que este sitio he mais fresco para quem está ardendo na fogueira do Amor. ANTIQUARIA - Ah magano, magano! Tambem esta lenha lhe accendeo no coração a fogueira do Amor! AMBROZINO - Pois não! Que a lenha carunchosa arde com facilidade (À parte.) vamos à lição. (Assenta-se. Ambrozino tira elle hum papel de solfa.) Vós, Senhora, já sabeis a mão de solfa; agora vamos cantar as entoações desta primeira escala: eu mostro: Dó, ré. Mi, fá, sol, lá. (Cantando.) ANTIQUARIA - Dó, ré, mi, fá, sol, la. (Desafinada, e Bisbórria escarnecendo.) AMBROZINO - Não he assim. Cada nota destas sóbe hum ponto: governe-se pelo tom // do instrumento, e pela minha voz. Oiça primeiro: Dó, ré, mi, fá, sol, lá. Ora diga, mas com a boca aberta. ANTIQUARIA - Dó, ré, mi, fá, sol, lá. (Com a boca muito aberta, e desafinada.) BISBORRIA - Ai que me mata o bixo do ouvido! (Escarnecendo de parte.) AMBROZINO - Bravo! Isso agora he outro cantar. ANTIQUARIA - Eu quando era Menina cantava huma Aria de dois bemmoles, que era toda de gargalejos, e repenicados, que a cantava muito bem; o meu Mestre dizia, que

62 No estudo introdutório à edição deste texto Rui Vieira Nery (Nerytc) chama a atenção para toda a restante informação contextual presente nesta cena, nomeadamente, “o uso do clavicórdio (= “manicórdio”) em vez do cravo para a referida lição; a referência a uma primeira fase da instrução musical baseada ainda na mão guidoniana e seguida da entoação de uma escala hexacordal, de Dó a Lá; a instrução à aluna para abrir mais a boca ao cantar, sugerindo uma técnica tradicional de colocação de voz de garganta; a menção por Antiquaria de ter cantado na sua juventude “uma ária de dois bemóis” (em princípio em Si bemol Maior ou Sol menor) e de isso corresponder já a uma fase relativamente avançada da aprendizagem elementar; o uso da expressão “cheia de gargalejos e repenicados” para indicar a escrita de coloratura nessa mesma ária. Encontram-se também referências aos mestres de música e dança no entremez Escola Moderna (1782). 63 O mesmo tipo de situação é explorada na peça As Loucuras da Velhice (1786), onde o instrumento utilizado nas lições é, aparentemente, o cravo, mas a observação, feita pelo Mestre, de que este “os martellos de todo tem estrompados” (Ibid.: 6) sugere que se poderia tratar antes do pianoforte, designado então correntemente em Portugal por “cravo de martelos”. O professor é representado segundo o paradigma desta profissão nos circuitos domésticos de classe média: percebemo-lo impaciente e desinteressado de uma aluna a quem falta manifestamente o talento musical, mas vemo-lo, ao mesmo tempo encorajá-la e garantir-lhe progressos porventura inatingíveis, de forma a segurar o seu emprego. (Nerytc).

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eu era huma maravilha; e que só tinha o defeito de ter má voz, máo estillo, e máo tempo. AMBROZINO - De inverno todos tem máo tempo. BISBORRIA - Ó Senhora, olhe que lá vem o Senhor Alfarrabio. ANTIQUARIA - Ó meu Mestre, vá se, e venha logo, que não quero dar lição diante do meu Mano, que faz zombaria de mim. AMBROZINO - E tem razão. (Á parte.) Adeos minha Menina. ANTIQUARIA - Ai que doces palavras! Adeos coração, adeos minha alma. (Vão-se os tres, e os criados levão o Manicordio, e as cadeiras). (Ibid. s.d.: 5-6. Cf. Nerytc).

A crescente oferta de préstimos para o ensino privado da música vai

adaptar-se e tirar proveito das transformações que estão em curso em matéria

de gosto, ditadas pela moda. Verifica-se um alargamento do perfil de

professores, embora a pertença ao circuito musical régio continue a figurar

como máxima recomendação. Se o canto continua a distinguir-se entre os

dotes musicais femininos, já o ensino do cravo tende a desaparecer do elenco

instrumental, à medida que avançamos pelo século XIX, sendo substituído pelo

piano-forte e verificando-se a persistência da viola. Passam a valorizar-se a

rapidez e facilidade dos métodos usados e naturalmente a garantia de

actualização em relação ao “gosto moderno”.64 Este esforço de

acompanhamento do gosto dominante que circula vai favorecer o consumo de

reportório cosmopolita em moda.

Citamos a propósito dois anúncios que abrem horizontes ao modelo de

professor tradicionalmente instituído. O primeiro aponta para a disseminação

do ensino privado da música para fora de Lisboa, requerendo o piano-forte, o

que vai estender-se também às colónias.65 O segundo anúncio aponta para a

possibilidade de constituição de escolas privadas, às quais as alunas se

64 "Hum Professor de Musica Vocal, que tem ha annos ensinado nesta Corte por methodo facil, em breve tempo, e segundo o gosto moderno, faz saber ao Público que ele continúa no mesmo exercicio. Quem quizer utilizar-se do seu prestimo, póde fazer aviso na loja da Gazeta, e na do Madre de Deos à esquina da Inquisição no Rocío". (GL 31: 1800/08/05).

65 A presença do professor de música é notada também nas famílias portuguesas que se estabelecem nas colónias o que reflecte o alcance de uma tendência que vai estabelecer-se como norma no século XIX. Mesmo que, como é aqui o caso descrito, não se vislumbre qualquer inclinação para a música no seio familiar. Citamos aqui o testemunho de Thomas Edward Bowdich que, em 1823,l visita o comerciante Manuel Martins, na Ilha da Boavista, em Cabo Verde: “Among the dependants of the household is a music-master, expressely imported from Lisbon to teach the children; but as neither masters nor misses have musical talents or inclination, he fills up his abundant leisure by keeping a little school, exercising his profession only in the evening, when he thumps out a sonata on the piano, amid a clamour of tongues which renders impossible to do more than a guess at the sounds he produces.” (Bowdich, 1825: 183. Neryve).

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deslocariam para ter as suas aulas, o que se justifica aparentemente pelo

prestígio da professora em causa, mas aponta sobretudo para uma quebra na

clausura doméstica do espaço feminino tradicional. Verifica-se aliás que o perfil

da mestra tende a alargar-se ao ensino da música não se circunscrevendo já

apenas aos rudimentos da costura, letras, números e doutrina cristã.66

Pretende-se hum Professor de musica, que toque Pianno forte com bom gosto,

e bem inclinado, que queira sahir fora de Lisboa. O sujeito que tiver estas qualidades, e pertender exercer a sua arte fora de Lisboa, dirija-se à rua dos Anjos Nº65 á Casa de José Joaquim Pereira de Carvalho. (GL 123: 1800/10/23).

Acaba de chegar de Cadiz, Teresa Sanz, Professora de Musica, a qual dá

lições de cantar e de Pianno forte; as senhoras que queiraõ aprender; podem dirigir-se ao Largo de São Roque N.4, segundo andar. (GL 210: 1811/09/04).

À medida que nos aproximamos do século XIX as ofertas de ensino da

música continuam a diversificar-se, por um lado temos as escolas associadas à

igreja que oferecem préstimos a alunos que se deslocam às suas

instalações,67 por outro temos a implantação de escolas cujos modelos são

importados sobretudo de França, as quais incluem a música nos seus

currículos e aproveitam o potencial económico do crescente público feminino.68

Durante o período em estudo continua a alargar-se a oferta de professores

privados para a música e dança, a qual é acompanhada também por um

número crescente de estabelecimentos escolares de regime geral ou

66 "Deseja-se para tratar da educação d'humas meninas huma Mestra, que seja pessoa de probidade, e saiba ler, escrever, bordar, cozer e tocar cravo por musica, a quem se dará de ordenado 100$000 reis por anno, sustento e cama, e segundo o seu merecimento se lhe fará maior interesse." (GL 1: 1805/01/01). 67 “Seminario de N. S. da Salvação dão-se aulas de Musica entre outras coisas (...)” (GL 18: 1804/05/01). "No Convento de S.Pedro d'Alcantara, presta-se Fr. João da Soledade a ensinar Musica, tocar Orgão ou Piano: quem quizer aplicar-se a esta Arte, pode fallar ao dito religioso no mesmo Convento". (GL 200: 1812/08/27). 68 Concentramo-nos aqui numa destas escolas para acompanhar a sua implantação, alargamento, preocupações com a concorrência e também alterações no regime de frequência: "Madame Champeaux anuncia collegio para meninas interno e externo onde se ensina tudo, ler, escrever, contar, bordar, Dança, Muzica (...)" (GL 231: 1802/09/30). "Collegio de Educação de Madama Champeaux (...) admite Meninas porcionistas, e externas, ensinando-lhes com o maior desvélo, além do que toca à Religião, e Civilidade, todas aquellas cousas que constituem huma menina bem educada, havendo para o ensino da Musica, Dança, e Desenhos habeis Mestres para as que seus Pais quizerem dotar destas prendas. (He este hum dos bons Collegios que em Lisboa se tem estabelecido para a educação das Meninas.)” (GL 231: 1816/09/28). “D. Catherina Champeaux avisa as meninas pensionistas do seu Collegio que este se abre no dia 6 do corrente (...) As que aprenderem Musica, Dança, e Desenho, pagão á parte as estas lições; havendo para tudo mestres mui habeis e dignos de confiança; pois he notório o desvélo da Directora”. (GL 234: 1817/10/03).

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vocacionados para as “prendas artísticas”. Nesta matéria a influência

estrangeira é notória verificando-se uma crescente oferta de professores que,

sendo marginais ao circuito das recomendações interpessoais, divulgam o seu

trabalho pela imprensa.

Importa referir que a aprendizagem da música não se circunscreve ao

universo feminino, existe sim, uma tendencial separação dos géneros, nesta

matéria, tal como em quase todas as outras. Esta separação é sobretudo

notória nas diferenças dos currículos entre os colégios para meninas ou

meninos, no estatuto conferido à música, mas de forma ainda mais evidente no

instrumentário.69 A formação musical masculina, não é tão demarcadora no

processo de emergência dos novos modelos de sociabilidade, que se

caracteriza em boa medida pelo protagonismo conferido às mulheres. Em

última análise o ensino da música para homens destina-se a um estatuto de

equivalência pública em relação aos músicos profissionais, podendo abordar

questões teóricas e conhecendo uma maior variedade instrumental, no seio da

qual a flauta se revela um instrumento privilegiado.70 Vende-se muito reportório

para flauta e há relatos, em concreto na Allgemeine Musikalische Zeitung ,que

testemunham o seu culto entre os músicos amadores:

A flauta é aqui o instrumento que mais se estuda: só entre os amadores conheço cerca de doze que tocam muito bem, entre outros, os concertos de Berbiguier. (Brito/Cranmer 1990: 49. AMZ 1821/08/29).71

A formação de músicos profissionais encontra-se circunscrita às

instituições sob a matriz de ensino eclesiástico, i.e., seminários ou conventos

nos quais circulam também os Métodos e reportório cosmopolita. Muito em

69 Refira-se a este propósito a curiosa divisão de conteúdos que é anunciada pelo Colégio de S. João Baptista, que avisa oferecer aos seus alunos três ramos de ensino: “Ramo Necessario, Ramo Util, Ramo Agradavel [que integra:] Desenho de Figura, Civilidade e Dança, Musica e Equitação.” (GL 174: 1816/07/25). 70 É oportuna a referência a dois anúncios (oferta e procura) destinados à formação musical de meninos: “Creado que necessita de Amo - (...) Clerigo sub diacono que se oferece para secretario ou mestre de meninos pois sabe alguma cousa de canto de Orgam, toca Flauta travessa, e doce, e tem mais algumas boas circunstancias (...)” (HL 25: 1765). "Precisa-se de hum mestre de Musica para ensinar 9 ou 10 discipulos, o qual deve saber tocar rabecão, rebeca, e flauta ou clarinete: o que se achar nas circunstancias, póde dirigir-se á loja de José Rodrigues, na Ribeira Velha Nº29, e em Villa Franca a Filipe José Leal, em a sua auzencia a José Maria Affonso, para tratar do seu ajuste." (GL 41: 1819/02/17). 71 Outras referências anteriores à flauta: Ibid. 40, 44. 1816/06/26.

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concreto o ensino do piano que nos interessa realçar aqui pela sua relevância

no processo de renovação das práticas musicais no quadro das novas

sociabilidades, e que é documentado pelo cronista da AMZ em 1821.72 Esta

parece ser, contudo, uma formação afastada das preocupações com a criação

actual e de modernidade, sendo este o sentido da avaliação de Balbi, em 1822,

a propósito do Seminário da Patriarcal: “La méthode d'enseignement est assez

bonne, quoique un peu trop éloignée du goût de la musique moderne.” (Balbi

1822: II, 74. Neryve).73

2 – Métodos de Ensino em Circulação

As cordas dedilhadas têm uma presença marcante no circuito da prática

musical privada em Portugal, captando um público misto que no final do antigo

regime está em franca expansão. Este público caracteriza-se por uma avidez

na apropriação dos recursos que distinguem a alta aristocracia, a dedicatária

por excelência da produção artística e intelectual. A produção e impressão de

Métodos de didáctica musical no nosso país é escassa no seu conjunto, mas

representativa nas cordas dedilhadas começando por estar associada

precisamente à legitimação aristocrática. Tendo como dedicatário o “illus., e

excellent. Senhor D. Joseph Mascarenhas”, refira-se a título de exemplo o

Método impresso em Portugal de João Leite Pita da Rocha (fl.175-):

Liçam instrumental de viola portugueza ou de ninfas de cinco ordens, a qual ensina a temperar e tocar rasgado, com todos os pontos, assim naturaes como

72 “Na província, as cidades onde existe um bispo têm Seminários de Música e música vocal e instrumental que poderá ser boa em certos casos. (...) Nos conventos encontram-se de vez em quando bons professores de música: entre estes distingue-se aqui em Lisboa Frei José Marques, cujas composições são também apreciadas. Um dos seus alunos, Manuel Inocêncio [Liberato dos Santos], é possivelmente o melhor pianista de cá, pelo menos a seguir a Bontempo: aprendeu entre outros os estudos mais difíceis de Cramer (...)” (Brito/Cranmer 1990: 52. 1821/08/29). 73 “L'INSTITUT DE MUSIQUE (seminario musical) est annexé à la patriarcale. Cinq maîtres de musique y enseignent à un nombre de élèves indéterminé le chant, la musique instrumentale et la composition. Depuis 1800 on y donne des leçons à environ quinze élèves para année. Le premier professeur a 600000 réis de traitement; deux autres en ont 400000 chacun. La méthode d'enseignement est assez bonne, quoique un peu trop éloignée du goût de la musique moderne.” (Ibid.).

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accidentaes, com hum methodo facil para qualquer curioso aprender os pontos da viola todos, sem a effectiva assistencia de Mestre: com huma tabela, na qual se faz menção dos doze tons principaes, para que o tocador se exercite com perfeição na prenda da mesma viola.74 Num contexto mais restrito e inserido também no quadro de formação

das prendas artísticas da aristocracia ao mais alto nível da Corte, refira-se o

manuscrito Escala de Guitarra Inglés. Dedicada a D. Maria Francisca Benedita

(1746-1829) de João Gabriel Le Gras que se constitui como uma série de seis

lições para o instrumento.75 O investimento editorial em manuais de ensino

das cordas dedilhadas vai acentuar-se destacando-se em concreto os Manuais

de Manuel da Paixão Ribeiro para a viola (1789)76 e o de António da Silva Leite

para a guitarra portuguesa (1796).77 Qualquer um dos manuais referidos se

dirige a um público de músicos amadores, em grande medida feminino, que

pretende uma formação musical breve, fácil e agradável, que permita, em

suma, exibir prendas artísticas para animar uma sociabilidade musicalmente

participada. Este interesse está também documentado por uma considerável

oferta de professores de viola, sobretudo italianos, em anúncios na imprensa.78

74 Lisboa na Officina de Francisco da Silva, 1752 (E-Mn – M. 597). 75 Cf. Morais (2000: 83-97 e 2001: 101. Ms, s.d.; P-La, 54-XII-177). Morais refere também um outro manuscrito de João Gabriel Le Gras, receuil D’Ariettes choisies avec Accompagnement de Guitarre Anglaise igualmente dedicado a D. Maria Francisca Benedita (1746-1829), Princesa da Beira e do Brasil (P-La, 54-X-371-5). 76 Nova Arte de Viola; que ensina a tocalla com fundamento sem mestre, dividida em duas partes, huma especulativa, e outra practica; com estampas das posturas, ou pontos naturaes, e accidentaes; e com alguns Minuettes, e Modinhas por Musica, e por Cifra. Obra util a toda a qualidade de Pessoas; e muito principalmente ás que seguem e vida litteraria, e ainda ás Senhoras. Dada á Luz por MANOEL DA PAIXÃO RIBEIRO”... Coimbra na Real Officina da Universidade, 1789. Cf. Biblioteca Nacional Digital (P-Ln, C.I.C. 17V). 77 Estudo de Guitarra, em que se expoem o meio mais facil para aprender a tocar este instrumento: dividido em duas partes. A primeira contem as principaes regras de Musica, e do accompanhamento. A segunda as da Guitarra; a que se ajunta huma Collecção de Minuetes, Marchas, Allegros, Contradanças, e outras peças mais usuaes para desembaraço dos Principiantes: tudo com accompanhamento de segunda Guitarra (...) Offerecido a Illustrissima e Excellentissima Senhora D. Antonia Magdalena de Quadros e Sousa, Senhora de Tavarede por Antonio da Silva Leite, Mestre de Capella, natural da Cidade do Porto. Porto, na Officina Typographica de Antonio Alvarez Ribeiro, 1796. Sobre a circulação da obra pode ler-se ainda no original: “Vende-se na mesma Officina na rua de S.Miguel, nas Casas Nº260; e na rua das Flores, na loja de Livros á esquina da travessa do Ferraz”. Cf. Biblioteca Nacional Digital (P-Ln, C.I.C. 34P). Reed. facs. de Macário Santiago Kastner, IPPC, Lisboa: 1983. 78 Ficam as referências a alguns anúncios que só por si reflectem o alcance da influência dos músicos italianos neste domínio: “se dá informção de hum Mestre, que ensina a tocar Guitarra Franceza de seis ordens, segundo o gosto da mais moderna escóla" (GL 76: 1815). "Na rua das Portas de Santa Catharina, Nº11, assiste Virgilio Rabaglio Italiano, que ensina a tocar vióla Franceza, de que he Professor, e na mesma casa ha tambem hum mestre de flauta". ( GL 184: 1816/08/05). "Os Senhores ou Senhoras que quizerem aprender a tocar Viola por musica, ou cantar podem procurar hum Italiano, na rua do Corpo Santo N.7, primeiro andar". (GL 41: 1816/02/16). "Na travessa do Romulares Nº12, segundo andar ha hum mestre Italiano que se offerece a ensinar a tocar piano, e a cantar; e outro que ensina a tocar viola e

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Para além da produção local é também relevante a importação de Métodos e

reportório para viola pelos armazéns especializados, tirando partido das

vantagens de um instrumento cujo processo de iniciação é rápido e permite até

prescindir de conhecimentos técnicos da linguagem musical (quando há

recurso a tablatura). A viola conhece assim um reportório de circulação local a

par da produção cosmopolita, abrangendo géneros musicais com graus de

dificuldade muito diferenciados.79 Esta popularidade das cordas dedilhadas tem

contornos de particular riqueza em Portugal, na medida em que se se trata de

instrumentos transversais à realidade da música de tradição escrita e oral, o

que os coloca à partida numa posição privilegiada de eventual repositório de

uma identidade local.80

Refira-se ainda o testemunho do teatro com a peça O Teimoso em Não

Casar, (s.d.) que na caracterização da personagem central apresenta um

homem avesso ao casamento porque não quer aturar a má educação das

mulheres modernas. Quando lhe perguntam se a hostilidade se estende aos

divertimentos, este solteirão inveterado (Francillo) responde:

Tenho duas violas de primor Com ellas me devirto a meu sabor, E com a milhor graça

flauta". (GL 18: 1817/01/21). "Na rua de cima do Socorro Nº1, terceiro andar, assiste hum Italiano novamente chegado, o qual ensina a dançar, e em muito breve tempo, toda a qualidade de dança com o devido preceito. Na mesma casa ha hum professor de musica, que ensina a tocar viola e flauta." (GL 19: 1819/01/22). 79 Para se ter um ideia da variedade do reportório anunciado na imprensa começamos por destacar as adaptações de música de ópera, p.e., Algumas Entradas de differentes Operas para Guitarra. Diversas Arias com letra Italiana para o mesmo Instrumento. (GL 43: 1791/10/25). Reportório de afirmação instrumental como é o caso de “Huma grande Sonata de Pleyel para Guitarra". (GL 45: 1791/11/08). Ainda composições variadas e modernas para assembleias como anuncia Waltman quando recebe “hum grande sortimento de Musica moderna de Viola Portugueza ou Guitarra Franceza, que contem Exercicios, Variações, Sonatinhas fáceis, Sonatas a solo, Duetos, Trios, e 50 Arias Italianas só com acompanhamento de Viola" (GL 13: 1802/03/30). Referência mais tardia para a guitarra portuguesa no frontespício de um manuscrito com arranjos para a guitarra acompanhada pela viola de Aberturas de óperas (de Marcos de Portugal, Martin Y Soler, Vogel e Rossini), pode ler-se, Nº1º/ Sinfonia del Ritorno de Xersses/ para Guitarra Portugueza Com acompanhamento de Guitarra Franceza/ou Violino/ de Bartholomeu Joze Giraldes (Morais 2002: 103. P-Cug, mss. s/cota, vol.I: B.I.V.P.; Ms. s.d., c.1830-1840). 80 Lousada discute esta questão em “Paisagens Musicais em Lisboa no Início do Século XIX. Leituras policiais, satíricas e iconográficas” in Morais (ed. 2001: 17-32). Neste estudo apresenta testemunhos que remetem para o processo de gradual distanciação da viola e da guitarra em relação às sociabilidades de elite e a sua crescente representatividade entre populares à medida que se avança no século XIX. “A viola e a guitarra parece terem trocado o palácio pelos estabelecimentos populares e a rua, participando da sonoridade popular ao lado da gaita, da gaita de foles e do tambor.” (Ibid.:26).

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Se vem pessoa que a segunda faça, E sopposto naõ ser Taful Bandarra Também tenho, e toco huma guitarra. (Ibid.: 11).

Pode admitir-se que a referência citada possa designar já a guitarra

inglesa, uma vez que o termo viola, de acordo com a tradição terminológica

portuguesa, acabou de ser utilizado pelo mesmo personagem para referir

outros instrumentos. De notar ainda que a dita guitarra é que aparece conotada

pela personagem com a condição de taful (aquele que investe de forma

excessiva e por isso ridícula com o estar na moda, sinónimo de peralvilho,

bandalho, sécia, casquilho, etc.).

Mais tardio é o testemunho de Marianne Baillie que em 1821 descreve a

prática da guitarra em contexto popular mas também no seio das assembleias,

onde em mão femininas serve para acompanhar modinhas. A própria autora

candidata-se à aprendizagem só que escolhe o instrumento espanhol por

razões de gosto pessoal, que explica, aliás, de forma pouco clara.

Passing by a shop in this marine village [Pedrouços], we saw (for the first time)

two men dancing the national dance, which greatly resembles the cachucha of Spain, to the sound of the viola or Portugueze guitar, strung with their double wires: they snapped their fingers in cadence to the tune, but used no castagnets, and I saw two boatmen engaged in the same way, upon the deck of a small vessel at anchor; but they were dancing (or rather stamping and gesticulating) to their own singing; these dances were extremely monotonous, and destitute of all graceful animation, forming a great contrast, I am told, to those of Spain.

Upon our return from Pedroiços, we dressed and went in the evening to the Condeça d'A[nadia ?]'s; the young ladies gave us several pretty modinhas upon the guitar, and accompanied each other in Italian duets upon the piano-forte: they speak French, Eng- // lish, and Italian, fluently, and are particularly well-bred and obliging in their manners. (…) I have taken her master to teach me to accompany my voice upon the guitar, but have chosen the Spanish rather than the Portugueze guitar, the former being much softer, and better adapted to the melancholy tenderness which breathes through most of the modinhas of this country. The Spanish songs, I think, would sound better upon the Portugueze instrument, as they are so much more spirited and lively in their character, and the accompaniments are generally louder, and consist, in most instances, of certain tricks and beats, which are omitted in the Portugueze method of playing. (Baillie 1824: I, 215-216. Carta XXVIII, 1821/11/02. Neryve).

A inflação do ensino da música não fica documentada apenas no teatro

de cordel ou nos anúncios da imprensa, mas também no alargamento da oferta

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editorial de Métodos de ensino importados.81 Em 1803 Waltmann prepara um

catálogo - indicado como sendo o nº9 - exclusivamente dedicado aos suportes

de aprendizagem e em que são listados todos os Principios, Solfejos, e

Methodos para aprender a Arte da Música, e do Contra-ponto, e os

instrumentos (...).82 Trata-se de um rol rico e variado de 64 títulos que cobre os

domínios teórico e prático. Os Solfejos e mesmo grande parte dos livros para

instrumento inserem-se na linha de influência dos Métodos adoptados pelo

Conservatório de Paris, persistindo em matéria vocal uma representação

importante de autores da escola italiana.83 Entre os 41 Métodos em catálogo

revela-se a preocupação de abarcar uma paleta de enorme variedade que

tende para a exaustividade, abrangendo as novidades e privilegiando os

instrumentos mais populares. Domina por isso em termos de oferta o piano-

forte com cinco títulos da autoria de [Jean-Louis] Adam (1758-1848), [Daniel]

Steibelt (1765-1823), [Muzio] Clementi (1752-1832), [Ignace] Pleyel/[Jan

Ladislav] Dussek (1760-1812) e [François-Louis] Perne (1772-1832). Logo

seguido pelo clarinete e flauta com quatro Métodos cada um e pela “viola

portugueza, ou Lyra, ou Guitarra Hespanhola” com três títulos.84 É revelador o

facto de não se registar nenhum Método dedicado ao cravo, enquanto que no

81 Refira-se que a fraca actividade editorial de música em Portugal não favoreceu a criação e, por certo, a circulação de Métodos de ensino. Devendo por isso valorizar-se produções como a de Nogueira para o violino, até pela qualidade e consistência intrínseca dos exercícios: Consta este livro de toda a casta de Lisões que servem para se fazer estudo na rabeca: ao que se seguem todos os tons varias cadencias, differentes Arpeggios, e outras curiozidades. He de Pedro Lopes Nogueira” [ca.177-] P-Ln, M.M. 4824. 82 P-Ln, Fundo do Ex-I.P.P.C. s/cota (Cf. Albuquerque 2004: 169-174). 83 Refira-se o volume de Solfejos da Itália, de Leo, Duranti, Scarlatti, Hasse, Porpora, Mazzoni, Caffaro, David Perez, etc. (P-Ln s/cota) que na introdução alerta sobre a vantagem de se reunirem vários autores num único método: “On ne doute nullement que les Maitres de Musique placés dans les Cathédrales, soient très en état de faire de bonnes Leçons, mais ils n’en ont pas toujours le tems, ou les ouvrages qu’ils sont obligés de composer pour leurs Églises cette Méthode est particulièrement destinée à abrégér leur travail. (…) il est essentiel pour l’avancement des Enfants qu’ils étudient dans les Ouvrages de différens Maitres: ils se trouvent moins empruntés l’orsqu’ils se présentent dans une place en sortant des Maitrises.” (prefácio: 38g). No catálogo são ainda listados os Exercicios para voz, encadernado, e com o retrato do célebre Crescentini e a sistemática Arte de Cantar reduzida a Principios de Martini. 84 Para sublinharmos esta ideia enumeramos os instrumentos para os quais se oferecem Métodos de aprendizagem nos dois Catálogos respeitando a ordem por que aparecem, a nomenclatura usada e indicando o número de títulos entre parênteses. Catálogo de 1795: voz (2), harpa (1), cravo ou piano-forte (2), violino, mandolino, guitarra, guitarra inglesa, violoncelo, clarinete, flauta, fagote (1 método para cada). Catálogo de 1803: voz (3), harpa (1), viola alto (1), clarinete (4), cor inglez (1), guitarra alemã (1), flauta (4), flageolet (2), galoubet, guitarra portuguesa, mandolino, orgão, oboé (1 para cada), piano-forte (5), pandeirete, serpentão, sanfona (1 para cada), trompa (2), trombão (1), viola portuguesa i.e. guitarra espanhola (3), violino (2), violoncelo (2). (Cf. listagem a seguir apresentadas).

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catálogo de 1795, do mesmo Waltmann, se encontram dois Métodos

consagrados à “Arte de tocar Cravo ou Piano-Forte” que servem as

necessidades próprias ao período de transição.85

Refira-se ainda que neste mesmo catálogo (1803) Waltmann inclui o

Méthodo para Guitarra Portugueza de António da Silva Leite (1759-1833) cuja

edição em 1795 deve ter conhecido grande sucesso, pois foi reimpresso logo

no ano seguinte.86 A presença da Guitarra tinha já uma representatividade

considerável no Armazém de Maréchal anunciando-se “hum Methodo novo

para aprender a tocar Guitarra, e varios Preludios, Sonatas, e Arias com

variações para o mesmo instrumento." (GL 41: 1791/10/11). O próprio

Waltmann no referido catálogo de 1795 anuncia já um Methodo para guitarra

de L. B. e um Methodo para guitarra ingleza sem indicação de autor.

O sucesso da comercialização de Métodos para instrumento foi também

aproveitado pelo armazém de J. B e L.Weltin que em 1816, por aviso na GL

“participa ter recebido de Paris as Artes seguintes: para o Piano-forte por Pleyel

e Dussek, Clementi, Adam, e os Estudos de Cramer; para Rabeca por Baillot,

Rode e Kreutzer, adoptada pelo Conservatório, outras por Mozart, Demar; para

flauta por Hugot e Wunderlich87 adoptada pelo Conservatorio; para Harpa por

Mayer; para Violla, por Carulli, Phillis.” (GL 280: 1816/11/25). Confirmam-se as

relações comerciais com as grandes casas editoras de Paris e a decorrente

importação dos manuais em uso no Conservatoire, já explícita no catálogo de

Waltmann. Clarificam-se ainda tendências que já se faziam sentir no último

quartel do século XVIII que vão no sentido de privilegiar certos instrumentos

mais em voga na música doméstica de oitocentos, como é o caso

precisamente do piano-forte, violino, flauta, harpa e viola. Certo é que a oferta

aqui anunciada pouco acrescenta em novidade ao referido catálogo de

Waltmann, constituindo-se mais como um complemento, sobretudo na escola

85 Methodo para aprender a tocar cravo ou Piano-Forte; Parte primeira, Contem os primeiros Principios de musica, Seguidos de Sincoenta Lições, com o Baixo Fundamental (3 vol.) de Despréaux. Arte de Tocar Cravo ou Piano-Forte, segundo o Methodo aperfeiçoado dos Modernos: dividida em duas partes. A primeira contem differentes exemplos sobre o modo de pôr os dedos no Piano-Forte. A segunda contem doze Lições para o exercicio das duas mãos de Marpourg, este vem referido duas vezes no catálogo (ANTT/R.M.C. Cx.27, Doc.29. Cf. Albuquerque 2004: 139-168). 86 Albuquerque (2006: 295-296). 87 No catálogo de Waltmann vem referido como: Methodo para flauta do Conservatorio de Hugot e Wanderlik.

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violinística. Vale a pena considerar o facto de que a reforma do ensino levada a

cabo por João Domingos Bontempo aquando da importação do modelo do

Conservatório de Paris em 1835, encontrar já alguma massa crítica em

Portugal, nomeadamente no que refere à divulgação dos Métodos de ensino

adoptados nesse centro já desde finais do século XVIII. Métodos que aliás

continuarão a constar dos catálogos de armazéns de música que se implantam

posteriormente como é o caso de Neuparth ou Ziegler.

A grande novidade no instrumentário da época é constituída pelo piano-

forte que para o seu processo de afirmação conta com um esforço muito

significativo no que se refere à produção e edição de Métodos, por parte dos

pianistas que protagonizam este circuito internacionalizado. Tendo em conta o

papel reformador no domínio do ensino da música que virá a ser

desempenhado por João Domingos Bomtempo importa chamar a atenção para

a sua actividade anterior como professor privado. Neste quadro de ensino o

músico publica em Inglaterra, na casa Clementi, um Método de piano, em

181688 e anuncia, em 1818 na GL a sua disponibilidade como professor.89

Registe-se que não só o Método é dedicado à Nação Portuguesa, como o

aviso de imprensa abre anunciando da sua decisão de se estabelecer na

Pátria, o que sugere um entendimento em relação ao ensino como uma missão

de notório alcance público. Assumindo por isso uma postura distante do

modelo de professor privado que serve humildemente as prendas artísticas de

alunos mais ou menos ociosos, que pretendem uma formação elementar que

lhes assegure com rapidez a possibilidade de estar “à moda” ou de animar o

serão doméstico.

88 Elementos de Musica e methodo de tocar Piano Forte: com... seis liçoens progressivas, trinta preludios em todos os tons, e dôze estudos, Op.19, B 86 Imp. C&Co [1816] (Cf. Alvarenga 1993: 114). 89 "João Domingos Bomtempo, tendo determinado estabelecer-se em Lisboa, sua patria, annuncia ao Público que se dispõe a dar Lições de Musica, e Piano forte: quem pretender tratar com elle para esse fim o achará em sua casa, na rua larga de S.Roque Nº55, desde as 8 até ás 11 horas da manhã". (GL 86: 1818/04/13).

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Quadro 31 Métodos para Instrumento anunciados na imprensa ou em catálogos

(assinalam-se as existências na Biblioteca Nacional):

Fonte / Data Título Autor

GL 41: 1791/10/11

No armazém de Maréchal: “hum Methodo novo para aprender a tocar Guitarra, e varios Preludios, Sonatas, e Arias com variações para o mesmo instrumento."

s.a.

GL 46: 1795/11/20 GL 9: 1796/03/05

Jornal de 24 preludios ou caprichos para cravo de forças graduaes, Lisboa: em casa de Pedro Anselmo Marchal, 1794

P. A. Maréchal

1795. (ANTT/R.M.C. Cx.27, Doc.29. Albuquerque 2004: 139-168)

Catálogo de“Methodos e Tratados de Composição, e Princípios para Todos os Instrumentos do armazém de João Baptista Waltmann

Ibid. Methodo, para Harpa, Seguido de varias Obras de differentes authores, e de huma instrucção Sobre a Construção das harpas antigas e modernas [1784]

Cousineau [Jacques-George Cousineau 1760-1824)]

Ibid. Methodo para aprender a tocar cravo ou Piano-Forte; Parte primeira, Contem os primeiros Principios de musica, Seguidos de Sincoenta Lições, com o Baixo Fundamental (3 vol.) [ed. 1785]

Despréaux [Louis Félix Despréaux (1746-1813)]

Ibid. Methodo abreviado para aprender a tocar Rabecca, por meio de Principios claros [1756, Paris 1770]

Mozart [Leopold Mozart (1719-87)]

Ibid. Methodo para aprender Mandolino Leone [Gabriele Leone (1725-90)]

Ibid. Methodo para guitarra L. B. Ibid. Methodo para guitarra ingleza s.a. Ibid. Methodo para Violoncello Jillier [Jean-Claude

Gillier ? (1667-1737)] Ibid. P-Ln, M.P. 1013//4V.

Arte de Tocar Cravo ou Piano-Forte, segundo o Methodo aperfeiçoado dos Modernos: dividida em duas partes. A primeira contem differentes exemplos sobre o modo de pôr os dedos no Piano-Forte. A segunda contem doze Lições para o exercicio das duas mãos [referido duas vezes no cat.], [1756, Paris 1760]

Marpourg [Friedrich Wilhelm Marpourg (1718-95)]

Ibid.

Methodo claro e facil para aprender em pouco tempo a tocar clarinette, com lições e Duos agradáveis. [Métodos. Paris: 1785 e 1798]

Wanderhagen [Amand Vanderhagen (1753-1822)]

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Fonte / Data Título Autor

Ibid. Methodo claro e facil para aprender, em pouco tempo a tocar flauta, com differentes Lições em todos os pontos, com Lições e Duos n’hum estilo facil e agradável. [Paris: 179-]

Wanderhagen [Amand Vanderhagen (1753-1822)]

Ibid. Methodo de fagote, tam precioso para os professores, como para os Discipulos, com Lições e Duos faceis e agradaveis; ahi se achará a escala do fagote antigo e moderno. [Paris 1788]

Ozi [Etienne Ozi (1754-1813)]

1803. P-Ln – Ex-I.P.P.C. s/cota (Albuquerque 2004: 169-174).

Catálogo Nº9: de todos os Principios, Solfejos, e Methodos para aprender a Arte da Música, e do Contra-ponto, e os instrumentos de cordas, e de vento (...) do armazém de João Baptista Waltmann

Ibid. P-Ln, F.C.R. s/cota

Methodo para Arpa Bosha [Robert Nicholas Charles Boscha (1789-1856)]

Ibid. P-Ln, M.P. 592

Methodo para Alto Viola [Paris c.1820?] Bruni [Antonio Bartolomeo Bruni (1757-1821)]

Ibid. Methodo paraClarinetes do Conservatorio [Paris c. 1802]

Le Fevre [Jean Xavier Lefèvre (1763-1829)]

Ibid. Methodo para clarinetes [Paris:179-]

Woldemor [Michel Woldemar (1750-1815)]

Ibid. Methodo para clarinetes Gebauer [Michel Joseph Gebauer (1763-1812)]

Ibid. Methodo para clarinetes Le Roy [René LeRoy ?]

Ibid. Methodo para Cor Inglez, ou Voz Humana Chalon [Frédéric Chalon séc. XVIII]

Ibid. Methodo para Cítara ou Guitarra Alemã Ungelter Ibid. P-Ln, M.P. 593 e M.P.630

Methodo para flauta do Conservatorio [Méthode de flute du Conservatoire, Paris: 1804)

Hugot e Wanderlik [Antoine Hugot (1761-1803), Jean-Georges Wunderlich (1755/6- 1819)]

Ibid. Methodo para flauta [Paris, 1794] Devienne [François Devienne (1759-1803)]

Ibid. Methodo para flauta ob.31 Gebauer [Étienne François Gebauer (1777-1823)]

Ibid. Methodo pequeno para Flauta Le Roy [René LeRoy ?]

Ibid. Methodo para Flageolet Bellay e Vizien Ibid. Methodo para Flageolet Le Roy

[René LeRoy ?] Ibid. Methodo para Fagote, do Conservatorio Ozi [Etienne Ozi

(1754-1813)] Ibid. Methodo para Galoubet

[Livre de Galoubet, Paris: 1790] Chatauminois [M. Chatauminois]

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Fonte / Data Título Autor

Ibid. Methodo para Guitarra Portugueza (Porto: 1795)

Leite [Antonio da Silva Leite]

Ibid.

Methodo para Mandolino [Méthode pour apprendre facilement a jouer de la mandoline sans maître, Paris: ca. 1770]

Fouchetti [Giovanni Fouchetti]

Ibid. Methodo para Orgão[Paris s.d.] Martini [Johann Paul A./Jena Paul Egide Martini (1741-1816)]

Ibid. Methodo para Oboé [c.1798] Garnier [François-Joseph Garnier (1755- c.1825)]

Ibid. P-Ln, C.I.C. 12V. e M.P. 606A.

Methodo para Piano Forte, do Conservatório [Méthode de Piano du Conservatoire, Paris: 1802]

Adam [Jean-Louis Adam (1758-1848)]

Ibid. P-Ln M.P. 591 A.

Methodo para Piano Forte Steibelt [Daniel Steibelt (1765-1823)]

Ibid. Methodo para Piano Forte Clementi [Muzio Clementi (1752-1832)]

Ibid. P-Ln, M.P. 432 A. e M.P. 606 A.

Methodo para Piano Forte Pleyel/ Dussek [Ignace Pleyel/Jan Ladislav Dussek (1760-1812)]

Ibid. Méthodo para Piano Forte Perne [François-Louis Perne (1772-1832)]

Ibid. Méthodo para Pandeirete, para acompanhar, Piano Forte, e Arpa

Frey

Ibid. Méthodo para Serpentão do Conservatório s.a. Ibid. Méthodo para Sanfona [1783] Corrette

[Michel Corrette (1709-1795)]

Ibid. Méthodo para Trompa Primeira e Segunda, do Conservatório

Domnich [Heinrich Domnich (1767-1844)]

Ibid. Méthodo para Trompa do Conservatório (Paris 1802)

Frederick Duvernoy [Frederick Nicolas Duvernois (1765-1838)]

Ibid. Méthodo para Trombão Alto, Tenor, e Baixo Braun [Anton Braun ? (1729-98), Johann Braun ? (1753-1811)]

Ibid. Méthodo para Viola Portugueza, ou Lyra, ou Guitarra Hespanhola

Doisy [Nicolás Doisy de Velasco/ Nicolau Dias Velasco? (c1590-1659)]

Ibid. Méthodo para Viola Portugueza, ou Lyra, ou Guitarra Hespanhola Op.27 [ed. Paris]

Carulli [Ferdinando Carulli (1770-1841)]

Ibid. Méthodo para Viola Portugueza, ou Lyra, ou Guitarra Hespanhola Op.61

Carulli [Ferdinando Carulli (1770-1841)]

Ibid. Méthodo para Viola Portugueza, ou Lyra, ou Guitarra Hespanhola Op. 71

Carulli [Ferdinando Carulli (1770-1841)]

Ibid. Méthodo para Viola Portugueza, ou Lyra, ou Guitarra Hespanhola

Brigadeiro F. Moretti

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Fonte / Data Título Autor

Ibid.

Méthodo para Violino do Conservatório Baillot, Rode e Kreutzer [Pierre Baillot (1771-1842), Jacques Pierre Rode (1774-1830), Rodolfe Kreutzer(1766-1831)]

Ibid. Méthodo para Violino Bruni [Antonio Bartolomeu Bruni (1757-1821)]

Ibid. Méthodo para Violoncello do Conservatório [co-autoria, Méthode de violoncelle et de basse d’accompagnement, Paris:1804]

Baillot, Le Vasseur, Catel e Baudiot [Pierre Baillot (1771-1842), Jean Henry Levasseur (1764-1826), Charles-Simon Catel (1773-1830), Charles-Nicolas Baudiot (1773-1849)]

Ibid. Méthodo para Violoncello [Paris: antes 1800]

Muntzberger [Joseph Muntzberger (1769-1844)

GL 280: 1816/11/25

J. B e L.Weltin “participa ter recebido de Paris as Artes seguintes: para o Piano-forte por Pleyel e Dussek, Clementi, Adam, e os Estudos de Cramer; para Rabeca por Baillot, Rode e Kreutzer, adoptada pelo Conservatório, outras por Mozart, Demar; para flauta por Rugot [Hugot] e Wunderlich adoptada pelo Conservatorio; para Harpa por Mayer; para Violla, por Carulli, Phillis.”

- I. Pleyel - J. L. Dussek - M. Clementi - J. – L. Adam - Cramer [Johann Baptist Cramer (1771-1858) - P. Baillot - J. P. Rode - R. Kreutzer - L. Mozart - Demar - A. Hugot - J.- G. Wunderlich - Mayer [P.-J. Meyer ?] - F. Carulli - Phillis

GL 191: 1817/08/14

Méthodo facil para aprender a tocar cithara franceza, ou viola portugueza com a maior brevidade (...) para uso dos seus discipulos e offerecido aos mesmos. Lisboa, na Travessa do Corpo Santo nº14, 1º andar: José Orsolini negociante de estampas, 1817

Virgilio Rabaglio (antes 1817- B. Aires 1848)

GL 70: 1819/09/01

Arte de Aprender a tocar Viola sem Mestre, Lisboa Rua do Sabão nº12: na Loja de J. G. Guimarães.

s.a.

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Quadro 32 Métodos para Instrumento de autores activos em Portugal:

Fonte Título e data Autor

E-Mn – M. 597

Liçam instrumental de viola portugueza ou de ninfas de cinco ordens, a qual ensina a temperar e tocar rasgado, com todos os pontos, assim naturaes como accidentaes, com hum methodo facil para qualquer curioso aprender os pontos da viola todos, sem a effectiva assistencia de Mestre: com huma tabela, na qual se faz menção dos doze tons principaes, para que o tocador se exercite com perfeição na prenda da mesma viola: Dedicada ao illus., e excellent. Senhor D. Joseph Mascarenhas, Lisboa: na Officina de Francisco da Silva, 1752.

João Leite Pita da Rocha (fl.175-)

P-La, 54-XII-177. (Ms, s.d.), (Cf. Morais 2000: 83-97 e 2001: 101).

Escala de Guitarra Inglés. Dedicada a D. Maria Francisca Benedita.

João Gabriel Le Gras (fl.179-)

P-Ln, C.I.C. 17V

Nova Arte de Viola; que ensina a tocalla com fundamento sem mestre, dividida em duas partes, huma especulativa, e outra practica; com estampas das posturas, ou pontos naturaes, e accidentaes; e com alguns Minuettes, e Modinhas por Musica, e por Cifra. Obra util a toda a qualidade de Pessoas; e muito principalmente ás que seguem e vida litteraria, e ainda ás Senhoras.(...) Coimbra: na Real Officina da Universidade, 1789.

Manoel da Paixão Ribeiro

P-Ln, C.I.C. 34P

Estudo de Guitarra, em que se expoem o meio mais facil para aprender a tocar este instrumento: dividido em duas partes. A primeira contem as principaes regras de Musica, e do accompanhamento. A segunda as da Guitarra; a que se ajunta huma Collecção de Minuetes, Marchas, Allegros, Contradanças, e outras peças mais usuaes para desembaraço dos Principiantes: tudo com accompanhamento de segunda Guitarra (...) Porto: na Officina Typographica de Antonio Alvarez Ribeiro, 1795.

Antonio da Silva Leite

P-Ln, M.M. 4824

Consta este livro de toda a casta de Lisões que servem para se fazer estudo na rabeca: ao que se seguem todos os tons varias cadencias, differentes Arpeggios, e outras curiozidades.

Pedro Lopes Nogueira

P-Ln Cf. Alvarenga (1993:114)

Elementos de Musica e methodo de tocar Piano Forte: com... seis liçoens progressivas, trinta preludios em todos os tons, e dôze estudos, Op.19, B 86 Imp. C&Co [1816].

João Domingos Bomtempo

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Quadro 33 Alguns Métodos para instrumento de autores estrangeiros, existentes na Biblioteca Nacional (Incluem-se edições posteriores a 1820):

Fonte Título e data Autor

P-Ln, M.P.1013

Nouvelles leçons de clavecin ou Instructions Générales sur la Musique Vocale & Instrumentale, sur la mélodie & l’harmonie, sur l’accompagnement & la composition &tc (...), 2de Edition, Augmentée d’une INTRODUCTION avec la qu’elle toute personne peut étudier cet ouvrage sans Maître, & faire les Progrés les plus rapides dans la Pratique & dans la Théorie de la Musique. Ed. bilingue: francês/Inglês. London Printed and Sold by the Author, 1783

Mr. Bemetzrieder [Anton Bemetzrieder 1743 ou 48 – 1817]90

P-Ln, M.P. 1013

Lesson’s on Instrumental Music & the Harpsichord or Piano Forte. Ed. bilingue: francês/Inglês. s/ rosto. (encadernado com Método anterior)

M. Bemetzrieder

P-Ln, M.P. 1013//4V.

Seconde Partie de la Méthode de clavecin par M. Marpurg contenant douze leçons à l’usage des Élèves et faites pour exercer les deux mains. Paris: M. Boyer. Rosto con etiqueta de Waltmann (Cf. Anexo C)

M. Marpourg

P-Ln, F.C.R. s/cota

Méthode pour la Harpe particulièrement a l’usage des jeunes élèves (...), Paris

N. Ch. Bochsa fils [Robert Nicholas Charles Boscha (1789-1856)]

P-Ln, M.P. 595 [fundo E. Vieira]

Méthode de Flûte. Édition augmentée de Airs d’opéras nouveaux arrangés pour Flûte seule par Berbiguier. Trois Sonates progressives composées par deux fluûtes par Tulou. Paris: Schonenberger [183-]

Devienne [François Devienne (1759-1803)]

P-Ln, M.P. 593 P-Ln, M.P. 630

Méthode de Flûte du Conservatoire. (ed. francesa). Paris. Méthode de Flûte du Conservatoire. (ed. bilingue francês/alemão). Bonn und Coln bey N. Simrock

Hugot e Wunderlich [Antoine Hugot (1761-1803), Jean-Georges Wunderlich (1755/6- 1819)]

P-Ln, M.P. 592

Méthode pour l’alto Viola contenat les Principles de cet Instrument, suivis de 25 Études. Paris: Janet et Cotelle

Bruni [Antonio Bartolomeo Bruni (1757-1821)]

P-Ln, C.I.C. 12V. e M.P. 606A.

Méthode de Piano du Conservatoire, Paris: 1802

Adam [Jean-Louis Adam (1758-1848)]

90 Pedagogo e teórico francês importante que teve como patrono Diderot. Fundador do “tolérantisme musical” que defendia o ideal de uma estética universal que reunisse elementos das tradições francesa, italiana e alemã.

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