58258674 as clausulas gerais e novo processo civil

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1 AS CLÁUSULAS GERAIS E NOVO PROCESSO CIVIL RESUMO O presente artigo tem o objetivo de apresentar as cláusulas gerais, mostrando o período anterior ao seu surgimento, a sua criação e desenvolvimento no decorrer da história. Tratará ainda sobre a sua inserção em nosso sistema jurídico, como surgiu e a forma que é aplicada. Não pretende esgotar ou mesmo detalhar de forma exaustiva o tema, uma vez que é este bastante complexo e muito controverso. O objetivo final deste texto é mostrar sua inserção no Código de Processo Civil, e a opinião dos doutrinadores a respeito da melhor forma para sua aplicação aos casos concretos, de seu modo de interpretação e quanto ao cumprimento dessas cláusulas. Palavras-chave: Cláusulas gerais. Direito processual civil. 1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS As cláusulas gerais surgiram em face da não mais compatibilidade do ordenamento jurídico fechado, restrito em absoluto às leis, oriundo da época da Revolução Francesa, que via o órgão jurisdicional como mantenedor do status quo, inimigos das classes sociais ao obstacularem as mudanças sociais tão almejadas naquele período. As novas problemáticas das sociedades cada vez mais urbanas e complexas, que necessitam, ao mesmo tempo, de normas que lhe garantam segurança jurídica e também de flexibilidade para aquele que irá julgar deram o ensejo necessário à sua ampla divulgação nos ordenamentos jurídicos. No período de interstício entre as guerras mundiais, as agitações sociais que eclodiam, exigiram novos instrumentos legais pela ineficácia do sistema unicamente aceito, até aquele momento, de normas rígidas. Destacando-se nessa conjectura a Alemanha, de três disposições normativas esquecidas em seu código civil, surgiu a possibilidade de resolução de casos que se mostravam então insolúveis. A partir da aplicação desses textos normativos já existentes há algum tempo, para a devida intervenção urgencial, foi possível adequar soluções a esses problemas emergentes devido aos seus espaços textuais e por seus efeitos jurídicos indeterminados. No Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, perpassando pelo Código de Defesa do Consumidor, e até ao Novo Código Civil de 2002, estas cláusulas gerais se tornaram ainda mais presentes e frequentes, sendo protagonistas da fundamentação decisória desde esse momento. Da mesma forma que essas cláusulas atingiram esses códigos do nosso

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AS CLÁUSULAS GERAIS E NOVO PROCESSO CIVIL

RESUMO O presente artigo tem o objetivo de apresentar as cláusulas gerais, mostrando o período anterior ao seu surgimento, a sua criação e desenvolvimento no decorrer da história. Tratará ainda sobre a sua inserção em nosso sistema jurídico, como surgiu e a forma que é aplicada. Não pretende esgotar ou mesmo detalhar de forma exaustiva o tema, uma vez que é este bastante complexo e muito controverso. O objetivo final deste texto é mostrar sua inserção no Código de Processo Civil, e a opinião dos doutrinadores a respeito da melhor forma para sua aplicação aos casos concretos, de seu modo de interpretação e quanto ao cumprimento dessas cláusulas. Palavras-chave: Cláusulas gerais. Direito processual civil.

1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

As cláusulas gerais surgiram em face da não mais compatibilidade do ordenamento

jurídico fechado, restrito em absoluto às leis, oriundo da época da Revolução Francesa, que

via o órgão jurisdicional como mantenedor do status quo, inimigos das classes sociais ao

obstacularem as mudanças sociais tão almejadas naquele período. As novas problemáticas das

sociedades cada vez mais urbanas e complexas, que necessitam, ao mesmo tempo, de normas

que lhe garantam segurança jurídica e também de flexibilidade para aquele que irá julgar

deram o ensejo necessário à sua ampla divulgação nos ordenamentos jurídicos.

No período de interstício entre as guerras mundiais, as agitações sociais que

eclodiam, exigiram novos instrumentos legais pela ineficácia do sistema unicamente aceito,

até aquele momento, de normas rígidas. Destacando-se nessa conjectura a Alemanha, de três

disposições normativas esquecidas em seu código civil, surgiu a possibilidade de resolução de

casos que se mostravam então insolúveis. A partir da aplicação desses textos normativos já

existentes há algum tempo, para a devida intervenção urgencial, foi possível adequar soluções

a esses problemas emergentes devido aos seus espaços textuais e por seus efeitos jurídicos

indeterminados.

No Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, perpassando pelo Código de

Defesa do Consumidor, e até ao Novo Código Civil de 2002, estas cláusulas gerais se

tornaram ainda mais presentes e frequentes, sendo protagonistas da fundamentação decisória

desde esse momento. Da mesma forma que essas cláusulas atingiram esses códigos do nosso

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ordenamento, também foram inseridas por intermédio de diversas revisões legais ocorridas,

por ocasião das mudanças fático-jurídicas, no Código de Processo Civil brasileiro.

Tendo em vista o início deste novo século, com uma sociedade mais bem informada,

complexa e plural do que a do início do século XX, a disseminação deste tipo de cláusulas é

crucial para o alcance da justiça. A análise de cada caso, relacionados com outros já julgados

sob a mesma norma, imprimem celeridade e apontam para um lugar comum jurisprudencial,

dando às cláusulas gerais cada vez mais destaque em nosso sistema jurídico. Esparsamente

encontradas em diversas leis, sua inafastável importância está na concreção dos princípios

nelas implícitos, por seus textos vagos, tornando-as mais aptas ao ideal de justiça.

Assim, a ascendente complexidão social e a relativa a transformação da propositura

jurídica, transladando de uma postura civilista, liberal, para outra constitucional, de bem-estar

social, ensejou, por necessidade e como decorrência, o surgimento prático das cláusulas gerais

no Direito. Para Gutavo Tepedino são “normas que não prescrevem uma certa conduta, mas,

simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos”, aduzindo ainda que “servem

assim como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intéprete os critérios axiológicos

e os limites para a aplicação de demais disposições normativas”1. Uma vez que estas são

normas jurídicas com formulação vaga e, consequentemente, efeitos jurídicos indeterminados,

seriam mais aptas à realidade do que a produção anterior de textos mais rígidos, além de

potencialmente mais justas para o tratamento de relações tão complexas como as atuais.

2 AS MUDANÇAS DO FAZER O DIREITO

Já nas primeiras lições da formação jus-acadêmica é ensinado que, inequivocamente,

o Direito se consubstancia como uma ciência social mutante, que se transforma conforme o

panorama ideológico predominante na época do direito, lato sensu, vigente. Teresa Arruda

Alvim Wambier aduz, nesse sentido, que “em diferentes momentos históricos, o direito vem

sendo concebido de modos diversos (...), pensado de modos diferentes ao longo da história”,

significando que “têm variado historicamente os objetos aos quais se têm chamado direito”2.

Nas tribos primitivas, o ‘direito’ admitia a dirimição das lides interpessoais por meio

de duelos, o ‘processo’ aceito na época para a resolução de conflitos; em tempos remotos, na

Índia, na Pérsia e em alguns países nórdicos, era comum o uso de água fervente ou de ferro 1 TEPEDINO, Gustavo. Crises de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do código civil de 2002. In: A parte geral do Novo Código Civil: estudos na perspectiva constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. 2 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as cláusulas gerais do código civil de 2002 - a função social do contrato. Revista dos Tribunais, São Paulo, SP: RT, v. 94, n. 831, p. 59-79, 2005.

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em brasa para a conformação de provas ‘processuais’. A Igreja Católica, instituição com

irrefutável supremacia na Idade Média, com suposta legitimidade fundada em seu direito

divino, irrestritamente adotou procedimentos não menos cruéis, torturantes, para inquirições e

execuções penais. Por óbvio, como hoje soam inaceitáveis esses métodos por sua natural

incompatibilidade com os princípios advindos ao longo da história, paulatinamente agregados

ao direito comum, foi restando em desuso o apelo a tais técnicas, analogamente, processuais.

Quanto à materialidade jurídica, o que consubstancia intimamente o processo, esta

evoluiu conforme as progressivas concepções ideológicas, das formações políticas iniciais ao

que ora se vê como Estado. Na efervescência da Revolução Francesa, ao usar o direito como

consolidador do rompimento com o absolutismo de então, foram erigidos os delineamentos

dos intitulados direitos fundamentais, intentados a estabelecer um sistema legal único,

oponível erga omnes, garantidor de liberdade e igualdade entre os cidadãos. Brotava desse

anseio popular o Estado legislativo, fundado e pautado em leis, textos normativos reflexos da

nova tessitura social, diretrizes que não mais favorecessem apenas as classes privilegiadas.

Idealizava-se com isso “a unificação da nação por meio do direito, bem como afastar a

insegurança das decisões por meio de um direito sistematizado que possibilitasse maior

previsibilidade e segurança, restringindo, assim, a forma de encarar e interpretar o sistema

legislativo”3. Tal exclusiva restrição às leis serviria como meio profiláctico de proteção social

para afastar o casuísmo decisório dos juízes, instrumento mantenedor do status quo ante.

Nesse conturbado cenário, inspirado pelas ideias liberais do Iluminismo, o Estado-

juiz seria sujeito de direitos e obrigações frente às partes em litígio, e sua produção decisória

deveria decorrer direta, estrita e imediatamente da materialidade legal, cabendo tão somente o

pronunciamento da lei. Restrito à aplicação fria de um ordenamento jurídico sistemático, o

mitigado Poder Judiciário, la bouche de la loi, sem lacunas e brechas interpretativas, e sem

espaço para divergência do entendimento ordinário, seguia um raciocício meramente

subsuntivo. Outrossim, juízes não podiam se abster de julgar os casos sob a alegação de

silêncio, obscuridade ou insuficiência da lei, o que revela ainda a ideia de completude de um

positivismo jurídico autosuficiente, circunscrevendo a tarefa do jurista “à unificação dos

juízos normativos e ao esclarecimento de seus fundamentos, limitando o direito à lei”4.

Para melhor esclarecimento doutrinário, Leonardo Estevam de Assis Zanini leciona,

sobre ordenamento jurídico e sistema, vista pela análise estrutural de Norberto Bobbio, que a

3 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis . A modernização do direito civil e as cláusulas gerais. Revista do Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 20, p. 36-52, 2008. 4 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis . A modernização do direito civil e as cláusulas gerais. Revista do Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 20, p. 36-52, 2008.

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constituição de um ordenamento jurídico como um sistema está relacionada à sua coerência,

sem que haja qualquer consideração funcional sobre esse direito. Judith Martins-Costa afirma,

nesse plano, que “o direito se faz lei, geral e abstrata, e a lei, ou direito, encontra a sua forma,

o código, conjunto unitário de leis provindas de uma só fonte, o Estado”, excluindo-se “os

direitos que não estão na lei, que é geral, exclusiva e excludente”5. Nessa linha, o positivismo

jurídico aqui aludido, irrompido para firmar e afirmar as camadas sociais oprimidas e ampará-

las quanto aos abusos daquele absolutismo, constituiu um sistema hermeticamente fechado,

limitando a atuação decisória à indeclinável aplicação do direito posto, juris et de jure.

Por essas razões, para o atendimento às demandas da sociedade que se insurgia para

obter a ruptura com o sistema político de então, foi colmatado um direito integrado de normas

plenas, como um conjunto suficiente de regras normativas, que pretendia, pelo menos em

potencial, a exaustiva completude de seu ordenamento. Nesse sistema, em tudo determinativo,

com suas hipóteses fáticas de incidência minunciosamente descritas, era proibida a atividade

interpretativa, para se negar o arbítrio, e a judicialização da vida se dava tão somente pelo que

existia normatizado, à deriva tudo mais que progressivamente surgia da complexidade social.

Por isso, aliadamente à sua necessidade de adequação ao meio, dele ser expressão, chegou um

dado instante quando esse sistema positivista se mostrou incapaz de cumprir se papel, de ser

juridicamente resolutivo sem padecer da geração de efeitos patentemente considerados justos.

Notadamente, situação assim sobreveio no final da segunda década do século XX:

como consequência da Primeira Guerra Mundial, a derrotada Alemanha foi afetada por uma

completa instabilidade econômica. O caos social advindo da vertiginosa desvalorização de sua

moeda aliada à altíssima inflação no mercado interno tornou insustentável seu comércio, pois

os contratos negociais, que em sua grande maioria não previam cláusulas de preços com

correção monetária, se tornaram inviáveis para os credores, impossíveis de serem mantidos.

Seu Poder Judiciário, assim, sem previsões legais adequadas por causa da imprevisibilidade

do caso em tela, se viu obrigado a inteferir criativamente nessas relações contratuais.

Afortunadamente, o Bürgerliches Gesetzbuch – BGB, o código civil alemão, proveu

três cláusulas esquecidas, não adstritas ao casuísmo, hábeis em sanar tais desequilíbrios, como

panacéia legal para essa crise. Seus parágrafos 138, 242 e 826, tratavam, respectivamente, dos

negócios jurídicos contrários aos bons costumes, da boa-fé no cumprimento das prestações e

dos prejuízos intencionalmente causados, o que possibilitou a intervenção judicial necessária

5 MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no projeto do Código Civil brasileiro. Jus Navigandi. Disponível em : http://www1.jus.com.br/doutrina/texto. asp?id=513. Acesso em 11.04.2011.

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para minorar os prejuízos sociais de então. O ineditismo da hermenêutica jurisdicional no uso

do que há muito tinha sido produzido legislativamente, embora amplamente questionado pela

mentalidade juspositivista da época, mostrou que dispositivos indeterminados com vaguezas

socialmente típicas, nominados cláusulas gerais6, propiciariam soluções harmônicas com a

realidade e ainda mais justas. Assim, empiricamente, supria-se a típica insuficiência preditiva

dos sistemas exclusivamente fechados, com cláusulas específicas que, por mais numerosas

que possam ser, são insuficientes para abarcar o universo demandante de tutela jurisdicional.

Conquanto não se tratasse de uma solução acidental, tal incidente, de jus condendum,

de empenho hermenêutico na aplicação de cláusulas legais vagas e fluidas, gerais, reacendeu a

discussão de outrora da inconteste limitação dos sistemas com ordenamentos legais rígidos.

Doutrinadores, ainda no século XIX, questionavam sua completude, apontando lacunas no

direito positivista, fazendo alusão a outras fontes, além das disposições normativas legais,

para as fundamentações jurisprudenciais e atuação do direito.

Nesse sentido, “a obra de Zitelmann, denominada de Lacunas do direito; (...) o

movimento do Direito Livre (Freies Recht), de Eugen Ehrlich, que propunha ao juiz criar sua

própria solução, na impossibilidade de extraí-la devidamente dos textos legais; a filosofia de

Rudolf Stammler, clamando por um direito justo com maiores liberdades ao intérprete, e a

polêmica obra de Hermann Kantorowicz, A luta pela ciência do direito, de 1906, que defendia

que mesmo na existência de lei para o caso concreto o juiz deveria julgar segundo a ciência e

a sua consciência”7. Essas correntes já anteviam que “a dogmática tradicional é instrumental

inadequado para resolver a totalidade dos problemas jurídicos das sociedades

contemporâneas, e ainda esta constatação serve de ponto de partida para as teorias que têm

substituição a forma clássica de conceber e trabalhar com o direito, no que diz respeito à

solução dos problemas típicos da nossa época”8.

Outro pertinente aspecto histórico é aduzido por Teresa Arruda Alvim Wambier ao

afirmar, em suas palavras, que “é interessante observar que os séculos XVIII e XIX foram de

‘vácuo’ com relação ao direito constitucional. Não que a Constituição não existisse, mas a

esta não se dava a importância que se dá hoje”. Assim, as constituições modernas, munidas de

regras abstratas, voltadas ao atendimento das demandas de sociedades autoprogressistas,

muito por sua axiologia nos considerados Estados Democráticos de Direito, têm alterado os

6 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis . A modernização do direito civil e as cláusulas gerais. Revista do Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 20, p. 36-52, 2008. 7 MENKE, Fabiano. A interpretação das cláusulas gerais: a subsunção e a concreção dos conceitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 50, 2004. 8 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as cláusulas gerais do código civil de 2002 - a função social do contrato. Revista dos Tribunais, São Paulo, SP: RT, v. 94, n. 831, p. 59-79, 2005.

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planos sociopolíticos por intermédio de seu normatismo superlativo. Nesse plano, de mudança

da feitura dos textos constitucionais, houve a transição postural dos Estados, abandonando seu

anterior liberalismo, minimamente intervencionista, para se ater a uma perspectiva social, de

Estado garantidor para Estado dirigista, promovente de certos objetivos predeterminados.

A expressão maior dessa mudança de paradigma se dá pelo surgimento do chamado

neoconstitucionalismo, corrente jurídico-ideológica contemporânea tradutora de um conjunto

significativo de transformações ocorridas no Estado e no direito constitucional. Ele assinala a

formação do Estado Constitucional de Direito, cuja consolidação se deu ao longo das décadas

últimas do século XX, dando azo a um pós-positivismo, entoador da centralidade dos direitos

fundamentais e, buscando a efetivação de justiça, da reaproximação do Direito com a ética.

Tendo em vista a propriedade de seus textos normativos que atuam como tradutores legais de

normas principiológicas, emersas de um ethos sociojurídico, Teresa Arruda Alvim Wambier

estabelece que “as cláusulas gerais têm a função de ‘oxigenar’ o sistema, prolongando sua

vida útil, criando aberturas para o mundo extrajurídico (não expressamente positivado)”9.

3 AS CLÁUSULAS GERAIS E O NOVO DIREITO

O neoconstitucionalismo é, decerto, incisivo consolidador da soberania instrutora das

normas constitucionais sobre o corpo legislativo ordinário como principializador do direito. O

poder vinculativo e obrigatório emanante dessas cláusulas, muito além de um regulamentador

do funcionamento do Estado, substancialmente orienta a construção e inspira a aplicação das

novas disposições legais. Voltando-se a habitualidade jurídica cada vez mais para a maior das

fontes normativas, a Constituição, o Poder Judiciário, pari passu,com a crescente asserção dos

princípios constitucionais no direito material, pôde dispor de mais amplo repertório decisório.

Ao fazer uso de fundamentações inspiradas em diretivas principiológicas, não determinísticas,

sua atividade é tornada consideravelmente mais eficiente e eficaz. Tal expansão trouxe, além

de maior aplicabilidade, a injeção de preceitos morais na conjuntura jurisprudencial, aduzindo

o papel de concrear o justo social pela aplicação resolutiva da Carta Magna pelo julgador.

A promulgação da Constituição Federal de 1988, propusente de institutos supralegais

voltados à solução justa dos conflitos impostos pela vida contemporânea, v.g., hard cases,

oficializa o Estado de Direito brasileiro na sua sujeição “à observância de normas jurídicas, na

9 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as cláusulas gerais do código civil de 2002 - a função social do contrato. Revista dos Tribunais, São Paulo, SP: RT, v. 94, n. 831, p. 59-79, 2005.

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sua relação com outras pessoas (outros sujeitos de direito)”10. Seu artigo 5º, II, legitimou o

princípio da legalidade, que determinha que ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de

fazer alguma coisa senão em virtude de lei, em sentido latu. Ademais, os incisos IX e X do

artigo 93 instituíram que sejam públicos todos os julgamentos do Judiciário, e que todas suas

decisões sejam fundamentadas e motivadas, mesmo quando administrativas. Importante notar

que “há uma relação direta entre a presença de cláusulas gerais em determinado ordenamento

jurídico e o papel representado pelos juízes, no sentido de que, a partir de sua adoção, o

magistrado terá um incremento na sua função de intervenção”11, havendo relevância ainda

maior no trabalho desenvolvido pelos atores decisórios da atividade jurisdicional.

Sob uma análise conjuntiva da letra constitucional, do compromisso de afirmamento

da igualdade e da justiça como valores normativos supremos de uma sociedade fraterna com a

determinação de vinculação à lei, observa-se que o cumprimento daquele depende da aptidão

desta, deste meio de atuação estatal. Dessa insuficiência de um direito pensado e construído

como um sistema normativo fechado, exauriente, em tese, dos problemas reais e de suas

soluções, é sobrelevado o interesse sobre parâmetros flexíveis, hábeis a cumprir seu papel

enquanto que atendente da diretriz legalista. Isso é essencialmente útil para a construção de

um sistema jurídico considerado relativamente aberto, feito com regras específicas e outras

intencionalmente dotadas de maleabilidade, mais comprometidos com a consecução do justo.

Para tanto, a Constituição tem amalgamado-se ainda mais de conceitos jurídicos

abstratos, com intencional vagueza socialmente típica, a qual, nas palavras de Luiz Felipe

Amaral Calabró, apud Zanini, “remeterá o magistrado aos princípios e valores que inspiram o

ordenamento jurídico. Assim, um conceito indeterminado que possua vagueza socialmente

típica seria uma cláusula geral, posto que remeteria o magistrado a princípios e valores”12, que

são normas concreáveis, e cuja determinação como regra virá a partir de sua aplicação em

casos práticos. Exemplificadamente, no âmbito processual, “da cláusula geral do devido

processo legal é possível extrair a regra de que a decisão judicial deve ser motivada”13.

As cláusulas gerais, vistas como “normas em que vêm explicitados princípios

jurídicos”14, possibilitam a participação de ditames morais socialmente constitucionalizados,

10 ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa.Uma reflexão sobre as ‘cláusula gerais’ do Código Civil de 2002 – A função social do contrato. 11 MENKE, Fabiano. A interpretação das cláusulas gerais: a subsunção e a concreção dos conceitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 50, 2004. 12 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis . A modernização do direito civil e as cláusulas gerais. Revista do Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 20, p. 36-52, 2008. 13 DIDIER Jr., Fredie. Cláusulas gerais processuais. Revista de Processo, v. 187, p. 69-83, 2010. 14 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as cláusulas gerais do código civil de 2002 - a função social do contrato. Revista dos Tribunais, São Paulo, SP: RT, v. 94, n. 831, p. 59-79, 2005.

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afirmados no conjunto legislativo, além da priorizar o espírito de justiça com apelo a valores

ético-morais em detrimento da estrita letra da lei. Para melhor compreender, imprescindível

ressaltar a distinção entre as cláusulas gerais, que são textos jurídicos característicos, tão

somente normas em potencial, dos princípios, normas produzidas pela hermenêutica jurídica,

resultantes da interpretação de textos jurídicos como, inclusive, as cláusulas gerais. Na

perspicaz nota de Leonardo Estevam de Assis Zanini, da lição de Márcia de Oliveira Ferreira

Aparício, essa diferença é sintetizada ao estabelecer que

As cláusulas gerais carregam, no mais das vezes, princípios e valores. Nesses casos, poderíamos vislumbrar, cumulativamente, em uma só norma, princípio e cláusula geral. Os conceitos, no entanto, ainda que coincidam em alguns momentos, são diversos. Não pode haver cláusula geral não-expressa, ou implícita [mas admite-se princípio implícito]. Há cláusulas gerais que não contêm princípios, mas apenas referem princípios e valores. É da essência das cláusulas gerais a possibilidade do reenvio a ouros espaços do ordenamento que não o dos princípios, e mesmo a valores extrajurídicos e extra-sistemáticos. E, por fim, há princípios jurídicos que não contêm conceitos dotados de vagueza semântica, e que não poderiam integrar a sistemática das cláusulas gerais15.

Pelo que já apresentado, além da cristalina limitação das regras casuísticas, pretensas

de proverem a resolução das impensáveis demandas sociais advindas, as cláusulas gerais

inserem consensos tratados como justos, através do espraiamento de ditames principiológicos.

Assim, tem-se nas cláusulas gerais uma “técnica de legislar baseada no estabelecimento de

normas carecedoras de valoração a serem preenchidas pelo intérprete”, e, conforme Judith

Martins-Costa, uma espécie de texto normativo, cujo antecedente (hipótese fática) é composto

por termos vagos e o consequente (efeito jurídico) é indeterminado”. Desse modo, assevera

Fredie Didier, conforme os ensinamentos dessa eminente professora, que

A cláusula geral é uma técnica legislativa que vem sendo cada vez mais utilizada, exatamente porque permite uma abertura do sistema jurídico a valores ainda não expressamente protegidos legislativamente, a “standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previstos legislativamente (e por vezes, nos casos concretos, também não advindos da autonomia privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfiim, constantes de universos metajurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente ressistematização no ordenamento positivo”16.

No Brasil, fulgentemente, debutaram, no patamar infraconstitucional as cláusulas

gerais com a Lei Federal 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor – CDC, trazendo

dispositivos de diversificada aplicação nos casos práticos, como a hipótese da boa-fé e da

15 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis . A modernização do direito civil e as cláusulas gerais. Revista do Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 20, p. 36-52, 2008. 16 DIDIER Jr., Fredie. Cláusulas gerais processuais. Revista de Processo, v. 187, p. 69-83, 2010.

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onerosidade excessiva. Também foram inclusas cláusulas gerais no Código Civil de 2002,

feito para ter uma abrangência mais ampla e dinâmica, ciente da insuficiência dos códigos

exaustivos no abarcamento de novos fatos jurídicos que não se podia abranger até então. De

acordo com os ensinamentos de Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery,

No século XXI não seria mais admissível legislar-se por normas que definissem precisamente certos pressupostos e indicassem, também de forma precisa, suas consequências, formando uma espécie de sistema fechado. A técnica legislativa moderna se faz por meio de conceitos legais indeterminados e cláusulas gerais, que dão mobilidadeao sistema, flexibilizando a rigidez dos institutos jurídicos e dos regramentos do direito positivo.17

Vê, consoantemente, Leonardo Estevam de Assis Zanini, que

Em busca da eficiência, justiça e atualidade é que se pensou na construção de um sistema jurídico relativamente aberto, com o emprego das cláusulas gerais, (...) inseridas nas normas para flexibilizar o sistema jurídico e ajustá-lo às rápidas mutações que ocorrem nos valores e práticas sociais, a fim de que a norma não fique desatualizada e contrária à realidade, (...) em que novos e mais estreitos contatos com as ciências sociais seriam estabelecidos pelo direito.18

4 O NOVO DIREITO PROCESSUAL E AS CLÁUSULAS GERAIS

Fredie Didier ensina que o processo é o método de exercício de tutela de situações

jurídicas substanciais, ou seja, os direitos materiais, de tal forma que estes não podem ser

dissociados daqueles que, de sua feita, os afirmam concretamente19. Alguns elementos dessa

processualidade conseguiram perdurar na linha do tempo e do espaço ao longo da história, se

mantendo ainda atuais devido à sua gradual evolução. Esses mecanismos, integrantes do que

se entende por direito processual, decorreram da Roma Antiga, do seu esforço de formalizar a

atividade jurisdicional, operacionalizar o direito, sendo essa a finalidade inicialmente pensada

para o processo. Os tribunais, os praetores, o juramento e instrumentos como a procuração,

forma viabilizadora da representação de um interessado por um terceiro, são exemplos do que

inspirou o hodierno conjunto acessório processual civil.

Disso, por muito tempo, importou nesse direito processual tão somente seu princípio

dispositivo, ou seja, se ter um processo no qual o órgão jurisdicional fosse passivo, no qual,

por exemplo, cabia às partes a função de promover provas. No auge do Iluminismo, do

17 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis . A modernização do direito civil e as cláusulas gerais. Revista do Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 20, p. 36-52, 2008. 18 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis . A modernização do direito civil e as cláusulas gerais. Revista do Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 20, p. 36-52, 2008. 19 DIDIER Jr., Fredie . CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL (v. 1) - teoria geral do processo e processo de conhecimento. 7. ed. Salvador: Editora JUS PODIVM, 2007. 561 p.

10

espírito liberal que fortemente se engendrava foi atribuído ao que era processo, embebido pelo

pensamento de Rousseau, um significado de contrato inter partes, tal qual um procedimento

eminentemente privado. Houve após essa, a concepção civilista da ação que a via como um

quase contrato, refutando assim sê-la já que não havia uma criação formal de obrigações, nem

se dar esta última pela plena vontade das partes. Aperfeiçoadamente, firmou-se a Teoria

Triangular, de Oscar von Büllow, como a de melhor repercussão, ao tratar o processo como

relação jurídica entre um juiz natural, equilibrador de uma lide, e as partes envolvidas.

Nesse pensamento civilista, a função primordial do julgador consistia, basicamente,

em proferir decisões, quase alheio e nem tão participativo quanto ocorre, ao contrário, no

processo penal, cujo juiz ampara-se, essencialmente, no princípio inquisitivo. Nele, o órgão

julgador é mais proativo, v.g., exigindo provas ou testemunhas, de modo que abdica de ser um

mero espectador sendo ativista no processo, retratando uma maior intervenção jurisdicional.

Em virtude desse dinamismo participativo, sempre mais necessário ao mutante panorama de

relações sociais, cada vez mais litigiosas, o direito processual civil tem naturalmente admitido

outra feição, até pela inexistência de processos exclusivamente dispositivos ou inquisitivos.

Evolutivamente, a ascendente tendência constitucionalista espraiou-se por todo o

sistema jurídico, inclusive jurisdicional, implicando que seus mandamentos ecoassem na

atividade legiferante, na aplicação legislativa e também na construção jurisprudencial. O novo

processo civil, consequentemente, tem se afinado com o atual contexto sociojurídico, se

transformando constantemente visando a obter maior eficiência e celeridade, imprescindíveis

para imprimir o dinamismo indispensável aos procedimentos judiciais. Para essa finalidade,

de se construir um processo civil mais rápido e eficaz, são alguns dos seus principais recursos:

a unificação dos estágios processuais, conhecimento e execução, o que leva a um menor uso

de procedimentos cautelares; a valorização e subsequente aproveitamento dos precedentes

judiciais no julgamento de processos similares; e a maior concentração de poderes nas mãos

do juiz, que possibilita a fundamentação de sentenças por cláusulas gerais, por exemplo.

Aduz Fredie Didier que nessa contextualização alinhou-se com grande relevância a

transformação da hermenêutica, com o reconhecimento do papel criativo e normatividade da

atuação jurisdicional, como uma função essencial ao desenvolvimento do Direito. Além disso,

o ilustre professor acresce que, “o órgão julgador é chamado a interferir mais [cri]ativamente

na construção do ordenamento jurídico, a partir da solução de problemas concretos que lhe

são submetidos”20. Essa maior proatividade faz requerer, em contrapartida, um instrumento

20 DIDIER Jr., Fredie. Cláusulas gerais processuais. Revista de Processo, v. 187, p. 69-83, 2010.

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que atue “como ponte entre entre o sistema e a realidade social, dando maiores poderes ao

magistrado e permitindo a adequação da lei à realidade sem intervenção legislativa”21.

Dotadas de considerável capacidade de adequação normativa à realidade, as

cláusulas gerais, voltadas à realização do justo consoante os fundamentos constitucionais,

viabilizam o cumprimento desse interesse pragmático. A sobrepunjante imperatividade da Lei

Maior, ao lado do desenvolvimento de uma hermenêutica adequada, favorece essa jurisdição

constitucional na conformação de um novo sistema jurisdicional relativamente aberto, no qual

suas hipóteses legais são propositalmente imprecisas e indeterminadas, o que exige esforço

consideravelmente maior do operador do direito. “Se o ordenamento positivo, de certo modo,

se cria e se estrutura a partir de princípios, a estes deve o intérprete recorrer, quando extrai o

sentido da regra positiva, para, com isso, dar coesão, unidade e imprimir harmonia ao

sistema”22. Judith Martins-Costa explica que:

Dotadas que são de grande abertura semântica, não pretendem as cláusulas gerais dar previamente resposta a todos os problemas da realidade, uma vez que essas respostas são progressivamente construídas pela jurisprudência. Na verdade, por nada regulamentarem de modo completo e exaustivo, atuam tecnicamente como metanormas, cujo objetivo é enviar o juiz para critérios aplicativos determináveis ou em outros espaços do sistema ou através de variáveis tipologias sociais, dos usos e costumes objetivamente vigorantes em determinada ambiência social. Em razão destas características, esta técnica permite capturar, em uma mesma hipótese, uma ampla variedade de casos cujas características específicas serão formadas por via jurisprudencial e não legal23.

Ocorre que não somente mudou a concepção do processo, como também a atividade

interpretativa na tarefa de aplicação dos textos normativos aos casos concretos, no que tange,

especialmente, a fundamentação decisória. Teresa Arruda Alvim Wambier preleciona que

“aplicar uma regra jurídica envolve pelo menos três passos: a busca da significação da norma

(que abrange necessariamente a concepção de exemplos em abstrato), a análise do fato

concreto e a verificação, o ajuste final, do encaixe (ou do não encaixe, do fato na norma)”24.

Quando nos sistemas com legislações exaustivas, fechados, a hermenêutica jurídica pauta-se

na lógica subsuntiva, que pressupõe três partes: uma premissa maior, uma premissa menor e

sua conclusão. Nessa configuração lógica, à disposição legal se associa a premissa maior; a

21 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis . A modernização do direito civil e as cláusulas gerais. Revista do Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 20, p. 36-52, 2008. 22 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as cláusulas gerais do código civil de 2002 - a função social do contrato. Revista dos Tribunais, São Paulo, SP: RT, v. 94, n. 831, p. 59-79, 2005. 23 MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um sistema em construção: as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=513. Acesso em 25/04/2011. 24 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as cláusulas gerais do código civil de 2002 - a função social do contrato. Revista dos Tribunais, São Paulo, SP: RT, v. 94, n. 831, p. 59-79, 2005.

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premissa menor ao caso concreto; e, em consequência, a formação conclusiva decorreria da

observação do texto normativo e seu encaixe, i.e., sua mais adequada subsunção ao caso.

Surgido o termo na doutrina alemã, a concreção, segundo Humberto Ávila, envolve

cinco elementos que integram sua aplicação no direito, a saber: finalidade concreta da norma,

pré-compreensão, valoração judicial dos resultados da decisão, consenso como fundamento

parcial da decisão e o precedente judicial. A finalidade da norma seria sua razão de ser; a pré-

compreensão o elemento subjetivo prévio do aplicador; a valoração judicial dos resultados a

projeção dos possíveis efeitos da decisão; o consenso como fundamento parcial em virtude da

dificuldade de ser chegar a reais pontos consensuais em uma sociedade complexa; e, por fim,

os precedentes, que tratam de comparação do caso a ser decidido com casos já julgados que

integram um grupo de casos sobre determinada norma, com destacada importância as

jurisprudências jurisprudência atual. Segundo Fabiano Menke, “o método da concreção é o

mais razoável para a interpretação das cláusulas gerais, pois, a partir dele constrói-se o tipo

legal carecedor de valoração por meio do exame da totalidade do contexto que circunda o

caso concreto”25. Mais uma vez, Judith Martins-Costa brilhatemente estabelece que

Considerada do ponto de vista da técnica legislativa, a cláusula geral constitui, portanto, uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente ‘aberta’, fluida’ ou ‘vaga’, caracterizando-se pela ampla extensão do eu campo semãntico, a qual é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe um mandato (ou competência) para que, à vista do caso concreto, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante o reenvio para elemento cuja a concretização pode estar fora do sistema26.

Ainda no tocante ao método da concreção, o “esforço intelectual do operador do

direito que trabalha com normas abertas, como o são as cláusulas gerais, é sobremaneira

dimensionado. Por carecerem de complementação valorativa, o intérprete se vê obrigado a

buscar em outros espaços do sistema, ou até mesmo fora dele, a fonte que inspirará e

funadamentará a decisão”27. Indispensável notar que a necessidade de fundamentação nesse

modelo é consideravelmente maior que na subsunção, a qual faz uso apenas da adoção das

leis codificadas, consideradas bastantes em si, havendo um encurtamento da fundamentação

decisória judicial. Por carecerem de valoração, levando o intéprete a recorrer a fontes de

25 MENKE, Fabiano. A interpretação das cláusulas gerais: a subsunção e a concreção dos conceitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 50, 2004. 26 MARTINS-COSTA, Judith. O Direito Privado como um sistema em construção: as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=513. Acesso em 25/04/2011. 27 MENKE, Fabiano. A interpretação das cláusulas gerais: a subsunção e a concreção dos conceitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 50, 2004.

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inspiração para essa fundamentação, dentro ou fora do sistema, demandam as cláusulas gerais

dos juízes um considerável esforço de motivar e elencar sua sustentação argumentativa.

Para Fredie Didier, é “indiscutível que a existência de cláusulas gerais reforça o

poder criativo da atividade jurisdicional”, além do que, dos ensinamentos de Judith Martins-

Costa e Humberto Ávila, “o Direito passa a ser construído a posteriori, em uma mescla de

indução e dedução, atento à complexidade da vida, que não pode ser totalmente regulada

pelos esquemas lógicos reduzidos de um legislador que pensa abstrata e aprioristicamente” 28.

O articulista Fabiano Menke, por sua vez, assenta que “na aplicação do direito por meio da

concreção, o juiz analisa o caso concreto em toda a sua potencialidade. Não parte apenas da

compreensão da norma para perquirir se os fatos colocados em questão nela se encaixam”.

Acrescentando, o que considera mais importante, que por meio da concreção se “procede à

individualização do critério regulador do caso concreto, ocorrendo efetiva criação judicial

para a hipótese fática em questão”. Das lições de Humberto Ávila, Fabiano Menke diz que

A valorização judicial dos resultados da decisão é um passo de grande importância a ser tomado pelo julgador que opera por meio da concreção dos conceitos. Trata-se de exercício intelectual onde é feita uma projeção dsa interpertações possíveis com relação aos efeitos que provavelmente serão obtidos. Na concreção das cláusulas gerais, a sensibilidade do magistrado é elemento de especial relevância, e nesta etapa ela se torna ainda mais fundamental, haja vista que os efeito da decisão poderão ser variados; assim, a decisão será tanto mais razoável quanto for a capacidadedo julgador de encontrar os caminhos mais adequado para a solução do problema prático29.

Por sua salutar flexibilidade, o direito nacional acolheu as cláusulas gerais, de início,

no ordenamento do Direito Civil, para então somente depois chegar paulatinamente ao Direito

Processual. Embora ainda se encontrem dispersas, sem qualquer uma conexão sistemática,

foram introduzidas no ordenamento processual cláusulas gerais em virtude de diversas

reformas legais. Destacam-se no Código de Processo Civil: a cláusula geral executiva (art.

461, §5, CPC), o poder geral de cautela (art. 798, CPC), o abuso do direito do exeqüente (art.

620, CPC), a boa fé processual (art. 14, II, CPC), a publicidade do edital de hasta pública (art.

687, §2, CPC), e a cláusula geral de adequação do processo e da decisão em jurisdição

voluntária (art. 1.109 do CPC). Essas cláusulas refletem, desse modo, a constitucionalização

jurisdicional, como o princípio do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

Não obstante a maleabilidade provida pelas cláusulas gerais seja fundamentalmente

útil para desatar o juiz de um direito linear, inapto à diversidade fáctica, há de se ponderar que

28 DIDIER Jr., Fredie. Cláusulas gerais processuais. Revista de Processo, v. 187, p. 69-83, 2010. 29 MENKE, Fabiano. A interpretação das cláusulas gerais: a subsunção e a concreção dos conceitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 50, 2004.

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essa criatividade deve ser harmonizada com a previsibilidade e a segurança jurídica, valores

próprios do Estado Democrático de Direito, e mesmo da ideia de direito. Não se pode olvidar

sua sujeição a institutos fundamentais, em especial ao princípio da legalidade, que vincula a

previsilidade a regras de comportamento e de decisão, não dispostas, obrigatoriamente, em

minúncias nos textos legais. A incerteza há de ser afastada do direito, não devendo os termos

excessivamente vagos das cláusulas gerais serem instrumentos para arbitrariedades subjetivas,

com ausência de preditismo, isentas irreversivelmente do valor-princípio segurança jurídica.

Essa segurança se relaciona, por sua vez, com a definição de parâmetros seguros de conduta

social e para as decisões jurisdicionais, contrabalanceando uma ideia associada à antecipação

de uma única decisão tida por justa, objetivando negar a intervenção do arbítrio decisório,

com outra voltada ao cumprimento do justo social a partir de alguma decisão sustentável.

5 A SEGURANÇA JURÍDICA E AS CLÁUSULAS GERAIS PROCESSUAIS

No aumento de complexidade das sociedade modernas, o direito construído a partir

da perspectiva positivista não logra êxito em acompanhar o ritmo de suas mudanças, de tal

maneira, se mostrando inapto a prover o grau de confiança necessário para sua função social.

Os sistemas fechados, assim concebidos para, em tese, conferir mais segurança na resolução

de questões com demanda jurídica, embora sejam pensados para tal, podem, potencialmente,

resultar em injustiças, provocando outras inseguranças além da previsibilidade estrita. A

segurança jurídica, princípio conexo à confiança, é instituto íntimo do Estado de Direito,

dando vazão objetivamente à sua estabilidade social defronte às situações sociojurídicas.

O Estado Democrático de Direito atém-se a uma ordem jurídica na qual os direitos

fundamentais são resguardados, legitimados constitucionalmente, se voltando para a defesa

dos cidadãos diante do poderio estatal. A segurança, strictu sensu, em termos constitucionais,

presente em seu preâmbulo como princípio, revela-se como um valor voltado ao alcance de

direitos substantivos previsíveis, auferindo-lhes certa credibilidade de aceitação. Providas são,

porquanto, as garantias necessárias para o firmamento indispensável ao Direito, afastando as

incertezas que naturalmente decorrem do caos das relações sociais juridicamente tuteladas. De

forma geral, conduz à determinabilidade das leis no seu uso jurisprudencial, à confiança

pautada em coerência para torná-la defesa contra as eventuais intempéries da realidade fático-

jurídica, impondo certa previsibilidade de soluções ao sistema judicial.

Pelo que já discutidas suas limitações, sistemas exclusivamente fechados se mostram

inviáveis para a dinâmica social, sem perder de vista, porém, que não subsistem sistemas

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exclusivamente abertos, compostos apenas por cláusulas gerais. Uma das críticas recorrentes a

elas se deve à sua imprevisibilidade de uso, associada a alguma sensação de insegurança,

como, por exemplo, terem sido empregadas na época do nacional-socialismo germânico como

meio para instituí-lo, “como janela de abertura para a concepção valorativa do momento”30.

Outrossim, de acordo com Fredie Didier, outra grande icógnita reside em saber quais efeitos

ocorrerão do descumprimento das cláusulas gerais, como, por exemplo, na desconsideração

da boa-fé, que poderá levar a invalidade do ato processual, preclusão de um poder processual,

dever de indenizar e até mesmo a uma sanção disciplinar. Os efeitos do desrespeito ao

princípio da boa-fé processual, v.g., principal exemplo de clásula geral nos processos, não,

necessariamente, seriam típicos, podendo ser mais bem conformados ao caso prático.

Sobre tais incertezas, Teresa Arruda Alvim Wambier ensina que, tradicionalmente,

“a ideia de que existe um repertório limitado de critérios para que se chegue a uma solução

normativa para determinado problema infunde segurança, na medida em que justamente (...)

gera previsibilidade”. Conclui seu raciocínio aduzindo que, para tanto, “sabe-se que há uma

gama limitada de possíveis soluções, e que, para se resolver a questão, não se pode sair do

sistema”. Lembra ainda que “a dogmática jurídica clássica tem como pressuposto uma crença

profundamente enraizada no direito posto, como plenamente realizador das aspirações sociais

predominantes” 31, muito embora, em nada valha “um sistema jurídico que oferece segurança

jurídica se esse sistema não é atual, mas sim constituído de dogmas ultrapassados”32.

Conexamente, Fabiano Menke, indaga, sobre as contestações às cláusulas gerais, se

elas não poderiam ser “um cheque em branco nas mãos do intérprete”, pois “não se pode

ignorar que de uma maneira ou de outra as clásulas gerais imprimem no sistema uma certa

dose de imprevisibilidade e de insegurança, à medida que têm a finalidade de alcançar a

justiça no caso concreto”. E isso porque, ainda em seu estudo, “a regulação jurídica das

relações de vida sociais tem por escopo garantir dois valores básicos: a segurança jurídica e a

justiça no caso individual. As cláusulas gerais cumprem a segunda função, uma vez que a

primeira é cumprida pelas normas de tipicidade rígida”33.

Ortodoxamente, é posta em questão a relativa imprevisibilidade de uma disposição

normativa intencionalmente indeterminada, tal que, “a despeito do contexto político-social da 30 MENKE, Fabiano. A interpretação das cláusulas gerais: a subsunção e a concreção dos conceitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 50, 2004. 31 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as cláusulas gerais do código civil de 2002 - a função social do contrato. Revista dos Tribunais, São Paulo, SP: RT, v. 94, n. 831, p. 59-79, 2005. 32 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis . A modernização do direito civil e as cláusulas gerais. Revista do Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 20, p. 36-52, 2008. 33 MENKE, Fabiano. A interpretação das cláusulas gerais: a subsunção e a concreção dos conceitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 50, 2004.

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época da decisão, as cláusulas gerais possibilitam ao juiz fazer valer a parcialidade, as

valorações pessoais, o arrebatamento jusnaturalista ou tendências moralizantes do mesmo

gênero, contra a letra da lei e contra o espírito da ordem jurídica”34. Leonardo Estevam de

Assis Zanini, sobre isso, aponta que “normas com conteúdo indeterminado, durante os anos

do nazifascismo, proporcionaram manipulações ideológicas e afrontas aos direitos humanos,

uma vez que os juízes tedescos passaram a fazer uso do poder outorgado pelas cláusulas

gerais para inserir no ordenamento jurídico os ideais do 3º Reich”. Complementa, citando

Franz Wieacker que “em épocas de predomínio da injustiça elas [cláusulas gerais] favorecem

as pressões políticas e ideológicas sobre a jurisprudência e o oportunismo político”35.

Nesse ponto, tornam-se especialmente lúcidas as colocações da professora Teresa

Arruda Alvim Wambier, ao relembrar que “tendo-se alterado a sociedade, é natural que se

tenha modificado correlatamente o modo de conceber o direito e lidar com ele”. Disso, no tom

neoconstitucionalista, não se pode olvidar que os princípios jurídicos, incorporados de valores

socialmente relevantes, como normas a serem realizadas, estejam mais dispersos pelo

ordenamento, o que, ao menos em tese, afastaria riscos de revoluções totalitárias que seriam

antijurídicas, antagônicas às ideias de direito. Assumindo-se a correspondência íntima entre os

princípios e as cláusulas gerais, muito embora, como já discutido, não se confundam, seriam

impensáveis nos parâmetros atuais, tais acontecimentos. Conclusivamente,

Aquele que tem que decidir só se pode valer do padrão orientador de decisão que tenha nascido fora do sistema, se este sistema o tiver assumido: em seus princípios, nas regras de direito positivo, na doutrina. Parece que esta penetração de elementos, que, por sua natureza, não são jurídicos, no sistema se dá por uma espécie de consenso, o que legitima que seja levado em conta no sistema decisório. A segurança nasce, pois, para a sociedade, na medida em que se sabe que, por mais ‘criativa’ que seja a decisão, esta (nos casos em que ela precisa ser construída a partir de elementos dos sistema, porque não se encontra pronta no repertório de solução) só pode estar apoiada em elementos internos ao sistema (ainda que criativamente manejados, mas racionalmente manejados), o que faz com que se saiba de antemão que se conta com uma gama limitada (igual a dentro das expectativas) de decisões possíveis36.

Questiona-se a excessiva liberdade concedida pelas cláusulas gerais aos magistrados,

no surgimento do risco de haver um “voluntarismo puro, o mero arbítrio do julgador”. Em

resposta, Fabiano Menke traz a lição de Larenz, inspirado em Schönfeld, que ressalta que a

concreção do Direito enquanto livre é também vinculada, permitida alguma variação na

34 DIDIER Jr., Fredie. Cláusulas gerais processuais. Revista de Processo, v. 187, p. 69-83, 2010. 35 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis . A modernização do direito civil e as cláusulas gerais. Revista do Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 20, p. 36-52, 2008. 36 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as cláusulas gerais do código civil de 2002 - a função social do contrato. Revista dos Tribunais, São Paulo, SP: RT, v. 94, n. 831, p. 59-79, 2005.

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grandeza e na medida dessa liberdade, sem implicar isso em “uma concretização do Direito

pura e simplesmente livre, porque isso seria arbítrio e portanto o contrário de Direito”37. De

tal forma, há um “parodoxo gerado pelas cláusulas gerais, já que, se por um lado elas deixam

amplo poder de apreciação e decisão nas mãos do magistrado, o que poderia ser considerado

fator de insegurança jurídica, por outro lado, facilitam a atividade legislativa e permitem uma

aplicação do direito preocupada com a realidade social e, por conseguinte, com a justiça”38.

Para Fredie Didier, “não pode o aplicador, na concretização das cláusulas gerais,

ignorar o consenso social já estabelecido a respeito de determinadas circunstâncias que devem

ser por ele examinadas”. Além disso, pode-se controlar a utilização das cláusulas gerais, “quer

por razões formais (incompetência do órgão julgador ou falta de fundamentação), quer por

razões substanciais (má compreensão da cláusula geral)”, podendo ser nulas (sem a devida

fundamentação) ou revistas se injustas (inadequadas ou irrazoáveis). Como exemplo, “pode-

se pensar que o excessivo apego ao princípio do contraditório levaria a que se considerasse

inconstitucional a possibilidade de haver decisões liminares que gerassem constrição no

patrimônio do réu sem que esse fosse antes ouvido, estaria sendo esquecido o princípio

segundo o qual o processo há de ser efetivo e estaria, por isso, equivocada a solução”39.

Apesar desses temores, é certo que “as novas técnicas de legislar e de interpretarem

dispositivos normativos também passaram a dar ao juiz maior poder para concretizar a justiça

no caso concreto, levando em conta suas peculiaridades”40. Com a introdução de cláusulas

gerais nos ordenamentos jurídicos, o juiz passa a ter mais poder e, consequentemente, maior

responsabilidade para a aplicação de dispositivos legais, i.e., quanto à decisão a ser proferida.

Por não ser realizada uma associação direta do caso à lei, e sim uma operação intelectiva mais

complexa, o perfazimento criativo de preceitos morais na definição dos efeitos práticos requer

maior sustentação argumentativa para manter sua eficiência. As decisões, por conseguinte,

devido aos efeitos jurídicos indeterminados das cláusulas gerais, deverão ter fundamentação

mais completa, em, e.g., doutrinas, jurisprudências, precedentes, decisões repetidas sobre a

mesma matéria etc. A Constituição Federal, art. 93, IX, nesse intuito, determina que seja nula

toda decisão judicial não fundamentada, e, sendo assim, apesar dessa liberdade, afasta-se

37 MENKE, Fabiano. A interpretação das cláusulas gerais: a subsunção e a concreção dos conceitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 50, 2004. 38 ZANINI, Leonardo Estevam de Assis . A modernização do direito civil e as cláusulas gerais. Revista do Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 20, p. 36-52, 2008. 39 DIDIER Jr., Fredie. Cláusulas gerais processuais. Revista de Processo, v. 187, p. 69-83, 2010. 40 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as cláusulas gerais do código civil de 2002 - a função social do contrato. Revista dos Tribunais, São Paulo, SP: RT, v. 94, n. 831, p. 59-79, 2005.

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qualquer abusividade dos juízes, devendo ser a decisão plausivamente justificada conforme

maior for a indeterminação do dispositivo legal.

Entretanto, desde que se altera a configuração do direito, seja por sua componente

legislativa ou por seu aparato material e técnico, devem, inobliteravelmente, ser repensados

seus institutos, e entre eles o princípio da segurança jurídica. Não somente há a “necessidade

de coordenação entre as leis no mesmo ordenamento, como exigência para um sistema

jurídico eficiente e justo”41, como também que seus integrantes assumam nova feição. Nesse

aspecto, a segurança jurídica vai deixando de ser vista apenas em termos da previsibilidade

dos resultados jurisdicionados, usando todo o sistema, inclusive o recursal para trabalhar na

construção dessa perene estabilidade. Do indispensável pensamento de Teresa Arruda Alvim

Wambier, é fundamental esclarecer sobre isso que

Havendo lei, com dispositivos mais minunciosos, outros mais vagos, cláusulas gerais, jurisprudência e doutrina, e os princípios aí incorporados, embora com um teor incomparavelmente mais intenso de discutibilidade, continua o direito tendo de garantir segurança, já que aos jurisdicionados é dado ter certas expectativas a respeito de determinados resultados.

Concludentemente, acresce que

Deixando de lado as indagações sobre a justiça absoluta, pode-se convencionar que a ideia de justiça diga respeito à existência de uma norma e à necessidade de que as decisões sejam baseadas nesta norma, sendo fruto de sua correta aplicação. Este fenômeno gera certo grau deejável de regularidade objetiva (como fenômeno oposto à arbitrariedade subjetiva), e que é vivida como um valor em si mesmo.

Nessa mudança de paradigma, a segurança jurídica se aproxima do senso de justiça,

visando a motivação e uma mais bem fundada teoria da argumentação, que imponha crédito e

confira certeza, imprescindíveis para a reputação social do Direito. Outorgando-lhe confiança,

fundamental respaldo para a busca da tutela jurisdicional, a cada criação, mudança ou

revogação de lei evita-se a imprevisão de que em diversos processos a sucumbência mude de

lado, trazendo como conseqüência processos intermináveis devido à incerteza instaurada, na

falta de referenciais jurisprudenciais. Ademais, “ainda que se admita tenha o juiz padrões

mais flexíveis, quer-se a continuidade do método de que haja padrões para decidir, porque se

valorizam a segurança e a previsibilidade, apesar de todas as dificuldades decorrentes da

inegável flexibilização dos padrões que hoje se constata em toda parte”42.

41 MENKE, Fabiano. A interpretação das cláusulas gerais: a subsunção e a concreção dos conceitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 50, 2004. 42 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as cláusulas gerais do código civil de 2002 - a função social do contrato. Revista dos Tribunais, São Paulo, SP: RT, v. 94, n. 831, p. 59-79, 2005.

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6 APONTAMENTOS FINAIS

Em nada se tratando de um ineditismo metodológico, uma efêmera novidade da

técnica formalista, as cláusulas gerais têm permeado fortemente a atividade legiferante

brasileira, em especial a partir da Constituição Federal de 1988. De certo modo, sua utilização

com maior frequência, como notadamente presentes no Código Civil de 2002, reverberando,

inclusive, no direito processual civil, manifesta uma considerável tentativa de reformulação

do paradigma de sistematização do Direito moderno. Ocorre que o unívoco atrelamento da

função jurisdicional ao estrito cumprimento do positivismo jurídico, um expoente da filosofia

do Estado liberal, que outrora serviu para desmantelar o poderio do absolutismo medievo, se

mostrou ineficiente para a efetiva concreção de direitos.

As sociedades hodiernas, em massa, consubstanciadas com altíssimas densidades

relacionais e elevadíssima complexidade nos enfrentamentos interindividuais, têm demandado

uma profunda revisão dos processos de criação e aplicação dos textos legais. Tal fenômeno é

fruto da necessidade de adaptação do Direito para a devida persecução de sua finalidade

precípua, qual seja, o alcance da justiça, em um meio social com ininterrupta mutabilidade, no

qual normas rígidas e com alta especificidade se tornam inapropriadas, quiçá inaplicáveis. Ao

se optar por disposições legais mais fluidas em detrimento de um maior casuísmo, é auferida

ao ordenamento jurídico uma maior capacidade de abarcamento das situações fáticas, sem que

hajam requeridas recriações legais ad hoc quando da emersão de casos imprevistos.

A patente limitação dos rígidos ordenamentos dos sistemas fechados, em termos de

suas dificuldades no tratamento, isto é, previsão e regramento pela via positiva dos litígios

emergentes, ensejaram o alto relevo dado às cláusulas gerais. Em claro, elas se destacam no

papel de maleabilizar a legislação por sua característica de generalidade semântica, vagueza

textual, desprendida da ilusória ambição de regulamentar de modo exaustivo e previsivo os

casos possíveis, permitindo sua adequabilidade com a realidade permanentemente mutável.

A evolutiva conformação juspolítica, incorporada do crescente prestígio do direito

constitucional, ordenativo e norteador das políticas legislativas, favoreceu a imersão em seus

sistemas legais de essências morais como a dignidade da pessoa humana e a equidade. Isso

tem se dado de tal modo que, além de direitos substantivos, socialmente mais favoráveis,

foram agregados aos ordenamentos processuais importantes diretrizes, v.g., o devido processo

legal, a ampla defesa e o contraditório. Nesse contexto, em face das muitas necessidades do

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mundo factual, ganharam relevo as cláusulas gerais como concretizadores, ainda que às vezes

insipientemente, de valores afeitos à justiça para a a condução do direito ao considerado justo.

As cláusulas gerais mudam a forma de atuação do magistrado no processo uma vez

que este, de modo fattispecie, age tal como um legislador ao preencher as lacunas propositais,

estando atento aos precedentes, à fundamentação, e aos ideais do contexto social de então.

Consolidaram-se também como importante recurso legislativo, o qual permite acompanhar as

transformações sociais sem a necessidade de frequentes reformas no ordenamento jurídico.

A segurança jurídica, nesse cenário, volta-se para o sentido de justiça em decorrência

da evolução da hermenêutica constitucional, fundindo-se a partir da realização das garantias

da realização dos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados. Isso porque a

produção de soluções constitucionalmentes adequadas se perfaz por meio de seu conteúdo

aberto e principiológico, a partir dos elementos concretos dos problemas requerentes de

solução. Entendendo-se segurança jurídica como a garantia de exigibilidade de direito certo,

estável e previsível, devidamente justificado e motivado com vistas à realização da justiça.

REFERÊNCIAS

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GENERAL CLAUSES AND NEW CIVIL PROCEDURE ABSTRACT This article aims to present general conditions, showing the period prior to its appearance, its creation and its development throughout history. Discussed even about her participation in our legal system, how it appeared and how it is applied. This article is not intended to exhaust or even to detail exhaustively the topic, since it is very complicated and very controversial. The ultimate goal of this paper is show their inclusion in the Code of Civil Procedures, and the opinions of scholars about the best way for their application to specific cases, its mode of interpretation and for compliance with such terms. Keywords: General conditions. Civil procedures.