50 anos sem cheguevara

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Page 1: 50 ANOS SEM CHEGUEVARA

ALBERTO KORDA / CP MEMÓRIA

Coordenador Editorial: Juremir Machado da Silva | [email protected] Editor: Luiz Gonzaga Lopes | [email protected]

Não há como não se en-volver com as coisasde Cuba quando se an-da de um lado para ou-

tro do país com um guia turísti-co cheio de prosa, com o nomede Che Lenin lá na certidão e nacarteira de identidade. O nomeé uma homenagem a Che Gueva-ra e a Vladimir Ilyich Ulyanov,conhecido pelo pseudônimo Le-nin, revolucionário comunista epolítico que serviu como chefede governo da República Russade 1917 a 1918. Ele sabe tudo so-bre o argentino Che Guevara,conta histórias, romances, exal-ta a sua altivez e a sua bravurae diz que esta paixão pelo heróinacional de Cuba veio do pai,consumada na hora do seu nas-cimento, quando recebeu partedo nome de um dos guerrilhei-ros mais conhecidos da revolu-ção cubana vitoriosa em 1959.

Na cidade de Santa Clara, on-de há um memorial e um monu-mento a Che Guevara, a emoçãode Che Lenin atinge o auge, pas-sando para o séquito de turistasde várias partes do mundo oseu fervor e a sua idolatria aorevolucionário e amigo númeroum de Fidel Castro. Ali, ele con-ta histórias e fantasia outrastantas sobre cada arma, cadaroupa e cada detalhe do que fezo seu ídolo Che Guevara.

Quando se viaja por Cuba, deHavana a Santiago, de Matan-zas a Santa Clara, de Trinidad aCienfuegos, de Holguín a Vara-dero ou de Guantánamo aViñales, ou ainda à mítica Sier-ra Maestra, sempre se está an-dando com Che Guevara. Ele éonipresente em tudo. Não hácubano que não o admire e oame com uma paixão desenfrea-da e grandiosa. Não é por nadaque ele é — ao lado de Fidel — oproduto turístico mais consumi-

do pelos turistas. Chaveiros, pos-tais, ímãs de geladeira, calendá-rios, CDs, pôsteres, livros e umainfinidade gigantesca de quinqui-lharias estão por todos os ladose produzem milhões de dólarespara os cofres estatais. Os suve-nires são, de certa forma, irre-sistíveis e não há quem não com-pre por mais que possa ter algu-ma restrição à biografia do he-rói cubano, morto há 50 anos naBolívia, quando estava envolvidoem outra revolução.

De Cuba, Che viajou pelo mun-do alguns anos depois da revolu-ção e de exercer vários cargosno governo de Fidel. A sua ima-gem viajou junto e virou ícone degerações de jovens dos anos 60,70, 80 e um pouco mais adiante,sedenta por justiça social, pormais equilíbrio econômico entreas pessoas e entre os povos e pe-lo fim de ditaduras que oprimiame escravizavam nações. Morreuquando tentava outra revolução,mas a sua imagem e as suas fo-tos definitivamente ficaram nahistória por todos os lados domundo, associadas a um objetivomaior: o livre transitar das ideiase o fim de qualquer opressão.

Nesta edição do Caderno deSábado, o jornalista Marco Auré-lio Villalobos, da Ong Pensamen-to.org, teve seus 30 minutos deentrevista com um dos irmãosmais novos de Che, Juan MartinGuevara, em Buenos Aires. “Naminha casa, nunca houve espa-ço para ideias conservadoras.Era uma casa muito politizada”,diz Juan, em trecho da entrevis-ta, para humanizar e fraternizaro mito. Juremir Machado da Sil-va entrevistou Flávio Tavares, ojornalista gaúcho que conheceuChe, em Montevidéu, em 1961.Também nesta edição, uma en-trevista com o Nobel da Paz de1980, Adolfo Pérez Esquivel.

HISTÓRIA

50 ANOS SEM CHE GUEVARAArgentino,motoqueiro, inquietoe idealista,oguerrilheiroqueajudou

FidelCastroatirarFulgencioBatistadopodercubanoem1959, tornou-seumalenda,umautopia,umíconedegeraçõesde jovensquequeriamummundo

mais justo.Por tudoisso,esterevolucionário,mortoem9deoutubrode1967,virouumilustrehomemdahistória.OCS lembraohomemeomito

EUGENIO BORTOLON

CScaderno de sábado

CORREIO DO POVO SÁBADO,7 de outubro de 2017

Page 2: 50 ANOS SEM CHEGUEVARA

ROBERTO SANTOS / DIVULGAÇÃO / CP MEMÓRIA

JUREMIR MACHADO DA SILVA ENTREVISTA FLÁVIO TAVARES

‘Chedesmantelavaoadversáriosemagredir’Jornalistae escritorconsagrado, ogaúchoFlávioTavares, nascidoemLajeadoem 1934,costumafalardo queviveu.A ditadura militarimplantadanoBrasil em1964 fariadeleumpreso,umtorturadoeumexilado.Em1969, como umdosprisioneiros trocadospeloembaixadornorte-ameri-canosequestradoChar-lesBurkeElbrick, foivivernoMéxico. Um dosencontrosquemarcaramasua vidade jornalistaaconteceuem 1961, emMontevidéu,ondeconhe-ceuErnesto CheGueva-ra. Passados50 anos daexecuçãodo míticorevolucionárioargenti-no,mortona Bolívia, em9de outubrode1967,FlávioTavares publicaumbelo livro intitulado“As trêsmortes deCheGuevara: 1.Odisparo emCuba2.A agoniano Congo3.A execução na Bolívia”(L&PM)no qual analisaaimportânciadopersonageme as razõesde ter saído deCuba paracontinuara buscada suautopiaemcondiçõesquenãopoderiamresultaremêxito.NestaentrevistaaoCadernodeSábado,FlávioTavares reafirma asua ad-miraçãoporumhomemqueparaalgunsencarnaosonhodeemancipação total dohomeme aeterna ejustificadabuscadautopiae paraoutros nãopassadeumcomunistasanguinário.

CADERNODESÁBADO

Tavares sobre o que marcou no encontro com Che: ‘Mais do que tudo, a capacidade de ouvir e o estilo e tom do que dizia’

Caderno de Sábado –Eis um livro elegante,minucioso e amparadona leitura de outras

obras e em encontros inesque-cíveis: com o próprio Che Gue-vara, em Punta del Este, coma mãe dele, em Porto Alegre,e com o ex-guerrilheiro DarielAlarcón Ramírez, em Paris.Debulhadas essas preciosasreferências e lembranças,quem foi Che? Um idealista?Um aventureiro? O verdadeirorevolucionário?

Flávio Tavares – O ser hu-mano é sempre uma soma e Cheencarnou as três situações, semque uma exclua a outra. Foiidealista por ter uma meta, umideal e, com ele, forjou um novomundo. Um aventureiro por tervivido a aventura maior de en-tregar a própria vida. A somadisso faz dele um revolucionárioque se rebela contra um mundoque não distingue o justo do in-justo. Jean Paul Sartre diziaque o Che foi “o mais completoser humano da nossa época”.

CS – Che morreu três ve-zes? Por quê? Fidel foi o pri-meiro a matá-lo?

Tavares – Sim, três vezesmorreu. Primeiro, ao não poderlevar adiante a revolução do “ho-mem novo” numa ilha pequena,pobre e monocultora. Enxotadode Cuba, foi ao Congo em buscada utopia e saiu por pressãodos soviéticos, que viam neleum adepto do modelo socialistachinês. Chegou à Bolívia às pres-sas, guiado por informações fal-sas da direção comunista bolivia-

na, fiel a Moscou. Fidel não omatou, mas o sacrificou, o en-viou ao patíbulo para asseguraro apoio dos russos.

CS – Muitos críticos do Chetentam apresentá-lo como umhomem impiedoso, irascível eaté preconceituoso com ho-mossexuais. No seu livro, eleé um ser irrequieto, um tantodesiludido com os rumos darevolução cubana e disposto atudo para prosseguir sua luta.Che foi um revolucionário frioou vítima da sua utopia?

Tavares – Ele mesmo se defi-niu naquela frase “há que serduro, mas sem perder a ternurajamais”. Impiedosa é a guerra,mais do que o guerreiro. Um so-brevivente da guerrilha me con-tou como ele era irascível eacho que a asma colaborava nis-so. Quanto ao homossexualis-mo, na época o preconceito eracomum até entre os homosse-xuais. O Che talvez os evitasse,mas não os perseguiu. Se fosseum homem frio, teria eliminadoos três majores que capturou naBolívia. Conheci um deles, quese tornou “guevarista” anosapós. Em plena Guerra Fria,Che foi vítima da disputa entreChina e Rússia, gigantes comu-nistas da época e, assim, foi víti-ma da utopia.

CS – Che morreu por estarmais perto da China maoístaque da União Soviética stali-nista?

Tavares – Em termos políti-cos, sim. Os dois governos dispu-tavam o controle do “movimentocomunista internacional”. A Chi-

na era “Terceiro Mundo”, comoa América Latina, e serviu de es-pelho ou modelo a Guevara. Masa prepotência dos Estados Uni-dos tinha feito de Fidel um ser-vo da superpotência soviética.

CS – Por que mesmo era de-sinteressante para a URSSapoiar mais uma revolução co-munista na América Latina?

Tavares – Na “convivência”da Guerra Fria, a área de in-fluência da URSS era a EuropaOriental, a dos Estados Unidosera a América Latina. Os comu-nistas cubanos só apoiaram Fi-del ao final da luta. O Kremlinganhou Cuba “de presente”quando a reforma agrária expro-priou a norte-americana UnitedFruit, mas já não se interessavaem derrubar o capitalismo. Que-ria apenas comerciar, comprare vender.

CS – Como entender queum revolucionário experientetenha cometido tantos errosna sua luta no Congo e quaseos mesmos erros na Bolívia,país onde se instalou às pres-sas e no lugar inadequado?

Tavares – Esta pergunta ex-plica, por si só, tudo o que contono livro. Sob pressão, Che sai deCuba às pressas, sem que osguerrilheiros do Congo soubes-sem que era ele, e lá foi sempreum clandestino. Depois, apren-deu quéchua para ir à Bolívia,mas – por indicação do líder co-munista boliviano – foi dar nazona de idioma guarani e híperconservadora, com armas ve-lhas e meia dúzia de bolivianos.E sem qualquer contato com a

população. Quem está em fuga esob pressão, improvisa e fanta-sia tudo para fugir à dor da rea-lidade.

CS – Passados 50 anos damorte do Che, por que ele vivetão intensamente no imaginá-rio de tantas pessoas pelomundo?

Tavares – Pelo sacrifício, pe-lo gesto de se imolarpor uma causa semnada pretender parasi, além da causa. Al-guém pode imaginarChe Guevara trôpego,com gota, caminhan-do com dificuldade,tratado com antibióti-cos e morrendo na ca-ma, velho e alquebra-do? Teria ele o respei-to que, hoje, tem atédos adversários?

CS – O que o marcou maisno seu encontro com Che em1961?

Tavares – Mais do que tudo,a capacidade de ouvir e o estiloe tom do que dizia. Profundo esimples, com uma ironia didáti-ca que convencia por um lado e,por outro, desmantelava o adver-sário sem agredir. As recepcio-nistas da conferência, todas daoligarquia uruguaia, literalmen-te se apaixonaram por ele, a co-meçar pela elegante displicênciada túnica guerrilheira numa reu-nião de engravatados ministros.

CS – O tempo das revolu-ções acabou definitivamente?

Tavares – Hoje, na sociedadede consumo a grande revoluçãoé ter o celular de última gera-ção, o computador e o carromais moderno e extravagante. Arevolução passou a ser isso e autopia é ter tudo isso. Os gran-des valores desapareceram dapolítica e do dia a dia. Pensar eraciocinar dá preguiça e quere-mos ser robô para que a máqui-na pense por nós.

CS – Che é um persona-gem que ainda lhe parece ad-mirável?

Tavares – Cada vez mais ad-mirável, até na ingênua boa-fécom que acreditou em mentirasou ilusões. É claro que teve er-ros, e muitos. Perfeitos são ape-nas os anjos, que – se existem –não são terrenais e vivem no Pa-raíso, muito longe daqui.

CS – Che Guevera morreuem 8 ou 9 de outubro de 1967?

Tavares – A data EXATA daexecução é 9 de Outubro, aindaque haja discussões sobre isto,pois o dia 8 ficou marcado co-mo tal. Dia 8 é a data do feri-mento e captura em 1967. Anosmais tarde, o cubano agente daCIA Félix Rodríguez colocou ospontos nos ii ao explicar deta-lhes que os generais bolivianosescondiam, como a execuçãodo prisioneiro. Até Rodríguezmostrar as fotos do quase irre-conhecível Che, de mãos atadase preso, ele “havia morrido emcombate”.

SÁBADO,7 de outubro de 2017 CORREIO DO POVO

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RODRIGO VILLALOBOS / PENSAMENTO / CP

MEMÓRIAS DE UM IRMÃO

Mortedeumhomem,nascimentodeummitoEmBuenosAires,oirmãodeChefaladeacertoseerrosdocomandanteedoseuladohumanoefamiliar

CADERNODESÁBADO

MARCO ANTÔNIO VILLALOBOS *

De Buenos Aires | Argentina

Ernesto ou Che? Irmão ouComandante? Cinquentaanos após a morte dosímbolo que desperta,

até hoje, amor e ódio, fomos atéBuenos Aires para descobrir co-mo era a relação de um revolu-cionário com a sua família. “Elecomo o irmão, 15 anos mais ve-lho, não era daqueles que que-ria ser como teu pai ou do tipoque fica o tempo inteiro te con-trolando. Pelo contrário. Era umcompanheiro, um amigo comquem se divertir”. A frase pode-ria definir apenas uma forma derelação existente em várias famí-lias, a diferença é que não esta-mos falando de um irmão qual-quer. O depoimento de JuanMartin é sobre ninguém menosdo que um símbolo para milhõesde pessoas, por várias gerações,nos quatro cantos do mundo: omítico Ernesto Guevara de laSerna, o Comandante Che. Osimpático e falante Juan nos re-cebe em seu pequeno escritóriono coração de Buenos Aires, naesquina das avenidas Corrien-tes e 9 de Julho. Com 74 anos,ele é o mais novo de cinco ir-mãos (além de mais três do se-gundo casamento do pai). Logono início da conversa explicaque ser irmão de um persona-gem que povoa a imaginação detodos os românticos que so-nham com um mundo maisigual, mas que ao mesmo tem-po é motivo de ódio para quemprefere manter as desigualda-des, não é ser o irmão de qual-quer um.

“Ser irmão do Che é semprechamar atenção”. Isto há muitotempo faz parte de seu dia adia. “Quando me apresentam pa-ra alguém e anunciam que souirmão do Che vem a surpresaacompanhada da indefectívelpergunta: mas irmão de pai emãe?” Juan conta que em segui-da muitos ainda ficam em dúvi-da e fazem uma espécie de testevisual o revisando de cima a bai-xo, muitas vezes, “pensando,acho eu: mas ele não pode ser ir-mão do Che”. O revolucionáriodeve muito da sua forma de pen-sar e agir em função das circuns-tâncias de sua família, somadasao contexto internacional de ummundo onde a Guerra Fria semostrava cada dia mais quente.“Nossa família era muito ativapoliticamente do ponto de vistada discussão, da abertura e deestar discutindo sempre o queestava acontecendo em todo ocenário mundial”, destaca Juan.

A América Latina garroteadapor ditaduras ou, no mínimo,por regimes que flertavam aber-tamente com a falta de liberda-de, cobrou um alto preço paraquem levava na assinatura o so-brenome Guevara. Não são pou-cas e muito menos agradáveisas lembranças de Juan. Na Ar-gentina, depois da década de 30,virou moda a predominância degovernos que nem de perto pode-riam ser considerados democrá-ticos. “Para nós as coisas piora-ram a partir do momento emque o Che se envolveu na Revo-lução Cubana”. Na década de 60a residência dos Guevara, emBuenos Aires, sofreu atentadoscom bombas e também foi metra-lhada. “Na minha casa nuncahouve espaço para ideias conser-vadoras. Era uma casa muito po-litizada, mas não por um parti-do especificamente”. Exemplosde luta são fáceis de encontrarentre os Guevara. Um tio lutouem uma Brigada Internacional afavor da República e contra ofascismo na Guerra Civil Espa-nhola; a mãe sempre foi solidá-ria com as lutas populares; opai, um tipo que rompia com osesquemas tradicionais da época;o irmão Roberto foi preso no Mé-xico, e Juan, por mais de oitoanos, foi o prisioneiro número449 da ditadura argentina.

A vitória dos “barbudos” coma fuga do ditador cubanoFulgêncio Batista para os Esta-dos Unidos no primeiro dia de1959 proporcionou o tão espera-do encontro de toda família emsete anos. Juan não via o irmãodesde 1953, quando ele estavaentre a Guatemala e o Méxicoem mais uma de suas frequen-

tes viagens. Em Havana, onde opovo comemorava o final deuma ditadura que deixou pelomenos 20 mil mortos, percebeuuma grande mudança. “As lutasrevolucionárias dele fizeramcom que eu deixasse um irmãoe encontrasse um comandante”.Juan tinha que tratar Che comocomandante, mas no pouco tem-po que conseguiam ficar sozi-nhos a conversa era com o Er-nesto. “Era um bate-papo commuita alegria quando ele me per-guntava coisas de Buenos Airese mostrava também sua preocu-pação sobre o que eu gostariade fazer de minha vida”.

O sorriso se abre, e nem os58 anos que separam 1959 de2017 conseguem diminuir o bri-lho nos olhos de Juan ao lem-brar, como se fosse um filme, da-quele momento único vivido pe-los cubanos. Estavam em um ho-tel que se chamava Hilton e ago-ra é Habana Libre. O térreo eracomo se fosse um quartel gene-ral dos revolucionários: todos alicom seus uniformes esfarrapa-dos pelas lutas que enfrentaramna serra. De repente passa porali Errol Flynn, um dos grandesartistas da história do cinema,lado a lado com um grupo deguerrilheiros. “Eu acho que elenão estava entendendo nada”,lembra Juan. Mas o tempo desorrir durou pouco para famíliae mais uma vez o Che cometeuo que era avaliado como um er-ro por seu companheiro de luta,Fidel Castro. Juan reforça que ocubano sempre dizia que “Gue-vara não deveria meter-se depeito aberto em tudo.” Passados50 anos de sua morte o que pa-ra Fidel foi uma falha, para o ir-

mão do Che não deixa de seruma virtude. “Os dirigentes de-vem se envolver diretamente naluta, meter os peitos. Quem man-da nos outros são os políticos.Estar na frente, como ele sem-pre esteve, também é saber quepode morrer e foi isto que acon-teceu”. Para Juan, o erro cometi-do por Guevara foi ter confiadono Partido Comunista Bolivianoque, por estar seguindo a linhapolítica e estratégica utilizadana época pela União Soviética,acabou traindo o revolucionárioargentino.

Um dia era verdadeFalta de apuração adequada,

estratégia para vender jornal eaté mesmo desejo de uma im-prensa cuja linha editorial semisturava com os ideais das di-taduras que vigoravam na épo-ca. Qualquer que seja o motivo,o certo é que se dependesse departe da mídia, Ernesto CheGuevara seria o homem quemorreu várias vezes. Juan desta-ca que as notícias eram as maisalarmantes possíveis: “todo gru-po aniquilado e entre eles sem-pre um médico argentino”. Masno dia 9 de outubro de 1967, ainformação era correta. Depoister sido capturado pelos Ran-gers, grupo de elite do exércitoboliviano, treinado e assessora-do por americanos, no dia ante-rior, durante um combate no vi-larejo de La Higuera, Guevarafoi executado com uma rajadade metralhadora no interior deuma pequena escola local. A or-dem partiu do próprio presiden-te da Bolívia, general René Bar-rientos.

Juan lembra como se fossehoje. “Dia 10 eu estava saindo

bem cedo para o trabalho quan-do chegou a notícia e junto comela as fotos. Eu logo reconhecique era ele”. Por ser o irmãomais velho, e também pela condi-ção de advogado, Roberto Gue-vara viajou para o reconhecer eprovidenciar a volta do corpo pa-ra Argentina. A viagem não sur-tiu o efeito desejado. O chefe mi-litar local disse que não haviacorpo e que a solução só pode-ria ser dada pelas autoridadesem La Paz. Na capital, Robertorecebeu a informação que o cor-po já estava enterrado. Juanconta que o irmão respondeuque se o corpo estava enterradoe ele não pudesse vê-lo entãoconsideraria que não era o Che.Qualquer dúvida que ainda pu-desse existir acabou quando oscubanos confirmaram a morte.Guevara foi enterrado junto comoutros sete guerrilheiros emuma cova anônima ao lado dapista do pequeno aeroporto deVallegrande. Durante 30 anos olocal de seu sepultamento foimantido sob o mais absoluto si-gilo, que acabou sendo quebra-do por um general reformado doexército boliviano. Após escava-ções, peritos argentinos e cuba-nos encontraram os restos mor-tais que hoje estão enterradosem um mausoléu na cidadecubana de Santa Clara, onde pe-la última vez os dois amigos re-volucionários Fidel e Che se en-contraram em 1966.

Missão cumpridaAs paredes do escritório de

Juan cobertas com fotos e carta-zes do irmão são a prova contun-dente de sua admiração, comuma milhões de pessoas em todomundo. A relação familiar certa-mente garante uma situaçãomuito especial: “para mim, Er-nesto é meu irmão de sangue.Che é meu companheiro deideias.” O legado ele define co-mo as melhores alternativas quesurgem a partir do pensamentoe da forma de agir do irmão.

“Em 63 ele disse: somos mar-xistas porque é o mais próximoque se chega hoje em análise so-cial e política.” Juan defendeque também as novas geraçõesdevem pensar no marxismo, noleninismo e no guevarismo co-mo forma de alcançar o queseu irmão definia como o Ho-mem Novo, um revolucionárioque deve trabalhar toda sua vi-da em nome do bem estar so-cial. Como guevarista, deseja:“O feudalismo esperou mil anospara ser derrubado pelas revo-luções burguesas. A esperançaé que não tenhamos que espe-rar até 2600 para que termineeste sistema de domínio globali-zado”. O caminho foi apresenta-do pelo Che que segundo Juan“se definiu marxista, leninista esó não se declarou guevaristaapenas por um detalhe. Ele eraChe Guevara”.

* Jornalista da Pensamento.org

Juan Guevara: ‘Na minha casa nunca houve espaço para ideias conservadoras. Era uma casa muito politizada’

SÁBADO,7 de outubro de 2017 CORREIO DO POVO