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AS PRINCIPAIS CORRENTES DO MOVIMENTO ORGÂNICO E SUAS PARTICULARIDADES 1 Moacir Roberto Darolt 2 Este texto apresenta de forma sintética as principais correntes do movimento orgânico no mundo, destacando alguns princípios básicos e particularidades que caracterizam cada segmento. Veremos que a agricultura orgânica da atualidade representa a fusão de diferentes correntes de pensamento que podem ser agrupadas em quatro grandes vertentes: agricultura biodinâmica, biológica, orgânica e natural. O trabalho mostra uma visão histórica da evolução e desdobramento de cada corrente até os dias atuais. História e características dos movimentos orgânicos no mundo Desde o final do século XIX, existia na Europa e, mais especificamente, na Alemanha um movimento por uma alimentação natural que preconizava uma vida mais saudável. Esse movimento fazia parte de uma corrente de pensamento que contestava o desenvolvimento industrial e urbano da época. No início do século XX, mais especificamente na década de 1920, surgiram as primeiras correntes alternativas ao modelo industrial ou convencional de agricultura. Segundo Tate (1994), o avanço lento destes movimentos e suas repercussões práticas ocorreu em função do forte lobby da agricultura química, ligada a interesses econômicos de uma agricultura moderna em construção. A agricultura orgânica da atualidade representa a fusão de diferentes correntes de pensamento. Para que possamos visualizar essas correntes de pensamento alternativo ao modelo convencional, elaboramos o esquema da figura 1.1. Basicamente, segundo EHLERS (1996), podemos agrupar o movimento orgânico em quatro grandes vertentes: agricultura biodinâmica, biológica, orgânica e natural. 1 Texto original: DAROLT, M.R. As principais correntes do movimento orgânico e suas particularidades. In: Darolt, M.R. Agricultura Orgânica: inventando o futuro. |londrina: IAPAR, 2002. p. 18-26. Atualização realizada em 2010. 2 Eng. Agr., Doutor em Meio Ambiente, Pesquisador do IAPAR, e-mail: [email protected] . 1

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CORRENTES DA AGRICULTURA DE BASE ECOLÓGICA

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Page 1: 5 - Darolt - Escolas Da Agricultura Orgânica

AS PRINCIPAIS CORRENTES DO MOVIMENTO ORGÂNICO E SUAS PARTICULARIDADES1

Moacir Roberto Darolt2

Este texto apresenta de forma sintética as principais correntes do movimento

orgânico no mundo, destacando alguns princípios básicos e particularidades que

caracterizam cada segmento. Veremos que a agricultura orgânica da atualidade

representa a fusão de diferentes correntes de pensamento que podem ser agrupadas

em quatro grandes vertentes: agricultura biodinâmica, biológica, orgânica e natural. O

trabalho mostra uma visão histórica da evolução e desdobramento de cada corrente até

os dias atuais.

História e características dos movimentos orgânicos no mundo

Desde o final do século XIX, existia na Europa e, mais especificamente, na

Alemanha um movimento por uma alimentação natural que preconizava uma vida mais

saudável. Esse movimento fazia parte de uma corrente de pensamento que contestava

o desenvolvimento industrial e urbano da época.

No início do século XX, mais especificamente na década de 1920, surgiram as

primeiras correntes alternativas ao modelo industrial ou convencional de agricultura.

Segundo Tate (1994), o avanço lento destes movimentos e suas repercussões práticas

ocorreu em função do forte lobby da agricultura química, ligada a interesses

econômicos de uma agricultura moderna em construção.

A agricultura orgânica da atualidade representa a fusão de diferentes

correntes de pensamento. Para que possamos visualizar essas correntes de

pensamento alternativo ao modelo convencional, elaboramos o esquema da figura 1.1.

Basicamente, segundo EHLERS (1996), podemos agrupar o movimento orgânico em

quatro grandes vertentes: agricultura biodinâmica, biológica, orgânica e natural.

1Texto original: DAROLT, M.R. As principais correntes do movimento orgânico e suas particularidades. In: Darolt, M.R. Agricultura Orgânica: inventando o futuro. |londrina: IAPAR, 2002. p. 18-26. Atualização realizada em 2010.2Eng. Agr., Doutor em Meio Ambiente, Pesquisador do IAPAR, e-mail: [email protected] .

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FIGURA 1.1 - PRINCIPAIS CORRENTES DE PENSAMENTO LIGADAS AO MOVIMENTO ORGÂNICO E SEUS PRECURSORES

NOTA: *Esses termos não constituem uma corrente ou uma filosofia bem definida de agricultura, mas são úteis para reunir as agriculturas que se diferenciam da agricultura convencional, agroquímica ou industrial. **Termo bastante desgastado por sua falta de precisão e pela forma como vem sendo utilizada. A maioria das definições procura associar o termo com objetivos a serem atingidos numa agricultura durável ao longo do tempo.*** Recentemente, tem sido considerada como uma nova ciência ou um novo enfoque científico que reúne, sintetiza e aplica conhecimentos da agronomia, ecologia e outras ciências afins.

Em complemento, o quadro 1.1 apresenta os princípios básicos e as

particularidades das correntes de pensamento que originaram os métodos orgânicos de

produção.

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Agricultura Biodinâmica

(Rudolf Steiner/E.Pfeiffer)Início década 20

Alemanha/ Áustria

Agricultura Orgânica(Albert Howard /

E. Balfour/ J.I. Rodale)Anos 30 e 40

Grã Bretanha / EUA

Agricultura BiológicaJ.Boucher/R. Lemaire

Década 60/70C. Aubert/ F.Chaboussou

França

Permacultura

Bill MollisonAnos 70 e 80

Austrália

Agricultura Regenerativa

(Robert Rodale /J.Pretty)Final 70/Início 80Estados Unidos

Agricultura Organo- Biológica

Hans Muller/ Hans P. Rusch

Início década 30Suíça / Áustria

Agricultura Natural(Mokiti Okada /

Masanobu Fukuoka)Meados anos 30

Japão

Agricultura Ecológica*(H. Vogtmann/ Univ.

Wageningen)Final 70/ Início dos 80

Alemanha/Holanda

Agricultura Alternativa *Anos 70

Agroecologia***M. Altieri / S.Gliessman

Anos 80 (América Latina/EUA)

Agricultura Sustentável**Final dos 80/ Anos 90

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QUADRO 1.1 - PRINCÍPIOS BÁSICOS E PARTICULARIDADES DOS PRINCIPAIS MOVIMENTOS QUE ORIGINARAM OS MÉTODOS ORGÂNICOS DE PRODUÇÃO (DAROLT, 2000).

MOVIMENTO OU

CORRENTE

PRINCÍPIOS BÁSICOS PARTICULARIDADES

AgriculturaBiodinâmica

É definida como uma “ciência espiritual”, ligado a antroposofia, em que a propriedade deve ser entendida como um organismo. Preconizam-se práticas que permitam a interação entre animais e vegetais; respeito ao calendário astronômico de Maria Thun; utilização de preparados biodinâmicos, que visam reativar as forças vitais da natureza; além de outras medidas de proteção e conservação do meio ambiente.

Na prática, o que mais diferencia a ABD das outras correntes orgânicas é a utilização de alguns preparados biodinâmicos (compostos líquidos de alta diluição, elaborados a partir de substâncias minerais, vegetais e animais) aplicados no solo, planta e composto, baseados numa perspectiva energética e em conformidade com a disposição dos astros.

Agricultura Biológica(AB)

Não apresenta vinculação religiosa. No início o modelo era baseado em aspectos socioeconômicos e políticos: autonomia do produtor e comercialização direta. A preocupação era a proteção ambiental, qualidade biológica do alimento e desenvolvimento de fontes renováveis de energia. Os princípios da AB são baseados na saúde da planta, que está ligada à saúde dos solos. Ou seja, uma planta bem nutrida, além de ficar mais resistente a doenças e pragas, fornece ao homem um alimento de maior valor biológico.

Não considerava essencial a associação da agricultura com a pecuária. Recomendam o uso de matéria orgânica, porém essa pode vir de outras fontes externas à propriedade, diferentemente do que preconizam os biodinâmicos. Segundo seus precursores, o mais importante era a integração entre as propriedades e com o conjunto das atividades socioeconômicas regionais. Este termo é mais utilizado em países europeus de origem latina (França, Itália, Portugal e Espanha). Segundo as normas uma propriedade “biodinâmica” ou “orgânica”, é também considerada como “biológica”.

Agricultura Natural(AN)

O modelo apresenta uma vinculação religiosa (Igreja Messiânica). O princípio fundamental é o de que as atividades agrícolas devem respeitar as leis da natureza, reduzindo ao mínimo possível a interferência sobre o ecossistema. Por isso, na prática não é recomendado o revolvimento do solo, nem a utilização de composto orgânico com dejetos de animais. Aliás, o uso de esterco animal é rejeitado radicalmente.

Na prática se utilizam produtos especiais para preparação de compostos orgânicos, chamados de microrganismos eficientes (EM). Esses produtos são comercializados e possuem fórmula e patente detidas pelo fabricante. Esse modelo está dentro das normas da agricultura orgânica.

Agricultura Orgânica(AO)

Não tem ligação a nenhum movimento religioso. Baseado na melhoria da fertilidade do solo por um processo biológico natural, pelo uso da matéria orgânica, o que é essencial à saúde das plantas. Como as outras correntes essa proposta é totalmente contrária à utilização de adubos químicos solúveis. Os princípios são, basicamente, os mesmos da agricultura biológica.

Apresenta um conjunto de normas bem definidas para produção e comercialização da produção determinadas e aceitas internacionalmente e nacionalmente. Atualmente, o nome “agricultura orgânica” é utilizado em países de origem anglo-saxã, germânica e latina. Pode ser considerado como sinônimo de agricultura biológica e engloba as práticas agrícolas da agricultura biodinâmica e natural.

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Agricultura biodinâmica

Em 1924, o filósofo austríaco Dr. Rudolf Steiner apresentou uma visão

alternativa de agricultura baseada na ciência espiritual da antroposofia,3 lançando os

fundamentos do que seria a agricultura biodinâmica. As idéias de Steiner foram

difundidas para vários países do mundo, com a colaboração de E.E. Pfeiffer (KOEPF et

al., 1983).

A agricultura biodinâmica possui uma base comum com as demais formas

de produção orgânicas no que diz respeito à diversificação e integração das

explorações vegetais, animais e florestais; à adoção de esquemas de reciclagem de

resíduos vegetais e animais e ao uso de nutrientes de baixa solubilidade e

concentração.

As unidades de produção biodinâmicas, do ponto de vista mais amplo, têm

sido consideradas como um estágio mais avançado da agricultura orgânica, pois

possuem uma abordagem integrada da unidade de produção comparada a um

organismo.

Como pode ser observado no quadro 1.1, a agricultura biodinâmica difere das

demais correntes basicamente em dois pontos. O primeiro é o uso de preparados

biodinâmicos,4 que são substâncias de origem mineral, vegetal e animal altamente

diluídas, aplicadas em pequenas quantidades no solo, nas plantas e nos compostos.

Esses preparados têm o objetivo de vitalizar as plantas e estimular o seu crescimento.

O segundo é o fato de efetuar as operações agrícolas (plantio, poda, raleio, demais

tratos culturais e colheita) de acordo com um calendário astronômico, baseado no

calendário agrícola de Maria Thun e nas indicações astronômicas dadas por Steiner

durante o Curso Agrícola. Em ambos os casos, concede-se atenção especial à

disposição da lua e dos planetas.

É importante ressaltar que as práticas agrícolas biodinâmicas possuem seu

próprio sistema de certificação, fiscalização e credenciamento de agricultores. Todavia,

as unidades de produção biodinâmicas legalmente são consideradas como produção

orgânica. Ou seja, uma unidade de produção biodinâmica também é orgânica, porém o

contrário não é verdadeiro.

3 Para saber mais detalhes sobre a Antroposofia e seu objeto de estudo ver KLETT (1999).4 Mais detalhes podem ser encontrados em KOEPF et al. (1983).

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Agricultura orgânica

Alguns anos mais tarde e de forma independente do movimento biodinâmico,

o inglês Sir Albert Howard dá início a uma das mais difundidas correntes do movimento

orgânico, a agricultura orgânica. Sir Howard trabalhou com pesquisas na Índia,

durante aproximadamente 40 anos, procurando demonstrar a relação da saúde e da

resistência humana às doenças com a estrutura orgânica do solo, publicando obras

relevantes entre 1935 e 1940 (HOWARD, 1943) e, por isso, é considerado o fundador

da agricultura orgânica.

Um dos princípios básicos defendidos por Howard era o não uso de adubos

artificiais e, particularmente, de adubos químicos minerais. Em suas obras destacava a

importância do uso da matéria orgânica na melhoria da fertilidade e vida do solo.

Reconhecia que o fator principal - para a eliminação de pragas e doenças, melhoria dos

rendimentos e qualidade dos produtos agrícolas - era a fertilidade natural do solo.

Esse novo método foi aprimorado pela pesquisadora inglesa Lady Eve Balfour,

que transformou sua fazenda de Suffolk, na Inglaterra, em estação experimental. Em

1946, fundou uma entidade chamada Soil Association, onde realizou diversas

atividades e publicações comparando a qualidade do solo em parcelas orgânicas,

mistas e químicas. Seus estudos foram difundidos, reforçando a importância dos

processos biológicos do solo, além da relação entre solo, planta, animal e a saúde do

homem.

No final da década de 1940 nos Estados Unidos, Jerome Irving Rodale,

também influenciado pelas idéias de Howard, fundou um forte movimento em prol da

agricultura orgânica, publicando posteriormente a revista Organic Gardening and Farm

(OG&F). Mais tarde, foi fundado o Rodale Institute que realiza pesquisa, extensão e

ensino em agricultura orgânica até os dias de hoje.

Agricultura regenerativa

Ainda é possível observar na figura 1.1 um outro modelo que surgiu a partir da

agricultura orgânica proveniente das idéias de Howard e Rodale, atualmente conhecido

como agricultura regenerativa (PRETTY, 1995). Este modelo reforça o fato de o

agricultor buscar sua independência pela potencialização dos recursos encontrados e

criados na própria unidade de produção agrícola ao invés de buscar recursos externos.

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Agricultura biológica

Após os modelos criados por Steiner e Howard, também no início dos anos de

1930, outro biologista e homem político Dr. Hans Müller trabalhou na Suíça em estudos

sobre fertilidade de solo e microbiologia, nascendo a agricultura organo-biológica, mais

tarde conhecida como agricultura biológica. Como mostra o quadro 1.1, seus

objetivos iniciais eram basicamente socioeconômicos e políticos, ou seja, buscavam a

autonomia do agricultor e um sistema de comercialização direta. Essas idéias se

concretizaram muitos anos mais tarde, por volta da década de 1960, quando o médico

austríaco Hans Peter Rusch difundiu este método.

Nessa época, segundo SILGUY (1998), as preocupações da corrente de

agricultura biológica tinham uma ligação forte com o movimento ecológico, ou seja, a

idéia era a proteção do meio ambiente, a melhoria da qualidade biológica dos alimentos

e o desenvolvimento de fontes de energia renováveis.

Por outro lado, diferentemente da escola biodinâmica, Rusch renunciava ao

princípio da autonomia completa da unidade de produção agrícola. Ou seja, ele achava

importante a associação da agricultura com a pecuária, mas não a considerava

essencial. O uso de matéria orgânica era recomendado, porém o material poderia vir de

outras fontes externas à unidade de produção, diferentemente do que preconizavam os

biodinâmicos. Segundo Rusch, o mais importante era a integração das unidades de

produção com o conjunto das atividades socioeconômicas regionais. Esse movimento

fez numerosos adeptos, destacadamente, na França (Fundação Nature & Progrès), na

Alemanha (Associação Bioland) e na Suíça (Cooperativas Müller).

Os princípios da agricultura biológica foram introduzidos na França, após a

Segunda Guerra Mundial, pelos consumidores e médicos inquietos com os efeitos dos

alimentos sobre a saúde humana. A partir da década de 1960 até os dias atuais, o

desenvolvimento da agricultura biológica ocorreu em várias etapas ligadas aos

contextos socioeconômicos e aos movimentos de idéias das épocas correspondentes.

Neste artigo nos interessa apenas destacar que, conforme mostra SILGUY (1998), no

início da década de 1960 o agrônomo Jean Boucher e o médico Raoul Lemaire deram

uma conotação comercial muito forte ao movimento, criando o “método Lemaire-

Boucher”, que preconizava, entre outras coisas, a utilização de substâncias de origem

marinha, que era comercializada pela sociedade formada entre ambos.

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Dentro dessa tendência, cabe destacar ainda a participação de dois

pesquisadores franceses considerados como personagens-chave no desenvolvimento

científico da agricultura orgânica. O primeiro é o pesquisador Claude Aubert, que

publicou L’Agriculture Biologique ou “A Agricultura Biológica” (AUBERT, 1977), em que

destaca a importância de manter a saúde dos solos para melhorar a saúde das plantas

(qualidade biológica do alimento) e, em conseqüência, melhorar a saúde do homem. O

segundo personagem importante é Francis Chaboussou, que publicou em 1980, Les

plantes malades des pesticides, traduzido para o português como “Plantas doentes pelo

uso de agrotóxicos: A teoria da trofobiose” (CHABOUSSOU, 1999). Sua obra mostra

que uma planta em bom estado nutricional torna-se mais resistente ao ataque de

pragas e doenças. Outro ponto que o autor destaca é que o uso de agrotóxicos causa

um desequilíbrio nutricional e metabólico à planta, deixando-a mais vulnerável e

causando alterações na qualidade biológica do alimento.

Em termos empíricos, podemos dizer que as propostas técnicas da agricultura

biológica e orgânica são idênticas. Atualmente, a diferenciação está mais no sentido da

origem da palavra do que em termos conceituais e práticos (normas de produção e

comercialização).

Agricultura natural e permacultura

Outra corrente importante do movimento orgânico é a agricultura natural. Em

meados da década de 1930, o filósofo japonês Mokiti Okada fundava uma religião

baseada no princípio da purificação, hoje Igreja Messiânica, que tinha como um de seus

alicerces a chamada agricultura natural. Essa religião defende que a purificação do

espírito deve ser acompanhada pela purificação do corpo, daí a necessidade de evitar o

consumo de produtos tratados com substâncias tóxicas. O princípio dessa proposta é o

de que as atividades agrícolas devem potencializar os processos naturais, evitando

perdas de energia no sistema. Suas idéias foram reforçadas e difundidas

internacionalmente pelas pesquisas de Masanobu Fukuoka, que defendia a idéia de

artificializar o menos possível a produção, mantendo o sistema agrícola o mais próximo

possível dos sistemas naturais.

Na Austrália, essas idéias evoluíram nas mãos do Dr. Bill Mollison e deram

origem a um novo método conhecido como permacultura que, segundo Mollison &

Holmgren (1983), significa um sistema de design para a criação de ambientes humanos

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sustentáveis. A palavra em si não é somente uma contração das palavras permanente

e agricultura, mas também de cultura permanente como um sistema evolutivo

integrado de espécies vegetais e animais perenes ou autoperpetuantes úteis ao

homem. A permacultura é baseada na observação de sistemas naturais, na sabedoria

contida em sistemas produtivos tradicionais e no conhecimento moderno, científico e

tecnológico (MOLLISON, 1998).

Conforme apresentado no quadro 1.1, algumas particularidades diferenciam a

agricultura natural dos outros modelos. A primeira delas diz respeito ao uso de

microrganismos eficientes ou effective microrganisms, conhecidos como EM. Esses

microrganismos são utilizados como inoculantes para o solo, planta e composto. Outra

particularidade é a não utilização de dejetos animais nos compostos. Argumenta-se que

os dejetos animais aumentam o nível de nitratos na água potável, atraem insetos e

proliferam parasitas.

Agricultura Alternativa, Agroecologia e Agricultura Sustentável

Nos anos de 1970, o conjunto dessas correntes passou a ser chamado de

agricultura alternativa (HILEMAN, 1990). Segundo Paschoal (1995), o termo surgiu

em 1977, na Holanda, quando o Ministério da Agricultura e Pesca publicou um

importante relatório, conhecido como “Relatório Holandês”, contendo a análise de todas

as correntes não convencionais de agricultura, que foram reunidas sob a denominação

genérica de agricultura alternativa. Dessa forma, este termo não constitui uma corrente

ou uma filosofia bem definida de agricultura, apenas é útil para reunir as correntes que

se diferenciam da agricultura convencional.

A terminologia agricultura ecológica ou agricultura de base ecológica, não

pode ser considerado como uma corrente, mas serve para distinguir os estilos de

agricultura que seguem princípios ecológicos e se diferenciam do modelo de agricultura

convencional, industrial ou agroquímica.

A partir dos anos de 1980, uma disciplina de base científica conhecida como

Agroecologia passou a ser empregada como estrutura metodológica de trabalho para

a compreensão mais profunda tanto da natureza dos agroecossistemas como dos

princípios segundo os quais eles funcionam. Segundo Altieri (1989) trata-se de uma

nova abordagem que integra os princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos

à compreensão e avaliação do efeito das tecnologias sobre os sistemas agrícolas e a

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sociedade como um todo. De acordo com Gliessman (2009), o enfoque agroecológico

pode ser definido como “a aplicação dos princípios e conceitos da Ecologia no manejo e

desenho de agroecossistemas sustentáveis”.Para Sarandón (2009) a Agroecologia

pode ser entendida como um novo enfoque científico que reúne, sintetiza e aplica

conhecimentos da agronomia, ecologia e outras ciências afins, com uma ótica sistêmica

e um forte componente ético, para gerar conhecimentos e aplicar estratégias

adequadas para desenhar, manejar e avaliar agroecossistemas sustentáveis.

Mais recentemente, Caporal e Costabeber (2000) tem apresentado a

Agroecologia como uma nova ciência que apresenta uma série de princípios, conceitos

e metodologias para estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas,

com o propósito de permitir a implantação e o desenvolvimento de estilos de agricultura

com maiores níveis de sustentabilidade. A Agroecologia proporciona então as bases

científicas para apoiar o processo de transição para uma agricultura “sustentável” nas

suas diversas manifestações e/ou denominações.

O termo agroecologia é também empregado, segundo Costa (2001), para

designar o movimento formado principalmente por Organizações Não Governamentais

(ONGs) e parte do segmento acadêmico, que trabalham segundo os pressupostos da

agroecologia junto a movimentos sociais, na esfera produtiva e sócio política.

Por fim, já no final dos anos de 1980 e durante a década de 1990, o conceito

amplamente difundido, foi o de agricultura sustentável. Este conceito muito amplo e

repleto de contradições deve ser considerado mais como um objetivo a ser atingido do

que, simplesmente, um conjunto de práticas agrícolas.

Para finalizar, é interessante registrar que legalmente o conceito de sistema

orgânico de produção agropecuária e industrial abrange todas as denominações:

ecológico, biodinâmico, natural, regenerativo, biológico, permacultura, agroecológico e

outros – desde que - que atendam os princípios estabelecidos pela Lei Federal

n.10.831/03 e pelo Decreto 6.323/2007.

Referências

ALTIERI, M. A. Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa. Patrícia Vaz (Trad.). Rio de Janeiro: PTA/FASE, 1989. 240 p.

__________. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável / 5.ed. – Porto Alegre : Editora da UFRGS, PGDR, 2008. 120p.

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CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia e desenvolvimento rural sustentável: perspectivas para uma nova Extensão Rural. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, v.1, n.1, p.16-37, jan./mar. 2000.

GLIESSMAN S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. 4a. ed. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2009.

MOLLISON, B. Introdução à permacultura / Bill Mollison, Reny Mia Slay; tradução de André Luis Jaeger Soares – Brasília: MA/SDR/PNFC, 1998. 204 p.

SARANDÓN, S.J. Educación y Formación en Agroecología: Una necesidad impostergable para un desarrollo Rural Sustentable. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE AGROECOLOGIA, 6., 2009, Curitiba; CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE AGROECOLOGIA, 2., 2009, Curitiba. Anais...Curitiba: ABA, SOCLA, Governo do PR, 2009. p. 5306-5320. CD ROM.

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