44-quando o carvão acaba no meio do nada

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império 325 Dia 11 A quadrilha que veio de norte I Revolução dos Transportes 11 de Janeiro de 2009 Seg Ter Qua Qui Sex Sab Dom 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

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Dia 11 11 de Janeiro de 2009 Quinta da Confusão – O nascimento de um império 325 Habitantes: 830 Habitantes: 795 Quinta da Confusão – O nascimento de um império 326 Quinta da Confusão – O nascimento de um império 327 Quinta da Confusão – O nascimento de um império 328 Quinta da Confusão – O nascimento de um império 329 Quinta da Confusão – O nascimento de um império 330

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Quinta da Confusão – O nascimento de um império

325

Dia 11

A quadrilha que veio de

norte

I Revolução dos

Transportes

11 de Janeiro de 2009

Seg Ter Qua Qui Sex Sab Dom

1 2 3 4

5 6 7 8 9 10 11

12 13 14 15 16 17 18

19 20 21 22 23 24 25

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5:30 Habitantes: 795

Cinco e meia da manhã. A viagem dos 10 animais que tinham saltado a cascata durava havia já 13 horas e meia. A costa portuguesa estava a 510 km de distância, devido a todas as horas de viagem ininterrupta a 60 km\h. A imensa tempestade que quase afogara um dos animais a bordo e que estivera em vias de afundar o próprio navio extinguira-se às 4 da manhã, após 5 horas a fustigar o Oceano Atlântico, mas nenhum dos animais estivera acordado para assistir ao momento. Entre as 3 e as 4 da manhã a tempestade tornara-se menos intensa, pelo que um por um os animais acabaram por adormecer, incluindo o capitão que assim deixava o navio seguir a direcção que já levava, rumo a oeste. O carvão e a água na caldeira tinham sido suficientes para manter o navio a funcionar durante o sono do grupo. Agora, após apenas 2 horas a dormir, apesar de ainda ser noite escura, os animais acordaram. Fosse pela ansiedade causada pela tempestade, fosse pela fome, fosse por outro motivo qualquer. À medida que os animais iam acordando, estes iam observando o espaço à sua volta. Sem os relâmpagos da tempestade, e com o candeeiro da proa do navio derrubado a meio da tormenta, os animais não viam nada. O amanhecer chegava à Europa do Leste por essa altura, muito longe ainda da área onde os animais navegavam que naquele momento estava inundada de escuridão. Nenhum dos navegantes sabia onde estava, nenhum sabia que horas eram, nenhum sabia sequer que rumo levavam, que distância tinham percorrido. Assim, os animais da cabina voltaram a deitar-se depois de se levantarem e de trocarem algumas palavras, visto que não havia motivo algum para permanecerem acordados. Cheios de sono devido ao despertar do curto sono de 2 horas, estes não tardaram a adormecer novamente. Os animais do porão, por seu lado, preocuparam-se em colocar mais carvão e água na caldeira. Às apalpadelas encontraram a caldeira e, abrindo-a, iluminaram o porão com as suas chamas. De seguida, colocaram carvão no seu interior e água na divisão específica, para depois voltarem a deitar-se. O nível da água no porão caíra para menos de metade ao longo daquela madrugada, e o calor da caldeira aquecera-a de tal modo que os animais do porão se sentiam mais confortáveis a dormir em cima da água do que os animais da cabina no chão de madeira. Quinze minutos bastaram para que os 10 animais acordassem e voltassem a adormecer. O que aconteceria a seguir, logo se veria quando chegasse o dia.

8:00 Habitantes: 830

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A centenas de km dos compatriotas perdidos no Oceano Atlântico, a maioria dos animais da Quinta da Confusão acordou para começar um novo dia de trabalho. Desde o Dia 6 que o país enfrentara conflitos armados de 2 em 2 dias, e como o último tinha ocorrido no Dia 10 o seguinte só iria ocorrer no Dia 12, seguindo essa lógica. Essa lógica estaria errada, como os animais iriam comprovar daí a poucas horas… Alguns, porém, tinham-se levantado mais cedo. Os trabalhadores da N3 tinham-se ficado por 1,7 km de estrada no final do Dia 10, acabando por dormir no próprio local das obras. Na manhã seguinte acordaram às 7:00, e durante a última hora de sono da maioria dos animais do império adiantaram mais meio km de caminho empedrado, alcançando os 2,3 km de estrada. Alguns outros animais, que também se tinham levantado mais cedo, aproveitaram para irem capturar animais, e conseguiram convencer um total de 50 animais ao redor do império a juntarem-se aos seus habitantes em apenas uma hora, um número não muito habitual. O trabalho extra teve de ser feito à luz de candeeiros, uma vez que a noite ainda permanecia negra como antes: só às 8 horas os animais começaram a ver a luz do dia a invadir a escuridão, a continuar o eterno ciclo de dia e noite que apenas não se verificava nos pólos. Tal luz não chegou ao Túnel do Monte, onde dormiam os respectivos trabalhadores, que acordaram à mesma hora da maioria dos seus compatriotas. Era preciso substituir a cobertura de ferro fundido dos 23 metros de túnel por uma de ferro forjado, e na noite anterior nem um só metro se trocara. Assim, os animais puseram-se ao trabalho. Tal como todos os outros do império.

9:00

Doze horas após a entrada no Oceano Atlântico e umas espantosas 17 horas depois da partida do império, os 10 animais que tinham saltado a cascata na tarde do Dia 10 encontravam-se já a 720 km da costa portuguesa e a 870 da Quinta da Confusão. Três horas e meia antes o grupo tinha acordado, apenas para voltar a adormecer devido à escuridão. Agora, 9 horas, os animais voltaram a acordar. A longa distância que os separava de Portugal ditava que, apesar de aí já ser dia claro, os animais apenas começassem a ver a luz do dia, ao longe, nessa altura. O facto de já haver luminosidade permitiu aos animais voltarem para os seus lugares, e também observarem o terreno à sua volta. Após meio dia a navegar no Oceano Atlântico o grupo ainda não tinha atingido terra alguma, e pelo rumo que levavam teriam ainda dias de viagem pela frente até atingirem terra firme. O animal que passara a conduzir o navio durante a tempestade agarrou então o leme, e logo reparou que a pressão começava a cair, para um nível que não permitia a navegação a 60 km\h. Os animais que estavam

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no porão, e que tinham arriscado a vida para lá chegarem horas antes, foram prontamente avisados e logo tentaram arranjar mais carvão e água para porem na caldeira. O problema era a falta de água, mas para horror dos dois animais estes perceberam que o navio não tinha mais do que duas pedras de minério, o minério essencial para o funcionamento do navio que era o carvão. Mais tarde ou mais cedo o carvão restante teria de ser queimado, pelo que os animais optaram por colocá-lo logo na caldeira. O quente fogo que lavrava no interior do espaço queimou as duas pedras de minério em alguns minutos, e como o anterior que lá fora posto já estava reduzido a cinzas as chamas acabaram por se extinguir. Quando a caldeira arrefeceu o suficiente para não conseguir mais produzir vapor de água para mover as pás do navio, este começou inevitavelmente a abrandar. De nada serviu ao capitão empurrar ao máximo a alavanca da velocidade, pois a embarcação não tardou a imobilizar-se, passando a mover-se apenas pela acção das ondas do mar. Era o fim da viagem para os animais.

Parados em pleno Oceano Atlântico, longe de qualquer terra e a quase um milhar de km da Quinta da Confusão, sem comida e sem hipótese de pedir socorro, os animais sabiam que a sua situação era tão ou mais grave como a que haviam enfrentado na tempestade. O grupo sabia que era inútil queimar a madeira do chão do navio e da cabina como combustível para a caldeira, pois em primeiro lugar jamais percorreriam só com tal quantidade de madeira o que tinham percorrido com toda a carga de carvão a bordo, e em segundo não sabiam sequer para que lado virar para seguirem em direcção à foz do Rio Douro. O mar à volta estava vazio, desprovido de navios de qualquer espécie à excepção da embarcação dos 10 animais, que fora longe como nenhuma outra no império, para «mares nunca dantes navegados». Como disse um dos animais a bordo, «Saltámos a cascata, explorámos o Rio Douro até à foz, descobrimos que o Douro passava pela cidade do Porto, enfrentámos uma tempestade, salvámos um companheiro nosso da morte, navegámos horas pelo Oceano Atlântico e agora… Vamos morrer aqui, à fome, que não temos como voltar para trás, nem sabemos para que lado ir». A perspectiva de enfrentar uma morte lenta provocou o desânimo entre os animais. Não havia nada a fazer para se salvarem, restava esperar o fim, o inevitável fim… O grupo estava imerso nesses pensamentos de desânimo e tristeza quando, de repente, se ouviu um estranho ruído, diferente de todos os sons produzidos no império. Aí, os animais reconheceram os sons como sendo sons que já tinham ouvido no império, por onde passavam helicópteros e outras aeronaves ligeiras duas a três vezes por semana. A sua altitude era suficientemente baixa para que as suas luzes fossem vistas pelos animais, e logo a sua imagem foi recordada pelo grupo a bordo do navio. Foi o que bastou para que todos os pensamentos relacionados com morte, desânimo e tristeza fossem esquecidos. Vindos de sudoeste, cobertos pela escuridão que se mantinha a

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oeste do navio, surgiram então 4 helicópteros. Um dos animais foi prontamente ao porão, e pegando em vários papéis não escritos a bordo, destinados à produção de mapas, pegou fogo a um deles com uma brasa ainda acesa da caldeira. Em seguida, subiu para o alto da cabina e pôs-se a acenar com o papel para as luzes que se viam no céu escuro.

O papel não tardou a ser consumido pelo fogo, pelo que o animal acendeu um segundo com as chamas do primeiro e logo o largou no tecto da cabina, em ferro, para que ardesse até ao fim, continuando a acenar com o segundo papel. O nervosismo do grupo aumentava à medida que o ruído aumentava. Seria que as pessoas a bordo das aeronaves veriam o navio e o animal no alto a acenar com papéis a arder? Após tensos segundos de espera, já com grande parte dos papéis vazios disponíveis a bordo queimados, os animais viram as silhuetas de 4 helicópteros surgirem da escuridão, parando à volta do navio a cerca de 10 metros do nível da água. Quatro helicópteros da Força Aérea Portuguesa, vindos da Base Aérea das Lajes, na Ilha Terceira, com destino à Estação de Radar nº2, em Paços de Ferreira. A porta de um dos helicópteros abriu-se, e de dentro ouviu-se uma voz meio trocista meio séria, que perguntou alto o suficiente para se fazer ouvir sobre o ruído das hélices dos helicópteros «Então, precisam de ajuda para saírem daí?». O animal do tecto da cabina respondeu, sério, igualmente alto: «Se nos pudessem ajudar dava jeito. Ficámos sem carvão, e não temos como voltar para a Quinta da Confusão». Ninguém a bordo dos 4 helicópteros sabia onde era a Quinta da Confusão, mas quando os animais citaram Carrazeda de Ansiães, o militar que falava com eles respondeu «Ah, Carrazeda de Ansiães. Hum, sim, deveremos ser capazes de levar os senhores para lá». Com a autorização dos comandantes, os helicópteros aproximaram-se, até formarem um estreito rectângulo. As portas de entrada de cada helicóptero abriram-se, e aos trens de aterragem de cada um foi atada a ponta de uma comprida corrente. A outra ponta foi atirada ao helicóptero em frente e atada ao seu trem de aterragem. Assim, os helicópteros passaram a estar unidos aos pares, por duas correntes. Depois, estes baixaram a altitude até as correntes estarem submersas, e depois avançaram até as terem debaixo do navio. Quando os 10 animais se deram conta estavam a ser erguidos, com o navio suspenso no ar pelas 4 correntes que ligavam os helicópteros. As aeronaves logo alcançaram a altitude a que voavam antes de verem o navio pelos radares, e puseram-se em marcha rumo a Portugal Continental a uma velocidade superior a 250 km\h, mais de 4 vezes a velocidade de um cavalo a galope. «Dava jeito inventarmos uma máquina destas», pensou então um animal.

Com seis horas de trabalho contabilizadas, os trabalhadores da N3 conseguiram alcançar a marca dos 2,8 km de estrada construídos, a apenas 200 metros da conclusão da via. Havia 2 horas que o grupo trabalhava,

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desde as 7:00, sendo que os animais nem sequer se tinham preocupado em tomar o pequeno-almoço nessa altura. Agora, porém, as suas barrigas começaram a roncar de fome, reclamando a comida que não tinham tido. Os animais debateram brevemente o assunto, e decidiram comer um pouco antes de continuarem as obras. «Nada mais do que uma breve refeição, temos trabalho a fazer», como disse um dos animais da obra. A «breve refeição» logo se transformou numa refeição idêntica à que os trabalhadores do Túnel do Monte haviam feito no final do Dia 10, com vários fogões a cozinhar ovos e com mesas e cadeiras colocadas na borda da estrada. O «trabalho a fazer» ficaria para mais tarde, uma vez que os animais esfomeados se lançaram aos ovos estrelados, às uvas e as ervas. Sem imaginarem o quanto os 10 compatriotas perdidos no mar queriam fazer o mesmo, depois de 17 horas de viagem de navio.

Ao fim de uma hora efectiva de trabalho, uma vez que na noite anterior praticamente não se fizera nada relativamente a isso, os trabalhadores do Túnel do Monte concluíram a substituição da cobertura do túnel em ferro fundido por outra em ferro forjado, mais resistente. Assim, puderam continuar a escavar o túnel, que contava com 23 metros de comprimento. Faltavam ainda 477 metros de túnel para escavar, um valor desmoralizante para os animais. Ainda assim, estes puseram-se ao trabalho. Os altos-fornos, colocados à entrada para que os fumos escapassem para o exterior, produziam constantemente novas peças de ferro forjado para se colocarem nas áreas acabadas de escavar. Quando começaram a trabalhar, os trabalhadores notaram que, devido às chuvas, a terra do monte ficara mais mole, tornando-se mais fácil de ser escavada, algo naturalmente bom para o progresso dos trabalhos. Mas não deixavam de faltar 477 metros para o Túnel do Monte estar acabado, e outros 300 metros de estrada para que a N1 fosse concluída. Iniciada no Dia 9, antes da N2 e da N3, a N1 só seria concluída depois dessas duas estradas, tudo por causa do Túnel do Monte.

Dezanove horas após a paragem da construção do Troço Elevado da Quinta da Confusão devido à falta de grandes quantidades de ferro, necessárias para o viaduto, os animais que tinham construído os primeiros 50 metros da obra voltaram ao local para continuarem os trabalhos. A feira da Quinta da Confusão já tinha ferro suficiente para o propósito, devido ao regresso do funcionamento da Mina de Ferro da Quinta da Perfeição, logo o TEQC podia continuar a ser construído. Assim, os animais puseram-se ao trabalho. Dezenas de kg de ferro logo foram obtidas na feira da capital, e aquecidas e trabalhadas a quente até terem a forma de vigas. Sem a necessidade de se ir buscar ferro a outras quintas o ritmo de trabalho pôde acelerar, o que fez os animais pensarem que daí a poucas horas acabariam o TEQC. E, de facto, acabá-lo-iam daí a menos de 6 horas, até porque alguns animais começaram a construir o troço também a partir de este.