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43 42 O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), busca a reeleição em campanha discreta, com agendas públicas reduzidas e poucas entrevistas O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, de 67 anos, atravessou a pas- sos lentos e com alguma pompa a porta or- namentada com cristais para chegar ao salão principal do Palácio da Liberdade, decorado com vasos da antiguidade chinesa e móveis da Letônia ao estilo Luís XV. O compromis- so público daquela manhã de abril era a as- sinatura de um protocolo entre o governo de Minas Gerais e a Fundação Oswaldo Cruz. No palácio centenário, sede do Execu- tivo mineiro, situado na região centro-sul de Belo Horizonte, o petista discursou para uma plateia de 19 pessoas, além de seis segu- ranças e 12 jornalistas. Se incluídas na conta as musas do painel alegórico no teto e as es- culturas de anjos barrocos das quinas da sa- la, ao fim das contas, Pimentel estava sob não mais que uma centena de olhares. Exposto em razão de menções diretas de 14 delatores que nos últimos anos o aponta- ram como beneficiário final de pagamentos ilegais, Pimentel, a maior liderança petista de Minas, vive encastelado. Os acusadores o rela- cionam a pagamentos de R$ 100 milhões, se- gundo levantamento feito por ÉPOCA. O mais delatado governador em exercício do pa- ís adota estratégia inusual para tentar a reelei- ção em outubro deste ano: não quer saber de holofotes. Tem agendas públicas restritas e frequência esparsa nas redes sociais. Concede raras entrevistas, o que o desobriga de comen- tar os 20 financiadores eleitorais investigados que o vinculam a milhões de reais em propi- nas, desvios e doações de campanha. Nos três anos e meio de mandato percor- ridos até aqui, participou de pouco mais de 100 entrevistas, de acordo com a Superinten- dência de Imprensa do governo de Minas Gerais. É pouco, tratando-se do governante do estado com terceiro maior PIB do país. A título de comparação, no mesmo período, Geraldo Alckmin (PSDB), governador agora afastado de São Paulo, falou em 1.288 entre- vistas coletivas e 228 exclusivas. Ivo Sartori (MDB), do Rio Grande do Sul, manifestou-se em conversas com a imprensa seis vezes mais que o colega mineiro, segundo o gabinete gaúcho. A ordem para a estratégia de “não existir” é oficial, segundo os próprios encar- regados de cuidar da imagem do político. N o fim de 2014, em meio ao pleito eleitoral, a apreensão em flagrante de um avião particular, tripulado por apoiadores de Pi- mentel e carregando R$ 113 mil em dinheiro vivo, foi o primeiro ato de uma trama que desembocou em 11 fases da operação da Polí- cia Federal intitulada Acrônimo. O empresá- rio Benedito Rodrigues de Oliveira, homem de confiança do governador petista e opera- dor de recursos que financiaram parte de sua campanha, estava no avião apreendido. A Po- lícia Federal dedicou o ano e meio seguinte a operações de campo. O cumprimento de 202 mandados de busca e apreensão e 45 condu- ções coercitivas permitiram aos investigado- res desenhar o que acreditavam ser os pri- meiros traços da rede de influência, dinheiro e poder montada pelo governador mineiro para viabilizar seu projeto político. Essa trama ganhou novos nomes e con- tornos com o avanço de outras investigações, que pareciam estar distantes das montanhas de Minas, mas que rapidamente alcançaram Pimentel. É o caso da Lava Jato — que desnudou por Thiago Herdy UESLEI MARCELINO/REUTERS Catorze delatores vinculam o governador petista Fernando Pimentel a dinheiro com origem em desvios, propinas e doações ilegais, em rede com 73 pessoas NOS ALFARRÁBIOS DA ACRÔNIMO O HOMEM DE R$ 100 MILHÕES

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O governador de MinasGerais, FernandoPimentel (PT), busca areeleição em campanhadiscreta, com agendaspúblicas reduzidas epoucas entrevistas

O governador de Minas Gerais, FernandoPimentel, de 67 anos, atravessou a pas-

sos lentos e com alguma pompa a porta or-namentada com cristais para chegar ao salãoprincipal do Palácio da Liberdade, decoradocom vasos da antiguidade chinesa e móveisda Letônia ao estilo Luís XV. O compromis-so público daquela manhã de abril era a as-sinatura de um protocolo entre o governode Minas Gerais e a Fundação OswaldoCruz. No palácio centenário, sede do Execu-tivo mineiro, situado na região centro-sul deBelo Horizonte, o petista discursou parauma plateia de 19 pessoas, além de seis segu-ranças e 12 jornalistas. Se incluídas na contaas musas do painel alegórico no teto e as es-culturas de anjos barrocos das quinas da sa-la, ao fim das contas, Pimentel estava sobnão mais que uma centena de olhares.

Exposto em razão de menções diretas de14 delatores que nos últimos anos o aponta-ram como beneficiário final de pagamentosilegais, Pimentel, a maior liderança petista deMinas, vive encastelado. Os acusadores o rela-cionam a pagamentos de R$ 100 milhões, se-gundo levantamento feito por ÉPOCA. Omais delatado governador em exercício do pa-ís adota estratégia inusual para tentar a reelei-ção em outubro deste ano: não quer saber deholofotes. Tem agendas públicas restritas efrequência esparsa nas redes sociais. Concederaras entrevistas, o que o desobriga de comen-tar os 20 financiadores eleitorais investigadosque o vinculam a milhões de reais em propi-nas, desvios e doações de campanha.

Nos três anos e meio de mandato percor-ridos até aqui, participou de pouco mais de100 entrevistas, de acordo com a Superinten-

dência de Imprensa do governo de MinasGerais. É pouco, tratando-se do governantedo estado com terceiro maior PIB do país. Atítulo de comparação, no mesmo período,Geraldo Alckmin (PSDB), governador agoraafastado de São Paulo, falou em 1.288 entre-vistas coletivas e 228 exclusivas. Ivo Sartori(MDB), do Rio Grande do Sul, manifestou-seem conversas com a imprensa seis vezes maisque o colega mineiro, segundo o gabinetegaúcho. A ordem para a estratégia de “nãoexistir” é oficial, segundo os próprios encar-regados de cuidar da imagem do político.

No fim de 2014, em meio ao pleito eleitoral,a apreensão em flagrante de um avião

particular, tripulado por apoiadores de Pi-mentel e carregando R$ 113 mil em dinheirovivo, foi o primeiro ato de uma trama quedesembocou em 11 fases da operação da Polí-cia Federal intitulada Acrônimo. O empresá-rio Benedito Rodrigues de Oliveira, homemde confiança do governador petista e opera-dor de recursos que financiaram parte de suacampanha, estava no avião apreendido. A Po-lícia Federal dedicou o ano e meio seguinte aoperações de campo. O cumprimento de 202mandados de busca e apreensão e 45 condu-ções coercitivas permitiram aos investigado-res desenhar o que acreditavam ser os pri-meiros traços da rede de influência, dinheiroe poder montada pelo governador mineiropara viabilizar seu projeto político.

Essa trama ganhou novos nomes e con-tornos com o avanço de outras investigações,que pareciam estar distantes das montanhasde Minas, mas que rapidamente alcançaramPimentel. É o caso da Lava Jato — que desnudou

por Thiago Herdy

UESLEI MARCELINO/REUTERS

Catorze delatores vinculam o governador petista Fernando Pimentel a dinheiro com origem em desvios, propinas e doações ilegais, em rede com 73 pessoas

NOS ALFARRÁBIOS DA ACRÔNIMO

O HOMEM DER$ 100 MILHÕES

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a promíscua relação entre fornecedores dosetor de infraestrutura e o Estado brasileiro— e da Patmos, que trouxe luz a capítulospouco conhecidos da construção do impériodo grupo J&F, dono da JBS. Novos nomes,novos empresários e muito mais dinheiro fo-ram vinculados ao governador mineiro. Hojedenunciado em quatro ações penais e três in-quéritos em curso no Superior Tribunal deJustiça (STJ), Pimentel é também alvo de sin-dicâncias sigilosas, cujos números e detalhesainda não vieram a público.

Nos últimos 30 dias, ÉPOCA revisitoudetalhes das investigações que foram turbi-nadas pelo relato de 14 delatores — nove de-les ex-executivos das maiores empresas bra-sileiras. Identificou 73 nomes na órbita deuma rede que permitiu a Pimentel levantarrecursos e garantir a viabilidade financeiradas atividades políticas de seu grupo, mastambém o custeio de gastos e luxos pessoais.O que se conclui é a existência de um enre-do articulado e impune.

Os principais personagens das tramas querelacionam Pimentel a pagamentos ilegais es-tão hoje no primeiro escalão do governo mi-neiro: do secretário da Casa Civil ao chefe daGovernadoria, passando pelo comando dasestatais. A lei antinepotismo é driblada com anomeação de parentes dos que dividem o pro-jeto de poder com o petista. Empresas acusa-das de pagar ou receber caixa dois na campa-nha viraram fornecedoras do governo.

Um dos símbolos da complacência commalfeitos é a inoperância do Conselho deÉtica Pública do estado. Pimentel optou pornão indicar integrantes para o órgão queavalia o risco de confusão entre público eprivado na gestão estatal. Resultado: pratica-mente não houve neste governo análise dosformulários de Declaração Confidencial deInformações, documento em que 1.200 inte-grantes da alta administração devem infor-

mar patrimônio e focos de possível conflitode interesses. “Fazemos uma pré-análise do(material) que chega, mas a palavra final ca-be aos conselheiros. Como estamos há doisanos sem o conselho...”, lamentou JonatanGeneroso, coordenador técnico do órgão.

Se existisse conselho, nomes como o dosecretário da Casa Civil e das Relações Insti-tucionais, Marco Antônio de Rezende Tei-xeira, estariam na pauta. Absolutamente dis-creto, ele mantém até os dias de hoje o jeitãode burocrata do tempo em que era procura-dor de Belo Horizonte e Pimentel era prefeito.Em 2013 e 2014, quando não ocupava cargopúblico, sua empresa de consultoria recebeuR$ 1,4 milhão do escritório de advocacia Bote-lho Spagnol. “Os valores repassados podem sereferir a interesses de terceiros, servindo naverdade como mais uma camada para ocultara real fonte pagadora”, inferiu relatório da PF.De fato, havia uma “real fonte pagadora”: oBanco Mercantil, instituição mineira com for-te interesse em assuntos governamentais.

Quando veio à tona a informação do paga-mento milionário a Teixeira, advogados asso-ciados do Botelho Spagnol se assustaram. Ovalor estava muito acima daquele normalmen-te pago a sócios da banca. Notas fiscais emiti-das pela empresa do petista ainda menciona-vam serviços de consultoria financeira, algodistinto de eventual prestação de serviços jurí-dicos. O encaminhamento do pagamento emâmbito interno ocorreu fora do padrão, semdetalhamento em relatórios de balanço de ho-ras-honorários, prática recorrente na firma.

Confrontado, o dono do escritório, WertherSpagnol, minimizou o caso internamente. AoSTJ, enviou ofício dizendo que Teixeira avaliouos riscos de perda em disputas judiciais queenvolviam o Mercantil, mais especificamente“736 processos, espalhados ao longo do territó-rio nacional”. ÉPOCA perguntou se o colabo-rador teve a seu dispor alguém com quem di-

vidisse a função. Afinal, os serviços foram su-postamente prestados em 2014, ano em que jáatuava como coordenador financeiro da cam-panha de Pimentel. O escritório não respon-deu. “Mantivemos relacionamento profissio-nal, técnico e lícito”, limitou-se a informar.

Investigadores creem que os pagamentosà empresa de consultoria de Teixeira tinhamcomo destino a campanha de Pimentel. Re-força a hipótese o fato de que a empresa deconsultoria também recebeu de duas entida-des patronais dependentes das decisões dire-tas do governo estadual: R$ 150 mil do sin-dicato da indústria mineral (o mais impor-tante em um estado totalmente dependenteda exploração de minério de ferro) e outrosR$ 320 mil das empresas de transporte deônibus de Belo Horizonte.

Com Teixeira já secretário da Casa Civilmineira, os meses seguintes foram marcadospela generosidade do governo com seus an-tigos “clientes”. Em meio ao debate sobre anecessidade de vender ativos do estado parareduzir o déficit anual estimado em R$ 4 bi-lhões, o governo decidiu comprar, por R$147 milhões, 58% do Banco Mercantil de In-vestimentos. Por ter tentado executar acompra sem aprovação do Tribunal de Con-tas do estado, a operação foi vetada um anodepois, pelo Banco Central, e o dinheiro te-ve de ser devolvido.

Sob Pimentel, outros clientes de seu ho-mem forte na Casa Civil, as empresas deônibus, também tiveram o que comemorar.Foram três aumentos consecutivos nas pas-sagens metropolitanas: 12,8% em 2016, 9%em 2017 e 3% em 2018. O movimento TarifaZero de BH chiou em vão. “Todas as pro-messas foram ignoradas. Ele não integrou osistema de transporte, não garantiu maisqualidade dos serviços nem evitou aumentoda tarifa”, sintetizou o economista e mestreem estudos de mobilidade André Veloso.

Antes da eleição, outra empresa de con-sultoria que funcionava no mesmo endereçoda firma de Teixeira, chamada OPR, tam-bém recebeu de sindicatos com interessesno governo: do sindicato de transporte me-tropolitano foi R$ 1,1 milhão e do sindicatoda indústria mineral outros R$ 250 mil. AOPR pertence a Otílio Prado, atual assessorespecial da Secretaria de Fazenda, há pelomenos duas décadas braço direito e discretooperador de Pimentel.

Depois de perder as eleições ao Senado, em2010, Pimentel foi nomeado pela então

presidente Dilma Rousseff para o Ministériodo Desenvolvimento, da Indústria e do Co-mércio Exterior, função que exerceria até che-gar 2014 e vencer as eleições para o governomineiro. No governo federal, fez fama comosujeito de raciocínio rápido, boa prosa e jeitono trato com o empresariado. Pimentel nãoaltera a voz. “Quando você vê dois políticosmineiros calados, saiba que estão roucos, gri-tando um com o outro de maneira escanda-losa”, definiu o amigo Mario Rosa. Foi poruma dessas disputas travadas em silêncio, nocaso com o MDB mineiro, que Pimentel fezDilma transferir domicílio eleitoral para Mi-nas Gerais. O propósito é tê-la na manga, tal-vez como candidata ao Senado, na negocia-ção em torno da continuidade ou não da par-ceria eleitoral com o MDB em 2018. Aqui,não há espaço para mágoa do impeachment.

Ao topar com Pimentel em almoço ou jan-tar, é provável encontrar uma boa garrafa devinho à mesa. Outra particularidade confiden-ciada por quem já se sentou com ele para de-bater conjuntura: o pagamento da conta dorestaurante, em geral, dá-se em espécie.

CARLOS ALBERTO/IMPRENSA MG

A primeira-damaCarolina de OliveiraPimentel também foienvolvida nasdelações desupostas propinas

NOS ALFARRÁBIOS DA ACRÔNIMO

A apreensão de jatinho de empresário amigode Pimentel, com milhares de reais, levou a uma série de investigações da Polícia Federalsobre as ações de aliados do petista

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Entre os 14 delatores diretos do petista,aquele que fez o maior estrago foi um jovemoperador e dono de gráfica, que dividiu muitasmesas com o político e em pouquíssimo espa-ço de tempo foi alçado a lugar de confiança to-tal. Benedito Rodrigues de Oliveira, o Bené,era até então reconhecido pelo sucesso das fes-tas com mulheres e políticos que organizava efigura totalmente estranha aos quadros ideoló-gicos do PT. Foi apresentado a Pimentel peloex-deputado mineiro Virgílio Guimarães, omesmo que apresentou o então tesoureiro De-lúbio Soares a Marcos Valério, do mensalão.

Bené era levado a encontros com em-presários como o indicado para tratar deinteresses de Pimentel, como confirmaramem depoimentos o dono da incorporadoraJHSF, José Auriemo Neto, o presidente dogrupo Qualicorp, José Seripieri Júnior, e oex-executivo da Odebrecht João CarlosMariz Nogueira. Depois de ser preso e de-cidir fazer um acordo de colaboração pre-miada, Bené ofereceu informações que for-mam a espinha dorsal de várias fases daOperação Acrônimo. A maior parte dos da-dos foi confirmada por notas fiscais, relatos

de outras testemunhas e registros de e-maile telefones apreendidos no curso das inves-tigações. São dados que apresentam, didati-camente, um retrato preciso da dinâmicada corrupção, com início, meio e fim.

N o caso, por exemplo, dos pagamentosfeitos pela Caoa — fabricante da marca

Hyundai e representante de Ford, Subaru eChery no Brasil —, os passos iniciais foramdecretos assinados por Pimentel garantindoà empresa o incremento de sua participaçãono programa Inovar Auto, do Ministério doDesenvolvimento. A iniciativa autorizava aisenção tributária de valores equivalentes aoque fosse investido em tecnologia. Em cincoanos, 23 empresas economizaram R$ 5,95 bi-lhões. Dessa fatia, a Caoa deixou de pagarcerca de R$ 600 milhões em impostos, deacordo com estimativa da própria empresa.

Tal como as demais montadoras, a Caoatinha o direito legal de ser beneficiada pelamedida. Só não fazia sentido que essa inclusãofosse negociada, passo a passo, por Bené, co-mo mostram trocas de mensagens da época.Ele diz ter cobrado R$ 20 milhões pela inicia-

tiva, em nome do petista. Parte desses recur-sos chegou às mãos do operador por força defalsas consultorias pagas pela montadora a su-as empresas e a firmas indicadas por ele.

Viagens de Pimentel na companhia de seuoperador e respectivos pares ocupavam apenaso lugar de fofoca à boca miúda ou do colunis-mo social mineiro. Viraram prova de crimequando a PF colocou a mão nos registros depagamento de despesas pelo operador, em 2013.Foram três dias de estadia do petista e da na-morada no bangalô privativo Moorea Master doKiaroa Eco-Luxury Resort, hotel cinco estrelaslocalizado em Maraú, no sul da Bahia, ao custode R$ 12.300. Os voos de ida e volta foram reali-zados em jatinho particular. À época, a namora-da, Carolina Oliveira, não havia adquirido ostatus de primeira-dama nem o sobrenome Pi-mentel. Era só uma jovem da periferia de Brasí-lia que trabalhava como assessora no governofederal e que havia se apaixonado pelo ministro.

A origem dos pagamentos dos dias felizesdo casal foram as contas bancárias de Bené eseus parceiros de lavagem de dinheiro. Entreeles está Pedro Augusto Medeiros, cliente as-síduo das ações do Setor de Operações Es-truturadas da Odebrecht, nome pedante paraa contabilidade da propina da empreiteira.Nas contas da empresa, foram pelo menosR$ 13,5 milhões entregues em hotéis de SãoPaulo, direcionados a Pimentel.

O pagamento de despesas particulares apa-rece como prova de que recursos levantadosem nome de seu projeto político serviam para

o enriquecimento pessoal. Empresas de con-sultoria de seus aliados, firmas de fachada deBené e uma agência de publicidade que serviuao PT, a Pepper Comunicação Interativa, pa-gavam contas de cartão de crédito, parcelas deimóveis e despesas da ex-mulher. A empresada nova namorada e futura esposa, a Oli Co-municação, foi acusada de ser usada em repas-se para o petista. Até dinheiro de caixa dois jáseparado para custear despesas gráficas foi rea-locado em obras de um restaurante no interiorde São Paulo, um patrimônio oculto do petis-ta, revelado no curso das investigações.

Ao descrever cenas de diálogo relacio-nado ao acerto com a Caoa, ocorrido du-rante convescote no camarote do estádioMineirão em jogo da Copa de 2014, Benérelatou a presença de diretores da empresa,de Pimentel e de outro personagem conhe-cido pelo estilo turrão e há décadas vivendonas sombras da trajetória do petista: o em-presário Roberto Giannetti da Fonseca, oRobertão, dono da HAP Engenharia. Ele éréu com Pimentel em ação que cobra reem-bolso por gastos superfaturados na cons-trução de casas populares, no início dosanos 2000. E seria citado em 2017 em outrodepoimento, de Joesley Batista, como inter-mediário de R$ 30 milhões de propina — omaior valor já associado diretamente ao pe-tista, em tacada única. O pagamento ocor-reu por meio da compra forjada de açõesda Minas Arena, consórcio responsávelpela administração do mesmo estádio do

A então ministra-chefe da Casa Civil, DilmaRousseff, visita Pimentel,na época prefeito de Belo Horizonte. Ele era seu Grilo Falante

NOS ALFARRÁBIOS DA ACRÔNIMO

CARLOS RHIENCK/ JORNAL HOJE EM DIA

O empresário BeneditoRodrigues de Oliveiraestava a bordo de jatinhoem que a Polícia Federalapreendeu milhares dereais para ser utilizadosna campanha deFernando Pimentel. Bené fez acordo dedelação premiada

FOLHAPRESS

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Mineirão, do qual a HAP faz parte. O casotambém é investigado no STJ.

A concessão do estádio ocorreu no go-verno anterior, do tucano Antonio Anastasia— mas já sob influência da pragmática rela-ção que envolve as duas principais lideran-ças do PT e do PSDB em Minas, Pimentel eAécio, principalmente no que diz respeito agestão de contratos e manutenção da influên-cia no jogo do poder. Não à toa, o petista saipela tangente até quando questionado sobreo inferno astral do tucano: “Vamos deixarque o povo faça esse julgamento”.

Para as empresas integrantes do consór-cio vencedor, foi um negócio da China:mesmo que o estádio dê prejuízo, o governomineiro garante mensalidade mínima. AHAP confirmou o recebimento de Joesley. Atransação, porém, foi tão desastrada que aempresa ainda hoje tem dificuldades parajustificar o repasse. Isso porque o dinheirochegou, mas a formalização da transferênciadas ações até hoje não se efetivou. Desde oinício da concessão do estádio, em 2013, oconsórcio Minas Arena recebeu R$ 461,3milhões da administração estadual.

Com a aprovação de alterações nas regrasdo foro privilegiado para políticos, por

parte do Supremo Tribunal Federal (STF), ogovernador mineiro trabalha para que seusprocessos desçam para a Justiça estadual, on-de as rodas do poder político, econômico ejudiciário local, incluído aqui o MinistérioPúblico, encontram-se com particular — e in-desejável — frequência. Para driblar os limitesde aumento de gastos do orçamento e a proi-bição legal de dar aumentos, o governo usauma estratégia peculiar para conquistar ocorpo de servidores no ano eleitoral: estabe-leceu uma ajuda de custo diária para um emcada dez servidores, que passaram a ter ven-cimentos entre 30% e 50% maiores no fimdo mês. O gasto não é incluído nas restri-ções da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Em meio às finanças em frangalhos, na úl-tima semana o governo publicou extrato deum contrato de quatro meses com a consulto-ria Ernst & Young, no valor de R$ 3,5 milhões,a título de apresentação de “diagnóstico da si-tuação orçamentária e fiscal do estado”. O go-verno não quis dizer por que abriu mão dopróprio corpo técnico da Secretaria de Plane-jamento, normalmente apto a atender a esse

tipo de demanda. Não falta dinheiro tambémpara outra estratégia da velha política: a entre-ga de ambulâncias e carros de passeio paraprefeituras e órgãos estaduais. Apenas emeventos com prefeitos e representantes de ór-gãos, foram quase 4 mil veículos entregues aocusto de centenas de milhões de reais.

Ser investigado sob a acusação de receberrecursos de caixa dois não é motivo de cons-trangimento no governo mineiro, pelo con-trário. Márcio Hiram era diretor comercialdo Vox Populi, em 2013, quando operaciona-lizou pagamentos ilegais destinados a Pimen-tel, por meio do instituto de pesquisas, deacordo com Bené. O dono da empresa, Mar-cos Coimbra, foi denunciado pela PGR porreceber R$ 1 milhão de um diretor do grupoimobiliário JHSF. Pois Hiram deixou a Vox eé hoje o dono da Populus Comunicação, maisconhecida como Pop, a agência que detém omais gordo contrato de publicidade do gover-no Pimentel, totalizando R$ 47,5 milhões.Durante o governo petista, a Vox também foidiretamente contratada, ao custo de R$ 602mil, por agências que atendem o governo.

Quem também atuou duplamente — rece-bendo caixa dois antes das eleições e, no ano se-guinte, virando fornecedor do governo — é aagência G5 Comunicação, do produtor IvanCaiafa. Parte dos pagamentos da Caoa para Pi-mentel foi parar na conta da empresa. Nos anosseguintes, suas empresas faturariam R$ 4,5 mi-lhões em contratos financiados pelos cofres pú-blicos. Em sua delação, Bené disse que Caiafatinha conhecimento do subfaturamento de no-tas de campanha e que cobrou dívidas do pleitonos contratos com o governo. Caiafa nega.

“A G5 teve todos os recebimentos conta-bilizados, serviços prestados e impostos reco-lhidos”, informou. Hiram também negou teroperacionalizado pagamentos para Pimentel.A Vox não comentou.

ÉPOCA enviou 16 perguntas a FernandoPimentel, sobre seu governo e acusações.

Concessões públicas, reajustestarifários e falta de transparênciade contratos são alvos da PF

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Nenhuma delas foi respondida. O governa-dor limitou-se a dizer que “está provandosua inocência reiteradamente em todas asinstâncias da Justiça por meio de seus advo-gados”. “O caráter supostamente persecutó-rio dos questionamentos enviados, contudo,sugere que a reportagem confunde os papéisda imprensa e da Justiça, que trabalha comprazos diferentes do horizonte de fechamen-to de uma edição de jornal, justamente pelaimposição constitucional de ter que provarsuas acusações”, escreveu.

Nas páginas da internet e nas redes sociaisdo PT nacional, mineiro ou mesmo de

Belo Horizonte, é impossível deixar de notaruma ausência: não há imagem, texto ou cam-panha que trate dos processos que envolvem ogovernador mineiro, mesmo que seja para de-fender sua inocência. Nas raras manifestaçõespúblicas sobre seus problemas com a Justiça atéaqui, Pimentel mencionou o “esgotamento” dosistema político brasileiro. Disse estar em xeque“toda uma tradição política brasileira de com-partilhamento de decisões entre o poder priva-do e o setor público” e apontou ser favorável àformação de uma Assembleia Constituinte.

Oscar, Chico e Jorge eram os codinomesusados pelo governador de Minas quandomilitante da Vanguarda Popular Revolucio-nária (VPR), que se rebelou desde a épocado colégio contra o recrudescimento do regi-me militar, no fim dos anos 1960. Filho deempresário dono de comércio tradicional em

Belo Horizonte, juntou-se ao grupo que ar-riscou a vida para lutar por liberdade e con-tra o regime. Pimentel foi preso e torturadono início dos anos 1970, depois de uma ten-tativa desastrada de sequestrar o cônsul ame-ricano Curtis Carly Cutter, em Porto Alegre.“Quem militou nesses dias tinha de ter umaalta dose de idealismo, porque não ganhavanada, digamos. Era só risco”, lembrou o en-genheiro mecânico aposentado Luiz CarlosDametto, que dividia com Pimentel o mes-mo aparelho da VPR no Rio Grande do Sul.

Ao volante do Gordini usado na tentativade sequestro do americano, o comerciante Ir-geu João Menegon disse ter passado por um“processo de esquecimento”. “Se não, vocênão vive bem.” Ele se recorda de Pimentelcomo sujeito “sério”, com “nível político eideológico firme à beça”. As acusações de ho-je sobre o militante da época são, para ele,motivo de frustração. “Ou ele deu uma voltamuito grande na vida ou deram uma voltagrande nele”, resumiu o ex-guerrilheiro, quenunca mais viu o colega depois do dia emque todos foram presos. Luiz Carlos Damettotambém nunca mais o viu. Ao ser questiona-do sobre a situação de Pimentel, menciona opapel da “vaidade” na vida das pessoas. “Pa-rece que (tem gente) que não consegue ficarlonge de dinheiro, né? O que vou dizer... aparte que conheço, digamos, ele fez. As acu-sações que são feitas agora, torceria que nãofossem verdadeiras. Mas, infelizmente, pareceque são, né?”.

NOS ALFARRÁBIOS DA ACRÔNIMO

Ficha de “subversivo”elaborada pela ditaduramilitar quando FernandoPimentel atuava emgrupos de esquerda.Os amigos do passadose surpreendem com seu presente

REPRODUÇÃO