4 para além dos direitos

3
4 Para além dos direitos: ampliação da cidadania e do processo hegemônico A reificação da sociedade consolidou-se com o novo padrão de acumulação identificado com a crescente monopolização da economia capitalista e a racionalização positiva das relações sociais (ou seja, o processo de estranhamento em relação à realidade, que significa “achar que a sociedade é assim porque tem que ser e não porque ela é feita assim pelas decisões políticas dos seres humanos”, consolidou-se com o capitalismo cada vez mais oligopolizado [poucas companhias tomando conta de todo o mercado global, como acontece até os dias de hoje] e com a perspectiva científica da organização da sociedade [surgimento da administração como ciência, da contabilidade, das ciências sociais como um todo, etc.]) Entretanto, as condições materiais de existência dos cidadãos subalternos, especialmente dos operários, continuavam dotadas de potencial explosivo. A alienação do trabalho social ao capital reproduzia-se como miséria, mal- estar e insegurança social, o que favorecia a crítica revolucionária da ordem burguesa. A reprodução da alienação do trabalho (ou seja, a manutenção do capitalismo) compatível com a ampliação do consumo, do bem-estar, da segurança social (ou seja, sem revoltas ou conflitos) e da representação política (mais representação política para a classe trabalhadora) apresentava-se, pois, como um desafio para os dirigentes da sociedade capitalista em suas configurações nacionais. Em outros termos, a legitimação e a estabilidade do desenvolvimento capitalista exigiam uma estratégia que visasse a satisfação, ainda que parcial ou como possibilidade futura ou somente simbólica, das carências reprodutivas dos que viviam apenas do seu próprio trabalho (ou seja, o capitalismo pra se manter precisava ser

Upload: angelica-tesla

Post on 06-Nov-2015

6 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

DH

TRANSCRIPT

4 Para alm dos direitos: ampliao da cidadania e do processo hegemnico

A reificao da sociedade consolidou-se com o novo padro de acumulao identificado com a crescente monopolizao da economia capitalista e a racionalizao positiva das relaes sociais (ou seja, o processo de estranhamento em relao realidade, que significa achar que a sociedade assim porque tem que ser e no porque ela feita assim pelas decises polticas dos seres humanos, consolidou-se com o capitalismo cada vez mais oligopolizado [poucas companhias tomando conta de todo o mercado global, como acontece at os dias de hoje] e com a perspectiva cientfica da organizao da sociedade [surgimento da administrao como cincia, da contabilidade, das cincias sociais como um todo, etc.])

Entretanto, as condies materiais de existncia dos cidados subalternos, especialmente dos operrios, continuavam dotadas de potencial explosivo. A alienao do trabalho social ao capital reproduzia-se como misria, mal-estar e insegurana social, o que favorecia a crtica revolucionria da ordem burguesa.

A reproduo da alienao do trabalho (ou seja, a manuteno do capitalismo) compatvel com a ampliao do consumo, do bem-estar, da segurana social (ou seja, sem revoltas ou conflitos) e da representao poltica (mais representao poltica para a classe trabalhadora) apresentava-se, pois, como um desafio para os dirigentes da sociedade capitalista em suas configuraes nacionais. Em outros termos, a legitimao e a estabilidade do desenvolvimento capitalista exigiam uma estratgia que visasse a satisfao, ainda que parcial ou como possibilidade futura ou somente simblica, das carncias reprodutivas dos que viviam apenas do seu prprio trabalho (ou seja, o capitalismo pra se manter precisava ser compatvel com um nvel de vida mais elevado para a classe trabalhadora, sob pena de viver em constantes conflitos e revoltas). De acordo com essa perspectiva, a necessria regulao pblica das condies de reproduo social dos trabalhadores (ou seja, a existncia de leis instituindo direito trabalhistas e sociais) implicaria o reconhecimento e a institucionalizao de direitos desiguais aos desiguais e no s a maior participao dos trabalhadores no produto do trabalho (ou seja, deveria ampliar os direitos como um todo, diminuindo jornada de trabalho, garantindo seguridade social, moradia, sade, educao, etc. e no simplesmente aumentar os salrios)

Diante dessas novas condies do processo hegemnico, os movimentos de trabalhadores desenvolveram um processo de unificao das suas diversas correntes e organizaes em grandes partidos proletrios socialdemocrticos mais socialista ou mais trabalhista -, conforme as condies histricas de cada nao. Processo este que tem por marco a fundao da Segunda Internacional (1889-1916), que buscava orientar e unificar os partidos de base operria em todas as naes capitalistas.

Entre 1875 e o incio da Primeira Guerra, os partidos operrios e as organizaes sindicais tornaram-se influentes em quase todas as naes sob o capitalismo industrial consolidado, com exceo dos Estados Unidos, que no possuam uma histria expressiva de lutas polticas de classe.

Os sindicalistas no reivindicavam apenas melhores salrios e condies contratuais de trabalho s grandes corporaes e associaes patronais. Reivindicavam tambm leis e reformas que transcendiam a cidadania existente, inclusive lutando por diferentes meios de limitar o despotismo patronal nos locais de trabalho e organizando grandes greves e manifestaes polticas. J os partidos operrios combinavam os elementos dessas lutas com aes parlamentares e mobilizao de massas por conquistas que iam alm dos limites legalmente preestabelecidos, tais como: o sufrgio universal, as liberdades civis pblicas de organizao e manifestao e amplas reformas sociais e poltico-institucionais que viabilizariam um novo estatuto da cidadania e melhor qualidade de vida para os trabalhadores.

A luta supranacional pela limitao da jornada de trabalho em oito horas dirias, com descanso dominical, foi a bandeira de maior repercusso dirigida pelos socialistas e trabalhistas da Segunda Internacional, sobretudo porque a jornada de trabalho poca se estendia at quatorze horas dirias em muitas naes capitalistas industrializadas.

Com a ampliao do sufrgio eleitoral e das organizaes de massa dos trabalhadores, cresceu a influncia desses no processo poltico e na vida da sociedade civil. As reinvindicaes dos trabalhadores passaram a fazer parte da agenda poltica dos diversos partidos e tendncias polticas e ideolgicas, inclusive dos mais conservadores.

Por tudo isso, a passagem do sculo XIX ao sculo XX foi marcada, de um lado, por uma sociedade capitalista em pleno processo de reestruturao e reificao (ou seja, ampliao do capitalista e aprofundamento das relaes capitalistas, cada vez mais consolidadas e mais aparentemente impossveis de se mudar), de outro lado, por um renovado movimento poltico dos trabalhadores, ainda movido por difusos compromissos com a emancipao social, mas sem as condies objetivas de superar o capitalismo.