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  • Ely t b d de slay Quando esse vem para a imensidade desse mundo.

    4 Omode quequer - crianas no candombl

    por que? como? o qu se aprende? quem ensina?

    Os ps ainda pequenos vo gingando, as crianas esto nas rodas de

    santo do barraco, nas obrigaes no terreiro e nas festas. Mos ainda bem

    pequenas batem os atabaques na batida certinha para convocar os orixs.

    Quando conheci Ricardo Nery, o menininho gorducho de apenas quatro anos me

    impressionou pela fora com que batia o atabaque. Ao fazer isso, s vezes

    Ricardo segura uma das varas (atori) com a boca e toca o couro do tambor com

    as costas da mo direita. Me Palmira me disse que ningum ensinou Ricardo a

    bater assim. um gesto ancestral, me revelou a Me-de-santo, ainda em 1992.

    Depois de Ricardo, conheci Paula Esteves, e Tauana dos Santos. Anos

    mais tarde conheci Joyce, Joseane e Jailson dos Santos. Quando soube que no

    terreiro de Me Beata se iniciavam crianas com um ms de idade fui at l e

    encontrei a menina de Obalua1 e Noam Moreira, bem como algumas outras

    crianas dessa casa. E, quase no finalzinho da pesquisa, quando j preparava

    esse texto, conheci Alessandra, irm de Michele e Felipe, de 8 anos.

    As crianas esto no terreiro e desempenham funes como os adultos.

    Muitas so iniciadas e algumas, depois de um longo aprendizado, esto

    preparadas para receberem os orixs. Apesar de j existir muita bibliografia sobre

    o candombl, existe muito pouca, ou quase nenhuma bibliografia no Brasil sobre a

    iniciao infantil.2 Se esse fato um desafio, tambm um estmulo. Por que uma

    1 Seu nome ser preservado a pedidos dos pais. 2 Existe, contudo, um importante trabalho a respeito da experincia de educao infantil na Mini Comunidade Oba Biyi, em Salvador. O livro Abebe, a criao de novos valores na educao (2000), resultado da pesquisa realizada pela professora Narcimria Correia do Patrocnio Luz. Nele, a autora no descreve os ritos de iniciao da criana no candombl. O enfoque de sua pesquisa recai sobre o que chama de experincia pioneira de educao pluricultural, realizada na comunidade Oba Biyi, no terreiro Il Ax Op Afonja. Tambm em Beniste (2002), encontrei alguma descrio sobre a educao de crianas em terreiros.

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    criana iniciada? Como acontece esse aprendizado? O que se aprende no

    terreiro? Descrever esse processo o objetivo desse captulo.

    4.1 - A iniciao3

    Iniciar-se no candombl significa comear uma nova vida que ser

    inteiramente dedicada ao orix. Significa constituir uma nova famlia, a famlia-de-

    santo. Tudo na vida da pessoa muda, ela ganha, inclusive, um novo nome, afirma

    Me Palmira. Para ser iniciado no Ile Omo Oya Legi o tempo de recolhimento no

    ronc4 (Il s ou Hunko) o mesmo tanto para o adulto como para uma criana

    ou adolescente. Ao todo so 17 dias de recluso total que comeam a ser

    contados no dia da entrada at o dia da festa da sada. Durante esse tempo, Me

    Palmira explica que ocorrem diversos rituais que no podero ser revelados em

    detalhes. Descreveremos ento apenas o que for permitido pela me-de-santo.

    De acordo com Palmira de Ians, no dia escolhido para entrada do (a) ia

    ele (ela) estar com roupas velhas e chamadas profanas. Todos os

    assentamentos do santo da pessoa que se inicia passam por um ritual de cantar

    as folhas, ou seja, de louvar Ossaim5, lavando todos os apetrechos de santo.

    com essa gua das folhas que a cabea do ia ser lavada. Logo depois, esse ia

    ser levado a um dos quartos onde se colocar de joelhos e se realizar uma

    cerimnia chamada de Kar, que significa silncio. quando o iniciado ir far um

    juramento sobre uma srie de compromissos que incluem respeito aos mais

    velhos, casa, liturgia do candombl. onde comea o segredo da iniciao.

    Depois esse ia (sendo criana ou no) ser levado por sua Me-Pequena para

    que ele tome a beno a todas as pessoas que encontrar seja criana, adultos,

    idosos. Alm disso, ele ir tomar a beno, galinha dangola, ao cachorro, aos

    animais que encontrar. Por que? Porque ele comea a aprender que parte da

    3ber (ritual de iniciao). Beniste, 2001, p.161. 4No ronc (quarto) colocado uma esteira forrada com lenol branco. nesta esteira que o iniciado sentar e dormir todo o tempo do recolhimento. 5 Ossaim o senhor das folhas, da cincia e das ervas, o orix que conhece o segredo da cura e o mistrio da vida.

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    natureza. Em seguida ela faz o bori da iniciao e depois o banho ritual, do lado

    de fora do barraco e vir com uma quartinha (um pote de barro) onde ele ou ela

    colher a gua, que o smbolo da vida. Depois disso ele retorna ao barraco

    onde tomar o banho de ervas ainda usando sua roupa velha, que ser rasgada

    em seguida simbolizando que, a partir da iniciao, tudo ser novo. A gua da

    quartinha colhemos de um poo ou de um rio. Ele toma banho ainda com sua

    roupa velha que em seguida s depois ser rasgada. Aquele que est se iniciando

    ser envolvido em panos brancos e, em seguida, usar uma roupa virgem. S

    ento ele ou ela se dirigir para o quarto onde ser feita a iniciao. Arriamos o

    aper, que um banco sacramentado contendo os elementos de ax onde a

    pessoa que est sendo iniciada sentar para fazer a limpeza da cabea que a

    raspagem, precedida pela lavagem da cabea com sabo-da-costa, revela Me

    Palmira.

    nesse recolhimento que ocorrem as bases dos ensinamentos do

    candombl e onde a pessoa que se inicia tambm ser observada e orientada a

    fim de aprender a controlar as manifestaes de seu santo6. A criana tambm

    fica recolhida e, em rarssimos casos, poder sair. Por exemplo, se ela estiver

    sendo iniciada para um orix cujo quarto fica dentro do barraco, poder circular

    no barraco quando neste no estiver acontecendo nada de importante. Se

    recolher para os orixs cujos quartos esto no quintal do terreiro j no poder. No

    terreiro de Palmira de Ians as crianas podem ser iniciadas a partir de dois anos.

    Em rarssimos casos, se o orix determinar e for caso de vida ou de morte, inicio

    com menos, afirma a me-de-santo.7

    Beniste tambm explica que blnan (bolar no santo) a primeira

    manifestao de um ris numa pessoa e que ocorre geralmente de forma bruta e

    sem qualquer previso.

    Pode ser durante uma festa ao se cantar para um determinado rs; a pessoa vtima de

    tremores e sobressaltos, caindo no cho inconsciente. Este momento visto como um apelo do rs iniciao. Bolar vem de embolar, e uma forma alterada do yorub

    6 Veremos mais adiante que uma ekedi tambm recolhe (por menos tempo) para ser confirmada, mas no vira no santo, assim no h a necessidade, neste caso, desse tipo de orientao para as ekedis. 7 Ver mais adiante que no terreiro de Beata de Iemanj as crianas podem ser iniciadas a partir de 1 ms de idade.

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    Blna(n), B, cair + lnan(n), no caminho. Nesses casos, a dirigente a cobre com um pano branco e ela carregada para o interior da casa. L desvirada e comunicada. Se desejar, j permanecer para a iniciao. Na maioria das vezes volta para casa, ficando o assunto para ser decidido mais tarde. (Beniste, 2001, p.163).

    De acordo com Beniste, se permanecer no terreiro, ser na qualidade de

    Abyn, ou seja, uma aspirante. Me Palmira diz que em seu terreiro assim que

    acontece. Ela acrescenta ainda que este pode ser tambm o primeiro indcio de

    que uma criana ou adolescente ir bolar no santo, alm de outros inmeros

    sinais que veremos detalhadamente nos depoimentos das prprias crianas e

    adolescentes entrevistados e observados.

    4.1.2- A raspagem da cabea e outros rituais8

    A raspagem da cabea9 , mais uma vez, a indicao de que o iniciado

    nasce para uma nova vida dedicada ao orix e religio. Raspamos a pessoa

    para limpar sua cabea, mas nem todos precisam raspar. A criana, em geral, no

    raspa a cabea. Elas no tm nada sujo. Mas s vezes o orix determina a

    raspagem e ento a criana raspa sim. Tira-se uma mecha do cabelo na frente da

    cabea, logo acima da testa (considerado nascente), tira-se, sempre com a

    navalha, outra mecha na parte de trs da cabea, prximo nuca (Ikoko ori), tira-

    se do lado direito e do lado esquerdo tambm. Alm disso, a ia tambm dever

    raspar uma mecha bem no centro, no alto da cabea onde a entrada de energia.

    Ali ser colocado o Os, uma massa preparada com diversos elementos de fora,

    do ax, recolhidos dos reinos mineral, vegetal e animal, explica a Me-de-santo.

    A criana, insiste Me Palmira, no tem necessidade de raspar a cabea,

    mas, se for necessrio, raspa, como sempre, o orix quem determina. H casos

    que, dependendo do ori (cabea) ou da qualidade do santo, nem o adulto raspa,

    no uma obrigao, explica a me-de-santo. A criana s tira onde for

    necessrio, se for necessrio em todos os lugares, raspar em todos os lugares 8 Essas descries referem-se especificamente a este terreiro e no acontecem obrigatoriamente da mesma forma em outras casas. 9 De acordo com Beniste, o rito de raspagem de cabea denomina-se Fri, sendo que nos candombls de Angola, a expresso Katula, raspar vem de Tula, tirar. (cf. Beniste. 2001, p.1666).

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