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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO SÍLVIA VALLEZI PRÁTICAS ADMINISTRATIVAS DE ALMEIDA JÚNIOR E EXPANSÃO DO ENSINO NO ESTADO DE SÃO PAULO ENTRE 1935 E 1938 CAMPINAS 2018

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  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    FACULDADE DE EDUCAÇÃO

    SÍLVIA VALLEZI

    PRÁTICAS ADMINISTRATIVAS DE ALMEIDA JÚNIOR E EXPANSÃO DO ENSINO NO ESTADO

    DE SÃO PAULO ENTRE 1935 E 1938

    CAMPINAS 2018

  • SÍLVIA VALLEZI

    PRÁTICAS ADMINISTRATIVAS DE ALMEIDA JÚNIOR E EXPANSÃO DO ENSINO NO ESTADO DE SÃO PAULO

    ENTRE 1935 E 1938

    Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Educação, na área de concentração Educação.

    Orientador: Prof. Dr. Andre Luiz Paulilo O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA SILVIA VALLEZI E ORIENTADA PELO PROF. DR. ANDRE LUIZ PAULILO.

    CAMPINAS 2018

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

    TESE DE DOUTORADO

    PRÁTICAS ADMINISTRATIVAS DE ALMEIDA JÚNIOR E EXPANSÃO DO ENSINO NO ESTADO

    DE SÃO PAULO ENTRE 1935 E 1938

    Sílvia Vallezi

    COMISSÃO JULGADORA:

    Orientador Prof. Dr. Andre Luiz Paulilo

    Profª Drª Natália de Lacerda Gil Prof. Dr. Bruno Bontempi Júnior Profª Drª Helena Maria Sant’Ana Sampaio Anderi Prof. Dr. Maurício Ernica

    A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora consta no processo de vida acadêmica do aluno.

    2018

  • AGRADECIMENTOS

    Ao Prof. André Paulilo, pelo rigor e pela paciência com que conduziu a orientação deste trabalho. A exigência constante com os registros dos resultados da pesquisa tornou-se um desafio para que eu pudesse superar meus limites. Agradeço imensamente a confiança, a parceria, o incentivo e o direcionamento, sem os quais seria impossível a conclusão da tese.

    Aos professores que integraram a banca de qualificação – Prof. Drª Ana Maria Fonseca de Almeida, Prof. Drª Natália Gil e Prof. Drª Sandra Caldeira Machado – que ampliaram e enriqueceram as possibilidades de pesquisa.

    Aos professores que aceitaram participar da banca de defesa - Prof. Drª Natália Gil, Prof. Dr. Bruno Bomtempi Jr., Prof. Drª Helena Sampaio e Prof. Dr. Maurício Ernica pela leitura e pelas contribuições.

    Aos colegas do PROEPHE – Cássia, Vanessa, Carolina, Claudiana, Felipe, Matheus, Leandro, Munir, Victor e Rodrigo – por compartilharem os momentos de estudo que possibilitaram um maior amadurecimento intelectual. Obrigada pelas conversas que, formais ou informais, tornaram o processo mais leve.

    Ao amigo Sandro Ricardo Coelho de Moraes, pela revisão do texto, pela atenção e pelas discussões sobre os assuntos da tese.

    Às amigas Deliane, Cecília e Guiomar, que me deram apoio nesse percurso, e me auxiliaram com a organização profissional para que eu me dedicasse também à pesquisa.

    À minha família, especialmente aos meus pais (in memorian) por tudo que fizeram por mim, me incentivando e ensinando a ter perseverança, a partir da qual pude empreender os esforços necessários para concluir mais essa jornada.

    Às minhas filhas Caroline e Isabele. O apoio, incentivo, colaboração, carinho e atenção que me deram durante a realização da pesquisa foram elementos essenciais que possibilitaram a materialização dos resultados aqui apresentados e a conclusão de mais essa etapa. A elas, todo meu amor.

  • ... a verdade foi sempre de fácil assimilação. E, por ser de fácil assimilação, toma o cheiro, o gosto, tudo e tudo do temperamento que a cozinha, ou melhor, da criatura que a transfere.

    Viriato Corrêa, 1935

  • RESUMO

    Esta pesquisa foi dedicada ao estudo da expansão do ensino no Estado de São Paulo entre os anos de 1935 e 1938. Teve como objetivo compreender os modos pelos quais se delineou a política expansionista instituída a partir das iniciativas de Almeida Júnior como Diretor do Ensino do Estado. Para tanto, analisou uma série documental composta pelos Anuários do Ensino, pelas estatísticas escolares, pelas publicações de Almeida Júnior, pela coleção de Leis e Decretos do Estado de São Paulo, além de Boletins e Relatórios oficiais publicados no período. Ao final da análise, concluiu-se que ocorreu uma ampliação considerável das vagas para a escola primária, mas esse alargamento se deu sem diversificar significativamente o tipo de público atendido. Almeida Júnior trabalhou pela expansão da escola primária sem propor uma reforma legislativa. Para tanto, fez uso da legislação então em vigor, especialmente do Código de Educação de 1933, e das estatísticas escolares de acordo com o que entendia ser mais conveniente para o ensino. No estudo das ações efetivadas pela Diretoria do Ensino, interessou mostrar os modos pelos quais o planejamento e execução das intervenções realizadas tiveram legitimidade a partir dos modos de operar de Almeida Júnior. As preocupações que se evidenciaram nos discursos administrativos acerca da necessidade de ampliação das vagas, da modernização da base física do ensino e da possibilidade de controle do quadro do magistério emergiram como pontos fundamentais para a análise. Desse modo, a pesquisa ocupou-se em mostrar os rumos que tomou a expansão do ensino, a partir das operações que se efetivaram no interior da Diretoria do Ensino. Os conceitos de representação e de uso, conforme a compreensão de Roger Chartier e de Michel de Certeau, foram fundamentais nesse estudo, uma vez que permitiram analisar a prática administrativa a partir do sentido que lhe foi atribuída e o modo pelo qual se fez uso da legislação e da estatística em vigor.

    PALAVRAS CHAVE: Expansão do Ensino. Práticas administrativas. Reformas educacionais. História da Educação.

  • ABSTRACT

    This research was dedicated to the study of the expansion of education in the State of São Paulo between the years of 1935 and 1938. Had as it's objective to understand the ways that outlined the expansionist policy instituted from the initiatives of Almeida Júnior as the Director of the State Education. In order to do so, it was analyzed a series of documments composed by the education’s yearbooks, school’s statistics, Almeida Júnior’s publications, collection of Laws and Decrees of the State of São Paulo, and Bulletins and official reports published during this period. By the end of the analysis, it was concluded that there was a considerable increase in the vacancy number for primary school, but this enlargement occurred without significantly diversifying the type of public attended. Almeida Júnior worked for the expansion of primary school without proposing a legislative reform. He used the then-current legislation, especially the Education Code of 1933, and school statistics according to what He understood to be most convenient for teaching. In the study of the actions made permanent by the Teaching Board, it showed how the planning and execution of the inteventions made were legit by the form Almeida Júnior operated. The concerns revealed in the administrative discourses about the need to expand the vacancies, the modernization of the physical basis of teaching and the possibility of control of the teaching profession emerged as fundamental points for the analysis. Thus, the research was focused on showing the directions that expanded the teaching, from the operations that took place within the Teaching Board. The concepts of representation and use, as understood by Roger Chartier and Michel de Certeau, were fundamental in this study, since they allowed to analyze the administrative practice from the sense that was attributed to it and the way in which the legislation and currents statistics at the time were used.

    KEY WORDS: Expansion of Teaching. Administrative Practices. Educational Reforms. History of Education.

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 1. Matrícula inicial de 1920 a 1935. ............................................................. 99

    Figura 2. Estatística Escolar Referente aos anos de 1934, 1935, 1936, 1937 - Índice de Reprovações ............................................................................................................. 121

    Figura 3. Estatística Escolar referente aos anos de 1934, 1935, 1936, 1937 - Porcentagem de Alfabetização ...................................................................................... 125

    Figura 4. Arranjo vantajoso, mas pouco econômico, de 28 carteiras, em sala de 6 x 8m ................................................................................................................................. 163

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1. Matrículas efetivas em estabelecimentos estaduais. Ensino Primário comum – estrangeiros e filhos de estrangeiros. .............................................................. 58

    Tabela 2. Matrículas - ensino maternal estadual ..................................................... 91

    Tabela 3. Matrículas – jardins da infância estadual ................................................. 91

    Tabela 4. Matrículas efetivas em estabelecimentos mantidos por particulares – maternal e infantil ........................................................................................................... 92

    Tabela 5. Ensino supletivo mantido pelo Estado ..................................................... 93

    Tabela 6. Matrículas no ensino primário supletivo mantido pela municipalidade .. 94

    Tabela 7. Matrículas no ensino primário supletivo mantido por particulares ......... 94

    Tabela 8. Porcentagem de permanência .................................................................. 95

    Tabela 9. Ensino complementar - vocacional e pré-vocacional .............................. 96

    Tabela 10. Matrículas em estabelecimentos estaduais .......................................... 101

    Tabela 11. Lotação necessária ............................................................................... 107

    Tabela 12. Matrícula efetiva, em novembro de 1936 ............................................ 107

    Tabela 13. Comparativo demográfico 1934/ 1935 ................................................ 109

    Tabela 14. Comparativo demográfico em núcleos escolares 1934/ 1935 ............. 109

    Tabela 15. Porcentagem de frequência .................................................................. 116

    Tabela 16. Movimento de matrícula efetiva e aprovação – 1936 .......................... 123

    Tabela 17. Porcentagem de alfabetização- Estabelecimentos estaduais, municipais e particulares – por zona .................................................................................................. 125

    Tabela 18. Alfabetização e aprovação – estabelecimentos estaduais – 1935 ........ 126

    Tabela 19. Distribuição dos escolares segundo a idade na cidade e na roça (1935) ....................................................................................................................................... 128

    Tabela 20. Porcentagens de aprovação e alfabetização 1935 ................................ 129

    Tabela 21. Número de unidades escolares por 100 mil habitantes ........................ 151

    Tabela 22. Média do acréscimo anual de unidades 1910-1935 ............................. 152

    Tabela 23. Evolução do aparelhamento escolar 1934-1937 .................................. 153

    Tabela 24. Resumo das edificações estaduais de escolas primárias 1893-1936 ... 155

    Tabela 25. Movimento legislativo referente a prédios e terrenos - 1933 - 1938 .. 179

    Tabela 26. Prédios Escolares segundo a situação e a entidade mantenedora - Estadual (E), Municipal (M) e Particular (P) - 1934-1937 ........................................... 181

    Tabela 27. Unidades escolares - segundo os turnos de funcionamento ................ 183

    Tabela 28. Movimento das escolas por tipo e classes 1934 e 1937 ....................... 184

    Tabela 29. Escolas agrupadas estaduais: ensino primário comum – 1934-1937 ... 185

  • Tabela 30. Nível de formação dos professores por entidade mantenedora – 1935 ....................................................................................................................................... 210

    Tabela 31. Classificação dos docentes segundo a especialização pedagógica ...... 211

    Tabela 32. Exame de habilitação para professores não normalistas 1936 ............. 213

    Tabela 33. Concurso de ingresso ao magistério .................................................... 214

    Tabela 34. Quadro I - Docentes no Ensino primário geral 1934 – 1937 ............... 216

    Tabela 35. Quadro II - Docentes no Ensino primário geral 1934 – 1937 .............. 217

    Tabela 36. Quadro III - Docentes no ensino pré-primário maternal – 1934- 1937 ....................................................................................................................................... 218

    Tabela 37. Quadro IV - Docentes no ensino pré-primário infantil, 1934- 1937 ... 218

    Tabela 38. Quadro V - Docentes no ensino primário comum - Por zona e entidade mantenedora – 1934-1937 .......................................................................................... 219

    Tabela 39. Quadro V - Classificação dos docentes segundo o sexo, especialização pedagógicas e sua distribuição pelas entidades mantenedoras ..................................... 220

    Tabela 40. Quadro VI - Caracterização dos docentes no Ensino Supletivo .......... 220

    Tabela 41. Quadro VII - Caracterização dos docentes no Ensino Complementar 221

    Tabela 42. Quadro VI e VII - Docentes no ensino supletivo e complementar – Por entidade mantenedora – 1934 – 1937 ........................................................................... 221

    Tabela 43. Concursos de ingresso ao magistério primário 1935-1937 .................. 225

    Tabela 44. Movimento do pessoal docente no ensino primário estadual, excluídas as escolas de aplicação – 1936 .......................................................................................... 226

    Tabela 45. Movimento dos Professores estaduais 1935- 1937 .............................. 229

  • SUMÁRIO

    Introdução - A expansão do ensino como construção institucional .......................... 13

    Capítulo 1 -A expansão do ensino no Estado de São Paulo: os lugares da prática administrativa ................................................................................................................ 28

    1.1 O lugar construído: um discurso de conciliação ........................................................ 33

    1.2 O lugar do visível: ações e categorias ...................................................................... 39

    1.3 O lugar do invisível: categorias ocultas .................................................................... 63

    Capítulo 2 – Estatística e legitimação do discurso de reforma do ensino ................. 80

    2.1 Expansão horizontal: a generalização da abrangência no ensino primário ............... 88

    2.2 Expansão vertical: sessenta e seis mil novas vagas .................................................. 99

    2.3 A (in)eficiência da escola primária: frequência, promoção e alfabetização ............ 113

    Capítulo 3 – O marco luminoso da escola paulista ................................................... 139

    3.1 Uma política expansionista ................................................................................ 146

    3.2 Novos prédios para grupo escolar ..................................................................... 158

    3.3 Ações efetivas para a execução da proposta construtiva ................................... 172

    3.4 A ampliação da base física do ensino: o que mostram os números ................... 181

    Capítulo 4 - Movimentos no quadro docente no processo de expansão do ensino 195

    4.1 A questão do excedente de professores ............................................................. 197

    4.2 A quantificação dos docentes: estatísticas e concursos ..................................... 215

    4.3 O cenário estatístico e sua representação .......................................................... 226

    Considerações Finais ................................................................................................... 235

    O discurso da expansão ........................................................................................... 237

    Contornos da política expansionista ........................................................................ 239

    Fontes ............................................................................................................................ 246

    Referências Bibliográficas .......................................................................................... 252

    Anexo: Leis e decretos do Estado de São Paulo que subsidiaram a pesquisa ........ 263

  • 13

    INTRODUÇÃO

    A EXPANSÃO DO ENSINO COMO CONSTRUÇÃO INSTITUCIONAL

    A democratização da educação formal deu-se de modo instável no período que

    decorreu desde a República. A extensão da escola “para todos” passou por diferentes

    compreensões relacionadas às disputas, às tramas políticas e às contradições acerca do

    que se entendia ser o direito à educação. Os modos pelos quais a população se apropriou

    da forma escolar também motivaram debates e polêmicas. Ainda assim, os

    administradores e governantes empenharam esforços na intenção de democratizar o

    ensino. Nesse sentido, de uma perspectiva histórica, a política educacional se definiu

    como uma prática social. Não obstante, afirma Paulilo (2010, p. 484), esse objeto de

    estudo mostra-se compreensível a partir da materialidade dos seus dispositivos e das

    lutas de representação (CHARTIER, 1991, 1990), que fomentam tanto na

    macroestrutura do Estado quanto na micropolítica das disputadas cotidianas.

    As medidas com vistas a promover a universalização da educação básica, a partir

    da noção de que o acesso a esse segmento é um direito público, já estão bastante

    consolidadas. O que se vem debatendo então são as condições para um ensino de

    qualidade para todos, de modo que a democratização não se dê apenas no sentido de

    uma extensão formal da escolaridade.

    A consolidação da oferta da educação pública trouxe à tona a questão da

    precarização da escolarização, indicando a “escola do passado” como mais qualificada,

    mas também afeita a um atendimento mais reduzido. Nesse aspecto, no tempo que

    decorreu do início do século XX até a contemporaneidade, as preocupações no campo

    educacional se inverteram. Se atualmente os debates se dão em torno da qualidade para

    uma escola já universalizada, no início do século o problema era a expansão da oferta de

    vagas, no sentido de possibilitar o acesso de toda a população à escolarização formal no

    interior de um modelo de escola considerado como de qualidade.

    Ao mesmo tempo em que a ampliação do acesso foi assimilada como conquista

    de um direito, também foi percebida como aquisição de um serviço precário, oferecido

    às pessoas das camadas mais baixas da população. A expansão da educação pública,

    afirmam Freitas e Biccas (2009, p. 19), “não conduziu um número expressivo de

    pessoas para os ‘palácios republicanos’, como se sonhava no início do século XX, mas

    sim, para instalações planejadas para o ‘aluno número’”.

  • 14

    Certamente, as dificuldades em democratizar a educação básica foram ampliadas

    pelo expressivo crescimento populacional que caracterizou o país nas décadas de 1920 e

    1930. Esse fato implicou na necessidade de uma expansão acelerada e permanente do

    sistema escolar tanto no sentido de incorporar a população que não tinha acesso à

    educação formal quanto para absorver um número cada vez maior de crianças.

    O debate em torno da equalização de oportunidades firmou-se como questão

    estratégica para a organização de políticas educacionais que visavam a proporcionar a

    difusão da escola “para todos”. Entretanto, a consolidação da escola seriada e sua

    multiplicação pelo país na primeira metade do século XX foi um processo permeado

    pela questão da homogeneidade das classes escolares. A partir da homogeneização do

    público escolar estabeleceram-se políticas educacionais específicas para atendimento a

    determinado tipo de população. As classificações que definiram os grupos que seriam

    atendidos pelas políticas reformistas foram legitimadas pelo movimento modernizador e

    pretensamente racional que então se delineou. As características que se diferenciavam

    da padronização pretendida eram excluídas das intervenções e das reformas

    educacionais com a justificativa de que eram problemas sociais que cabiam a outras

    instâncias resolver.

    As décadas de 1920 e 1930 são bastante frequentadas pela historiografia

    brasileira, visto que foi um período de mudanças políticas e educacionais. Dessa

    perspectiva é possível pensar a multiplicidade dos projetos e das representações

    instituídas ou apropriadas pelos administradores e, assim, investigar os padrões no

    interior dos quais ocorreu a reforma do ensino de modo plural e instável (VIÑAO

    FRAGO, 2001). Nesse período, muitas disputas pretenderam redefinir o alcance da ação

    governamental por meio de reformas regionais do ensino e abriram possibilidades para a

    construção das políticas nacionais.

    A criação do Ministério da Educação e Saúde (1930), do Conselho Nacional de

    Educação (1931), do Convênio Interadministrativo de Estatística Escolar (1931), a

    criação do Instituto de Organização Racional do Trabalho – IDORT (1931), a

    publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), a promulgação do

    Código de Educação de São Paulo (1933), a Constituição Federal (1934), o criação do

    Instituto Nacional de Estatística (1934) que deu origem ao IBGE (1938), foram

    articulações do governo central e iniciativas regionais que marcaram a década de 1930

    por uma construção institucional (MICELI, 1979). Tal empreendimento buscou a

    modernização do aparelho burocrático administrativo do setor educacional. Diante desse

  • 15

    processo, o direito à educação escolar foi uma bandeira política que se consolidou em

    meio a conflitos e lutas de representação (CHARTIER, 1990). No interior dessa

    construção institucional, o sistema de ensino foi se expandindo de acordo com um

    modelo de renovação educacional pretendida pelos Pioneiros da Educação Nova e de

    acordo com seu Manifesto, divulgado em 1932.

    No Estado de São Paulo, as tensões políticas no campo educacional marcaram a

    instabilidade na ocupação dos cargos de direção, nas reformas e nas mudanças

    legislativas referentes ao ensino. O Código de Educação de São Paulo (1933)1 é um

    exemplo dos mais emblemáticos, afirma Mate (2014, p. 45), “do detalhamento e da

    previsibilidade a que chegaram os discursos constitutivos das práticas pedagógicas do

    período. Ao longo de 992 artigos, concentra e autoriza uma série de intervenções,

    medidas, leis, experimentos, poderes, estratégias, técnicas que vinham sendo testadas e

    conflituosamente constituídas desde o início do século XX em diferentes instâncias”.O

    Código de Educação de 1933 (art. 11) previa uma seção de estatística como um serviço

    administrativo interno ao Departamento de Educação, com a função de apurar

    mensalmente os números do ensino e anualmente os do Convênio Estatístico firmado

    entre a União e os Estados em 19312. Essa institucionalização do aparelho burocrático

    estatal permitiu, em São Paulo, controlar o crescimento do sistema de ensino a partir de

    características marcadamente homogeneizadoras.

    Esse movimento de modernização do aparelho burocrático articulado às

    propostas de renovação educacional possibilitou uma maior visibilidade à expansão do

    ensino que ocorreu no período. Nesse sentido, toma-se como hipótese de trabalho a

    ideia de que a expansão do aparelho educacional resultou de políticas específicas,

    constituídas a partir da organização que então se delineou. Tal estrutura permitiu

    melhores condições de controle do movimento das escolas e do pessoal administrativo e

    docente. Nessa perspectiva, a pesquisa questionou se houve essa expansão, tão presente

    no discurso dos reformadores do período, como ocorreu a ampliação das vagas e quem

    foram os sujeitos que tiveram acesso a elas.

    A pesquisa observou que foi possível aos administradores utilizarem as

    estatísticas escolares padronizadas em nível nacional como ferramenta para direcionar a

    ampliação do sistema. No sentido de analisar o modo pelo qual ocorreu a expansão do

    ensino no Estado de São Paulo – a partir de um modelo de escola compreendida como

    1SÃO PAULO. Decreto nº 5.884 de 21 de abril de 1933. 2 BRASIL. Decretos nº 20.772 de 11 de dezembro de 1931 e nº 20.826 de 20 de dezembro de 1931.

  • 16

    de maior qualidade ainda que mais seletiva – o recorte temporal para a pesquisa foi

    estabelecido em um quadriênio – 1935 e 1938.

    Tal período é o primeiro, no Estado de São Paulo, que possui uma série

    documental histórica relativa aos números do ensino depois da assinatura do Convênio

    de 1931. Ainda que a padronização das estatísticas escolares em âmbito nacional

    ocorrera no final de 1931, com a oficialização do Convênio Interadministrativo, os

    documentos produzidos daquele ano até 1934 não foram editados e publicados no

    Estado até 1935. Nesse ano, Almeida Júnior assumiu a direção do ensino em São Paulo

    e retomou as publicações oficiais – das estatísticas escolares e dos Anuários do Ensino.

    Almeida Júnior permaneceu no cargo até o mês de abril de 1938, mas a mudança

    constitucional e a forte concentração de poder no executivo federal em finais de 1937

    inauguraram um período autoritário que impôs outros projetos educacionais que vão

    além dos interesses e das possibilidades dessa pesquisa. Conforme as palavras de

    Almeida Júnior (1959, p. 130), esse período encerra um ciclo no qual – devido ao golpe

    de Estado de 1937 – se esmoreceu o “ímpeto realizador”.

    Almeida Júnior estava inserido em um grupo intelectual e político que liderava a

    série de reformas que ocorreu no período. Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e

    Almeida Júnior foram os principais Diretores do Ensino no Estado de São Paulo, na

    década de 1930. Como signatários do Manifesto dos Pioneiros, mantinham parcerias

    nas funções administrativas do Estado. Já em 1930, Lourenço Filho estava à frente da

    Diretoria e propôs, segundo suas palavras, uma “reforma modesta, mas orgânica”, capaz

    de ser acrescida no futuro sem perturbações da estrutura que se assentava (LOURENÇO

    FILHO, 1936, p. 293).

    No ano de 1933, Fernando de Azevedo, no pouco tempo que ocupou o cargo de

    Diretor do Ensino, assumiu que tivera autonomia de ação e que sua atividade

    reorganizadora se desenvolvera “sem quebra de continuidade, sob a inspiração dos

    princípios que integram a nova política educacional, largamente divulgadas em livros,

    conferências e no manifesto dos educadores, e consagrados nos debates e nas

    conclusões da V Conferência Nacional de Educação” (AZEVEDO, 1936, p. 328). Essa

    autonomia permitiu-lhe instituir o Código de Educação no Estado com auxílio de

    Almeida Júnior.

    Em setembro de 1935, Almeida Júnior foi nomeado, figurando como o Diretor

    que permaneceu mais tempo no cargo de direção do ensino no Estado dentre o grupo. O

    princípio da continuidade esteve presente em suas ações, de modo que retomou o

  • 17

    Código de Educação de 1933 e exerceu o cargo sem instituir uma reforma do ensino – a

    partir de mudanças legislativas – nos moldes de seus antecessores.

    Além de se beneficiar do Código de Educação de 1933, Almeida Júnior também

    comandou a experiência realizada em São Paulo, no sentido de atender ao Convênio de

    Estatística Escolar de 1931. Teixeira de Freitas, estatístico que esteve à frente dos

    trabalhos que criaram o Convênio de 1931 e que posteriormente deu existência legal ao

    Instituto Nacional de Estatística – antecedendo o IBGE –, reconhecia o trabalho

    realizado por Almeida Júnior no Estado de São Paulo. Teixeira de Freitas (1937, p. 90)

    afirmava que Almeida Júnior era um dos líderes da campanha educacional que, em São

    Paulo, se estabelecia como um “brilhante pioneiro” que “trabalhava febrilmente” pelo

    ideal da democratização do ensino para todos.

    A experiência de atender ao Convênio de Estatística Escolar de 1931 também foi

    realizada no Rio de Janeiro com Anísio Teixeira. Entre 1932 e 1935, o Departamento de

    Educação verificou os números relativos à população escolar e à sua distribuição pelo

    ensino público de um modo sistemático e mais completo. Anísio Teixeira, afirma

    Paulilo (2015, p. 337), se utilizou de recursos de classificação que se constituíram em

    manobras para obtenção “senão exatamente um recurso de racionalização técnica,

    certamente, um instrumento de persuasão digno de um processo de escolarização

    massificante”.

    Do mesmo modo, Almeida Júnior soube aproveitar as determinações do

    Convênio de Estatística de 1931 e do Código de Educação de 1933, conforme suas

    possibilidades e seus interesses. No interior de uma rede de relações constituída, teceu

    condições para intervir na estrutura do sistema de ensino entre 1935 e 1938. Utilizou os

    instrumentos legais – como a legislação e a estatística – de acordo com suas próprias

    representações, fazendo deles também um instrumento de persuasão no processo de

    escolarização de massa.

    Para compreender o processo de expansão do ensino no Estado de São Paulo

    entre os anos de 1935 e 1938, tomei como fontes os dois Anuários do Ensino (1935/36 e

    1936/37) organizados por Almeida Júnior e veiculados durante sua gestão. Essas

    publicações oficiais contêm uma seleção de informações relativas ao ensino do Estado

    para as quais a administração queria dar visibilidade. Na abertura do Anuário de 1937

    (SÃO PAULO, 1937b, p. III), Almeida Júnior apresentou a obra ao Secretário da

    Educação, afirmando que escrevia em tom de franqueza, anunciando ao público as

    apreciações reais acerca das questões do ensino de São Paulo. Declarou que a

  • 18

    publicação evitaria o “enfeite e o disfarce”, afim de que o texto retratasse “tão fielmente

    quanto possível o aspecto da realidade”. Entretanto, nessa mesma introdução deixou

    registrado que “os casos individuais sem significação para o conjunto da atividade

    educativa” seriam excluídos da publicação. Nesse sentido, os Anuários do Ensino são

    entendidos como documentos oficiais publicados com a intenção de promover as ações

    da Diretoria do Ensino, dando enfoque ao que se queria mostrar acerca da educação,

    conforme já mostrou Catani (1995). Eles tratam de todas as questões do ensino

    consideradas relevantes no período além de conter nos anexos o conjunto de quadros

    que compõe a estatística escolar dos anos de 1935 e 1936. De acordo com Denice

    Catani (1995, p. 10), é comum que a leitura dos Anuários seja feita na busca de dados

    estatísticos e informações básicas acerca do movimento do ensino. Assim como no

    trabalho de Catani (1995), a abordagem dos Anuários aqui realizada foi além da procura

    de dados. Interrogou-se sobre o papel que Almeida Júnior atribuiu à publicação e sobre

    o papel que tais documentos desempenharam na organização do campo educacional no

    período. Esse movimento permitiu apreender características específicas desses

    documentos a partir da reinterpretação da lógica de sua produção no momento em que

    foram divulgados.

    Para as intenções de análise desta pesquisa, as estatísticas contidas nos Anuários

    não foram suficientes, uma vez que seria necessária uma série documental que

    abarcasse desde o primeiro ano em que os resultados numéricos fossem comparáveis.

    Desse modo, fui em busca das estatísticas escolares desde a publicação do Convênio de

    1931 até 1937 para compor o conjunto de fontes. A estatística escolar que engloba o

    período que vai de 1931 a 1934 faz parte de uma única publicação. As informações

    numéricas relativas ao primeiro triênio não são comparáveis com aquelas que se iniciam

    em 1934. Ao publicar o volume contendo as estatísticas escolares de 1931 a 1934,

    Almeida Júnior advertiu que, entre as estatísticas publicadas na administração de

    Lourenço Filho (1930) e o Anuário do Ensino (1935/36), ficara um “largo hiato na

    contabilidade educativa”. Buscando restabelecer “a continuidade interrompida”, a

    administração reuniu os dados desse período publicando-os em um único volume (SÃO

    PAULO, 1937a). A análise desse volume permite compreender que somente a partir do

    ano de 1934 a Diretoria conseguiu reunir informações suficientes para elaborar as

    tabelas no formato padronizado pelo Convênio de Estatística Escolar de 1931.

    Já as estatísticas do ano de 1937 foram publicadas em 1938, após a saída de

    Almeida Júnior da Diretoria do Ensino. No entanto, o trabalho foi executado durante

  • 19

    sua gestão pelo Chefe de Serviço Francisco Jarussi, responsável pela elaboração e

    publicação dos quadros desde 1935. Nesse sentido, o conjunto das estatísticas escolares

    dos anos de 1934 a 1937 foi utilizado sistematicamente nesta pesquisa e fornece

    condições de operar uma análise quantitativa dos números do ensino que interessaram

    ser divulgados.

    Outros documentos estatísticos foram encontrados no Arquivo Público do

    Estado de São Paulo e serviram ao propósito de compreender os modos pelos quais a

    padronização das estatísticas escolares em nível nacional foi apropriada pelo Estado e

    em quais condições foram produzidas e publicadas. Pensando com Luciano Faria Filho,

    Sandra Caldeira e Leonardo Neves (2005, p. 220), que “é impossível estudar o processo

    de escolarização sem o trabalho sistemático com os números e com as estatísticas

    escolares”, procurei entender essa ferramenta como uma forma de divulgação da

    realidade escolar e também de produzir essa própria realidade.

    Na perspectiva aberta pela História Cultural, os resultados estatísticos foram

    analisados por meio das formas e dos usos que Almeida Júnior fez dos números como

    estratégia política para organização e aparelhamento do sistema de ensino. Entendendo,

    com Besson (1995, p. 201), que “as cifras não são nada, não valem nada sem um

    discurso que lhes atribua sentido” e que “este discurso normalmente é falacioso, sempre

    problemático”, é possível compreender que os discursos nos quais Almeida Júnior

    utilizou as estatísticas não refletiram a realidade, mas uma forma de olhar que é

    “subjetivo, seletivo, parcial e contingente” (idem, p. 52).

    Conforme entendem André Paulilo e Natália Gil (2017), a administração do

    ensino valeu-se de modo reiterado dos números para legitimar as providências de

    mudança da organização escolar pública. Desse modo, a cultura do número no interior

    do discurso da eficiência e da racionalidade na educação foi construída pelas reformas

    do ensino e serviu para configurar problemas sociais em questões políticas e

    educacionais.

    Também a legislação em vigor foi elemento formal utilizado por Almeida no

    sentido de consubstanciar as propostas para a expansão do ensino. O Diretor do Ensino

    se valeu de leis para agregar terrenos ao Estado a partir de doações de particulares,

    conseguindo, assim, efetivar o plano de construções escolares que realizou. Ainda os

    dispositivos legais do Código de Educação foram amplamente utilizados para controlar

    as ações relativas a muitas questões do Ensino. Dessa forma, realizei um mapeamento

  • 20

    na Coleção de Leis do Estado de São Paulo3, buscando reconhecê-la como prática

    social. Segundo Faria Filho (1998), é necessário a compreensão de que também a lei,

    em sua dinâmica e contradições, é resultado das formas pelas quais as lutas sociais são

    produzidas e expressas em determinada sociedade.

    As obras de Almeida Júnior alinhavam as leis, as estatísticas e os Anuários pelas

    interpretações do próprio Diretor do Ensino que escreveu sobre sua trajetória pessoal e

    profissional, deixando uma obra extensa e detalhada acerca de suas realizações. Assim,

    sua obra também é uma das fontes utilizadas nesta pesquisa. No entanto, tomar como

    fonte a produção de Almeida Júnior exige atenção especial, visto que foram escritos

    selecionados, escolhidos em função de interesses específicos.

    Em 1951, no prefácio da segunda edição do livro “A escola Pitoresca e outros

    trabalhos”, Almeida Júnior recorda as formas pelas quais organizou a primeira e a

    segunda edição do livro com a intenção de “encerrar sua carreira educacional”:

    Em 1933, parecendo-me encerrada a minha carreira propriamente educacional, revolvi o meu arquivo, selecionei algumas notas e, a título de despedida, organizei a primeira edição deste livro, publicada em 1934. Separar-nos-íamos assim, o ensino e eu, através de palavras de intenção amável. Mas não nos separamos. Ao contrário: a nossa vida em comum se caracterizou desde aí por uma intimidade ainda mais próxima e mais cordial [...] Hoje, vencidos exatamente quarenta anos de magistério, renovo por intenção comemorativa, a façanha de 1933. Nos papeis e nos registros da minha experiência profissional, procuro e separo aquilo que me parece menos desvalioso aos interesses práticos do ensino brasileiro (ALMEIDA JÚNIOR, 1951, p. VII-VIII, grifos acrescentados).

    A partir dessa introdução, observa-se que, tanto em uma quanto em outra edição,

    Almeida Júnior separou cuidadosamente seus escritos “revolvendo seu arquivo” na

    intenção de publicar o que tinha de valioso através de palavras amáveis. Segundo os

    editores da terceira edição do livro (1966), tal volume da obra do “notável mestre

    brasileiro”, visava a “facultar o acesso ao pensamento e às realizações dos líderes da

    educação nacional”. Entretanto, esses pensamentos e realizações de Almeida Júnior se

    compõem de uma parcela de seus escritos, selecionados especificamente para

    publicação.

    No prefácio da primeira edição da obra “A escola pitoresca” (1934), Almeida

    Júnior deixava claro quais eram seus pensamentos que gostaria de tornar públicos,

    enquanto um dos líderes da educação nacional:

    3 SÃO PAULO. Coleção de Leis e Decretos do Estado de São Paulo. Imprensa Oficial do Estado, 1933 a 1938. 6 v.

  • 21

    O ensino não é a simples reação previsível e clara entre o professor de boa vontade e a criança-padrão dos livros de psicologia. Nele se irá encontrar a criança-realidade, ondulante, multiforme, imprevista, e que se deve, com tudo, entender, suportar e querer. Achar-se-á também a máquina escolar, com os colegas, o diretor e as autoridades do ensino, cada qual representando um enigma que, se o não deciframos, nos devoram. E o pai do aluno, raramente o aliado que se espera. E, sobretudo, a mãe do aluno – infinito de afeição que é preciso compreender e venerar, mas também inesgotável egoísmo que cumpre contornar (ALMEIDA JÚNIOR, 1934, grifos acrescentados).

    .

    Assim, ao tomar as publicações desse educador como fonte de pesquisa, já se

    opera com o cuidado de que são seleções criteriosas. Ao pensar a educação como um

    enigma necessário de se desvendar, uma vez que diferia da teoria apresentada nos

    livros, Almeida Júnior já demonstrava que não entendia a máquina escolar como uma

    construção dada. Para desvendar o enigma, seria necessária a elaboração de estratégias

    específicas no sentido de conhecer e controlar o sistema de ensino que se queria

    constituir.

    As ações e os discursos que proporcionaram a expansão do ensino no Estado

    estão também descritas em relatórios dos Delegados Regionais e em Boletins. Grande

    parte desses documentos foi reproduzida nos Anuários do Ensino. O Relatório do ano

    de 1935, redigido por Cantídio de Moura Campos – então Secretário da Educação e da

    Saúde Pública –, é um documento que não consta dos Anuários, mas que também foi

    utilizado na pesquisa no sentido de cotejar a representação dos sujeitos acerca da

    organização do ensino relacionada ao lugar ocupado por eles na estrutura do sistema. A

    publicação de Boletins foi uma estratégia utilizada por Almeida Júnior com o objetivo

    de divulgar as questões de interesse para a administração do ensino. Entre 1936 e 1938,

    durante sua gestão, foi publicado um conjunto de 18 boletins. Parte do conteúdo desses

    boletins foi também transcrito nos Anuários do Ensino, de modo que apenas os boletins

    nº 1, 2, 10 e 17 foram consultados na íntegra. As advertências – introdução dos boletins,

    escrita por Almeida Júnior – quase sempre foram trazidas para os comentários do

    Diretor do Ensino em outras publicações oficiais.

    Recorreu-se ainda à imprensa periódica no sentido de operar uma crítica

    documental e apreender detalhes do cotidiano que mereceram ser noticiados. Buscar na

    imprensa a repercussão das ações de Almeida Júnior e o movimento relacionado ao

    ensino é uma opção teórica que permite o contato com representações das questões

    educacionais do passado por via não oficial, visando a confirmar, contestar ou

    aprofundar o conhecimento histórico acumulado.

  • 22

    Para Chartier (1991, p. 187), “os agenciamentos discursivos e as categorias que

    os fundam – como os sistemas de classificação, os critérios de recorte, os modos de

    representações – não se reduzem absolutamente às ideias que enunciam ou aos temas

    que contêm”. O autor apresenta como uma exigência da pesquisa tratar os discursos em

    sua descontinuidade e sua discordância. Dessa perspectiva, a tarefa aqui empreendida

    busca compreender a série documental em sua especificidade, para além da significação

    divulgada nos discursos administrativos, ou seja, “inscrita em seus lugares (e meios) de

    produção e suas condições de possibilidade, relacionada aos princípios de regularidade

    que a ordenam e controlam, e interrogada em seus modos de reconhecimento e de

    veridicidade” (CHARTIER, 1991, p. 187).

    A interpretação das questões relativas à administração de Almeida Júnior

    considera a diversidade de métodos e procedimentos de pesquisas do campo

    historiográfico que possibilitam a compreensão desse período. Na perspectiva de

    Certeau (1994), compreende-se que os resultados das estatísticas escolares e a legislação

    em vigor foi um repertório com o qual Almeida Júnior procedeu a operações próprias.

    Analisando o uso nos moldes explicativos de Certeau (1994), foi possível observar que

    as trilhas foram traçadas por meio de interesses e de desejos específicos que delinearam

    os rumos dados à expansão do ensino. Ao selecionar fragmentos tomados do conjunto

    da produção estatística e do conjunto de leis que vigoravam no período de sua gestão,

    Almeida Júnior compôs uma história original. A busca da pesquisa deu-se, então, no

    sentido de interpretar os usos que Almeida Júnior fez de tais fragmentos e entender os

    modos pelos quais pensou as práticas administrativas.

    Para a pesquisa, interessou ir além da interpretação que Almeida Júnior deu aos

    problemas do ensino. Propus-me a uma reflexão acerca da expansão do ensino de uma

    perspectiva histórica, com a possibilidade de operar uma “compreensão crítica das ações

    e dos compromissos políticos das intervenções governamentais planejadas nos serviços

    de educação” (PAULILO, 2010, p. 492).

    A análise da série documental, em seu conjunto, permitiu uma abordagem das

    minúcias da administração do ensino público se propondo a uma reinterpretação do que

    se renovou no campo educacional mediante as ações empreendidas no interior da

    Diretoria do Ensino. As comparações e o cruzamento das informações possibilitaram

    um modo de compreensão das formas pelas quais as representações e as práticas

    administrativas controlaram os rumos da expansão do ensino.

  • 23

    Almeida Júnior, ao optar por não propor uma reforma legislativa, procurou

    retomar e regulamentar a legislação que tinha participado como colaborador (Código de

    Educação de 1933), fazendo uso de manobras e de micronormativos para formalizar

    suas decisões. Na compreensão de Formosinho e Araújo (2007), os micronormativos

    são usados como instrumentos legais para operacionalizar as decisões do governo, ou

    seja, um meio prático para concretizar a atuação do administrador. Para os autores o

    micronormativo “diminui a margem de poder discricionário das escolas e dos

    professores, visto que sua ação só pode ser mobilizada dentro de certos limites, sendo,

    portanto, uma forma de fazer as decisões funcionarem como meios e não como fins”

    (FORMOSINHO; ARAÚJO, 2007, p. 300). Nessa acepção, o micronormativo foi

    utilizado por Almeida Júnior como uma maneira de viabilizar a ação burocrática. Por

    meio de manobras e práticas administrativas inseridas na lógica configurada na

    Diretoria do Ensino, buscou mostrar a utilidade prática do cumprimento de suas

    determinações e aumentar suas possibilidades de controle.

    É cotejando as ações para ampliar a capacidade de atendimento com os critérios

    excludentes e homogeneizadores presentes nos documentos oficiais que se toma como

    hipótese que a expansão do sistema de ensino não garantiu o acesso de uma população

    mais diversa à escolarização formal.

    Tomando por expansão o processo de propagação, de ampliação do número de

    vagas para a escola primária, proponho, então, pensar acerca de quem foram os sujeitos

    que tiveram acesso a essas novas vagas criadas. O discurso que marcou o período

    estudado enfatiza a necessidade da democratização do ensino e da escolarização das

    massas populares. Nesse sentido, a atenção da pesquisa se voltou principalmente às

    questões acerca do acesso da população à escola, no intento de cotejar a ampliação de

    vagas – que ocorreu de forma mais efetiva e contínua depois da década de 1930

    (FREITAS; BICCAS, 2009) – com as possibilidades do ingresso e permanência na

    escola.

    Assim, a pesquisa procura encontrar outra perspectiva de abordagem das

    reformas do ensino público em São Paulo na década de 1930. A busca de uma

    modernidade sentida como necessária por Almeida Júnior resultou em práticas

    singulares de administração no movimento de renovação educacional. Diante disso,

    entender os modos pelos quais as propostas de intervenção legislativa e as manobras

    administrativas foram implementadas sob a referência da Escola Nova, pode ser útil

  • 24

    para uma forma alternativa de compreensão das práticas de gerenciamento e de suas

    consequências no campo educacional.

    O redimensionamento da capacidade de atendimento do sistema –

    operacionalizado por meio da reorganização da Diretoria do Ensino, do rearranjo das

    escolas e da redistribuição dos professores – possibilitou um aumento na quantidade de

    matrículas. Esse movimento resultou no discurso de que o período fora o mais profícuo

    em relação à expansão do aparelho educacional num sentido ao mesmo tempo social,

    nacional e democrático. Tal discurso ressaltou a necessidade de organização do aparelho

    escolar por meio de uma estrutura democrática, na qual fossem oferecidas iguais

    oportunidades a todos (SÃO PAULO, 1937b, p. IV e V). Diante das constantes

    afirmações nesse sentido, o estudo aqui empreendido buscou analisar em que medida o

    modo de Almeida Júnior operar imprimiu características próprias na estrutura que

    encontrou instaurada. As manobras de que se valeu para administrar o ensino –

    sobretudo aquelas relacionadas ao uso das estatísticas escolares – foram então elencadas

    como objeto de estudo, no sentido de analisar as formas pelas quais se configurou a

    ampliação do sistema e se buscou um “atendimento para todos”, sem propor uma

    reforma legislativa nos moldes de outros expoentes da educação no período.

    A problemática se inicia pela análise das representações de Almeida Júnior

    acerca da democratização da escola primária, a quem ele pensava atender, quais

    interesses defendia e as formas pelas quais se movimentou no interior da máquina

    administrativa no sentido de efetivar práticas consideradas por ele como imprescindíveis

    dos sujeitos que ocupam um lugar de poder. Além disso, a pesquisa questiona quem

    foram os sujeitos que tiveram acesso às novas vagas abertas em um período de ampla

    utilização da estatística como ferramenta para direcionar as ações que deram rumos à

    expansão do ensino.

    Nesse sentido, em primeiro lugar busquei mostrar as formas pelas quais se

    estruturou o aparelho do ensino no período, visando à sua expansão. Almeida Júnior não

    apenas ocupou um cargo da administração, mas construiu um lugar que lhe possibilitou

    centralizar os serviços mantendo um discurso de conciliação. Nesse modo de operar, o

    Diretor aumentou suas possibilidades de controle sobre o ensino a partir de práticas

    avaliadas, no período, como mais racionais e eficientes. Para tanto, se utilizou das

    categorias estatísticas por meio da flexibilização das normas, dando visibilidade a

    determinados elementos em detrimento de outros. Assim, o primeiro movimento da

    pesquisa se debruça nas atividades de remodelação que Almeida Júnior operou na

  • 25

    Diretoria do Ensino, nas ações e classificações homogeneizadoras que tiveram

    visibilidade durante sua gestão e na invisibilidade de categorias que não seriam objeto

    de intervenção entre as realizações então empreendidas. Foi um primeiro movimento de

    análise no sentido de mostrar as operações administrativas que suprimiram a

    diversidade por meio da institucionalização de “padrões nacionais” ao mesmo tempo em

    que se elaborou propostas para os grupos escolhidos como alvos da política

    educacional.

    A expansão quantitativa das vagas abertas para o ensino primário é tratada no

    segundo capítulo. Busquei mostrar que houve, no período, uma expansão vertical – que

    pode ser vista na abrangência de modalidades que passaram a ser contempladas pelo

    ensino primário – e horizontal, que corresponde ao aumento de número de matrículas

    registradas pelas estatísticas. Também a eficiência do ensino é analisada por meio dos

    registros acerca do rendimento da escola primária. A problemática que se estabelece é a

    relação entre esse alargamento do ensino com a especificidade do público atendido. Os

    modos pelos quais a ampliação desse atendimento foi elaborada e divulgada

    proporcionou à administração consolidar um discurso de difusão da escola primária

    pelos números expressivos que apresentou. Entretanto, essas vagas criadas não

    alcançaram maior diversidade de público no que diz respeito à questão do “atendimento

    para todos”, prevista na legislação em vigor.

    O terceiro capítulo se detém na questão dos prédios escolares. As formas pelas

    quais Almeida Júnior trabalhou com as estatísticas e com a legislação para ampliar a

    base física do ensino, de acordo com o modelo estabelecido para o crescimento do

    sistema, construíram uma realidade e nortearam as ações administrativas. O projeto e

    execução dos novos edifícios para grupo escolar diferenciou-se da arquitetura

    monumental experimentada até então. Os edifícios funcionais planejados e construídos

    deram visibilidade à expansão do ensino, sobretudo pela dimensão de alargamento do

    conceito de escola que se queria instituir.

    As práticas administrativas que circunscreveram a política expansionista foram

    atravessadas pelo discurso de democratização do ensino. Entretanto, a definição da

    demanda que seria beneficiada pelo plano construtivo se deu a partir de critérios legais e

    estatísticos que continham dispositivos excludentes. Apesar disso, a proposta de

    Almeida Júnior se tornou legítima – porque baseada em instrumentos divulgados como

    racionais – e foi anunciada como ideal para o propósito de renovação e ampliação do

    sistema, caracterizando o período como de “efervescência” em relação às construções

  • 26

    escolares. As relações políticas estabelecidas e a veiculação do plano construtivo que se

    queria efetivar permitiram ao Diretor do Ensino adquirir terrenos doados de particulares

    para as edificações por meio de leis e decretos, viabilizando a realização do

    empreendimento com o menor investimento financeiro possível por parte do Estado.

    Um intenso trabalho de reorganização das unidades já existentes também deu

    corpo à expansão da base física do ensino. Quantitativamente, o movimento de

    realocação, transferências, modificação das unidades foi o que impulsionou a ampliação

    do número das classes. No entanto, o novo modelo construtivo causou impacto pela

    visibilidade que teve no processo de reestruturação do sistema. O tipo de arquitetura

    funcional que orientou as edificações escolares urbanas fez parte de um conjunto de

    questões que envolviam a qualidade e a democratização do ensino de acordo com os

    padrões que delinearam a política expansionista.

    Mantendo as práticas de centralização e controle também em relação ao quadro

    docente, a premissa principal das ações administrativas foi aproveitar ao máximo os

    professores existentes. As formas de Almeida Júnior trabalhar com o quadro do

    magistério é o que aborda o último capítulo. A preocupação com a fiscalização e

    eficiência do pessoal foi prioritária e direcionou as ações da Diretoria do Ensino no

    sentido de criar meios para manter o mínimo de professores possível.

    As estatísticas e inquéritos foram instrumentos utilizados por Almeida Júnior

    para mostrar a existência de um excedente de professores que se formavam a cada ano.

    Comparando o número de vagas abertas nos concursos com o número de candidatos, o

    Diretor buscava dar legitimidade ao argumento de que o Estado não precisava de novos

    professores, mas de maior qualificação e vocação profissional.

    Os números dos quadros estatísticos que quantificaram e caracterizaram os

    docentes que atuaram no período ficaram de fora das análises de Almeida Júnior. Seu

    interesse era o provimento dos cargos por meio de um controle mais intenso da vida

    funcional dos professores, de seus deslocamentos pelas escolas do Estado, da forma de

    exercício da docência e sua vinculação à entidade mantenedora a qual pertenciam.

    Houve um fortalecimento nas ações de orientação, fiscalização e realocação do pessoal

    docente, de modo que foi possível uma operação de ampliação das matrículas e das

    classes, mantendo-se estável a quantidade de professores que atuou no período.

    Com essa organização, a pesquisa busca mostrar o alcance e os tipos das ações

    da Diretoria do Ensino sobre o processo de ampliação do ensino. Pretende ir além do

    estudo dos atos do poder público ou do pensamento dos líderes políticos, procurando

  • 27

    explorar as articulações entre os lugares de poder constituídos e as ações dos indivíduos

    no momento de organizar o uso dos instrumentos formais ao seu alcance. Os modos

    pelos quais Almeida Júnior fez uso das ferramentas legais e administrativas que tinha ao

    seu dispor permitiram-lhe delinear uma política com rumos específicos e decisivos na

    consolidação da expansão do ensino que ocorreu em São Paulo entre 1935 e 1938.

  • 28

    CAPÍTULO 1

    A EXPANSÃO DO ENSINO NO ESTADO DE SÃO PAULO:

    OS LUGARES DA PRÁTICA ADMINISTRATIVA

    Trabalhar na expansão do aparelho educacional e na orientação do seu

    movimento em um sentido social, nacional e democrático foi a intenção declarada na

    gestão de Almeida Júnior (SÃO PAULO, 1937b). O entendimento de que a educação

    popular paulista seria a forma de reerguer o Estado estava presente na perspectiva dos

    técnicos e dos administradores do período. O governador Armando de Salles Oliveira4

    divulgou na imprensa periódica e no Anuário do Ensino de 1937 sua preocupação em

    difundir escolas primárias, situando o problema da universalização do ensino elementar

    como questão prioritária de sua administração.

    O regime democrático constitucional instituído naquele momento no Brasil, na

    visão do governador, pressupunha uma grande massa esclarecida e consciente. Na

    mesma chave de compreensão, Almeida Júnior acreditava que o regime exigia uma

    organização do sistema de ensino de forma que a todos fossem oferecidas iguais

    oportunidades, independentemente das condições de nascimento, de fortuna, de

    residência ou outras. Esse argumento está firmado no desenho proposto pelo Manifesto

    dos Pioneiros de 19325, no qual o direito biológico – do indivíduo, segundo o princípio

    liberal – deveria ser considerado como finalidade da educação, acima do direito ou da

    situação econômica. Assim, a ação dos técnicos e administradores do ensino estava

    inserida em um movimento que visava à reconstrução do país pela reconstrução da

    escola. Esse movimento, que foi amplamente estudado pela historiografia6, está além

    dos objetivos deste trabalho, uma vez que, ao fazer um recorte temporal e eleger como

    objeto de estudo a expansão do ensino paulista, se empreende uma pesquisa específica.

    Importa ressaltar, entretanto, que foi nessa situação que Almeida Júnior buscou

    formas de centralizar o poder regulatório do aparelho do ensino na Diretoria. Por meio

    4 Armando de Salles Oliveira foi interventor no Estado de São Paulo entre 21 de agosto de 1933 a 11 de abril de 1935 e governador (eleito pela Assembleia Constituinte) de 11 de abril de 1935 a 29 de dezembro de 1936. 5AZEVEDO, Fernando et al. O manifesto dos pioneiros da educação nova. São Paulo: Nacional, 1932. 6 Entre a ampla historiografia, estudos que destacam a questão da reconstrução do país pela reconstrução da escola podem ser encontrados em Marta Carvalho (2003, 1998), Maria Lúcia Hilsdorf (2005), Cecília Hanna Mate (2002), Libânia Xavier (2002), Carlos Monarcha (2009), Paulilo (2013), Diana Vidal e Luciano Faria Filho (2002), Freitas e Biccas (2009).

  • 29

    da reorganização dos Serviços, houve a possibilidade de pôr em evidência os contornos

    que se queriam dar ao sistema de ensino do Estado.

    Desse modo, a instituição do novo modelo de construções escolares, das formas

    de uso das estatísticas – que permitiram uma maior visibilidade a determinadas

    categorias dos sujeitos da escolarização – e do controle sobre a vida funcional dos

    professores, possibilitou à Diretoria conformar um plano de governo caracterizado pela

    centralização e autoridade. Sobretudo, procurou-se construir um saber, uma verdade

    sobre a educação que legitimasse a ampliação de vagas como um progresso em si

    mesmo.

    Ao prefaciar seu livro “E a escola primária? ”, publicado em 1959, Almeida

    Júnior explicou que o título deveria ser lido não em tom de pergunta, como se o leitor

    pretendesse satisfazer uma simples curiosidade; mas com a ênfase temperada de

    irritação e censura, de quem indaga reclamando contra grave e demorado esquecimento,

    capaz de alterar para pior, irremediavelmente, a vida de um homem ou os destinos de

    uma nação. “E a escola primária? ”reuniu vários trabalhos já divulgados anteriormente,

    com ênfase na situação “lamentável” do ensino primário brasileiro. Sobretudo, foi

    destacada a pouca preocupação com esse nível do ensino, que o tornava “modesto de

    nascença” pela duração – quatro anos na zona urbana, três na zona rural – e pela baixa

    porcentagem de atendimento da população infantil. O livro “E a escola primária?”

    busca mostrar que, pelo fato de funcionar cada vez mais comprimida no tempo (regime

    de tresdobramento7) e no espaço (insuficiência de prédios), a escola pouco produzia

    como instrumento de instrução e nada fazia como influência educativa.

    7O tresdobramento consistia em manter três turnos escolares diários. A medida iniciou-se em 1928 como “solução de emergência” para um prédio escolar da Capital, mas logo se generalizou. Nessa organização, a primeira turma era atendida no período das 7h50 às 10h50. A segunda turma das 11h05 às 14h e a terceira turma das 14h15 às 17h15. Em 1937, existiam no Estado de São Paulo 113 grupos tresdobrados. Almeida Júnior era contrário a essa organização. Afirmava que os inconvenientes do tresdobramento eram de ordem técnica, higiênica e social e influíam diretamente no baixo rendimento da escola primária. Do ponto de vista técnico, entendia que a duração de três horas incompletas impedia o desenvolvimento regular do ensino e contribuía, em grande parte, para o pouco aproveitamento dos alunos. Considerava que, feitos os cálculos, era bem provável que a medida de economia tomada com o tresdobramento das escolas fosse contraproducente, pois, a despeito da redução dos programas o número de repetentes crescia com a diminuição das horas de trabalho. Observava a existência de um “marasmo técnico” em inúmeros estabelecimentos escolares devido à curta permanência das crianças e do professor na escola. O tempo mal chegava para atender à preocupação da alfabetização e do cálculo. O resto precisava ficar sacrificado. E completava: “Eis porque julgamos que a escola tresdobrada é quase um simulacro de escola, com que nos procuramos enganar a nós mesmos e satisfazer a nossa vaidade estatística” (SÃO PAULO, 1937b, p. 235).

  • 30

    Em torno da compreensão de Almeida Júnior, uma educação primária

    generalizada, completa, obrigatória na cidade e no campo, graças à qual se criariam –

    em relação a todos – as mesmas oportunidades, exigiria dos poderes públicos intensa

    atividade, planejada para tal, mostrando sua preocupação com a qualidade para além da

    quantidade. Almeida Júnior declarava que uma campanha pelo aumento do rendimento

    da escola primária não deveria rebaixar os seus padrões, aprovando em massa, mas, sim,

    obter um maior número de alunos que gradualmente se elevasse à altura desses padrões;

    “é descongestionar a escola primária ao fim de cada ano; é conciliá-la com as crianças e

    as suas famílias; é levá-las a cumprir cada vez melhor o seu dever” (ALMEIDA

    JÚNIOR, 1951, p. 275).

    Partindo dessa concepção, o Diretor do Ensino procurava, em suas análises,

    expor a reação do Estado diante da situação da escola primária. A organização que deu

    ao livro “Novos Prédios para grupo escolar”, publicado no ano de 1936, permitiu-lhe

    avaliar a questão da insuficiência e abriu espaço para uma reflexão acerca de alguns

    aspectos da expansão do sistema de ensino no Estado de São Paulo. O texto elaborado

    por Almeida Júnior questiona:

    Ante a pressão cada vez maior das crianças que reclamam escola, como tem procedido o Estado? Como respondeu ele, nestes últimos quinze anos, a duplicação da população entre sete e quatorze anos? De duas maneiras: ou fechando os ouvidos, ou recorrendo a paliativos. Uma das formas de resolver os problemas é ignorá-los. No caso das crianças que pedem lugar na escola, a solução consiste, em boa parte, em negar-lhes o que reclamam. "Não há vaga", é a resposta forçada dos diretores de grupo escolar, no início do ano letivo, a centenas de pedidos de matrícula. "Não há vaga” é o que se lê nas tabuletas afixadas em fevereiro, à porta das escolas. Tem sido mesmo necessário, algumas vezes, o auxílio da polícia, para dispersar os pais que, diante dos estabelecimentos de ensino, exigem lugar para os filhos (SÃO PAULO, 1936b, p. 18).

    Nesse relato, Almeida Júnior ainda informa que no começo de cada ano letivo, a

    Diretoria do Ensino recebia insistentemente – pelo telégrafo, pelo telefone, por ofícios,

    por cartas, pelas “descomposturas da imprensa” – os “contrachoques desse impulso

    formidável e improfícuo que anima a população infantil, para ingressar na escola”. O

    Diretor considerava que o movimento representava um ótimo índice de adiantamento do

    povo; por outro lado, reconhecia ser um índice doloroso da insuficiência do

    aparelhamento escolar do Estado.

    A imprensa, conforme anunciou o Diretor do Ensino, também dá mostras da

    procura por escola pela população. O Jornal Folha da Manhã noticiava que

  • 31

    O Estado não consegue dar sequer escolas as crianças que as solicitam, requerendo matrícula. Nem mesmo na Capital, onde a questão da localização viria a ser secundária, os grupos escolares puderam atender aos pedidos que receberam. E aqui aparece integralmente a gravidade da situação porque, enquanto se fazem recenseamentos para apurar quantas crianças estão sem escolas e para saber onde devem essas escolas ser localizadas, eis que os candidatos comparecem em massas aos estabelecimentos existentes e aí dão com o nariz na porta. Mais um, menos dois grupos escolares, não alteram a situação, que de qualquer modo é péssima, pois que aqui mesmo na Capital se contam por dezenas e dezenas de milhar as crianças condenadas ao analfabetismo por falta de escolas (FOLHA DA MANHÃ, 12, fev. 1936, p. 6)

    A partir do texto divulgado por Almeida Júnior e da publicação da imprensa

    periódica, é possível analisar alguns aspectos da demanda e da oferta de vagas na escola

    primária naquele período. Nas primeiras décadas do século XX, houve, de acordo com

    Marta Carvalho (2003), o intento de expandir a escola “nacionalizando” as populações

    operárias rebeldes à ordem republicana instaurada e incorporando as populações até

    então marginalizadas. Se em um primeiro momento a disseminação do alfabeto e a

    urgência da generalização da escola se impuseram como meta republicana, a partir da

    década de 1920, a crítica à escola alfabetizante passa a ser tópico na retórica da

    legitimação política. Segundo a autora, foi nessa disputa que “sedimentou-se nos meios

    políticos e intelectuais a convicção de que não cabia ao analfabetismo a culpa do atraso,

    do desgoverno, da anarquia e dos muitos males que afligiam o país” (CARVALHO,

    2003, p. 154). Eram mais nocivas, culpáveis e condenáveis as elites mal preparadas que

    governavam e as legiões sempre crescentes de semianalfabetos que as sustentavam.

    Nesse sentido, ocorreu um deslocamento na compreensão dos modos de difusão da

    escola primária, visto que a simples instrução passou a ser vista como uma arma

    perigosa. Nesse movimento, a “elite urbana letrada” se responsabilizaria por “moralizar

    os costumes”, de acordo com um programa modernizador acionado nas campanhas

    cívicas pela causa educacional.

    Já Zeila Demartini (1989) discute acerca das versões historiográficas que

    enfatizam a escassez da demanda social de educação derivada da estrutura sócio-

    econômica. Na compreensão da autora, a perspectiva de um esforço do Estado

    republicano em expandir a escolarização correspondente a uma resistência das camadas

    mais baixas da população é questionável. A autora chama a atenção para o fato de que

    não havia só um esforço de uma elite “esclarecida” em disseminar a instrução primária,

  • 32

    mas que a demanda por escola existia8, tendo sido canalizada pelas elites e partidos

    políticos (DEMARTINI, 1989, p. 47).

    O texto elaborado por Almeida Júnior (SÃO PAULO, 1936b, p. 18) corrobora

    com a compreensão de Demartini de que, de fato, havia demanda pela escola primária.

    Para Almeida Júnior (1951), o regime democrático permitiu o crescente clamor das

    massas que começaram a forçar as classes dirigentes a olharem um pouco mais para a

    educação popular. Se, por um lado, havia necessidade de esforços da administração

    pública em reorganizar o sistema de ensino de forma a atender a massa da população

    buscando o controle e a ordem nacional pela moralização dos costumes, a população

    também demandava escola por motivos ligados à resolução de problemas imediatos e

    “pela crença de que a escolarização poderia propiciar melhorias nas condições de vida”

    (DEMARTINI, 1989, p. 53).

    A administração de Almeida Júnior localiza-se, assim, em um momento

    posterior às sucessivas reformas do ensino efetivadas por legislações muitas vezes

    contraditórias, decorrentes do pensamento educacional em voga no momento. Os

    estudos de Ana Maria de Almeida (2009) mostram que a demanda pela escola aumentou

    na medida em que o tipo de organização econômica passou a requerer uma

    intensificação das atividades formadoras em um nível que dificilmente poderia ser

    assumido pelas famílias, que, por sua vez, delegaram parte do seu trabalho de formação

    a instituições especializadas. Dessa forma, a escola tornou-se predominante, na mesma

    medida em que o espaço de produção econômica cresceu e tornou-se mais complexo.

    Segundo a autora, historicamente esse processo foi acelerado pela ação dos

    reformadores que se engajaram nas lutas pela construção dos Estados Nacionais

    europeus, sobretudo ao longo do século XIX. Também no Brasil, essas lutas resultaram

    na constituição da escola única, obrigatória e tutelada pelo Estado “como dispositivo

    fundamental de produção do cidadão, este sujeito social cuja lealdade se quer dirigida

    para a Nação e não para o grupo familiar ou para a igreja e cujo destino social se quer

    8 Ana Maria Infantosi (1983) ao estudar a expansão do ensino na República Velha, entendeu que a intensificação do processo de urbanização interferiu no crescimento social por educação, assim como Demartini. Infantosi concluiu que a instrução passou a ter alguma utilidade para a população, uma vez que abria perspectivas para o mercado de trabalho. Apesar da ampliação das vagas verificada, que dava aparência democrática ao ensino, a escola conservava em sua essência um caráter elitista relacionado à sociedade patrimonialista. Diferentemente do que se argumenta aqui, Infantosi buscou avaliar a importância da educação escolarizada na Primeira República a fim de verificar os vínculos entre as mudanças no ensino paulista e a estrutura socioeconômica daquele período, enfatizando o transplante cultural. Nesse sentido a autora reafirma a ideia de que a necessidade de disseminação das instituições de ensino elementar em São Paulo representou, para as elites, “mais pressões de interesses do Estado do que produtos das aspirações populares” (p. 144).

  • 33

    desvinculado do nascimento, de forma a concretizar a promessa da democracia

    moderna” (ALMEIDA, 2009, p. 23).

    Nesse aspecto, percebe-se, entre 1935 e 1937, um esforço por parte dos

    administradores do Estado de São Paulo no sentido de ampliar as vagas da escola

    primária com o objetivo de proporcionar um “índice indiscutível de progresso” por

    meio da “instrução generalizada” (CAMPOS, 1936). Entretanto, a demanda da

    população pela escola crescia de forma tal que superava a oferta. Nesse movimento, a

    estatística escolar foi o instrumento utilizado pela administração pública para mensurar

    a expansão do ensino por meio das categorias a que se queria dar visibilidade e nas

    quais se fundamentariam as ações governamentais.

    Nesse sentido, o capítulo busca mostrar as formas pelas quais se estruturou o

    aparelho do ensino no período, visando à sua expansão. Para tanto, divide-se em três

    movimentos. Inicialmente, apresenta o lugar construído por Almeida Júnior na

    administração do ensino. Em seguida, trata das ações e categorias que tiveram

    visibilidade no processo de ampliação do sistema, quais sejam a reestruturação dos

    serviços para um maior controle do pessoal, especialmente dos professores, as

    edificações escolares e os modos pelos quais a estatística foi utilizada. Depois, destaca

    as categorias que ficaram ocultas nas estatísticas, tornando invisíveis determinados

    sujeitos para os quais não houve propostas de intervenção administrativa.

    1.1 O lugar construído: um discurso de conciliação

    A partir da década de 1930, constituíram-se progressivamente, mas não de forma

    contínua, diferentes maneiras de produzir ingerências entre as instâncias do poder

    público. A criação do Ministério da Educação e Saúde9 (1930), o Conselho Nacional de

    Educação (1931), o Convênio Interadministrativo de Estatística Escolar (1931), a

    Constituição Federal (1934), o Instituto Nacional de Estatística (1934), que deu origem

    ao IBGE (1938), podem ser considerados uma “construção institucional” (MICELI,

    1979) para garantir a modernidade do governo central. O Manifesto dos Pioneiros da

    Educação Nova (1932), como ampliação da política reformista (MATE, 2002), e o

    Código de Educação (1933) no Estado de São Paulo, como um conjunto extenso de

    9 Decreto nº 19.402, de 14 de novembro de 1930, regulamentado pelo Decreto nº 19.444 de 01 de dezembro de 1930.

  • 34

    normatizações, estavam articulados a essa “modernização” do aparelho burocrático

    administrativo do setor educacional.

    A singularidade da situação de instabilidade política atravessada pelo Estado de

    São Paulo entre os anos 1930 e 1940 fez com que Almeida Júnior se colocasse em uma

    posição de “meio termo” em relação à administração do ensino. Ligado aos princípios

    norteadores do projeto de renovação educacional, deu continuidade às grandes linhas

    das reformas anteriores, quais sejam as realizadas por Lourenço Filho (1931) e

    Fernando de Azevedo (1933).

    Cecília Hanna Mate (2002, p. 80), no estudo sobre a constituição do sistema

    escolar paulista no início da década de 1930, percebeu um continuum nos projetos

    pedagógicos implantados nessa década em relação àqueles dos anos de 1920,

    principalmente no que diz respeito ao ideário escolanovista. A autora sugere que tais

    projetos tenderam, após 1930, a readaptar-se criando novas relações com os níveis de

    poder que então se constituíam. Frutuoso (1999, p. 130) defende que a forma

    conciliadora de Almeida Júnior agir enquanto diretor do Ensino o manteve no cargo por

    quase três anos, mesmo depois do golpe do Estado Novo. Souza (2011, p. 357) também

    entende que a atuação de Almeida Júnior se deu não no sentido de introduzir mudanças,

    mas de conciliação. Segundo a autora, ele foi leal aos princípios da educação moderna e

    ao grupo de educadores do qual fazia parte, norteando sua atuação em conformidade

    com as normas fixadas pelo Código de Educação.

    Esse Código foi instituído pelo Decreto nº 5.884, em 21 de abril de 1933.

    Composto por 992 artigos buscou, de acordo com as considerações presentes em seu

    preâmbulo, coordenar e unificar toda a legislação escolar do Estado de São Paulo. Na

    introdução do Código, A. Meirelles Reis Filho, então Secretário de Estado da Educação

    e da Saúde Pública, afirma a necessidade de tal legislação pelas exigências da situação

    social e econômica que impunham a reorganização, em novas bases, das instituições

    escolares existentes e a criação de serviços, ainda não previstos na legislação anterior.

    Mate (2002) mostra que a entrada de Fernando de Azevedo na Diretoria da

    Educação e a mudança do nome da revista Educação para Revista de Educação

    antecederam a publicação do Código. Tendo como programa a reconstrução

    educacional brasileira, o grupo de renovadores, representado por Fernando de

    Azevedo, engendrava espaços de atuação e legitimava discursos referentes à

    necessidade de racionalização de todas as atividades pedagógicas ou administrativas por

    novas formas de ordenação e disciplina dos espaços escolares. Segundo a autora, esse

  • 35

    movimento acabou por se concretizar com a publicação do Código de Educação de

    1933, que não se constitui em obra de uma só pessoa. Cada parte do Código foi

    elaborada por comissões, das quais faziam parte Almeida Júnior, Roldão Lopes de

    Barros, João Toledo, Noemy Silveira, Sampaio Dória e vários outros nomes que já

    vinham atuando desde a década anterior na organização do ensino paulista.

    Ainda que defensor dos ideais escolanovistas e do Código de Educação do qual

    fizera parte, Almeida Júnior se posicionou entre o novo e o tradicional. Adotou um

    discurso de “meio termo”, o que caracterizou sua gestão como um modo de interpretara

    mudança educacional, “tendo em vista os constrangimentos impostos pelas condições

    efetivas da educação pública no Estado” (SOUZA, 2011, p. 359). De acordo com

    Viviani (2008), o posicionamento de Almeida Júnior representou uma estratégia política

    característica dos educadores conhecidos como renovadores do ensino, que se inseriram

    em um espaço de atuação política marcado pela técnica. Dessa forma, pode assumir

    uma importante função no processo de lutas de representação associadas à

    hierarquização e ordenamento da estrutura social, divulgando um tipo de educação de

    maior inovação da época.

    De fato, a rede de relações na qual Almeida Júnior estava envolvido o coloca

    entre os “progressistas”, na expressão de Fernando de Azevedo, justificando sua forma

    de atuação quando Diretor do Ensino10. Para Sirinelli (2003, p. 248, 249), o núcleo

    central do meio intelectual, ou esse “pequeno mundo estreito”, é percebido por meio das

    estruturas da sociabilidade, ou seja, pela circulação dos sujeitos em lugares onde os

    laços se atam em torno de um periódico ou da participação de um manifesto. Sobretudo,

    a rede de relações de Almeida Júnior caracterizou-se pelas amizades, rivalidades e pela

    adesão aos ideários do grupo de renovadores da educação. Participou da reforma

    Sampaio Dória (1920), do “Inquérito sobre o ensino” promovido pelo jornal O Estado

    de S. Paulo (1926), fazendo parte do círculo de amizades do chamado “grupo

    Mesquita”, assinou o Manifesto dos Pioneiros (1932) e auxiliou Fernando de Azevedo

    na construção do Código de Educação (1933). Almeida Júnior também foi professor de

    francês de Lourenço Filho e, posteriormente, de Medicina Legal na Faculdade de

    Direito do Largo de São Francisco. Frequentava a redação da Revista do Brasil, dirigida

    por Monteiro Lobato, na qual, segundo suas próprias palavras, muitos intelectuais com

    diferentes formações e opiniões se reuniam. Entre eles, destaca Martim Francisco, Artur

    10A biografia completa de Almeida Júnior e sua rede de relações podem ser encontradas nas publicações de Raquel Gandini (2010, 2011).

  • 36

    Neiva, Manequinho Lopes, Plínio Barreto, Felinto Lopes, Paulo Setúbal, Wasth

    Rodrigues, Roberto Moreira, Amadeu Amaral, Oswald de Andrade (ALMEIDA

    JÚNIOR, 1966, p. 165-166).

    Almeida Júnior ainda participou das Conferências Nacionais de Educação

    promovidas pela Associação Brasileira de Educação (ABE), fundada em 1924.

    Considerava como “amigos e colegas” alguns Chefes de Serviço da Diretoria do Ensino

    do Estado, como Euzebio de Paula Marcondes eFrancisco Jarussi; o redator da “Revista

    de Educação”, Hernaudino Martins Rocha; o pessoal ligado à escola Normal “Padre

    Anchieta”, como Juvenal Wagner Vieira da Cunha. Também os Diretores do Ensino

    que o antecederam estavam presentes em sua rede de relações, como seu

    antecessorimediato Luiz da Motta Mercier, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho. No

    âmbito federal, observa-se certo distanciamento em relação ao Ministro Gustavo

    Capanema, por meio das críticas que Almeida Júnior fez a suas intenções e pareceres.

    No âmbito estadual, tinha ideias diversas daquelas apresentadas por Sud Mennucci11,

    divulgadas em vários momentos pela imprensa periódica.

    As relações que se estabeleceram em torno da redação da Revista do Brasil e do

    jornal O Estado de S. Paulo mantiveram-se por muitos anos. Inserido nesse grupo,

    Almeida Júnior participou da comissão encarregada por Armando de Salles Oliveira

    para elaborar o anteprojeto de criação da Universidade de São Paulo. Presidida por Júlio

    de Mesquita Filho, a referida comissão foi composta pelos professores Vicente Ráo,

    Fernando de Azevedo, Fonseca Telles, Theodoro A. Ramos, A. da Rocha Lima, Raul

    Briquet, André Dreyfus, Almeida Júnior e Agesilau Bittencourt. Era amigo pessoal do

    Secretário da Educação, Cantídio de Moura Campos, do qual fora aluno na Faculdade

    de Medicina. Por intermédio do Secretário, foi indicado para o cargo de Diretor do

    Ensino ao governador do Estado, Armando de Salles Oliveira, tornando-se defensor de

    seu programa de governo. Nesse sentido, a rede de sociabilidade de Almeida Júnior lhe

    11Sud Mennucci era filiado à corrente dos ruralistas pedagógicos. Souza e Ávila (2014) abordam as discussões acerca do embate entre os defensores da escola comum e da ruralização do ensino. Por um lado, existia a concepção dos adeptos do ruralismo pedagógico, cujo objetivo era promover condições de permanência do homem na zona rural. De outro, havia o movimento de renovação educacional e a defesa de uma escola comum, tanto no campo, quanto na cidade. Sud Mennucci teve espaço na imprensa periódica para tratar de várias questões do ensino. Apesar de sempre justificar sua fala afirmando que não tinha intuito de oposição, fazia comparações entre sua atuação na Direção do Ensino paulista e a “atual” administração, compondo suas análises com frases como “verifico mais uma vez que São Paulo não quer entender a verdadeira situação estatística de seu problema escolar”. Quando da divulgação da criação de 250 novas escolas em 1936, Sud Mennucci se pronunciou afirmando que se entristeceu com a notícia, uma vez que o número não correspondia ao aumento necessário em relação à demografia (SUD MENNUCCI para o jornal FOLHA DA MANHÃ, 12 de março de 1937, p. 6).

  • 37

    possibilitou manter e divulgar suas ideias no interior de um programa político que vinha

    se constituindo no Estado de São Paulo desde o Manifesto dos Pioneiros de 1932.

    A administração Almeida Júnior ficou marcada, assim, pelo seu posicionamento

    discursivo de “conciliador” (FRUTUOSO, 1999; MATE, 2002; SOUZA, 2011;

    GANDINI, 2010). Essa interpretação confere com a própria maneira de Almeida Júnior

    apresentar o seu plano de trabalho e administração (SÃO PAULO, 1936a, p.5). Na

    abertura do Anuário do Ensino de 1935-1936, declarou que desenvolveria seu trabalho

    sem “desmontar peça por peça do aparelho educacional” para depois reorganizá-lo à sua

    moda. Almeida Júnior afirmava ainda que suas propostas seriam ajustadas de acordo

    com a consciência de um educador que buscava aproveitar as lições da experiência

    local. Pretendia atender à modernização didática imposta p