35582924 revista sustentabilidade em debate

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o Vol.1 - N 1 Janeiro-Junho 2010 ISSN 2177-7665

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oVol.1 - N 1Janeiro-Junho

2010

ISSN 2177-7665

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Universidade de Brasília

Revista

Sustentabilidade em DebateVolume 1 - Número 1

Brasília - DFJaneiro-Junho

2010

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Copyright © 2010 by Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília.

É permitida a reprodução dos artigos desde que se mencione a fonte

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIAReitor: José Geraldo de Souza Júnior

CENTRO DE DESENVOLVIMENT O SUSTENTÁVELDir etor: Elimar Pinheiro Nascimento

LABORA TÓRIO DE ENERGIA E AMBIENTE - F ACULDADE DE TECNOLOGIADir etor: Antonio Cesar Pinho Brasil Junior

LABORA TÓRIO DO AMBIENTE CONSTRUÍDO INCLUSÃO E SUSTENT ABILIDADECoordenadora: Raquel Naves Blumenschein

REVISTA SUSTENTABILIDADE EM DEBA TE

Editor es Responsáveis: José Augusto Drummond e Marcel Bursztyn

Editora Executiva: Maria Beatriz Maury de Carvalho

Web Designer: Marcelo Persegona

Ar te da Capa: Stefânia Montiel.

Diagramação: Ruy Alcides de Carvalho Neto

Periodicidade: semestralSistema de avaliação: double blind peer reviewDivulgação: eletrônica e impressa

Endereço para submissão de artigosrevista.sustentabilidade.unb.br

Endereço para correspondência ao CDSCampus Universitário Darcy Ribeiro - Gleba A, Bloco C - Av. L3 Norte, Asa Norte - Brasília-DF,CEP: 70.904-970 (Junto ao Centro de Excelência em Turismo - CET) Telefones: 55(61) 3107-6000, 3107-6001, 3107-6002, Fax: 3107-5972

Sustentabilidade em debate – Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade deBrasília, v. 1, n. 1 (2010 - ). – Brasília

Semestral ISSN 2177-76751. Desenvolvimento Sustentável. Universidade de Brasília. Centro de Desenvolvimento

Sustentável. CDU 304:577

Impr esso no Brasil

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Conselho Editorial

Presidente

José Augusto Drummond (UnB)

Membros

Alain Cavalcanti Cunha (UFAP )

Asher Kiperstok (UFBA)

Bertha Becker (UFRJ)

Carolina Joana da Silva (UNEMAT)

Francisco Ferreira Cardoso ( USP)

Ignacy Sachs ( EHESS - França)

Jalcione Almeida (UFRGS)

Jean-François Tourrand (CIRAD - França)

Laura Maria Goulart Duarte (UnB)

Marilene Corrêa da Silva Freitas (UFAM/ UEA)

Mário Monzoni ( FGV )

Neli Aparecida de Mello Théry (USP)

Othon Henry Leonardos (UnB)

Roberto Bartholo Jr. (UFRJ)

Suely Salgueiro Chacon (UFC)

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Sumário

Prefácio.........................................................................................................................7

Editorial ........................................................................................................................9

Responsabilização Pós-Consumo e Logística Reversa: O Caso dasEmbalagens de Agrotóxicos no BrasilJosé Luís Said Cometti e Isabel Teresa Gama Alves...................................................13

Fatores Político-Econômicos do Desmatamento na Amazônia OrientalJefferson Lorencini Gazoni1 e José Aroudo Mota.......................................................25

Unidades de Conservação de Santa CatarinaMariana Vitali e Vivian Mara Uhlig............................................................................45

A Importância do Capital Institucional na Sustentabilidadedo Desenvolvimento TerritorialJuliana Dalboni Rocha.................................................................................................65

O Capital Social nas Políticas Socioambientais: entre aPanacéia e o Bom Uso do ConceitoIgor Ferraz da Fonseca.................................................................................................81

Saúde Ambiental: uma Análise dos Resultados das ConferênciasNacionais de Meio Ambiente, Saúde e Saúde AmbientalMaria Beatriz Maury de Carvalho, Marco Aurélio Bilibio,Luiza Lavinski e Fréderic Mertens...............................................................................95

Mudanças Climáticas: Mais Barato Agir do que IgnorarMarli T. Santos...........................................................................................................115

A “Insularização” dos Continentes e a Perda de BiodiversidadeMaira Smith................................................................................................................119

Avaliação de Ciclo de Vida: Ferramenta doPensamento SistêmicoMaria Beatriz Maury de Carvalho..............................................................................125

Entr evista: Armando Caldeira-Pires ..................................................................129

Normas Para Publicação.........................................................................................135

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Prefácio

Esta revista tem um caráter multi-institucional. Ela é uma iniciativa do Centro de Desenvolvimento

Sustentável (CDS), juntamente com o Laboratório do Ambiente Construído, Inclusão e Sustentabilidade

(LACIS), alocado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), e do Laboratório de Energia e

Ambiente (LEA), da Faculdade de Tecnologia (FT), todos da Universidade de Brasília (UnB).

Sustentabilidade em Debate nasce de maneira despretensiosa, mas provavelmente terá uma bela

trajetória. Essa minha expectativa deve-se a três aspectos.

Em primeiro lugar, pelo fato de ela reunir três instituições diferentes, mas complementares, e mes-

mo inter-relacionadas, compondo um corpo respeitado e produtivo de pesquisadores, capaz de mobili-

zar inteligências em torno de um projeto. São pesquisadores presentes em espaços diferenciados da

academia no Brasil e no mundo.

A segunda deve-se ao fato de que a questão da sustentabilidade é uma idéia da moda, que tem

grande receptividade e repercussão na sociedade, tendência essa que provavelmente permanecerá ainda

por algum tempo. Por caminhos diversos, ela sensibiliza e atrai pesquisadores em todo o mundo. Para

alguns é um desafio científico, para outros é uma utopia a ser perseguida e para outros, ainda, de forma

quase religiosa, surge como o único caminho a ser trilhado pela humanidade se ela quiser atravessar os

próximos séculos enquanto espécie.

Finalmente, temos o fato de que não existe na língua portuguesa uma revista acadêmica voltada

especificamente para esta temática. Há revistas, inclusive prestigiosas, que abordam a temática, mas não

são especializadas nela. Esta é. Assim ela poderá preencher uma lacuna.

O grande desafio para percorrer a trajetória do sucesso acadêmico é conhecido: a disponibilidade

de recursos - humanos e financeiros - para assegurar a continuidade e a melhoria da proposta. Se as

instituições que promovem a revista conseguirem enfrentar com sucesso este desafio, a boa trajetória

estará garantida. Ganharão as instituições, mas, sobretudo, a academia e a sociedade.

Elimar Pinheiro do NascimentoDiretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável

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Editorial

Um Novo Espaço para o Debatesobre Sustentabilidade

José Augusto DrummondMaria Beatriz Maury

Marcel Bursztyn

A degradação ambiental e os seus impactos sobre os sistemas que asseguram a vida estão entre os

grandes desafios a serem enfrentados pela humanidade. A criatividade e o desenvolvimento de conheci-

mentos científicos e tecnológicos nos levou a uma situação paradoxal: somos capazes de reduzir as

fragilidades e limitações da vida, mediante avanços na área médica, na biologia, na saúde pública, mas

somos reféns das conseqüências do progresso material e existencial. Quanto mais avançamos, mais fica

evidente que precisamos criar soluções para os problemas gerados pelo nosso avanço.

A Universidade, como fonte de conhecimentos, tem papel de destaque nesse processo, seja como

parte do problema, seja como parte da solução. Novos caminhos para o enfrentamento do complexo

desafio ambiental estão sendo construídos em diferentes instituições acadêmicas. Isso significa que impor-

tantes mudanças estruturais estão em curso, no seio da Academia. Inevitavelmente, surgem reações de

parte das estruturas de poder que se consolidaram nestas instituições ao longo de várias décadas.

Ao longo do século XX, a Universidade evoluiu segundo uma lógica orientada pela especialização,

que expressou um duplo fenômeno: fragmentação (de disciplinas gerais em outras mais específicas) e

agregação (de campos oriundos de diferentes disciplinas, em torno de uma nova matéria). No primeiro

caso, um exemplo é o formidável desdobramento verificado nas engenharias, que outrora se organiza-

vam em torno do conceito de politécnica. São exemplos do segundo caso os cruzamentos disciplinares,

como Biofísica, Etnobotânica, Geofísica ou Bioengenharia.

Recentemente, um novo fenômeno tem marcado o desenho institucional da Universidade: a

interdisciplinaridade, que é mais do que a mera soma de componentes de disciplinas. Trata-se, no caso,

da integração (diferente da fragmentação e da agregação) de disciplinas. Isso exige método, novas

práticas e mesmo a revisão do tecido institucional da Academia.

Portanto, se o século XX foi marcado pela tendência à especialização, a perspectiva para esse novo

século é de que a interdisciplinaridade adquira crescente espaço na organização da pesquisa e da forma-

ção de pessoas.

Sobre o campo científico interdisciplinar que trata das questões ambientais em geral e do desenvol-

vimento sustentável em particular, cabe assinalar que existe um movimento em escala mundial de expan-

são, tanto na Universidade, quanto em instituições de pesquisa não-acadêmicas. Passaram-se quase

quatro décadas desde a Conferência Mundial sobre Meio Ambiente Humano da ONU (Estocolmo -

1972); mais de duas décadas desde o lançamento do conceito de sustentabilidade, pelo Relatório

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Brundtland, de 1987; e quase duas décadas desde a Rio-92. A “questão ambiental” se consagrou nas

esferas políticas, de governo, da governança internacional, das atividades econômicas e, não poderia ser

diferente, na Academia.

Programas acadêmicos interdisciplinares proliferam no Brasil. Começando à época da Rio-92, em menos

de duas décadas já contamos com cerca de 70 programas de pós-graduação em nível de mestrado ou doutorado

voltados a temas que gravitam em torno da sustentabilidade. É o grupo que mais cresce no universo de progra-

mas credenciados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior - Capes.

Num balanço dessa trajetória, alguns aspectos podem ser destacados, além do rápido crescimento:

fórmulas originais de organização, tratamento de temas com alto grau de complexidade (interdisciplinares),

dificuldade em legitimação no interior de suas respectivas instituições universitárias, gargalos na identifica-

ção de periódicos especializados (afinal, trata-se de uma não-especialização!), busca de uma ainda não

clara métrica de avaliação dos resultados da pesquisa e elevado grau de empregabilidade de seus egressos.

O momento atual é de consolidação: nas universidades, junto às agências de fomento, na constitui-

ção de organismos de representação (cite-se aqui a criação da Associação Nacional de Programas de

Pós-Graduação - ANPPAS, em 2000), dos mecanismos e critérios próprios de avaliação por pares, de

veículos para a publicação de resultados.

A institucionalização do tratamento da sustentabilidade na Academia passa pela formação de uma

identidade de comunidade epistêmica própria, com seus postulados, conclusões e métodos validados

como saber científico e, como em qualquer campo do conhecimento, implica na criação e consagração

de fóruns próprios para o debate e a difusão de conhecimentos.

A idéia de criar a Revista Sustentabilidade em Debate é produto da percepção desse momento.

Ao longo de seus 15 anos de existência, o Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de

Brasília formou mais de 500 mestres e doutores em Desenvolvimento Sustentável, além de cerca de 350

especialistas na matéria. Na mesma universidade, surgiram o Laboratório de Energia e Ambiente - LEA,

vinculado à Faculdade de Tecnologia, e o Laboratório do Ambiente Construído, Inclusão e

Sustentabilidade - LACIS, criado em 2005. Estas três unidades acadêmicas operam de forma integrada,

cada uma cumprindo um papel específico, em formação, pesquisa científica e tecnológica e extensão.

Pretende-se com a criação dessa revista, ampliar o espaço interdisciplinar para o debate e difusão

de conhecimentos relevantes, mediante análise prévia do grau de consistência científica dos trabalhos

submetidos. Para tanto, adota-se o princípio da avaliação por pares do tipo double blind review. A

revista está aberta a toda a comunidade acadêmica nacional e internacional, e tem o objetivo de servir

como referência e fórum de debates sobre sustentabilidade.

Podem ser submetidos textos de diversos gêneros - artigos relatando resultados de pesquisas,

notas sobre pesquisas em andamento, revisões de literatura, textos de metodologia, resenhas de livros,

softwares, DVDs etc. Haverá ainda espaço para entrevistas e notas informativas sobre assuntos de

interesse dos profissionais engajados no campo da sustentabilidade.

Esperamos que a revista receba contribuições de peso que permitam que ela alcance penetração na nossa

comunidade científica, para bem divulgar os caminhos e os resultados de nossas reflexões e intervenções.

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Artigos

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Responsabilização Pós-Consumo eLogística Reversa:

O Caso das Embalagens deAgrotóxicos no Brasil

As embalagens vazias de agrotóxicos apresentam risco de contaminaçãohumana e ambiental. Este trabalho apresenta uma análise, sob a ótica dasustentabilidade, do sistema de recolhimento e destinação final das em-balagens de agrotóxicos no Brasil, criado a partir da Lei 9.974/2000, queestabeleceu responsabilidades pela embalagem pós-consumida. Em 2002,foi criado o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias(Inpev) que utiliza o princípio da Logística Reversa, objetivando retornodas embalagens ao ciclo de negócios por meio da reciclagem. Verificou-se que o sistema vem contribuindo para a redução de impactos ambientaise necessita de alterações visando a sustentabilidade.

José Luís Said Cometti1, Isabel Teresa Gama Alves2

1 Engenheiro Ambiental, Mestre em Desenvolvimento Sustentável eAnalista Ambiental da Agência Estadual de Meio Ambiente de

Pernambuco.e-mail: [email protected].

2 Engenheira Agrônoma, Pós-Doutora em Desenvolvimento Sustentável ePesquisadora Associada da Universidade de Brasília

[email protected]

RESUMO

ABSTRACT

The pesticides packages bring risk of human and environmentalcontamination. This paper presents an analysis from the perspective ofsustainability, system of collection and disposal of pesticides packagesin Brazil, created from the Law 9974/2000, which established liabilityfor after consumption packaging. In 2002 was created the NationalInstitute of Packaging Processing (Inpev) that uses the principle ofReverse Logistics, aiming to return the packages to the business cycleby recycling. It was found that the system has contributed to thereduction of environmental impacts and requires amendments tosustainability.

Recebido em 15.01.2010Aceito em 07.05.2010

Palavras-Chave:Pós-consumoLogística ReversaEmbalagens de agrotóxicosSustentabilidade

Key-words:After consumptionReverse LogisticsPesticide packagesSustainability

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Responsabilização Pós-Consumo e Logística Reversa

Intr odução

As embalagens vazias de agrotóxicos1 enqua-dram-se na categoria de resíduos perigosos pelo seupotencial de toxicidade e contaminação, conforme aNBR 10.004 (ABNT, 2004). Essas características depericulosidade são conferidas às embalagens deagrotóxicos, pois, após a sua utilização, a embala-gem geralmente contém resíduos do produto ativo.

Se descartadas no ambiente em controle, asembalagens de agrotóxicos podem produzirpercolados potencialmente tóxicos e migrar paraáguas superficiais e subterrâneas, contaminando o soloe lençóis freáticos (CEMPRE, 2000). Outro proble-ma encontrado é a reutilização das embalagens deagrotóxicos como utensílios domésticos para o acon-dicionamento de água e alimentos, podendo provo-car contaminação humana.

Para minimizar o problema da destinação finaldas embalagens de agrotóxicos no Brasil, foi promul-gada a Lei n° 9.974, de 06 de junho de 2000, queatribui ao fabricante a responsabilidade peladestinação final da embalagem do produto pós-con-sumido e ainda compartilha deveres entrerevendedores, agricultores e o próprio Governo.

No Brasil, para atender a legislação vigente, osfabricantes de agrotóxicos criaram o Instituto Naci-onal de Processamento de Embalagens Vazias – Inpev.O Inpev é uma organização específica para tratar daquestão das embalagens vazias de agrotóxicos, deforma autônoma, com uma estrutura especializada,focada exclusivamente no tema do processamento deembalagens que depois devidamente recolhidas sãodestinadas à reciclagem ou à incineração. Para geriro processo, o Inpev utiliza o conceito de LogísticaReversa, podendo ser definida em linhas gerais, comoa área da Logística Empresarial que trata do retornode produtos pós-vendidos e/ou consumidos ao seucentro produtivo.

Nesse contexto, o presente artigo tem comoobjetivo analisar, sob a ótica da sustentabilidade, osistema de destinação final de embalagens deagrotóxicos e a legislação brasileira, enfatizando aresponsabilização pós-consumo e a estratégia degerenciamento de resíduos baseada na LogísticaReversa.

Para tanto, a primeira parte do trabalho apre-senta uma descrição sobre a responsabilização pós-consumo na legislação dos Estados Unidos, de al-guns países da Europa e do Brasil, visando estabele-cer concordâncias e tendências. A segunda partemostra o conceito de Logística Reversa e sua contri-buição para o gerenciamento de resíduos sólidos. E aterceira parte faz uma análise do sistema brasileiro derecolhimento e destinação final das embalagens vazi-as de agrotóxicos, identifica alguns gargalos e opor-tunidades para melhoria do sistema. Destacou-se asseguintes dimensões da sustentabilidade proposta porSachs (2002): na dimensão social, a equidade do aces-so dos agricultores ao sistema; na cultural, as campa-nhas educativas desenvolvidas pelo governo e fabri-cantes de agrotóxicos; na ambiental, a destinação fi-nal dada as embalagens recolhidas; na econômica, ocusto do sistema; e na política, o trabalho desenvol-vido pelos fabricantes e governo para implantaçãodo sistema.

A pesquisa classifica-se como exploratória dotipo descritiva, quanto aos fins e quanto aos meios,bibliográfico, documental e campo. Fez-se um levan-tamento da legislação nacional e internacional sobrea destinação final de embalagens e dadosinstitucionais. Realizou-se visitas técnicas em empre-sas de comercialização de agrotóxicos, unidades derecebimento de embalagens vazias de agrotóxicos eentrevistas semi-estruturadas com atores que com-põem o sistema (agricultores, fabricantes, comerci-antes e governo).

Responsabilização Pós-Consumo

A responsabilização ambiental pós-consumo dizrespeito à extensão do âmbito da responsabilidadecivil ambiental visando à prevenção e reparação dedanos ambientais causados pelos resultados de umdado processo produtivo que já tenham deixado àesfera do produtor ou fabricante por sua assimilaçãocomo produtos pelo mercado de consumo – e subse-qüente descarte pelo consumidor (BALASSIANO,2009).

No cenário mundial, observa-se uma tendênciade transferir as responsabilidades sobre coleta, trans-porte e destinação final de embalagens e outros resí-

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Sustent abilidade em Debate

duos, dos governos para as cadeias produtivas. Deacordo com Rogers (1998) e Dornier (2000), apudpor Anastácio (2004), a legislação na Europa é a queestá mais avançada, exigindo que os fabricantes re-colham as embalagens, sendo a Alemanha o país pio-neiro com a adoção dessa prática que foi viabilizadapor meio da Lei Topfer2. Esta exigência cria redeslogísticas em torno de fluxos reversos e vem inspi-rando países na elaboração de sua própria legislação,baseada nesses princípios.

Nos Estados Unidos, embora a legislação sobreo tema seja afeta à competência de cada estado-mem-bro, de forma geral, incentiva o uso de produtos fa-bricados com materiais reciclados, através desistemtras tributários especiais (LEITE 2003). Emtorno de 15 estados possuem lei obrigando osrevendedores a recolherem baterias de veículos apósseu uso; 22 estados possuem aterros remuneradospara pneus, motores e alguns produtos de linha bran-ca (ROGERS, 1998 apud ANASTÁCIO, 2004).

A responsabilidade civil ambiental no Brasil sur-giu com a Lei nº 6.938/1981, que trata da PolíticaNacional do Meio Ambiente e posteriormente com apromulgação da Constituição Federal de 1998, queno seu Capítulo IV também regula o meio ambiente,estabelecendo regras quanto à responsabilização paraas condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Aresponsabilidade pelos danos causados ao meio am-biente é objetiva, ou seja, independe da demonstra-ção de dolo ou culpa, bastando a demonstração donexo causal entre a ação ou omissão e o resultadogravoso (MACHADO, 2004).

Além disso, a responsabilidade é solidária entreaqueles que direta e indiretamente praticaram a con-duta lesiva ao meio ambiente, e não se exige a ocor-rência de dano efetivo para que surja o dever de inde-nizar, uma vez que, em matéria ambiental, prevalece oprincípio poluidor-pagador, mecanismo jurídico de fun-damental importância para defesa do meio ambiente,pelo qual ao usuário de um recurso natural e ao poluidoré imputado o dever de arcar com os custos da preven-ção, repressão e reparação do dano ambiental.

Dessa forma, expressa Machado (2004, p. 197):A reparação do dano não pode minimizar a pre-venção do dano. É importante salientar esse as-pecto. Há sempre o perigo de se contornar a ma-

neira de se reparar o dano, estabelecendo-se umaliceidade para o ato poluidor, como se alguémpudesse afirmar “poluo mas pago”.

Não se pode ter a interpretação de que o princí-pio do poluidor-pagador seja uma compensação pe-los danos causados pela poluição, ou uma autoriza-ção para poluir. Antes de tudo, ele preza pela preven-ção, pois, após a ocorrência de um desastre ambiental,dificilmente o ambiente retornará ao status quo ante,razão pela qual jamais sua interpretação deve levar opoluidor a crer que estaria conquistando o direito depoluir.

Historicamente, a poluição ambiental está asso-ciada às atividades produtivas e ao crescimento dascidades modernas, que produzem resíduos em quan-tidade superior à capacidade da sociedade de dardestinação adequada aos mesmos e de absorção suapela natureza. Alguns resíduos, quando não recebemtratamento final adequado, são extremamente peri-gosos tanto à saúde humana como ao meio ambienteem si mesmo. Além da grande quantidade de resídu-os deixada sob a Terra às futuras gerações.

Dessa forma, os danos ambientais causados pelosimples descarte de resíduos no ambiente – sem tra-tamento adequado e após sua fabricação pelo agenteprodutor e consumo pelo seu beneficiário direto –não podem ficar sem reparação. Todos os riscos abran-gidos pela atividade – já que representam uma poten-cial ofensa ao equilíbrio ecológico – deverão serinternalizados no processo produtivo da empresa, demodo que a coletividade não arque, sozinha, com osprejuízos dela advindos, conforme a lógica do princí-pio do poluidor-pagador.

Neste sentido, Dias & Moraes Filho (2004), res-saltam que:

Pela responsabilidade pós-consumo, fabricantes,comerciantes e importadores devem serresponsabilizados pelo ciclo total de suas merca-dorias, do “nascimento” a sua “morte”, proce-dendo à destinação final ambientalmente corre-ta, mesmo após o uso pelo consumidor final, jáque a disposição inadequada de seus produtosconstitui uma grande fonte de poluição para omeio ambiente e um grande ônus para o PoderPúblico.

Tem-se verificado que o lucro com a introdu-ção de produtos e embalagens descartáveis no mer-cado ficou para a empresa, mas o ônus da

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Responsabilização Pós-Consumo e Logística Reversa

destinação final ficou somente a cargo do PoderPúblico. Portanto, é imprescindível que a respon-sabilidade pós-consumo seja adotada de formaampla e irrestrita e que se exija de todos a sua ob-servância, transferindo-se para os produtores/impor-tadores uma parcela de responsabilidade peladestinação adequada dos resíduos sólidos geradosem razão de produtos e embalagens por eles colo-cados no mercado.

A responsabilidade dessas empresas com rela-ção à poluição gerada obviamente é indireta, vistoque tais produtos passam pelas mãos do consumidorfinal, não sendo lançados diretamente por elas, comono caso dos resíduos industriais. Essa inquestionávelresponsabilidade civil dos poluidores indiretos, quepossui fundamento legal na Lei de Política Nacionaldo Meio Ambiente, na Constituição Federal e nos prin-cípios de Direito Ambiental, precisa ser prontamentecobrada pelo Poder Público.

Tal entendimento se coaduna com a definiçãode poluidor dada pelo inciso IV, do art. 3.º, da menci-onada Lei, que considera poluidor: “a pessoa físicaou jurídica, de direito público ou privado, responsá-vel, direta ou indiretamente, por atividade causadorade degradação ambiental”, e decorre da adoção dateoria do risco pelo ordenamento jurídico brasileiro,por meio do qual aquele que, de qualquer forma, geraum risco deve assumir as conseqüências de seus atos,sejam elas diretas ou indiretas (DIAS & MORAESFILHO, 2004).

Como se pode notar, tal precedente rompe comos preceitos tradicionais até então observados nas açõesde responsabilidade civil ambiental, pois não foi o fa-bricante que depositou as embalagens de agrotóxicosou as embalagens tipo PET (Politereftalato de etileno)às margens do rio, mas torna-se responsável pelo seurecolhimento e destinação final na medida que expôs asociedade a riscos.

Além disso, ao promover a internalização doscustos, as empresas começam a incorporar as preo-cupações ambientais em suas decisões econômicas ea investir no desenvolvimento e na transferência detecnologia que permita agregar valor aos seus pro-dutos ou embalagens após a utilização pelo consumi-dor. Dessa forma, a responsabilização pós-consumoao fabricante/importador pode incentivar:

• o uso de materiais mais “ecológicos” no pro-cesso de produção;

• a redução do consumo de matéria-prima, daprodução de resíduos e de seu custo de dis-posição;

• a melhoria no desenvolvimento do produtoaumentando sua utilidade e tempo de uso; e

• a criação de sistemas de reciclagem mais efi-cientes ou “close-loops”.

Logística Reversa

Leite (2003, p. 17) define Logística Reversa,como área da logística empresarial que planeja, ope-ra e controla o fluxo e as informações logísticas cor-respondentes, do retorno dos bens de pós-venda e depós-consumo ao ciclo dos negócios ou ao ciclo pro-dutivo, por meio dos canais de distribuição reversos,agregando-lhes valor de diversas naturezas: econô-mico, ecológico, legal, logístico, de imagemcorporativa, entre outros.

A Logística Reversa pode ser ainda divididaem duas áreas de atuação: logística reversa de pós-venda e logística reversa de pós-consumo. A pri-meira pode ser entendida como a área da logísticareversa que trata do planejamento, do controle e dadestinação dos bens sem uso ou com pouco uso,que retornam à cadeia de distribuição por diversosmotivos: devoluções por problemas de garantia,avarias no transporte, excesso de estoques, prazode validade expirado, entre outros. A logística reversade pós-consumo pode ser vista como a área dalogística reversa que trata dos bens no final de suavida útil, dos bens usados com possibilidade dereutilização (embalagens, paletes) e dos resíduos in-dustriais (LACERDA, 2002).

A logística reversa pode ser entendida como aárea da logística empresarial que visa equacionar osaspectos logísticos do retorno dos bens ao ciclo pro-dutivo ou de negócios através da multiplicidade decanais de distribuição reversos de pós–venda e de pós–consumo, agregando-lhes valor econômico, ecológi-co, legal e de localização (LEITE, 2003). Apesar dosfluxos reversos de pós-venda serem mais comuns entreas empresas, no Brasil, os fluxos reversos de pós-consumo já é empregado com sucesso há muitos anos.

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Sustent abilidade em Debate

De acordo com Kumar e Tan (2003), alguns fa-tores têm forçado as empresas a assumirem a logísticareversa como estratégia de gerenciamento: aumentode lucros, legislação governamental; ciclo de vida dosprodutos; novos canais de distribuição; forças do mer-cado; e mudanças de forças dentro da cadeia de su-primentos. Um dos principais motivos para a adoçãoda Logística Reversa na destinação final das embala-gens no Brasil foi a Lei 9.974/2000, que disciplina asresponsabilidades sobre esses produtos.

Segundo Lacerda (2002), os processos deLogística Reversa têm trazido consideráveis retornospara as empresas. O reaproveitamento de materiais ea economia com embalagens retornáveis têm trazidoganhos que estimulam cada vez mais novas iniciati-vas e esforços em desenvolvimento e melhoria nosprocessos de Logística Reversa. Os clientes valori-zam as empresas que possuem políticas de retornode produtos, pois isso garante-lhes o direito de devo-lução ou troca de produtos. Este processo envolveuma estrutura para recebimento, classificação e ex-pedição de produtos retornados, bem como um novoprocesso no caso de uma nova saída desse mesmoproduto.

A Logística Reversa é uma ferramenta que podecontribuir para o Desenvolvimento Sustentável.Ambientalmente, o retorno do produto ou parte deleao setor produtivo evita o consumo de matérias pri-

mas virgens e diminui os riscos de contaminaçãoambiental. Do ponto de vista social, a atividade delogística reversa pode gerar novos empregos, ao cri-ar canais de distribuição reversos. Economicamente,possibilita a reciclagem e comercialização desses no-vos produtos. Culturalmente, cria uma responsabili-dade individual pelo resíduo gerado e proporcionaum cuidado maior pelo usuário.

O Sistema Brasileiro de Recolhimento eDestinação Final de Embalagens Vaziasde Agrotóxicos

Em 2000, a Lei dos Agrotóxicos3 foi alteradapela Lei n° 9.974 e regulamentada pelo Decreto Fe-deral 4.074/2002. Nessa alteração foram incorpora-das as responsabilidades e as competências legais emrelação às embalagens ‘vazias’ de agrotóxicos. O ins-trumento legal divide responsabilidades a todos osagentes atuantes na produção agrícola do Brasil.

Ao consumidor coube a responsabilidade pelarealização da tríplice-lavagem4 e devolução das em-balagens pós-consumo; aos estabelecimentos comer-ciais, dispor de local adequado para o recebimentodas embalagens e indicar nas notas fiscais de vendaos locais de devolução; ao fabricante, recolher e daruma destinação final adequada às embalagens; e aogoverno coube a responsabilidade de fiscalizar e pro-

Fluxograma 1 – Fluxo logístico do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens VaziasFonte: INPEV (2008).

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Responsabilização Pós-Consumo e Logística Reversa

mover, conjuntamente com os fabricantes, a educa-ção ambiental e orientação técnica necessárias para obom funcionamento do sistema.

O Inpev possui em seu rol de associados, 99%das empresas fabricantes de defensivos agrícolas doBrasil e as sete principais entidades de classe do se-tor. São sócios do Instituto: as empresas fabricantes,registrantes ou importadoras, de agrotóxicos e afins;as entidades de classe que representam o setor, e oscanais de distribuição dos agrotóxicos e afins (INPEV,2009).

A operacionalização do Inpev é feita com oscaminhões que transportam os agrotóxicos paracomercialização e retornam com as embalagens vazi-as (a granel ou compactadas) armazenadas nas uni-dades de recebimento. Dessa forma, por exemplo, umaindústria localizada em São Paulo, leva os agrotóxicospara a cidade de Passo Fundo no Rio Grande do Sule o mesmo caminhão traz de volta as embalagens va-zias armazenadas nas centrais de recebimento e asencaminham para a destinação final, conforme des-crito no Fluxograma 1.

Essas unidades são constituídas de postos e cen-trais de recebimento, construídas e mantidas pelasassociações e cooperativas regionais de revendedoresde agrotóxicos, onde as embalagens vazias são se-gredadas em lavadas e contaminadas e por tipo dematerial, compactadas e armazenadas em local segu-ro, enquanto aguardam o seu recolhimento pelo fa-bricante. O licenciamento ambiental1 desses empre-endimentos é realizado pelo órgão ambiental estadu-al e segue a resolução Conama nº 334/20032. A Figu-ra 1 mostra um exemplo de uma central de recebi-mento de embalagens vazias de agrotóxicos.

Até julho de 2009, o INPEV dispunha de 305unidades de recebimento de embalagens vazias deagrotóxicos. A maior parte está localizada nas regi-ões centro-oeste e sudeste do Brasil. A figura 2 mos-tra a localização destas unidades.

Observou-se que a distância das unidades derecebimento é uma das queixas mais recorrentes en-tre os agricultores entrevistados. Muitas vezes o agri-cultor compra o produto em determinado estabeleci-mento e deve devolver a embalagem vazia em uma

Figura 1. Vista interna da Central de Recolhimento de Embalagens Vazias deAgrotóxicos da Associação dos Revendedores dos Produtos Agropecuários doNordeste Arpan, Carpina - PE.Autor: José Luís Said ComettiData da foto: 2009

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unidade que pode estar localizada muito distante dasua propriedade. Dessa forma, a equidade do acessoàs unidades torna-se comprometida à medida que osagricultores deveriam dispor de veículo adequado,além dos custos com combustível para a devoluçãoda embalagem vazia.

Já os revendedores, se queixam que os fabrican-tes se recusam a recolher as embalagens vazias deagrotóxicos nos estabelecimentos comerciais, confor-me define o art. 57 do Decreto nº 4.074/2002. Dessaforma, os comerciantes devem se credenciar a umaunidade de recebimento e pagar uma taxa fixa mensalalém de outra taxa que varia conforme a quantidadede embalagens destinadas. Os fabricantes se defendemafirmando que não recolhem as embalagens nos esta-belecimentos comerciais, pois estes, não possuem li-cença ambiental para o recebimento e armazenamentotemporário das embalagens vazias de agrotóxicos.

Verificou-se que a maioria dos estados brasilei-ros não possuem regulamentação específica para olicenciamento ambiental dos locais de comercialização

de agrotóxicos, conforme estabelece o Art. 3 da re-solução Conama 334/2003. Entretanto, mesmo semo estabelecimento destes critérios, alguns estados jálicenciaram esse tipo de atividade. A falta de padrõesde segurança ambiental para o recebimento das em-balagens no local de comercialização pode pulveri-zar o risco do impacto ambiental causado pelas em-balagens.

Para facilitar a devolução das embalagens vazi-as pelos pequenos agricultores que estão distantesgeograficamente, as unidades de recebimento têmrealizado a coleta itinerante. Essa coleta utiliza umveículo, devidamente licenciado pelos órgãos com-petentes, que percorre, uma vez por ano, as proprie-dades rurais ou pontos estratégicos e coleta as emba-lagens. Além da coleta, a campanha tem por objetivoorientar o agricultor para a tríplice-lavagem. Por ou-tro lado, esse tipo de coleta pode criar culturalmenteuma acomodação nos agricultores, já que todo ano oInpev passaria na propriedade para recolher as em-balagens vazias.

CentraisPostos

Figura 2 – Localização de unidades de recebimentoFonte: INPEV (2009)

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O Inpev em parceria com o Governo Federal,desde 2003, passaram a vincular em redes nacionaisde rádio e televisão, campanhas educativas com ob-jetivo de orientar o agricultor sobre suas responsabi-lidades no sistema de destinação final das embala-gens vazias de agrotóxicos. Ao todo foram veicula-das seis campanhas desse tipo em nível nacional. Ascampanhas podem ter produzido efeitos positivos aproporção que aumenta a cada ano o número de em-balagens recolhidas.

Em 2007, o Inpev recolheu 21,6 mil toneladasde embalagens primárias vazias de agrotóxicos, re-presentando 96% do total colocado no mercado noano. Dessas embalagens recolhidas, 91,6% foramenviadas para reciclagem e 8,4% foram incineradas1

(INPEV, 2008). Os produtos provenientes dareciclagem priorizam o uso industrial e não mantêmcontato prolongado com as pessoas, são eles:conduítes corrugados, embalagens para óleo lubrifi-cante, dutos corrugados, luvas para emenda,economizadores de concreto, sacos plásticos para lixohospitalar, novas tampas, entre outras. As tampas re-presentam o primeiro produto que retorna para seuuso original por meio da reciclagem.

A receita com a venda das embalagens para asrecicladoras conveniadas representam 16,8% do custoanual do sistema, gerando um déficit de 83,2%. Os

custos de incineração também são partedispensabilidade do Inpev. Somados os custos detransporte e operação a destinação final das embala-gens contaminadas custa cerca de R$ 5,20 o quilo deembalagem (INPEV, 2008). A incineração além deser um custo adicional, representa desperdício dematéria-prima e energia, já que as embalagens rígidassão perfeitamente passíveis de serem recicladas.

Tendo em vista os impactos socioambientais queas embalagens vazias de agrotóxicos podem causar ea responsabilização legal pela sua destinação final, odéficit pago pelos fabricantes nada mais é que o cus-to ambiental do seu produto (considerando apenas asembalagens).

Por outro lado, verificou-se que nos bastidoresdo sistema desenvolvido pelos fabricantes existemcomerciantes e agricultores que arcam com os cus-tos de entregar as embalagens vazias de agrotóxicosapenas nos postos e centrais de recebimento, estabe-lecidos pelo Inpev. Os fabricantes ignoraram a legis-lação, que estabelece que as unidades de recebimen-to devem ter operacionalização e localização que fa-cilitem a devolução das embalagens pelos agriculto-res. O descumprimento do Art. 57 do Decreto nº4.074/2002 não está sendo observado pelos órgãosgovernamentais, responsáveis pela fiscalização do sis-tema de destinação final das embalagens.

Fonte: elaborado pelos autores

GARGALOS OPORTUNIDADES

Embalagens impossíveis de serem recicladas.

- Desenvolver materiais para embalagens, que utilizem menos matéria-prima virgem e que possam ser reciclados; - Incentivar do uso de embalagens hidrossolúveis para pequenas quantidades de produto ativo.

Devolução de embalagens lavadas de forma ineficiente ou devolvidas não lavadas.

- Treinar funcionários para identificar as embalagens devolvidas de forma inadequada; - Intensificar a orientação ao agricultor sobre os procedimentos do manuseio do produto e da tríplice-lavagem.

Distância entre os postos e centrais de recebimento dos agricultores.

- Estabelecer padrões para o licenciamento ambiental dos estabelecimentos comerciais para o recebimento e armazenamento temporário de embalagens vazias de agrotóxicos; - Intensificar a fiscalização para que o fabricante recolha as embalagens nos estabelecimentos comerciais que estiverem licenciados; - Incentivar a coleta itinerante em pequenas propriedades, localizadas a grandes distâncias dos locais de devolução;

Quadro 1: Gargalos e oportunidades.

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Gargalos e Oportunidades

Após a análise do sistema brasileiro de recolhi-mento e destinação final de embalagens vazias deagrotóxicos, percebeu-se alguns gargalos à sua efi-cácia, conforme verificado anteriormente. Esses gar-galos podem ser aperfeiçoados visando atender àspremissas da sustentabilidade. O quadro 1 apresentaos gargalos identificados e sugestões para melhoria.

Considerando a falta de padrões para olicenciamento ambiental de revendas de agrotóxicospara o recebimento das embalagens vazias, o Quadro2 sugere critérios a serem observados nas etapas deLicença Prévia, Licença de Instalação e Licença deOperação. Os critérios sugeridos foram baseados nasrecomendações das normas NBR 14.719 (ABNT,2001), que estabelece os procedimentos para adestinação final das embalagens rígidas, usadas, va-zias, adequadamente lavadas, de acordo com a NBR13.968 (ABNT, 1997), procedimentos de lavagem deembalagens que contiveram formulações deagrotóxicos miscíveis ou dispersíveis em água; e nanorma da NBR 14.935 (ABNT, 2003) que estabeleceos procedimentos para a correta e segura destinaçãofinal das embalagens de agrotóxicos vazias, nãolaváveis, não lavadas, mal lavadas, contaminadas ounão, rígidas ou flexíveis, que não se enquadram naNBR 14.719 (ABNT, 2001).

Os critérios apresentados no Quadro 2 sugeremum controle maior do gerenciamento das embalagensvazias de agrotóxicos. Ressaltamos que estes critéri-os devam ser aperfeiçoados pelos órgãos ambientaisestaduais, responsáveis pelo licenciamento ambientaldos estabelecimentos comerciais de agrotóxicos, paraatingir as especificidades da sua região. Dessa forma,podemos minimizar os riscos de impactos ambientaisque a atividade pode causar.

O licenciamento ambiental desses empreendi-mentos torna-se viável à medida que os agricultoresdevolvam as embalagens rígidas devidamente tríplice-lavadas e as contaminadas, em sacos específicos, ad-quiridos no momento da aquisição do produto. Tam-bém deve ser observada pelo órgão ambiental esta-dual, a quantidade de material a ser estocado e o tem-po de armazenagem enquanto aguarda o recolhimen-to pelo fabricante.

Considerações Finais

O princípio do poluidor-pagador é o meio efi-caz de que se pode valer o Poder Público para aimplementação da responsabilização pós-consumo aofabricante, objetivando que os danos ambientais pro-duzidos hoje sejam suportados pelas futuras gerações.Os gastos a serem despendidos com a destinação fi-nal dos resíduos devem ser distribuídos entre todosos responsáveis, de maneira especial às empresas quecriaram seus produtos sem se preocupar com os pre-juízos que trariam à natureza.

A Logística Reversa revelou-se como uma opor-tunidade de se desenvolver a sistematização dos flu-xos de resíduos, bens e produtos descartados - sejapelo fim de sua vida útil, seja por obsolescênciatecnológica ou outro motivo. Os artefatos produzi-dos, a partir da reciclagem das embalagens deagrotóxicos, são vendáveis e rentáveis, além de pou-parem matéria-prima virgem e reduzir o consumo deenergia. Este processo ainda possibilitou a transfor-mação de produtos de vida curta (embalagens), emprodutos de vida longa.

Apesar dos fabricantes, representados peloInpev, concentrarem o recolhimento das embalagensvazias de agrotóxicos nas centrais de recebimento,têm-se conseguido resultados positivos na quantida-de de embalagens recolhidas. Pode-se inferir que agrande participação no alcance desses resultados, édos revendedores e dos agricultores, que no momen-to, estão assumindo os gastos de transportarem asembalagens até às centrais.

Portanto, é recomendável o estabelecimento depadrões para o licenciamento ambiental dos estabe-lecimentos comerciais, para facilitar a devolução dasembalagens pelos agricultores e minimizar os impac-tos ambientais. É desejo dos autores que este traba-lho contribua para enriquecer o debate sobre a ques-tão dos agrotóxicos e dos resíduos sólidos no país eque os gargalos do sistema, aqui apresentados, sejamde alguma forma aperfeiçoados e efetivados confor-me a nossa legislação.

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LICENÇA PRÉVIA

Localização

A área escolhida deverá estar

- em zona comercial, industrial ou rural; - o terreno preferencialmente plano e não sujeito a inundações; - distância segura de depósito de alimentos, hospitais e escolas.

A área escolhida deverá dispor de

- cercas que impeçam o acesso de pessoas não autorizadas; - placas de sinalização alertando sobre o risco e o acesso restrito a pessoas autorizadas. - área compatível com o volume de embalagens a serem recebidas e estocadas.

LICENÇA DE INSTALAÇÃO

Construção

O projeto da revenda/depósito deverá apresentar

- local coberto e ventilado para recepção, triagem e armazenamento das embalagens; - piso impermeável, liso e lavável, com cantos arredondados, construído em forma de bacia, ou caixa de contenção interna; - paredes com acabamento impermeável, pintura com tinta lavável não absorvente;

O depósito deverá dispor de

- área isolada para a armazenagem temporária de materiais e embalagens vazias contaminadas; - vestiário com chuveiro de emergência, armários individuais duplos para roupas civis e Equipamento de Proteção Individual (EPI), lava-olhos e caixa de emergência.

LICENÇA DE OPERAÇÃO

Proteção e segurança

Proteção contra incêndios

- saídas de emergência e extintores de incêndio deverão ser demarcados e seus acessos mantidos livres - placas de não fumar e de não portar ou consumir alimentos deverão ser afixadas em locais visíveis, tanto no interior como no exterior do depósito

Acidentes gerais

- apresentar um Plano de Emergência Ambiental, devidamente registrado no conselho de classe. O plano deverá estar em local visível e de fácil acesso; - caixa de emergência contendo um kit de primeiros socorros deverá estar disponível com informações sobre tratamento emergencial.

Operacionalização

Recebimento e armazenamento temporário

- o depósito de embalagens deverá contar com um encarregado ou supervisor, todos os funcionários deverão ter treinamento periódico, específico para as atividades previstas no local; - deverá ser mantido sistema de controle de recebimento das embalagens vazias rígidas tríplice lavadas e das embalagens vazias não laváveis contaminadas, através de planilhas; - a planilha de recebimento e destinação de embalagens deverá incluir especificação de data, tipo e quantidade de embalagens recebidas, e a data e quantidade de embalagens encaminhadas para empresas licenciadas (tipo, peso ou volume, e destinação das cargas).

Destinação final

o Empreendedor deverá manter contrato com os fabricantes dos produtos cujas embalagens serão recebidas no depósito, devendo constar no referido contrato o compromisso expresso do fabricante com o recolhimento, transporte e destinação final das embalagens vazias

Quadro 2 – Critérios propostos a serem observados no licenciamento ambiental de revendas de agrotóxicos para o recebi-mento de embalagens vazias.

Fonte: elaborado pelos autores

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Referências Bibliográficas

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Notas

1 De acordo com a Lei 7.802/89 os “agrotóxicos” são produtose os agentes de processos físicos, químicos ou biológicos,destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamentoe beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, naproteção de florestas, nativas ou implantadas, e de outrosecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e in-dustriais, cuja finalidade seja alterar a composição da floraou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seresvivos considerados nocivos (BRASIL, 1989).

2 Em 1989, o ministro do meio ambiente da Alemanha, Töpfer,apresentou uma lei para reduzir o material de embalagem,cuja responsabilidade recaía sobre o produtor. A Lei Töpfer,como ficou conhecida, entrou em vigor em 12 de junho de1991, estabelecendo, portanto, a política nacional alemã acer-ca do gerenciamento dos resíduos sólidos. A referida lei de-senvolveu um plano baseado em estágios sucessivos. No pri-meiro estágio (1º de dezembro de 1991), os fabricantes fo-ram obrigados a receber de volta toda embalagem que prote-

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gia os produtos durante o transporte, como tambores, latas,sacos e paletas. No segundo estágio (1º de abril de 1992), osdistribuidores foram obrigados a receber de volta as embala-gens secundárias, que é um material adicional, não essencialà acomodação dos produtos. No terceiro estágio (1º de janei-ro de 1993), os distribuidores foram obrigados a receber devolta todas as embalagens de venda (SCHOENEBERG, 1994).

3 A Lei dos Agrotóxicos exige o registro dos produtosagrotóxicos nos Ministérios da Agricultura e da Saúde e noInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Natu-rais Renováveis (IBAMA). Qualquer entidade pode pedir ocancelamento deste registro, encaminhando provas de queum produto causa graves prejuízos à saúde humana, meioambiente e animais. Além disso, eles têm de ser vendidoscom rótulos que informem a todos sobre seus perigos, possí-veis efeitos prejudiciais, precauções, instruções para caso deacidente. Um dos pontos importantes da Lei é o que só per-mite o registro de novo produto agrotóxico se forcomprovadamente igual ou de menor toxicidade aos járegistrados para o mesmo fim.

4 Conforme a NBR 13.968, a tríplice-lavagem consiste em en-xaguar três vezes a embalagem vazia de agrotóxico. A água édescartada no pulverizador para o preparo da solução a seraplicada na lavoura. (ABNT, 1997)

5 O Licenciamento Ambiental é um Instrumento da PolíticaNacional do Meio Ambiente, que foi estabelecida pela Lei nº6.938, de 31 de agosto de 1981. O licenciamento ambiental éuma obrigação legal prévia à instalação de qualquer empre-endimento ou atividade potencialmente poluidora oudegradadora do meio ambiente. A lei estipula que é obriga-ção do empreendedor buscar o licenciamento ambiental jun-to ao órgão competente, desde as etapas iniciais do planeja-mento de seu empreendimento e instalação até a sua efetivaoperação.

6 O Art. 3º da resolução Conama nº 334/2003 estabelece que oscritérios de adequação de estabelecimento comercial para asoperações de recebimento e armazenamento temporário dasembalagens vazias de agrotóxicos e afins deverão ser defini-dos pelo órgão ambiental responsável pelo licenciamentoambiental do empreendimento.

7 As embalagens destinadas à incineração são as embalagenscontaminadas, que correspondem às embalagens flexíveis(embalagens plásticas e de papel que não podem ser lavadas)e as embalagens rígidas (plásticas ou metálicas) que foramclassificadas na central de recebimento por apresentar carac-terísticas de má realização da tríplice-lavagem.

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Fatores Político-Econômicosdo Desmatamento na

Amazônia Oriental

Este estudo investigou as relações entre aspectos político-econômicos eo desmatamento na Amazônia Oriental, com o propósito de avaliar osprincipais fatores primários que contribuíram para o desmatamento re-cente da floresta regional ou para a sua proteção. Metodologicamente,utilizou-se de regressão múltipla com dados coletados por meio de umasérie de corte (cross-section) das informações dos municípios localiza-dos na porção oriental do bioma Amazônia, dados desses válidos para operíodo 2007/2008. Os resultados evidenciaram que os principais fatoresassociados em primeiro nível às taxas de desmatamento na região são aárea agropecuária, as produções de madeira e carvão vegetal, a produ-ção extrativista não-madeireira, a distância ao escritório regional do Ibamamais próximo, as áreas protegidas e o estoque florestal. Neste sentido, osestudos sobre o desmatamento da Amazônia devem ampliar a atençãoquanto às atividades econômicas que podem proteger ao invés de des-truir a floresta.

Jefferson Lorencini Gazoni1, José Aroudo Mota2

1 Mestre e doutorando em Desenvolvimento Sustentável (CDS/UnB).Pesquisador (PNPD) da Diretoria de Estudos Regionais e Urbanos

(DIRUR) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Endereço eletrônico: [email protected].

.2 Doutor em Desenvolvimento Sustentável (CDS/UnB). Coordenador deMeio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Diretoria de Estudos

Regionais e Urbanos (DIRUR) do Instituto de Pesquisa EconômicaAplicada (IPEA) e Coordenador do Fórum Ipea de Mudanças Climáticas

- Endereço eletrônico: [email protected].

RESUMO

ABSTRACT

This paper studies the relationships between political and productiveactivities and the deforestation in Eastern Amazon biome with the purposeof evaluating the main factors of the latest regional forest’s deforestation.Methodologically, it used a multiple regression of the districts in EasternAmazon from 2007 to 2008. The results evidenced that the primary drivingforces of the recent deforestation in region are the bovine cattle breedingand agriculture, the wooden and charcoal production, the extraction ofnon timber forest products, the distance for National Environmental Officesin region, the protected areas and the forest stock. In this context, theresearches on deforestation have to focuses on the economic activitiesthat can protect de forest against deforestation.

Recebido em 18.12.2009Aceito em 22.04.2010

Palavras-Chave:Desenvolvimento sustentávelPolítica ambientalAgronegócio

Key-words:Sustainable developmentEnvironmental policyAgribusinessm

S u s t e n t a b i l i d a d e

e m D e b a t e

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Fatores político-econômicos do desmat amento na Amazônia Orient al

Intr odução

Os impactos das atividades humanas sobre omeio ambiente ganham cada vez maior atenção, prin-cipalmente devido à perda de bens e serviçosambientais que afetam o bem-estar das sociedades.Neste contexto, a insatisfação gerada pelo usoindiscriminado dos recursos naturais da Amazônia éamparada pelo entendimento de que, no atual mode-lo político-econômico, baseado na noção de livremercado, os benefícios geralmente são menores queos custos socioambientais. São diversos os impactosdas ações antrópicas na Amazônia, mas, sem dúvida,o desmatamento é o mais devastador.

O desmatamento pode ser entendido como umcorte raso da floresta, diferente do desflorestamento,que envolve ainda a fragmentação e a degradação(Pasquis e Bouamrane, 2002). Ele tem levado à per-da de serviços ambientais valiosos tanto para as soci-edades como para os ecossistemas, incluindo os demanutenção da biodiversidade, da ciclagem da águae dos estoques de carbono. Deve-se atentar que afloresta atua no seqüestro e na formação de um mega-estoque de carbono (Pfaff, 1999; Fearnside, 1997),que vem sendo liberado à atmosfera por meio dodesmatamento e das queimadas (Nogueira et al.,2007).

As florestas tropicais ocupam cerca de 7% dasuperfície terrestre e abrigam mais de 50% das espé-cies conhecidas no planeta (Ewers e Laurance, 2006).A Amazônia brasileira contém cerca de 40% destasflorestas (Kirby et al., 2006; Barbier, 2001). É nessecontexto que o desmatamento tem potencial para in-fluenciar o clima regional e global e para contribuirpara a redução da biodiversidade em outros lugares(Sawyer, 2007; Malhi et al., 2008; Portela eRademacher, 2001). Em nível local podem surgiroutros graves impactos, tais como o assoreamentode rios, córregos e lagoas (Cataneo, 2001) e a degra-dação dos solos (Angelsen e Kaimowitz, 1999), comconseqüentes prejuízos econômicos para as popula-ções dependentes da coleta ou da agricultura em pe-quena escala.

Estudos sugeriram (Steward, 2007; Soares Fi-lho et al., 2005; Pimm, 1998) que vastas áreas flores-tais da Amazônia, principalmente em seu trecho ori-

ental, vêm sendo convertidas para uso da agricultu-ra, da pecuária, da extração indiscriminada de madei-ra, entre outras atividades produtivas, resultando emdanos, muitas vezes, irreparáveis. Por outro lado,demandas pela redução das desigualdades regionaise pela melhoria das condições de vida das popula-ções amazônicas pressionam pela provisão de infra-estruturas e serviços essenciais ao bem-estar dessascomunidades. Além disso, demandas nacionais e in-ternacionais pressionam a região no sentido da pro-dução de bens, principalmente os primários, para oatendimento de suas crescentes necessidades. É nes-te contexto que se ampliam as discussões em buscade alternativas para o uso e a exploração sustentávelda floresta, de forma a garantir as necessidades daspopulações locais, as demandas econômicas e a pro-teção dos recursos naturais. Por esses aspectos, éurgente entender as relações político-econômicas queenvolvem o desmatamento na Amazônia Oriental,tanto para ampliar os conhecimentos sobre o temacomo para correlacionar aspectos identificados poresta pesquisa aos já apresentados na literatura perti-nente.

Este estudo partiu do seguinte questionamento:quais são as relações dos aspectos político-institucionais e atividades produtivas regionais como desmatamento recente do bioma Amazônia em suaporção territorial oriental, ou seja, nos municípioscontidos no bioma Amazônia e localizados nos esta-dos do Amapá, Pará, Mato Grosso, Tocantins eMaranhão. O objetivo é avaliar os fatores primáriosque acarretam as taxas de desmatamento.Metodologicamente, utilizou-se da técnica de regres-são linear múltipla por mínimos quadrados ordinári-os em uma série de corte (cross-section) das infor-mações municipais no período de agosto de 2007 ajulho de 2008. Assim, foi estimado um modelo esta-tístico capaz de representar as taxas anuais dedesmatamento municipal em função de atividadesprodutivas, de aspectos institucionais e de políticaspúblicas.

O texto está estruturado em quatro seções prin-cipais. Inicialmente, discute a sustentabilidadesocioambiental frente ao processo de alteração do usoe da cobertura do solo. Em seguida, apresenta umarevisão da literatura acerca das causas, efeitos e di-

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Sustent abilidade em Debate

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nâmicas do desmatamento na Amazônia. Apresenta-se a metodologia da pesquisa e, ao final, avalia-se ainfluência dos fatores sobre as taxas anuais dedesmatamento, discutidos sob o enfoque dasustentabilidade.

Desenvolvimento eSustentabilidade: Reflexões Sobreo Uso e a Cobertura do Solo

A percepção da necessidade de se alcançar mo-delos sustentáveis de desenvolvimento que integremcrescimento econômico, justiça social e proteção dosrecursos naturais já pode ser considerada consensual.O desenvolvimento sustentável, entendido como umdesenvolvimento que deve atender às necessidadesdas presentes gerações sem comprometer a possibili-dade das gerações futuras satisfazerem as suas pró-prias necessidades é uma opção premente. Asustentabilidade é um critério fundamental para esti-mular as responsabilidades e para se reconsiderar as-pectos relacionados com a eqüidade e a justiça soci-al, tanto intra-geracionais como inter-geracionais.Apesar de ser um conceito de fácil entendimento eaceitação, a busca pela sustentabilidade enfrenta gran-des desafios.

A imprevisibilidade dos sistemas naturais é umimportante fator que deve ser considerado nas pes-quisas e políticas em relação às questõessocioambientais. Trata-se de atentar para o funciona-mento do sistema planetário. É um sistema singular,cujo componente essencial é a biosfera, na qual asatividades humanas atuais são capazes de promoverprofundas transformações que se propagam pelo sis-tema global, em uma escala complexa, interativa eacelerada (Steffen et al., 2004). Três dimensões emespecial exigem atenção: a complexidade, ainterdisciplinaridade e a temporalidade. O desenvol-vimento sustentável implica na sustentação de bens eserviços ambientais em qualidade tal que permita oseu aproveitamento pelas próximas gerações. Assim,deve levar em consideração que o tempo geológico,o tempo biológico e o tempo cronológico têm dife-rentes escalas. Ou seja, é necessário considerar estasdiferentes escalas temporais ao se desenvolver qual-quer proposta de uso sustentável dos recursos.

Os sistemas socioambientais são complexos, ouseja, são formados por uma grande quantidade de ele-mentos em interação dinâmica e não-linear. Além dis-so, os seus elementos estão, geralmente, organizadosem níveis hierárquicos internos, ou seja, os efeitosdas interações entre os elementos não provoca varia-ções constantes no sistema, cujo funcionamento estárelacionado com a combinação de suas retroações. Aintensidade, direção e combinação das retroaçõesprovocadas por uma transformação ou uma ação re-percutem sobre os sistemas de formas diversas. Es-tas variações podem ocorrer porque o sistema acha-se inicialmente em um estado instável e tende paraum estado estável (DeRosnay, 1975). Diversas pes-quisas destacaram que estas mudanças de estados dosecossistemas têm sido interrompidas por rápidas edrásticas mudanças para novos e contrastantes esta-dos (Scheffer et al., 2001). Ou seja, a superação dedeterminados limites de sustentação da estrutura dosistema (resiliência) promove a ruptura e conseqüen-te reorganização do ecossistema em um novo estadode equilíbrio alternativo, gerando muitas vezes, da-nos socioambientais.

Esses fenômenos freqüentemente surpreende-ram as civilizações no passado, levando muitas aocolapso (Diamond, 2006). Atualmente, eventosambientais, extremos ou resultantes de acúmulos não-percebidos, têm afetado a vida de milhões de pessoasem todo o mundo. Esses sinais não devem ser igno-rados, como no passado. A compreensão de que es-ses são processos complexos e dinâmicos exige, cadavez mais, ética e responsabilidade nas tomadas dedecisão. A utilização da terra para fornecimento dealimentos, madeiras, recursos minerais, entre outros,é uma das características das sociedades humanas.Há uma grande quantidade de efeitos indesejadosdesses processos de ocupação e uso. Neste sentido,atualmente a decisão da utilização dos recursos dosolo e sua cobertura envolvem trocas (trade-offs)entre a satisfação imediata das necessidades e dosdesejos humanos e esses efeitos indesejados, basea-das nos valores sociais e no conhecimento ecológico.

O Diagrama 1 concebe como as necessidades eos desejos humanos são traduzidos em alterações nouso e na cobertura do solo. As setas no diagrama re-presentam fluxos de informações, distinto dos fluxos

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de matéria e energia, que podem ocorrer em sentidooposto em alguns casos. O diagrama está estruturadoem três níveis de escala: local, regional e global; divi-dido em três colunas. À direita, evidenciam-se as for-ças básicas do uso do solo, representadas pela popu-lação e pelas aspirações humanas. Estas forças mo-trizes são adaptadas pelos sistemas de decisão, nacoluna central. Na parte direita, representam-se al-guns elementos do sistema natural e o processo demudanças causadas pelos sistemas de decisão.

As aspirações individuais e coletivas são influ-enciadas pela cultura, pelo clima local e pelos aspec-tos geográficos. As condições ambientais locais, comoaspectos climáticos (temperatura, regime de chuvas)e geográficos (localização, altitude e relevo), e o con-texto sociocultural afeta a percepção individual so-bre a importância relativa de seus desejos e necessi-dades (DeFries et al., 2004). Esses desejos e neces-sidades são influenciados externamente porretroações, principalmente do microssistema de de-cisão que, por sua vez, é influenciado por aspectosatmosféricos e por mudanças nos ciclos globais.

O subsistema de micro-decisões representa asmenores unidades de tomadas de decisão cujas açõesafetam diretamente ou indiretamente o uso e a co-bertura do solo. Essas decisões são apenas uma partedo conjunto de decisões. As causas das mudançasno uso do solo podem não ser exclusivamente deci-sões do microssistema de decisão, pois elas podemvir do subsistema de macro-decisões (Walker et al.,2002). Por exemplo, uma política regional ou naci-onal pode ocasionar migração e substituição dasformas tradicionais de uso e ocupação na região dedestino.

O subsistema de macro-decisões descreve duasfunções básicas: coordenação das ações das unida-des de decisão em nível inferior e comunicação comos demais tomadores de decisão no mesmo nível, pormeio dos mecanismos institucionais da economiapolítica global. As interações entre a arena econômi-ca (mercados), a arena política (instituições políti-cas) e a arena social (estruturas sociais e culturais),cada uma representando um mecanismo diferente paraa agregação das aspirações humanas em nível local e

Aspectos sociais Aspectos político-econômicos Aspectos ambientais

População

Aspectos do terreno

Solo

Flora/fauna

Água

Nutrientes

Glo

bal

Re

gio

na

lL

oca

l

Subsistema de macro-decisões

Políticas públicas

Mercado Sociedade Política

Política econômica global

Política Economia

Consumo Produção

Subsistema de micro-decisões

Cultura

Clima

Desejos e necessidades

humanas

Aspirações humanas

Clima regional/emissões

Composição do ar

Transp. de poluentes

Clima regiona l

Clima global/emissões

Modelos climáticos

Emissões globa is

Diagrama 1: Interações do uso e da cobertura do solo - uma referência para estudos interdisciplinares.Fonte: ampliado a partir de Rayner et al. (1994); Bürgi; Hersperger e Schneeberger (2004) e Turner; Lambin e Reenberg (2007).

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as políticas públicas vigentes, resultam em alteraçõesdas existentes e/ou novas políticas públicas.

A unidade população envolve fatores impres-cindíveis para a compreensão dos impactos cumula-tivos sociais e ambientais provenientes das decisõesem níveis inferiores. As principais entradas da unida-de população são provenientes do subsistema demicro-decisões que, em muitas sociedades, equivaleà unidade familiar (Rayner et al., 1994). Informaçõessobre o tamanho e outras características da popula-ção subsidiam o entendimento de outros subsistemas.

A política econômica global influencia ossubsistemas de macro e micro-decisões, ou seja, emníveis local, regional ou nacional. O clima e a com-posição atmosférica regional é uma unidade formadapor três subgrupos e executa duas funções principais:1) transferir informações dos modelos gerais de cir-culação atmosférica, associada com os aspectos dosolo e sua cobertura, para a compreensão do micro-clima regional; e 2) descrever a composição e o trans-porte dos poluentes no ar que decorrem das altera-ções de uso e cobertura do solo.

Os aspectos do solo e sua cobertura descrevemos campos de conhecimentos suficientes para avaliar aviabilidade e a sustentabilidade das alterações de uso ecobertura do solo. As principais influências externas àunidade são provenientes do subsistema de micro-de-cisões e da unidade da atmosfera e clima regional. In-formações sobre sistema de transportes, moradia, agri-cultura, incluindo práticas de produção, como o usode inseticidas e fertilizantes, entre outras, são fornecidaspelo subsistema de micro-decisões.

As repercussões das alterações da superfície sãoprofundas para o funcionamento dos ecossistemas.Podem-se citar: 1) alterações do microclima regio-nal; 2) alteração do clima global; 3) perda debiodiversidade; 4) degradação dos solos; 5) aumentoda vulnerabilidade de cidades e pessoas em relação aalterações ambientais; e, entre outros, 6) alteraçãodo funcionamento do sistema terrestre.

As forças motrizes das mudanças de uso e co-bertura do solo são complexas, interdependentes e serelacionam em diversos níveis espaciais e temporais(Bürgi; Hersperger e Schneeberger, 2004). As dinâ-micas são geralmente causadas por múltiplos fatores.Essas forças variam de acordo com a ocasião. Para

Lambin, Geist e Lepers (2003), essas forças causaispodem ser agrupadas em: variabilidade natural, fato-res econômicos e tecnológicos, fatores demográficos,fatores institucionais, fatores culturais e globalização.Os autores ainda destacaram o que denominaram ascinco maiores causas das alterações do uso e da co-bertura do solo: 1) a escassez de recursos aliada aoaumento de demanda; 2) mudanças de oportunida-des geradas pelos mercados; 3) intervenções por po-líticas públicas externas; 4) perda da capacidade deadaptação e aumento de vulnerabilidade e 5) mudan-ças nas estruturas e organização social no acesso aosrecursos. Pode-se sugerir que os aspectos brevemen-te apresentados aqui têm correspondência com odesmatamento da Amazônia.

O Desmatamento da Amazônia: causas,Efeitos e Dinâmicas

A área total da Amazônia Internacional é de 6,5milhões km2. Além do Brasil (63,1%), o Peru (17,0%),a Bolívia (11,0%), a Colômbia (5,8%), o Equador(2,2%), a Venezuela (0,7%) e a Guiana (0,2%) de-têm porções deste território, onde predominam doisbiomas principais: o Bioma Amazônia, com 3,2 mi-lhões de km2 (cerca de 80 % do total) e o Cerrado,com aproximadamente 1,0 milhão de km2. Formadopor uma conjunção de ecossistemas heterogêneos(áreas de terra firme, rios e áreas alagadas), este ter-ritório abriga a maior floresta tropical do mundo eprotege cerca de um terço das espécies existentes noplaneta (Albagli, 2001). A Amazônia ainda abriga cer-ca de 170 povos indígenas, centenas de comunidadesremanescentes de quilombos e milhares de outrascomunidades locais (MMA, 2006).

No início do século XX, aproximadamente 80%da área da Amazônia brasileira eram florestadas e asáreas remanescentes cobertas por cerrado e campos.Até a década de 1940 ela pouco se transformou. Amaior parte da população regional de cerca de quatromilhões de habitantes residia ao longo das planíciesaluviais, onde a terra era mais fértil, devido ao trânsitoe deposição de sedimentos provenientes das regiõesmontantes e ao acesso que dava-se quase exclusiva-mente por meio fluvial. (Kirby et al., 2006). As primei-

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ras atividades produtivas nestas planícies foram a pe-quena agricultura diversificada e a criação de gadobovino (Desfontaines, 1957). Foi a partir de então quepolíticas públicas iniciaram a promoção da ocupaçãoregional. A Constituição Federal de 1946 indicou e aLei nº 1.806, de 6 de janeiro de 1953, criou o Plano deValorização Econômica da Amazônia, cuja execuçãofoi atribuída à Superintendência do Plano de Valoriza-ção Econômica da Amazônia. Mais tarde, esta atribui-ção foi transferida para a Superintendência do Desen-volvimento da Amazônia (SUDAM) (Tourrand et al.,2007). Apesar dessa intenção do Governo Federal, aausência de rodovias inviabilizava o acesso a áreas atra-entes para brasileiros de outras regiões, dificultando opleno crescimento regional.

Somente no final da década de 1960, com a inau-guração da nova Capital Federal e com a construçãoda Rodovia Belém-Brasília (BR-010), iniciada em1958, o processo de ocupação foi acelerado. Duran-te o governo militar, a política de desenvolvimento,baseada no argumento de que era preciso garantir aposse da Amazônia, promoveu profundas transfor-mações. As principais ações voltadas ao desenvolvi-mento regional nesse momento foram o início da cons-trução da rodovia Cuiabá – Porto Velho e daTransamazônica (Théry, 2005; Nepstad et al., 2001).Essas rodovias formaram o primeiro eixo dedesmatamento regional.

Na segunda metade década de 1980 e no inícioda década de 1990, políticas de desenvolvimentoproveram infra-estruturas e facilidades que criaramcondições para a imigração e para os investimentosna região (Börner; Mendoza e Vosti, 2007). As prin-cipais propostas para a Amazônia foram a recupera-ção das rodovias Transamazônica e Cuiabá - Santaréme o asfaltamento da rodovia Manaus - Boa Vista.

Nos últimos anos, a grande maioria das ações edos investimentos nos eixos de desenvolvimento pre-vistos para a Amazônia Legal ocorreu nos EixosMadeira-Amazonas e Araguaia-Tocantins por meioda provisão de infra-estruturas de suporte ao escoa-mento da produção. Os investimentos emagroindústrias e pecuária ocorreram devido à proxi-midade com as áreas de produção, onde a pequenaprodução foi substituída pela pecuária e, em seguida,pela produção de grãos (Mello, 2006). Este proces-

so gerou a espacialização das populações e das ativi-dades produtivas, marcada por grandeheterogeneidade, com distribuição desigual na Ama-zônia brasileira. Este processo tem resultado na for-mação de uma área de transição que pode seridentificada junto às fronteiras leste e sudeste daAmazônia, também denominada arco dodesmatamento ou arco do povoamento consolidado(Becker, 2005). Além disso, as áreas próximas às ca-pitais estaduais ou aos centros regionais têm promo-vido grandes alterações em suas áreas de influência(Igliori, 2006).

Para se ter uma idéia da dimensão dessas trans-formações, em 1950 a população da Amazônia Legalera de somente 3,8 milhões de habitantes. Em 2007,chegou a 23,6 milhões, ou seja, 12,83% da popula-ção nacional (IBGE, 1950; 2007). O comportamentorecente do PIB na Amazônia mostra que ela tem cres-cido a taxas menores que a média nacional, chegandoem 2006 a somente 7,76% do PIB nacional. As mai-ores economias amazônicas encontram-se nos esta-dos do Pará (R$ 44,37 bilhões), Amazonas (R$ 39,16bilhões), Mato Grosso (R$ 35,28 bilhões) e Maranhão(R$ 28,62 bilhões). O PIB per capita (R$ 8,37 mil)cresceu cerca de 1% ao ano nos últimos anos na re-gião, mantendo-se menor que a média brasileira. Em1985, o PIB per capita da região era o equivalente a52,1% do PIB per capita médio do Brasil. Em 2006esta proporção foi de 65,9%, sugerindo significativamelhoria (IBGE, 1985; 2006). Todavia, a qualidadede vida da população ainda é insuficiente. O Índicede Desenvolvimento Humano (IDH), que consideraindicadores de educação, longevidade e renda de oitodos nove estados da região, é inferior ao IDH nacio-nal, exceção feita ao estado de Mato Grosso (0,773).Por esses aspectos, pode-se questionar o modelo dedesenvolvimento adotado historicamente para a Ama-zônia brasileira, pois, além de não promover a efetivamelhoria da qualidade de vida das populações resi-dentes, ainda promove grandes impactos e gravesdanos ambientais. Entre esses impactos, o mais evi-dente é o desmatamento, que já destruiu aproxima-damente 15% da área original (Brasil, 2007), ou seja,732 mil km² de florestas nativas.

Diversas são as causas apontadas para odesflorestamento na Amazônia brasileira presentes na

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literatura nacional e internacional. Entretanto, a gran-de maioria dos estudos carece de profundidade. Porisso, ainda existem controvérsias sobre os fatoresdeterminísticos do desmatamento regional, principal-mente quanto à contribuição específica de cada fator.Os fatores identificados como determinísticos em al-guns estudos localizados são apresentados pelo Qua-dro 1. Podem-se verificar as freqüências com que osfatores aparecem nos resultados dos trabalhos exa-minados. Os apontados com maior freqüência comodeterminísticos foram: fatores de transporte e rodo-vias, a pecuária e a agricultura. Com menores fre-qüências apareceram as atividades madeireiras, o pre-ço da terra e a população. Citados por apenas umestudo cada, os preços dos produtos agrícolas, o cré-dito rural e as distâncias às capitais estaduais.

Os resultados de mais de 140 modelos econô-micos que analisaram as causas do desflorestamentodas florestas tropicais foram sintetizados por Angelsene Kaimowitz (1999). Esses estudos sugeriram que osfatores que promoviam o desflorestamento até entãoeram: a provisão de estradas, os preços dos produtosagrícolas, os baixos rendimentos dos trabalhadores,o crescimento populacional, o montante de rendimen-tos, o crescimento econômico e a adoção de políticasliberais.

Recente pesquisa sobre os fatores determinantesdo desmatamento na Amazônia, bem como sobre avalorização de serviços ambientais (Rivas; Mota eMachado, 2008; Santana, 2008 e Rivas, 1998), esbo-

çam um panorama sobre os principais problemas doavanço da fronteira agrícola e sobre as causas dodesmatamento na região amazônica brasileira, em quesão apresentados modelos univariados e multivariadosque buscam explicar as causas do desmatamento eproposições, com a finalidade de subsidiar as políti-cas públicas ambientais regionais. A idéia central é oaproveitamento dos serviços ambientais proporcio-nados pelos recursos naturais da região. Os fatoresdeterminísticos do desmatamento da Amazônia fo-ram avaliados também por Reis e Margulis (1991).Os autores utilizaram uma regressão múltipla, comdados de 1985, para estudar uma cross-section de165 municípios amazônicos. Os resultados mostra-ram que o desmatamento regional era função de po-pulação, área plantada, pecuária (cabeças), madeira,densidade rodoviária e distância à capital estadual.

Estudando a pressão humana sobre os recursosda Amazônia, Barreto et al. (2005), sugeriram que asprincipais causas do desmatamento são a pecuária decorte (que ocupava até 2005 cerca de 70% da áreadesmatada); as culturas anuais, como soja, arroz emilho, principalmente as mecanizadas; o baixo preçoda terra; o crescimento populacional; a exploraçãode madeira e a construção de estradas. A pecuária, aexpansão da soja mecanizada, a abertura de estradasclandestinas, a extração irregular de madeira e os gran-des investimentos em infra-estrutura, especialmenterodovias de penetração, foram apontados por Alves(2001) como vetores do desmatamento. Além disso,

Quadro 1 – Fatores do desmatamento na Amazônia, segundo diferentes autoresOrganização dos autores

aspecto/estudo Reis;

Margulis (1991)

Young (1998)

Pfaff

(1999)

Alves (2001)

Margu lis (2003)

Simon; Garagorry

(2005)

Barreto et al.

(2005)

Ewers; Laurance (2006)

Pfaff et al. (2007)

Domingues Martinelli; Eh leringer

(2007)

transporte/estradas/custos de transporte • • • • • • pecuária • • • • • • agricultura • • • • • madeira • • • população • • preço da terra • • preços agrícolas • • distância à capital estadual • • crédito rural •

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o autor chamou a atenção para a contribuição daspráticas de grilagem de terras públicas e da criaçãode assentamentos rurais.

Margulis (2003) argumentou que no início dé-cada de 1990 os desmatamentos estavam relaciona-dos ao crescimento da pecuária de grande e médioporte, diferentemente do ocorrido nas décadas de1970 e 1980, quando a ocupação dava-se por influ-ência governamental. Já na segunda metade da dé-cada de 1990 e no início da década de 2000, osdesmatamentos estariam ocorrendo por causa dapecuária de média e grande escalas. A dinâmica deocupação na década de 1990 obedeceu à lógica ma-joritariamente privada e tornou-se autônoma. Entreas causas dessa transformação destacam-se as mu-danças e adaptações da tecnologia e dogerenciamento da atividade pecuária às condiçõesgeoecológicas da Amazônia Oriental, o que permi-tiu maiores produtividades e menores custos. O au-tor identificou ainda que as infra-estruturas, comoas estradas, estavam diretamente associadas aodesmatamento regional.

Em uma revisão da literatura acerca dos pro-cessos que podem levar à destruição da FlorestaAmazônica, Nepstad et al. (2008) discutiram as inter-relações dinâmicas entre aspectos ecológicos, eco-nômicos e climáticos, cujos ciclos positivos podempromover à substituição da floresta. Ao destacaremas relações econômicas, eles sugeriram que o aumentoda demanda mundial por biocombustíveis e raçãoanimal deve provocar aumento na produção de canade açúcar no sul do território nacional, o que devepromover um aumento da produção de soja na Ama-zônia, fato que poderá ampliar os desmatamentos naregião. Neste contexto, deve-se atentar para os cus-tos de produção e, principalmente, os preços da sojae da carne bovina, como incertezas críticas, pois elessão capazes de promover diferentes cenários regio-nais. Pode-se sugerir que estes cenários tendem aconvergir para o aumento da pressão por espaços paraprodução agropecuária na Amazônia, especialmente,na Amazônia Oriental. Além disso, sabe-se que aampliação das áreas produtivas tem sido realizada comfacilidade na região.

O desmatamento na Amazônia não segue umúnico padrão pré-estabelecido, mas é sim múltiplo

em suas origens e processos, dependendo do tempoe da localização espacial. Trata-se de um sistema derelações complexas, cujo conhecimento deve seraprofundado para um melhor planejamento do de-senvolvimento regional. Na região da fronteiraagropecuária, essas relações, assim como odesmatamento, são mais intensas do que nas porçõesno noroeste da Amazônia.

De maneira geral, destacam-se neste estudocomo elementos-chave dessa dinâmica dodesmatamento regional: atividades produtivas (pro-dução de grãos, madeira e pecuária), incêndios flo-restais e a criação de áreas protegidas e assentamen-tos rurais. Gerado por políticas de desenvolvimentoque não foram capazes de atender as necessidades deuma grande parcela da população, pela provisão deinfra-estruturas (principalmente rodoviárias) e peloaumento do preço da terra, entre outros fatores,encontramo-nos em um período histórico de grandepressão por terras na Amazônia. Esta grande pres-são social garante o aumento de políticas públicas dereforma agrária. (Barreto et al., 2005). Isso aumentaa pressão por terras e políticas de reforma agrária. Acarência de fiscalização, além da extração e venda damadeira, geram um ambiente favorável à ampliaçãodas intensidades das disputas pela posse da terra. Isso,em conjunto com a morosidade do processo detitulação, promove o “desmatamento por precaução”,mais violência e maiores índices de criminalidade(Hoefle, 2006). Assim, o ambiente torna-se cada vezmais inóspito ao exercício da fiscalização, levando aum novo ciclo de auto-amplificação no sistema.

A infra-estrutura, elemento importante nas di-nâmicas do sistema, pode causar desmatamento dire-tamente ou pela grande influência que tem sobre ou-tros elementos, como a criação de estruturas e servi-ços suporte à pecuária. Isso amplia a lucratividadedo setor e faz crescer os rebanhos e as áreas de pas-tagens, o que gera aumento de investimentos em equi-pamentos para a pecuária (Escada et al., 2005). Ospreços mais baixos da terra e a produtividade maisalta tornam as pastagens mais lucrativas na Amazô-nia do que em outras regiões. Esses aspectos possibi-litaram o fortalecimento do mercado de terras na re-gião. A facilidade de comercialização de terras origi-na, geralmente, uma corrida pela posse, com conse-

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qüente desmatamento, pois este é o meio de se ga-rantir a propriedade (Muchagata e Brown, 2003).

A produção de grãos é outro relevante fator dedesmatamento regional e a sua sinergia com outrasatividades produtivas exige atenção especial. A cul-tura de grãos tem pressionado a Amazônia,destacadamente as áreas mais externas. Isso causaum aumento dos preços da terra. Além disso, as áre-as ocupadas pela pecuária, por terem baixo valor,proporcionam ganhos para o pecuarista, que promo-ve um aumento do rebanho e conseqüentemente, no-vos desmatamentos para dar lugar a pastagens. Essefato tem levado a um deslocamento da pecuária paraas áreas mais internas da floresta, promovendo odesmatamento e abertura de novas frentes de expan-são (Margulis, 2003) que são viabilizadas socialmen-te pelos interesses convergentes entre madeireiros,trabalhadores rurais e agricultores despossuídos.

O crescimento da agricultura, assim como dapecuária, promove aumento do número de queima-das e incêndios descontrolados, com conseqüenteperda da cobertura florestal. A queima da floresta re-duz a sua capacidade de sobreviver a novas queima-das, ou seja, ela fica mais suscetível à recorrência dofogo, perde a sua capacidade original de regeneraçãoe torna-se um tipo de savana ou cerrado. A queimadaainda é o instrumento mais usado para limpar o soloimediatamente após o desmatamento para estabele-cer a pequena agricultura e para a manutenção depastagem. A perda de grande parte da cobertura flo-restal, principalmente por incêndios, emite uma grandequantidade de CO

2 e outros gases à atmosfera e re-

duz a capacidade de a floresta absorver CO2 (seqües-

tro). Disso decorre um aumento nas emissões de CO2

à atmosfera que, juntamente com as emissões glo-bais, em médio prazo, pode contribuir significativa-mente para acelerar os efeitos das mudanças climáti-cas globais. O aquecimento leva a um aumento detemperatura em toda a região, aumentando asuscetibilidade das florestas a incêndios. Além disso,promove alterações nos regimes de chuvas. Algumasprojeções indicam, que deverá ocorrer um aumentogeral na intensidade das chuvas na Amazônia (IPCC,2007), exceto em trechos de sua porção extremo-oriental (Ometto et al., 2005), onde poderá ocorrerredução delas.

O previsto aumento de incidência de chuvas emquase toda a Amazônia deve causar grandes impac-tos, entre eles maior incidência de pragas e doenças ea redução da capacidade de execução de colheita me-canizada. Estes fatores prejudicariam a produção agrí-cola e para a pecuária, que podem sofrer uma granderedução em longo prazo na região, delegando paraas futuras gerações um grande passivo ambiental.

Neste contexto pode-se argüir como prover umamelhoria da qualidade de vida das presentes gera-ções de seres humanos, principalmente aqueles quevivem na região, em combinação com a proteção dosrecursos naturais, a fim de permitir o seu aproveita-mento pelas futuras gerações. Este é um grande de-safio para a Amazônia. O fato é que ainda prevale-cem na Amazônia práticas de apropriação dos recur-sos naturais sem qualquer intervenção ou controlepúblico efetivo. O registro irregular de terras é in-centivado pela ineficiência da fiscalização, pela pre-cariedade das instituições locais, pelas grandes ex-tensões territoriais e pelo envolvimento de autorida-des por interesses particulares (Sayago e Machado,2004). Neste ambiente, as demandas de mercado,tanto doméstico como internacional, impulsionam li-vremente o crescimento econômico e debilitam aspolíticas ambientais na Amazônia, principalmente, emsua porção oriental.

Fatores Político-Econômicos doDesmatamento na Porção oOiental doBioma Amazônia

Amazônia Oriental: uma breve caracterização

A porção oriental do bioma Amazônia contém403 (dos 551 municípios do bioma) (IBGE, 2006) euma população residente de 13,17 milhões de habi-tantes (IBGE, 2007). O solo está, em grande maio-ria, coberto por florestas. São 1,22 milhões km2

florestados (INPE, 2008) em um território de 2,34milhões km2 (IBGE, 2000). Deste total, 0,88 milhãokm2 (37,61%) encontra-se abrigado em unidades deconservação ou terras indígenas (MMA, 2009). Alémdisso, o Brasil tem uma extensa legislação ambientalque incide sobre a Amazônia, de forma a combater,dentre outros, o desmatamento regional. Nas propri-

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Fatores político-econômicos do desmat amento na Amazônia Orient al

edades privadas, a obrigatoriedade de se preservar80% da área como reserva legal além das Áreas dePreservação Permanentes (APPs), se houverem cor-pos d’água no interior da propriedade, é uma das maisrestritivas, apesar de ser historicamente de difícil cum-primento (Barreto et al. 2005). Foram desmatados468 mil km2 de florestas nativas na Amazônia Orien-tal (INPE, 2008). O Gráfico 1 destaca a evolução daárea desmatada nos últimos anos.

Pode-se perceber uma forte queda nos níveis dedesmatamento anual entre o período de 2003/2004 e2005/2006. São muitos os fatores apontados para estecomportamento, entretanto, são comuns as flutuaçõesem séries temporais do desmatamento na Amazônia(Ewers, Laurance e Souza Jr., 2008). As forças mo-trizes deste comportamento cíclico ainda são de difí-

cil compreensão, por causa da carência de séries tem-porais mais longas e completas.

A Amazônia Oriental é uma região heterogêneaem suas formas de ocupação territorial e temporal. Asua ocupação territorial foi historicamente influenci-ada por forças externas a este território, como políti-cas públicas federais de desenvolvimento e os preçosdos produtos agropecuários e minerais, associados àlocalização e às características ambientais (clima,qualidade do solo e dos corpos d’água), que variamentre as suas sub-regiões (Becker, 2004): 1) a do arco

da embocadura, que se estende do sul do Amapá atéSão Luiz, incluindo Belém; 2) o da fronteira de pre-servação, que engloba parte do noroeste do Pará enordeste do Amapá, incluindo a fronteira com aGuiana; 3) a dos núcleos de modernização do leste esudeste do Pará; 4) a do corredor Araguaia-Tocantins;5) a do vale do Amazonas; 6) o da Transamazônica eo das frentes de expansão, 7) Terra do Meio e 8) cu-nha do Tapajós.

As atividades produtivas regionais historicamen-te relacionadas ao desmatamento regional são a pe-cuária bovina, a agricultura (principalmente a produ-ção de grãos em grande escala), a extração de madei-ra em tora, a mineração, a produção de carvão vege-

tal. Mais recentemente (BRASIL, 2007), aponta-separa a importância e necessidade de investimento naprodução do extrativismo florestal não-madeireiro.A Tabela I mostra a evolução recente desses aspec-tos na região de estudo.

Em 2007 houve uma queda de 7,75% no núme-ro total de cabeças de gado bovino (49,541 milhões)em relação a 2006. Ao contrário, a área plantada cres-ceu de 79,815 mil km2 em 2006 para 92,278 mil km2

em 2007. A grande correlação espacial entre essesdois fatores possibilita sugerir que nesse período par-

21.86423.311

17.165

9.315 8.3829.655

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

2002/2003 2003/2004 2004/2005 2005/2006 2006/2007 2007/2008

Área desmatada (km2)

Gráfico 1 – Evolução da área desmatada anualmente na Amazônia Oriental, 2003-2008Fonte: INPE/PRODESOrganização dos autores

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te das áreas de pastagens foi substituída por lavouras.Quanto ao extrativismo florestal, a produção de10.659 mil m3 de madeira em tora em 2006 caiu para10.305 mil m3 em 2007. Já a produção de carvão ve-getal cresceu continuamente desde 2004. Em 2006foram 741 mil toneladas e em 2007 esta produçãosubiu para 745 mil. A produção do extrativismo não-madeireiro teve um pequeno crescimento em 2007,R$ 134 milhões, recuperando-se da queda sofrida em2006, expressa pela cifra de R$ 131 milhões. Esses eoutros fatores foram avaliados e integram os resulta-dos deste estudo.

Procedimentos metodológicos

A pesquisa foi realizada em quatro etapas bá-sicas. Inicialmente, foi feito um estudo aprofundadoda literatura nacional e internacional sobre odesmatamento da Amazônia e as suas causas. A se-gunda etapa foi a construção de um banco de da-dos sobre os municípios pertencentes à área dedomínio do bioma Amazônia (estados do Acre,Pará, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão). Osdados foram coletados principalmente junto ao Ins-tituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),principalmente, a Produção da Pecuária Municipal,a Produção Agrícola Municipal e a Produção daExtração Vegetal e da Silvicultura. Dados sobre avariável principal, os desmatamentos, vêm do Pro-

Tabela I: Evolução de atividades produtivas na Amazônia Oriental, 2001-2007

grama de Cálculo do Desflorestamento da Amazô-nia (PRODES) do Instituto Nacional de PesquisasEspaciais (INPE). De 1988 a 2002, a interpreta-ção das imagens foi realizada por meio de inter-pretação visual de imagens impressas em papel fo-tográfico. A partir de 2003, o INPE adotou o pro-cesso de interpretação assistida pelo computador,chamado de programa PRODES Digital para dis-tingui-lo do processo anterior. As áreas protegidase as distâncias das sedes dos municípios ao escri-tório do IBAMA regional mais próximo foram cal-culadas utilizando-se a projeção Albers Equal AreaConic na ferramenta Arc Gis 9.3, a partir das res-pectivas malhas digitais (shapefi les)disponibilizadas pelo Ministério do Meio Ambien-te (MMA).

A terceira etapa envolveu a elaboração do mo-delo econométrico capaz de representar as taxas dedesmatamento anual em função de políticas públicas,aspectos institucionais e atividades produtivas. Foirealizada uma regressão linear múltipla por MínimosQuadrados Ordinários, empregando a logaritmizaçãodupla (utilizando os logaritmos naturais tanto da va-riável dependente como das independentes). A regres-são múltipla envolve o estudo da dependência de umavariável em relação a duas ou mais variáveis distin-tas, com o objetivo de estimar o valor médio da vari-ável dependente em função dos valores das variáveisexplicativas (Gujarati, 2000). O modelo gerado nes-

Fonte: organizado pelos autores a partir dos dados primários do IBGE – Pesquisa daPecuária Municipal, Pesquisa da Produção Agrícola Municipal e Pesquisa da Produ-ção do Extrativismo Vegetal e da Silvicultura (2001-2007).

Atividades

produtivas 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

rebanho bovino (mil cabeças) 36.588 40.414 44.961 52.472 54.822 53.378 49.541

área plantada (km2) 48,733 59.288 68.709 82.267 92.204 79.815 92.278

madeira em tora (mil m3) 15.958 15.922 14.566 13.586 10.909 10.659 10.305

carvão vegetal (T)

1.082.60

9

1.221.10

2

1.560.27

3

412.59

3

687.08

6

741.00

4

745.18

1

extrativismo não-madeireiro (R$ 1000) 100.292 98.736 93.250

102.62

2

112.29

4

131.06

5

134.43

4

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Fatores político-econômicos do desmat amento na Amazônia Orient al

te estudo para o comportamento das taxas anuais dedesmatamento (TxD

i) em função das variáveis

explicativas xi pode ser descrito como:

É importante atentar que buscou-se nesta pes-quisa usar os fatores (driving forces) relacionados emprimeiro nível (diretas) com as taxas anuais dedesmatamento municipais, inicialmente identificadasnas dinâmicas do desmatamento reveladas pela lite-ratura. Neste sentido, este estudo distingue-se dosdemais, que focalizaram a construção de uma equa-ção econométrica válida para previsão, sem esta pre-ocupação. Por isso, os testes R2 e F de Fisher devemser mais baixos e a multicolinearidade incidente nomodelo tende a ser leve.

Fatores do desmatamento na Amazônia Oriental

Tabela II – Resultados para os coeficientes da regressão múltipla por MQO

SIG. = 0,000). Os resultados dos coeficientes da re-gressão múltipla por série de corte (2007/2008), apre-sentados pela Tabela II, revelam que a taxa anual dedesmatamento - TxD

i é função, diretamente: da taxa

de crescimento da área agropecuária (pastagens e la-vouras) - TxC_Agropecuária; da taxa do valor daprodução de madeira em tora - Tx_Madeira; da taxado valor da produção de carvão vegetal – Tx_Carvão;da taxa da distância da sede do município ao escritó-rio regional do IBAMA mais próximo – TxD_Ibama;e da taxa de estoque florestal – Tx_Área Florestada.E, inversamente: da taxa do valor da produção doextrativismo florestal não-madeireiro –Tx_Extrativismo e da taxa de áreas protegidas (uni-dades de conservação e terras indígenas) – Tx_ÁreaProtegida.

O coeficiente â em uma regressão utilizando alogaritmização dupla permite a imediata revelação daselasticidades da variável dependente em relação àsvariáveis explicativas. Dessa forma, pode-se afirmarque um aumento de 1% na taxa de crescimento anualda área agropecuária corresponderá a um aumentode 0,335% nas taxas anuais de desmatamento. Ouseja, para cada 6,77 km2 de incremento na áreaagropecuária, deve ocorrer um aumento de 3,44 km2

no desmatamento.Estudos sugerem a pecuária (Reis e Margulis,

1991; Margulis, 2003; Domingues, Martinelli eEhleringer, 2007) e a agricultura (Simon e Garagorry,2002; Vieira e Proctor, 2007), especialmente de grãos(Perz, 2003; Morton et al., 2006; Steward, 2007),como principais fatores do desmatamento, conferin-

As variáveis envolvidas foram analisadas utili-zando-se suas taxas espaciais, ou seja, seus valoresdivididos pelas áreas territoriais municipais. Isto foifeito para eliminar vieses causados por diferentes di-mensões nos casos, reduzindo a incidênciamulticolinearidade e o aumento da clareza na inter-pretação dos resultados.

O modelo estimado para o período 2007/2008forneceu parâmetros aceitáveis quanto a suassignificâncias estatísticas (R2

adj. = 0,628; F = 57,175;

(1)

* variável dependente: ln (TxDi)

c o ef i cie n te s

t

S ig.

co l i n ear id a de

β d p B e ta T o le ra n ce V I F

(c on s ta nte ) - 3 ,63 9 ,2 5 4 - -14 , 2 98 ,0 0 0 - -

l n ( T xC_ A gro p ec uá r ia ) ,35 5 ,0 4 5 ,3 5 9 7 , 8 8 5 ,0 0 0 , 7 6 4 1,3 10

ln ( T x_ M ad e ir a) ,14 3 ,0 3 8 ,1 5 8 3 , 7 7 3 ,0 0 0 , 9 0 0 1,1 11

ln ( T x_ C a rvã o ) ,16 6 ,0 2 1 ,3 3 0 7 , 8 7 5 ,0 0 0 , 9 0 0 1,1 11

ln ( T x_ E x t rat i v i s mo ) - , 11 8 ,0 3 4 -, 1 4 5 -3 , 4 5 1 ,0 0 1 , 8 9 7 1,1 15

ln ( T xD _Ib a m a ) ,08 4 ,0 2 8 ,1 2 4 3 , 0 0 7 ,0 0 3 , 9 3 7 1,0 67

ln ( T x_ Á re a P r o te g id a) - , 07 8 ,0 2 0 -, 1 7 1 -3 , 9 1 9 ,0 0 0 , 8 2 8 1,2 08

ln ( T x_ Á re a F lo re s ta d a) ,90 4 ,0 5 7 ,7 1 6 15 , 7 59 ,0 0 0 , 7 6 7 1,3 04

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do-lhes um grande percentual de influência. Entre-tanto, pode-se questionar a utilização nesse tipo deinterpretação das variáveis do tipo estoque (Lambinet al., 2001). Por exemplo, se não houver variação naárea agropecuária, a influência desse fator tende aser baixo, pois o desmatamento ocorre somente pormobilidade interna. Mas, a utilização dessas variá-veis tende a agregar fatores correlacionados histori-camente tanto com a agricultura e a pecuária comocom a produção de madeira ou carvão, alterando osseus coeficientes e os de outros fatores explicativos.

Outro aspecto que deve ser observado é a fortecorrelação entre as atividades pecuária e agrícola. Sãodinâmicas semelhantes, que envolvem a ocupação doterritório, diferente das produções de madeira e car-vão, que são provisórias e altamente itinerantes. Alémdisso, as áreas das propriedades agropecuárias po-dem ser facilmente convertidas de uma atividade emoutra, dependendo das oportunidades. Esses fatoresdevem assim ser levados em consideração em qual-quer análise do processo de desmatamento na Ama-zônia, pois a sua não-observação pode afetar a análi-se do fenômeno.

A produção de madeira em tora é outro fatorcausal do desmatamento vastamente abordado na li-teratura pertinente (Arima et al., 2005; Lorena eLambin, 2009). Historicamente, a madeira vem per-dendo espaço na Amazônia. A produção de madeiraem tora teve grande força até meados da década de1990. A partir de então houve grande queda na pro-dução oficial. Todavia, a quantidade produzida aindapode ser considerada elevada. Na porção oriental dobioma, os resultados sugerem que um crescimentode 1% na produção de madeira em tora equivale aum aumento de 0,143% nas taxas anuais dedesmatamento. Deve-se ressaltar que não estão dife-renciadas aqui as formas de exploração da madeira.A exploração com utilização de adequado manejo flo-restal tende a promover significativa redução de da-nos (Mota et al., 2008; Ellis e Porter-Bolland, 2008),apesar de ocorrer em menor proporção.

O contínuo e intenso crescimento recente daprodução de carvão na região é preocupante. Por suacaracterística itinerante, a produção deste que podeser considerado o menos nobre dos produtos flores-tais tende a ser de difícil fiscalização. Apesar disso,

pouco se aborda este produto como causa relevantedo desmatamento na Amazônia (Barreto et al., 2005).Todavia, os resultados mostram que a sua influênciafoi maior que a da produção de madeira em tora. Ocoeficiente estimado sugere que para cada aumentode 1% na produção de carvão vegetal, há uma eleva-ção de 0,166% nas taxas anuais de desmatamento.Ou seja, o incremento de mil toneladas de carvão anualna produção tende a elevar a área desmatada anualem 247 km2. Portanto, urge um acompanhamentomais sistemático dessa produção. Além disso, o pro-cesso de fiscalização deve ser mais rigoroso com estetipo de atividade na Amazônia Oriental.

Recentemente tem-se demonstrado especial in-teresse pelas atividades tradicionais dos habitantesda floresta (Ostrom, 2008). O extrativismo florestalnão-madeireiro (alimentos, fibras, fármacos, ceras,óleos) tem sido sugerido como um fator importantepara a promoção do desenvolvimento sustentávelda Amazônia. Na Amazônia Oriental, entretanto, aatividade ainda é pouco desenvolvida em relação aoseu potencial. Grande maioria da produção é com-posta por produtos alimentícios e oleaginosos. Parailustrar este baixo aproveitamento, pode-se verifi-car que, em 2007, dos mais de R$ 134,43 milhõesproduzidos pelo extrativismo não-madeireiro naAmazônia Oriental, R$ 115,65 mil (86,02 %) sãoprodutos voltados à alimentação (IBGE – Produ-ção do Extrativismo Vegetal e da Silvicultura, 2007).A produção de ceras foi de somente R$ 1,84 mil(1,37%) e a produção voltada para produção defármacos de apenas R$ 104, ou seja, menos de 0,01%do valor total da produção do extrativismo não ma-deireiro.

Apesar desse baixo aproveitamento, oextrativismo florestal não madeireiro surge como im-portante fator de proteção florestal contra o proces-so de desmatamento. Os resultados evidenciam queum aumento de 1% no valor da produção extrativistatraz uma redução de 0,118% na taxa anual dedesmatamento. Não foram localizados estudosaprofundados sobre as relações entre o extrativismoe a proteção florestal na Amazônia. Assim, esta evi-dência sugere a necessidade de maior aprofundamentonos estudos sobre as suas relações com a floresta,

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Fatores político-econômicos do desmat amento na Amazônia Orient al

com o mercado e com os outros fatores dodesmatamento regional.

Outro aspecto que vem sendo apontado comocausa da redução do desmatamento na Amazônia é amelhoria dos processos de fiscalização (BRASIL,2007; Nepstad et al.; 2010). Os resultados deste es-tudo mostram que, nesta porção do território, as ta-xas anuais de desmatamento são função da distânciados municípios (sedes) até o escritório regional doIbama mais próximo. Ou seja, quanto maior a distân-cia, maiores as taxas de desmatamento. Para uma re-dução de 1% na distância ao escritório regional, há,em média, uma redução de 0,084% nas taxas dedesmatamento municipal. Essas evidências podemestar relacionadas a três aspectos. Primeiro, ao pro-cesso de fiscalização das atividades antrópicas, à infra-estrutura dos escritórios e à própria inibição pela pre-sença do órgão. Neste sentido, pode-se sugerir a in-vestigação desses aspectos e das suas relações com odesmatamento regional.

As áreas protegidas consistem na mais utilizadapolítica de proteção ambiental no Brasil. Neste tra-balho foram compostas pela soma das áreas das uni-dades de conservação de proteção integral, unidadesde conservação de uso sustentável e terras indígenas.São apontadas como importantes para a contençãodo desmatamento na Amazônia, entretanto, o seuprincipal propósito é proteger determinadas áreasconsideradas mais relevantes por diversos aspectos.Afirma-se (Ferreira, Venticinque e Almeida, 2005;Clark, Bolt e Campbell, 2008) que elas são relevan-tes para a redução do desmatamento regional. Os re-sultados deste estudo confirmam essas conclusões.Para um aumento de 1% na extensão das áreas pro-tegidas, pode-se esperar uma redução de 0,078% nastaxas anuais de desmatamento.

Apesar de sua grande ocupação percentual doterritório e de sua capacidade de resguardar determi-nadas porções territoriais, sugere-se que a sua influ-ência não seja tão alta. Isso pode ocorrer, pois aindahá grande quantidade de área florestada externa àsáreas protegidas aqui agrupadas. Além disso, a pecu-ária e a agricultura, atividades que ocupam tambémpara assegurar os direitos de propriedade, buscamáreas externas a esses espaços protegidos para ocu-pação definitiva. Isso leva a uma ocupação alternati-

va, grande parte sobre áreas florestadas não-protegi-das. Há grande estoque florestal disponível que ocu-pa um percentual significativo do território ainda não-antropizado. Os resultados mostram que a taxa decobertura florestal municipal é, entre os fatores aquiobservados, o mais relevante para o comportamentodas taxas de desmatamento. Uma redução de 1% noestoque florestal equivale a uma redução de 0,904%nos desmatamentos anuais.

Por intermédio dos coeficientes padronizados‘Beta’, é possível sugerir diferenças nas influênciasdesses fatores nas taxas anuais de desmatamento noperíodo de 2007/2008. A atividade econômica quemais influenciou o desmatamento regional foi aagropecuária, mas a produção de carvão vegetal tam-bém teve significativa influência. Isso pode ter ocor-rido por causa do acentuado crescimento do carvão,aliado a queda nas taxas de crescimento da áreaagropecuária e a existência de uma área ainda ociosanas propriedades agropecuárias, pois a área efetiva-mente ocupada em 2006 foi bem menor que em 2007,permitindo a reocupação.

Sugere-se (Ostrom, 2009) que a presença dascomunidades tradicionais e a valorização da flores-ta pelos beneficiários diretos do extrativismo repre-sentam uma força capaz de reduzir a vulnerabilidadedas florestas. O extrativismo teve uma influênciainversa e significativa nas taxas de desmatamento (-0,145), semelhante até mesmo à das áreas protegi-das (0,171), conforme evidenciado por seus respec-tivos coeficientes Beta. Neste sentido, na Amazô-nia, as porções florestais não-protegidas são as maisvulneráveis, conforme demonstram os resultadosdeste estudo, o incremento do extrativismo pode seconstituir em uma eficiente estratégia de proteçãoflorestal.

Os indicadores de colinearidade (Tolerance eValue Inflation Factor - VIF) mostram uma pequenarelação inversa entre o crescimento da áreaagropecuária e a área florestada. Isso pode estar ocor-rendo devido à importância histórica da atividadeagropecuária como promotora do desmatamento acu-mulado regional. Pode-se verificar que a incidênciade multicolinearidade no modelo é leve e que, destaforma, os coeficientes podem ser interpretados semproblemas.

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Considerações finais

Os esforços para o desenvolvimento da Ama-zônia esbarram na ineficiência da proteção dos re-cursos naturais. Percebe-se a ameaça aos recursos daAmazônia pelas atividades produtivas extensivas, que,em muitos casos, podem ser entendidas como pega-das ecológicas de outras nações e de outras regiõesque demandam esses recursos. Por outro, o uso sus-tentável dos recursos naturais da Amazônia pode seruma grande oportunidade estratégica para o Brasilem um contexto de transformações globais, avançotecnológico e biotecnológico, supervalorização soci-al da natureza, escassez de recursos naturais, entreoutros aspectos.

O desmatamento recente na Amazônia Orientalé função, entre outros fatores, da agropecuária, daprodução de madeira em tora e da produção de car-vão e do estoque florestal. Por outro lado, as áreasprotegidas, a produção extrativista não madeireira ea proximidade a um escritório regional do Ibama sãoaspectos que podem ser entendidos como protetoresda floresta contra o desmatamento promovido poraqueles.

Entende-se que a problemática dodesmatamento da Amazônia é complexa, por envol-ver aspectos sociais, econômicos e ambientais eminteração dinâmica não-linear. Neste sentido, a capa-cidade de regulação do processo de desenvolvimen-to envolve entes de diversos níveis (federal, estaduale municipal) que têm capacidades diversas em ter-mos de recursos financeiros, materiais e humanos.Pode-se questionar se esses aspectos colaboram paraa ineficiência da utilização preponderante dos instru-mentos de comando e controle na proteção dos re-cursos naturais nesta porção do bima. Por isso, pode-se sugerir que o uso instrumentos econômicos auxili-ares pode vir a gerar resultados mais expressivos.

As relações da criação pecuária bovina e da pro-dução de grãos com os desmatamentos preocupamfrente à questão do desenvolvimento regional, porserem atividades extensivas que, na maioria dos ca-sos, geram concentração de renda, e não uma maiordistribuição dela. Além disso, as vastas porçõesterritoriais exigidas para pastagens e plantações indi-cam que estas atividades, da forma como estão ocor-

rendo, podem ser consideras inadequadas ao desen-volvimento sustentável regional.

A carência de conhecimentos disponíveis sobreaspectos da dinâmica ecológico-econômica regionalnão deve ser vista como um empecilho à ação, massim como um direcionamento para a geração de mai-or conhecimento e para precaução quanto ao uso dosrecursos naturais regionais. Por esses aspectos, pode-se sugerir os seguintes pontos, frente à necessidadede interromper o desmatamento contínuo da Amazô-nia Oriental e promover o desenvolvimento sustentá-vel regional: 1) promover o aumento da produtivida-de das áreas já ocupadas; 3) estudar alternativas deprodução nas áreas atualmente ocupadas pela produ-ção de grãos e pecuária bovina; 4) restringir a produ-ção de madeira sem o adequado manejo florestal; 5)rever a política de incentivos e custeio para a pecuá-ria bovina e para a agricultura; 6) incentivar oextrativismo não-madeireiro, principalmente em flo-restas externas às áreas protegidas; e 7) ampliar apresença do Ibama.

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Fatores político-econômicos do desmat amento na Amazônia Orient al

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Unidades de Conservação deSanta Catarina

Este estudo tem como foco as Unidades de Conservação Estaduais de Santa Catarina.Os objetivos são compreender a importância e a motivação da criação destas áreasprotegidas; analisar seus processos de implementação; e sua contribuição no cenárioconservacionista para a manutenção das funções ecológicas e preservação do patrimônionatural do estado. A metodologia empregada para coleta dos dados baseou-se em le-vantamento bibliográfico de dados secundários, entrevistas com a Fundação de MeioAmbiente (FATMA) e consulta a banco de dados do Instituto Chico Mendes de Con-servação da Biodiversidade (ICMBio). Os resultados encontrados revelam a existên-cia de um arcabouço legal mínimo para fortalecimento do sistema estadual de unida-des de conservação. No entanto, demonstra que nem todas as UCs criadas possuemsuporte e condições adequadas no sentido de atender os objetivos que justificaram asua criação, assinalando fragilidades que demandam a revisão e a incorporação deações para que as políticas públicas que tratam da conservação de áreas protegidas setornem mais efetivas.

Mariana Vitali1, Vivian Mara Uhlig2

1 Bióloga, M.Sc. Fundação Nacional de Saúde – [email protected].

2 Bióloga, M.Sc., Instituto Chico Mendes de Conservação daBiodiversidade - [email protected].

RESUMO

ABSTRACT

This study focuses on the conservation areas of Santa Catarina’s State. The goals areto understand the importance and motivation for the creation of the protected areas,analyze their implementation processes, and their contribution to the conservationscenario for the maintenance of ecological functions and conservation of the State’snatural resources. The methodology used for data collection was based on literaturereview of secondary’s references sources, interviews with the Environmental Foundation(FATMA) and query the database from the Chico Mendes Institute for BiodiversityConservation (ICMBio). The results reveal the existence of a minimum legal frameworkfor strengthening the protected areas system studied. However, it shows that not allconservation areas have created the appropriate conditions and support to meet theobjectives that justified its creation, pointing out weaknesses that require review andincorporation of actions to become public policies of protected areas more effective.

Recebido em 15.12.2009Aceito em 07.04.2010

Palavras-Chave:ConservaçãoUnidades de Conservação EstaduaisSanta Catarina

Key-words:Conservation Protected Areas Santa Catarina

S u s t e n t a b i l i d a d e

e m D e b a t e

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Unidades de Conservação de Sant a Catarina

Intr odução

Uma variedade de ecossistemas característicosda zona costeira e marinha, assim como remanescen-tes de ecossistemas florestais da Floresta Atlânticaestão representados no Estado de Santa Catarina(IBGE, 2007).

O Estado Catarinense possui uma extensãoterritorial de 95.985 km², sendo que, aproximadamen-te, 85% destes estavam originalmente cobertos porFloresta Atlântica (PROCHNOW, 2008).

O Bioma Mata Atlântica, caracterizado por ummosaico diversificado de ecossistemas, apresenta es-truturas e composições florísticas diferenciadas, de-correntes das variações de solo, relevo e característi-cas climáticas diversas em sua ampla área de ocor-rência no Brasil. Atualmente, restam 7,3% da cober-tura vegetal original deste Bioma no país, sendo San-ta Catarina o terceiro Estado com maior área de re-manescentes, resguardando, em 1995, cerca de1.666.241ha ou 17,41% da área original do biomano Estado (FATMA, 2004).

No Estado de SC o bioma abrange trêsecossistemas florestais, sendo eles: a) Florestaombrófila densa; b) Floresta ombrófila mista e c)Floresta estacional decidual (PROCHNOW,2008).

A floresta ombrófila densa ocupa predominan-temente o litoral e se estende até as serras Geral, doMar e do Espigão. Inicialmente sua área de extensãoera de aproximadamente 31.611km2 ou 32,9% do ter-ritório catarinense, considerando seus ecossistemasassociados (manguezais e restingas). De sua área ori-ginal restam aproximadamente 7.000km2, distribuí-dos em remanescentes florestais primários ou em es-tágio avançado de regeneração. A floresta ombrófilamista cobria 40.807km2, ou seja, 42,5% do territóriode SC compondo, assim, a cobertura florestal predo-minante no Estado. A floresta estacional decidualocorre nas altitudes mais baixas do vale do rio Uru-guai e de seus afluentes, ocupava 9.196km2, perfa-zendo 9,6% da cobertura florestal de Santa Catarina.Associada a ela, existem os campos nativos e as flo-restas nebulares, cujas áreas originais estimadas eram14,4% (13.794km2) e 0,6% (575km2), respectivamen-te (FATMA, 2004).

Considerando a diversidade e riqueza dopatrimônio natural da região; a forma de ocupaçãoterritorial; a estrutura fundiária, na qual predomina apequena propriedade familiar; e, em particular, a va-riedade na composição étnica da população foi insta-lado um modelo próprio de exploração sócio-econô-mica do território, em que se observou uma crescen-te participação no setor de serviços, particularmente,na exploração do turismo e no desenvolvimentotecnológico (SDM, 1997).

O processo de ocupação do espaço geográficoem Santa Catarina condicionou intensa pressão so-bre os recursos naturais restando, atualmente, frag-mentos reduzidos e isolados de biomas e ecossistemasassociados.

Nesse sentido, o presente trabalho busca apre-sentar e analisar as principais áreas estaduais prote-gidas de Santa Catarina, a fim de compreender a im-portância e motivação de criação das unidades deconservação (UCs), analisar o processo deimplementação, bem como sua contribuição para amanutenção das funções ecológicas e conservação dopatrimônio natural do Estado.

A metodologia empregada para coleta dos da-dos apresentados neste trabalho baseou-se no levan-tamento bibliográfico de dados secundários, em liga-ções telefônicas para o Núcleo de UCs da Fundaçãode Meio Ambiente de Santa Catarina (FATMA), bemcomo consultas a banco de dados disponíveis do Ins-tituto Chico Mendes de Conservação daBiodiversidade (ICMBio).

Unidades de Conservação Estaduais

O crescente processo de degradação dos ambi-entes naturais gerou iniciativas em escala mundial paracriação de áreas legalmente protegidas, por legislaçãoespecífica e com regime de uso voltado à conserva-ção. No passado, a escolha de uma área protegida sedava com base nos aspectos cênicos, potencialidadesde lazer e na disponibilidade de terra. Várias unidadesde conservação no mundo foram criadas a partir destaperspectiva. Com o avanço do conhecimento sobre adiversidade biológica e com a fundamentação teóricada biologia da conservação, novos critérios passarama ser considerados e relevantes. Atualmente, as

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Sustent abilidade em Debate

metodologias utilizadas para seleção de áreasprioritárias para conservação, baseiam-se na distribui-ção de espécies ou se fundamentam na distribuição deecossistemas (DRUMMOND et al., 2006).

• Segundo o IBAMA (2007), a escolha de umaárea com aptidão para constituir uma unida-de de conservação é efetuada com base naanálise de diversos fatores, dentre eles:

• O estado de conservação da área – uma UCdeve possuir grande parte de sua área cober-ta pela vegetação natural da região, com pou-ca ou quase nenhuma modificação antrópica;

• A presença de espécies raras, endêmicas ouameaçadas de extinção. Estas espécies sãopossivelmente as que desapareceriam primei-ro, caso as modificações em seu habitat con-tinuassem. Assim, elas devem ser considera-das como prioritárias para a conservação;

• A representatividade da região ecológica na-tural;

• A complementaridade ao atual Sistema deUnidades de Conservação (SNUC). Esta me-dida indica como a UC proposta contribuirápara a conservação de ecossistemas ou pai-sagens ainda não protegidas dentro de umadeterminada região ecológica natural;

• A diversidade de ecossistemas e de espécies;• A área disponível para implantação de uma

unidade de conservação;• O valor histórico, cultural, antropológico e

beleza cênica da região;• O grau das pressões humanas sobre a área;• A situação fundiária ou viabilidade de regu-

larização fundiária.As iniciativas para a criação das primeiras uni-

dades de conservação surgiram já no século XIX,tendo como marco a criação, nos Estados Unidos,do Parque Nacional de Yellowstone, em 1872. NoBrasil, iniciativas esparsas começaram a partir da dé-cada de 1930, com a criação do Parque Nacional deItatiaia em 1937 no Rio de Janeiro (DRUMMONDet al., 2006). Em Santa Catarina, a primeira unidadede conservação estadual foi criada em 1975, o Par-que Estadual da Serra do Tabuleiro, a maior UC do

Estado, abrangendo parte do território de nove mu-nicípios (FATMA, 2007).

Na tabela a seguir (tabela 1) são listados os prin-cipais dispositivos legais referentes às unidades deconservação de Santa Catarina. Por esta tabela, pode-se perceber o desenvolvimento dos atos de criaçãode UCs e leis de proteção do meio ambiente seguin-do uma linha cronológica. Inicia-se nos tempos atu-ais até 1975, ano de criação da primeira UC Estadualde Santa Catarina.

De acordo com o Sistema Estadual de Conser-vação da Natureza de Santa Catarina as UCs são di-vididas segundo sua categoria de uso, podendo serde: a) USO INDIRETO: aquele que não envolve co-leta, consumo, dano ou destruição dos recursos na-turais; b) USO DIRETO: aquele que envolve coletae uso, comercial ou não, dos recursos naturais (BRA-SIL, 2000).

A Diretoria de Proteção dos Ecossistemas daFATMA tem sob sua responsabilidade a gestão de 11unidades de conservação ambientais: 7 na categoriade Parque, 1 Estação Ecológica e 3 na categoria deReserva Biológica.

A Tabela 2 apresenta um quadro comparativodas 11 unidades de conservação administradas pelaFATMA, seguida de uma descrição mais detalhadadas principais características das UCs Estaduais doEstado de SC listadas.

* * *

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Unidades de Conservação de Sant a Catarina

ATOS LEGAIS DISPOSIÇÕES DECRETO ESTADUAL N°

308/2007 Define o Parque Florestal do Rio Vermelho como Parque Estadual do Rio Vermelho e dá outras providências.

LEI FEDERAL Nº 11.460/2007 Dispõe sobre o plantio de organismos geneticamente modificados em unidades de conservação; acrescenta dispositivos à Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000, e à Lei n° 11.105, de 24 de março de 2005; revoga dispositivo da Lei n° 10.814, de 15 de dezembro de 2003; e dá outras providências.

DECRETO FEDERAL N° 5.950/2006

Regulamenta o art. 57-A da Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000, para estabelecer os limites para o plantio de organismos geneticamente modificados nas áreas que circundam as unidades de conservação.

MEDIDA PROVISÓRIA N° 327/2006

Dispõe sobre o plantio de organismos geneticamente modificados em unidades de conservação, acrescenta dispositivos à Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000, e dá outras providências. Convertida - LEI FEDERAL Nº. 11.460/2007, de 21 de março de 2007.

DECRETO FEDERAL Nº. 5.566/2005

Dá nova redação ao caput do art. 31 do Decreto n° 4.340, de 22 de agosto de 2002, que regulamenta artigos da Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC.

LEI FEDERAL N° 11.132/2005 Acrescenta artigo à LEI FEDERAL N° 9.985, de 18 de julho de 2000, que regulamenta o art. 225, § 1°, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.

DECRETO ESTADUAL Nº 797/2003

Cria o Parque Estadual Fritz Plaumann e dá outras providências.

DECRETO ESTADUAL Nº 293/2003

Cria o Parque Estadual das Araucárias, e dá outras providências.

DECRETO FEDERAL Nº 4.340/2002

Regulamenta artigos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, e dá outras providências.

LEI ESTADUAL Nº 11.986/2001

Institui o Sistema Estadual de Unidades de Conservação da Natureza e adota outras providências.

LEI FEDERAL Nº. 9.985/2000

Regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências.

DECRETO FEDERAL Nº 1.922/1996

Dispõe sobre o reconhecimento das Reservas Particulares do Patrimônio Natural e dá outras providências.

DECRETO FEDERAL Nº 99.274/1990

Regulamenta a Lei nº 6.902, de 27 de abril de 1981, e a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõem, respectivamente sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e dá outras providências.

Tabela 1 – Atos legais referentes às Unidades de conservação do Estado de Santa Catarina.(fonte: MP SC, 2007)

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Sustent abilidade em Debate

Tabela 2 – Características das unidades de conservação Estaduais de Santa Catarina (fonte: FATMA, 2004)

UC DE PROTEÇÃO INTEGRAL

INSTRUMENTO

LEGAL DE CRIAÇÃO

MUNICÍPIO ÁREA (ha) TIPO DE

VEGETAÇÃO

EXISTËNCIA DE PLANO

DE MANEJO

CATEGORIA: Parque Estadual (P.E.)

P.E. da Serra do Tabuleiro

Decreto 1.260 de 01.11.75

Águas Mornas, Florianópolis, Garopaba, Imaruí, Palhoça, Paulo Lopes, Santo Amaro da Imperatriz, São Bonifácio, São Martinho 87405,00

Manguezal, Restinga, Floresta Ombrófila Densa e Mista, Floresta Nebular e Campo

Não Possui Zoneamento

P.E. da Serra Furada

Decreto 11.233 de 20.06.80

Grão Pará e Orleans 1.329,00

Floresta Ombrófila Densa Não

P.E. das Araucárias

Decreto 293 de 30.05.03

São Domingos e Galvão 625,11

Floresta Ombrófila Mista Sim

P.E. Fritz P laumann

Decreto 793 de 24.09.03 Concórdia 735,11

Floresta Estacional Decidual Sim

P.E. do Rio Canoas

Decreto 1.871 de 29.05.04 Campos Novos 1.133,25

Floresta Ombrófila Mista Não

P.E. Acaraí Decreto 3.517 de 23.09.05

São Francisco do Sul 6.667,00

Restinga e Floresta Ombrófila Densa Não

P.E. do Rio Vermelho

Decreto 308 de 2007 Florianópolis 1.400,00 Restinga Não

Área total de Parques Estaduais 97.894,47

CATEGORIA: Estação Ecológica – (ESEC)

ESEC do Bracinho

Decreto 22.768 de 1984

Joinville e Schroeder 4.600,00

Floresta Ombrófila Densa Não

Área total de Estações Ecológicas 4.600,00

CATEGORIA: Reserva Biológica - (REBIO)

REBIO do Aguaí

Decreto 19.635 de 01.07.83

Treviso, Nova Veneza e Siderópolis 7.672,00

Floresta Ombrófila Densa e Floresta Nebular (crista da serra Geral) Não

REBIO da Canela Preta

Decreto 11.232 de 20.06.80

Botuverá e Nova Trento 1.844,00

Floresta Ombrófila Densa Não

REBIO do Sassafrás

Decreto 2.221 de 04.02.77

Benedito Novo e Doutor Pedrinho 6.972,00

Floresta Ombrófila Densa Não

Área total de Reservas Biológicas

16.488,00

Área total de UC Estaduais 118.982,47

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Unidades de Conservação de Sant a Catarina

Parque Estadual das Araucárias

Primeira unidade de conservação de araucáriassob a responsabilidade do Governo do Estado deSanta Catarina. O Parque Estadual das Araucárias(PEA) foi criado pelo Decreto nº. 293, de 30 de maiode 2003. Localizado no município de São Domin-gos, na Bacia do Rio Chapecó (figura 1), possui áreade 612 hectares exclusivamente coberta por florestaombrófila, comportando aproximadamente 10 milárvores remanescentes de reservas nativas.

Esse ecossistema encontra-se muito alterado,reduzido a manchas isoladas de vegetação, em fun-ção do desenvolvimento agropecuário e doextrativismo vegetal característicos da ocupaçãolocal (KLEIN, 1978). Nesse contexto, a criação deunidades de conservação no oeste do Estado deSanta Catarina, assume um importante papel para aperpetuação dos últimos remanescentes da florestaombrófila mista, também conhecida como Mata deAraucárias (Figura 2).

Figura 1 – Localização do Parque Estadual das Araucárias, nosmunicípios de Galvão e São Domingos, SC. (fonte: FATMA, 2004)

Figura 2 – Aspecto geral da vegetação de uma borda de Flo-resta com Araucárias, no Parque Estadual das Araucárias.(fonte: sítio FATMA)

Segundo o órgão gestor, durante a escolha daárea destinada à criação da UC foi avaliado o estágiode conservação dos fragmentos florestais de relevan-te importância ecológica localizados nas áreas de in-fluência da usina hidrelétrica de Quebra Queixo.

Conforme a FATMA (2004), dentre as princi-pais motivações para criação dessa unidade de con-servação está a busca por conter o desaparecimentodas florestas de araucárias. Essas árvores já domina-ram as terras da região, mas foram quase dizimadas,em pouco mais de 80 anos de extrativismo. Da co-bertura original de araucárias existentes nos três Es-tados do Sul restam apenas 5%, estando somente0,22% protegidas em parques. De acordo com KLEIN(1978) estima-se que sejam necessários mais de 100anos para a constituição de florestas secundárias emestágio avançado de sucessão florestal.

Outra motivação relaciona-se ao abastecimen-to de água a municípios da região. Dentro do Parqueencontra-se o rio Jacutinga, afluente do rio Bonito,

Localização do

Parque Estadual das AraucáriasLocalização do

Parque Estadual das Araucárias

Limite Municipal

Limite do Parque

Santa Catarina

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importante afluente do rio Chapecó, e responsávelpelo abastecimento de água do município de São Do-mingos (figura 3).

Dessa maneira, a indicação para criação do PEAse deu, principalmente, em virtude do a) alto grau deinsularização da área; b) pela categoria de Parqueadmitir maior flexibilização quanto à definição de ní-veis de restrição; c) pela expectativa de usufruto daárea pela população decorrente da implantação dosprogramas ambientais na área de influencia da UHEQuebra Queixo. Diante dessas questões a categoriaParque Estadual representou a escolha mais adequa-da, dentre as opções de Proteção Integral (Lei Fede-

Figura 3 – Rede de drenagem da bacia do rio Jacutinga, município de São Domingos, SC. O número emcada afluente (1, 2, 3) indica a ordem do curso. (fonte: FATMA, 2004)

ral 9985/2000 – SNUC) visando aliar a conservaçãoda biodiversidade regional com a educação ambiental1.

Ameaças

Originalmente, as imediações do PEA eramrecobertas com vegetação característica do BiomaMata Atlântica, possuindo altíssima riqueza e diver-sidade biológica e abrigando um grande número deespécies restritas a esse bioma. Acompanhando o ce-nário de degradação desse Bioma em outros locais,esta região teve sua vegetação original reduzida a frag-mentos.

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Unidades de Conservação de Sant a Catarina

Dada a intensa ocupação e exploração das flo-restas brasileiras, muitas das espécies florestais e re-presentantes da fauna passaram a compor a lista deespécies consideradas raras ou ameaçadas de extinção,entre elas a Araucaria angustifolia (araucária).

Por se tratar de uma região com alta produtivi-dade de grãos e criação de aves e suínos é observadoo progressivo aumento da degradação ambiental lo-cal, provocado pelo uso excessivo e inadequado deagrotóxicos, usos e manejo impróprio do solo (influ-enciando seriamente a erosão) e pela concentração emanejo deficiente dos dejetos de suínos – séria pro-blemática, já que os dejetos acabam por contaminaras fontes e pequenos mananciais próximos.

Outras atividades conflitantes são notadas den-tro e fora da área protegida como: a pressão de caçae coleta de pinhão; áreas com lavouras; fluxo internode veículos, além da presença de animais domésti-cos. Ao seu redor são encontradas extensas áreas deplantio de soja e milho, além de reflorestamento comPinus. Conforme o cadastro de espécies exóticas in-

vasoras do Instituto Horus, o PEA consta como localameaçado pela presença de Hedychium coronariumespécie introduzida, com comportamento invasor(HORUS, 2007).

Diante desse cenário de uso e ocupaçãodesordenado do espaço o que se observa, atualmente, éum estado avançado do processo de fragmentação doecossistema florestal da região. O PEA, nessas condi-ções, figura como um dos maiores remanescentes daFloresta Ombrófila Mista (FATMA, 2004).

Parque Estadual Fritz Plaumann

O Parque Estadual Fritz Plaumann está locali-zado no município de Concórdia, no Estado de SantaCatarina, às margens do Rio Uruguai (figura 4).

Instituído pelo decreto nº 797, de 24 de setem-bro de 2003, o Parque Estadual Fritz Plaumann foicriado como medida de compensação ambiental peloaproveitamento hidrelétrico da usina de Itá, na baciahidrográfica do rio Uruguai (FATMA, 2005).

Figura 4 – Localização do Parque Estadual Fritz Plaumann.(fonte: FATMA, 2005)

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Inserido na região do Alto Rio Uruguai, o Par-que é a primeira e única unidade de conservação daFloresta Estacional Decidual no Estado de SantaCatarina, abrangendo uma área de 741 hectares. OPlano de Manejo da Unidade já foi elaborado e tevesua versão eletrônica disponível em 2007 no websiteda FATMA.

O nome dado ao Parque é uma homenagem aoalemão Fritz Plaumann, naturalista e entomologista,que se dedicou à pesquisa de invertebrados da faunabrasileira por 60 anos, alertando em suas análises paraas alterações ambientais ocorridas na região oeste doplanalto catarinense.

A vegetação original da Floresta EstacionalDecidual era representada por espécies arbóreas degrande porte, atingindo de 30 a 40 metros de alturasem, contudo, formarem uma cobertura superior con-tínua. O clima com duas estações marcantes, umachuvosa e outra seca, favorece a ocorrência dessetipo de vegetação (FATMA, 2005).

Atualmente esse ecossistema encontra-se extre-mamente fragmentado, sendo considerado uma das

formações vegetais mais ameaçadas dos domínios daMata Atlântica. Em razão disso, o Parque EstadualFritz Plaumann, apesar de relativamente pequeno,representa uma área de significativa importância numesforço de conservação desse ecossistema.

Em função da exploração predatória devido àsatividades agrícola, pecuária e exploração madeirei-ra, a região apresenta pequenos remanescentes daFloresta Estacional Decidual (Floresta do rio Uru-guai), cobertura vegetal que prevalecia na maior par-te do Vale do rio Uruguai (FATMA, 2005).

Outra preocupação diz respeito às atividades econseqüências das ações antrópicas desenvolvidasnesta região, na bacia hidrográfica vale do rio do Pei-xe. Essa área é de significativa importância, geográ-fica e ambiental, pois, alterações do meio interferemna unidade de conservação.

A drenagem das águas (figura 5) de toda a ba-cia do rio dos Queimados, considerado “intensamen-te poluído”, se dirige para a área da UC, comprome-tendo a qualidade dos atributos ambientais e físico-químicos locais. De acordo com o cadastro de fon-

Figura 5 – Modelo do terreno e drenagem que necessita de ações especiais de planejamento e conservação.(fonte: FATMA, 2005)

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Unidades de Conservação de Sant a Catarina

tes poluidoras do rio dos Queimados, realizado pelaFATMA, estão relacionadas diversas atividades quegeram resíduos cujo corpo receptor é o sistema dedrenagem. Dentre elas pode-se citar os curtumes,abastecimento de combustíveis (lavagem e lubrifica-ção), suinocultura, abatedouros de bovinos e suínos.

O impacto negativo e a destruição dos ambien-tes naturais da região onde está inserida a UC revela-se como um dos principais fatores que influenciamnegativamente a fauna e flora local. Tais alteraçõesambientais contribuem para o empobrecimentogradativo da diversidade biológica ali presente. Fatoeste evidenciado pela constante inclusão de espéciesem listas de fauna ameaçada de extinção, dentre elas,as raras e as endêmicas – consideradas vulneráveisao completo desaparecimento (FATMA, 2007;RYLANDS & BRANDON, 2005).

Assim, com o propósito de preservar os últimosremanescentes da Florestal Estacional Decidual na re-

gião de Concórdia e a biodiversidade ali compreendidafoi instituída a unidade de conservação Fritz Plaumann.

Na medida em que as ações de manejo previs-tas para a área condicionem mudanças na realidade,o contexto atual pode ser melhorado, uma vez que adiversidade biológica está intrinsecamente relacio-nada com a complexidade da vegetação e o equilí-brio das funções ecológicas do sistema (RYLANDS& BRANDON, 2005).

Parque Estadual Rio Canoas

Criado pelo decreto nº 1.871, de 27 de maiode 2004, a área do Parque Estadual Rio Canoas foidoada pela Enercan, empresa privada, ao Governode Santa Catarina como medida de compensaçãoambiental pelo aproveitamento hidrelétrico de Cam-pos Novos, na bacia hidrográfica do rio Canoas(FATMA, 2007).

Figura 6 – Mapa de Santa Catarina: localização de Campos Novos.(fonte: sítio FATMA)

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Localizado próximo à Barra do rio Ibicuí, nomunicípio de Campos Novos (figura 6), o Parqueabrange a vegetação da Floresta Ombrófila Mista ouFloresta de Araucária e sua área conta com aproxi-madamente 1.200 hectares.

Dentre os elementos motivadores para aimplementação do Parque Estadual Rio Canoas es-tão a) a presença de espécies da fauna e flora emextinção, como a araucária, a imbuia e o xaxim; b) apossibilidade de conservação, manejo e aproveitamen-to científico da fauna e flora; c) e o desempenho deatividades de educação ambiental e àquelas que en-volvam o turismo ecológico.

Dentre as ações desenvolvidas pela Enercan(Campos Novos Energia S.A) no âmbito dos progra-mas ambientais colocados em prática como medidade compensação ambiental pela construção da UsinaHidrelétrica Campos Novos estão: o plantio de 240mil mudas de árvores nativas na Área de PreservaçãoPermanente (APP); a construção de um viveiro flo-restal e um espaço de visitação pública, aonde foidesenvolvido um trabalho de educação ambiental comas crianças e escolas da região; a recuperação de áre-as degradadas e, o monitoramento e conservação daflora e fauna local. Não foram encontrados dadossobre os resultados do trabalho com educaçãoambiental, recuperação, monitoramento ou conser-vação.

A falta de dados e informações adicionais sobreo atual estado e condições de gestão do Parque Esta-dual Rio Canoas comprometeu uma análise mais de-talhada desta UC.

Parque Estadual de Acarai

O Parque Estadual de Acaraí foi instituído peloDecreto nº 3.517, em 23 de setembro de 2005. Situ-ado no litoral norte do Estado de Santa Catarina, nomunicípio de São Francisco do Sul, possui uma áreade aproximadamente 6.667 ha, abrangendo a restingada Praia Grande e todo o complexo hidrológico dorio Acaraí, nascentes do rio Perequê e lagoa doCapivaru (FATMA, 2007).

O Parque foi definido buscando um arranjo es-pacial que visa manter as funções ambientais desem-penhadas pela restinga da Praia Grande e de parte do

complexo hidrológico contido neste. As ilhas do ar-quipélago de Tamboretes também compõem a UC,garantindo a proteção das espécies de aves marinhasque as utilizam para reprodução, nidação e descansodurante as rotas de migração (figura 7).

O complexo hídrico existente nesta área é, ain-da, responsável pelo abrigo, reprodução e alimenta-ção de várias espécies aquáticas, que somado à vege-tação de restinga e de Floresta das Terras Baixas doDomínio da Mata Atlântica constituem local para pro-teção da flora e fauna, endêmicas e ameaçadas deextinção.

Por ser uma região que detém relevantes carac-terísticas naturais, alta diversidade biológica e signi-ficativa importância para o conhecimento de nossahistória pré-colonial e colonial, recebeu inúmerasmanifestações por parte da comunidade cientifica esociedade civil em prol da criação desse Parque Es-tadual.

Figura 7 – Mapa do Parque Estadual de Acarai.(fonte: sítio FATMA)

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Esses estudos também são necessários à definição dacategoria de unidade de conservação a ser adotada.

As unidades de proteção integral, classificaçãoatual do Parque Estadual do Acaraí, têm como obje-tivo básico preservar a natureza, sendo admitido ape-nas o uso indireto dos seus recursos naturais. Já asunidades de uso sustentável permitem acompatibilização entre a conservação da natureza eo uso sustentável de parte dos seus recursos. Como aregião do parque é ocupada há mais de um século,por comunidades que se utilizam dos seus recursosnaturais para consumo direto ou para a confecção deartesanato, assim como estabeleceram portos ao lon-go do rio Acaraí para a pesca e detém grande conhe-cimento sobre gerenciamento e conservação da área,entende-se que a unidade de uso sustentável seria omodelo mais adequado para a criação de uma unida-de de conservação naquele local (MP SC, 2007)

Parque Estadual da Serra do Tabuleiro

É a maior e mais antiga unidade de conservaçãode Santa Catarina. Ocupa aproximadamente 1% doterritório do Estado, com uma extensão de 87.405hectares. Foi criado por meio do Decreto n° 1.260/

A oportunidade para instituição da UC ocor-reu por meio do pagamento de compensaçãoambiental pela instalação de empreendimento da Vegado Sul (unidade industrial de galvanização de aço).

Segundo a FATMA, a criação do Parque Esta-dual de Acaraí é uma oportunidade para o estabeleci-mento de uma política territorial direcionada a esta-belecer a diferenciação e intensidade de uso,priorizando a proteção de seus recursos naturais eculturais. Assim sendo, buscou-se ordenar as ativida-des de uso atuais e potenciais, de forma a contribuirpara a conservação dos recursos naturais,sensibilização dos visitantes para a conservação danatureza, bem como retorno de benefícios às popula-ções do entorno.

Entretanto, pressões de cunho público passa-ram a incorrer para que o Parque Estadual de Acaraíse tornasse uma unidade de uso sustentável. O Mi-nistério Público Federal e o Ministério Público deSanta Catarina ajuízam uma ação civil pública, ale-gando que apesar de terem sido elaborados os estu-dos técnicos sobre os ecossistemas presentes na re-gião, a FATMA não realizou os estudos sócio-ambientais e sócio-econômicos, que tratam do modode vida dos moradores tradicionais daquelas áreas.

Figura 8 – Mapa de localização do Parque Estadual Serra do Tabuleiro.(fonte: sítio FATMA)

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75 e abrange áreas de nove municípios: Florianópolis,Palhoça, Santo Amaro da Imperatriz, Águas Mornas,São Bonifácio, São Martinho, Imaruí, Garopaba ePaulo Lopes. Engloba, também, as ilhas de Fortale-za/Araçatuba, Ilha do Andrade, Papagaio Pequeno,Três Irmãs, Moleques do Sul, Siriú, Coral, dos Car-dos e a ponta sul da ilha de Santa Catarina (figura 8)(IBAMA, 2007).

O parque tem uma composição vegetal rica emista, reunindo cinco das seis formações botânicasdo Estado. Começa no litoral, com a paisagem darestinga, sobe a serra, alcançando o planalto em meioà vegetação dos pinhais, perpassando pela florestapluvial da encosta atlântica, vegetação da matinhanebular e os campos de altitude da chapada da Serra.Entre a vegetação formam-se rios e córregos que se-rão responsáveis pelo fornecimento da água potávelutilizada pelos moradores de toda GrandeFlorianópolis (FATMA, 2007).

A maior parte do parque está coberta por mataatlântica, ecorregião terrestre considerada por estu-do do Banco Mundial, área de máxima prioridade re-gional para a conservação da biodiversidade. Outroestudo recente, também do Banco Mundial, inclui oParque Estadual da Serra do Tabuleiro na lista doshabitats naturais críticos, localizados na região daAmérica Latina e do Caribe.

A sede do parque fica às margens da BR-101,no município de Palhoça, a 40 km de Florianópolis,em direção ao Sul do Estado. O centro de visitantes éa maior edificação, com 270m2 de área construída eauditório para 80 pessoas, área para administração,oficinas de educação ambiental, recepção e banhei-ros, inclusive para deficientes. A trilha de 1.000m per-mite caminhar por partes da sede do Parque antesinacessíveis, localizada na Baixada do Maciambu,pode ser feita com o auxilio de guias-monitores epermite aos visitantes conhecerem uma área derestinga, observando a fauna e a vegetação local(FATMA, 2007).

As obras foram realizadas com recursos da Trans-portadora Brasileira Gasoduto Brasil-Bolívia S/A -TBG, em convênio com o Governo do Estado comoparte do Plano de Compensação Ecológica referente àconstrução do Gasoduto Bolívia-Brasil e da EmpresaCatarinense de transmissão de Energia - ECTE, como

parte do Plano de Compensação Ecológica referente àLinha de transmissão Campos Novos/Blumenau.

O parque ainda não possui plano de manejo,porém, como instrumento de gestão se utiliza doZoneamento do Parque Estadual da Serra do Tabu-leiro (PEST), produto do Mapeamento Sócio-Eco-nômico do PEST (FATMA, 2007). Esse produto foirealizado por meio da compilação de dados secundá-rios disponíveis e do levantamento de dados primári-os obtidos em campo, dispondo de informações só-cio-econômicas fundamentais para a posterior elabo-ração do Plano de Manejo do parque.

O referido estudo parte de uma caracterizaçãosócio-econômica regional da área onde está inseridao Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. Em segui-da, faz um diagnóstico de cada um dos municípioscujas terras compõem a unidade de conservação, de-talha as características da região de entorno e área deinfluência direta, abordando as 57 localidades envol-vidas; seguinte a estas caracterizações sócio-econô-micas são descritos e analisados os aspectos fundiáriosinternos ao parque. Por fim, aborda detalhadamenteo patrimônio histórico-cultural e os atrativos natu-rais presentes nesta importante área correspondenteà UC.

Dentro de um projeto financiado pelo banco ale-mão KFW, realizado entre 2002 e 2006, recursos fo-ram investidos em diversos setores da gestão das UCs,inclusive na criação de novas logomarcas das unida-des. A antiga logomarca do Parque do Tabuleiro foirecriada, tendo sido a primeira providência substituiro cisne, espécie que já não ocorre mais na região,pelo jacaré-do-papo-amarelo, espécie nativa(FATMA, 2007).

Detalhes como esses reforçam a necessidade emdirecionar recursos e definir ações prioritárias a fimde obter uma gestão efetiva das unidades de conser-vação Estaduais.

Parque Estadual da Serra Furada

Criado em 20 de junho de 1980, pelo decretoestadual n° 11.233, o Parque Estadual da Serra Fura-da (PESF) abrange os municípios de Orleans e Grão-Pará e tem uma área de 1.329 hectares. A vegetaçãoé composta, predominantemente, por Floresta Atlân-

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Unidades de Conservação de Sant a Catarina

tica, recortada por diversos córregos e seu relevo éextremamente acidentado e de grande beleza o queconfere ao Parque um grande potencial turístico(FATMA, 2007). O PESF tem esse nome devido aum furo existente em uma grande rocha, que podeser avistado de longe (figura 10).

No cadastro de espécies exóticas invasoras doInstituto Horus, o PESF consta como local ameaça-do pela presença do Pinus, espécie introduzida, comcomportamento altamente invasor (HORUS, 2007).

Reserva Biológica Estadual do Sassafrás

As reservas biológicas são locais de proteção in-tegral destinadas, exclusivamente, para pesquisa e edu-cação. A REBIO do Sassafrás, criada em 4 de feverei-ro de 1977, por meio do decreto no 2.221, é divididaem duas áreas: uma com 3.862 hectares no municípiode Doutor Pedrinho, outra com 1.361 hectares no mu-nicípio de Benedito Novo (IBAMA, 2007).

Abrigando uma área remanescente da FlorestaAtlântica, a reserva ganhou esse nome por ser o habitatda canela sassafrás (Ocotea pretiosa), uma espéciede árvore que se encontra ameaçada de extinção eque ocorre no local.

A porção que corresponde a maior área daREBIO é a que permanece mais bem preservada.Coberta por uma densa vegetação, apresenta relevobastante acentuado, com inúmeros vales cortados porcórregos e cachoeiras (FATMA, 2007).

* * *

Figura 9 – Detalhe da formação rochosa que dá nome aoParque. (fonte: sítio FATMA)

Reserva Biológica Estadual da Canela Preta

Estendendo-se pelos municípios de Botuverá eNova Trento, esta reserva foi fundada em 20 de ju-nho de 1980, pelo decreto 11.232, com área de 1.844hectares. Posteriormente, foram anexados 55 hecta-res por meio do Decreto 4.840, de 23 de setembro de1994, totalizando 1.899 hectares (FATMA, 2007).

Segunda o IBAMA (2007), a canela preta(Ocotea catharinensis) é uma espécie da flora brasi-leira característica do bioma Mata Atlântica e estáameaçada de extinção. De acordo com REITZ et al(1978) a canela preta chega a representar até um ter-ço do volume em madeira em matas primárias na flo-resta Ombrófila Densa de Santa Catarina. Devido aqualidade de sua madeira e o amplo uso para que sepresta, essa espécie foi severamente explorada noEstado.

Na REBIO Estadual da Canela Preta ainda épredominante a ocorrência dessa espécie, assim como,grande quantidade de palmiteiros. A região tem di-versos morros, formando vales, aonde correm riosque formarão a bacia do rio Itajaí-Açú e a do rioTijucas (FATMA, 2007).

Reserva Biológica Estadual do Aguaí

“Aguaí” é o nome popular de uma árvore, co-nhecida como Chrysophyllum viride. Esta espécie,característica da Mata Atlântica, ocorre nos Estadosde São Paulo, Paraná e Santa Catarina, recebendonomes diferentes de acordo com a região, comocaxeta, aguaizeiro, caxeta-amarela, coerana. Os seusfrutos fornecem alimentação para animais silvestres.

Considerada a segunda maior unidade de con-servação no Estado e a maior em sua categoria, aReserva Biológica Estadual do Aguaí abrange osmunicípios de Meleiro, Siderópolis e Nova Veneza.Esta reserva foi criada em 1º de junho de 1983, pormeio do decreto nº. 19.635, com área de 7.672 hec-tares. O principal motivo de sua criação foi o relevoacidentado com altitudes que variam dos 200 aos1.200 metros e a presença de diversos canyons(FATMA, 2007).

Nesses locais nasce uma grande quantidade dosrios que formarão a bacia carbonífera. As nascentes

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são protegidas por uma vegetação densa formada pelaFloresta Atlântica e Floresta Nebular, no alto da ser-ra. Sua importância é ainda maior por constituir, jun-tamente com o Parque Estadual da Serra do Tabulei-ro, o Parque Estadual da Serra Furada, o ParqueNacional de São Joaquim, o Parque Nacional da Ser-ra Geral e o Parque Nacional dos Aparados da Serraum corredor ecológico (IBAMA, 2007; FATMA,2007).

Atualmente, a Reserva Biológica do Aguaí ain-da não é demarcada e não tem marcos implantados.Seus limites foram lançados sobre folhas topográfi-cas do IBGE na Escala 1: 50.000 (FATMA, 2007). Oacesso a um dos limites da UC, na localidade de Rioda Serra, pode ser feito pelo Município de NovaVeneza, passando pela Barragem e Adutora do RioSão Bento.

Embora a reserva biológica não possua um pla-no de manejo consolidado, um projeto de pesquisasobre felinos vem sendo realizado, com recursos deuma empresa privada (MDS, do ramo de peçasautomotivas).

Parque Estadual do Rio Vermelho

Criado na década de 1960, como área experi-mental para plantação de pinus e eucalipto, o localdeixou de ser uma estação experimental para ser en-quadrado na categoria de Parque Florestal.

Em maio de 2007, o antigo Parque Florestaldo Rio Vermelho passou a compor a categoriade Parque Estadual do Rio Vermelho (Decreto Es-tadual N° 308/2007). Entre as razões para a trocade nomenclatura está no fato do Sistema Nacionalde Unidades de Conservação (SNUC) não prevera categoria “parque florestal” em suas diretrizes.Assim, depois de um levantamento realizado porequipe técnica, nomeada pelo governo do Estado,a melhor categoria ponderada para a unidade foi ade Parque Estadual. Estudos foram realizados con-siderando os aspectos topográficos e os limites daárea, além do mapeamento da fauna e flora (FATMA,2007).

O Parque Estadual do Rio Vermelho está loca-lizado na ilha de Santa Catarina, em Florianópolis,compreende 1.400 hectares ao norte da ilha, desses

500 ha correspondem a áreas de plantio de Pinus.Em 40 anos, aproximadamente, 250 ha de dunas fi-xas e semi-fixas foram comprometidas devido à in-terferência do Pinus (espécie invasora), provocandouma expressiva mudança na paisagem litorânea. Asplantas de restinga que crescem sob os talhões dePinus têm seu processo reprodutivo inibido, não apre-sentando frutificação. Este fato figura como uma dasprincipais causas que dificultam a sobrevivência dafauna do Parque Estadual do Rio Vermelho (ACUFSC, 2007).

O Parque é delimitado a leste pela praia doMoçambique e a oeste pela Lagoa da Conceição. Atéa presente data, a UC é administrada pela Compa-nhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de San-ta Catarina (CIDASC) e não possui plano de manejoestruturado.

Estação Ecológica do Bracinho

Localizada na região oeste do município deJoinville a Estação Ecológica do Bracinho (ESECBracinho) possui aproximadamente 4600 ha e abran-ge parte do município de Schroeder. Em sua área deabrangência apresenta relevo acidentado e abriga asnascentes dos rios Bracinho e Piraí.

A área da ESEC, antes pertencente à compa-nhia de água e saneamento local, foi criada em 1984,pelo Decreto 22.768, com a finalidade de realizar pes-quisa básica e aplicada, assim como o desenvolvimen-to de ações no âmbito da educação ambiental. Suaimportância também está atrelada à manutenção doregime hidrológico com vistas ao abastecimento re-gular das represas, que acumulam a água utilizadanas usinas hidrelétricas da região. A ESEC até o fe-chamento deste estudo não possuía plano de manejocomo instrumento norteador da gestão da UC.

Outras Unidades de Conservação noEstado de Santa Catarina

A tabela 3 apresenta de maneira sistematizada,as informações contidas no cartograma anexado(FATMA-DEAM, 2004) sobre as demais unidadesde conservação presentes em Santa Catarina e cor-respondentes enquadramentos de categoria.

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Unidades de Conservação de Sant a Catarina

Categoria Quantidade Observações

UCs Federais

14

Seis delas correspondem a UCs de “proteção integral” e as demais de “uso sustentável”1

UCs Municipais

aproximadamente 43

Esse número é inexato pois algumas áreas não possuem confirmação sobre a categoria pertencente;

Reservas Particulares

35

Esse quantitativo corresponde à reservas particulares já criadas ou em processo de criação, conforme detalha a legenda do cartograma;

Áreas Protegidas não enquadradas no SNUC ou no Sistema Estadual de

UC

82

Após a elaboração do cartograma, uma delas tornou-se Parque Estadual (PE do Rio Vermelho) e as demais são áreas não regulamentadas como UCs, embora sejam consideradas áreas protegidas, conforme lista apresentada na legenda do cartograma anexo.

Tabela 3 – Demais unidades de conservação de Santa Catarina

Considerações Finais

As alterações ambientais levam invariavelmen-te ao empobrecimento gradativo da diversidade bio-lógica local e sistêmica. Fato este evidenciado pelaconstante inclusão de espécies da flora e fauna brasi-leira em listas de espécies ameaçadas de extinção epelo acelerado processo de fragmentação e reduçãodos ecossistemas naturais observado nas últimas dé-cadas (LEWINSOHN & PRADO, 2005; CHAPIN,2000).

A falta de uma política agrícola e o uso de mé-todos de manejo do solo inadequados, bem como aespeculação imobiliária e a crescente ocupaçãodesordenada dos espaços territoriais catarinenses têmcolocado em risco o patrimônio natural do Estado.Tal processo de ocupação do espaço geográfico deSanta Catarina condicionou, ao longo dos anos, in-tensa pressão e impacto negativo sobre os seus re-cursos naturais, entre eles a redução, fragmentação eisolamento do Bioma Mata Atlântica e dosecossistemas a ele associados.

O que se observa, atualmente, são ações dirigidasà preservação da água, do solo, do ar, da fauna e daflora, ainda, muito tímidas e insuficientes frente à in-tensidade e velocidade da degradação. Neste contex-

to, a priorização de ações de conservação nos reduzi-dos espaços que, ainda abrigam significativos rema-nescentes dos ecossistemas marinhos, costeiros e flo-restais torna-se de suma importância.

Diante desse cenário a instituição de unidadesde conservação figura-se como uma estratégia efeti-va para a conservação do patrimônio natural e para amanutenção das funções ecológicas desempenhadasnos ecossistemas (FERREIRA et al., 2005).

É importante ressaltar que nem todas as unida-des de conservação criadas possuem suporte e condi-ções adequadas no sentido de atender os objetivosque justificaram a sua criação. Assim como, nem sem-pre o conjunto dessas unidades forma um sistema efi-ciente que contemple significativas parcelas derepresentatividade dos ecossistemas e espécies rele-vantes para a conservação.

Corroborando RYLANDS & BRANDON(2005), o fortalecimento da gestão das áreas protegi-das já existentes é importante ser considerado quan-do se objetiva a efetividade de uma UC instituída.Ações como a própria elaboração de planos de ges-tão, também conhecidos como planos de manejo sãopilares centrais para a estruturação das UCs.

O Estado de Santa Catarina instituiu, até o mo-mento, onze unidades estaduais de conservação den-

2

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tro das categorias conhecidas como: Parque Estadu-al, Reserva Biológica e Estação Ecológica. O núme-ro de Reservas Particulares do Patrimônio Natural(RPPN) levantadas no Estado revela um potencialainda a ser explorado. No entanto, por não possuirlegislação sobre ICMS Ecológico, Santa Catarinaacaba por não oferecer este importante incentivo àcriação de RPPNs. Entendemos ser este um aspectoque mereça ser repensado como estratégia, já que asRPPNs figuram como interessante instrumento com-plementar de conservação, principalmente se fomen-tado no entorno ou próximo de unidades de conser-vação de uso sustentável.

Nos levantamentos para obtenção de informa-ções que para esse estudo foi possível notar que oprocesso de criação de parte das UCs Estaduais emSC esteve atrelado às empresas privadas, sob a for-ma de compensação ambiental – recurso também des-tinado para a estruturação de diversas UCs e para oapoio à programas e projetos relacionados à conser-vação do patrimônio natural.

Ainda, por meio de uma consulta comparativano Cadastro Nacional de Unidades de Conservação(CNUC), notou-se que Santa Catarina perde em quan-tidade de unidades de conservação estaduais para osEstados do Paraná e Rio Grande do Sul. Outro as-pecto observado foi que o Órgão Estadual de MeioAmbiente de Santa Catarina não cadastrou no CNUCas UCs estaduais catarinenses, apesar de estar cadas-trada como gestora das mesmas. Um dos benefíciosdo cadastramento das UCs no CNUC é a possibilida-de de acesso aos recursos advindos da CompensaçãoAmbiental.

Assim, a análise conduzida sobre o estado daarte relacionado às unidades de conservação de San-ta Catarina assinala a importância em implementarpolíticas públicas efetivas, direcionadas a atender osobjetivos das diferentes categorias de UCs, possibili-tando que estas cumpram suas finalidades de criaçãocontribuindo, assim, para a conservação e manuten-ção do patrimônio natural do Estado e, em perspecti-va mais ampla, do Brasil.

* * *

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Notas

1 Uma série de documentos informativos, assim como o Planode Manejo do PEA foram gerados com recursos da Compen-sação Ambiental da Usina Hidrelétrica de Quebra Queixo.Esses documentos estão acessíveis pelo sitio virtual daFATMA.

2 As unidades de uso sustentável visam compatibilizar a con-servação da natureza com o uso sustentável dos recursos na-turais, permitindo a explora;cão e o aproveitamento econô-mico direto desde que aconteça de forma planejada e regula-mentada (BRASIL, 2007).

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A Importância do CapitalInstitucional na

Sustentabilidade doDesenvolvimento Territorial

O presente artigo aborda a importância do capital institucional (presença e interaçãodas instituições e organizações) na sustentabilidade do desenvolvimento de sistemasterritoriais produtivos e o considera fator determinante da capacidade de resposta dosterritórios. Essa importância é ainda maior nos territórios de baixo dinamismosocioeconômico, que não possuem condições próprias de alavancarem seu desenvol-vimento. Parte-se da hipótese de que o êxito e a sustentabilidade das estratégias depromoção do desenvolvimento territorial estão diretamente associados ao grau de co-operação institucional e organizacional existente – o capital institucional –, assimcomo ao grau de sustentabilidade do próprio tecido institucional, promotor das estra-tégias. A proposta, de aprofundar o conhecimento sobre os elementos que definem ocapital institucional, na implantação de estratégias de desenvolvimento territorial, eque dão condições à sua sustentabilidade, resultou no desenvolvimento de um modeloespecífico. Tal modelo destina-se ao monitoramento da cooperação institucional eorganizacional, do comprometimento das entidades parceiras e da sustentabilidade docapital institucional na implantação das estratégias.

Juliana Dalboni Rocha1

1 Doutora em Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB. Bolsita PNPD – Programa Nacional de Pós-Doutorado da CAPES. Email: [email protected].

RESUMO

ABSTRACT

This paper discusses the importance of institutional capital (presence and interactionof institutions and organizations) for developmental sustainability of territorial systemsof production. It considers that the institutional capital is a limiting factor for theterritory’s capacity of response. This importance is even greater in territories with lowsocioeconomic dynamics, which do not have the necessary conditions to foster theirown development. The basic hypothesis is that the success and sustainability ofstrategies that promote territorial development are directly associated to the existingdegree of institutional and organizational cooperation – institutional capital – as wellas the degree of sustainability of the institutional organization, which is the promoterof such strategies. The purpose is deepening the knowledge on elements that defineinstitutional capital, in the implantation of territorial development strategies, andthat give conditions to its sustainability, resulted in the development of a specificmodel. This model aims at monitoring institutional and organizational cooperation,commitment of partner entities and institutional and organizational capitalsustainability for the implementation of territorial development strategies.

Recebido em 11.12.2009Aceito em 20.04.2010

Palavras-Chave:Desenvolvimento territorialSustentabilidadeCapital institucional

Key-words:DevelopmentSustainabilityInstitutional capital

S u s t e n t a b i l i d a d e

e m D e b a t e

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A importância do Capit al Institucional na Sustent abilidade do Desenvolvimento T erritorial

Intr odução

Enfrentar o desafio do desenvolvimento no Bra-sil pressupõe a redução das desigualdades e das bar-reiras de acesso à riqueza (PAULA, 2003). A desi-gualdade pode ser considerada um freio ao processode desenvolvimento, já que as oportunidades tendema ser melhor aproveitadas por aqueles que possuemcondições para tal.

Em oposição ao padrão de crescimento econô-mico brasileiro, baseado na concentração de renda ena desigualdade social, tomam corpo teses que pre-gam a emergência do território, do local, como espa-ço privilegiado de execução de políticas ativas depromoção do desenvolvimento.

A partir do início dos anos 1980, a abordagemterritorial do desenvolvimento é impulsionada pelaliteratura neo-marshalliana, que identifica os laçosentre atores sociais como uma das razões para a cons-tituição de sistemas produtivos localizados, essenci-ais à industrialização difusa. Essa literatura evidenciaque os resultados dos investimentos externos na pers-pectiva do desenvolvimento local, na maioria das ve-zes, não eram suficientes para criar processos susten-táveis. Além disso, a atuação livre das forças de mer-cado era insuficiente para reduzir as desigualdadesregionais.

Percebeu-se também que a força de um sistemaregional de produção flexível não dependia apenasdas suas empresas, mas da presença de instituiçõesde regulação, concertação e apoio – tanto no nível daeconomia nacional como no da economia regional,dado o caráter locacional específico da produção.

Nessa visão, a maior parte dos países desenvol-vidos implantou políticas de apoio ao Desenvolvimen-to Territorial (DT), especialmente em territórios nosquais existem aglomerações de pequenos negócios.O foco em ações nos territórios – como nos distritosindustriais, arranjos ou sistemas produtivos locais –contribui e privilegia pequenos negócios a partir dautilização de mecanismos de promoção da capacida-de inovativa das aglomerações territoriais.

No Brasil, desde o início da década de 2000,diversas instituições, públicas e privadas, passaram autilizar o conceito de Arranjos Produtivos Locais(APLs) como norteador das suas ações. O que foi

percebido é que caso se deseje alavancar o desenvol-vimento socioeconômico de um determinado local,não basta apenas entender a cadeia produtiva, em todaa sua complexidade e extensão. É essencial o enten-dimento do território onde está inserida a atividade,dentro da sua lógica de produção, que pode possuirapenas um ou vários elos da respectiva cadeia produ-tiva.

A abordagem de APLs envolve um referencialde análise mais amplo por incluir aspectos relativosaos elementos institucionais e históricos que integramsistemas territoriais. O território é percebido comoum espaço cognitivo no qual valores comuns e ou-tros ativos intangíveis contribuem para o sucesso dosprocessos de aprendizado interativo e tendem aminimizar os custos de transação entre firmas.

O foco de análise deixa de centrar-se exclusiva-mente na empresa individual e passa a incidir sobreas relações entre as empresas, e entre essas e as de-mais instituições, dentro de um espaço geografica-mente definido, valorizando as características doambiente em que se inserem.

Tal estratégia territorial recoloca o tema da pro-moção e criação de uma ambiência que favoreça osurgimento e fortalecimento de micro e pequenosnegócios na agenda das localidades e/ou regiões comoforma de buscar um desenvolvimento que integre, demaneira sincrônica, as dimensões sociais e econômi-cas.

No caso particular do semiárido brasileiro, ondese verifica a presença de inúmeros municípios combaixo dinamismo socioeconômico – isto é, estagna-ção econômica, dependência de recursos governamen-tais e índices de desenvolvimento humano muito bai-xos –, a urgência por políticas públicas de reversãodo quadro existente é ainda mais gritante.

Para que ocorram mudanças, a identificação, amobilização e o aproveitamento de recursosendógenos existentes nas localidades devem serconcomitantes à atração, à negociação e à captaçãode recursos exógenos como forma de potencializar amobilização para o desenvolvimento das aglomera-ções produtivas.

A capacidade de gerar interações sinérgicas, porsua vez, está fortemente ligada ao contexto históri-co, institucional e cultural, no qual se inserem as ati-

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vidades produtivas. A cooperação entre as institui-ções e os atores locais é um elemento-chave na capa-cidade de desenvolvimento das regiões ou localida-des. Esta afirmação sustenta a hipótese, apresentadaneste artigo, da importância do ‘capital institucional’(presença e interação das instituições e organizações)na sustentabilidade do desenvolvimento dos sistemasterritoriais de produção como fator determinante dacapacidade de resposta dos territórios.

Em síntese, a capacidade produtiva de um terri-tório é definida pelo conjunto de instituições e pelocapital físico (infra-estrutura), econômico e socialpresente na aglomeração – ou seja, pelos aspectossociais e institucionais de fundo.

A constituição e/ou o fortalecimento de insti-tuições, em escala territorial, que exerçam as funçõesde regulação, concertação e apoio passa a ser um ele-mento essencial na viabilidade dos sistemas de pro-dução contemporâneos.

Considerando que o DT está fortemente asso-ciado à textura do tecido institucional e organizacionale ao grau de cooperação institucional e organizacionalexistente em um determinado território, destaca-se arelevância do capital institucional na sustentabilidadedas estratégias de DT.

A análise apresentada neste artigo partiu do pres-suposto de que o êxito e a sustentabilidade das estra-tégias de promoção do DT estão diretamente associ-ados ao grau de cooperação institucional eorganizacional existente – o capital institucional –,assim como ao grau de sustentabilidade do própriotecido institucional, promotor das estratégias. Essaimportância é ainda maior nos territórios de baixodinamismo socioeconômico, que não possuem con-dições próprias de alavancarem seu desenvolvimen-to.

Tornou-se necessário, então, explicitar os ele-mentos que proporcionam a cooperação institucionale organizacional e a sustentabilidade do capitalinstitucional. O conhecimento desses elementos faci-lita o entendimento de ‘como’ as instituições e as or-ganizações parcerias atuam no processo da implan-tação das estratégias de DT, o que possibilita umaintervenção mais clara e adequada por parte dosgestores dessas estratégias, quando necessário. Alémdisso, considera-se que a sustentabilidade de uma

estratégia de DT é prejudicada pela ausência da par-ceria de entidades estratégicas, presentes no territó-rio ou que atuam no mesmo.

A Abordagem Territorial doDesenvolvimento e os APLs

Os territórios, de acordo com o conceito aquiadotado, se constituem pela afirmação e emergênciade redes locais de cidadãos, incluindo aqueles queconstituem as redes empresariais. Essas redes, queenvolvem esferas sociais, institucionais e empresari-ais, ao serem reconhecidas e valorizadas, influem no‘desenho’ do território.

Se é no âmbito local que a integração das redesacontece, é nesse nível que as condições de integraçãosocial e sustentação das dinâmicas produtivas podemexistir. Portanto, a competitividade dos territóriosdepende intrinsecamente da cooperação dos atoreslocais organizados em redes sociais, técnicas einstitucionais.

As teorias do crescimento exógeno-endógenoconsideram que a coordenação horizontal entre osatores deve ser complementada pela coordenaçãovertical entre os níveis (HELMSING, 1999). Basea-da no reconhecimento de que a nova orientação nãonecessariamente requer mais recursos, mas visa au-mentar a ‘racionalidade sistêmica’ no uso dos recur-sos e programas existentes, tais teorias, em síntese,superam a oposição entre as políticas de desenvolvi-mento exógeno e endógeno.

Outra evolução a ser destacada foi a incorpora-ção da necessidade de cooperação também entre asinstituições regulatórias e de apoio. Assim, não bastaa cooperação horizontal (entre empresas), mas a co-ordenação entre os níveis institucionais. A formaçãode redes institucionais daria mais racionalidadesistêmica ao esforço, o que enfatiza a influência domeio institucional (interno e externo) na capacidadecompetitiva dos sistemas territoriais de produção. Emsíntese, dão maior enfoque ao papel do ambienteinstitucional no processo de desenvolvimento locali-zado e à necessidade de conexão com o meio externo(nacional e internacional), assim como de ampliaçãodas formas de cooperação, ressaltando a importânciados nexos verticais, além dos horizontais.

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A intensificação e o aumento da densidade dasrelações entre os agentes sociais, econômicos e polí-ticos tendem a produzir experiências e sistemasterritoriais originais e mais complexos. A intensifica-ção dessas relações pode ser estimulada a partir dadefinição de um projeto comum de desenvolvimentoem um território. Para isso, é essencial que as estra-tégias definidas sejam fundadas na cooperação – for-ça de solidariedade mais intensa que a da dispersão.

Dada a urgência por novos modelos de cons-trução de políticas públicas de promoção do desen-volvimento sustentável e geração de riqueza, faz-senecessário, que governo, iniciativa privada e terceirosetor sejam capazes de captar as diferentes dinâmi-cas produtivas dos diversos territórios e regiões. Osgovernos precisam respeitar a lógica desse entendi-mento e desenvolver estratégias específicas a cadacontexto. É preciso conhecer e vincular o territórioàs propostas de desenvolvimento, para que estas se-jam verdadeiramente eficazes. O espaço, ou territó-rio, deve ser percebido como um ambiente privilegi-ado de execução de políticas ativas de promoção dodesenvolvimento econômico, social e ambiental.

Nessa visão, considera-se que o DesenvolvimentoTerritorial (DT) aborda três componentes fundamen-tais: i) as dinâmicas econômicas, sociais, políticas eculturais endógenas ao território; ii) a arquitetura (outecido) institucional predominante e a sua influênciasobre o modo como as políticas públicas incidem noterritório; e iii) os processos sociais e os mecanismosinstitucionais por meio dos quais o território se relaci-ona com o seu entorno e o ‘resto do mundo’.

No caso específico da abordagem conceitual deAPLs (LASTRES, CASSIOLATO e CAMPOS,2006, p.23), o foco de análise deixa de centrar-seexclusivamente na empresa individual e passa a incidirsobre as relações entre as empresas e entre estas e asdemais instituições dentro de um espaço geografica-mente definido, assim como a privilegiar o entendi-mento das características do ambiente em que se in-serem. Valoriza-se a cooperação, o aprendizado co-letivo, os saberes locais e a capacidade inovativa dasempresas e instituições locais. Esses elementos sãofunções interdependentes para o aumento dacompetitividade sustentável, fortalecendo os meca-nismos de governança.

Considerando o elevado número de postos detrabalho gerados em micro, pequenas e médias em-presas1, uma política de promoção de APLs podecontribuir na retomada do desenvolvimento, ao ge-rar emprego e renda e, conseqüentemente, na redu-ção de desigualdades sociais e regionais. Aí está umdos principais desafios das políticas públicas brasilei-ras: promover a sustentabilidade do desenvolvimen-to do território fazendo com que as atividades pro-dutivas contribuam efetivamente na melhoria das con-dições de vida da população.

No Brasil, em 2003, o governo federal iniciouuma atuação focada na promoção de APLs, que tam-bém abrangeu o semiárido. Como o início da implan-tação dessas ações é recente, não é possível uma ava-liação da efetividade das mesmas. No entanto, pode-se analisar as condições de sustentabilidade da im-plantação dessas estratégias.

A Análise do Capital Institucional emEstratégias de DesenvolvimentoTerritorial

A análise, apresentada neste artigo, destinou-se à aprofundar o conhecimento sobre asustentabilidade das estratégias de desenvolvimentoterritorial no semiárido brasileiro, com foco na di-mensão institucional.

O estudo dos elementos que definem o capitalinstitucional, e que dão condições à suasustentabilidade, resultou no desenvolvimento de ummodelo específico. Foram criados dois índices desti-nados a monitorar a cooperação institucional eorganizacional, o comprometimento das entidadesparceiras e a própria sustentabilidade do capitalinstitucional.

Ressalta-se que o objetivo da elaboração de ín-dices não foi criar mais um indicador e sim desenvol-ver uma ferramenta que facilite o conhecimento darealidade (no caso, a leitura da atuação das entidadesparceiras na estratégia de desenvolvimento territorial)e embase o processo de tomada de decisão – ou, atémesmo, de correção de rumo das estratégias, aindana fase de implantação das mesmas. Isso porque estaanálise não focaliza os resultados finais das estratégi-as de desenvolvimento territorial (eficácia), mas sim

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a efetividade do processo de sua aplicação. A inten-ção é gerar informações sobre as condições desustentabilidade do capital institucional da estratégiade desenvolvimento territorial, que por sua vez, es-tão diretamente associadas à sustentabilidade da pró-pria estratégia.

Os índices foram aplicados em dois APLs, o daApicultura no Sertão Sergipano do São Francisco eo da Ovinocaprinocultura no Sertão Alagoano. Tem-se ciência que se faz necessária a realização de ummaior número de aplicações para que se verifique arobustez e a utilidade dos índices em outras experi-ências de mesma natureza.

O passo inicial na concepção do modelo foi adefinição dos principais elementos que proporcionama cooperação institucional e organizacional e asustentabilidade do capital institucional. Com o obje-tivo de clarear o entendimento e a leitura de cada umdesses elementos, e, conseqüentemente, omonitoramento dos mesmos, foram elaborados (etestados) dois índices: o Índice de CooperaçãoInstitucional e organizacional (ICIO) e o Índice deSustentabilidade do Capital Institucional (ISCI).

Apesar disso, assim como acontece com o capi-tal social, medir o capital institucional não é uma ta-refa simples. Nesse sentido, foram identificadas eselecionadas as variáveis consideradas mais impor-tantes na sustentabilidade do capital institucional.

A aplicação dos índices (ICIO e ISCI) foi reali-zada em dois APLs localizados no semiárido, namesorregião de Xingó, apoiados pelo PROMESO(Programa de Promoção da Sustentabilidade de Es-paços Sub-Regionais) – a principal estratégia de açãoda Política Nacional de Desenvolvimento Regional(PNDR), executada pelo Ministério da IntegraçãoNacional – MI. Foram selecionados o APL da Api-cultura no sertão sergipano do São Francisco e o APLda Ovinocaprinocultura no alto Sertão Alagoano.

A metodologia utilizada na aplicação dos índi-ces teve cinco fases: i) Levantamento de dados sobreos projetos de promoção dos APLs, incluindo pes-quisas na internet e nas principais entidades promo-toras; ii) Realização de visitas nos APLs seleciona-dos. As visitas possuíram caráter vivencial, dada aintenção de observar in loco o andamento da estraté-gia e a atuação das instituições e das organizações,

assim como contactar as entidades territoriais parce-rias das estratégias; iii) Análise dos dados coletados edas experiências vivenciadas; iv) Realização de en-trevistas com os gestores dos projetos. As entrevis-tas eram orientadas por um roteiro semi-estruturado2,acompanhado por um questionário a ser preenchidopelos entrevistados (esses dados serviram de base aocálculo dos índices); e v) Cálculo dos índices e análi-se comparada dos resultados.

A proposta de elaboração dos índices partiu daintenção de gerar informações destinadas a subsidiaro processo decisório, por parte dos gestoresterritoriais dessas estratégias (representantes das en-tidades parcerias, em geral, das que disponibilizam omaior aporte de recursos financeiros), ainda na fasede implantação das estratégias.

A Sustentabilidade do CapitalInstitucional nas Estratégias deDesenvolvimento Territorial

A noção de capital institucional é aqui tratadasob a mesma ótica da de capital social (PUTMAN,2000; ABRAMOVAY, 2002), que designa o conjun-to de recursos – confiança, normas e sistemas – ca-pazes de promover a melhor utilização dos ativoseconômicos pelos atores (nesse contexto, pelas insti-tuições e organizações territoriais), o que facilita açõescoordenadas. Nessa perspectiva, essa noção se refe-re à capacidade dos atores estabelecerem relações deconfiança, de cooperarem e de se associarem em tor-no de interesses comuns.

Putnam (2000), em específico, apresenta doistipos básicos de capital social: o do tipo aproxima-ção/ligação (Bonding social capital) e o do tipo pon-te (Bridging social capital). O primeiro tipo se dá apartir dos vínculos entre pessoas com situações simi-lares, identidades e grupos homogêneos – a exemploda conexão com familiares imediatos, amigos próxi-mos e vizinhos. O segundo tipo engloba laços maisdistantes entre grupos sociais distintos, como os vín-culos entre diferentes comunidades, colegas de tra-balho ou amizades distantes. No caso do capitalinstitucional, fazendo uma analogia a essa tipologia,pode-se considerar que o essencial é construir e for-talecer as ‘pontes’ entre as instituições e organiza-

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ções territoriais, para que se possa promover umamaior ‘aproximação’ entre esses atores e, conseqüen-temente, uma maior coordenção entre as ações.

Considerando que o desenvolvimento territorialestá fortemente associado à textura3 do tecidoinstitucional e organizacional e ao grau de coopera-ção entre as instituições e as organizações existentesem um determinado território, destaca-se a relevân-cia do capital institucional na sustentabilidade dasestratégias de desenvolvimento territorial. Essa im-portância é ainda maior nos territórios de baixo dina-mismo socioeconômico (correspondente à grandeparte dos municípios do Semiárido), que não possu-em condições próprias de alavancarem seu desenvol-vimento.

Nesse contexto, ressalta-se a diferença básicaentre instituições e organizações. Para a escolaneoinstitucionalista, as instituições4 são as regras dojogo em uma sociedade, enquanto que as organiza-ções são as estruturas (NORTH, 1994). As regras dojogo são todos os valores, convicções, crenças e re-gras de conduta aceitos consensualmente por umasociedade. Elas podem ter poder formal (a exemplodas leis jurídicas) ou apenas força moral (como apunição de transgressores por censura e repúdio daprópria comunidade).

O tecido institucional e organizacional, ou seja,o conjunto de normas e de estruturas, pode, depen-dendo da sua forma de funcionamento, elevar ou re-duzir os custos de transação, dificultando ou facili-tando o processo de crescimento e de desenvolvimen-to. Daí se falar em ‘qualidade’ do tecido institucionale organizacional de um território (BOISIER, 1999).

O capital institucional não se refere apenas aonúmero e ao tamanho das instituições e das organi-zações ou do volume das regulações. Refere-se, prin-cipalmente, ao tipo de relação interorganizacional einterinstitucional que prevalece, ou seja, a densidadedo tecido organizacional e institucional – densidadeoriginada das relações entre organizações e institui-ções, mais do que pelo número delas.

Nesse sentido, parte-se da hipótese de que oêxito e a sustentabilidade das estratégias de promo-ção do desenvolvimento territorial estão diretamenteassociados ao grau de cooperação entre as institui-ções e as organizações existentes – o capital

institucional5 –, assim como ao grau desustentabilidade do próprio tecido institucional eorganizacional, promotor das estratégias. Além dis-so, considera-se que a sustentabilidade de uma estra-tégia de desenvolvimento territorial é prejudicada pelaausência da parceria de entidades estratégicas, pre-sentes no território ou que atuam no mesmo.

Tornou-se necessário, então, explicitar os ele-mentos que proporcionam a cooperação entre as ins-tituições e as organizações e a sustentabilidade docapital institucional. O conhecimento desses elemen-tos facilita o entendimento de ‘como’ as entidades6

parceiras atuam no processo da implantação das es-tratégias de DT, o que possibilita uma intervençãomais clara e adequada por parte dos gestores dessasestratégias, quando necessário.

A proposta, de aprofundar o conhecimento so-bre os elementos que definem o capital institucional eque dão condições à sua sustentabilidade, resultouno desenvolvimento de um modelo específico.

O passo inicial, que resultou na concepção dosinstrumentos, foi a definição dos principais elemen-tos que proporcionam a cooperação entre as institui-ções e as organizações e a sustentabilidade do capitalinstitucional. Três elementos foram consideradosestruturantes, sendo eles: i) a presença das entidades(quanto à quantidade e à diversidade de categorias);ii) o comprometimento das entidades com as açõesda estratégia de DT; e iii) a cooperação entre as ins-tituições e as organizações.

Esses elementos são vistos como fundamentaisà sustentabilidade do capital institucional de um es-tratégia de DT – que, por sua vez, interferem direta-mente na sustentabilidade da própria estratégia de DT.O entendimento e a visualização dos elementos men-cionados não são tarefas simples. Além da existênciade uma série de variáveis que evidenciam o compro-metimento e a cooperação entre as instituições e asorganizações, muitas delas possuem caráter qualita-tivo e/ou não explícito.

Com o objetivo de clarear o entendimento e aleitura de cada um desses elementos, e, conseqüente-mente, o monitoramento dos mesmos, foram elabo-rados (e testados) dois índices: ICIO e ISCI.

A proposta de constituição de índices para ana-lisar e monitorar a sustentabilidade do capital

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institucional de uma estratégia de DT surgiu da ne-cessidade de dispor de instrumentos práticos com estafinalidade – e de grande relevância à gestão de estra-tégias dessa natureza.

Dentre as utilidades de um índice, destaca-se: aidentificação das variáveis que podem determinar asustentabilidade de uma estratégia de desenvolvimen-to, relacionadas ao tecido institucional eorganizacional do território (capital institucional); apossibilidade de monitorar a evolução do índice, oude cada uma de suas variáveis, na própria estratégiade DT; e a possibilidade de comparação com outrasestratégias de DT, por meio do índice ou das variá-veis que o compõem.

Com esse objetivo foram identificadas eselecionadas as variáveis consideradas mais importan-tes na sustentabilidade do capital institucional (ver qua-dro 1). Uma delas, como já mencionado, é o grau decooperação institucional e organizacional – ou seja, acapacidade que os atores institucionais e organizacionaisde uma estratégia de DT possuem de cooperar entre si.Ela é destacada como uma das variáveis mais importan-tes na definição do capital institucional.

Abramovay (2000), considera que a capacida-de dos empreendimentos atenderem às novas deman-das e conquistarem novos mercados está fortementevinculada ao apoio institucional disponibilizado noterritório e à cooperação (interação) entre as institui-ções e atores territoriais. Assim, a cooperação entreas instituições e os atores territoriais é um elemento-chave na capacidade de competição das regiões oulocalidades (CEDEPLAR, 2004).

A necessidade de cooperação entre as institui-ções regulatórias e de apoio, além da cooperaçãohorizontal (entre empresas), e de coordenação en-tre os níveis institucionais, é enfatizada também porHelmsing (1999). Para o referido autor, a formaçãode redes institucionais dá mais racionalidadesistêmica ao esforço, o que ressalta a influência domeio institucional (interno e externo) na capacida-de competitiva dos sistemas territoriais de produ-ção.

Suzigan, em estudo elaborado para o Ipardes(2006), aponta a cooperação multi-insittucional comoum requisito fundamental à efetivação dos progra-mas e políticas destinadas aos APLs.

Nesse sentido, é importante ressaltar que à me-dida que se amplia a diversidade de atores sociaisenvolvidos (nesse caso, em particular, de entidadesenvolvidas) na discussão do território e na proposi-ção de estratégias de desenvolvimento, tende-se aampliar também a quantidade e a profundidade dosconflitos. Essa afirmação deve-se à característica,comum em grande parte das entidades brasileiras, debusca de resultados individuais (particulares à enti-dade) – e não de resultados coletivos –, assim comode resultados setoriais e de curtos prazos. Soma-se aisso as distintas visões da problemática territorial, querefletem na definição das ações a serem executadas.Isso resulta na dificuldade de coordenação entre açõesconduzidas por diferentes instituições em um territó-rio.

No entanto, a existência de opiniões e de posi-ções divergentes é inerente ao processo participativo.A gestão dos conflitos e a obtenção de consensos, deforma democrática, é um processo de desenvolvimen-to conjunto e essencial à sustentabilidade do capitalsocial e, em específico, do capital institucional. Comoconseqüência, a gestão democrática dos conflitos fa-vorece a estabilidade das parcerias e a atração denovos parceiros ao processo.

Para Bourdieu (2000), as esferas da vida social,mais ou menos institucionalizadas, se caracterizam,primordialmente, pela existência de forças opostas.Essas forças estão organizadas em torno de interes-ses e de alguns atores. O desenvolvimento seria, en-tão, oriundo da concertação de interesses.

Diversos autores, que tratam da concertaçãocomo um tema inerente ao desenvolvimento dos sis-temas territoriais de produção, destacam a importân-cia do processo inclusivo, do consenso no nívelterritorial e da necessidade das redes serem organiza-das territorialmente (BENNETT e MCCOSHAN,1993; BEST, 1990; HELMSING, 1999).

Meyer-Stamer (1997) também ressalta que oêxito das redes está intrinsecamente ligado à capaci-dade dos atores resolverem conflitos internos, assimcomo à confiança, à reciprocidade, ao compromissocom a troca de informações e à tomada de decisõesconjunta7. Quanto maior a rede – ou seja, as cone-xões horizontais e verticais estabelecidas entre aspessoas e as instituições – e mais democrático for o

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modo de resolução de conflitos, maiores as chancesde se obter grandes resultados (FISHER, 2002).

Além disso, dada a complexidade do DT, nãobasta apenas a existência de várias entidades parcei-ras nas estratégias. Um ingrediente fundamental é adiversidade de tipologia das entidades. Isso porque,em particular nas estratégias de promoção do desen-volvimento de APLs, são necessárias ações de dife-rentes naturezas, desde capacitação técnica até o apoioà comercialização, passando pelo provimento de infra-estrutura básica e de financiamento, dentre outras.No entanto, essas entidades precisam possuir objeti-vos convergentes.

Outro elemento fundamental é arepresentatividade da representação (BURSZTYN,2001), ou seja, o poder de decisão e a legitimidadedo representante da entidade na estratégia de DT. Afalta de empoderamento do representante dificulta (eatrasa) o processo de tomada de decisão. Nesse con-texto, mesmo com a participação de técnicos das en-tidades parceiras, “a articulação, o estreitoenvolvimento e o comprometimento das esferasdecisórias mais altas são absolutamente necessárias,sob risco de esvaziamento das inicitivas” (LEMOS,ALBAGLI e SZAPIRO, 2006, p.258).

Associada a essa questão está a importância dacontinuidade dos representantes das entidades parcei-ras no decorrer do processo. A rotatividade de repre-sentantes é um dos grandes obstáculos ao andamentodas estratégias. Soma-se a isso a necessidade de trans-parência e de fluidez das informações na rede institucionale organizacional da estratégia de DT. Sobre esse aspec-to, Lemos, Albagli e Szapiro (2006, p.259) enfatizamque a coordenação de ações no âmbito territorial de-pende “da difusão e da transparência das informaçõesentre os diversos atores, bem como de sua disposiçãoem cooperar e superar divergências”.

Visando propor uma forma de conhecer, anali-sar e monitorar o grau de cooperação existente nosprojetos de DT, elaborou-se o ‘Índice de Coopera-ção Institucional e Organizacional’ (ICIO). Essa fer-ramenta permite uma visualização conjunta de diver-sas variáveis que dão base à cooperação entre as ins-tituições e as organizações, um dos elementos cons-tituintes da sustentabilidade da implantação de estra-tégias de promoção do DT.

O índice de cooperação institucional eorganizacional, por sua vez, irá compor um outrodenominado ‘Índice de Sustentabilidade do CapitalInstitucional’ (ISCI), que indica o grau desustentabilidade da relação do tecido institucional eorganizacional do território (ou da estratégia de DT).Como indica a denominação desse índice, o mesmo éconstituído por variáveis que dão condições àsustentabilidade do capital institucional, evidenciadasno quadro 1.

Quanto à diversidade da tipologia das entida-des parceiras, elegeu-se, como primordiais, treze cate-gorias diferentes de entidades, sendo elas: ensino e/oucapacitação; pesquisa; assessoria e/ou assistência téc-nica; governamentais (em suas três esferas); bancos definanciamento; espaços de concertação; organizaçõesnão-governamentais; organizações de produtores ru-rais; agências de desenvolvimento e empresariado.

Para Fávero e Gramacho (2004), a ausência doEstado em iniciativas de desenvolvimento é um imensorisco de decomposição das redes de atores. Nesseaspecto, ressalta-se a importância do papel dos go-vernos (locais, estaduais e federal), principalmente noprovimento de infra-estrutura física e na prestaçãodos serviços básicos, capacitações e regulação eco-nômica (SCHMITZ, 1992; MEYER-STAMER,1998). Castells (2001) afirma que as intervenções maiseficazes de atuação do Estado são as que se produ-zem em rede de forma coordenada. É o que o autordefine como Estado-rede, considerado por ele a fór-mula político-institucional mais efetiva para a coor-denação entre os diferentes níveis institucionais emque se desenvolve a ação dos agentes políticos.

O grau de comprometimento das entidades éoutro elemento imprescindível à sustentabilidade daimplantação das estratégias. Não é raro deparar comcasos em que entidades se comprometem mas nãoefetivam seu compromisso, inviabilizando as açõespropostas (como no caso do APL da apicultura nosertão do São Francisco, a ser apresentado).

Na definição do grau de comprometimento dasentidades parceiras, as variáveis selecionadas foramas seguintes: a participação nas reuniões; o compro-metimento com ações da estratégia; os recursosdisponibilizados; e o cumprimento das responsabili-dades assumidas.

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Aspectos de análise

Cooperação institucional e organizacional

Sustentabilidade do Capital Institucional

Grau de comprometimento das

entidades parceiras

Var

iáve

is d

e an

ális

e

• Gestão dos conflitos existentes;

• Estabilidade das parcerias ou a sua evolução – ou seja, a chegada de novos parceiros;

• Convergência de objetivos entre as entidades parceiras;

• ‘Representatividade da representação’, isto é, o poder de decisão e a legitimidade do representante da entidade no território;

• Continuidade dos representantes das entidades parceiras no decorrer do processo; e

• Fluxo da troca e do repasse das informações referentes à estratégia de DT.

• Número de entidades parceiras na estratégia de DT;

• Diversidade da tipologia das entidades parceiras;

• Grau de comprometimento das entidades parceiras;

• Participação das entidades territoriais;

• Acesso entre as entidades parceiras ao poder de decisão;

• Entidades territoriais relevantes não envolvidas na estratégia; e

• Grau de cooperação institucional e organizacional9.

• Participação nas reuniões;

• Comprometimento com ações da estratégia;

• Recursos disponibilizados; e

• Cumprimento das responsabilidades assumidas.

Quadro 1: Aspectos e variáveis de análise da sustentabilidade do capital institucional em estratégias de DT

Quanto à participação, a mesma é vista porBursztyn (2001) como um dos imperativos ao desen-volvimento sustentável. A participação mais ampla eestruturada dos atores territoriais é fundamental paraque o controle social possa ser exercido em sua for-ma plena (BRESSER PEREIRA, 1997). Além disso,a participação é pré-condição ao empoderamento e àresponsabilização dos atores territoriais, elementosque dão condições à continuidade das estratégias deDT após o término das ações conduzidas por entida-des exógenas ao território.

Para isso, faz-se mister o adensamento das articu-lações entre organizações e instituições territoriais. Aampliação dos espaços de participação cidadã “favore-ce qualitativamente a capacidade de representação dosinteresses e a qualidade e eqüidade da resposta públicaàs demandas sociais” (JACOBI, 2003, p.332).

Em relação ao acesso ao poder de decisão,Fisher (2002) afirma que uma boa gestão é funda-mentada na governança, no poder compartilhado ouna ação coletiva gerenciada. Daí a sua importânciana sustentabilidade do capital institucional.

No caso das entidades territoriais relevantesnão envolvidas na estratégia, essa variável é consi-derada no cálculo do índice de sustentabilidade docapital institucional dada a importância significativada presença de entidades, que já atuam de forma es-tratégica em prol do desenvolvimento do território,que, porventura, possam não ser parceiras da estra-tégia de DT em questão.

Os Estudos de Caso

Estudo de caso 1: APL da Apicultura no SertãoSergipano do São Francisco

Quanto à cooperação institucional eorganizacional

O resultado do ICIO no APL da Apicultura noSertão Sergipano do São Francisco indicou que a re-lação de cooperação do tecido institucional eorganizacional do território se apresenta de forma‘moderada’, que é a pontuação mediana da escala

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adotada. Esse resultado deve-se principalmente a doismotivos: 1) ao reduzido número de entidades parcei-ras estratégicas (que atuam de forma conjunta em todoo processo de implantação das ações e não apenas deforma pontual) envolvidas, variável com peso doisno cálculo desse índice; e 2) à pouca interação entreas entidades parceiras, dada a inexistência de um es-paço efetivo de diálogo e concertação entre parcei-ros e beneficiários, o que dificulta o fluxo da troca edo repasse das informações referentes à estratégia deDT.

A descontinuidade de representação das enti-dades parceiras também contribuiu para o resultado.

Ressalta-se a elevada pontuação obtida pelasvariáveis ‘gestão dos conflitos’, com grau alto, ‘esta-bilidade e/ou evolução das parcerias’ e‘representatividade do representante das entidadesparceiras’, ambas com grau muito alto. Isso porqueos conflitos, quando existentes, tendem a ser resolvi-dos de forma democrática entre as entidades, o quecontribui, conseqüentemente, na estabilidade das par-cerias. Quanto ao poder de decisão do representantedas entidades no APL (chamado aqui de‘representatividade do representante’), evidencia-seque a implantação da estratégia está fortemente vin-culada aos representantes das entidades parceiras.

Em resumo, o resultado não é de todo ruim,mas evidencia que a cooperação institucional eorganizacional não é um ponto forte do processo eque pode ser incrementada.

Quanto à Sustentabilidade do Capital Institucional

O resultado do ISCI no APL da Apicultura noSertão Sergipano do São Francisco indicou que asustentabilidade da atuação do tecido institucional eorganizacional no território se encontra entre os grausmuito baixo a baixo, uma pontuação considerada bemnegativa, próxima ao menor nível da escala adotada(de 1 a 5). Tal resultado deve-se principalmente a trêsmotivos: 1) ao reduzido número de entidades parcei-ras estratégicas envolvidas; 2) à pequena participa-ção dos atores locais na concepção e implantação daestratégia – fator agravado pela centralização do pro-cesso de tomada de decisão em poucas entidades par-

ceiras, ou melhor, nas entidades financiadoras damaioria das ações; e 3) à pouca diversidade de cate-gorias de entidades atuando na estratégia (variávelcom peso dois no cálculo desse índice).

Neste aspecto, destaca-se a ausência de catego-rias de entidades estratégicas ao desenvolvimento doAPL, como as de ensino e pesquisa, de financiamento,de assistência técnica e de espaços de concertação doAPL – em especial, do Fórum da Mesorregião de Xingóe do CIAT (Comissão de Instalações das AçõesTerritoriais) do sertão sergipano –, assim como à pou-ca presença do governo do estado na estratégia. Essavariável é negativa no cálculo do ISCI dado que asustentabilidade de uma estratégia de DT pode ser pre-judicada pela ausência da parceria de entidades consi-deradas estratégicas ao processo, presentes no territó-rio ou que atuam no mesmo.

Quanto ao comprometimento das entidades par-ceiras, ressalta-se o elevado grau atribuído a essavariável (um pouco acima do grau alto), evidencian-do que as entidades estão realmente engajadas aoprocesso.

Em síntese, diversas condições necessárias àsustentabilidade do capital institucional em uma estra-tégia de DT não estão presentes na estratégia de pro-moção do APL da apicultura do sertão sergipano doSão Francisco. Dentre elas, destaca-se: o reduzidonúmero de entidades parceiras estratégicas envolvidas;a pouca interação entre as entidades parceiras, dada ainexistência de um espaço efetivo de diálogo econcertação entre parceiros e beneficiários; a ausênciade categorias de entidades estratégicas ao desenvolvi-mento do APL; assim como a pouca participação eempoderamento dos atores locais, aspectos que, seexistentes, contribuiriam para a minimização de riscosde descontinuidade da implantação da estratégia.

O resultado do índice é considerado ruim porindicar que as condições necessárias à sustentabilidadedo capital institucional não estão sendo buscadas –com exceção do grau de comprometimento das enti-dades parceiras, que se apresenta elevado.

* * *

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Estudo de caso 2: APL da Ovinocaprinoculturano Sertão Alagoano

Quanto à cooperação institucional eorganizacional

O resultado do ICIO no APL daOvinocaprinocultura no Sertão Alagoano indicou quea relação de cooperação do tecido institucional eorganizacional do território se encontra entre os grausmoderado e alto, que é a pontuação superior à medi-ana na escala adotada.

Esse resultado deve-se principalmente ao sig-nificativo número de entidades parceiras estraté-gicas (que atuam de forma conjunta em todo o pro-cesso de implantação das ações e não apenas deforma pontual) envolvidas, variável com peso doisno cálculo desse índice; a elevada pontuação obti-da pelas variáveis ‘gestão dos conflitos’, ‘estabili-dade e/ou evolução das parcerias’ e ‘convergênciade objetivos entre as entidades parceiras’, ambascom grau considerado muito alto. Isso porque osconflitos, quando existentes, tendem a ser resolvi-dos de forma democrática entre as entidades, o quecontribui, conseqüentemente, na estabilidade dasparcerias.

Em relação à interação entre as entidades par-ceiras, evidencia-se o baixo grau do fluxo da troca edo repasse das informações referentes à estratégiade DT entre os parceiros. Percebe-se que, mesmocom a existência de um espaço efetivo de diálogo econcertação entre parceiros e beneficiários (a câma-ra temática da ovinocaprinocultura do CIAT), algu-mas entidades não agem de forma transparente quantoàs suas intenções.

A descontinuidade de representação das enti-dades parceiras também contribuiu para que o resul-tado não fosse mais elevado. A troca de represen-tantes nas entidades do governo do estado, nas coo-perativas de produtores, no MI e na articulaçãoterritorial do MDA (Ministério do DesenvolvimentoAgrário) atrapalhou o processo de implantação daestratégia, principalmente quanto ao encaminhandodos processos para liberação de recursos destinadosà execução de infra-estrutura, atrasando o início dasmesmas.

Quanto ao poder de decisão do representantedas entidades no APL (chamado aqui de‘representatividade do representante’), evidencia-seque a maioria dos representantes das entidades par-ceiras no território não possui poder de decisão quantoà disponibilidade de recursos e ao comprometimentode ações por sua entidade, necessitando se reportaraos seus superiores antes de fazê-lo. Esse fator limitao andamento da estratégia, ao atrasar o processo detomada de decisão – por isso o grau muito baixo atri-buído a esta variável.

Em resumo, o resultado evidencia que a coope-ração institucional e organizacional é um ponto fortedo processo, mas que ainda pode ser incrementada.

Quanto à Sustentabilidade do CapitalInstitucional

O resultado do ISCI no APL daOvinocaprinocultura no Sertão Alagoano indicou quea sustentabilidade da atuação do tecido institucionale organizacional no território encontra-se muito pró-xima ao grau alto. Tal resultado deve-se à significati-va diversidade de categorias das entidades parceirasenvolvidas (variável com peso dois no cálculo desseíndice), à participação das entidades territoriais e aoacesso coletivo ao poder de decisão – as duas últi-mas variáveis com valor máximo da escala adotada.

Quanto ao comprometimento das entidades par-ceiras, ressalta-se o elevado grau atribuído a essavariável (grau alto), evidenciando que as entidadesestão engajadas ao processo.

Enfatiza-se a ausência de entidades estratégicasao desenvolvimento do APL, sendo elas: o InstitutoXingó, a Embrapa (Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária), a Codevasf (Companhia de Desen-volvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba) ea Sudene (Superintendência do Desenvolvimento doNordeste), assim como a pouca atuação dos bancospúblicos de financiamento (Banco do Nordeste eBanco do Brasil) na estratégia. Essa variável é nega-tiva no cálculo do ISCI, dado que a sustentabilidadede uma estratégia de DT pode ser prejudicada pelaausência da parceria de entidades consideradas es-tratégicas ao processo, presentes no território ou queatuam no mesmo.

No caso específico da Universidade Federal, oenvolvimento da entidade no processo se dá de for-

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ma muito incipiente e pessoal. Apenas dois professo-res, que possuem interesse particular no estudo daatividade na região, estão envolvidos com o proces-so, e não a instituição formalmente.

O Instituto Xingó e a Embrapa não demonstra-ram, até o momento, interesse em aderir ao proces-so. O Banco do Brasil iniciou a implantação do DRS(Desenvolvimento Regional Sustentável) no APLapenas no segundo semestre de 2007 – dois anos emeio após o início da estratégia.

Em síntese, diversas condições necessárias àsustentabilidade do capital institucional em uma es-tratégia de DT estão presentes, em um alto grau, naestratégia de promoção do APL daovinocaprinocultura do sertão alagoano. Dentre elas,destaca-se: a cooperação entre as entidades parcei-ras, o comprometimento das entidades parceiras coma estratégia e a participação e o empoderamento dosatores locais, aspectos que contribuem para aminimização de riscos de descontinuidade da implan-tação da estratégia.

Considerações quanto à aplicação dos índicesICIO e ISCI nos APLs analisados

A aplicação dos índices nos APLs da Apiculturano Sertão Sergipano do São Francisco e daOvinocaprinocultura no Sertão Alagoano foi de gran-de utilidade na compreensão de ‘como’ as entidadesparcerias atuam nos territórios. Apesar disso, tem-seciência que se faz necessária a realização de um mai-or número de aplicações, para que se verifique arobustez e a utilidade dos índices em outras experi-ências de mesma natureza.

Nos APLs analisados, o teste dos índices con-firmou as hipóteses que fundamentaram a constitui-ção dos mesmos, sendo elas:

· a sustentabilidade das estratégias de promo-ção do DT está diretamente associada ao grau de co-operação institucional e organizacional existente as-sim como ao grau de sustentabilidade do próprio te-cido institucional e organizacional – o capitalinstitucional, promotor das estratégias;

· a sustentabilidade de uma estratégia de DT éprejudicada pela ausência da parceria de entidadesestratégicas, presentes no território ou que atuam nomesmo.

Dentre as vantagens identificadas na aplicaçãodos índices, está a identificação e análise situacionalde cada uma das variáveis que os compõem. Além depermitir a visualização mais clara do comportamentodas variáveis isoladamente e do conjunto delas (queorigina cada um dos índices), foi possível compararas condições de sustentabilidade na implantação dasduas estratégias, que possuem a mesma natureza (pro-moção de APLs).

Verificou-se que a estratégia utilizada na pro-moção do APL da Apicultura no Sertão Sergipanodo São Francisco apresenta menores condições desustentabilidade do que a do APL daOvinocaprinocultura no Sertão Alagoano.

Na análise dos resultados da aplicação dos índi-ces no APL da Apicultura no Sertão Sergipano doSão Francisco, verifica-se que diversas condiçõesnecessárias à sustentabilidade de uma estratégia deDT não estão presentes na estratégia usada no refe-rido APL. O reduzido número de entidades parceirasestratégicas envolvidas e a pouca interação entre elas,dada a inexistência de um espaço efetivo de diálogo econcertação entre parceiros e beneficiários, eviden-ciam o exposto.Soma-se a isso a ausência, na es-tratégia, da parceria de alguns tipos de entidades es-senciais ao desenvolvimento do APL, como as de en-sino e pesquisa, de financiamento dos produtores, deassistência técnica, assim como de espaços deconcertação. Outros elementos essenciais ao DT, nãopresentes na estratégia, foram a participação e oempoderamento dos atores locais, aspectos que, seexistissem, contribuiriam para a minimização dos ris-cos de descontinuidade da implantação da estratégia.

No segundo caso, APL da Ovinocaprinoculturano Sertão Alagoano, foi possível identificar a exis-tência, em um alto grau, de diversas condições ne-cessárias à sustentabilidade do capital institucional e,conseqüentemente, de uma estratégia de DT, taiscomo: a cooperação entre as entidades parceiras, ocomprometimento das entidades parcerias com a es-tratégia e a participação e o empoderamento dos ato-res locais, aspectos que contribuem para aminimização de riscos de descontinuidade da implan-tação da estratégia.

* * *

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Considerações Finais

O DT foi tratado neste artigo sob a ótica deestratégias para a sua promoção, em particular viaAPLs, por entidades públicas e privadas, no semiáridobrasileiro. Como as estratégias analisadas datam deum período recente (a partir de 2004), a análise foidirecionada às condições de sustentabilidade da im-plantação das mesmas.

Nesse contexto, a análise enfocou a dimen-são institucional – essencial por ser a base das prá-ticas negociais de cooperação e ação coletiva – nasustentabilidade das estratégias de promoção doDT. Essa importância ganha maior peso nos terri-tórios de baixo dinamismo socioeconômico (cor-respondente à grande parte dos municípios doSemiárido), que carecem de ações de promoçãodo desenvolvimento por entidades públicas e pri-vadas.

Além disso, a constituição e/ou o fortalecimen-to de instituições e organizações, em escala territorial,que exerçam as funções de regulação, concertação eapoio, é um elemento essencial na viabilidade dos sis-temas de produção contemporâneos. Nessa linha depensamento, a hipótese partiu da afirmação de que oambiente institucional (que constitui o chamado ‘ca-pital institucional’) é fator determinante na capacida-de de resposta dos territórios às estratégias de desen-volvimento.

A partir da análise das estratégias de DT viaAPLs na mesorregião de Xingó, foi possível, tam-bém, conhecer melhor como está sendo a implanta-ção da PNDR no semiárido, já que a mesorregião deXingó é um dos recortes territoriais de atuação doPromeso, a principal estratégia de ação dessa Políti-ca, executada pelo MI. Sobre esse aspecto, ressalta-se a pouca efetividade do ‘Fórum de DesenvolvimentoIntegrado e Sustentável da Mesorregião de Xingó’,instituído em maio de 2006, como uma instância decaráter deliberativo, e de discussão, planejamento eacompanhamento. Essa afirmação deve-se à sua nãoparticipação na elaboração, nem no acompanhamen-to da implantação das estratégias de promoção dosAPLs estudados, assim como de nenhum dos proje-tos destinados aos APLs apoiados com recursos fi-nanceiros do MI.

A atuação do Fórum se limita à participação nasdiscussões sobre a distribuição, entre os estados quecompõem a mesorregião, dos recursosdisponibilizados pelo MI, e à priorização dos proje-tos apresentados ao MI por algumas instituições –normalmente pela Codevasf, por meio de suas su-perintendências regionais.

Essa forma de funcionamento do Fórum é umentrave ao processo participativo, pois a arena foiconstituída com o objetivo de permitir a participaçãodos atores representativos da mesorregião no seudesenvolvimento. Sem a efetiva participação dos ato-res na construção desse desenvolvimento (e isso pas-sa pela elaboração conjunta de estratégias, assim comopelo acompanhamento da execução das mesmas), nãose promove o empoderamento e a responsabilizaçãodos atores territoriais, tão necessárias àsustentabilidade do processo.

Além disso, a dada a complexidade do DT, nãobasta apenas a existência de várias entidades parcei-ras nas estratégias. Um ingrediente fundamental é adiversidade de categoria das entidades. Isso porque,em particular nas estratégias de promoção do desen-volvimento de APLs, são necessárias ações de dife-rentes naturezas, desde a capacitação técnica até oapoio à comercialização, passando pelo provimentode infra-estrutura básica e de financiamento, dentreoutras. No entanto, essas entidades precisam estarafinadas e possuírem objetivos convergentes.

Os aspectos e as variáveis analisados, que com-puseram os índices aplicados na mesorregião deXingó, facilitaram o entendimento de ‘como’ as enti-dades parceiras atuam na implantação das estratégi-as de DT. Espera-se, com isso, que os instrumentosapresentados contribuam no processo de acompanha-mento de estratégias dessa natureza e, conseqüente-mente, na tomada de decisão e na correção de rumodas estratégias.

Ressalta-se, no entanto, a necessidade de atua-lização dos princípios éticos-políticos da democraciabrasileira. O aumento da capacidade de organizaçãodos segmentos da sociedade civil é essencial, mas elesó será possível por meio do acesso à informação –pré-condição básica ao controle social. Além disso,torna-se necessária a implantação de práticasdescentralizadoras articuladas com uma engenharia

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institucional que concilie participação com formasmais ativas de representatividade. Esses elementossão condicionantes para a construção de uma novainstitucionalidade.

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Notas

1 As micro e pequenas empresas empregam cerca de 60% damão-de-obra no Brasil (LEMOS, 1997).

2 A entrevista semi-estruturada, “[...] semidirectiva, ousemidirigida é, certamente, a mais utilizada em investigaçãosocial. É semidirectiva no sentido em que não é inteiramenteaberta nem encaminhada por um grande número de pergun-tas precisas. Geralmente, o investigador dispõe de uma sériede perguntas-guias, relativamente abertas, a propósito dasquais é imperativo receber uma informação da parte do en-trevistado.” (QUIVY; CAMPENHOUDT, 1998, p. 192).

3 Forma como estão dispostos os fios que constituem um tecido(Dicionário Aurélio).

4 As instituições, mais formalmente, representam os limitesestabelecidos pelo homem para disciplinar as interações hu-manas. Em conseqüência, elas estruturam os incentivos queatuam nas trocas humanas, sejam elas políticas, sociais oueconômicas (NORTH, 1994).

5 Enfatiza-se o uso do termo ‘capital institucional’ por consi-derar que a expressão ‘capital’ possui, neste caso, um sentidopositivo de acumulação (estoque) e uso, e, conseqüentemen-te, de reprodução e agregação de valor às estratégias. Umconjunto de instituições e organizações atuando de formacoordenada em um território é, em si, um fator estratégico,que pode ser acumulado, usado e reproduzido. Daí a utilida-de do uso do termo ‘capital’ nesse contexto.

6 O termo ‘entidades’ é utilizado nesta tese para fazer referên-cia a organizações e instituições.

7 Consideradas como variáveis na constituição do Índice deSustentabilidade do Capital Institucional.

8 Consideradas como variáveis na constituição do Índice deSustentabilidade do Capital Institucional.

9 Calculado por meio do Índice de Cooperação Institucional eOrganizacional (ICIO).

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O Capital Social nas PolíticasSocioambientais: entre a Panacéia

e o Bom Uso do Conceito

O conceito de capital social se tornou base das políticas ambientais e de desenvolvi-mento na contemporaneidade. Contudo, a proliferação das discussões teóricas sobre oconceito não se traduziu em mudança substantiva na efetividade dessas políticas. Oobjetivo deste estudo é mostrar que o conceito de capital social tem sido utilizado deforma indiscriminada, acrítica e fechada no âmbito das políticas socioambientais. Ouso banalizado do conceito pode comprometer a eficiência e a eficácia de projetos epolíticas direcionadas ao desenvolvimento local, pois obscurece assimetrias de podere, não raramente, as agrava. O capital social pode ser útil para a promoção do desen-volvimento sustentável, mas para que isso ocorra, faz-se urgente e necessária umaredefinição do conceito que incorpore os conflitos e as relações de poder existentesnas diversas realidades. Dessa forma, O esforço deve ser direcionado para uma me-lhor alocação do capital social – o que implica intervir nas relações de poder locais –e não para seu “fomento” ou “promoção”.

Igor Ferraz da Fonseca1

1 Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Doutoran-do pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília(CDS-UnB).

RESUMO

ABSTRACT

The concept of social capital has become the basis of environmental and developmentpolicies in contemporary times. However, proliferation of the concept’s use did nottranslate into substantive change in the effectiveness of those policies. The aim of thispaper is to show that the concept of social capital has been used indiscriminately anduncritically in socio-environmental policies. The banalized use of the concept cancompromise the efficiency and effectiveness of projects and policies directed to localdevelopment, obscuring asymmetries in power relations. Social capital can be usefulfor the promotion of sustainable development, however this requires a redefinition ofthe concept’s use that incorporates conflicts and power relations existing in differentrealities. Thus, the effort should be directed to a better allocation of social capital andnot for his “creation” or “promotion”.

Recebido em 13.01.2010Aceito em 06.04.2010

Palavras-Chave:Capital socialGovernança ambientalPolítica ambientalDesenvolvimento local

Key-words:Social capitalEenvironmental governanceEnvironmental policyLlocal development

S u s t e n t a b i l i d a d e

e m D e b a t e

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Intr odução

A partir da década de 1990, as políticasambientais e de desenvolvimento, direcionadas paraos países periféricos, sofreram diversas transforma-ções em sua metodologia de implementação e em seusresultados esperados. Diversas alternativas teóricasserviram de referência para essa transformação. Osconceitos de descentralização, participação eempoderamento são algumas dessas alternativas.Contudo, existe uma categoria que representa a cha-ve dessa mudança paradigmática nos projetos de de-senvolvimento socioambiental: o conceito de capitalsocial.

Essa categoria impulsionou a mudança do focodo Estado para a sociedade civil como entidade pro-motora do desenvolvimento. A valorização da comu-nidade local e de entidades não governamentais estáligada a um amplo processo de mudança conjunturalna política e na economia global, tais como o fortale-cimento da agenda neoliberal e a proeminência doBanco Mundial nos esforços de promoção do desen-volvimento em países periféricos. A adoção da no-ção de capital social tornou-se símbolo dessa mu-dança e passou a ser vista como necessária, e muitasvezes suficiente, para o desenvolvimentosocioambiental local.

O objetivo deste artigo é mostrar que o con-ceito de capital social tem sido utilizado de formaindiscriminada, acrítica e fechada no âmbito das po-líticas socioambientais. O uso banalizado do concei-to pode comprometer a eficiência e a eficácia de pro-jetos e políticas direcionadas ao desenvolvimento lo-cal, pois obscurece assimetrias de poder e, não rara-mente, as agrava. O capital social pode ser útil para apromoção do desenvolvimento sustentável, mas paraque isso ocorra, faz-se urgente e necessária umaredefinição do conceito que incorpore os conflitos eas relações de poder existentes nas diversas realida-des.

Na segunda parte deste artigo, discute-se oselementos internos à concepção dominante de capi-tal social. Em seguida, são expostos fatores que con-tribuem para explicar porque a concepção dominan-te saiu vitoriosa e relegou a um plano marginal ou-tras concepções do conceito. A quarta seção apre-

senta críticas à teoria dominante de capital social,observando suas falhas metodológicas e pontos quecontribuem para explicar sua baixa eficiência na pro-moção do desenvolvimento local. A quinta parte traza contribuição do sociólogo Pierre Bourdieu, resga-tando elementos de sua teoria que contribuem paraexplicar como a lógica do capital social opera na re-alidade. Por fim, as considerações finais ressaltam aimportância que o capital social pode ter, caso o mes-mo incorpore relações de poder e as condições mate-riais e simbólicas necessárias para um melhor desen-volvimento socioambiental local.

A Emergência da Concepção Dominantede Capital Social

A concepção que se tornou dominante no deba-te sobre capital social não é a primeira e nem a únicavisão sobre o conceito. Diversos fatores, que serãoexplorados mais adiante, explicam porque essa con-cepção saiu vitoriosa.

De qualquer forma, o uso atual do conceito naspolíticas ambientais e de desenvolvimento segue quaseque exclusivamente as abordagens de Coleman (1988)e, sobretudo, de Putnam (1996). Para estes autores,o capital social representaria “características da or-ganização social, como confiança, normas e sistemas,que contribuam para aumentar a eficiência da socie-dade, facilitando as ações coordenadas” (Putnam,1996, p.177). O capital social teria a finalidade defortalecer a solidariedade comunitária por meio deexpectativas de reciprocidade e aplicação das nor-mas sociais (Portes, 1998). Outro ponto a serenfatizado é que essa visão do conceito,

refere-se a “redes sociais, normas e confiança”,as quais contribuem para a criação de uma soci-edade civil “vibrante” ou “robusta” porque elasfacilitam a resolução dos problemas da ação co-letiva [...] A idéia básica é que por meio da “par-ticipação” em “associações locais voluntárias”,as pessoas são “empoderadas” na “sociedadecivil” (Harriss, 2001, p. 25, tradução do autor)

Essa visão do capital social permitiria o desen-volvimento de cooperação e confiança entre os indi-víduos de um grupo social, que se tornaria coeso eengajado na vida cívica. Tais condições seriam propí-cias para a melhoria das condições de vida nos países

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subdesenvolvidos, diminuindo a pobreza, garantindoo uso sustentável dos recursos naturais e levando aodesenvolvimento e à prosperidade. Como ingredien-te vital para a sustentabilidade ao redor do mundo(Fine, 1999), o capital social seria o elo perdido dodesenvolvimento (Grootaert, 1998).

Diversas políticas socioambientais e/oudirecionadas para o uso sustentável dos recursos na-turais, sobretudo aquelas com enfoque no desenvol-vimento local, adotaram a concepção de capital soci-al acima citada. Diversos estudos enfatizam a impor-tância e a necessidade da promoção do capital socialpara o alcance da sustentabilidade ambiental (Pretty& Ward, 2001; Bodin & Crona, 2008; Bouma, Bulte,& Van Soest, 2008). Para Pretty and Ward (2001), aexistência de capital social no nível da comunidadepode constituir um pré-requisito para a melhora nagestão do capital natural. Dessa forma, o capital so-cial seria um dos principais determinantes de sucessopara um uso adequado e sustentável dos recursosnaturais (Bouma et al., 2008).

Mas porque essa visão saiu vitoriosa, relegan-do ao esquecimento (ou subestimando) outras visõesdo conceito?

O Discurso Politicamente Correto e aProeminência do Banco Mundial

A concepção de Putnam/Coleman ganha noto-riedade por dois fatores principais: a relação do capi-tal social com os discursos “politicamente corretos”(Harriss, 2001; Cleaver, 2005) e a adoção do concei-to pelo Banco Mundial, como base de suas políticasde desenvolvimento (Bebbington, 2004; Fine, 2007;Harriss, 2001).

O primeiro ponto refere-se à idéia de que o dis-curso do capital social é intrinsecamente politicamentecorreto. As premissas de fortalecimento da comuni-dade, dos laços de reciprocidade e confiança, da par-ticipação e do engajamento cívico, do empoderamentodos pobres e da inexorável melhora da situação devida dessas comunidades dota o discurso de uma aurapositiva, a qual charme é difícil resistir. Ser contra ocapital social é ser contra o progresso, o desenvolvi-mento, as comunidades pobres, o uso comunitário esustentável dos recursos naturais, a força da socieda-

de civil e de seus bem-intencionados representantes.O discurso politicamente correto é potente fator paraexplicar a notoriedade da concepção do conceito.

Segundo, ao tratar o conceito como o elo per-dido do desenvolvimento, os projetos e políticas doBanco Mundial passaram a financiar, promover e for-talecer o capital social em comunidades pobres e re-lativamente isoladas. As disputas por financiamentode estudos e pesquisas fez com que diversos pesqui-sadores e acadêmicos incluíssem o conceito em seusprojetos. Porém, como o objetivo principal era rece-ber tal financiamento1, o uso do conceito se alastroude forma acrítica e superficial, apenas reproduzindoo pensamento do Banco Mundial. Outros pesquisa-dores não buscavam financiamento, mas reproduzi-am o conceito por este estar na “moda” e na ordemdo dia das discussões sobre desenvolvimento. Emambos os casos, o uso do conceito seguiu a lógicados free-riders discursivos. O free-rider discursivo(aplicado à questão ambiental) é aquele ator que, aomanifestar apoio retórico ao desenvolvimento sus-tentável, desfruta dos benefícios de ser “ecologica-mente correto” sem de fato sê-lo. Ou seja, ele se apro-pria e se beneficia dos bens simbólicos sem que esseapoio discursivo tenha respaldo na sua prática, quecontinua sendo guiada por interesses individuais/imediatistas (Fonseca & Bursztyn, 2007).

Por trás de seu crescimento, o uso do conceitonão foi problematizado teoricamente, o que poderiater resgatado outras dimensões do mesmo, mas foifeito com base em um manual da boa governançaque versava sobre a boa maneira de elaborar projetosvisando o desenvolvimento de comunidades pobres(Fonseca & Bursztyn, 2009). O capital social se tor-nou um conceito totalmente caótico (Fine, 1999) quese refere a tudo aquilo que melhora o bem estar dapopulação e favorece o desenvolvimento sustentá-vel. O conceito, quando utilizado como uma pana-céia, aparenta ser capaz de representar qualquer coi-sa que melhore os bens públicos, as relações sociais ea cultura.

Uma outra motivação que explica o alastramentodo conceito refere-se à associação do mesmo com aagenda neoliberal e com o processo de diminuiçãodo Estado, bem como na descrença do Estado como

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agente promotor do desenvolvimento. A concepçãodominante do conceito assegura que o desenvolvi-mento da comunidade e a melhora de suas condiçõesde vida não depende do Estado, do governo ou doprojeto institucional, mas do engajamento dos mem-bros da comunidade na comunidade cívica2

(Putnam,1996). Assim sendo, parte do financiamen-to e da atenção dada pelos organismos internacionaisaos governos dos países subdesenvolvidos foitransferida diretamente para as comunidades locais epara representantes (ou pseudo-representantes) dasociedade civil, com destaque para as organizaçõesnão governamentais (Mohan & Stokke, 2000; Sanyal,2005).

Isso ocorre porque houve uma convergência navisão de setores da esquerda e da direita no que serefere a uma suposta ineficiência no papel do Estadona promoção do desenvolvimento, derivada do rela-tivo fracasso de políticas direcionadas pelos gover-nos centrais de países subdesenvolvidos no períodoposterior à segunda guerra mundial (para uma boadescrição sobre como a ideologia de redução do Es-tado se torna dominante do campo das políticas dedesenvolvimento, ver Sanyal, 2005).

A partir dessa reorientação de foco nas políti-cas de desenvolvimento, com o Estado passando aocupar papel secundário em tal campo, o alastramentodo conceito de capital social ocorreu de forma simul-tânea à emergência de outros conceitos, tais comodescentralização administrativa (Rondinelli,McCullough, & Johnson, 1989) e participação(Mohan & Stokke, 2000), que retiram importânciadas esferas de governo e focam na comunidade locale em seus representantes. Porém, diversas críticaspodem ser feitas a esse alastramento acrítico do con-ceito e permitem o resgate de outras formas de tra-balhar tal questão.

Armadilhas do Uso Acrítico do CapialSocial

Em sua aplicação na realidade, conceito de ca-pital social não se mostrou tão bem sucedido comono campo acadêmico e como instrumento de retóri-ca. Diversos autores criticam teórica emetodologicamente o conceito (Bebbington, 2002;

Portes, 1998; Fine, 1999, 2002; Harriss, 2001; Wong,2003), enquanto outros oferecem estudos empíricosde distorções no uso do conceito em realidades con-cretas (Cleaver, 2005; Bebbington, 2000; Portes &Landolt, 2000).

Dentre as críticas, destaca-se a questão da nãoimportância conferida às relações de poder na comu-nidade local. A concepção dominante de capital soci-al não leva em conta que a desigualdade de poder emuma comunidade estará presente nos esforços para aconstrução da comunidade cívica. A interação coti-diana, ao invés de produzir o capital socialmente be-néfico, pode reproduzir as relações de poder históri-cas da comunidade e, caso haja transferência de po-der a essa comunidade, tal desigualdade pode ser acen-tuada pela captura do poder por novas e/ou tradicio-nais elites locais (Cleaver, 2005; Blair, 2000, Ribot,2007; Wong, 2003).

Portes (1998), afirma que o capital social podeter um lado perverso. As possibilidades negativas quepodem emergir do processo de intensificação das tei-as de relações sociais e reciprocidade são diversas. Osentimento de pertencimento a um grupo pode gerarreações xenófobas a membros de outros grupos. Aomesmo tempo, a rede de amizade e reciprocidadedentro de um grupo pode fortalecer práticas indese-jáveis, mas culturalmente arraigadas, como oclientelismo e o nepotismo. Essas características sãoapenas uma parcela das que podem ser geradas pelolado perverso do capital social.

Essas e outras características fizeram com queautores como Harriss (2001) e Fine (2002) conside-rassem o uso do conceito como pernicioso e prejudi-cial às políticas de desenvolvimento, contribuindo parao agravamento de problemas sociais locais. Em estu-do etnográfico na Tanzânia, Cleaver (2005) mostraque as políticas que visavam a promoção do capitalsocial em uma comunidade local falharam por nãolevar em conta as relações de poder e as condiçõesmateriais da população local. Para essa autora,

As tentativas de superar a pobreza por meio dapromoção da participação, do compromissoinstitucional e da formação de capital social nãopodem funcionar sem uma profunda considera-ção das desvantagens estruturais do pobre e dasrestrições à sua ação. De fato, um exame deta-lhado das condições de vida dos pobres levanta

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dúvidas sobre a utilidade do conceito de cons-truir capital social como uma prescrição política(Cleaver, 2005, p. 904, tradução do autor).

De maneira menos peremptória, defende-se aquique o capital social pode ser usado como ferramentade políticas sociais, mas não como objetivo final enem como variável principal para promover o desen-volvimento. Levar em consideração as relações depoder é fundamental para compreender como ocorrea dinâmica de reprodução do capital social.

O sociólogo Pierre Bourdieu foi pioneiro no usocontemporâneo do conceito e sua concepção é a maiselaborada do ponto de vista teórico (Portes, 1998).Na literatura corrente sobre capital social, Bourdieué frequentemente mencionado como teórico do con-ceito, mas suas idéias são apresentadas de maneirasuperficial. Além disso, com exceção de poucos es-tudos (Bebbington, 2007; Portes & Landolt, 2000),não foi ressaltado como o instrumental teórico doautor pode ser útil para compreender a dinâmica docapital social e fornecer bases para um bom uso doconceito.

Bourdieu eo Capital Social

Segundo Bourdieu (19740, os campos sociaisseriam espaços onde são travadas lutas concorrenciaisentre atores, em torno de interesses específicos, quecaracterizam uma determinada área. O campo éestruturado pelas posições objetivas ocupadas pelosatores, que são determinadas pela posse do capitalespecífico do campo. A natureza do capital dependedos interesses e dos objetos em disputa em seu interi-or, que são guiados por uma racionalidade típica decada campo em particular. Os atores elaboram estra-tégias para maximizar os lucros simbólicos e atingirposições dominantes na arena de disputa. O que estáem jogo é a luta pelo monopólio de dizer o que é ounão considerado verdade universal dentro do campoe a posse desse capital leva a posições simbolicamen-te vantajosas, que permitem ao ator ditar as regrasdo campo.

Aqueles que ocupam as posições dominantesdeterminam os modos de pensar, sentir e agir do cam-po, bem como a crença na validade das “verdadesuniversais” da temática em foco, em determinado re-corte espaço-temporal. A mudança dessas verdades

universais pressupõe uma alteração entre as posiçõesda arena e uma redistribuição do capital. Nas lutasinternas aos campos sociais é gerado seu capital pró-prio. Esse quantum socialmente valioso (em princí-pio de várias formas, podendo ser econômico, políti-co, cultural, social etc.) é fundado no reconhecimen-to pela sociedade de seu valor específico (Bourdieu,1990).

O capital social é “a soma de recursos existen-tes ou potenciais ligados à posse de uma rede de re-lações duráveis ou de relações mais ou menosinstitucionalizadas de conhecidos ou reconhecimen-to mútuo” (Bourdieu, 1986, p. 248, tradução do au-tor). É quantum socialmente valioso que pode seradquirido e mobilizado por meio de redes de conta-tos e lealdades.

Porém, existem claras diferenças entre a con-cepção dominante do conceito e a proposta porBourdieu. Para fins de análise, serão acentuadas aquicaracterísticas da concepção de Bourdieu que po-dem trazer significativa compreensão sobre a açãodo capital social na realidade: a apropriação indivi-dual do capital social, o caráter de escassez do mes-mo e seu valor contextual.

O capital social como recurso individual

Putnam (1996, p. 180) assegura que “por serum atributo da estrutura social em que se insere oindivíduo, o capital social não é propriedade particu-lar de nenhuma das pessoas que dele se beneficia”.Essa concepção situa o lócus do capital social na pró-pria relação entre os indivíduos, na próprias “normase redes que habilitam as pessoas a agir coletivamen-te” (Woolcock & Narayan, 2000, p. 226, traduçãodo autor). Isso faz com que o possuidor do capitalseja o grupo, a sociedade e não o indivíduo particu-lar.

Diferentemente, Bourdieu assegura que o pro-prietário do capital social é o indivíduo, e não o gru-po. As redes de relações sociais são utilizadas paramobilizar e legitimar socialmente o recurso que é uti-lizado de acordo com os fins particulares de seusdonos. O capital social não é recurso coletivo da co-munidade, mas recurso socialmente válido e legiti-mado pela comunidade (ou por outro ator social) queé mobilizado pelo individuo para conseguir um bem

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comum ou particular. Como asseguram Portes &Landolt (2000, p. 531, tradução do autor), “O trata-mento de Bourdieu sobre o conceito é instrumentalna medida em que o autor afirma que as pessoas de-senvolvem, intencionalmente, suas relações sociaispelos benefícios que elas deverão lhes trazer”.

Um líder comunitário possui capital social e esserecurso é legitimado pela comunidade que o mesmorepresenta. A ação de tal líder pode ser ou não orien-tada para o bem da comunidade. Com suas ações ori-entadas ou não para o bem coletivo, o líder continuapodendo utilizar suas redes de relações sociais e seupoder representativo frente a outros atores sociais.

Outro exemplo pode ser retirado dos variadosexemplos de elites tradicionais, que praticam oclientelismo e o patrimonialismo. Os representantesdessa elite são reconhecidos pela comunidade localcomo detentores de poder. Tal poder deriva em gran-de parte da rede de relações sociais que esses indiví-duos possuem e que são normalmente baseadas emfavores ou ameaças (Portes, 1998). Essa elite é pos-suidora de alta quantia de capital social.

Quando uma comunidade elege um represen-tante – e transfere capital social para este indivíduo –e esse ator é cooptado por outros atores sociais(Manor, 2004), ele utiliza o capital social em benefí-cio próprio e a comunidade local não recebe benefí-cios desse uso. A participação e atuação de lídereslocais na legitimação de ações contrárias aos interes-ses legítimos da comunidade pode ser vista em co-mitês supostamente participativos em municípios dointerior do Brasil (Sayago, 2000). Tais comitês ser-vem apenas como legitimadores dos interesses deoutros atores sociais, como membros da elite local eburocratas de diversos níveis de governo.

O capital social como recurso escasso

De acordo com a concepção dominante de ca-pital social, é possível criar, promover e fomentarcapital social (Putnam, 1996). O capital seria criadoa partir do desenvolvimento da comunidade cívica edas relações de reciprocidade e confiançaestabelecidas entre os indivíduos. Se uma comunida-de aumenta a quantia de capital social disponível, ne-nhum outro ator perde capital por isso. Nesse con-texto, o capital social não é um recurso escasso.

Para Bourdieu, o capital social – como os di-versos tipos de capital – não pode ser criado, masalocado. O capital social está intimamente ligado aoprestígio, ao status e a mobilização de redes sociais.Sendo assim, caso um indivíduo tenha seu capitalsocial reconhecido pela sociedade, isso implica queoutro ator social não é mais detentor de tal reconhe-cimento. Quando se reconhece o poder político esocial de uma comunidade, assim como uma área deatuação própria, outra instância não é mais vistacomo legítima para atuar nessa área.

Caso a legitimidade de elaboração e execuçãode políticas socioambientais seja transferida para or-ganizações não governamentais ou para represen-tantes de uma comunidade, a instância que antiga-mente era responsável por essa execução passa poruma retração de seu capital social.

Em um campo social, há uma disputa por legi-timidade, reconhecimento e poder (Bourdieu, 1990,1998). Isso implica que existam atores dominantes edominados no campo. O capital particular do cam-po é alocado de acordo com a posição ocupada porseus integrantes. Essa alocação varia com o tempo ecom a dinâmica interna do campo, do mesmo modoque variam os dominados e dominantes do campo.

O valor contextual do capital social

As características apontadas anteriormente fa-zem com que seja possível afirmar: o valor do capi-tal social é fundamentalmente contextual. Isso sig-nifica que a força do capital social depende menosda coesão e das relações de confiança e reciprocida-de internas ao grupo, e mais do contexto social, po-lítico e econômico onde o grupo está inserido.

Um grupo coeso e com fortes relações inter-nas e externas auxilia no provimento dos interessesdo grupo, mas essas características são secundáriasfrente a outros fatores, tais como: as relações depoder no campo que contempla o grupo; a fidelida-de dos representantes dos grupos aos interesses dosmesmos; a forma mais ou menos eqüitativa em queos grupos são inseridos no processo político edecisório; o poder relativo dos representantes dosgrupos frente a outros atores, etc.

O discurso da promoção do capital social pormeio da comunidade cívica mascara as relações de

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poder local e relega ao segundo plano alternativasque visem modificar tais relações de poder. Dessemodo, “o conceito descontextualizado de capital so-cial, que se tornou popular como uma panacéia dodesenvolvimento, obscurece relações de poder e, porconseguinte, políticas” (Harriss, 2001, p. 31, tradu-ção do autor).

Em diversas realidades locais, o principal desa-fio não é como fortalecer e/ou empoderar grupospobres locais, nem como garantir formalmente ca-nais de participação, mas como modificar as relaçõesde poder desiguais e distorcidas locais, como extir-par características culturais perversas, como prestaruma accountability das ações de instituições e lide-ranças tradicionais, que se dizem representantes dosgrupos menos favorecidos e como promover a de-mocracia de acordo com as condições locais e nãocom base em modelos teóricos e ideais, difundidosem um manual acrítico e fechado (Fonseca &Bursztyn, 2009).

Cleaver (2005) mostra empiricamente como umprograma de desenvolvimento de comunidades po-bres, baseado no conceito de capital social, pode fra-cassar em seus objetivos e até impedir que o grupomelhore suas condições de vida por outros meios.

Na comunidade estudada por Cleaver, o pro-grama que visa a geração de capital social não pro-picia o surgimento da comunidade cívica. Ao con-trário, contribui para manter e reforçar as relaçõessociais baseadas na desigualdade e exclusão. Nãolevar em conta a realidade local na elaboração eaplicação de projetos e políticas que visam o de-senvolvimento sustentável de comunidades pobresé um erro fatal, que na maioria das vezes põe emrisco a eficácia do projeto, além de não aliviar, masmanter e/ou aprofundar a situação de exclusão epobreza.

Na mesma linha, com base em estudos decaso na América Latina, Portes e Landolt (2000,p. 546-547) afirmam que não é possível ter gran-des expectativas sobre o que a confiança e a so-lidariedade podem desencadear no nível da co-letividade, especialmente na ausência de recur-sos materiais, pois “o capital social não é umsubstituto para a provisão de crédito, infra-es-trutura material e educação”.

Para um bom uso do capital social

Pela ótica de Bourdieu, o capital social é maisbem compreendido. Seu uso pode ser menos inocen-te e acrítico do que aquele efetuado com base na con-cepção dominante. Dentre as várias modificações nouso do conceito, destacam-se algumas que impactama elaboração e implementação de políticas ambientaise de desenvolvimento.

A primeira delas refere-se à suposição de que ocapital social emerge do associativismo e da interaçãorepetida. As redes de reciprocidade e confiança nãogeram, por si só, capital social. Como o valor do ca-pital social funda-se no reconhecimento da socieda-de, instâncias externas ao grupo devem reconhecer avalidade do recurso mobilizado pelos representantesdo grupo. O fomento de capital social em comunida-des isoladas ou alheias ao campo social e político nãogera capital social como recurso passível de ser mo-bilizado. O resultado final tende a ser, na melhor dashipóteses, inócuo para as aspirações políticas do grupoe, na pior das hipóteses, um reforço do lado pernici-oso do conceito.

Em segundo lugar, deve-se analisar o capital so-cial não como recurso a ser criado, mas alocado. Apremissa de que um grupo coeso faz valer seus inte-resses sem a diminuição do poder de grupos sociaistradicionalmente dominantes é falsa. Não basta amobilização do grupo e a garantia de sua representa-ção em entidades políticas (como fóruns, comitês econselhos). É necessário que a força e o prestígio deelites locais e de outras instâncias sejam reduzidos,sob pena da representação da comunidade ser apenasde fachada.

Os representantes da comunidade são relega-dos a planos marginais nessas entidades ou sãocooptados por grupos que detêm maior poder. Estequadro representativo transmite a impressão de queos canais participativos são elementos constituintesda democracia, mas na prática sua principal funçãopode acabar sendo a legitimação dos interesses dosgrupos com maior poder político e social (Olival,Spexoto, & Rodrigues, 2007; Wendhausen &Caponi, 2002; Pereira, 2008; Souza, 2008; Dino,2003; Sayago, 2007; Coelho & Favareto, 2008, Toni,Machado, & Pinto, 2006).

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Como dito anteriormente, deve-se ter em menteque o capital social não pertence ao grupo e sim aoindivíduo, que utiliza o grupo como fonte delegitimação de seu capital. Esse terceiro elemento alertapara a prática corrente de tratar líderes tradicionais,associações e organizações não governamentais comolegítimos representantes da comunidade local. O fatode tais atores afirmarem representar os interesses dacomunidade e usarem-na como fonte de legitimaçãode seu poder não garante que tais interesses sejam fi-elmente defendidos. A propriedade individual do capi-tal social permite que os recursos derivados da pre-sunção de representação comunitária sejam mobiliza-dos por esses indivíduos, mas o uso desse capital nãonecessariamente atende aos interesses e anseios da co-munidade, mas pode servir a fins particulares daque-les que se dizem representantes.

O quarto e último elemento acentuado aqui re-fere-se à importância do contexto e da realidade lo-cal na elaboração de políticas socioambientais paraos países pobres. O manual politicamente correto,que propõe que a geração de capital social é o eloperdido do desenvolvimento (Grootaert, 1998), éfalacioso. Por ser intrinsecamente contextual, o ca-pital social deve ser visto como variável dependenteda realidade social e política local, e as tentativas demodificar essa realidade devem priorizar a análise etransformação das relações de poder locais, já quesão essas relações que determinam a alocação do ca-pital social. Priorizar a promoção de relações cotidi-anas entre os membros de um grupo e garantir for-malmente canais de participação para esse grupo éinsuficiente para impulsionar o desenvolvimento lo-cal. Ao contrário, o foco único e etnocêntrico na pro-moção da comunidade cívica mascara as relações depoder locais e as necessidades materiais e simbólicasnecessárias para que o engajamento cívico possa sur-gir (Cleaver, 2005; Portes & Landolt, 2000).

Embora a concepção dominante apresente mui-tas falhas, o conceito de capital social pode ser muitoútil para as políticas de desenvolvimento. Não há dú-vidas que instituições saudáveis sejam benéficas nosesforços para a melhoria das condições de vida dapopulação (Ostrom, 1990). A confiança mútua e ainteração continuada entre os indivíduos ajudam aenfrentar o dilema da ação coletiva (Axelrod, 1981).

O referencial teórico de Bourdieu não inviabilizao uso do conceito de capital social nas políticas dedesenvolvimento. Pelo contrário, sua teoria contribuipara que o uso do mesmo seja mais consciente, maiseficaz e menos inocente.

O desenvolvimento de redes de interações en-tre os indivíduos e o estabelecimento de confiançamútua são elementos importantes, mas para que es-sas redes possam ser usadas como recursos passí-veis de serem mobilizados por essa população, semque o lado perverso do capital social predomine, al-guns pré-requisitos estruturais devem ser levados emconta.

Em primeiro lugar, cabe identificar e combatercaracterísticas culturais perversas, como o clientelismoe o patrimonialismo. A busca do empoderamento decomunidades pobres por intermédio da promoção decapital social, sem enfrentar esse desafio, acentua olado perverso do capital social e impede que canaisformais de participação sejam igualitários.

Um segundo ponto refere-se às condições ma-teriais da população pobre. A inexistência de condi-ções materiais, sejam elas físicas (Cleaver, 2005), delocomoção, de tempo hábil, entre outras, impedem aparticipação de indivíduos pobres. O fomento de re-des sociais entre os membros da comunidade podeexcluir diversos membros, que não possuem condi-ções materiais suficientes. Essa característica é espe-cialmente perversa, pois os membros impossibilita-dos de participar são geralmente os mais necessita-dos. Além das condições materiais existem as condi-ções simbólicas. A discriminação de indivíduos porgênero, etnia, entre outros, também exclui indivíduosdo processo, fazendo com que as redes privilegiemindivíduos já privilegiados por sua posição social.

Por fim, existem as restrições baseadas na dife-rença educacional e no acesso à informação. Sem queseja garantido o acesso à educação e informação demaneira igualitária, a participação de membros dacomunidade será efetuada de forma assimétrica, po-dendo ser apenas de fachada ou ser realizada por in-termédio de posições dominadas dentro do campopolítico e social (Fuks & Perissinotto, 2006;Wendhausen & Caponi, 2002).

O capital social pode ser útil para a melhora dascondições de vida das populações pobres, mas o seu

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fomento por si só não garante essa melhora. Diversasbarreiras estruturais – sejam elas econômicas, políti-cas ou simbólicas – devem ser quebradas para que ocapital social, em seu lado positivo, tenha eficácia.Como dito anteriormente, o capital social não é o eloperdido do desenvolvimento e não representa a princi-pal característica nos processos de desenvolvimento,mas se o mesmo for analisado como variável depen-dente desse processo ele pode ser ferramenta impor-tante na elaboração de políticas socioambientais. Comoacentua Bebbington (2002, p. 801, tradução do au-tor),

O capital social é um conceito de “nível inter-mediário” que pode ser proveitosamente articulado aoutros elementos teóricos para melhor prepará-lospara focar nossa atenção nos atores e em suas redes,do modo em que tais redes exemplifiquem questõesde inclusão e exclusão, e do modo que a mobilizaçãodessas redes ajudem a explicar o mecanismo de aces-so a recursos e relações de poder. Nesse sentido, eususpeito que contraposições entre os conceitos decapital social e as teorias de economia política estãodeslocadas.

Considerações Finais

O conceito de capital social se tornou base daspolíticas ambientais e de desenvolvimento nacontemporaneidade. Essa proliferação teórica do con-ceito não teve o mesmo sucesso em termos de apli-cação prática. O conceito de capital social foi alvodo discurso politicamente correto e dos free-ridersdiscursivos.

No entanto, a concepção do conceito que saiuvitoriosa foi a concepção de Putnam (1996), quepropõe que o associativismo levaria ao desenvolvi-mento de uma comunidade cívica engajada, que pro-moveria a melhora das condições de vida da comu-nidade. Porém, como essa concepção não incorpo-ra o contexto local em sua aplicação, diversas açõese políticas de desenvolvimento, que visavam pro-mover capital social, tiveram resultados aquém doesperado.

Pierre Bourdieu utilizou o conceito de capitalsocial contemporaneamente aos atores relacionados

à concepção dominante, mas essas duas abordagensparecem não ter tido contato entre si e, no contextodas políticas de desenvolvimento, a concepção deBourdieu foi relegada a um plano marginal.

O conceito de capital social pode ser útil nocampo das políticas socioambientais. Por seu inter-médio, pode-se perceber como são processadas asrelações de poder existentes em determinada realida-de e, quando possível, intervir na realidade com basenas singularidades dos contextos locais e não em umaidéia politicamente correta e acrítica de comunidadecívica. O esforço deve ser direcionado para umamelhor alocação do capital social – o que implica in-tervir nas relações de poder locais – e não para seufomento ou promoção. Uma redefinição do conceitoé necessária, para que o capital social se torne ferra-menta (e não uma camisa de força) para o desenvol-vimento sustentável local.

Essa redefinição, incorporando as dimensõesanalisadas por Bourdieu, é urgente e necessária casonão se queira relegar o conceito à dimensão de pana-céia ou falácia, que pouco contribuem para melhoraras condições de vida das populações menosfavorecidas e para o alcance de um modelo sustentá-vel de desenvolvimento.

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Notas

1 Vale assinalar que a partir dos anos 1990 boa parte dos fundos

para financiamento à pesquisa passaram a ser distribuídos pormeio de editais de demanda induzida, onde não apenas ostemas mas também os métodos de abordagem se tornam partesintegrantes dos critérios de aprovação. Essa tendência éverificada em escala mundial.2 Para Putnam (1996), uma comunidade cívica significa umespaço público onde os indivíduos são atores engajados eparticipativos nos problemas da coletividade, exercendo suacidadania. Para o autor, o capital social promoveria osurgimento da comunidade cívica, permitindo que os cidadãosexerçam de fato a cidadania, bem como que o ato de exercer acidadania favoreceria o desenvolvimento social, político eeconômico por parte do grupo detentor do capital social.

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Ensaio

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Saúde Ambiental: uma Análise dosResultados das Conferências Nacionais

de Meio Ambiente, Saúde e SaúdeAmbiental

A representação nas políticas públicas do conceito de saúde ambiental, como expres-são do equilíbrio da rede de conexões entre a sociedade humana e a natureza é discu-tida neste trabalho, no intuito de demonstrar o status quo da saúde ambiental naspolíticas públicas no país. Primeiro foi traçado o histórico da “ambientalização nasaúde”, do conceito de saúde ambiental e da institucionalização das políticas ambientaise de saúde ambiental no âmbito dos Ministérios do Meio Ambiente e da Saúde. Asinterações entre as políticas de Saúde e de Meio Ambiente para a efetivação de umaPolítica Nacional de Saúde Ambiental e as intersecções dos resultados das Conferên-cias Nacionais de Saúde, Meio Ambiente e Saúde Ambiental foram analisadas; con-cluindo-se com os avanços conseguidos pelos dois setores, os desafios para a articula-ção intersetorial e a participação social para a construção de políticas públicas desaúde ambiental.

Maria Beatriz Maury de Carvalho1, Marco Aurélio Bilibio2,Luiza Lavinski3, Fréderic Mertens4

1 Doutoranda em Desenvolvimento Sustentável e Diretora de Educação Ambiental eDifusão de Tecnologias no Instituto Brasília Ambiental – [email protected].

2 Psicólogo, Mestre em Psicologia Clínica e Doutorando em Desenvolvimento Sus-tentável

3 Veterinária e Mestranda em Desenvolvimento Sustentável pelo CDS4 Doutor em Ciências, Université Libre de Bruxelles, Bruxelas, Bélgica, ProfessorAdjunto CDS-UnB.

RESUMO

ABSTRACT

The representation of the environmental health concept in the realm of public policy,like the the web of conections balance expression is discuss in this work with theintention to demonstrate the status quo of environmental health in public policies inBrazil. First, was traced the history of the environmental notions influence on theconcept of health, the history of the environmental health concept evolution and theinstitutionalisation both the environmental politics and health politics at Ministeriallevel. The interactions between politics of Ministry of Health and Ministry ofEnvironmental to an effective National Policy of Environmental Health andintersections in the final results from The National Health Conference, The NationalEnvironmental Conference and The National Health Environmental Conference wasanalyzed, concluding with the advances obtained by the two sectors, the challenges toarticulate an intersection between them and the social participation to the constructionof the environmental health public policy.

Recebido em 13.01.2010Aceito em 04.05.2010

Palavras-Chave:Saúde ambientalConferênciasPolíticas públicas

Key-words:Environmental healthConferencesPublic policy

S u s t e n t a b i l i d a d e

e m D e b a t e

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Introdução

A crise ambiental contemporânea vem intensifi-cando as discussões acerca dos efeitos dos processosde produção e consumo das sociedades industriaismodernas sobre a saúde humana e a natureza. A de-gradação ambiental, os riscos ecológicos globais, aperda de diversidade, a destruição de florestas, todosos tipos de poluição e mais recentemente o aqueci-mento global e as decorrentes mudanças climáticasestão na pauta dos debates mundiais.

Os riscos ambientais que começam a mobilizarfortemente tanto a opinião pública como a políticainternacional são agora olhados a partir de escalasespaciais e temporais cada vez mais amplas e com-plexas. Da mesma forma, intensificaram-se osquestionamentos a respeito dos imperativos éticosassociados à ameaça da continuidade da vida no pla-neta, de forma até mais intensa que osquestionamentos associados com a ameaça da guer-ra nuclear total (Porto, 2005).

Nesse contexto, a saúde humana em suas di-mensões individual e coletiva, surge como um espe-cial foco de atenção. Vista pela ótima sistêmica, quenos aproxima da natureza complexa da realidade,percebe-se a inseparabilidade entre saúde e meioambiente. Mais que isso, o próprio conceito de serhumano amplia-se para abarcar suas múltiplasinterações ecológicas: na ecologia dele consigo mes-mo, dele com o outro, dele com a natureza (Guattari,1991). A sociedade passa a ser entendida como o re-sultado da qualidade dessas interações, um processodeterminado por uma rede articulada decondicionantes históricos, biológicos, sociais e psi-cológicos que se organizam no espaço geográfico,em diferentes níveis, com estrutura e dinâmica parti-culares, atuando nos planos coletivo e individual(Samaja, 2000).

A rede de interações envolvidas nas relaçõesprodução-natureza traz complexos resultados. Aoexplorar a natureza há igualmente uma exploraçãodo humano que trabalha nessa exploração; ao conta-minar o ar, a indústria poluente ou a dos agrotóxicosestá contaminando também os seus trabalhadores,assim como os agricultores que operam o produto.( Leff, 1999).

Berlinguer (1983) afirma que todo oadoecimento e morte de um povo podem ser com-preendidos pelo estilo de relações travadas com anatureza. Assim, a doença reflete as alteraçõesterritoriais, geográficas, demográficas. produtivas eculturais que impactam o lugar da vida.

Esta visão sistêmica têm se refletido nos esfor-ços para aliar as políticas de ambiente e as de saúde.No Brasil, a aproximação entre os dois setores podeser observada desde a Conferência das Nações Uni-das para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, em1992, em que “a saúde ambiental brasileira estabele-ceu a origem e as bases de sua plataforma técnica epolítica” (Netto & Alonzo, 2009); pesquisas acadê-micas e os direcionamentos nas conferências nacio-nais de saúde e de ambiente têm visado o aperfeiçoa-mento do conceito de saúde ambiental e de políticasintegradas entre os ministérios do meio ambiente,saúde, cidades e outros, com participação de diver-sos movimentos sociais e setores da sociedade civilorganizada. (Freitas et al, 2009).

O presente artigo tem como objetivo fazer umareflexão sobre saúde ambiental – um conceito queexpressa o grau de equilíbrio dessa rede de conexõesentre sociedade humana e natureza – como políticapública. Inicia traçando o histórico da aproximaçãoentre os campos da Saúde e do Meio Ambiente. Pros-segue analisando as interações existentes entre aspolíticas de Saúde e de Meio Ambiente para aefetivação de uma Política Nacional de SaúdeAmbiental e os pontos de contato existentes nos re-sultados das Conferências Nacionais de Saúde, MeioAmbiente e Saúde Ambiental.

Saúde e Meio Ambiente: a História deuma Apr oximação

É difícil traçar uma linha divisória entre proble-mas ambientais e problemas sociais. Os primeiros sósão vistos como problema pelos efeitos sentidos nadimensão humana. Centradas na ética antropocêntrica,as atividades de nossa espécie tem, historicamente,prestado pouca atenção e igualmente pouco cuidadopara com as esferas não-humanas da questãoambiental. Dessa forma, o stress e sobrecarga sobreo equilíbrio dos sistemas vivos associados ao que

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consideramos extração de recursos naturais nunca foiuma preocupação suficientemente forte da sociedadeindustrial a ponto de tornar-se variável importante dasua atividade econômica. Porém, quando odesequilíbrio se instala a ponto de chegar a ser senti-do na esfera humana torna-se problema, em que adimensão humana e a natural expressam relaçõesmutuamente desequilibradoras. É nesse contexto deinterfaces do desequilíbrio que surge o conceito deSaúde Ambiental.

A percepção das conexões entre saúde humanae ambiente não é nova. Desde a Antiguidade Clássi-ca, são encontrados exemplos do entendimento des-sas conexões. O conjunto de ductos, que data de VIAC e chamado cloaca máxima, aponta para valori-zação do saneamento básico, da limpeza de ruas, dosbanhos públicos e privados da Roma antiga. A rela-ção parte-todo como foco da cura já era enunciadapor Platão, apesar de se referir mais à psicossomáticagrega do que às relações ambiente-meio, que, no en-tanto está presente em Hipócrates (Siqueira-Batista& Schramm, 2004).

Essas preocupações estavam alicerçadas em vi-sões de saúde e de ser humano predominantes nasdiferentes épocas, em que conceitos como o de hu-mores, miasmas, espíritos e outros, apesar de supe-rados pela ciência, guardavam rudimentos de umavisão sistêmica (Freitas, 2003).

Durante os séculos XVIII e XIX, os impactosda rápida industrialização sobre as cidadesprotagonizaram uma nova fase dos efeitos ambientaissobre a saúde. O enfoque estratégico que predomi-nou, então, foi o da higienização dos ambientes a partirda teoria dos miasmas, segundo a qual sujeiras e odo-res estariam associados ao surgimento de doenças.Nesta perspectiva o ambiente podia ser“medicalizado”. Porém, com o agravamento das con-dições sanitárias e o concomitante fortalecimento daorganização dos trabalhadores “surgem propostas decompreensão da crise sanitária como fundamental-mente um processo político e social, recebendo adenominação de medicina social” (Freitas, 2003, p.139).

A noção de medicina social, ao contrário dohigienismo, implicava na participação política da po-pulação como principal estratégia para tratar as ques-

tões de saúde coletiva. Essa corrente de pensamentofoi abortada no âmbito político institucional, e foisubstituída, principalmente nos EUA, pelo movimentosanitarista, estreitamente ligado à ação do Estado ecujos procedimentos eram baseados na aplicação detecnologias e em princípios de organização racionalpara expansão de atividades profiláticas (Paim &Almeida Filho, 1998).

A partir da evolução da pesquisa científica nasáreas da saúde, e especialmente após as descobertasde Pasteur sobre a ação dos micro-organismos, qual-quer rudimento da noção sistêmica foi rapidamentesubstituído pela doutrina da causa única, tambémchamada de paradigma microbiano, afirmado no su-cesso das campanhas de vacinação sobre as epidemi-as da época (Capra, 1985; Freitas, 2003). Esseparadigma veio em reforço à corrente sanitarista, tor-nando-se hegemônico. A partir de então, a saúde co-letiva voltou-se para o âmbito do saneamento domés-tico, na eliminação de germes e bactérias a partir dapurificação e limpeza desses ambientes (Petersen &Lupto, 1996, apud Freitas, 2003) .

É importante ressaltar que esse paradigma mos-trou-se tremendamente interessante para uso da lógi-ca capitalista, já que fundamentou a indústria da quí-mica de medicamentos, umas das áreas mais fortes elucrativas da economia e que influencia fortemente opensamento médico atual e a decorrentetecnologização da medicina.

No entanto, até pela eficiência na eliminação desintomas, este paradigma dispensou uma considera-ção mais ampla da natureza sistêmica de nossas rela-ções com o meio, aí incluídos a alimentação, os hábi-tos, o grau de pureza do ar e ambientes em geral,como formas de estímulo da vix medicatrix naturae,a força curativa da natureza, conforme palavras deGaleno (Vasconcelos & Pignati, 2006),desconsiderada durante toda a evolução da socieda-de industrial.

No Brasil, já podiam ser encontradas preocu-pações com a interface entre problemas ambientais,nos rumo do desenvolvimento econômico e social, ea saúde coletiva desde o trabalho de Oswaldo Cruz(Minayo et al, 1999, apud Freitas, 2003). No entan-to, em termos de ação institucional, as preocupa-ções com a relação meio ambiente-saúde ficaram res-

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tritas aos órgãos responsáveis pelo saneamento bási-co, focados em resíduo, água e esgoto.

A criação dos primeiros órgãos específicos paragerir a questão ambiental, Feema no Rio de Janeiro eCetesb em São Paulo, só ocorreu nos anos 1970, apartir do agravamento dos problemas nessa área emdecorrência do crescimento industrial e sem qualquervinculação com a questão da saúde (Tambellini &Câmara, 2002). Apesar da existência dos primeirosórgãos estaduais de gestão ambiental, estes careciamde marcos legais para sua atuação. Só nos anos 1980puderam contar com fundamentação jurídica para seutrabalho, a partir da promulgação da Lei No. 6.938,que instituía a Política Nacional de Meio Ambiente.

Revisando estudos sobre a interface entre saú-de e meio ambiente no Brasil, Minayo et al (1999,Apud Freitas, 2003 e Porto, 2005) perceberam queestes estudos situavam-se dentro do escopo de trêsparadigmas que coexistem, dois dos quais já apre-sentados acima: (1) o modelo biomédico, baseado naparasitologia clássica; (2) o modelo saneamento-am-biente, com origem no sanitarismo clássico; e (3) omodelo da medicina social., surgida nos anos 1970 e1980 e que se tornou referência para a saúde coleti-va, um dos aspectos de um amplo movimento socialde redemocratização que tomava conta do país.

O modelo da medicina social sustenta que a saú-de da população é conseqüência das formas como asociedade se organiza nos aspectos político, econô-mico e cultural (Paim & Almeida Filho, 1998; Paim,2001). Porém, foi só a partir dos anos 1990, que aquestão ambiental ganhou força em suas proposiçõespara a saúde pública brasileira.

De acordo com Petersen & Lupto (1996, apudFreitas, 2003), outro aspecto da crescenteambientalização da área da Saúde, é a mudança nofoco da atenção à saúde coletiva a que se dá o nomeNova Saúde Pública (NSP). O paradigma biomédicohegemônico passa a ser substituído, nesse enfoque,pela atenção preventiva e centrada nas condiçõesambientais necessárias à saúde.

Algumas iniciativas foram marcantes nesse pro-cesso de transição, como o Relatório do Ministro daSaúde do Canadá, conhecido como RelatórioLalonde, de 1974 que, “ao definir as bases para omovimento da Promoção da Saúde” incorporou “a

criação de ambientes favoráveis à saúde”. Tambémforam marcantes: o Projeto Cidades Saudáveis, lan-çado pela Organização Mundial da Saúde, em 1986,e a presença da expressão saúde ambiental na Agen-da 21, apontada nesse documento como prioridadesocial para a promoção da saúde. Essa renovaçãoconceitual tornou as noções de sociedade, saúde emeio ambiente cada vez mais indissociáveis (Peterson& Lupto, apud Freitas p. 139 e 140).

De fato, pode-se afirmar que um olhar maissistêmico sobre as interfaces entre saúde e meio am-biente deve-se às proposições do movimentoambientalista na segunda metade do século XX, queteve sua força assentada em bases científicas unidasao ativismo político.

A poluição química e radioativa, como nosexemplos de catástrofes da Baía de Myamoto e daUsina Nuclear de Chernobyl, além da poluição dosalimentos por agrotóxicos e do ar por gases industri-ais ganharam maior notoriedade, amplificando o dis-curso ético-ambientalista e forçando ações no âmbi-to institucional, com destaque especial às iniciativasda Organização das Nações Unidas, como as Confe-rências de Estocolmo, em 1972, a do Rio de Janeiro,em 1992, e as que as seguiram (Freitas, 2003).

Em paralelo à essa crescente compreensão dasimplicações da crise ecológica para a sociedade hu-mana, houve uma ampliação do entendimento dos li-mites do “doméstico”. Novas escalas, municipais, aíincluídas as geográficas, hidrográficas, climáticas, mastambém nacionais e internacionais, até chegar à no-ção de comunidade planetária, forçam uma revisãoglobal de conceitos e práticas civilizatórias em rela-ção ao meio ambiente, aí incluída a área da saúde,onde vem se afirmando o termo Saúde Ambiental,como expressão de um paradigma globalizante que“oficializa” as conexões entre as duas áreas.

O item a seguir mostra o marco regulatório paraas questões de saúde e meio ambiente.

Políticas Nacionais de Meio Ambiente ede Saúde: Pontos de Contato.

A Constituição Federal do Brasil considera quea atenção com o meio ambiente não se dá apenas nosetor ambiental, sendo a saúde um elemento funda-

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mental na construção de políticas públicasintersetoriais. A seguir trechos que fazem referênciaà saúde e meio ambiente na CFB:

• Art. 23, incisos II, VI, VII e IX, que estabe-lece a competência comum da União, dos es-tados, do Distrito Federal e dos municípiosde cuidar da saúde, proteger o meio ambien-te, promover programas de construção de mo-radias e a melhoria das condiçõeshabitacionais e de sa-neamento básico, alémde combater a poluição em qualquer de suasformas e preservar as florestas, a fauna e aflora;

• Art. 196, que define a saúde como “direito detodos e dever do Estado, garantido mediantepolíticas sociais e econômicas que visem àredução do risco de doença e de outros agra-vos e ao acesso universal e igualitário às açõese serviços para sua promoção, proteção erecupera-ção” (BRASIL, 1988, art. 196);

• Art. 200, incisos II e VIII, que fixa, comoatribuições do Sistema Único de Saúde(SUS), entre ou-tras, a execução de “açõesde vigilância sanitária e epidemiológica, bemcomo as de saúde do trabalhador” e “colabo-rar na proteção do meio ambiente, nele com-preendido o do trabalho” (BRASIL, 1988).

• Art. 225, no qual está assegurado que: Todostêm direito ao meio ambiente ecologicamen-te equilibrado, bem de uso co-mum do povoe essencial à sadia qualidade de vida, impon-do-se ao Poder Público e à coletividade odever de defendê-lo e preservá-lo para as pre-sentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988,art. 225).

Também nas Políticas Nacionais de Meio Am-biente e Saúde é possível identificar as referênciasfeitas entre os dois temas. O tema saúde está presen-te no escopo da Lei Federal 6.938/81, a Política Na-cional do Meio Ambiente, sendo constantemente ci-tada a importância de seu equilíbrio para o bem-estardas populações.

Da mesma forma, o tema meio ambiente seapresenta na Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/90, ondese destacam os impactos e agravos causados à saúdehumana por um meio ambiente desequilibrado.

Política Nacional do Meio Ambiente

A Política Nacional do Meio Ambiente foiestabelecida em 1981, mediante a edição da Lei Fe-deral 6.938/81 que dispõe sobre seus fins e mecanis-mos de formulação e aplicação, e dá outras provi-dências. Seu objetivo é o estabelecimento de padrõesque tornem possível o desenvolvimento sustentável,por meio de mecanismos e instrumentos capazes deconferir ao meio ambiente uma maior proteção.

A Lei 6.938/81, em seu segundo artigo, tem porobjetivo a preservação, melhoria e recuperação daqualidade ambiental favorável à vida e, portanto, àsaúde, visando assegurar condições ao desenvolvi-mento socioeconômico e à proteção da dignidadehumana.

Artigo 2° - A Política Nacional do Meio Ambi-ente tem por objetivo a preservação, melhoria e re-cuperação da qualidade ambiental propícia à vida,visando assegurar, no País, condições ao desenvolvi-mento sócio-econômico, aos interesses da seguran-ça nacional e à proteção da dignidade da vida huma-na, atendidos os seguintes princípios:

Esta lei, em seu Artigo 3º, inciso III, alínea “a”,define poluição como a degradação da qualidadeambiental resultante das atividades que direta ouindiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e obem-estar da população.

Artigo 3° - Para os fins previstos nesta Lei, en-tende-se por:

III - poluição: a degradação da qualidadeambiental resultante de atividades que direta ou indi-reta:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

A proteção ao meio ambiente está, portanto,intrinse-camente conectada à necessidade de garan-tir a vida e a sua qualidade, prevenindo riscos de todasorte, uma vez que a desordem do meio ambiente emalgum grau gerará uma desordem na saúde individu-al e coletiva (MS, 2007).

Política Nacional de Saúde – Lei Orgânica daSaúde - 8080/90

A Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/90, conheci-da como Política Nacional de Saúde, regula as açõese serviços de saúde. A Política Nacional de Saúde

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dispõe sobre as condições para a promoção, prote-ção e recuperação da saúde, a organização e o funci-onamento dos serviços correspondentes e dá outrasprovidências. Além de consignar o meio ambientecomo um dos vários fatores condicionantes para asaúde (artigo 3º) prevê uma série de ações integradasrelacionadas à saúde, meio ambiente e saneamentobásico.

O Art. 6º, inciso V define como campo de atua-ção do Sistema Único de Saúde (SUS) a colaboraçãona proteção do meio ambiente, nele compreendidoo do trabalho. O mesmo artigo em seu parágrafoprimeiro define a vigilância sanitária como um con-junto de ações capaz de eliminar, diminuir ou preve-nir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitá-rios decorrentes do meio ambiente, da produção ecirculação de bens e da prestação de serviços de inte-resse da saúde.

O Art. 7º, inciso X prevê a integração em nívelexecutivo das ações de saúde, meio ambiente e sane-amento básico.

Ainda o Art. 13, inciso II, prevê a articulaçãodas políticas e programas, a cargo das comissõesintersetoriais, abrangendo, em especial, entre outrasatividades, o saneamento e o meio ambiente.

O Art. 15, inciso VII prevê que a União, Esta-dos, o Distrito Federal e os Municípios participarãoda formulação da política e da execução das ações desaneamento básico e colaboração na proteção e re-cuperação do meio ambiente.

A Lei No 8080/90 possui ainda outros artigos eincisos que fazem referências às relações existentesentre saúde e meio ambiente.

Provavelmente, por ser uma legislação posteri-or à do meio ambiente, quando a temática ambientaljá estava mais disseminada, percebe-se que na Lei nº8.080/90 há diversas referências a à questão de agra-vos e impactos à saúde causados pelo desequilíbrioambiental.

É importante destacar que o documento doMinistério da Saúde, Subsídios para Construção daPolítica Nacional de Saúde Ambiental, (Ministérioda Saúde, 2007) considera que:

[...] o marco normativo que entrelaça as ques-tões da saúde às condições ambientais já existe,precisando agora compor o próximo passo, de

efetivação, o que ga-rantirá a continuidade es-trutural objetiva. A sedimentação do conceito queproduzirá ação e diálogo entre as instâncias po-líticas envolvidas precisa ser instituída com ocomprometimento na construção da política.

Assim, além dos instrumentos citados por esteartigo há outras legislações, portarias e instruçõesnormativas que compõem o marco normativo para asaúde ambiental, conforme o documento citado (Mi-nistério da Saúde, 2007).

O item a seguir apresenta conceitos, idéias eproposições associadas à Saúde Ambiental

Saúde Ambiental

A área da Saúde Ambiental emergiu no âmbitoda Saúde Coletiva brasileira tendo como anteceden-tes a história da Medicina Social Latino-Americana edo Movimento Ambientalista Mundial.

A Saúde Ambiental nasce como uma “questãoeco-sócio-sanitária” e tem em sua arqueologia, nocampo da Saúde Pública, as ações de controle deendemias (vetoriais e infecto-contagiosas), de sanea-mento básico, de vigilâncias sanitária, epidemiológicae de saúde dos trabalhadores. Uma dificuldade nestatrajetória é o fato de a saúde pública brasileira serprisioneira de uma abordagem oriunda da teoriamonocausal ou quando muito alicerçada no modelode Level-Clark (ambiente-agente etiológico-hospe-deiro) que não diferenciam os elementos de seu siste-ma, colocando-os num mesmo nível hierárquico, eque considera o ambiente como um elemento exter-no ao sistema (Líber, 1998).

Para Augusto et al (2003) o projeto de conheci-mento, no campo da saúde ambiental, implica em re-conhecer os conflitos como inerentes aos processosque o integram, explicitando novos conflitos e possi-bilidades de resolução. Na produção do conhecimen-to das relações entre Saúde e Ambiente é fundamen-tal levar-se em conta a contra-hegemonia do saberdominante; a importância das contribuições discipli-nares em uma perspectiva interdisciplinar; a nãocontraposição do ser humano à natureza, e o ambi-ente deve ser internalizado no sistema de desenvolvi-mento humano para que sejam passivos de controleos riscos dele oriundos pela intervenção do homem.(Augusto et al, 2003)

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O campo da saúde ambiental ainda ocupa umpapel marginal na pesquisa das questões ambientais. Oquadro atual de fortes impactos à saúde causados pe-las questões ambientais impõe a necessidade de se avan-çar quantitativa e qualitativamente na produção cientí-fica da saúde coletiva, sendo particularmente urgenteno que se refere às ciências ambientais e sociais.

De acordo com a Organização Mundial da Saú-de, Saúde Ambiental se refere aos aspectos da saú-de e qualidade de vida humana determinados por fa-tores ambientais, sejam estes físicos, químicos, bio-lógicos ou sociais. Refere-se também à teoria e práti-ca de avaliação, correção, controle e prevenção da-queles fatores que, presentes no ambiente, podemafetar potencialmente de forma adversa a saúde hu-mana de gerações presentes ou futuras. (OMS, 1988)

De acordo com o Ministério da Saúde, (2007):O campo da saúde ambiental compreende a área

da saúde pública, afeita ao conhecimento científico eà formulação de políticas públicas e às correspon-dentes intervenções (ações) relaciona-das à interaçãoentre a saúde humana e os fatores do meio ambientenatural e antrópico que a deter-minam, condicioname influenciam, com vistas a melhorar a qualidade devida do ser humano sob o ponto de vista dasustentabilidade.

No mesmo documento, o Ministério da Saúderevela que a saúde ambiental é um campo de práticasintersetoriais e transdisciplinares voltadas aos refle-xos, na saúde humana, das relações ecogeossociaisdo homem com o ambiente, com vistas ao bem-estar,à qualidade de vida e à sustentabilidade, a fim de ori-entar políticas públicas formuladas com utilização doconhecimento disponível e com participação e con-trole social.

Aprofundando o conceito de saúde como umaprática social, é possível perceber a interdepen-dênciaentre indivíduos, organizações, grupos populacionaise os conflitos decorrentes de sua intera-ção com omeio ambiente. É forçoso reconhecer que a coopera-ção, a solidariedade e a transparência, como práticassociais correntes entre sujeitos, precisam ser, urgen-temente, resgatadas. Há que se compreender, ainda,que promoção da saúde não é, apenas, um conjuntode procedimentos que informam e capacitam indiví-duos e organizações ou que buscam controlar

determinantes das condi-ções de saúde de grupospopulacionais específicos. Tem-se, portanto, que dis-seminar a diversidade de possibilidades existentes parapreservar e aumentar o nosso potencial de saúde pormeio da pro-moção da saúde. (MINSTÉRIO DASAÚDE, 2007)

As ações intra e intersetoriais referentes à Saú-de Ambiental, portanto, não são exclusivas de go-verno. Suas diretrizes devem ser “apropriadas” pelasdiversas formas de articulações políticas e a agendapolítica de saúde e ambiente deve também serconstruída e aperfeiçoada a partir de iniciativas co-muns que possam surgir nas instâncias de controle eparticipação social (Ministério da Saúde, 2007). Nes-se sentido, a construção e a implementação de umaPolítica Nacional de Saúde Ambiental se dá a partirda articulação entre os segmentos fortalecendo inici-ativas sociais no processo de formulação, legitimaçãoe validação desta política.

As Conferencias Nacionais, dentre elas, a doMeio Ambiente, Saúde e Saúde Ambiental são espa-ços democráticos onde são ouvidos os diversos seg-mentos sociais para a formulação de políticas.

Controle e Participação Social: o Papel dasConferências Nacionais

O controle ou a participação social tem sidoentendido como um espaço de representação da so-ciedade, no qual os diversos atores e agentes sociaisse articulam por meio de suas diferentes formas derepresentação. Ambos consistem em canaisinstitucionais de participação na gestão governamen-tal, com a presença de sujeitos coletivos nos proces-sos decisórios, não se confundindo com os movimen-tos sociais que permanecem autônomos em relaçãoao Estado (Assis e Villa, 2003).

A participação/controle social não pode ser en-tendida como uma extensão burocrática e executiva,mas como um processo contínuo de democratizaçãono âmbito local, o que implica o estabelecimento deuma nova sociabilidade política e um novo espaço decidadania [...].(ASSIS E VILLA, 2003)

Assim, a participação social é um campo demúltiplas possibilidades, de organização autônomada sociedade civil, que por meio das organizaçõesindependentes do Estado, tais como associações, con-selhos, grupos e movimentos, poderão confluir ou

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não suas intervenções para uma atuação direta juntoaos órgãos de controle previstos em Lei.

Também o controle social consiste num campode relações sociais, no qual os sujeitos participam pormeio de distintas articulações, que são processadasno âmbito interno e externo dos espaços institucionais,na busca da identificação de necessidades dos diver-sos grupos da comunidade buscando definir questõese soluções na forma de uma co-responsabilidade comas instâncias governamentais. (ASSIS E VILLA,2003)

As conferências nacionais nos diversos setorestêm se configurado como espaço de exercício de par-ticipação e controle social e constituindo-se comofóruns de representação ampla e democrática dos di-versos segmentos sociais tendo por objetivo levantarquestões, problemas e desafios e avaliar e propor di-retrizes à formulação de políticas em âmbito local enacional.

A realização de conferências para a escuta dosdiversos setores para a elaboração de políticas locale nacional tem sido fundamental para o entendimen-to da realidade brasileira. Seus resultados propiciamum retrato dos diversos setores promovendo encon-tros, debates e proposições para a vida política dascidades, dos estados e do País. As conferências têmse configurado como momento de reflexão e análisepor parte dos agentes governamentais e não-gover-namentais sobre o cenário político institucional decada setor.

Os itens a seguir apresentam a 3ª ConferenciaNacional de Meio Ambiente, a 13ª Conferência deSaúde e 1ª. Conferência de Saúde Ambiental, comuma seleção dos pontos de contato entre as áreas desaúde e meio ambiente em cada uma delas.

3ª Conferência Nacional de MeioAmbiente

A 3ª Conferência Nacional de Meio Ambien-te teve com tema as Mudanças Climáticas e acon-teceu em maio de 2008, tendo sido realizadas 751pré-conferências, sendo 566 municipais, 153 regio-nais, 26 estaduais e uma distrital. A Conferência Na-cional reuniu 1.200 delegados que debateram e apro-varam seu conjunto de deliberações que foi encami-

nhado como contribuição ao Plano Nacional de Mu-danças do Clima.

A 3ª Conferência Nacional de Meio Ambienteteve os seguintes eixos temáticos:

I. MitigaçãoII. AdaptaçãoIII. Pesquisa e Desenvolvimento TecnológicoIV. Educação e Cidadania Ambiental.No Eixo Temático II - Adaptação há um con-

junto de deliberações referente ao tema Saúde. Odocumento destaca que as alterações climáticas vêmsendo constatadas (sejam elas relacionadas com avariabilidade climáticas ou indícios da mudança doclima) de forma consistente e progressiva, promo-vendo situações que combinadas ao crescimento dapopulação, da pobreza e da degradação ambiental,caracterizam um aumento da vulnerabilidade das po-pulações, sobretudo naquelas com baixa capacidadede resposta aos impactos, com as faixas etárias ex-tremas, enfermos e grupos populacionaisdesfavorecidos. Alguns dos fatores fundamentaisdeterminantes da saúde, tais como alimentos, ar, eágua serão afetados de maneira adversa.

Em linhas gerais, o Painel Intergovernamentalpara Mudanças Climáticas (IPCC, 2007) reconheceutrês mecanismos principais através dos quais os pro-cessos climáticos podem afetar a saúde da popula-ção, a saber:

• Efeitos diretos dos eventos climáticos extre-mos. Estes afetam a saúde através de influên-cias sobre a fisiologia humana (por exemplo,ondas de calor) ou provocando traumas físi-cos e psicológicos em acidentes, como emtempestades, inundações e secas.

• Efeitos sobre o meio ambiente, alterando fa-tores determinantes da saúde humana. Exem-plos mais relevantes são efeitos do clima afe-tando a produção de alimentos, a qualidadeda água e do ar e a ecologia de vetores (porexemplo, mosquitos) de agentes infecciosos.

• Efeitos dos eventos climáticos sobre os pro-cessos sociais, determinando rupturassocioeconômicas, culturais e demográficasimportantes. Um exemplo é a migração degrupos populacionais, desencadeada por se-cas prolongadas, que afetam principalmente

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populações que dependem da agricultura desubsistência.

Conforme o Relatório do Secretariado da Or-ganização Mundial da Saúde sobre Mudanças Cli-máticas e Saúde, os fatores de risco relacionados aoclima e à ocorrência de doenças estão atualmente entreos mais importantes determinantes para a carga dedoenças globais; isto inclui subnutrição (estima-se quemorrem 3,7 milhões de pessoas por ano). Diarréia(1,9 milhões e malária (0,9 milhões) (MMA, 2008).

Conforme o documento Deliberações da 3ªConferencia Nacional de Meio Ambiente (MMA,2008) podem ser identificados os seguintes reflexosnas populações atingidas:

• Aumento da região afetada pela seca bemcomo a sua intensidade, prejudicando aindamais a disponibilidade hídrica;

• Acesso limitado à água para consumo huma-no e aumento das doenças diarréicas e outrasdoenças relacionadas à água, devido àinutilização dos sistemas de tratamento deágua e esgoto;

• Aumento do risco de subnutrição, com im-plicações no crescimento e desenvolvimentoinfantil, e intoxicações por agrotóxicos de-correntes dos impactos negativos na produ-ção de alimentos

• Aumento de mortes, doenças e ferimentos porcausa das ondas de calor, inundações, tem-pestades, incêndios e secas;

• Aumento da freqüência das doenças cardio-respiratórias em decorrência do aumento daconcentração de ozônio na baixa atmosfera;

• Alteração da distribuição espacial de vetoresde doenças infecciosas, com aumento da in-cidência de malaria e dengue e outrospatógenos;

• Aumento de internações hospitalares e, emcasos extremos, interrupção na prestação deserviços na rede de assistência à saúde;

• Alterações na saúde mental;A prevenção, a preparação e o planejamento

para resposta e mitigação dos impactos das conseqü-ências das mudanças climáticas sobre a saúde daspopulações constituem objeto de atuação e desafiopara o setor saúde. Conforme o documento citado as

diretrizes para atuação do setor saúde deverão estardirecionados de forma a contribuir para o fortaleci-mento do Sistema Único de Saúde; a promoção dasaúde e da intersetorialidade; o mapeamento de ame-aças, vulnerabilidades recursos; o apoio à pesquisa;a elaboração de planos de ação e indicadores demonitoramento e impacto.

O item a seguir analisa os resultados e asdeliberações da 13ª. Conferência Nacional deSaúde.

13ª. Conferência Nacional de Saúde

As Conferências Nacionais de Saúde (CNS) sãoespaços garantidos pela Lei Orgânica da Saúde (Lein° 8.142/90) com o propósito de “avaliar a situaçãode saúde e propor as diretrizes para a formulação dapolítica de saúde” nos três níveis de governo, com ointuito de que as diferentes vozes dos setores da so-ciedade sejam ouvidas e respeitadas e vários temassejam abordados. As Conferências Nacionais de Saú-de foram instituídas em 1937, e no período de 1941a 2007, foram realizadas treze Conferências Nacio-nais de Saúde (Ferreira e Moura, 2006).

A 13ª. Conferência de Saúde teve como tema“Saúde e Qualidade de Vida: Política de Estado eDesenvolvimento” e aconteceu em 2007, a publica-ção de suas deliberações foi feita em 2009. Dos 5.564municípios brasileiros, 4.430 realizaram suas Confe-rências Municipais, contabilizando 77% de todos osmunicípios do País.

Foram três eixos temáticos:I. Desafios para a Efetivação do Direito Hu-

mano à Saúde no Século XXI: Estado, Sociedade ePadrões de Desenvolvimento.

II. Políticas Públicas para a Saúde e Qualidade deVida: o SUS na Seguridade Social e o Pacto pela Saúde.

III. A Participação da Sociedade na Efetivaçãodo Direito Humano à Saúde

Esta pesquisa selecionou, entre os eixostemáticos e as diretrizes dadas pelas 13ª. Conferên-cia de Saúde, alguns itens que fazem referência à inter-relação entre saúde e meio ambiente.

A seguir são citadas algumas diretrizes doEixo I que fazem referências à questãoambiental:

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Dir etriz 5. Implementar políticas de interven-ção no meio ambiente que envolvam as rela-ções de trabalho, amparadas na legislação,focadas em riscos, agravos e doenças, apri-morando a vigilância ambiental sobre o pro-cesso de trabalho, inclusive rural, com o usode agrotóxico, e assegurar a notificação com-pulsória de acidentes de trabalho e a aposen-tadoria especial para profissionais expostos amaterial biológico contaminado e produtosquímicos de alta toxicidade.

Dir etriz 6. Estabelecer políticas de saúdeambiental, auto-sustentáveis, centradas nosprocessos de trabalho, na produção ecomercialização de produtos e na prestaçãode serviços que previnam danos aos traba-lhadores da área rural, que são submetidos aregimes de escravidão, da pesca e da agricul-tura, de comunidades tradicionais e terreiros,e ao meio ambiente, considerando seus ele-vados riscos de acidentes e doenças, incluin-do os trabalhadores da cana, definindo as res-ponsabilidades dos gestores públicos e dasassociações patronais do setorsucroalcooleiro, no que tange à aquisição demateriais e de insumos para atendimento dapopulação flutuante e revisão do percentualde cotas durante o corte da cana (Lei nº 4.870/65), em função das queimadas de cana e suasrepercussões sobre a saúde do trabalhador eo meio ambiente.

Dir etriz 13. Respeitar a natureza e a preserva-ção do meio ambiente, na perspectiva de su-peração da lógica destrutiva do processo deprodução capitalista, prevendo obrigatoria-mente nos planos de desenvolvimento eco-nômico a inclusão e a efetivação de políticasde preservação dos recursos naturais, reflo-restamento, arborização e despoluição dosrios, proibindo a privatização do patrimônionatural.

Dir etriz 19. Buscar o envolvimento do Minis-tério do. Meio Ambiente e outros para a im-plantação de práticas e políticas e desenvol-vimento sustentável nos municípios, de pre-servação do meio ambiente rural e urbano,

por meio de criação de fundo de compensa-ção nos municípios que se encontram em áreade preservação de manancial, zona costeira eproteção ambiental; apoio e criação de coo-perativas de produção cujos produtos e pro-cessos melhorem o ambiente e a qualidade devida; e criação de linha de crédito específicapara a construção, pelos municípios, de bar-ragens, cacimbas e cisternas na zona rural, emáreas de risco por estiagem prolongada.

Dir etriz 20. Construir uma rede intersetorial deapoio à saúde e à justiça socioambiental paraidentificar determinantes da saúde e aplicar alegislação sobre saúde e meio ambiente, pormeio de elaboração de programas paraimplementação de ações sobre saúde e meioambiente prevendo aporte financeiro e técni-co do Governo Federal para que estados emunicípios implantem políticas articuladas demeio ambiente, saúde e educação; divulga-ção e respeito à legislação que rege a defesado meio ambiente e execução dos dispositi-vos de responsabilização e penalização aosinfratores; implementação da Rede Integradade Desenvolvimento de Entorno (Ride/Saú-de) com ações e programas específicos, or-çamento e financiamento próprios, de respon-sabilidade dos governos estaduais e do Go-verno Federal; e destinação de recursos paraações de saúde em municípios localizados emáreas de fronteira agrícola para a coberturada população imigrante.

Dir etriz 21. Adotar ações intersetoriais de re-cuperação e de proteção ao meio ambientecom adequada ocupação territorial, com focono desenvolvimento sustentável de cidades eambientes saudáveis, articulando e garantin-do as ações da Agenda 21, por meio desensibilização e responsabilização dos pode-res públicos e da sociedade a respeito da re-levância do ambiente, efetivando os precei-tos da justiça socioambiental e das açõeseducativas visando à eliminação, diminuiçãoe prevenção da exposição de riscos à saúde eà intervenção nos problemas decorrentes domeio ambiente, da produção e de circulação

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de bens e da prestação de serviços em saúde,além da ampliação da participação da popu-lação na elaboração e no monitoramento dasdistintas fases dos processos deLicenciamento Ambiental, em todas as esfe-ras de governo.

Dir etriz 59. Implementar uma política públicaenergética sustentável com investimentos parao desenvolvimento de fontes alternativas, as-segurando a preservação do meio ambiente,em especial da água, a segurança alimentar enutricional e a oferta de oportunidades à agri-cultura familiar, além do fortalecimento dacapacidade de produção de alimentos diver-sificados, regulando limites e avanços dasmonoculturas, visando à melhoria a qualida-de de vida.

Dir etriz 60. Apoiar as iniciativas nacionais e in-ternacionais de proteção ao meio ambiente vi-sando à redução do aquecimento global, ma-nutenção, promoção, preservação, recupera-ção, fiscalização, mapeamento e controle dautilização dos recursos naturais, tais como re-servas naturais, matas ciliares, nascentes eaqüíferas, lençóis freáticos subsuperficiais esubterrâneos, objetivando preservar opatrimônio genético da humanidade e a pro-dução de alimentos para gerações futuras, es-timulando a participação da comunidade nosconselhos de meio ambiente para aprofundar aintersetorialidade sobre a temática ambiental.

Dir etriz 61. Que os governos federal e estadu-ais apóiem os municípios para aimplementação de uma política nacionalintersetorial de erradicação dos lixões e a re-cuperação das áreas degradadas, proposiçãode projetos regionais de aterros sanitários, ca-bendo aos municípios a responsabilidade di-reta sobre a gestão do sistema, os quais de-vem estimular, implementar e garantir a cole-ta seletiva do lixo e sua reciclagem, com acriação de usinas de reciclagem, especialmen-te para o tratamento de resíduos tóxicos e con-taminados (industriais e hospitalares), exigin-do o manejo adequado, com a colocação defiltros nas instituições hospitalares para pre-

servação do meio ambiente e incineração dolixo hospitalar, devendo ser observada a Re-solução do Conselho Nacional do Meio Am-biente nº 05/93, sem comprometimento derecursos da área da Saúde para as ações des-ta política.

Dir etriz 62. Tornar obrigatória a apresentaçãoaos conselhos de saúde, em suas respectivasesferas, de relatórios de impacto à saúde dapopulação para que os conselheiros delibe-rem quanto à pertinência da instalação deempreendimentos que importem na qualida-de de vida, acompanhando a utilização denovas tecnologias aplicadas ao meio ambien-te e o cumprimento da obrigatoriedade dosetor industrial de usar filtros antipoluentes eoutros dispositivos para o controle de resí-duos e de poluição sonora.

Dir etriz 67. Aumentar investimentos paraimplementar ações intersetoriais voltadas paraa preservação e a defesa do meio ambiente,especialmente o reflorestamento das matas,a proteção dos biomas naturais mananciais eo saneamento básico, incluindo a construçãode aterros sanitários, a coleta seletiva e o des-tino do lixo, e o controle da qualidade da águanas zonas urbanas e rurais.

Dir etriz 81. Implantar, de forma efetiva, umprograma permanente de estímulo à produ-ção, à comercialização e ao consumo respon-sável de alimentos, repensando os hábitos deconsumo e de alimentação, recusando pro-dutos que causem danos à saúde humana, dosanimais e ao meio ambiente, reduzindo,reutilizando e reciclando materiais e embala-gens. Fortalecer o Sistema Nacional do MeioAmbiente (SISNAMA) para o cumprimentode suas funções legais estabelecidas na Lei nº11.445/07, consideradas relevantes para assaúdes humana e ambiental, estimulando aspopulações da zona rural para o processo dereflorestamento, por meio de ação articuladaentre os Ministérios da Saúde, das Cidades,do Meio Ambiente e da Agricultura.

É interessante observar como as discussões fei-tas na última conferência de saúde foram bastante

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‘ambientalizadas’ o que mostra um aprofundamentodas reflexões acerca dos impactos e agravos causa-dos à saúde humana, a partir dos impactos geradosao meio ambiente. As diretrizes também citam a im-portância da preservação do meio ambiente e o esta-belecimento de políticas que visem à sustentabilidadesocioambiental, no sentido de evitar conflitos tantono meio urbano, como no meio rural, decorrentes deuma má-gestão dos recursos naturais e da explora-ção de mão-de-obra infantil, barata ou escrava.

Evidencia-se também nas diretrizes propostas apreocupação com uma transformação do modelo eco-nômico vigente, mais voltado ao padrão de consumoexacerbado, para um modelo mais sustentável e equ-ânime. Todas estas proposições compõem o escopode propostas de mudanças de paradigmas que têmparte de seu nascedouro no conjunto epistemológicodo desenvolvimento sustentável que prevê o equilí-brio das ações humanas, integrando ao menos as di-mensões ambiental, social e econômica.

Também, no conjunto de diretrizes percebe-seo estímulo ao consumo responsável de alimentos oude produtos que causem danos à saúde humana, dosanimais e ao meio ambiente, bem como a importanteco-relação entre a geração e disposição inadequadade resíduos causadora de impactos ao ambiente e àsaúde.

Ainda pode-se destacar a questão daintersetorialidade, o encontro das duas áreas: saúde eambiente, fica bem delineado nas proposições daConferência de Saúde, quando há propostas de ela-boração de políticas em conjunto visando, por exem-plo, ao licenciamento ambiental, e a elaboração derelatórios de impacto à saúde da população, com oobjetivo de deliberar sobre a instalação de empreen-dimentos que impactem na qualidade de vida.

Uma das diretrizes da Conferência Nacional deSaúde foi a realização da Conferência Nacional deSaúde Ambiental, realizada em Brasília em dezembrode 2009.

* * *

Conferência Nacional de SaúdeAmbiental

A 1ª. Conferência Nacional de Saúde Ambiental(CNSA) foi uma iniciativa dos Conselhos de Saúde,Cidades e Meio Ambiente, no atendimento às delibe-rações das Conferências Nacionais de Saúde (13ª),Meio Ambiente (3ª) e Cidades (3ª).

A 1ª CNSA aconteceu em dezembro de 2009na cidade de Brasília e teve como lema Saúde e Am-biente: vamos cuidar da gente! tratando do tema ASaúde Ambiental na cidade, no campo e na floresta:construindo cidadania, qualidade de vida e territó-rios sustentáveis, estabelecendo diretrizes para umapolítica pública integrada no campo da saúdeambiental, a partir da atuação transversal eintersetorial dos vários atores envolvidos com atemática.

A 1ª CNSA foi concebida e construída de for-ma coletiva. Para isso, definiu-se que, nas esferasmunicipais, estaduais e do Distrito Federal, os seto-res de saúde, meio ambiente, infraestrutura, sanea-mento, educação e trabalho deveriam se articular,entre si e com a sociedade, para realizar suas etapasde conferência. O objetivo foi debater sobre as rela-ções entre produção e consumo, seus impactos nasaúde e no meio ambiente, além da estruturação deterritórios sustentáveis nas cidades, no campo e nasflorestas. Ao todo foram realizadas 285 conferênciasmunicipais, 151 regionais ou microrregionais, 26 es-taduais e uma distrital.

Os Eixos temáticos da 1ª Conferência Nacio-nal de Saúde Ambiental foram:

• Desenvolvimento e sustentabilidadesocioambiental no campo, na cidade e na flo-resta;

• Trabalho, ambiente e saúde: desafios dos pro-cessos de produção e consumo nos territóri-os;

• Democracia, educação, saúde e ambiente: polí-ticas para construção de territórios sustentáveis.

A metodologia adotada pela 1ª Conferência deSaúde Ambiental propôs que para cada diretrizconstruída fossem elencados também duas açõesestratégicas para o alcance de resultados, o que con-figura uma inovação no processo de construção de

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diretrizes conhecidas nas conferências anteriores nopaís. O quadro a seguir apresenta algumas delibera-ções aprovadas pela 1ª Conferência Nacional de Saú-de Ambiental, em seis temas escolhidos comoprioritários para a construção das políticas públicasem saúde ambiental.

Tema 1: Processos Produtivos e ConsumoSustentáveis

Diretriz 1. Garantia de incentivos ao desenvolvi-mento de tecnologias e práticas de produção econsumo éticos e sustentáveis para, entre ou-tras, a agropecuária, aquicultura e pesca,ecoturismo, extrativismo sustentável, artesana-to e economia solidária, por meio de ações, pro-gramas e instituições integrados nas três esferasde governo ligadas à saúde, ao meio ambiente eplanejamento urbano, promovendo asustentabilidade sócio-ambiental dos ArranjosProdutivos Locais, com efetivo controle social.

Dir etriz 2. Avanço na reforma agrária fortale-cendo a agricultura familiar orgânica eagroecológica garantindo áreas agrícolas parasuas atividades, acompanhada de assistênciatécnica, extensão rural e melhoria da qualida-de de vida, diminuindo o êxodo rural e incen-tivando a diversidade de produção nas comu-nidades agrícolas.

Dir etriz 3. Fortalecimento da política eefetivação das ações de saúde do trabalhadorda floresta, do campo, do litoral e da cidade,visando à eliminação da exposição dos traba-lhadores aos riscos no ambiente de trabalho eas repercussões na vida do trabalhador e fa-mília, a partir da aplicação de alternativas deprevenção, controle e vigilância destes riscos,considerando ainda as populações que resi-dem no entorno destas áreas.

Dir etriz 4. Mudança no modelo de desenvolvi-mento econômico de modo a promover a qua-lidade de vida e a preservação do ambiente, ea saúde desta e das futuras gerações com aproteção da agrobiodiversidade e dabiodiversidade urbana e rural, visando àsustentabilidade socioambiental responsável.

Tema 2: Infraestrutura

Dir etriz 1. Universalização do saneamento bá-sico e ambiental nas áreas urbanas, núcleosrurais e comunidades indígenas, quilombolase outras com proteção dos recursos naturais.

Dir etriz 2. Implementação das políticas públi-cas de saneamento básico e ambiental na ci-dade, no campo, na floresta e litoral, de for-ma integrada e intersetorial, orientadas pelomodelo de sustentabilidade com a garantia dagestão e controle social.

Dir etriz 3. Priorização da execução de políti-cas públicas voltadas para a promoção do sa-neamento básico e ambiental, habitação sau-dável e mobilidade urbana, como fortalecimen-to da saúde ambiental brasileira, considerandoas peculiaridades territoriais, observando osdeterminantes da saúde e do meio ambiente.

Dir etriz 4. Elaboração, implantação eimplementação de política pública de resídu-os sólidos local e/ou regional (industriais, re-síduos de serviço de saúde, domésticos e re-síduos de construção civil, outros) comgerenciamento integrado, para: coleta seleti-va, destinação adequada, implantação de usi-na de processamento de resíduos sólidos ur-banos e rurais, política de combate a aciden-tes com produtos perigosos, reciclagem, es-tudo de viabilidade com recuperação dos an-tigos lixões de modo participativo e com con-trole social.

Tema 3: Ar ticulação Interinstiatucional,Ações Integradas e Controle Social

Dir etriz 1. Garantia de gestão democrática efortalecimento da participação de todos ossegmentos da sociedade civil organizada nocontrole social visando uma política perma-nente de Estado (União, Estados, Municípi-os e Distrito Federal) e de sua gestão emSaúde Ambiental integrando as políticas pú-blicas de saúde, meio ambientebiodiversidade, agricultura, recursos hídricose das cidades.

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Saúde Ambient al

Dir etriz 2. Estabelecimento e garantia, de polí-ticas públicas estruturantes, permanentes,interdisciplinares, territorializadas e descen-tralizadas de saúde ambiental, nas esferas fe-deral, estadual e municipal, visando asustentabilidade do desenvolvimento sócio-econômico ambiental nos âmbitos urbano erural, mediante a promoção da saúde, doambiente, da segurança alimentar, do pro-cesso de produção sustentável e solidária, doconsumo consciente e do comércio justo, le-vando em consideração as realidades locais eos fatores ambientais determinantes para aocorrência de zoonoses, pandemias, doençasparasitárias, infecciosas e emergentes.

Dir etriz 3. Implementação e fortalecimento depolíticas públicas integradas entre os órgãosde promoção, prevenção, proteção, vigilân-cia e assistência, saúde ambiental e saúdedo trabalhador infraestrutura, educação, pla-nejamento, meio ambiente e os demais seto-res que tratam de questões de saúdeambiental para a execução de açõesintersetoriais de saúde ambiental, com pla-nejamento prévio, comunicação integradanos diferentes órgãos governamentais e par-ceiros, garantindo a efetiva participação dasociedade civil e controle social para traba-lhar as questões da Saúde Ambiental e asustentabilidade sócio-ambiental respeitan-do as características dos territórios.

Dir etriz 4. Estabelecimento de políticas de saú-de ambiental nas três esferas de governo,com ações integradas, intra e intersetoriais,e com a participação da comunidade comefetivo controle social para a sustentabilidadesócio-ambiental, para a definição de metas ecumprimento e das diretrizes do Estatuto dasCidades, Plano Diretor, do SUS e da Agen-da 21.

Tema 4: Territórios Sustentáveis,Planejamento e Gestão Integrada

Diretriz 1. Ampliação de Políticas Públicas paraa construção de sociedades sustentáveis por

meio de: manutenção do homem no campocom a promoção da regularização fundiária,com o desenvolvimento de tecnologias lim-pas visando à conservação e preservação dosbiomas incluindo a criação e manutenção decorredores ecológicos e privilegiando oextrativismo natural de forma sustentável.Estes aspectos devem ser inseridos em pla-nos integrados, setoriais e sociais dos muni-cípios, estados, Distrito Federal e da Uniãopara garantir a implantação de políticas finan-ceiras estruturantes voltadas às cadeias pro-dutivas rurais e urbanas com base noordenamento territorial que contemplem tam-bém os povos quilombolas, povos da flores-ta, indígenas e comunidades ribeirinhas, co-munidades pescadoras e demais comunidadestradicionais.

Diretriz 2. Criação, fortalecimento e ampliaçãode políticas para o reflorestamento das áreasrurais e urbanas, implantação de banco desementes e viveiros de mudas de espéciesnativas pelos municípios, estados e DistritoFederal priorizando a criação de áreas verdesurbanas, a preservação e recuperação dasmatas ciliares, considerando o zoneamentode áreas agricultáveis, voltados especialmen-te para agricultura familiar com incentivos àprodução, à comercialização e ao consumode alimentos orgânicos valorizando a quali-dade final de produtos; integrando saúde,educação,meio ambiente e políticas urbanas,fortalecendo a participação popular e controlesocial.

Dir etriz 3. Implantação, fortalecimento eimplementação da sustentabilidade socio-ambiental nas políticas públicas considerandoos espaços urbano e rural, bem como avulnerabilidade ambiental para a definição dosProgramas de Territórios de Cidadania consi-derando as necessidades sociais das populaçõesda cidade, do campo, da floresta e do litoral,promovendo justiça ambiental e inclusão soci-al, com primazia da participação popular.

Dir etriz 4. Planejamento,construção e aplica-ção de políticas públicas integradas de

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sustentabilidade socioambiental consideran-do o uso e ocupação ordenada dosolo,incluindo as políticas setoriais bem comoa implantação de uma política de convivênciacom os biomas e bacias hidrográficas, focali-zada na agricultura familiar e agroecológicanas cidades, no campo, nas florestas e no li-toral, e a intensificação do gerenciamento emonitoramento das fiscalizações.

Tema 5: Educação, Informação,Comunicação e Produção deConhecimento

Dir etriz 1. Criação, implementação e fortaleci-mento de políticas de educação e pesquisa emsaúde ambiental e saúde do trabalhador deforma intersetorial, integrada, permanente econtinuada, nas três esferas de governo, commobilização social integrada dos órgãos dasaúde, meio ambiente, educação e cidades.

Dir etriz 2. Implantação de uma Política Edu-cacional em Saúde Ambiental desenvolvida deforma intersetorial, nas esferas pública e pri-vada, com métodos que reconheçam a diver-sidade socioambiental e a pluralidade étnica,racial e de origem bem como o saber popularna formação permanente de multiplicadoresinclusive nos coletivos educadores para terri-tórios sustentáveis e que garantam a forma-ção de cidadãos e profissionais conscientesdo seu papel frente aos princípios dasustentabilidade socioambiental.

Dir etriz 3. Implantação de PolíticasSocioambientais voltadas para as distintasrealidades dos biomas e territórios, com ên-fase na saúde e prevenção, para efetivação dapolítica de educação ambiental e fortalecimen-to da temática Saúde Ambiental na educaçãoformal em todos os níveis de ensino, na edu-cação não-formal e sua inserção no Progra-ma Nacional de Educação Ambiental –PRONEA.Ações EstratégicasViabilizar o repasse de recursos financeiros paraa realização de ações socioeducativas com a

distribuição de material didático nas escolas,instituições e comunidade em parceria comentidades ligadas ao meio ambiente, saúde, ci-dades, promovendo e intensificando a políticade educação ambiental em todos os níveis deensino e todos os segmentos da sociedade deforma transversal e multidisciplinar, com de-fesa das legislações vigentes para a promoçãoda saúde ambiental.Identificar o espaço dos educadores emultiplicadores para atuar com o tema de saú-de ambiental, em escolas e comunidades

Dir etriz 4. Fortalecimento permanente da Po-lítica Nacional de Educação Ambiental/PNEA, Lei nº 9795/99, em todos os níveis emodalidade de ensino e diversos aparelhossociais, nas três esferas de governo, e revisarmatrizes curriculares para construção de pro-jetos político-pedagógicos interdisciplinares,transversais, intra e intersetoriais, envolven-do os setores educação, saúde, cidades/ sa-neamento/ habitação, meio ambiente, trans-porte, agricultura e de mobilização social naformulação de políticas de saúde ambientalcomo mecanismo de promoção da saúde.

Tema 6: Marco Regulatório eFiscalização

Dir etriz 1. Estabelecer o marco regulatório dapolítica de saúde ambiental, implantando eimplementando a infraestrutura de fiscaliza-ção e proteção da saúde ambiental.

Dir etriz 2. Fortalecimento da fiscalização dosprocessos produtivos e monitoramento doEstado, com a participação ativa da socieda-de organizada no controle social, conforme oArt. 196 da Constituição Federal, visando umaprodução mais limpa, incluindo a atuação dasvigilâncias em Saúde de forma integrada, so-bre as atividades produtivas com atenção à se-gurança, à saúde do trabalhador, desenvolven-do-as nas três esferas de governo, asseguran-do tais atividades em legislação específica.

Dir etriz 3. Estruturação da Vigilância em Saú-de Ambiental articulada ao SISNAMA como

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Saúde Ambient al

política pública estruturadora, intersetorial einterinstitucional, nas três esferas governo,com obrigatoriedade da regulamentação, prin-cipalmente nos municípios, com estrutura fí-sica própria e recursos humanos exclusivospara Vigilância em Saúde Ambiental, garan-tindo dotações orçamentárias de recurso degestão própria para área ambiental,desvinculada da epidemiologia. Utilizar sis-tema de monitoramento e indicadores gera-dos pelo SISNAMA e pelo o DATASUS comações específicas em: fatores físico-químicos(ar, água, solo, ambiente de trabalho, produ-tos perigosos, desastres naturais e risco físi-co); fatores biológicos monitoramento, pre-venções, controle e/ou combate a vetores deendemias; educação em saúde ambiental parapromoção e divulgação da conscientização epopularização das ações das VSA.

Dir etriz 4. Aplicação e fiscalização da legisla-ção vigente, monitoramento das atividades eresponsabilização dos empreendimentos quecausam impacto ambiental, existentes nosmunicípios com o objetivo de sensibilizar eminimizar as conseqüências prevenir, tratar ereparar os danos ambientais e na saúde hu-mana, com atenção integral a saúde do traba-lhador com base em protocolos definidosatualizados e validados.

Considerações Finais

Conforme destacado, padrões de desenvolvi-mento não-sustentáveis vêm favorecendo a degrada-ção ambiental ao mesmo tempo em que afetam o ho-mem, sua qualidade de vida e seu estado de saúde,por intermé-dio de alterações significativas no meionatural e destruição de diversos ecossistemas, quelevam a mudanças nos padrões de distribuição dedoenças e nas condições de saúde dos diferentes gru-pos populacionais. (MS, 2007)

O impacto e as alterações ambientais têm sido emgrande parte avaliada e acompanhada por órgãos e enti-dades voltadas para o meio ambiente, tendo sido obser-vado que a tecnologia empre-gada e os métodosprevalentes não atingiram as medidas necessárias e sufi-

cientes no que se refere à defesa da saúde, que recebeatenção secundária na conformação política atual. O tra-tamento trans-disciplinar e a articulação interinstitucional,nesta área, são fundamentais. (MS, 2007)

Os resultados das Conferências Nacionais apon-tam para alguns aspectos importantes: um deles refe-re-se à ‘ambientalização’ da área da saúde. O númeroexpressivo de itens e diretrizes retiradas na 13ª Con-ferencia Nacional de Saúde que a relacionam direta-mente com a questão ambiental é muito expressiva,demonstrando que os setores da saúde estão muitoavançados nas reflexões acerca da interface da saúdecom o ambiente.

Alguns exemplos da importância dessa interfacesão as pesquisas e os estudos realizados sobre os efei-tos da poluição do ar para a saúde ou os benefíciosdo abastecimento de água tratada sobre as melhoriasnos indicadores de saúde infantil, bem como omapeamento de áreas contaminadas, indicando po-pulação sob risco de exposição. (MS, 2007,ABRASCO, 2009; TEMPUS, 2009).

Os resultados da 3ª Conferência Nacional deMeio Ambiente destacam os cuidados referentes àsmudanças climáticas. As diretrizes construídas na Con-ferência fazem referencias à questão da saúde, entre-tanto não ficam muito bem delineados e destacados osagravos causados a ela. Em uma primeira análise, infe-re-se que discurso ambiental ainda não incorporou ple-namente em sua argumentação e reflexão, a questãoda proteção da saúde humana decorrente dos impac-tos ambientais, ao menos comparando-se com o con-junto de proposições destacadas pela 13ª ConferênciaNacional de Saúde, que destacam bem a questão daintersetorialidade e as relações de causa e efeito entreuma e outro (saúde e ambiente).

Na leitura das diretrizes da 3ª Conferência Na-cional de Meio Ambiente, tem-se a percepção de queos aspectos referentes aos agravos à saúde humana,talvez, ainda não estejam plenamente absorvidos nasdeliberações da área ambiental. Ainda há a predomi-nância na formulação de políticas e nas tomadas dedecisão do setor, do argumento da proteção e da pre-servação ambiental per si, o que tem sido positivo, nosentido de garantir a criação e a manutenção de áreaspreservadas e a conservação da biodiversidade, entreoutros tantos resultados, em todo o País. Também a

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questão ambiental tem sido bastante associada àsquestões sociais mais amplas, como pobreza, uso eocupação do solo, distribuição de renda e outras des-tacando-se graves questões, como: a ausência deequidade social relacionadas àquelas causadoras dodesequilíbrio ecológico.

Entretanto, o foco da saúde ambiental repousa nainteração entre saúde, meio am-biente e no desenvolvi-mento sustentável, com o fortalecimento daintersetorialidade entre as instituições estatais e a co-res-ponsabilidade e participação da popu-lação na promoçãodo bem-estar e da qualidade de vida da população.

As diretrizes destacadas pela 1ª ConferênciaNacional de Saúde Ambiental demonstram os desafi-os para a sua consolidação em política pública. A ne-cessidade de novos arranjos organizacionais, que fo-mentem a obtenção de resultados e potencializem arelação saúde-ambiente. A formulação teórico-conceitual precisa aproximar gru-pos acadêmicos comprofissionais da saúde ambiental, no sentido de “des-construir”, “de-codificar”, “re-construir” eproblematizar a interface entre saúde e ambiente. Tam-bém se faz necessária a criação de novos instrumen-tos, harmonização e potencializa-ção do arcabouçojurídico-normativo, perpassando todas as áreas afei-tas (MS, 2007).

Há, ainda, os desafios de identificar prioridades,construir agendas, criar oportunidades, alocar recur-sos, na esteira da visão ecossistêmica da saúde e combase na ética humana e ecológica, bem como aprimo-rar e atualizar os processos de atenção, vigilância, ges-tão, educação e sistematiza-ção de informação em saú-de, para assegurar a execução de projetos, programase ações concretas e oportunas que possibilitem amaterialização de uma política nacional de saúdeambiental que se traduza em promoção da qualidadede vida e da defesa do ambiente (MS, 2007).

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Resenhas

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Mudanças Climáticas:Mais Barato Agir do que

Ignorar

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Marli T. Santos1

1 Doutoranda em Desenvolvimento Sustentável, especialistataem Marketing e Comunicação da The Nature Conservancy

RESENHA

Recebido em 15.02.2010Aceito em 28.04.2010

A publicação contém um relatório técnico de579 páginas, elaborado em pouco mais de um ano,de julho de 2005 a outubro de 2006, por uma equi-pe de 21 pessoas liderada pelo economista NicholasStern, a pedido do governo inglês. Nicholas Sterné economista e professor titular da London Schoolof Economics and Political Science (LSE) e foi eco-nomista-chefe e vice-presidente do Banco Mundi-al entre 2000 e 2003. Atuou ainda como conse-lheiro econômico do governo inglês. Nessa épocafoi recrutado por Gordon Brown, ministro das fi-nanças do Reino Unido (Chancellor of theExchequer), hoje primeiro ministro, para escreverum relatório sobre os impactos das mudanças cli-máticas na economia, que resultou neste texto co-nhecido como relatório Stern. Nicholas Stern con-tinua discutindo o tema em eventos internacionaise lançou em abril de 2009 o livro “Blueprint for asafer Planet.

O objetivo da obra foi produzir um relatório in-dependente para avaliar as evidências sobre as mu-danças climáticas e construir um entendimento sobreos seus reais impactos na economia. Os custos dosimpactos das mudanças climáticas e os custos dasações para reduzir as emissões dos gases do efeitoestufa foram analisados com o emprego de diversastécnicas, modelos e abordagens econômicas. A equi-pe do relatório usou, por exemplo, técnicas de desa-gregação, como análise dos impactos das mudançasclimáticas na economia, na vida humana e no meioambiente, com a verificação de custos das diferentestecnologias e estratégias para reduzir as emissões.

O relatório possui seis partes, as primeiras trêspartes do relatório analisaram as evidências dos im-pactos das mudanças climáticas na economia e oscustos da estabilização dos níveis de gases do efeitoestufa na atmosfera. As três últimas analisaram as res-postas políticas a essas ameaças, com a verificação

S u s t e n t a b i l i d a d e

e m D e b a t e

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Mudanças climáticas

dos complexos desafios das políticas ligadas aogerenciamento da transição para uma economia debaixa emissão de carbono.

Nas primeiras três partes do relatório há o aler-ta de que as ações da humanidade nos próximos 10ou 20 anos podem ter um profundo efeito no climana segunda metade deste século e no próximo. O ní-vel atual do gás carbônico (CO

2e

) na atmosfera é equi-

valente a 430 partes por milhão (ppm), quase o do-bro das 280 ppm existentes antes da revolução in-dustrial. Essa concentração já tem causado hoje umaquecimento médio mundial de 0,5 ºC e causará umaquecimento adicional de 0,5 ºC nas próximas déca-das, por causa da inércia do sistema climático. Mes-mo se as emissões anuais não aumentarem além dosníveis atuais, o estoque de gases do efeito estufa naatmosfera chegará a dobrar em relação aos níveis daera pré-industrial, chegando a algo entorno das 550ppm de CO2e até o ano de 2035. Com esse nível háno mínimo 77% de chance de a temperatura globalexceder os 2ºC. Sob o cenário tradicional do“Business as Usual” (sem intervenções) há 50% derisco de a temperatura da terra aumentar 5ºC emmédia durante as próximas décadas. Isto levará o serhumano para um território desconhecido.

A estabilização das concentrações de CO2 na

atmosfera exigirá corte profundo das emissões, umaredução absoluta de 80% das atuais emissões anuais.Os custos para atingir esses cortes dependem de umnúmero de fatores, mas de uma forma geral são esti-mados em 1% do Produto Interno Bruto mundial paraestabilizar o nível de CO

2 entre 500 a 550 partes por

milhão (ppm).O relatório diz que as mudanças climáticas ame-

açam os elementos básicos da vida das pessoas, emtermos de acesso à água, de produção de alimentos,de saúde e o do uso da terra e do meio ambiente.Alguns eventos, como o derretimento de geleiras, tra-rão o risco de enchentes e de redução do suprimentode água. Além disso, as mudanças climáticas são umaameaça para os países em desenvolvimento e um obs-táculo para as metas de redução da pobreza.

Para minimizar os efeitos das mudanças climá-ticas, a publicação recomenda a implantação de açõescoletivas internacionais em duas áreas principais. Aprimeira área é a implantação de ações de mitigação

(como a precificação do carbono com impostos al-tos, a criação de um mercado de carbono efetivo,investimentos para dar suporte a iniciativas de baixaemissão de carbono, desenvolvimento e difusão detecnologia limpas e ações para reverter as tendênciasde desmatamento). A segunda área recomendada é aimplantação de ações de adaptação. A adaptação serácrucial na redução das vulnerabilidades causadas pe-las mudanças climáticas e é o único caminho paraenfrentar, nas próximas décadas, os impactos que jásão inevitáveis.

Nas conclusões, a equipe do relatório é enfáti-ca ao afirmar que os benefícios de ações para conteras mudanças climáticas são maiores do que os custosassociados a elas. As ações de mitigação, vistas des-sa forma, são um investimento para evitar conseqü-ências severas em todos os níveis. Se o investimentofor feito de forma sábia, os custos das ações serãogerenciáveis e criarão diversas oportunidades para ocrescimento econômico e desenvolvimento. Para quehaja eficiência nas ações, as políticas criadas preci-sam dar sinal de que lidarão com falhas de mercado,equidade e mitigação de riscos nos seus custos. Ig-norar as mudanças climáticas irá eventualmente com-prometer o crescimento econômico numa escala si-milar à depressão de 1929 e será difícil ou impossívelde reverter essas mudanças.

O trabalho foi realizado com base no levanta-mento de informações de pesquisas já publicadas so-bre o tema. No que se refere aos assuntos que aindanão tinham sido pesquisados o suficiente, a equipedo Relatório Stern contratou profissionaisespecializados e os incumbiu de produzir o conheci-mento necessário. Outra maneira de reunir contri-buições foi a abertura de um espaço para submissõesde contribuições sobre o tema, o que ocorreu no pe-ríodo de 10 de outubro de 2005 a 15 de janeiro de2006. Durante o período de levantamento de dados,os membros do Relatório Stern visitaram países-chavee instituições, incluindo o Brasil, Canadá, China,União Européia, Alemanha, Índia, Japão, México,Noruega, Rússia, África do Sul e Estados Unidos. Otrabalho envolveu interação da equipe executora commais 100 cientistas, tomadores de decisão, empresá-rios e organizações não-governamentais em todo omundo.

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O texto é bastante técnico nas partes iniciais,com linguagem voltada para os iniciados na econo-mia, mas ao mesmo tempo ele é capaz de envolverum leitor leigo no assunto. A segunda parte traz umaanálise menos técnica e mais política, que cativa osleitores interessados no assunto. O texto apresentarepetições, principalmente quando se trata de refor-çar uma convicção ou idéia de que ações mitigadorasprecisam ser tomadas nos próximos dez anos, comose quisesse reforçar a urgência do assunto.

A quantidade de pesquisas científicas mencio-nadas no texto e o uso de modelos econômicos em-prestaram confiabilidade ao trabalho e provocaramdebates em todos os países. Isso ocorreu especial-mente porque os impactos e custos das mudanças cli-máticas foram explicitados de forma clara e assusta-ram aqueles que ainda duvidavam do aquecimentoglobal e de seus efeitos. Mesmo assim, o trabalholiderado por Stern foi criticado por alguns economis-tas, especialmente no que se refere à taxa de descon-to utilizada nos cálculos e por ser considerado umrelatório mais político do que técnico. As críticas re-sultaram em muitos artigos de resposta publicadospela equipe do relatório. De uma forma geral, o textofoi produzido para tomadores de decisão nos diver-sos níveis, técnicos de governos, dirigentes de ONGse para acadêmicos.

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A “Insularização” dosContinentes e a Perda de

Biodiversidade

QUAMMEN, David. O canto do dodô. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. 789p. ISBN 978-85-359-1263-0. [Traduzido do original The song of the dodo: island biogeography in an age of extinctions. NewYork: Touchstone, 1997. 704 p. ISBN 0-684-80083-7]. Tradução de Carlos Afonso Malferrari. Mapas deKris Ellingsen. Notas, índice remissivo e bibliografia.

Maira Smith1

1 Doutoranda em Política e Gestão Ambiental pelo Centro deDesenvolvimento Sustentável (CDS) da UnB

RESENHA

Recebido em 17.02.2010Aceito em 28.04.2010

É cada vez mais evidente o desafio em que viveo mundo moderno: enfrentar a onda crescente deextinção de espécies, comunidades e ecossistemas quecompõem a biodiversidade, exacerbada pela atuaçãohumana. Por conta de ações como o desmatamento,redução de habitats, introdução de espécies exóti-cas, homogeneização genética de recursos agrícolas,super-exploração de recursos naturais, entre outras,ambientes antes contínuos estão se tornando cada vezmais fragmentados, formando para as espécies rema-nescentes o que os ecólogos chamam de “ilhas dehabitat” nos continentes.

A “insularização” ou o isolamento de espéciese comunidades biológicas, conseqüências da frag-mentação crescente de habitats, e o resultante au-mento de sua vulnerabilidade à extinção, são os te-mas centrais abordados no livro O canto do Dodô,de David Quammen, traduzido para o português epublicado pela editora Companhia das Letras em

2008. O título original, The song of the dodo: islandbiogeography in an age of extinctions, remete oleitor ao exemplo do Dodô (Raphus cucullatus),uma espécie de ave agigantada que viveu nas ilhasMaurício, com características típicas de evolução edistribuição insulares, levada à extinção pela açãodireta e indireta dos colonizadores portugueses eholandeses.

Quammen é um jornalista norte-americano, ca-sado com uma ecóloga, e que se dedica entre outrascoisas ao estudo e à difusão da história da biologiada conservação, disciplina científica aplicada desen-volvida recentemente para estudar a perda debiodiversidade decorrente da ação humana. Quammené autor de outros livros de ficção e não-ficção comoThe Reluctant Mr. Darwin: A Intimate Portrait ofCharles Darwin and the Making of His Theory ofEvolution e já foi premiado com a medalha “JohnBurroughs” de divulgação em história natural.

S u s t e n t a b i l i d a d e

e m D e b a t e

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A “insularização” dos continentes e a perda de biodiversidade

Pelo fato de ser jornalista, e não um cientistaespecializado em biologia ou áreas afins, o autor con-segue repassar conceitos técnicos relacionados à con-servação da biodiversidade, em geral indigestos, deforma acessível ao público leigo. Faz isso de formaleve e bem humorada, por meio de relatos pessoaisde viagens, do acompanhamento de estudos de cam-po e de entrevistas pessoais com pesquisadores con-sagrados no assunto. No livro, Quammen fala sobresua estadia em locais como Indonésia, Maurício (lo-cal onde ocorria o dodô antes de ser extinto), Golfoda Califórnia, Galápagos, Austrália, Tasmânia,Micronésia e Brasil. Nesse último, o autor visitouprojetos ligados à conservação da biodiversidade naAmazônia Central (proximidades de Manaus) e naMata Atlântica (Minas Gerais). Em todos os locaisvisitados, o autor acompanhou pesquisadores de di-ferentes áreas da biologia. Além disso, Quammen éum apaixonado pelas ciências naturais. Acumula umgrande volume de leituras sobre biologia evolutiva,biogeografia de ilhas, ecologia e biologia da conser-vação, usando as obras dos autores de referência emcada ramo das atividades científicas que examina.Entre os entrevistados, o autor apresenta uma listade cientistas ilustres nas ciências biológicas, comoEdward O. Wilson, Michael Soulé, Jared Diamond,Dan Simberloff, Tomas Lovejoy, entre outros.

Os relatos das viagens do autor a diversos luga-res onde ocorrem e/ou se estudam extinções ou qua-se-extinções e uma infinidade de exemplos retiradosda literatura científica ou das entrevistas com cientis-tas dão suporte para que o leitor se envolva e com-preenda de forma aprofundada conceitos técnicosnecessários para o entendimento da idéia central dolivro. Essa idéia consiste em demonstrar como os es-tudos de biogeografia de ilhas foram fundamentaispara a formulação da teoria da evolução proposta porDarwin e Wallace na segunda metade do século XIXe para a consolidação da biologia enquanto disciplinaespecífica, diferenciada de outras ciências naturais.Foram fundamentais também para a construção re-cente de campos científicos mais aplicados, como aecologia e a biologia da conservação, essa últimavoltada para enfrentar o grande desafio moderno deconservar e proteger a biodiversidade em um mundocada vez mais fragmentado. Ressalte-se que a biolo-

gia da conservação, principalmente a partir do estu-do de ecologia teórica e da biogeografia de ilhas, é adisciplina que dá suporte para a modelagem de áreasreservadas para conservação e proteção dabiodiversidade.

É particularmente interessante a ordem lógicade apresentação das informações colocada porQuammem na organização do livro, pois ela refletedetalhes históricos da construção de disciplinas comoa ecologia teórica e a biologia da conservação, quedificilmente seriam tão bem exploradas se fossemapresentados por um especialista na área de ciênciasbiológicas. Por outro lado, esse tipo de detalhe re-quer aprofundamento na leitura especializada e bas-tante conhecimento de história natural, o que não fal-ta ao autor.

No início do livro, o termo biogeografia é defi-nido como “a ciência que se ocupa de onde os ani-mais e plantas estão, onde não estão e por que” (p.17). O autor dedica um capítulo inteiro – “O homemque conhecia ilhas” - a relatos relacionados ao natu-ralista Alfred Russel Wallace, um dos pioneiros naobservação da distribuição de espécies em ilhas e, emsua opinião, um dos maiores biogeógrafos de todosos tempos. Quammen considera uma injustiça histó-rica que Wallace não seja amplamente reconhecidocomo formulador da mais importante teoria da biolo-gia, desenvolvida por ele e Charles Darwin – a teoriada evolução. Os dois chegaram a essa teoria na mes-ma época e a partir de observações sobre a distribui-ção de espécies em ilhas em diferentes contextos.

Quammen chama a atenção do leitor para o pro-cesso de especiação em ilhas, ou seja, o processo peloqual uma espécie se divide em duas ou mais espéciesnovas, ocasionando a diversificação. Isso teria leva-do Darwin e Wallace a perceber que as espécies vari-am no espaço e no tempo, pressuposto básico da evo-lução. Quammen aproveita essa parte do livro paradefinir alguns conceitos importantes da biologiaevolutiva e explicar como essa disciplina se desen-volveu na primeira metade do século XX a partir dacontribuição da genética e, sobretudo, da proposiçãoda “síntese moderna”, que originou o neodarwinismo.Dentre os expoentes dessa escola de pensamento,destaca-se o ornitólogo Ernst Mayr, que na visão doautor era também um biogeógrafo de ilhas. Pelo olhar

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de Mayr, Quammen ressalta no terceiro capítulo –“Uma grandiosidade tão imensa” - a importância doisolamento geográfico, que confere a peculiaridadedo processo evolutivo em ilhas, como mola propul-sora da evolução. Ele cita a idéia proposta por Mayrem 1954 de que as “revoluções genéticas” ou mu-danças súbitas no ambiente genético de uma popula-ção biológica estariam entre as causas principais daacelerada evolução insular.

Depois de discorrer sobre questões da biolo-gia evolutiva, o autor dedica uma grande parte dolivro ao domínio específico da biogeografia de ilhas.É interessante a forma como ele apresenta ao leitorum conjunto tão denso de informações. Por outrolado, exagera um pouco na descrição de detalhes eexemplos, o que torna a leitura por vezes cansativa.Nessa parte do livro são apresentados padrões ca-racterísticos da biologia insular, incorporados peloautor numa lista que denomina “cardápio insular”.Nesse cardápio destacam-se 1) atributos relaciona-dos às espécies como a) capacidade de dispersão,b) mudanças de tamanho (em geral associadas àausência de predadores e/ou competidores), c) per-da da capacidade de dispersão, d) endemismo (es-pécies que ocorrem no mesmo local onde evoluí-ram), e) relictualismo (espécies sobreviventes emdeterminado local e extintas em todos os outros lo-cais), f) perda de adaptações defensivas (espéciesque perdem ao longo da evolução característicasdefensivas pela ausência de predadores, por exem-plo), g) especiação arquipelágica (processo evolutivono qual um ancestral comum, pelo processo de co-lonização e adaptação, dá origem a diferentes espé-cies endêmicas em distintas ilhas de um arquipéla-go), h) irradiação adaptativa (diversificação de es-pécies provenientes de um ancestral comum em umamesma área para preencher uma ampla variedadede nichos ecológicos; e 2) atributos relacionados àscomunidades biológicas: a) desarmonia e b) empo-brecimento (diminuição no número de espécies quecompõem a comunidade). Ao final, apresenta o últi-mo e mais importante item do cardápio insular, queé a extinção, ressaltando que as “ilhas são onde asespécies vão para morrer” (p. 281).

Para tentar explicar a importância do processode extinção de espécies em ilhas, o autor lança mão

de um capítulo – “A raridade que leva à morte” –fornecendo como exemplo o emblemático caso dododô. O que teria causado a extinção do dodô nãoseria apenas a ação humana direta, como a sobrecaça,mas diversas ações indiretas que levaram à raridadeda espécie. Como diz Quammen, “a raridade é a pré-condição para a extinção”. Ele classifica a raridadecomo perigosa, pois as populações pequenas são maissusceptíveis a tragédias determinísticas (essencialmen-te decorrentes de atividades humanas) e estocásticas(não previsíveis). Além disso, essas populações apre-sentam forte probabilidade de, no processo naturalde dinâmica populacional, oscilar até zero. Dessa for-ma, a extinção de espécies em ilhas é muito mais fre-qüente que no continente. A tendência observada éde que, quanto menor a ilha, maior a incidência deextinções locais. A raridade, no entanto, não podeser considerada igual para todas as espécies, pois aestrutura social e as características ecológicas deter-minam diferentes limiares de estabilidade populacionalpara cada espécie.

No mesmo capítulo, o autor fala sobre a modi-ficação de ecossistemas por meio de “cascatastróficas” – termo proposto por Jared Diamond – paraexplicar o encadeamento de rupturas de um níveltrófico para o outro até atingir todo o sistema. O queDiamond quis dizer é que mudanças na abundância(número de indivíduos) em uma espécie podem acar-retar mudanças na abundância de outras espécies,podendo levar à raridade de algumas populações quefazem parte do ecossistema. Seguindo a linha de es-tudos aplicados à conservação da biodiversidade,Quammen destaca os trabalhos do biólogo MichaelSoulé que, no início da década de 1980, começou apesquisar mais a fundo quais os fatores que contribu-em mais ou menos para a extinção das espécies.

No campo da ecologia, uma das generalizaçõesmais antigas segundo Quammen é a relação espéci-es-área, mencionada em publicações científicas des-de a década de 1920. Em termos gerais, tal relaçãoaponta que as áreas maiores sustentam mais espéciesque as áreas menores. No âmbito da biogeografia, noentanto, a pergunta central permaneceu enigmáticapor algum tempo: “o que provoca essa relação entreespécies e área? Se a limitação da área resulta numalimitação da diversidade de espécies, como se exerce

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A “insularização” dos continentes e a perda de biodiversidade

tal limitação?” (p. 425). Quammen aponta o pesqui-sador Frank Preston como um dos pioneiros a teorizarquestões mais específicas de ecologia de comunida-des, constatando um padrão - “padrão canônico dePreston” - na distribuição de freqüência e raridade deespécies que compõem comunidades de plantas. Atéentão, nas palavras do autor: “a ecologia, tal comoera geralmente praticada continuava sendo um em-preendimento desarticulado, descritivo, nãoquantificado e não teórico” (p. 449). Na visão deQuammen, Preston teria contribuído com o desen-volvimento da ecologia teórica a partir do levanta-mento de dois tópicos que resistiram ao tempo: a) aproposição da equação matemática de Arrhenius – S= cAz - para expressar a relação espécies-área e b) adistinção entre unidades de amostra e unidades isola-das.

Nas décadas de 1950 e 1960 alguns poucosecólogos, como G. Evelyn Hutchinson e o seu alunoRobert MacArthur, começaram a desenvolver de for-ma mais incisiva uma nova forma de fazer ecologia,inserindo em seu arcabouço análises matemáticas edesenvolvendo modelos teóricos. As idéias dePreston, somadas à contribuição dessa nova aborda-gem matemática, ajudaram a abrir caminho para aformulação da teoria da biogeografia de ilhas, pro-posta por Robert MacArthur e Edward Wilson em1967, causando uma revolução na ecologia.

Os aspectos inovadores e fundamentais apre-sentados nessa teoria foram: a) a explicaçãoquantificável da relação espécies-área e o efeito dadistância do continente na composição de comunida-des biológicas em áreas isoladas, bem como b) a exis-tência de um equilíbrio dinâmico na diversidade deespécies de uma determinada ilha, resultante dos pro-cessos de colonização e extinção locais. Em ilhas ouambientes isolados, as espécies normalmente experi-mentam uma intensificação nos processos de migra-ção, especiação e extinção, o que faz com que o nívelde diversidade se mantenha razoavelmente constanteao longo do tempo, apesar da ocorrência de extinções.Embora o número de espécies seja relativamente es-tável, há nesses ambientes uma taxa elevada de subs-tituição ou turnover de espécies, o que acarreta emmodificação constante no conjunto de espécies queali habitam, havendo sempre a renovação das comu-

nidades biológicas. Com a teoria da biogeografia deilhas, esses parâmetros podem ser medidos, experi-mentados e comparados, o que levou a ecologia aorol das ciências que permitem certa previsibilidadede situações futuras.

No entanto, o fator mais importante da teoriada biogeografia de ilhas foi a percepção de que seusprincípios eram aplicáveis não somente para ilhas re-ais, mas para fragmentos de habitats sujeitos a dife-rentes níveis de isolamento, cada vez mais freqüentesno mundo moderno, a partir da expansão humana empraticamente todos os ecossistemas da Terra. Com aformulação dessa teoria, os biólogos começaram aperceber que as ações do homem sobre a naturezaestavam causando às espécies, comunidades eecossistemas da biodiversidade um processo de“insularização” nos continentes.

Após a publicação da teoria, alguns ecólogospassaram a fazer experimentos em diferentes partesdo mundo, fornecendo exemplos e evidências favo-ráveis e contrárias às suas premissas básicas. Um dosprimeiros e maiores experimentos tropicais sobre oefeito da fragmentação de habitats – também deno-minado nos meios científicos como “decaimento deecossistemas” – foi implementado em 1979 na Ama-zônia Central, nas proximidades de Manaus. O Pro-jeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais(PDBFF) foi concebido por Thomas Lovejoy e exe-cutado por cientistas ligados a várias instituições depesquisa, sob a liderança do Instituto Nacional dePesquisas da Amazônia (INPA). O projeto está emandamento ainda hoje, produzindo muita informaçãoe ajudando a formar cientistas brasileiros e de outrospaíses na área de conservação da biodiversidade. É omaior e mais longo experimento desse tipo no mun-do.

A teoria de biogeografia de ilhas e os estudossobre decaimento de ecossistemas influenciaram tam-bém à criação da nova disciplina de biologia da con-servação, sobretudo fornecendo as bases teóricas paramodelar reservas e áreas de proteção dabiodiversidade. Por outro lado, muita polêmica foigerada sobre como seriam as formas mais eficientesde conservação em contextos diferenciados, tendo seformado diferentes facções de pesquisadores eambientalistas. A principal polêmica girou em torno

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da sigla em inglês SLOSS, que pode ser traduzida emportuguês pela pergunta: Qual a melhor estratégia dedefinir áreas de proteção ambiental – uma única áreagrande ou várias áreas pequenas? Apesar das polêmi-cas, a biologia da conservação se desenvolveu am-plamente durante as décadas de 1980 e 1990 e atual-mente desponta como uma ciência aplicada de gran-de relevância. Os trabalhos desenvolvidos com baseno modelo teórico da biogeografia de ilhas ajudarama construir conceitos importantes como “populaçãomínima viável” e “metapopulação”, hoje comumenteusados na disciplina.

Na finalização do livro, Quammen ressalta a di-ferença entre o nível padrão de extinção de espéciesao longo do tempo geológico e o nível que ocorreem eventos de extinção em massa, que acontecemquando a taxa de extinção ultrapassa em mais que odobro a taxa de especiação e acarreta perdas signifi-cativas de biodiversidade. Na opinião de grande par-te dos cientistas naturais, estamos vivenciando umevento de extinção em massa, de proporções nuncavistas antes e, se continuarmos nesse ritmo, a tendên-cia é perder grande parte da diversidade, que, entreoutras coisas, fornece suporte de sobrevivência à es-pécie humana. Sem toda a convicção necessária, oautor demonstra alguma esperança de que o ser hu-mano consiga reverter o quadro atual. Fecha o livrocom uma reflexão sobre as mudanças que vêm ocor-rendo desde a segunda metade do século XIX até osdias atuais. Essa reflexão é fruto de uma viagem quefaz às ilhas Aru (arquipélago formado por cerca de95 ilhas na província das Ilhas Molucas, no leste daIndonésia), seguindo os caminhos percorridos porAlfred Russel Wallace. Por se tratar de um local mui-to isolado, faz um desabafo: “As coisas tristes e terrí-veis que aconteceram em outros lugares (…) - impe-rialismo biológico, destruição maciça de habitats, frag-mentação, depressão endogâmica, perda de adapta-bilidade, (…), decaimento de ecossistemas, cascatastróficas, extinção, extinção, extinção – não ocorre-ram aqui. É provável que aconteça em breve. Até lá,porém, ainda há tempo. Se tempo for esperança, en-tão há esperança” (p.682)

Não há dúvida de que o livro O canto do dodô éuma experiência bem sucedida de trazer ao grandepúblico informações e possibilidades de sensibilização

sobre um tema que, embora seja atual, fica em geralrestrito ao meio acadêmico. No entanto, a leitura se-ria menos cansativa se não fossem dados tantos deta-lhes e exemplos que, em alguns casos, fazem o leitorse perder. Numa versão mais enxuta, O canto do dodôpoderia ser considerado um instrumento eficaz paraconscientizar o público geral sobre a necessidade demudança de atitude frente à natureza, de forma a ga-rantir a manutenção da biodiversidade em níveis acei-táveis e mesmo a sobrevivência da espécie humanano longo prazo.

* * *

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Avaliação de Ciclo de Vida:Ferramenta do Pensamento

Sistêmico

CALDEIRA-PIRES Armando, SOUZA-PAULA Maria Carlota de, VILAS BOAS Roberto C. (orgs). Ava-liação do Ciclo de Vida a ISO 14040 na America Latina. Brasília: Abipti, 2005, 337 p. 21,5 cm. ApoioCNPq, CYTED, UnB. ISBN 85-89263-04-5.

Maria Beatriz Maury de Carvalho1

1 Doutoranda em Desenvolvimento Sustentável e Diretora deEducação Ambiental e Difusão de Tecnologias no InstitutoBrasília Ambiental. [email protected].

RESENHA

Recebido em 15.02.2010Aceito em 28.04.2010

O livro Avaliação do Ciclo de Vida: a ISO14040 na America Latina datado de 2005, sob acoordenação de Armando Caldeira-Pires, MariaCarlota de Souza-Paula e Roberto C. Villas Bôas re-úne artigos de vários autores sobre Avaliação de Ci-clo de Vida, com enfoque em experiências desenvol-vidas na América Latina. A coordenação da edição éde Armando Caldeira-Pires Doutor em EngenhariaMecânica e Professor Adjunto da Universidade deBrasília; de Maria Carlota de Souza-Paula Doutoraem Ciência Política e Pesquisadora Associada daUniversidade de Brasília, e de Roberto C Vilas BoasDoutor em Ciências da Engenharia e PesquisadorTitular do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM).

O conceito de Avaliação de Ciclo de Vida (ACV)está associado à análise dos efeitos ambientais comuma dada atividade, desde a extração da matéria-pri-ma no ambiente até o ponto em que todos os resíduosretornam a ele. A expressão do ‘berço ao túmulo’(‘cradle to grave’) – alguns autores vem adotando‘cradle to cradle’, ou seja, do berço ao berço para sig-

nificar o fechamento de ciclos produtivos – tem carac-terizado o significado da ACV, que é uma poderosaferramenta do pensamento sistêmico de apoio à toma-da de decisões que: gera informações; avalia impactose compara desempenhos ambientais de produtos.

A Avaliação de Ciclo de Vida encontra-se em fasede amadurecimento: as principais questõesmetodológicas e científicas encontram-se atualmentediagnosticadas e a sua prática tem sido ampliada emtodo o mundo, nos mais diversos setores da economia.A América Latina e o Brasil, ainda estão em fase deconsolidação da ACV, especialmente se comparados àEuropa. No entanto, os principais países da AméricaLatina têm sido forçados a caracterizarem seus produ-tos da pauta de exportações utilizando a metodologiada ACV. Esta exigência tem ocorrido devido a novaslegislações européias de certificação de produtos.

A publicação, cujo objetivo é mostrar o cres-cente movimento da Avaliação de Ciclo de Vida naAmérica Latina, tanto no nível da academia, doempresariado, como dos governos, traz 11 artigos,

S u s t e n t a b i l i d a d e

e m D e b a t e

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Avaliação de Ciclo de V ida

alguns escritos em português e outros em espanhol.Os primeiros capítulos apresentam o tema da Avalia-ção de Ciclo de Vida por meio de aplicações dametodologia em algum país da América Latina. Aotodo são 11 combinações de situações (países) queabordam a ACV em estudos de caso característicos.

O livro é de natureza institucional e foi patrocina-do pela Associação Brasileira das Instituições de Pes-quisa Tecnológica (ABIPTI) e por isso não está à ven-da. Entretanto, é possível acessar uma versão digitalizadana internet. O livro explora a metodologia da ACV emquestões teóricas, de inventário de dados e de interpre-tação dos impactos ambientais. Esta abordagem é efe-tuada através de estudos efetuados em diferentes locaise setores econômicos da America do Sul.

Um artigo muito interessante é o denominadoImpactos Sócio-Económicos em El Analisis de Ciclode Vida de productos: de una analisis ambiental Delciclo de vida (ACV) a um ACV sustentable escrito porGregory Norris de Harvard School of Public Health;Nydia Suppen da Escuela de Graduados en Ingenería,Universidade de Osaka; Ana Paula M. do Nascimentode Massachussetts Institute of Technology, Cambridgee Cássia Maria Lie Ugaya Centro Federal de Educa-ção Tecnológica do Paraná. O artigo descreve ummodelo denominado Desenvolvimento de Ciclo deVida que estima os impactos do desenvolvimento depolíticas de consumo sustentáveis e o design de bens eserviços e as conseqüências que eles apresentam à saú-de. O modelo proposto pode ser aplicado às bases dedados e ferramentas existentes de ACV.

Outro estudo significativo é o Inventário doCiclo de Vida de Energia Elétrica no Brasil ,de GilAnderi da Silva, Luiz Alexandre Kulay e Flávio deMiranda Ribeiro da Escola Politécnica da Universi-dade São Paulo, que reúne os resultados de três dis-sertação de mestrado com o objetivo de discutir uminventário de ciclo de vida para a geração de energiahidroelétrica no Brasil. Para representar a geraçãohidrelétrica do País, os autores escolheram para efei-to de modelagem, a Usina de Itaipu. A estratégiaadotada no trabalho foi coletar dados primários doconsumo de materiais empregados na implantaçãodeste tipo de empreendimento, seguida daquantificação dos ciclos de vida destes materiais pormeio de bancos de dados pré-existentes.

O artigo A Avaliação de Ciclo de Vida (ACV)de Sistemas de Produção da Agricultura Familiarno Brasil escrito por José Humberto ValadaresXavier; Armando Caldeira-Pires; José Luiz FernandesZoby; Marcelo Leite Gastal; Maria Anis da Silva;Carlos Frederico Dias de Alencar Ribeiro e Francis-co Eduardo de Castro Rocha analisa os resultadoseconômicos e dos impactos ambientais de quatro sis-temas de agricultura familiar no Município de Unaí-MG. O estudo faz parte de projeto de pesquisa de-senvolvido pela Embrapa Cerrados em parceria coma Universidade de Brasília, o INCRA SR-28 e apoiodo CNPq. O estudo evidenciou que os sistemas maisintensivos no uso de insumos (fertilizantes e rações)alcançam maiores resultados econômicos, mas tam-bém causam maior impacto ambiental.

Apesar da boa qualidade da impressão, o livro temproblemas relacionados à revisão e ao projeto gráfico.Algumas páginas estão mal posicionadas, com aberturade artigos em laudas incorretas. Alguns artigos não pas-saram por revisão técnica, ortográfica e gramatical ha-vendo incorreções, textos sem padronização enormatização com excessivos erros de digitação.

No entanto, o livro tem o mérito de reunir pelaprimeira vez um conjunto de pesquisadores latino-americanos que, trabalhando juntos, geraram um óti-mo material sobre questões teóricas, inventário dedados e metodologia da Avaliação de Ciclo de Vida etambém de interpretação dos impactos ambientais.

Apesar de haver um programa governamental queestimule a prática da Avaliação de Ciclo de Vida noBrasil, ainda há pouca participação da indústria nadisponibilização de dados e informações tecnológicas.Outro aspecto é a baixa quantidade de profissionais,acadêmicos e do setor privado, que tenham capacida-de de desenvolver estudos de ACV com a qualidadeexigida para seu uso como ferramenta de gestão e denegócio. Estes aspectos valorizam ainda mais a inicia-tiva da publicação que se caracteriza, então, por serpioneira em um campo ainda em construção.

Para uma possível nova publicação sobre Avali-ação de Ciclo de Vida, seria interessante explorar umpouco mais a parte prática da metodologia, inclusivecom a disponibilização de um software que permita ouso da ferramenta da Avaliação de Ciclo de Vida deforma mais acessível a um público maior.

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Entrevista

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Entrevista:Armando Caldeira-Pires

por Maria Beatriz Maury de Carvalho1

1 Doutoranda em Desenvolvimento Sustentável e Diretora deEducação Ambiental e Difusão de Tecnologias no InstitutoBrasília Ambiental – IBRAM. [email protected]

ENTREVISTA

Recebido em 15.02.2010Aceito em 28.04.2010

A revista Sustentabilidade em Debate entrevistaArmando Caldeira-Pires, Doutor em EngenhariaMecânica pela Universidade Técnica de Lisboa,Professor Adjunto da Universidade de Brasília,Professor Visitante da School of Renewable EnergySystems-University of Iceland e Pesquisador Visi-tante do Instituto Superior Técnico. Caldeira-Pi-res atua na área de Engenharia Mecânica, com ên-fase em Combustão, e na área de Engenharia deProdução, com ênfase em Gestão de Produtos eEcologia Industrial, sendo especialista em Avalia-ção de Ciclo de Vida.A Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) é uma impor-tante ferramenta da Ecologia Industrial, ciência queestuda a interação entre a sociedade e o meio am-biente, que possibilita o acompanhamento do ciclode vida de um produto e a identificação de alterna-tivas sustentáveis na interação entre as etapas ne-cessárias para que ele cumpra sua função na ca-deia produtiva, desde a extração da matéria-primano ambiente até o ponto em que todos os resíduosretornam a ele.Os passos da ACV estão internacionalmente pa-dronizados pela Society of Environmental

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Toxicology and Chemistry (SETAC) e pelaInternational Organization of Standardization (IS0).Atualmente, as normas para a ACV, as ISO 14040,14041, 14042 e 14043, estão sendo condensadas emapenas dois únicos futuros documentos 14040 e14044.Esta ferramenta vem sendo utilizada na Europa,no Japão, nos Estados Unidos e também por algu-mas indústrias no Brasil. Por exemplo, a Natura ea Basf já realizaram estudos de Avaliação de Ciclode Vida como ferramentas para a tomada de deci-são sobre o desenvolvimento e produção de pro-dutos. Outras empresas já vêm se adaptando à ACV,principalmente para se adequarem ao mercado emelhorarem sua competitividade, tendo em vistaque Europa, Estados Unidos e Japão já utilizamcomo critério de importação de produtos, a ISO14040.A seguir a entrevista com Armando Caldeira-Pi-res, sobre o atual estado da arte da ACV no mundoe no Brasil e sobre a publicação Avaliação do Ci-clo de Vida – a ISO 14.040 na América Latina,objeto de resenha publicada neste número da Re-vista Sustentabilidade em Debate.

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Entrevista: Armando Caldeira-Pires

Qual o atual estado da arte da ACV no mundo?A metodologia da ACV encontra-se no momentonum estágio de amadurecimento bastante elevado,pois as principais questões metodológicas e cientí-ficas encontram-se diagnosticadas e a sua práticatem sido ampliada em todo o mundo, nos mais di-versos setores da economia. A exigência das EPDsno final da década de 1990, a implementação daISO14025 no início de 2007, a existência das polí-ticas européias da IPP, de Green Purchasing, Rhos,WEEE, Reach, Carbon Footprint, CorporativeSustainability, entre outras, tem sido o principalmotor dessa necessidade de caracterização dos im-pactos ambientais associados a todo o ciclo de vidados produtos e serviços. Por outro lado, o atualestágio de amadurecimento da indústria européiano uso da ACV tem exigido uma harmonização detoda a estrutura metodológica, de forma a permitiruma correta troca de informações entre os diver-sos segmentos de uma cadeia produtiva. Esta exi-gência acarretou na criação de um grande projetode harmonização, inicialmente chamado de Plata-forma Européia de ACV, e que evoluiu para a suaforma Internacional, da qual o Brasil tem um papelativo. Alem das questões de harmonização da qua-lidade das informações, a teoria da ACV passa poruma fase de aprimoramento matemático e na etapade definição de novas categorias de impactosocioambiental que consigam englobar as questõesassociadas à produção de commodities, principal-mente relacionadas aos países exportadores de bensprimários e semi-manufaturados.

Em comparação a outros países, qual a situaçãoda ACV na América Latina e no Brasil?Principalmente com relação à Europa, a AméricaLatina e o Brasil, estão bastante atrasados. No en-tanto, os principais países da América Latina têm sidoforçados a caracterizarem seus produtos constantesda pauta de exportações por meio de uma ACV. Estaexigência tem ocorrido devido a novas legislaçõeseuropéias de certificação de produtos, como porexemplo, a ISO14025, a Rhos, a WEEE, que qual-quer exportador tem que cumprir para conseguir es-tabelecer-se como fornecedor nas principais regiõeseconômicas, com ênfase na Europa.

No âmbito da América Latina, o Brasil é o únicopaís que possui um programa de desenvolvimentode inventários de ciclo de vida, em total consonân-cia com as diretivas da Plataforma Internacional doCiclo de Vida, apoiado pelos Ministérios da Ciênciae Tecnologia e de Desenvolvimento Indústria e Co-mércio.

Atualmente, quais os fatores que influenciam,positiva e negativamente, a implementação daACV no Brasil?Apesar de haver um programa governamental, aprática desse programa ainda se encontra numaetapa muito inicial, principalmente pela pouca par-t icipação da indústr ia de forma aberta nadisponibi l ização das suas informaçõestecnológicas. Então, de forma ambígua, há umaforte posição positiva dessa construção no Bra-sil, acompanhada por um baixo envolvimento in-dustrial. No entanto, este grau de envolvimentotem sido uma característica da implementação daACV em qualquer país do mundo. Outro fatornegativo no nosso caso é a baixa quantidade deprofissionais, acadêmicos e do setor privado, quetem capacidade de desenvolver estes estudos coma qualidade exigida para seu uso como ferramen-ta de gestão e de negócio.

Com a questão das mudanças climáticas, reforça-se a importância da ACV?A categoria de impacto ambiental “mudanças climá-ticas” é na realidade uma das categorias desenvolvi-das a partir da metodologia da ACV. Por causa daquestão energética e do aquecimento global, foi aquelaque melhor se desenvolveu. No momento, a ACVutiliza-se de uma sua criação para ser elevada a umnível de maior visibilidade, o que garante umreposicionamento da sua importância enquanto fer-ramenta de gestão. A atual questão da pegada decarbono necessita da aplicação da ACV especifica-mente aos fluxos mássicos e energéticos que envol-vam equivalentes de CO2. Isto tem sido importantís-simo para a que a ACV seja revista e re-encaminhadaàs mesas de gestores por outro ângulo. A expectativaé que isso possa evoluir para uma pegada de água,pegada de ozônio, etc.

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Atualmente, no Brasil, quais é (são) o(s) setor(es)mais preparados (ou avançados) para aimplementação da ACV? Qual o diferencialdele(s)?Os mais avançados deveriam ser aqueles que tem umapresença importante no comércio exterior brasileiro.No entanto, como o Brasil não possui bases de dadosde inventários que caracterizem a sua indústria, estessão os setores que deveriam se preparar mais rapida-mente. Ao mesmo tempo, estes são os setores queestão sendo ameaçados pelas atuais legislações (euro-péias) relacionadas ao desempenho socioambiental etoxicológico dos produtos vendidos para a UE. Espe-cificamente, poderíamos citar a siderurgia, osbiocombustíveis, produtos de madeira, oseletroeletrônicos.

Como foi o processo de construção do livro AAvaliação de Ciclo de Vida. A ISO 14040 na Amé-rica Latina?O livro partiu de um convite da coordenação dosubprograma Ciência e Tecnologia do programaIbero-americano Cyted, na época a Professora MariaCarlota. A partir desse convite, convidei colegas pes-quisadores a prepararmos um livro com alguns dosresultados das nossas pesquisas na área da minera-ção e produção de metais. Estabelecemos um índice,dividimos os trabalhos e construímos os textos pro-curando relacionar os textos entre si.

Qual a importância do livro A avaliação de Ciclode Vida. A ISO 14040 na América Latina?Na prática este livro significou a primeira vez queaquele conjunto de pesquisadores latino-americanostrabalhou junto, e alguns inclusive descobrindo unsaos outros.

Após esta publicação surgiu algum desdobramen-to que reforce a importância da ACV na AméricaLatina?O livro foi fundamental para o estabelecimento doProjeto Prosul/CNPq - ACV de Metais na Americado Sul, um projeto coordenado por mim, engloban-do oito pesquisadores sul-americanos, sendo cincobrasileiros e três de outros três países. Além disso, oestabelecimento desta rede promoveu a criação do

Congresso Internacional de ACV na America Latina,tendo ocorrido pela primeira vez na Costa Rica em2005, no Brasil/SP, em 2007 e no Chile, em 2009.Também foi a semente do Congresso Brasileiro deGestão do Ciclo de Vida, ocorrido em 2008 emCuritiba.O primeiro projeto Prosul já terminou, mas o grupoformado submeteu um novo projeto para caracteri-zação de indicadores sociais a serem utilizados nametodologia do ciclo de vida.

Quais os pontos fortes que você destacaria no li-vro?O livro explora a metodologia da ACV em questõesteóricas, de inventário de dados e de interpretaçãodos impactos ambientais. Esta abordagem é efetua-da por meio de estudos efetuados em diferentes lo-cais e setores econômicos da America do Sul.

Que aspectos você melhoraria para uma possívelpróxima publicação?Uma nova publicação deveria explorar melhor a parteprática da metodologia, inclusive com a utilização deum software comercial. E uma questão que deverá serexplorada numa próxima versão será a disponibilizaçãodo livro ao grande público, pois da forma como foifinanciado não é possível a sua venda.

Há algum (ns) ponto (s) que gostaria de desta-car sobre o livro que não tenha sido contempla-do nas perguntas elaboradas?Ao longo dos trabalhos apresentados no livro o Bra-sil passou a fazer parte da Plataforma Internacionaldo Ciclo de Vida (http://lct.jrc.ec.europa.eu/eplca ),por meio do Ibict. Com esta iniciativa, o ProgramaBrasileiro do Ciclo de Vida (http://acv.ibict.br/ ) pas-sa a fazer parte de um importante fórum internacio-nal para o desenvolvimento desta metodologia, e apoder participar ativamente no seu aperfeiçoamento,ao mesmo tempo em que disponibiliza para a indús-tria nacional uma importante ferramenta para a ma-nutenção da sua competitividade em nível mundial.

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Normas para

Publicação

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Normas Para Publicação

A revista Sustentabilidade em Debate, de caráter interdisciplinar, divulga textos sobre a sustentabilidadeem suas diversas dimensões, com o objetivo de criar um canal direto de debate sobre temas ligados aodesenvolvimento sustentável, gestão ambiental, conflitos socioambientais, o estado do meio ambiente,governança ambiental, dentre outros.

Para submissão de textos, solicitamos o atendimento às informações e normas descritas abaixo.

Tipos de Colaboração Aceitos por Sustentabilidade em Debate

a) Textos em forma de artigos ou ensaios com o tema sustentabilidade em suas diversas dimensões:ambiental, social, econômica, cultural, institucional e outras.

b) Revisões críticas (resenhas, ensaios bibliográficos) de literatura relativa ao tema do periódico.

c) Notas de pesquisa; e

d) Entrevistas. Recomenda-se, nesse caso, consultar os editores previamente à realização daentrevista.

Parecer da Comissão Editorial

a) Os trabalhos enviados serão apreciados por membros especialistas indicados pela Comissão Edito-rial de Sustentabilidade em Debate, que emitirão pareceres por meio do sistema de avaliação dupla-mente cega por pares (double blind peer review).

b) Os autores serão notificados da aceitação ou recusa dos seus textos, com base nos pareceres rece-bidos.

c) Eventuais sugestões de modificações de estrutura e/ou conteúdo que se façam necessárias serãonotificadas ao autor para contato, que se encarregará de fazê-las e de reenviar os textos no prazomáximo de trinta dias.

d) Não serão permitidos acréscimos ou modificações após os textos terem sido encaminhados para aarte-final.

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Normas de Publicação

Apr esentação dos Originais

a) Textos como artigos, ensaios e notas de pesquisa, sempre inéditos no Brasil, devem conter de 30 mila 50 mil caracteres (incluídos os espaços), em fonte Times New Roman, tamanho 12, com margensesquerda e superior 3,0 e margens direita inferior 2,0; com espaçamento entre linhas de 1,5.

b) As resenhas críticas e as entrevistas devem ter no máximo 12 mil caracteres (incluídos os espaços),em fonte Times New Roman, tamanho 12, com margens esquerda e superior 3,0 e margens direitainferior 2,0; com espaçamento entre linhas de 1,5.

c) A folha de rosto deve conter título, nome do(s) autor(es), afiliação institucional, endereço eletrôni-co do(s) autor(es), resumo, abstract e palavras-chave.

d) Título deve ser em fonte Times New Roman 16 e em negrito, centralizado no alto da página, comespaçamento simples entre linhas.

e) Nome(s) do(s) autor(es) deve(m) vir alinhado(s) à direita e duas linhas abaixo do título.

f) Formação e afiliação institucional ou científica do(s) autor(es), deve conter informação sucintaem até duas linhas com: nome da instituição (por extenso), cidade, estado, país, e endereço eletrô-nico do autor, nessa ordem.

g) Resumo e Abstract devem ser em fonte Times New Roman 12, justificado, com espaçamentosimples entre linhas, contendo de 100 a 150 palavras cada um.

h) Palavras-chaves devem vir numeradas e em número de três a seis.

i) Referências bibliográficas, tanto as referências quanto a bibliografia consultada devem ser dis-postas em ordem alfabética pelo sobrenome do primeiro autor, seguindo as regras da AssociaçãoBrasileira de Normas Técnicas (ABNT) e devem vir ao final do trabalho, e não ao pé da página.

j) Notas, quando forem usadas, devem ser exclusivamente explicativas e devidamente numeradas aofinal do trabalho, após as referências bibliográficas.

k) Revisão ortográfica e gramatical deve ser verificada pelos autores.

l) Os originais devem ser encaminhados ao editor, em arquivo digital, em programa de uso universal.Usar apenas as formatações-padrão e submeter no sítio: revista.sustentabilidade.unb.br.

m) Os originais enviados a Sustentabilidade em Debate não serão devolvidos. Os editores se compro-metem a informar os autores sobre a aceitação ou não de seus trabalhos no prazo de 90 dias.

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A degradação ambiental e os seus impactos sobre os sistemas que asseguram a vida estão entre os grandes desafios a serem enfrentados pela humanidade. A criatividade e o desenvolvimento de conhecimentos científicos e tecnológicos nos levou a uma situação paradoxal: somos capazes de reduzir as fragilidades e limitações da vida, mediante avanços na área médica, na biologia, na saúde pública, mas somos reféns das conseqüências do progresso material e existencial. Quanto mais avançamos, mais fica evidente que precisamos criar soluções para os problemas gerados pelo nosso avanço. A Universidade, como fonte de conhecimentos, tem papel de destaque nesse processo, seja como parte do problema, seja como parte da solução. Novos caminhos para o enfrentamento do complexo desafio ambiental estão sendo construídos em diferentes instituições acadêmicas. Isso significa que importantes mudanças estruturais estão em curso, no seio da Academia. Inevitavelmente, surgem reações de parte das estruturas de poder que se consolidaram nestas instituições ao longo de várias décadas. A Revista Sustentabilidade em Debate tem como propósito ampliar o espaço interdisciplinar para o debate e difusão de conhecimentos relevantes, mediante análise prévia do grau de consistência científica dos trabalhos submetidos. A revista está aberta a toda a comunidade acadêmica nacional e internacional, e tem o objetivo de servir como referência e fórum de debates sobre sustentabilidade.

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