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A face da fábrica do futuro segunda-feira, 13 de agosto de 2012 Autossuficiente em água e energia, com processos que não geram resíduos e nem gases poluentes, as novas plantas industriais se aproximam do ideal do lucro sem impacto ambiental José Francisco Botelho, com reportagem de Ricado Lacerda e Andreas Müller As voltas que o mundo dá: o que um dia foi uma causa exclusiva de ambientalistas, ONGs e militantes vem se tornando uma pulga atrás das orelhas de grandes indústrias. A sustentabilidade, termo antes restrito aos iniciados no ativismo ecológico, entrou de vez na pauta dos negócios – e começa a dar forma ao que já pode ser considerado a “fábrica do futuro”. Uma máquina de produção que não só é mais “verde” como também se mostra mais eficaz e até mais lucrativa. Pouco a pouco, o mundo empresarial vai assimilando esta lógica sutil: para continuar lucrando, é preciso aproveitar ao máximo os recursos de que dispomos – e que não são eternos. “Nosso planeta tem recursos finitos. Então, como fazer com que a economia e a população continuem crescendo sem consumirmos o planeta inteiro?”, questiona Carlos Calmanovici, presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei). Como os exemplos a seguir vão demonstrar, o caminho sustentável depende de um princípio que há muito norteia o mundo empresarial. “A sustentabilidade depende da inovação. Sem ela, não temos como vencer a batalha”, afirma Calmanovici. É evidente que essa onda de boa vontade não surgiu por acaso. O fato é que, num futuro nada distante, produzir sem impactar a natureza será uma obrigação para quem quiser ganhar dinheiro. “A legislação ambiental vai se tornar cada vez mais rígida. Além disso, os grandes clientes já exigem dos fornecedores diversos tipos de certificação ambiental. Com o tempo, todo mundo terá de ficar sustentável”, prognostica Guilherme Brammer, sócio da Wise Waste, empresa de pesquisa, desenvolvimento e gerenciamento de processos de logística reversa. Outro sinal dos tempos: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já começou a avaliar sua carteira de clientes para ver quem anda na linha. “Atualmente, 1 / 4

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A face da fábrica do futurosegunda-feira, 13 de agosto de 2012

Autossuficiente em água e energia, com processos que não geram resíduos e nemgases poluentes, as novas plantas industriais se aproximam do ideal do lucro semimpacto ambiental

José Francisco Botelho, com reportagem de Ricado Lacerda e Andreas MüllerAs voltas que o mundo dá: o que um dia foi uma causa exclusiva de ambientalistas, ONGs emilitantes vem se tornando uma pulga atrás das orelhas de grandes indústrias. Asustentabilidade, termo antes restrito aos iniciados no ativismo ecológico, entrou de vez napauta dos negócios – e começa a dar forma ao que já pode ser considerado a “fábrica dofuturo”. Uma máquina de produção que não só é mais “verde” como também se mostra maiseficaz e até mais lucrativa.

Pouco a pouco, o mundo empresarial vai assimilando esta lógica sutil: para continuar lucrando,é preciso aproveitar ao máximo os recursos de que dispomos – e que não são eternos. “Nossoplaneta tem recursos finitos. Então, como fazer com que a economia e a população continuemcrescendo sem consumirmos o planeta inteiro?”, questiona Carlos Calmanovici, presidente daAssociação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei). Comoos exemplos a seguir vão demonstrar, o caminho sustentável depende de um princípio que hámuito norteia o mundo empresarial. “A sustentabilidade depende da inovação. Sem ela, nãotemos como vencer a batalha”, afirma Calmanovici.

É evidente que essa onda de boa vontade não surgiu por acaso. O fato é que, num futuro nadadistante, produzir sem impactar a natureza será uma obrigação para quem quiser ganhardinheiro. “A legislação ambiental vai se tornar cada vez mais rígida. Além disso, os grandesclientes já exigem dos fornecedores diversos tipos de certificação ambiental. Com o tempo,todo mundo terá de ficar sustentável”, prognostica Guilherme Brammer, sócio da Wise Waste,empresa de pesquisa, desenvolvimento e gerenciamento de processos de logística reversa.Outro sinal dos tempos: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)já começou a avaliar sua carteira de clientes para ver quem anda na linha. “Atualmente,

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estamos esquadrinhando o perfil socioambiental de nossos clientes. Isso servirá para fazermosexigências, estabelecermos critérios e impormos salvaguardas”, revela Márcio Macedo, chefedo departamento de meio ambiente do BNDES.

Para quem duvida de que o mundo dos negócios começa a incorporar o mantra dasustentabilidade, basta olhar a programação da Conferência das Nações Unidas sobre oDesenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que aconteceu no Rio de Janeiro, entre 13 e 22 dejunho – e discutiu os caminhos possíveis do desenvolvimento sustentável para os próximos 20anos. Além de representantes de governos e ambientalistas, a conferência recebeu cerca de 6mil empresários. Sinal de consolidação de um movimento que começou entre grandesmultinacionais, principalmente as europeias.

“Historicamente, as empresas europeias foram sempre mais cuidadosas em relação a essestemas do que as americanas ou brasileiras. Por isso, a adesão à sustentabilidade é mais forteentre elas”, avalia Sueli Chiozzotto, consultora em sustentabilidade e sócia da consultoria denegócios MGM Partners de São Paulo. De forma sintomática, uma das mais recentes e promissoras iniciativas sustentáveis no Brasilfoi tomada por uma multinacional não europeia. A General Motors deve completar ainda em2012 a construção de um novo complexo industrial em Joinville, Santa Catarina. Serão duasfábricas – uma de motores e cabeçotes, outra de transmissões. A grande novidade fica porconta de um conjunto de sistemas pioneiros nas áreas de eficiência energética e proteção aomeio ambiente, mais um vasto conjunto de soluções sustentáveis que vão do chão de fábricaaté, literalmente, o teto. “Queremos fazer a fábrica da GM mais sustentável de todo o mundo”,projeta Pedro Luiz Dias, diretor de comunicação da GM no Brasil. “Nesse complexo, teremos oque há de mais moderno em termos de sustentabilidade – o que envolve não apenas oconceito de meio ambiente, mas também de qualidade, competitividade e concorrência”.

Bonde seleto As multinacionais lideram o baile, mas não dançam  sozinhas. Algumas empresas locais jácomeçam a seguir as tendências e apostar nas vantagens da “fábrica do futuro”. É o caso daKeko – fundada há 26 anos, na serra gaúcha, ela se tornou líder brasileira em acessórios parapersonalização de automóveis. Em outubro de 2011, a empresa, antes sediada em Caxias doSul, concluiu a construção de sua nova sede em Flores da Cunha – resultado de uminvestimento de R$ 35 milhões. Com uma série de sistemas que otimizam o aproveitamento deluz e ventilação naturais, soluções para tratamento de águas pluviais, utilização de energiasolar e tratamento de efluentes, a Keko projeta receber, ainda em 2012, a certificação ISO14001 – a norma desenvolvida pela International Organization for Standartization para a gestãoambiental.

No entanto, exemplos como o da Keko ainda são raros – e muita gente no Brasil ainda custa aaceitar a ideia de que é possível ser ecologicamente correto sem perder dinheiro. “Asempresas brasileiras estão aumentando seus processos de ecoeficiência, mas num ritmo bemmenor do que o ideal. Isso ocorre porque só agora o país passa por uma trajetória sustentávelde crescimento, o que dá mais segurança para investimentos desse tipo. E foi só nos últimosanos que a oferta de linhas de crédito para iniciativas sustentáveis se tornou palpável”, admiteMacedo, do BNDES.

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Outra pedra no caminho: é mais fácil construir uma fábrica verde desde a raiz do que tornarmais sustentável uma planta que já está em funcionamento. “Gastar milhões de dólares emsustentabilidade é difícil para a maior parte das indústrias, ainda mais quando a roda já estágirando e a fábrica, funcionando”, avalia Fernando de Geus, gerente de responsabilidade sociale ambiental da Masisa – outra empresa que vem apostando na ecoeficiência. Sediada no Chilee voltada a produtos de madeira, a companhia trabalha no Brasil, há dez anos, e é referênciano reúso de água. Sua unidade em Ponta Grossa (PR) conta com um circuito hídrico fechado –em que toda a água usada no processo produtivo é tratada e reutilizada constantemente,reduzindo a geração dos famigerados efluentes industriais. Em sua unidade em Montenegro(RS), a Masisa desenvolveu outro processo pioneiro: a água é extraída dos restos da própriamadeira, matéria-prima de seus produtos (veja mais no quadro abaixo). O resultado dessasiniciativas é o impressionante número zero – a exata quantidade de resíduos geradas porambas as plantas da Masisa. “As duas fábricas não produzem efluentes. É tudo reciclado”,garante Geus.

Nem todas as companhias têm a oportunidade de construir fábricas inteiramente novas. Paraessas, a única alternativa é buscar melhorias incrementais – tal como vem fazendo a Pepsico.“A companhia tem um projeto global de reduzir o uso de combustíveis em 25% em cadaunidade de produção, até 2015, além de eliminar todos os resíduos sólidos destinados aaterros sanitários a partir de suas unidades fabris”, diz Cláudia Pires, gerente desustentabilidade e responsabilidade social da PepsiCo no Brasil. Além disso, várias iniciativasno reúso de água foram lançadas na última década. No Brasil, a Pepsico reduziu seu consumode água em 32%, entre 2006 e 2008 – o equivalente a 540 milhões de litros. Em toda aAmérica do Sul, a multinacional atingiu em 2011 uma redução de 25%, ou 1,04 bilhão de litros,o suficiente para encher 500 piscinas olímpicas. Em sua planta em Porto Alegre, a Pepsicodesenvolveu um sistema de reutilização de resíduos semelhante ao da Masisa – o que, aliadoao reúso da água e de outros processos contra o desperdício, deve levar a uma economia deR$ 705 mil por ano. “Incluir a sustentabilidade em uma planta que já está em operação é, defato, um desafio. Mas o desafio pode se transformar em impacto financeiro positivo para aindústria e para a sociedade em geral”, avalia Pires.

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Para quem ainda não tomou o trem, a estrada rumo à fábrica do futuro começa por umaconhecida máxima do mundo dos negócios: não é possível administrar aquilo que não semede. As empresas na vanguarda desse movimento começam avaliando a si mesmas pormeio dos chamados “ecoindicadores” – parâmetros que mostram exatamente como elas estãose saindo em termos de impacto ambiental. “Os ecoindicadores avaliam e medem o consumode água, energia elétrica, geração de efluentes e vários outros fatores. Tudo o que podemosmedir pode ser melhorado. O uso desses indicadores visa ao aproveitamento total de recursos:o objetivo é não haver nenhuma molécula de desperdício”, explica Calmanovici, da Anpei. Essafase inicial é delicada: como um paciente no divã ou um fiel no confessionário, a empresaprecisa mergulhar numa reflexão que pode ser, muitas vezes, um tanto dolorosa. “A empresaprecisa fazer um inventário de seu próprio impacto – sem isso, não adianta fazer mais nada”,explica Brammer, da Wise Waste . “A partir desse inventário inicial, elaboram-se projetospontuais usando elementos da engenharia de qualidade para atacar, de forma agressiva, osindicadores que estiverem mais afastados do padrão”, diz ele.Para traçar objetivos, a indústria com aspirações à ecoeficiência terá de se familiarizar comtermos como “tecnologia limpa” e “ecologia industrial”. “Tecnologia limpa é uma modificação natécnica de produção para diminuir a emissão de poluentes. Ecologia industrial implica autilização de resíduos de uma indústria para alimentação de estoques de outras – comoacontece com os nutrientes recicláveis nos organismo biológicos”, explica Brammer. De degrauem degrau, a organização pode, enfim, aspirar às desejadas certificações internacionais, comoo ISO 14001 e o LEED – Leadership in Energy and Environmental Design, uma certificaçãopara construções sustentáveis criada em 1998 pela ONG americana US Green BuildingCouncil. A norma avalia tanto prédios comerciais quanto residenciais e é uma das certificaçõesambientais mais cobiçadas no mundo. Os louros do LEED, por sinal, estão entre os prêmios que a GM pretende receber por sua novaplanta em Joinville – até hoje, nenhuma unidade da multinacional foi agraciada com acertificação. Caso receba o aval do US Green Building Council, o complexo de Joinville será,oficialmente, um modelo da fábrica do futuro. Entre outras inovações, a planta contará com oprimeiro sistema de geração de energia fotovoltaica na indústria automotiva brasileira. “Osistema será composto por 1.280 placas de silício, que ocuparão mais de 2 mil metros notelhado da fábrica. As placas – que estão sendo importadas de Portugal, pois no Brasil aindanão há produção em escala industrial – aproveitam a luz do sol para gerar energia elétrica”,explica Glaucia Volveri dos Santos, gerente de energia e utilidades da GM América do Sul. Nototal, 300 kW serão gerados diariamente, bem em cima das cabeças do trabalhadores daplanta – o suficiente para abastecer 285 casas. A energia gerada vai iluminar a unidadeindustrial e as áreas administrativas da GM, além de evitar a geração de dez toneladas por anode dióxido de carbono (um dos gases causadores do efeito estufa). A luz solar também seráusada para aquecer a água de 80 casas por dia. A economia de gás natural será de mais de 8mil metros cúbicos ao ano – o suficiente para evitar a emissão de mais de 17 toneladas de gáscarbônico por ano por ano. Além da utilização da energia solar, o complexo irá inovar na reciclagem da água industrial,com métodos como a osmose reversa – será a primeira unidade do setor, no Brasil, a ter 100%dos resíduos industriais reciclados. As credenciais verdes da fábrica não param aí. O uso detransporte sustentável será incentivado com a instalação de um bicicletário para oscolaboradores; todas as torneiras terão sensores para evitar desperdício; haverá sistemas derecolhimento de água da chuva e mais de 500 árvores de espécies nativas serão plantadas nolocal. “Nós nos preocupamos com a sustentabilidade, inclusive durante as obras, que aindaestão em andamento. Os caminhões, por exemplo, saem da fábrica sem sujeira: temos umsistema de lavagem de caminhões para impedir que pinguem concreto nas estradas e ruas”,conta Glaucia. Outra novidade fica por conta do tratamento de esgotos, que será feito por um sistema de“jardins filtrantes” altamente sustentável – já que tem baixo consumo de energia e não utilizaprodutos químicos. “O esgoto passa por um tratamento inicial para quebrar a carga poluidora e,então, vai para um leito de cascalhos e areia em uma lagoa, onde estão as plantas. São asraízes dessas plantas que fazem o resto da limpeza. A GM já usa esse método na América doNorte, mas é a primeira vez que o aplica na América do Sul”, conta Glaucia. Os jardins, queocuparão uma área de mais de 3 mil metros quadrados, podem filtrar até 90% dos poluentes.Um equipamento convencional de tratamento de esgotos custaria 40% a mais, gastaria 124MWh por ano e lançaria cerca de 3,6 toneladas de dióxido de carbono na atmosfera. Já faz algum tempo, aliás, que a montadora vem adotando medidas para diminuir desperdíciosna gestão de seus processos produtivos no Brasil. De 2003 a 2011, a GM obteve uma reduçãode 64% no uso de água e de 51% no de energia elétrica por veículo produzido. Além disso,cortou em 68% o volume de resíduos não recicláveis gerados por todo automóvel que sai daslinhas de montagem. Mas nem tudo é lucro imediato: os investimentos com a fábrica verdeainda levarão um bom tempo para se pagarem. “Mesmo com o sistema fotovoltaico, aindateremos de completar a energia com o que é fornecido pela rede”, admite Glaucia. “Se fosseuma decisão ligada estritamente ao lucro, não seria viável. Mas foi uma escolha voltada aosobjetivos da sustentabilidade”, garante. O preço total dessa escolha: R$ 1 bilhão.Desnecessário dizer que a maioria das empresas brasileiras não tem todo esse dinheirosobrando. Para aquelas que, mesmo assim, querem seguir o exemplo da GM, a saída é buscarapoio federal. Não é só com fiscalização que o governo pretende estimular o surgimento defábricas sustentáveis – mas também com incentivos cada vez mais atraentes. Um dessesestímulos é o FundoClima, programa do BNDES criado pelo Ministério do Meio Ambiente, queformou sua primeira carteira no início deste ano. O fundo visa a financiar iniciativas como aimplantação de transportes mais eficientes, sistemas de energia renovável, reaproveitamentode resíduos sólidos, restauração de biomas e atividades produtivas sustentáveis. “Hoje, contamos com R$ 570 milhões para financiamentos desse tipo de projeto – e ascondições financeiras do FundoClima são as melhores do BNDES”, diz Macedo, dodepartamento de meio ambiente do banco. “A taxa de juros é menor e o prazo de pagamento émaior. A regra geral do BNDES é só negociar acima de R$ 10 milhões, mas, nesse caso,abrimos exceções. Para projetos de energias renováveis, o mínimo é de R$ 3 milhões. Paraprojetos envolvendo carvão vegetal e resíduos sólidos urbanos, é de R$ 5 milhões”.O custo de uma fábrica verde pode ser o mesmo de uma fábrica normalAs alternativas de financiamento reforçam a filosofia da compensação: o dinheiro vem dosroyalties que as petrolíferas pagam ao governo pela exploração dos campos no Brasil. “Partedesse montante vai para o Ministério do Meio Ambiente, que repassa uma fatia ao BNDES. Até6% dos royalties do petróleo podem ser destinados ao FundoClima. Segundo nossos cálculos,dependendo da produção das petrolíferas, o fundo poderá receber até R$ 750 milhões porano”, diz Macedo. Foi junto ao BNDES, por sinal, que a Keko buscou parte dos recursos para sua fábrica emFlores da Cunha – o restante veio da Caixa Econômica Federal, do Banrisul e das própriasreservas da empresa. “Desde que foi fundada, em 1986, a Keko sempre viveu de aluguel.Nosso sonho era a casa própria. Quando chegou a hora de construí-la, resolvemos fazer tudocom o menor impacto ambiental possível”, relembra Juliano Mantovani, diretor de mercados,inovação e qualidade da empresa. Além dos sistemas de placas solares e tratamento deefluentes, a planta conta com soluções que otimizam o aproveitamento da luz e da ventilaçãonaturais. Os prédios da fábrica seguem os princípios da arquitetura bioclimática – que utilizaelementos disponíveis na natureza, como vegetação e incidência solar, para reduzir o consumoenergético. O resultado disso é que, na maior parte do tempo, não é preciso sequer acender asluzes ou ligar o ar-condicionado da fábrica.  O medo de dar um passo maior que as pernas impede que muitas empresas deem o saltosustentável – mas a experiência de quem já se reciclou pode trazer gratas surpresas. Deacordo com a Keko, a aposta na sustentabilidade total não aumentou o gasto das obras. “Ocusto de uma fábrica verde pode ser o mesmo de uma fábrica normal”, garante Mantovani.“Basta planejar, diminuir alguns luxos e, principalmente, saber o que fazer.” Por enquanto, noBrasil, o exemplo da Keko ainda cai em ouvidos moucos. Os benchmarks da sustentabilidadecontinuam sendo países como Alemanha, Noruega e Suécia, que levam ao pé da letra oconceito de ecologia industrial. “Nesses países, as fábricas já são instaladas de forma que oresíduo de uma possa virar matéria-prima de outra”, explica Brammer, da Green Business. O Brasil, contudo, está à frente da China, conhecida por poluir na mesma medida em queproduz – ou seja, muito.  Em termos potenciais, o Brasil tem (quase) tudo para ser líder emsustentabilidade no mundo. “No aspecto energético, somos o grande destaque mundial. Temosquase metade de energia renovável em nossa matriz, o que é melhor do que qualquer paísdesenvolvido”, conta Calmanovici, da Anpei. “Além disso, temos 13% da biodiversidade global,uma coisa enorme para um país que tem apenas 3% da população do mundo.” Para aproveitaressa riqueza sem exauri-la, porém, o Brasil precisa avançar em três quesitos: tecnologia,estratégia e inovação. “Precisamos tomar cuidado”, alerta Geus, da Masisa. “No exterior,somos vistos como um país de grande potencial em sustentabilidade – mas que, se não tomaro caminho certo, pode acabar virando uma nova China.”

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