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CURSO DE DIREITO ASPECTOS SOCIETÁRIOS DA INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO DE SOCIEDADES ANÔNIMAS NO BRASIL COM ABORDAGEM DAS REGRAS CORRELATAS DO REINO UNIDO E DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (DELAWARE). CARLOS AUGUSTO AMADO LOPES RA: 521613/0 TURMA: 3109 A TELEFONE: (11) 7346-2695 E-MAIL: [email protected] SÃO PAULO 2012

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CURSO DE DIREITO

ASPECTOS SOCIETÁRIOS DA INCORPORAÇÃO, FUSÃO E CISÃO DE

SOCIEDADES ANÔNIMAS NO BRASIL COM ABORDAGEM DAS

REGRAS CORRELATAS DO REINO UNIDO E DOS ESTADOS

UNIDOS DA AMÉRICA (DELAWARE).

CARLOS AUGUSTO AMADO LOPES

RA: 521613/0

TURMA: 3109 A

TELEFONE: (11) 7346-2695

E-MAIL: [email protected]

SÃO PAULO

2012

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CARLOS AUGUSTO AMADO LOPES

Monografia apresentada à Banca

Examinadora do Centro Universitário das

Faculdades Metropolitanas Unidas, como

exigência parcial para a obtenção do título de

Bacharel em Direito, sob a orientação da

Professora Doutora Ilene Patrícia de

Noronha Najjarian.

SÃO PAULO

2012

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BANCA EXAMINADORA:

Professora Orientadora: ____________________

Professor Arguidor: _______________________

Professor Arguidor: _______________________

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Ao sempre querido e

saudoso avô Abel dos Santos Amado.

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Agradeço aos meus pais, ao meu irmão, à minha avó Armênia e aos meus amigos - destacando Alberto Gentil de Almeida Pedroso, Amanda Oliveira dos Santos Valentim, Clarice Rodrigues Arikawa, Fernando Primante dos Santos, Marina Bruno Gonçalves, Renan Barboza de Faria e Rubens Hideo Arai - pelo incentivo e ajuda perenes. Além deles, agradeço especialmente à Professora Doutora Ilene Patrícia de Noronha Najjarian, que nunca deixou de me apoiar, incentivando e acreditando na viabilidade do presente estudo. Palavras me faltam para expressar toda a gratidão e estima às quais a senhora faz jus. Meu muito obrigado a todos!

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Resumo

Expõe e compara a legislação societária pertinente aos institutos da Incorporação,

Fusão e Cisão nas Sociedades por Ações do Brasil, Reino Unido e Estados Unidos da

América (Estado do Delaware). A base da pesquisa foi a comparação de doutrina,

legislação e jurisprudência dos países indicados. Buscou-se, sobretudo, definir a posição

atual do modelo adotado pelo legislador nacional. Tal modelo, por vezes, acaba por

transformar as Incorporação, Fusão e Cisão em operações extremamente custosas e

desvantajosas, principalmente quando pensamos no cenário encontrado no Reino Unido e

nos Estados Unidos da América (Delaware).

Palavras-chave: Incorporação. Fusão. Cisão. Sociedades por Ações. Direito Comparado.

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Sumário

I - Introdução .............................................................................................................................. 8

II - Panorama histórico das Fusões, Incorporações e Cisões no Brasil ...................................... 9

III - Aspectos Comuns às Fusões, Incorporações e Cisões na Lei das Sociedades por Ações 18

A)Competência e Processo (artigo 223 da LSA) .................................................................. 18

B) Protocolo (artigo 224 da LSA) ......................................................................................... 19

C) Justificação (artigo 225 da LSA) ..................................................................................... 24

D) Formação do Capital (artigo 226 da LSA) ...................................................................... 25

E) Quórum Qualificado (artigo 136 da LSA) ....................................................................... 26

IV - Incorporação...................................................................................................................... 27

A) Considerações Acerca do Artigo 264 da LSA e do Parecer de Orientação CVM n. 35/08 .............................................................................................................................................. 31

V - Fusão .................................................................................................................................. 34

VI - Cisão ................................................................................................................................. 38

VII - Considerações Sobre os Artigos 230 a 234 da Lei das Sociedades por Ações e Instrução CVM 319/1999 ......................................................................................................................... 44

A) Direito de Retirada (artigo 230 da LSA) ......................................................................... 44

B) Direito dos Debenturistas (artigo 231 da LSA) ............................................................... 45

C) Direitos dos Credores na Incorporação ou Fusão (artigo 232 da LSA) ........................... 46

D) Direitos dos Credores na Cisão (artigo 233 da LSA) ...................................................... 46

E) Averbação da Sucessão (artigo 234 da LSA) ................................................................... 47

F) Instrução CVM 319/1999 ................................................................................................. 48

VIII - Aspectos Relativos às Operações de Fusão, Incorporação e Cisão de Sociedades por Ações nos Sistemas Societários do Reino Unido e dos Estados Unidos da América (Estado do Delaware).................................................................................................................................. 52

A) Reino Unido ..................................................................................................................... 52

B) Estados Unidos (Estado do Delaware) ............................................................................. 59

IX - Conclusão .......................................................................................................................... 64

X - Bibliografia ......................................................................................................................... 66

A) Obras Literárias ............................................................................................................... 66

B) Sites Consultados ............................................................................................................. 67

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I - Introdução

As operações societárias de Incorporação, Fusão e Cisão de Sociedades Anônimas

alcançaram grande relevância no cenário brasileiro, sobretudo na última década. Como tais

negócios são dotados de grande complexidade e relevância, surge como necessária a análise

jurídica do tema.

O presente estudo abordará apenas os aspectos societários dos mencionados institutos

jurídicos. Desta forma, não serão tratados os pontos relativos ao Direito Concorrencial, em

que pese o papel de destaque do Conselho Econômico de Defesa Econômica (CADE) na

regulação da matéria.

Em um primeiro momento, acompanharemos a evolução jurídica das Incorporações,

Fusões e Cisões no Brasil. Após, trataremos dos aspectos contemporâneos dos institutos, para

depois nos debruçarmos sobre cada um deles. Por fim, buscaremos analisar os institutos

correlatos encontrados no Reino Unido e nos Estados Unidos da América (Estado do

Delaware), conforme será oportunamente justificado.

A base para todo o trabalho será dada pela análise de legislação (notadamente a Lei

das Sociedades por Ações, o Companies Act 2006 e o Delaware Code), doutrina e

jurisprudência das nações envolvidas.

Ante o exposto, pretendemos não apenas traçar um panorama evolutivo das operações

no Brasil, mas também indicar o estado atual da legislação específica do tema no Brasil, ainda

mais quando comparada com dois ordenamentos jurídicos que possuem enorme tradição na

matéria.

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II - Panorama histórico das Fusões, Incorporações e Cisões no Brasil

As Sociedades por Ações1 (S.A.) destinam-se às grandes empreitadas comerciais.

Tomando a afirmação acima como base, bem como levando em consideração o fato da

S.A. ser considerada o mais perfeito exemplo de Sociedade de Capital2, temos que os

fenômenos das Incorporações, Fusões e Cisões são mais do que esperadas consequências no

ciclo existencial da Companhia. Para isso, basta pensar que em razão da dinamicidade do

mercado, aliada às naturais características do modelo capitalista, os institutos ora em análise

possibilitaram (e possibilitam) a expansão e desenvolvimento de diversas atividades e setores

econômicos.

É um tanto quanto difícil definir com exatidão quando e como se deu a primeira

operação de Incorporação, Fusão ou Cisão do mundo. De uma forma mais geral, os

fenômenos mencionados passaram a ter maior relevância nos fins do século XVIII e

princípios do século XIX, como frutos da Revolução Industrial. Apesar disto, cabe destacar

etapa temporal um pouco posterior, materializada pelas Wave Mergers3 estadunidenses,

ocorridas a partir do final do século XIX nos EUA.

No plano jurídico, passa-se a dar especial atenção ao tema na França, Itália, Alemanha,

Estados Unidos e Reino Unido. Contudo, neste ponto cabe interessante ressalva. Nos sistemas

jurídicos de tais países, o estudo das Incorporações encontra-se como parte da disciplina das

1 Fala-se em Sociedade por Ações a parti da Lei 6.404/1976. Contudo, dada a tradição da expressão Sociedades Anônimas, ambas serão adotadas no presente estudo. 2 Seguindo tradicional classificação, podemos separar as sociedades empresárias em (i)Sociedades de Pessoas e (ii)Sociedades de Capitais. Nas primeiras, há uma grande dependência dos atributos individuais dos sócios para a concretização do objeto social. Do outro lado, nas sociedades de capitais, tal dependência é afastada, vez que os recursos materiais postos à disposição da sociedade acabam por prevalecer sobre as características subjetivas de seus membros. 3 As Wave Mergers despertam grande atenção da doutrina em razão de suas peculiares características. Resumidamente, seguindo a posição de Martin Lipton (Merger Waves in the 19

th,, 20

th and 21

st Centuries - The

Davies Lecture Osgoode Hall Law School - York University) temos o seguinte cenário: a First Wave (1893-1904) teve como objetivo a formação de monopólios em setores estratégicos, tais como transporte ferroviário e eletricidade. Por sua vez, a Second Wave (1919 - 1929) direcionou-se à formação de grandes conglomerados industriais, principalmente nos setores de petróleo e derivados, siderurgia, produtos químicos, alimentos e equipamentos de transporte. Importante destacar que os bancos de investimento tiveram papel fundamental nesta etapa, já que financiaram grande parte das operações havidas. Ao seu turno, na Third Wave (1955-1969/73) ocorrem fusões entre grandes conglomerados. No contexto da Fourth Wave (1974/80-1989) as fusões tomam proporções jamais vistas até então, com grande quantidade de hostile takeovers (tomada hostil do controle da companhia) por parte de grupos estrangeiros. Os alvos concentraram-se nos setores de petróleo e gás, farmacêutico, bancário e transportes aéreos. Por fim, na Fifith Wave (1993-2000) os alvos foram no setor bancário e de telecomunicações. Indica-se que tal onda foi fruto direito da desregulação promovida pelo governo, aliada à globalização e euforia do mercado de capitais.

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Fusões. Em tal contexto, na Europa Continental temos a Fusão Própria e Imprópria4 - esta

última também conhecida como Fusão por Incorporação. Ao seu turno, ainda que havendo

maior flexibilidade quanto às definições e conceitos - traços típicos do Direito Societário no

sistema do Common Law - tem-se no Reino Unido a figura das Mergers by Absorption e das

Mergers by Formation of a New Company5 e nos EUA a noção de Consolidation

6e Merger 7.

O pioneirismo de tais países encontra fundamento no estágio avançado de suas

economias. Todas8, nos idos do século XIX, eram nações com notável industrialização e

crescente dinamicidade nas relações comercias, além de contarem com um bom ambiente

político. Em outros termos, eram países em que o capitalismo chegava ao estágio industrial

(Capitalismo Industrial).

Tendo isso em mente, é fácil entender a razão pela qual o Código Comercial9 não

trouxe disposição nenhuma acerca de Fusões, Incorporações e Cisões. No período em que foi

editado, a situação nacional estava muito distante do progresso econômico e técnico vivido

pelas nações acima mencionadas. Em 1850, o Brasil era um país quase totalmente voltado

para o setor agrário, com escassa e irrelevante atividade industrial. Grandes grupos

empresarias eram praticamente inexistentes e os raros exemplos ficavam restritos à

manufatura ou à prestação de serviços, sendo as atividades muitas vezes chancelados pelo

próprio Estado. Neste cenário, nada mais natural do que a irrelevância dos institutos no

cenário nacional de então.

A partir do Decreto 43410, houve significativa mudança no tratamento legal da

matéria. Tal decreto consolidou diversos aspectos concernentes às Sociedades Anônimas

("Sociedades Anonymas", na escrita da época), trazendo consigo, conforme indica

4 Na Fusão Própria ocorre a extinção das sociedades envolvidas na operação, gerando-se uma nova sociedade. Por sua vez, na Fusão Imprópria (ou Fusão por Incorporação) uma sociedade acaba por absorver outra, continuando a existir apenas a incorporadora. 5 O termo Merger by Absorption traduz-se na figura da Fusão por Incorporação (ou Fusão Imprópria), enquanto que a Merger by Formation of a New Company nos conduz à Fusão Própria. 6Consolidation: Equipara-se à Fusão Própria, em razão da formação de nova companhia.

Merger: Assemelha-se à Fusão Imprópria, pois extingue-se a companhia incorporada. 7 Em que pesem as diferenças conceituais expostas, o mercado acabou por adotar a expressão Mergers and

Acquisitions (M&A) para designar as operações de Fusões e Aquisições (F&A). 8 Com relação à Alemanha e Itália, em que pese o fato somente existirem como países em 1861 (Reino da Itália) e 1871 (II Reich), as regiões que comandaram tais eventos foram, respectivamente, o Reino da Prússia e o Reino Sardo-Piemontês, notoriamente reconhecidos como desenvolvidos e industrializados. 9 Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. 10 Decreto nº 434, de 04 de julho de 1890.

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Carvalhosa, "a formação de um mercado de capitais no Brasil"11. Porém, como efeito

colateral houve a famosa Crise do Encilhamento.

Fundamental destacar que apenas se regulamentou a Fusão (artigo 203), deixando o

legislador de lado a figura da Incorporação e da Cisão. Na verdade, segundo Carvalhosa12, os

procedimentos de Fusão, acabavam por funcionar como uma base para as demais operações

de reorganização societária. Apesar disso, os alicerces do instituto foram ali prescritos pela

primeira vez, tendo grande influência posterior no restante da legislação societária.

Com a promulgação do Decreto-Lei 2.627/4013, incluiu-se a Incorporação entre as

formas de reorganização societária. Seguindo a tendência anteriormente apresentada, afastou-

se novamente a figura da Fusão Própria e Imprópria, vez que o legislador tratou de forma

diversa a Fusão14 e a Incorporação15. Sobre este ponto, cabe a visão de Bulgarelli: "Sábio o

nosso legislador em nomear ambas as formas, afastou esse tipo de confusão, permitindo, pois

utilizar-se, com clareza e precisão, os termos de fusão e incorporação."16

Além disso, o Decreto-Lei, através dos artigos 152 e 153, terminou de vez com um

velho problema: as dificuldades para operacionalização das ferramentas legais, em razão das

falhas e lacunas do Decreto 434/1891. Primeiro, estabeleceu que os dispositivos atinentes às

Fusões e Incorporações, bem como o processamento das mesmas, poderiam ser aplicados a

todos os tipos de sociedade, independentemente da forma e objeto, conforme Bulgarelli17.

Segundo, fixou a ausência de processo de liquidação na Incorporação - tal como já acontecia

com a Fusão, vez que o resultado seria a extinção - não liquidação - da sociedade

incorporada18, encerrando grande debate existente até então. Terceiro, acabou por definir,

tendo como inspiração a legislação societária italiana, francesa e alemã, o processo para a

Incorporação. Para melhor compreensão, socorremo-nos novamente aos ensinamentos de

Bulgarelli:

11 CARVALHOSA, Modesto de Barros. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 4º volume - Tomo I - 3ªedição, revista e atualizada, Editora Saraiva: São Paulo, 2002. página 207. 12 Op. Cit., Página.208. 13 Decreto-Lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940. 14 Art. 153. A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações. 15 Art. 152. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. 16 BULGARELLI, Waldírio. Fusões, Incorporações e Cisões de Sociedades.6ªedição, Editora Atlas: São Paulo, 2000. Página 77. 17 Op.Cit. Página 131. 18 §3º do artigo 152 do Decreto-Lei 2.627/1940.

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Assim é que se atribui competência privativa para a deliberação à assembléia geral (art.87, § único, h) tanto da incorporada, como da incorporadora; ambas se instalando na forma prevista para a reforma dos estatutos (art. 104) isto é em 1ª e 2ª convocação, com acionistas que representem dois terços, no mínimo, do capital com direito a voto, e em terceira com qualquer número. As deliberações são tomadas na incorporada, por maioria qualificada, ou seja, metade no mínimo do capital social com direito a voto (art.105, e), enquanto a incorporante delibera por maioria (art.94). A ordem estabelecida se inicia com AGE da incorporadora que aprova as bases da operação e o projeto de reforma dos estatutos; e a AGE da incorporada, tomando ciência e aprovando, autoriza os administradores a praticar os atos necessários à incorporação, inclusive a subscrição em bens pelo valor que se verificar entre o ativo e o passivo; a seguir outra AGE da incorporadora nomeia os peritos para a avaliação do patrimônio líquido e, aprovado o laudo, promovem os diretores o arquivamento e a publicidade dos atos; nova AGE da incorporada declara a extinção da sociedade, procedendo-se em seguida ao arquivamento e publicidade dos atos

19.

Assim, os três pontos acima destacados mostram-se como essenciais para a compreensão e

desenvolvimento dos fenômenos ora em estudo.

Com o Decreto-Lei 1.182/197120, teve lugar uma onda de incentivos às concentrações

empresariais, no contexto do Primeiro Plano Trienal. O enunciado do decreto-lei é mais do

que claro: "Concede estímulos às fusões às incorporações e à abertura de capital de emprêsas

e dá outras providências (sic)." Na visão de Carvalhosa21, a norma em questão teve como alvo

o desenvolvimento de setores prioritários (exemplo: Petróleo), bem como atendia a política de

substituição das importações, buscando, ainda, a formação de conglomerados em setores

estratégicos da economia.

Ponto de destaque no Decreto-Lei, foi a criação da COFIE22 (Comissão de Fusão e

Incorporação de Empresas). Tal órgão teve como função a apreciação23 de processos de

reavaliação, fusão e incorporação de empresas com atividade no país. Tendo, ainda,

competência para apreciar no caso previsto pelo §2º do artigo 1º (abertura do capital de

empresas), posteriormente substituído pelo parágrafo único do mesmo artigo (redação dada

pelo Decreto-Lei 1.253/72), que ampliou a isenção disposta no artigo 1º às empresas que se

combinassem ou se associassem de acordo com as normas do Conselho Monetário Nacional,

sendo indispensável que fosse atendida a conveniência da política econômico-financeira

nacional.

19 Op.Cit. Página 153. 20 Decreto-Lei nº 1.182, de 16 de julho de 1971. 21 Op.Cit. Página 209. 22 Artigo 2º. 23 Neste ponto, cabe a explicação de que a apreciação das operações ficava restrita ao âmbito do Decreto-Lei, ou seja, não havia uma análise de toda a operação, vez que a COFIE apenas tinha competência para verificar e o caso apresentado se enquadrava ou não no âmbito da isenção fiscal trazida pela norma.

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No mesmo contexto, houve a edição do Decreto-Lei 1.346/197424, tendo como alvo a

alteração do sistema de estímulos às fusões e incorporações de empresas. De forma resumida,

manteve quase que integralmente os aspectos do Decreto-Lei 1.182/1971.

Grande momento ocorreu por força do II PND (Plano Nacional de

Desenvolvimento)25, que novo ânimo trouxe à concentração outrora iniciada. Com tal plano,

pretendia-se alcançar até o final da década de 1970 uma sociedade industrial moderna, bem

como uma economia competitiva. Além disso, pretendia-se fortalecer a empresa privada

nacional, muito atrás das estatais e das multinacionais. Para isso, conforme Carvalhosa:

Entendia-se, assim, que o fortalecimento da empresa privada nacional, à frente dos dois outros segmentos (estatais e multinacionais), deveria fundar-se em dois pilares: de um lado, na liderança dos grandes bancos, eles próprios também sujeitos à política de forte concentração dos fins dos anos 60 e início dos 70, em consequência da política do então Ministro da Economia, Delfim Neto

26.

A inspiração para a mencionada política concentracionista veio, principalmente, do

Japão e da Alemanha. Na potência oriental, existia o modelo de Zaibatsus27, nada mais do que

conglomerados industriais dotados de imenso poder. Ao seu turno, na Alemanha tiveram

lugar os fortíssimos conglomerados28 - principalmente financeiros, chamados de Konzerns.

Ambos, acabaram por desempenhar papéis de destaque no desenvolvimento econômico e

enriquecimento de seus países, ainda que concentrando excessivamente os mercados locais29.

Voltando ao II PND, os autores de tal plano, como bem expõe Bulgarelli30, tomaram

como partida a tendência da indústria, comércio e sistema financeiro nacionais à proliferação

excessiva de empresas31 sem capacidade mínima de competição, levando a um cenário no

qual existia uma enorme desproporção entre as multinacionais (restritas a alguns setores

econômicos, mas com domínio quase que exclusivo dos respectivos setores) e as empresas

brasileiras (atuando em vários setores, sendo a maior parte empresas de pequeno porte, 24 Decreto-Lei nº 1.346, de 25 de setembro de 1974. 25 Lei 6.151, de 04 de dezembro de 1974. 26 Op.Cit. Página 210. 27 Exemplos: Mitsui, Mitsubishi e Suzuki. 28 Exemplos: Deutsche Bank, Krupp (ThyssenKrupp, nos dias atuais) e Commerzbank. 29 Neste ponto, cabe destacar que os EUA viviam situação diferente. Como resultado das primeiras Wave

Mergers, houve a formação de diversos monopólios e cartéis. Visando o combate de tais figuras - impensáveis em um modelo econômico liberal como o estadunidense, foram adotadas medidas pioneiras. Em um primeiro momento ocorreu a edição do Sherman Act, que acabou por ser aperfeiçoado pelo Clayton Act, bem como por meio da criação de importante agência antitruste, a conhecida Federal Trade Commission, instituída por meio da lei de mesmo nome (Federal Trade Commission Act) . 30 Op.Cit. Página 45. 31 grosso modo, a situação assemelhava-se àquela existente nos EUA no período anterior à primeira Wave

Merger.

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estando, assim, despreparadas para a competição nos próprios mercados locais). Neste ponto,

oportuna é a seguinte passagem do PND:

4) Formação de conglomerados nacionais, realizando a integração financeira, financeiro-industrial, financeiro-serviços, assim como outras fórmulas, de maneira flexível, em alternativas de liderança financeira, liderança industrial ou supervisão por empresa controladora (holding). O objetivo central deve ser a maior produtividade no uso de recursos, pela fluidez intersetorial das aplicações, e a garantia da estrutura financeira sólida.

Desta maneira, o Estado buscava, por meio das fusões e aquisições, que as empresas

nacionais adquirissem uma escala econômica significativa, tornando-as efetivamente

competitivas nos grandes mercados. Para isso, vários estímulos32 foram desenvolvidos,

principalmente: "isenção do imposto de renda incidente sobre o acréscimo do valor resultante

da reavaliação dos bens do ativo imobilizado acima dos limites da correção monetária até o

valor do mercado", bem como a

não incidência o imposto sobre a renda, sobre o aumento do capital resultante da reavaliação do ativo imobilizado, extensiva aos sócios, acionistas, ou titular, beneficiários pessoas físicas ou jurídicas, podendo estas realizar aumento de capital nas mesmas condições, mediante a incorporação dos valores distribuídos (Bulgarelli)

33.

Como se percebe, dada a magnitude da tarefa, necessária seria uma nova legislação

que fosse capaz de encampar os propósitos de então. Neste contexto, edita-se a Lei das

Sociedades por Ações (LSA).

A Lei 6.404/7634, elaborada por Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira,

acabou por revolucionar o direito societário nacional. Como consta no ponto 4 da Exposição

de Motivos da LSA35, buscou-se a criação de uma estrutura jurídica que fortalecesse o

mercado de capitais36 de risco nacional, medida fundamental para o desenvolvimento e

expansão das empresas de então, que passariam a contar com nova fonte para a captação de

recursos.

Por sua vez, no ponto 5, alínea g, temos a inclusão dos principais institutos

incorporados ao ordenamento jurídico pátrio, são eles: Grupamentos de Sociedades, Oferta

32 Os estímulos em questão direcionavam-se às empresas consideradas de interesse para a economia nacional, exercendo a COFIE papel relevante nestas operações. 33 Op.Cit. Página 46. 34 Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. 35 Exposição de Motivos nº 196, de 24 de junho de 1976, do Ministério da Fazenda - Ministro Mário Henrique Simonsen. 36 Neste ponto, remetemos o leitor para a Lei 6.385, de 07 de dezembro de 1976 (LCVM) que acabou por lançar as condições para o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.

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Pública de Aquisição de Controle e Cisão de Companhias. Ainda, deve-se destacar, no âmbito

das hipóteses de Fusão, Incorporação e Cisão, a inclusão do Protocolo e da Justificação,

instrumentos indispensáveis para a satisfação e proteção de acionistas e credores.

Sem dúvida, para os fins deste estudo, a inclusão da Cisão tem fundamental

importância, vez que mais uma opção de reorganização societária acabou por ser inserida em

nossa legislação. Contudo, cabe ressalva quanto à excessiva demora para inserção de tal

instituto societário no Brasil, vez que já figurava com destaque nas legislações francesa,

italiana e alemã em período temporal anterior.

Importantes alterações ligadas às Fusões, Incorporações e Cisões na LSA tiveram

lugar nas décadas de 1990 e 2000, mais especificamente com as Leis 9.457/9737 e

10.303/200138.

A primeira foi responsável por grande mudança na sistemática de então, já que

suprimiu ou neutralizou direitos antes assegurados aos minoritários, tais como o direito de

recesso pelo valor do patrimônio líquido - que passou a poder ser calculado tendo como base

o valor econômico, bem como o direito de participar do valor de venda de controle sobre o

fundamento da equidade, conforme Carvalhosa39. Ainda, houve a supressão do direito de

recesso nos casos de Cisão, com o intuito de "facilitar a venda de setores empresariais das

estatais, retirando-os do pacote de privatizações, mediante cisão, anteriormente aos leilões.

São eles os setores inativos, imobiliários e deficitários sob o controle governamental"40, bem

como a extinção da oferta pública com a participação dos minoritários no valor da venda do

controle. Em razão do cenário trazido por tal lei, principalmente no que se refere às restrições

impostas (artigos 45, 137, 254 e 255), acabou-se por dar novo impulso às Fusões e

Incorporações, vez que o controlador passou a gozar de posição ainda mais vantajosa, afinal,

no caso de mencionada oferta pública, não dividiria o "bolo" com os minoritários, ficando

com a totalidade dos valores envolvidos.

Ao seu turno, a Lei 10.303/2001 acabou por restringir alguns dos pontos abertos pela

Lei 9.457/97. Isto fica bem claro se tomarmos por base a questão do direito de recesso. De

acordo com a mencionada lei, o direito de retirada, nos casos das Fusões e Incorporações,

somente poderá ser negado para o titular de ação de espécie ou classe que tenha liquidez e 37 Lei nº 9.457, de 05 de maior de 1997. 38 Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001. 39 Op. Cit. Página 213. 40 Carvalhosa, op. cit. Página 213.

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dispersão no mercado41. Note-se que os critérios passaram a ser cumulativos, ao contrário da

situação anteriormente existente. Houve, também, considerável mudança no que tange à

Cisão, apesar da operação em si continuar não dando margem à retirada. Resumidamente, nos

casos em que a mencionada operação implicar em mudança no objeto social, redução do

dividendo obrigatório ou participação em grupo de sociedades, terá o acionista assegurado o

direito de recesso. Desta feita, buscou-se prestigiar novamente os minoritários, vez que eles

foram consideravelmente atingidos pela lei anterior.

Todas as operações de Fusão, Incorporação e Cisão de sociedades eram regidas pela

LSA, em um posicionamento mais do que pacificado na doutrina e jurisprudência nacional

desde o Decreto-Lei 2627/40. Porém, com a edição do Código Civil42, houve grande mudança

na questão. O novo diploma legal, ao unificar o Direito Privado em um só Código, acabou por

disciplinar as mencionadas operações no Livro II - Direito de Empresa, Título II, Da

Sociedade, Subtítulo II, Da Sociedade Personificada e Capítulo X, nos artigos 1.113 a 1.122.

Desde então, tem-se entendido que a Fusão, Incorporação e Cisão de todos os tipos societários

passaram a seguir tal legislação, com exceção óbvia das Sociedades Anônimas.

Neste contexto, várias críticas foram feitas pela doutrina, com destaque para o

posicionamento de Muniz43. Para o referido autor, apesar de algumas vantagens,

principalmente no que diz respeito à simplificação do procedimento (mais especificamente

por meio da inexigibilidade do Protocolo e da Justificação), o legislador não seguiu o mesmo

apuro técnico existente na LSA, bem como acabou por deixar alguns pontos em aberto,

gerando questionamentos que antes não teriam lugar. Como exemplo, cita a situação da Cisão,

que apesar de mencionada no Capítulo X, não foi regulada pelo legislador civilista.

De forma final, temos o mesmo posicionamento do citado autor no que se relaciona à

aplicação da norma legal. Assim, acreditamos que a LSA continuará a ser aplicada também

aos demais tipos societários, porém de forma supletiva, complementar e extensiva, sendo

necessária a busca de perfeita harmonia para a correta aplicação legal.

Tendo em mente este pequeno retorno ao passado das Fusões, Incorporações e Cisões,

percebe-se um claro desenvolvimento dos institutos em nosso país, sobretudo nas últimas

duas décadas. Nessa linha, de acordo com dados da consultoria PricewaterhouseCoopers

41 Os conceitos de Liquidez e Dispersão serão oportunamente expostos. 42 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 43 MUNIZ, Ian de Porto Alegre. Fusões e Aquisições - Aspectos Fiscais e Societários. 2ªedição. Quartier Latin: São Paulo, 2011 - Páginas 90-92.

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(PwC)44, o período compreendido entre 2002-2005 teve uma média anual de 384 transações

de Fusões e Aquisições anunciadas; entre 2006-2009, a média anual atingiu o patamar de 676

transações; o período de 2010-2011 teve anunciadas cerca de 771 transações.

Os números são realmente dignos de nota, vez que demonstram claramente a atual

importância do tema, bem como a posição do país no cenário global das operações.

Por fim, cabe ressaltar o papel crucial desenvolvido pelo governo nacional, por meio

do BNDES, para estimular a criação de grandes empresas brasileiras de porte global, aptas a

disputar com os players mundiais de cada setor. Ou seja, passados quase 40 anos desde o II

PND, volta o Estado a investir, ainda que indiretamente, em tal ponto.

44 Fusões e Aquisições no Brasil - Dezembro de 2011 - PwC.

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III - Aspectos Comuns às Fusões, Incorporações e Cisões na Lei das Sociedades por

Ações

Antes de analisarmos com maior detalhamento os fenômenos de Fusão, Incorporação e

Cisão, devemos observar os artigos 223, 224, 225, 226 e 136 da LSA, vez que são aplicáveis

aos três fenômenos societários.

A) Competência e Processo (artigo 223 da LSA)

O caput do mencionado artigo tem como objetivo afastar qualquer dúvida acerca da

possibilidade de haver Fusão, Incorporação ou Cisão envolvendo sociedades de tipos

diferentes. Nesta situação, porém, deverá ser observada a forma de deliberação prevista para

alteração do respectivo estatuto ou contrato social45.

A possibilidade acima mencionada não constava expressamente na legislação de 1940,

contudo, a doutrina já admitia tal alternativa, como bem expõe Carvalhosa46.

O §2º do artigo 223 determina que os sócios ou acionistas das sociedades

incorporadas, cindidas ou fundidas recebam diretamente da companhia emissora as ações ao

qual fizerem jus. Pela redação apresentada, percebe-se que foi regulada apenas a situação em

que a operação acabe por resultar em companhia. Claramente, não podemos falar em

"recebimento de ações" na hipótese de ser gerada uma sociedade de pessoas ou limitada.

Nesta, os antigos acionistas acabarão por receber as quotas/cotas correspondentes à nova

sociedade.

Por fim, destaca-se o conteúdo dos §§3º e 4º, que trata de questões atinentes às

Companhias Abertas47. Os referidos parágrafos acabaram por definir que, havendo o

envolvimento de Companhia Aberta, as sociedades resultantes das operações de Fusão,

Incorporação ou Cisão obrigatoriamente serão abertas, fixando-se o prazo de 120 dias -

contados da data da assembleia geral que aprovou o negócio, para a obtenção do registro na

CVM (Comissão de Valores Mobiliários), bem como para que seja promovida a negociação

das novas ações no mercado secundário. A sanção prevista para o descumprimento do exposto

45 Conforme o exposto no capítulo anterior, caso a operação venha a resultar de sociedade de pessoas, aplicar-se-ão as disposições previstas no Código Civil. Por outro lado, na eventualidade de ser resultante uma companhia, regida será esta pela LSA. 46 Op. Cit. Página 231. 47 Artigo 4º, caput, LSA.

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é consideravelmente danosa à Companhia, já que haverá direito de recesso ao acionista que se

manifestar nos 30 dias seguintes ao término do prazo acima definido.

Ainda com relação a este ponto, sábia a observação de Carvalhosa48. Para ele, se no

protocolo houver previsão de que a sociedade resultante tomará forma de limitada, o recesso

já estará pré-constituído, vez que há clara impossibilidade jurídica para a adoção da forma

aberta. Nesta situação, será o direito de recesso regulado pelo artigo 230 da LSA.

B) Protocolo (artigo 224 da LSA)

O Protocolo (assim como a Justificação) não era diretamente previsto no regime

societário anterior (Decreto-Lei 2.627/1940), devendo se destacar que havia previsão de um

instrumento contratual com fins parecidos, ao menos com relação ao fenômeno das

Incorporações49. Segundo Carvalhosa50, na legislação de então existia grande liberdade

convencional entre os administradores das companhias envolvidas, que poderiam seguir por

um caminho dotado de maior ou menor formalidade.

O conceito de protocolo não apresenta grandes dificuldades, sendo definido como

[...] o documento, elaborado e firmado pelos órgãos de administração, ou pelos sócios das sociedades interessadas na operação, que contém todas as condições do negócio de incorporação, fusão ou cisão com incorporação (art. 224), e é submetido aos órgãos sociais competentes para formar o negócio.

51

Por sua vez, o objetivo do Protocolo é dado pela própria Exposição de Motivos da

LSA. Nesta, percebe-se que o alvo foi a proteção aos acionistas, já que o legislador buscou

assegurar a estes "o conhecimento de todas as condições da operação, das repercussões que

terá sobre os seus direitos, e do valor de reembolso que lhes caberá, caso prefiram usar do

direito de retirada"52.

A natureza jurídica do protocolo é um assunto um tanto quanto delicado na doutrina

societária nacional. De um lado, temos Carvalhosa53, defendendo que desde o início trata-se

de pré-contrato. Por sua vez, Bulhões Pedreira54 acaba por ter outra visão. Para ele, não há

48 Op. Cit. Página 229. 49Artigo 152, §1º do Decreto-Lei nº2.627/1940. 50 Op. Cit. Página 235. 51BULHÕES PEDREIRA, José Luiz. Incorporação, Fusão e Cisão. In: BULHÕES PEDREIRA, José Luiz Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo (coordenadores). Direito das Companhias - Volume II. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, página 1755. 52 Seção II. 53 Op. Cit. Página 237. 54 Op. Cit. Página 1758.

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que se falar de plano em pré-contrato, vez que a companhia só poderá se obrigar - com

relação à Fusão, Incorporação ou Cisão - após a deliberação assemblear. Nesta linha, por ser o

protocolo um instrumento firmado pelos órgãos de administração ou pelos acionistas da

sociedade, até que sejam realizadas as assembleias necessárias, não há contrato preliminar,

mas sim mera proposta de deliberação.

Corroborando esta visão, destaca-se Muniz: "Assim, no caso de uma sociedade

anônima, o protocolo teria a natureza de uma proposta da administração, que descreveria a

operação contemplada com detalhes."55 Por fim, em etapa posterior à posição de Carvalhosa,

o próprio Bulhões Pedreira acaba por vislumbrar a natureza de proposta de contrato, quando

da aprovação do instrumento por parte da Assembleia de uma das sociedades envolvidas.

Neste caso, será a proposta dirigida à outra ou outras sociedades que deverão ser partes do

negócio.

Com a devida vênia a Carvalhosa, posicionamos nosso entendimento ao lado de

Bulhões Pedreira e Muniz, principalmente por pensarmos que há total impossibilidade de

atribuir aos órgãos de administração ou aos sócios das sociedades interessadas os poderes

acerca da contratação - ainda que preliminar - de tão importantes transações, capazes estas

que são de causar profundas alterações nas sociedades envolvidas.

Cabe salientar característica peculiar do instituto ora em estudo: a bilateralidade e

pluralidade. Como bem diz Carvalhosa "A bilateralidade do protocolo decorre do fato de uma

sociedade ser credora de outra, no tocante à formulação do laudo de avaliação e à

manifestação dos sócios, através da assembléia geral ou do contrato social."56 Por sua vez, a

questão da pluralidade vem à tona quando pensamos nos efeitos do descumprimento do

instrumento. Neste sentido, caberá execução coativa de fazer para obrigar a sociedade a

apreciar a proposta? Alinhando-nos com o mencionado autor, entendemos que a resposta deve

ser negativa, já que "não cabe execução específica em face da natureza plurilateral do

negócio que o protocolo enseja, marcada pela confluência de vontades."57 Caso fosse admitida

outra posição, haveria claro desrespeito à vontade da sociedade pactuante. Afinal, um negócio

como o tratado pressupõe a existência de um objetivo uniforme entre as partes envolvidas.

Assim, o não cumprimento do pactuado dará margem ao ressarcimento por perdas e danos

que sofrer a outra sociedade. Contudo, é preciso alertar que a não aceitação da proposta de 55 Op. Cit. Página 138. 56 Op. Cit. Página 240. 57 Op. Cit. Págna 240.

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Fusão, Incorporação ou Cisão por parte da Assembleia jamais dará margem ao ressarcimento,

vez que a recusa acaba por ser possibilidade inerente à própria natureza negocial.

Carvalhosa58 vislumbra três hipóteses para a extinção do protocolo, a saber: (I)

Manifestação dos sócios em sentido contrário do proposto no documento; (II) Aprovação do

negócio de Fusão, Incorporação ou Cisão pelo órgão soberano da companhia, ou por alteração

contratual; (III) Pelo inadimplemento das obrigações de fazer assumidas pelas partes.

Importante questão se coloca no caso de pensarmos na possibilidade de alteração do

protocolo no âmbito da Assembleia. Primeiro, deve-se partir do ponto que a competência

negocial fica a cargo dos órgãos de administração da companhia. Assim, trata-se de um

documento claramente dotado de características técnicas, naturais estas à uma negociação de

tamanha magnitude. Segundo, caso haja alteração assemblear, ocorrerá clara invasão das

atribuições e poderes conferidos aos órgãos de administração (artigo 139 da LSA). Ante o

exposto, não há que se admitir a alteração do protocolo, a não ser por meio de nova rodada de

negociações conduzida pelos órgãos competentes, sob pena de quebra das atribuições internas

da companhia. Não existem exceções, nem mesmo na situação proposta por Carvalhosa:

Pergunta-se, a propósito, se, estando presente a unanimidade dos sócios das companhias envolvidas, a alteração e retificação não seria válida e eficaz. Mesmo nesse caso o impedimento persiste, pois o protocolo constitui documento técnico (avaliação) e obrigacional, de atribuição dos administradores, não podendo a assembléia geral sobrepor-se àquela competência legal (art.139).59

Necessário destacar que para o mencionado autor haverá responsabilização dos

administradores nos seguintes casos: (I) Não cumprimento das obrigações constantes no

documento, com destaque para o laudo e a convocação de Assembleia Geral; (II) Eventuais

erros nos dados e informações que faça constar no protocolo; (III) Poderá haver

responsabilidade penal quanto aos elementos técnicos constantes no documento, sendo que

esta responsabilidade será perante a sociedade, nos termos dos artigos 158 e 159 da LSA.

Concluindo, os danos causados a terceiros serão de responsabilidade da própria sociedade,

tendo esta direito de regresso com relação ao causador do evento danoso.

O conteúdo mínimo do protocolo é fixado pelos incisos I a VII do artigo 224, contudo,

admite-se a inclusão dos itens do artigo 225 (Justificação). Também, em razão da própria

58 Op. Cit. Página 241-242. 59 Op. Cit. Página 242.

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situação negocial, as partes poderão fixar outras cláusulas, desde que não haja conflito com o

conteúdo mínimo legal.

A fim de compreender melhor o mencionado conteúdo mínimo, passaremos à análise

dos incisos I a VII do artigo 224 da LSA, baseando-nos no estudo de Muniz60.

Inciso I - Relação de troca de ações: Deverá o protocolo conter o número,

espécie e classe de ações que serão atribuídas em substituição aos direitos

dos sócios, bem como os critérios utilizados para determinar as relações de

substituição.

A questão da relação de troca não precisa ser tratada com grandes

minúcias, ainda mais no caso de uma S.A. aberta, já que seria hercúleo o

trabalho para discriminar a quantidade de ações cabíveis a cada acionista.

Assim, deverá constar apenas quantas ações receberá o acionista da

sociedade resultante da reorganização, para cada ação que possuía na

sociedade extinta.

Inciso II - Elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do

patrimônio, na hipótese de Cisão: Deverá ser definida, com riqueza de

detalhes61, qual a parcela patrimonial que acabará por ficar na sociedade

cindida (por óbvio, sendo a cisão parcial), bem como qual será a parte a ser

direcionada à sociedade receptora do patrimônio ou acervo líquido.

Inciso III - Critérios de avaliação do patrimônio líquido, bem como a

data que será referida a avaliação e o tratamento das variações

patrimoniais posteriores: A avaliação do acervo líquido é necessária para

definir por qual valor serão registrados pelas sociedades sucessoras os

elementos ativos e passivos relacionados ao acervo a ser recebido. Ainda,

deverá haver a definição dos critérios para avaliação, sendo exemplos os

critérios contábil, de mercado, metodologia do fluxo de caixa descontado,

entre outros.

60 Op. Cit. Páginas 140 - 160. 61 Neste ponto, cabe o pensamento de Muniz: "Não é necessário que o protocolo discrimine, item por item, todos os bens, direitos e obrigações constantes do ativo e passivo que estão sendo transferidos, mas deverá conter descrição precisa o suficiente para definir de forma inequívoca quais os itens constantes do acervo líquido a serem transferidos(...). Página 149.

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A data para avaliação poderá coincidir com a da celebração do

protocolo ou não. Normalmente, a data da avaliação é chamada de data-

base. Em razão da dinâmica negocial envolvida nas operações, costuma-se

fixar a data-base em período anterior, devendo sempre anteceder à

deliberação assemblear acerca das operações societárias.

Incisos IV e V - Aumento de capital na sucessora e participação de uma

sociedade em outra: Normalmente, as operações aqui em destaque acabam

por ocasionar um aumento no capital social da sucessora, correspondendo

tal aumento à transferência do acervo líquido. Haverá, porém, hipóteses em

que uma sociedade participará do capital de outra, situação na qual a parcela

do acervo líquido vertido correspondente à participação não ocasionará

aumento de capital, mas sim resultará em uma das situações previstas no §1º

do artigo 226 da LSA, oportunamente melhor explicado.

Sem adentrar no mencionado artigo, temos como resultado a

obrigatoriedade do protocolo em definir o aumento ou redução de capital

das sociedades envolvidas, em razão da transferência de acervo líquido da

sucedida para sucessora, bem como defina, nos casos de participação

societária, se tal vínculo será extinto ou substituído por ações em tesouraria.

Não havendo alteração do capital social, deverá o protocolo evidenciar tal

situação.

Inciso VI - Alterações Estatutárias: Terão estas lugar em razão das

grandes mudanças trazidas pelas operações de Fusão, Incorporação ou

Cisão. Desta forma, determinou o legislador que o protocolo deverá conter o

projeto de estatuto ou de alterações estatutárias, sendo que tais

alterações/reformas deverão ser aprovadas pela Assembleia para efetivar a

operação.

Inciso VII - Demais condições a que esteja sujeita a operação: Neste

ponto, todas as questões que foram objeto de negociação entre os órgãos de

administração das sociedades envolvidas deverão constar no documento,

para que possam ser levadas à deliberação assemblear. Cabe salientar que os

órgãos de administração deverão agir com extrema cautela, apresentando

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todas as questões e problemas por ventura relacionados com o negócio, sob

pena de acabarem por ser os administradores responsabilizados por vícios

na operação, bem como na deliberação.

Por fim, cabe expor que os valores sujeitos a determinação poderão ser

indicados por estimativa (parágrafo único do artigo 224). Tal medida

justifica-se na impossibilidade, ou melhor, grande dificuldade de as partes,

quando da celebração do protocolo, possuírem os valores detalhados e

precisos da operação, o que só ocorrerá em momento posterior.

C) Justificação (artigo 225 da LSA)

A Justificação é o segundo documento confeccionado pelos órgãos de administração

no contexto das operações de Fusão, Incorporação e Cisão. Porém, ao contrário do Protocolo,

possui caráter menos técnico, funcionando como um espécie de "exposição de motivos" do

negócio a ser realizado. Para expor a função e a natureza de tal instituto, recorremos à lição de

Bulhões Pedreira:

A função dessa justificação é fornecer às Assembléias Gerais das companhias interessadas

informações que permitam aos acionistas avaliar se a operação é do interesse da companhia

e se há justificativa para a modificação dos direitos das ações preferenciais, quando

prevista. [...] Na incorporação, fusão e cisão com incorporação a justificação tem a natureza

de documento que transmite à Assembléia Geral informações sobre o negócio regulado no

protocolo; não contém estipulações do negócio, porém explica o motivo e os fins da

operação e suas estipulações. Não tem, como o protocolo, natureza de instrumento de

negócio jurídico, mas pode influir na interpretação das estipulações do protocolo.62

Assim como no Protocolo, a lei (incisos I a IV do artigo 225 da LSA) fixou alguns

pontos obrigatórios que constarão na justificação. São eles:

Inciso I - Motivos ou fins da operação, bem como o interesse da

companhia na sua realização: Admitem-se as mais variadas motivações

possíveis, como a maior participação no mercado, melhor rede de

distribuição, redução de custos etc. Ainda, poderá ser de interesse da

62 Op. Cit. Página 1760.

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companhia a realização de uma reorganização societária, nos moldes que

sugere Muniz63.

Inciso II - As ações que os acionistas preferenciais receberão e as razões

para a modificação de seus direitos, se prevista: Os motivos deverão ser

explicados e explicitados, não podendo a operação ter como objeto a

supressão de vantagens aos preferencialistas.

Inciso III - A composição, após a operação, segundo espécies e classes

de ações, do capital das companhias que deverão emitir ações em

substituição às que se deverão extinguir: Trata-se de questão abordada no

protocolo, mais precisamente no inciso I do artigo 224, servindo para

proporcionar ao acionista ou sócio uma melhor visão sobre a posição

societária que será (ou não) assumida por ele após a operação.

Inciso IV - O valor do reembolso das ações que terão direito os

acionistas dissidentes: Como ponto final, deverá o protocolo indicar o

valor definido como reembolso para os acionistas que pretenderem exercer

o direito de recesso.

D) Formação do Capital (artigo 226 da LSA)

Tal artigo acaba por se direcionar à proteção de credores, vez que visa evitar a

efetivação de um negócio reorganizativo falso ou aparente. Como destaca Carvalhosa, a LSA

estabeleceu "[...] o princípio da realidade do capital social, evitando que as operações de

fusão, incorporação ou cisão se concretizem quando o patrimônio líquido de sociedade

envolvida for inferior a seu capital social declarado"64. Como sabemos, cada um dos três

negócios (Fusão, Incorporação e Cisão) acaba por gerar um capital a realizar, através de

transferências patrimoniais. Desta forma, ficou determinado que o valor do patrimônio líquido

não poderá ser inferior ao montante do capital a realizar. Assim, fazendo uso dos

ensinamentos do mencionado autor, "[...] o capital social deverá refletir exatamente o valor do

patrimônio líquido resultante do negócio, para assim terem os credores segura referência

quanto à segurança jurídica de seus créditos"65.

63 Op. Cit. Página 162 64 Op. Cit. Página 252 65 Op. Cit. Página 253

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Por fim, cabe destacar que em razão da Lei 11.941/200966, o §3º teve sua redação

alterada. Assim, no caso de operação de Fusão, Incorporação ou Cisão de companhia aberta,

caberá à CVM estabelecer as normas especiais de avaliação e contabilização aplicáveis.

E) Quórum Qualificado (artigo 136 da LSA)

Será necessária a aprovação de acionistas que representem, no mínimo, metade das

ações com direito a voto, desde que não seja exigido quorum maior pelo estatuto da

companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa ou no mercado de

balcão, para a aprovação das operações de Fusão e Incorporação (inciso IV), bem como

acerca de cisão da companhia (inciso IX).

Poderá haver redução do quorum necessário, nos termos do previsto no §2º do

presente artigo.

66 Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009.

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IV - Incorporação

A Incorporação é o exemplo mais evidente de concentração econômica. Afinal, uma

sociedade acaba por incorporar outra, passando a incorporadora a ter uma estrutura maior e

consolidada, chegando - em alguns casos - a ter posição dominante em determinados

mercados ou setores econômicos.

Em razão do momento econômico atual, constitui a Incorporação forma de

reorganização societária bastante em voga, ao lado da Fusão. Porém, verdade seja dita, grande

parte das operações classificadas como Fusão acabam, após análise mais aprofundada e

técnica, enquadrando-se como sendo legítimas Incorporações. Isto pode ser justificado em

razão das vantagens trazidas pelo instituto. Neste sentido, para Bulhões Pedreira, a

Incorporação fica à frente da Fusão pois

[...] preserva a personalidade jurídica de uma das sociedades (que em geral é a de maior dimensão ou reputação no mercado), reduz a averbação da unificação nos registros públicos de propriedade e requer menos formalidades do que a constituição da nova companhia criada pela fusão.67

Ao contrário do encontrado em outros sistemas jurídicos, a Incorporação nunca se

confundiu com a Fusão na sistemática nacional. Isto fica evidente desde o diploma de 1940,

conforme já mencionado neste trabalho.

Para Bulgarelli, clara é a natureza contratual do fenômeno, pois:

Partindo-se das bases da operação, como pressuposto do negócio, passando pela deliberação da assembléia geral e a manifestação da vontade dos acionistas, através de seus diretores, chega-se ao ponto culminante do negócio de fusão, que é o contrato, onde os interesses se ajustam e se compõem, na confluência das vontades [...]"68.

Ainda, o mencionado autor classifica a Incorporação como sendo um contrato

plurilateral, "[...]abrigando-se o instituto sob o manto contratual-societário."69 Continuando,

acaba por admitir a natureza complexa do ato, em razão da impossibilidade de se resumir o

fenômeno a uma simples "subscrição de ações, aumento de capital, alteração estatutária,

67 Op. Cit. Página 1746. 68 Op. Cit. Página 43. 69 Op. Cit. Página 44.

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dissolução sem liquidação etc. [...]"70, já que todos os aspectos apresentados acabam por se

integrar no mesmo contexto fático.

Segundo célebre posição de Carvalho de Mendonça, a Incorporação deveria ser

considerada como uma cessão ou compra e venda. Tal posição não prosperou, como fica

evidente se observarmos a visão de Miranda Valverde, bem como do diploma de 1940, que

passaram - conforme nos informa Bulgarelli - a "[...]entender a Incorporação como uma

operação de subscrição e integralização de capital da incorporada, em natura, e consequente

aumento de capital desta, com a extinção da ou das incorporadas."71 Aproveitando a questão,

cabe expor o pensamento de Carvalhosa72, no sentido de que a Incorporação não constitui

compra e venda nem mesmo alienação sui generis, pois a transferência patrimonial inerente à

operação ocorre a título de pagamento das ações subscritas pela incorporadora a favor de seus

sócios ou acionistas, já que a sociedade incorporada tem como objetivo a subscrição de seu

patrimônio na incorporadora. Assim:

[...] a transferência do patrimônio da incorporada para a incorporadora se dá a título de pagamento da dívida contraída com a subscrição. Como ensina o mestre Cunha Peixoto, os bens da sociedade incorporada entram para a incorporadora pelo mesmo processo de constituição da companhia, ou seja, por ato de subscrição. Não constitui, pois, cessão, troca ou compra. Trata-se de ato de contribuição para o capital social.73

Por fim, atualmente os fenômenos de reorganização societária em geral

(Transformação, Incorporação, Fusão e Cisão) possuem claro viés contratual, sendo exemplos

de negócios contratuais típicos74.

Carvalhosa75 vislumbra que a finalidade do negócio de Incorporação é a integração

dos patrimônios societários envolvidos, ocorrendo verdadeira agregação do patrimônio de

uma sociedade em outra, porém, com a extinção da incorporada. Completando o cenário,

acaba por lecionar que a causa da Incorporação "é a intenção válida e eficaz dos sócios ou

acionistas das sociedades envolvidas (artigos 224 e 225) de realocarem seus recursos

patrimoniais e empresariais através desse negócio que a afeta a personalidade de uma delas"76.

Ainda, entende que o negócio em questão consubstancia, ao mesmo tempo, um ato

70 Op. Cit. Página 95. 71 Op. Cit. Página 96. 72 Op. Cit. Página 267. 72 Op. Cit. Página 267. 74 Nesta linha, Bulhões Pedreira - Op. Cit. Página 1737. 75 Op. Cit. Página 266. 75 Op. Cit. Página 266.

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constitutivo (em razão da agregação patrimonial) e desconstitutivo (por força do

desaparecimento da incorporada).

O conceito de incorporação é encontrado na própria LSA, como se nota com a leitura

do artigo 227, caput. Nestes termos, a Incorporação é a operação pela qual uma ou mais

sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. Como

se nota, não houve alteração conceitual com relação ao Decreto-Lei 2.267/40, já que as

mudanças acabaram por ocorrer na parte procedimental.

No regime anterior, havia a necessidade de realização de Assembleia na incorporada,

para que fosse extinta a sociedade (artigo 152, §3º do Decreto-Lei 2.267/40), o que foi

simplificado pela LSA77 ao excluir tal etapa. Assim, nos termos do artigo 227, §3º da LSA,

aprovado o laudo de avaliação e incorporação pela assembleia geral da incorporadora, restará

extinta a sociedade incorporada.

Tradicionalmente a doutrina classifica os atos relativos ao procedimento da

Incorporação em três etapas78, a saber: (I) Definição das Estipulações do Negócio; (II)

Formação do Negócio; (III) Execução do Negócio Contratado79.

Em (I), os administradores ou sócios das sociedades elaboram e firmam o Protocolo e

a Justificação, que serão apreciados pelas Assembleias Gerais das sociedades envolvidas.

Na etapa (II), ocorre a deliberação e aprovação80 por parte das Assembleias de todas as

interessadas.

Por fim (III), terá lugar Assembleia Geral da incorporadora, que autorizará o aumento

de capital a ser subscrito e realizado pela incorporada (característica peculiar da Incorporação,

temos que o aumento de capital da incorporadora será subscrito pela própria sociedade

incorporada e não pelos seus acionistas), bem como nomeará os peritos, nos moldes do §1º do

artigo 227. Ainda, a sociedade que será incorporada autorizará seus administradores a

77 Conforme se extrai da Exposição de motivos da LSA: "O procedimento de incorporação é simplificado pela dispensa da assembléia da incorporada para reconhecer a sua extinção[...]". 78 Bulhões Pedreira - Op. Cit. Página 1799. 79 Para Carvalhosa - Op. Cit. Página 262, citando Bulgarelli, seriam as três fases: (i) Transmissão do patrimônio da incorporada para a incorporadora; (ii) a passagem dos acionistas de uma para outra sociedade e (iii) a extinção da sociedade transmitente. 80 Neste ponto, cabe destacar que há quorum diferente para a companhia incorporada e para a incorporadora. No caso da primeira, segue-se o disposto no artigo 136, inciso IV da LSA, exigindo-se o outrora mencionado quorum qualificado. Por sua vez, a companhia incorporadora deverá possuir a aprovação da maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes, nos termos do caput do artigo 129 do diploma societário.

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praticarem os atos necessários à incorporação, mediante subscrição do aumento do capital da

incorporadora (artigo 227, §2º). Em momento posterior, aprovado o laudo de avaliação pela

Assembleia da incorporadora, será declarada efetivada a incorporação, extinguindo-se, assim,

a incorporada. A competência para promover o arquivamento e publicação dos atos referentes

à operação é atribuída - como não poderia deixar de ser - à sociedade incorporadora (artigo

227, §3º).

Anota Bulhões Pedreira81 que, apesar do procedimento acima prever a realização de

três Assembleias Gerais (uma na sociedade incorporadora, para a aprovação do protocolo e

nomeação de perito; outra - na sociedade incorporada, para a aprovação do protocolo e

autorização aos administradores; e, novamente na incorporadora, tendo por objeto a

aprovação do laudo de avaliação e declaração de efetividade da operação), a prática acabou

por estabelecer duas assembleias, sendo uma na incorporadora e outra na incorporada. Desta

maneira, na ocasião da Assembleia Geral na incorporada ocorrerá a aprovação do protocolo,

bem como serão dadas as autorizações necessárias aos administradores da mesma. Por sua

vez, a Assembleia Geral da incorporadora apenas terá lugar quando o laudo estiver disponível.

Nesta oportunidade, após a aprovação do protocolo, haverá a ratificação da escolha dos

peritos (que foi realizada pela sociedade que será incorporada) e apreciação do laudo. Com a

aprovação deste, será declarada efetivada a Incorporação.

Neste ponto, cabe destacar que há quorum diferente para a companhia incorporada e

para a incorporadora. No caso da primeira, segue-se o disposto no artigo 136, inciso IV da

LSA, exigindo-se o outrora mencionado quorum qualificado. Por sua vez, a companhia

incorporadora deverá possuir a aprovação da maioria absoluta dos votos dos acionistas

presentes, nos termos do caput do artigo 129 do diploma societário.

O mesmo Bulhões Pedreira acaba por expor os efeitos gerados pela incorporação. São

eles:

[...] a extinção da incorporada, absorvida pela incorporadora; a subrogação das ações da incorporada nas novas ações da incorporadora que as substituem; a sucessão pela incorporadora em todos os direitos e obrigações da incorporada; a consolidação do patrimônio da incorporada no da incorporadora e a unificação dos grupos sociais e das organizações sociais das duas sociedades.82

81 Op. Cit. Páginas 1799 e 1800. 82 Op. Cit. Página 1801

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A título de complementação, convém lembrar que a Incorporação é causa direta de

extinção da incorporada, conforme disposição do artigo 219, inciso II da LSA. Alerta-nos

Carvalhosa83 para o fato de não se confundir com a liquidação, vez que não há partilha do

ativo da incorporada entre os sócios, bem como não há qualquer tipo de liquidação das

obrigações e débito assumidos previamente à extinção, afinal, haverá sucessão universal para

a sociedade incorporadora. Aproveitando a deixa, passemos à análise da chamada sucessão

universal.

A sucessão universal corresponde a todos os direitos, obrigações e responsabilidades

havidos pela sociedade incorporada, que serão "herdados" pela incorporadora. Como bem

lembra Carvalhosa84, não há que se falar em vício eventual no âmbito da sucessão universal,

afinal, decorre da continuidade das obrigações e direitos que são agregados à incorporadora,

bem como das responsabilidades daí derivadas.

Importante ponto que surge diz respeito ao direito de retirada dos acionistas da

incorporada. Poderá exercê-lo (artigo 137 da LSA) o acionista dissidente da incorporada,

desde que, cumulativamente, não sejam suas ações dotada de liquidez (alínea a, inciso II do

artigo 137) e dispersão (alínea b, inciso II do artigo 137).

A) Considerações Acerca do Artigo 264 da LSA e do Parecer de Orientação CVM

n. 35/08

O artigo 264 da LSA trata da incorporação de companhia controlada. Tal situação não

era regulada pelo diploma de 1940, passando a ser tratada com a edição da LSA85. A

exposição de motivos do diploma societário atual expressa de forma bem evidente os

objetivos da norma: "A incorporação de companhia controlada requer normas especiais para a

proteção de acionistas minoritários [...]". Assim, nota-se a preocupação do legislador com tais

sujeitos. Nesta linha, como bem nos traz Carvalhosa:

[...] No caso de incorporação de companhia controlada, a lei optou por oferecer uma proteção adicional aos acionistas minoritários da sociedade incorporada, procurando uma fórmula que garantisse ser a relação de troca de ações a mais justa possível. Tem fundamento essa proteção legal aos acionistas minoritários, já que as operações de reestruturação societária envolvendo sociedades controladoras e controladas podem ensejar práticas abusivas contra os acionistas minoritários. [...] Quando a

83 Op. Cit. Página 262. 84 Op. Cit. Página 263. 85 Conforme aborda Carvalhosa (Carvalhosa, Modesto de Barros. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. 4º volume - Tomo II - 3ªedição, revista e atualizada, Editora Saraiva: São Paulo, 2002 - Página 295), a inspiração para o presente artigo veio do direito norte-americano, que considera a incorporação de controlada como um self

dealing (negócio consigo mesmo), em razão da unicidade das partes e vontades envolvidas.

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operação se dá entre sociedades controladoras e controladas, não se verifica o caráter bilateral que assegura os interesses dos minoritários de ambas as companhias envolvidas, visto que o mesmo acionista controlador decide pelos dois lados da operação.86

Em razão do apresentado, de acordo com o caput do artigo 264, a Justificação, além

dos elementos previstos nos artigos 224 e 225, deverá conter o cálculo das relações de

substituição das ações dos acionistas não controladores da controlada com base no valor do

patrimônio líquido das ações da controladora e controlada, seguindo tais patrimônios os

mesmos critérios e data de avaliação, a preços de mercado, ou tendo por base outro critério

aceito pela CVM87, no caso de companhias abertas. Determina o §1º que a avaliação dos dois

patrimônios seja feita por três peritos, no caso de companhias fechadas. Nas abertas, a

avaliação deverá ser realizada por empresa especializada.

Finda a avaliação, se as relações de substituição das ações dos acionistas não

controladores apresentadas no Protocolo acabarem por ser menos vantajosas que as

resultantes da comparação prevista no caput do artigo 264, poderão eles exercer o direito de

retirada no prazo do artigo 230, ficando assegurada a opção entre o valor de reembolso fixado

no artigo 45 e o apurado no caput já mencionado. Contudo, não poderão exercer o direito de

retirada os titulares de ações de espécie e classe que tenham liquidez e dispersão no mercado,

nos termos do artigo 137, inciso II da LSA.

Por força do § 4º do artigo ora em estudo, as normas nele dispostas serão aplicadas à

incorporação de controladora por sua controlada, à fusão de companhia controladora com a

controlada, à incorporação de ações de companhia controlada ou controladora, à

incorporação, fusão e incorporação de sociedades sob controle comum.

Cabe destacar que o artigo 264 não será aplicado no caso de as ações do capital da

controlada terem sido adquiridas no pregão da bolsa de valores ou mediante oferta pública de

aquisição de controle (artigos 257 a 263 da LSA), em razão do previsto em seu §5º. A

justificativa para tais hipóteses é dada pelo próprio Bulhões Pedreira:

Essa exclusão se explica porque as ações da controlada assim adquiridas têm valor bem definido pelo mercado, o que protege os acionistas minoritários da controlada

86 Op. Cit. Páginas 286-287. 87 Para uma visão prática da CVM acerca da questão indicamos a análise dos casos SETIBA PARTICIPAÇÕES S.A. – PROC. RJ2008/2636, DATASUL S.A. - PROC. RJ2008/3015, INDÚSTRIAS ROMI S.A. - PROC. RJ2008/4135 e PETROBRAS – PROC. RJ2008/1217.

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contra aprovação, pela controladora, de relação de substituição que subestime o valor das ações da controlada.88

Apesar de toda a cautela do legislador societário, a CVM acabou por se manifestar

sobre a questão, por meio do Parecer de Orientação nº 35/0889. Para a autarquia, é de bom tom

que os administradores das companhias abertas envolvidas, basicamente, constituam um

comitê independente para negociar a operação e submeter sua recomendações ao conselho de

administração, bem como que a operação seja condicionada à aprovação da maioria dos

acionistas não controladores, inclusive os titulares de ações sem direito a voto ou com voto

restrito.

Sobre este ponto, posicionamo-nos na linha defendida por Muniz90. Assim,

entendemos que CVM ultrapassou em muito suas atribuições, acabando por limitar o pleno

exercício do poder de controle pelo bloco controlador, principalmente ao condicionar a

efetivação da operação à aprovação dos acionistas não controladores. Além disso, a LSA já

havia previsto um mecanismo mais do que apropriado para a proteção dos minoritários, o já

exposto direito de retirada. Nota-se, então, claro excesso na posição do órgão regulador. Desta

forma, esperamos que mencionada postura estatal venha a se alterar com o passar do tempo,

vez que acaba por colocar mais obstáculos em um terreno já bastante acidentado.

88 Op. Cit. Página 2048. 89 Parecer de Orientação CVM n. 35, de 01 de setembro de 2008. 90 Op. Cit. Página 317.

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V - Fusão

A Fusão deve ser vista como a mais complexa das formas de reorganização societária,

justamente por resultar na integração completa das sociedades fusionadas.

Resumidamente, por meio da Fusão, as sociedades envolvidas passam a esperar pela

seguintes vantagens: racionalização da produção; redução de custos; sinergia tecnológica e

maior competitividade nos mercados.

Para Bulgarelli91, o instituto está estreitamente ligado à personalidade jurídica, já que

haverá a criação de uma nova companhia. Para ele, esta é uma característica única da Fusão,

capaz de diferenciá-la das demais formas de reorganização societária.

A natureza contratual faz-se presente na Fusão, assim como visto na Incorporação,

com a peculiaridade de se tratar de contrato dotado de maior complexidade. Com relação a

este ponto, cabe expor a evolução do pensamento doutrinário sobre a questão.

No passado, a Fusão era entendida como um mero contrato de compra e venda ou

cessão do patrimônio (ou ativo) societário, tese esta rechaçada por Bulgarelli, que prefere

classificá-la como "um instituto complexo de natureza contratual-societária":

[...] trata-se de um fenômeno complexo: a transposição patrimonial (complexo de relações ativas e passivas), e de um grupo de sócios, abalando as estruturas das sociedades participantes, infletindo sobre os direitos dos sócios e dos credores, afetando os terceiros que com elas mantinham relações, não pode ser vista como uma operação simples, como a de mera subscrição de ações e sua integralização em natura.92

Na visão de Carvalhosa: "A fusão constitui um negócio jurídico plurilateral que tem

como finalidade jurídica a integração de patrimônios societários de uma nova sociedade."93

Ainda, destaca o autor que o instituto acaba por ser um negócio sui generis com relação à

constituição - por subscrição particular - de sociedade. Isso fica bem claro quando

percebemos que os subscritores do capital da sociedade resultante da operação não são as

sociedades formadoras, mas sim os sócios ou acionistas destas. Nesta situação, existe uma

apropriação real indireta do patrimônio da sociedade, como será oportunamente exposto. Por

fim, da mesma maneira que na Incorporação, a Fusão pode ser encarada, ao mesmo tempo,

91 Op. Cit. Página 39. 92 Op. Cit. Páginas 42 e 43. 93 Op. Cit. Página 285.

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como um ato constitutivo (pois ocorre a agregação dos patrimônios das sociedades

envolvidas, gerando-se uma nova sociedade) e desconstitutivo (em razão da extinção das

pessoas jurídicas fundidas).

O diploma de 1940 acabou por consagrar vários elementos caracterizadores da

operação. A partir de então, a Fusão passou a ser encarada como um processo societário no

qual ocorre a união de duas ou mais sociedades para a criação de uma nova sociedade, que

acabará por sucedê-las de forma universal. Ainda, nota-se a transmissão global dos

patrimônios envolvidos, passando os acionistas das fusionadas - que são obrigatoriamente

extintas - a compor o quadro societário da nova sociedade.

A LSA (artigo 228) pouco acrescentou ao tema, mantendo quase que inteiramente a

estrutura anteriormente fixada. Na verdade, as principais contribuições foram no sentido da

instituição do Protocolo e Justificação, tópicos estes já tratados neste estudo.

Como se sabe, a Fusão acaba por gerar a extinção das sociedades envolvidas, pois os

patrimônios destas irão compor o capital social da nova sociedade. Assim como notado na

Incorporação, a Fusão é causa direta de extinção das sociedades fundidas (artigo 219, inciso II

da LSA), não devendo se falar em liquidação das sociedades fusionadas. Contudo, é

interessante notar, como bem destaca Carvalhosa, que

embora não haja liquidação, os sócios da nova sociedade recebem indiretamente parcela desse patrimônio líquido através das ações ou quotas resultantes da subscrição que em seus nomes fazem do capital da nova sociedade. Assim, diretamente, o patrimônio das sociedades fundidas transfere-se para nova sociedade, que se torna sucessora universal. E, indiretamente, o patrimônio líquido transfere-se para os antigos sócios ou acionistas das sociedades fundidas, através da distribuição de ações decorrentes da respectiva subscrição e integralização do capital da nova sociedade.94

Ainda, o mesmo autor entende que a subscrição do capital da nova sociedade acaba

por ser feito pelos antigos sócios e acionistas das fusionadas. Tais acionistas, na verdade,

praticam ato de subscrição com patrimônio alheio, vez que os recursos são provenientes das

sociedades anteriores. Apesar desta peculiar situação, é de se notar que patrimônio de tais

acionistas não se comunica com aquele referente às fusionadas, prevalecendo a total

autonomia entre o patrimônio da nova sociedade e o de seus sócios ou acionistas.

94 Op. Cit. Página 283.

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Tradicionalmente, a doutrina pátria propõe a divisão da Fusão em três fases. Para

Carvalhosa95, essas fases são: (I) Transmissão do patrimônio das sociedades fundidas para a

nova sociedade; (II) Passagem dos acionistas das sociedades fundidas para a nova sociedade;

(III) Extinção das sociedades transmitentes de seus patrimônios.

Ao seu turno, Bulhões Pedreira96 enxerga as seguintes etapas: (I) Definição das

estipulações do negócio - Nesta, os administradores ou acionistas das sociedades interessadas

elaboram Protocolo97 de Fusão e Justificação, que serão apreciados pelas respectivas

Assembleias Gerais; (II) Formação do Negócio - Sendo aprovado o Protocolo por cada uma

das Assembleias, serão nomeados os peritos que procederão às avaliações de praxe; (III)

Execução do Negócio Contratado - Findos os respectivos laudos de avaliação, os

administradores das sociedades convocarão os acionistas ou sócios das envolvidas, com o

intuito de que haja deliberação, em Assembleia Conjunta, acerca dos mencionados laudos.

Uma vez estes aprovados, terão lugar as tratativas para a constituição da nova sociedade.

Cumpre a observação do disposto no artigo 228, §2º da LSA, onde há vedação expressa ao

voto por parte dos acionistas ou sócios com relação aos laudos de avaliação das sociedades

que integram. Por fim, nos termos no §3º do mencionado artigo, os primeiros administradores

da jovem sociedade deverão promover o arquivamento e a publicação dos atos de fusão.

A efetivação da Fusão se dá na Assembleia Geral de que participam os sócios ou

acionistas de todas as sociedades envolvidas, deliberando-se por maioria de votos,

observando-se a limitação proveniente do artigo 228, §3º da LSA.

Com relação ao quorum para a aprovação da operação, respeitar-se-á o previsto no

artigo 136, inciso IV da LSA. Assim, deverá ele ser qualificado no momento anterior à

efetivação da operação.

Conforme leciona Carvalhosa98, na ocasião de Assembleia conjunta há de se observar

quorum separado para votação dos laudos de avaliação de cada uma das sociedades

envolvidas. Ainda, destaca que também haverá necessidade de separação do quorum na

ocasião da constituição da nova sociedade.

95 Op. Cit. Página 284. 96 Op. Cit. Página 1802. 97 Em razão das características da operação, o Protocolo deverá conter, nas palavras de Bulhões Pedreira (op. cit. página 1803), "[...] a solução a ser adotada quanto às ações ou quotas do capital de uma das sociedades possuídas por outra", bem como "[...] o projeto de estatuto social da nova sociedade a ser criada". 98 Op. Cit. Página 288.

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Anota Bulhões Pedreira como efeitos da Fusão:

[...] a criação de nova sociedade e a extinção das sociedades fundidas; a subrogação das ações das sociedades fundidas nas ações da sociedade nova que as substituem; a sucessão, pela nova sociedade, em todos os direitos e obrigações das sociedades fundidas; a consolidação dos patrimônios destas e a unificação dos grupos sociais e das organizações sociais das sociedades fundidas.99

Acerca do direito de retirada, cumpre a observação do artigo 137, inciso II da LSA.

Assim, os acionistas que dissentirem da deliberação de aprovação do Protocolo de Fusão

farão jus ao recesso, desde que não sejam titulares de ações de espécie ou classe que tenham

liquidez (alínea a, inciso II do artigo 137) e dispersão (alínea b, inciso II do artigo 137) no

mercado.

Por fim, com relação às operações de Fusão de companhia controladora com a

controlada, bem como no caso de Fusão de sociedades sob controle comum, deverá ser

observado o artigo 264 da LSA, analisado no capítulo anterior.

99 Op. Cit. Página 1804.

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VI - Cisão

A Cisão de sociedades, apesar de ter sido inserida na legislação brasileira apenas com

a edição da LSA, está longe de ser uma forma irrelevante de reorganização societária. Em

uma análise menor, somos levados a pensar que se trata de fenômeno ligado ao

enfraquecimento da sociedade, conectado-se a um eventual insucesso empresarial. Tal

posicionamento não se justifica inteiramente, já que a utilização do instituto pode ter como

pano de fundo um plano muito maior, fazendo parte de complexa estratégia para o

desenvolvimento da companhia.

Como destaca Carvalhosa100, existem duas funções essenciais para o instituto. A

primeira, de cunho subjetivo, trata do caso em que se pretende acomodar interesses

individuais dos sócios ou acionistas, resultando na divisão do patrimônio social entre eles. A

segunda, de caráter objetivo, diz respeito à estratégia operacional da empresa, ligando-se à

racionalização ou expansão do negócio. Nesta segunda função, nota-se que poderá haver uma

concentração ou desconcentração econômica, a depender do caso concreto.

A relação existente entre os institutos da Incorporação, Fusão e Cisão é muito bem

exposta pelo mesmo Carvalhosa, merecendo transcrição:

Do ponto de vista da sociedade que irá dispor de seu patrimônio, a cisão constitui uma fusão às avessas, na medida em que neste negócio há uma congregação de dois ou mais patrimônios sociais, cujas sociedades respectivas extinguem-se para constituir uma nova. Na cisão, ao contrário, há o fracionamento do capital da cindida e não a soma para o efeito de constituição de duas ou mais sociedades.

Com respeito à incorporação, a cisão também constitui o oposto. Naquele negócio, uma sociedade absorve o patrimônio de outra, aumentando o seu capital, e com a necessária extinção daquela. Na cisão, o movimento é contrário: desdobra-se o capital da cindida para a formação ou aumento do capital de sociedade nova ou existente. Não há agregação, mas desagregação patrimonial, além de, no caso de cisão parcial, não ocorrer a extinção da cindida.101

Com relação à natureza jurídica do instituto, a transferência de parcelas do patrimônio

da sociedade cindida para as destinatárias "dá-se a título de pagamento das ações ou das

quotas subscritas pelos sócios ou acionistas daquela"102, conforme leciona Carvalhosa. Desta

maneira, afasta-se a ideia de que a cindida - nos casos de Cisão Total - tenha por objetivo a

alienação, permuta ou venda do patrimônio. Nesta situação, a sociedade busca tão somente

100 Op. Cit. Página 301. 101 Op. Cit. Página 301. 102 Op. Cit. Página 305.

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extinguir-se, fazendo com que seus sócios ou acionistas acabem por subscrever - fazendo uso

das parcelas patrimoniais - o capital das sociedades destinatárias. Diferente é a vontade da

cindida nos casos de Cisão Parcial. Nestes, busca subscrever o capital de novas ou existentes

sociedades com parcelas de seu próprio patrimônio social. Assim, conforme Carvalhosa, tal

patrimônio é "moeda de pagamento de subscrição de capital e não alienação patrimonial"103.

Assim como observado na Incorporação e na Fusão, a Cisão também é um negócio

jurídico plurilateral104. A finalidade da operação é a separação do patrimônio social em

parcelas. Por sua vez, estas poderão ser utilizadas para a constituição de nova sociedade ou

para aporte de capital em sociedade nova ou já existente. Ligando-se ao exposto, Carvalhosa

nos traz como causa da Cisão "a intenção válida e eficaz dos sócios e acionistas de

racionalizar sua participação no capital da sociedade cindida, mediante sua repartição em

outras sociedades novas ou existentes"105. Nota-se, então, grande versatilidade do instituto,

vez que poderá ser utilizado tanto para "socorro" da Companhia como para investimentos em

outras sociedades.

A doutrina francesa, mais precisamente na obra de Champaud106, tradicionalmente

divide a Cisão em três tipos, a saber: (I) Cisão pura - É a operação que resulta na constituição

de duas ou mais sociedades novas, em razão da divisão do ativo de uma sociedade

preexistente, que será ao final extinta; (II) Cisão Absorção - Nesta, a sociedade reparte seu

patrimônio entre duas ou mais sociedades preexistentes, sendo, ao final, extinta.; (III) Falsa-

Cisão ou apport partiel d'actif, também chamada de cisão parcial ou fusão parcial - A

sociedade transfere parte de seu ativo para outra empresa, não se extinguindo ao término da

operação.

A LSA acabou tomando por base a experiência francesa, incorporando dois tipos de

Cisão em nosso ordenamento. Neste ponto, existem duas classificações principais. Para

Carvalhosa107, a Cisão poderá ser total (versão total do patrimônio da cindida, que se extingue

sem se dissolver) ou parcial (versão de parte do patrimônio da cindida, continuando esta a

existir). Ainda, será simples quando apenas uma sociedade for destinatária do patrimônio

transferido. Por sua vez, será múltipla quando mais de uma sociedade receber o patrimônio da

103 Op. Cit. Página 305. 104 Importante destacar que o posicionamento majoritário da doutrina vai no sentido de considerar a Cisão como uma das espécies de atos de concentração empresarial, assim como observado na Incorporação e na Fusão. 105 Op. Cit. Página 303. 106 in Bulgarelli - Op. Cit. Página 58. 107 Op.Cit.Páginas 293-294.

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cindida. Com relação à sociedade destinatária, haverá Cisão Imprópria se a sociedade já for

existente; sendo constituída sociedade especialmente em razão da operação, terá lugar a Cisão

Própria.

Em que pese a classificação adotada por Carvalhosa, seguiremos o modelo proposto

por Bulhões Pedreira108, já que este mostra-se mais apropriado para uma melhor compreensão

do instituto. Assim, de acordo com o mencionado autor temos: (I) Cisão Pura (artigo 229,

caput da LSA), dividindo-se em total ou parcial e (II) Cisão com Incorporação (artigo 229,

§3º da LSA), aplicando-se a mesma divisão de (I).

Na Cisão Pura, ocorre a transferência de uma ou mais parcelas de patrimônio da

sociedade cindida em favor de sociedades especialmente constituídas para tal recebimento. A

cindida será extinta no caso de versão total do patrimônio. Sendo parcial a versão, continuará

a existir, porém com capital diminuído.

A operação de Cisão Pura acaba por apresentar três etapas: (I) Definição das

estipulações do negócio - Nesta, os administradores ou acionistas da futura cindida elaboram

e firmam justificação a ser deliberada pela Assembleia Geral, devendo ser observado o

conteúdo dos artigos 224 (Protocolo) e 225 (Justificação) da LSA109; (II) Formação do

negócio jurídico unilateral - A aprovação da Justificação pela Assembleia Geral forma o

negócio jurídico da Cisão; (III) Execução do negócio jurídico - Formado o negócio, cabe à

Assembleia Geral a nomeação dos peritos que procederão à avaliação da parcela patrimonial a

ser vertida. Após a confecção do laudo, haverá nova deliberação assemblear. Sendo aprovado,

efetiva-se a operação. Cabe lembrar que no caso de versão de capital para sociedade nova, a

Assembleia que aprovar o laudo será considerada como a constitutiva de tal sociedade (artigo

229, §2º da LSA).

Os efeitos da operação de Cisão Pura com versão total do patrimônio, segundo

Bulhões Pedreira, são:

[...] a constituição de novas sociedades que absorverão parcelas da companhia cindida e a extinção desta; a subrogação das ações da sociedade cindida nas ações das sociedades criadas; as sociedades que absorverem parcelas de patrimônio da cindida sucederão a esta, nos direitos e obrigações integrantes da parcela de patrimônio absorvida e, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos

108 Op. Cit. Página 1804-1809. 109 Conforme expõe Bulhões Pedreira (op. cit. página 1806), além dos elementos de praxe, deverá a justificação conter o valor do capital social da sociedade a ser criada, o projeto de estatuto da nova sociedade, bem como as alterações no estatuto social da companhia cindida.

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direitos e obrigações não relacionados (art. 229, §1º); a consolidação das parcelas de patrimônio da cindida nas novas sociedades e a formação dos grupos sociais e das organizações sociais das novas sociedades.110

Por sua vez, os efeitos da Cisão Pura com versão parcial do patrimônio, para o

mencionado autor, são:

[...] a constituição de companhia ou companhias que absorverão parcelas de patrimônio da cindida, que remanescerá com o restante do seu patrimônio; as ações da companhia cindida que se extinguirem serão subrogadas nas ações da nova ou novas companhias constituídas; e estas responderão, solidariamente com a cindida, pela obrigações desta anteriores à cisão (art. 233); a formação dos patrimônios das novas sociedades com parcela de patrimônio da cindida, dos grupos sociais das novas sociedades com os acionistas da cindida e das organizações sociais das novas sociedades.111

Cumpre observar que o ato de Cisão Parcial poderá estipular restrições à

responsabilidade da sociedade beneficiada. Tal ponto será abordado no capítulo seguinte do

presente estudo.

Os acionistas dissidentes da companhia cindida terão direito de retirada se a operação

der ensejo a uma das seguintes situações, previstas no artigo 137, inciso III, alíneas a, b e c da

LSA: (i) mudança do objeto social, com exceção da hipótese na qual o patrimônio cindido for

vertido para sociedade com objeto social preponderantemente coincidente com aquele

desenvolvido pela cindida; (ii) redução do dividendo obrigatório; (iii) participação em grupo

de sociedades.

Antes de prosseguirmos, faz-se necessária a análise do disposto no §5º do artigo 229

da LSA. Segundo seu conteúdo, via de regra, as ações que forem integralizadas com parcelas

de patrimônio da companhia cindida serão destinadas ao titulares das ações extintas, na

proporção das que possuíam. Contudo, poderá haver mudança na proporção, desde que

aprovado por todos os acionistas da cindida, até mesmo aqueles sem direito de voto. O

objetivo da norma é a manutenção do direito de participação dos acionistas da cindida, pois

"[...] caso contrário, os direitos de participação dos acionistas podem sofrer modificações

importantes na medida em que os acionistas passem a possuir participações diferentes em

sociedades que tenham absorvido parcelas de patrimônio com valores diversos".112

Na modalidade de Cisão com Incorporação, ocorre a absorção da parcela patrimonial

da companhia cindida por sociedade já existente. Conforme o observado na Cisão Pura, a

110 Op. Cit. Página 1806. 111 Op. Cit. Página 1806. 112 Bulhões Pedreira - Op. Cit. Página 1808.

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cindida será extinta apenas se houver versão total de seu patrimônio, portanto, continuará a

existir se a transferência for parcial.

Como bem leciona Bulhões Pedreira113, tal modalidade configura claramente um

coligação entre os negócios jurídicos de Cisão (por força da transferência de parcela

patrimonial) e Incorporação (em razão da absorção efetuada pela sociedade existente). Assim,

não sem razão, o artigo 229, §3º da LSA aplica à Cisão com Incorporação as disposições

acerca da Incorporação.

A Cisão com Incorporação, também pode ser dividida em três etapas, a saber: (I)

Definição das estipulações do negócio - Corresponde à elaboração do Protocolo114 e da

Justificação por parte dos administradores ou sócios das sociedades interessadas; (II)

Formação do negócio - Terá lugar a deliberação sobre a operação. Sendo aprovada, formado

estará o negócio; (III) Execução do negócio contratado - Uma vez aprovado o Protocolo de

Incorporação, a Assembleia Geral da companhia incorporadora autorizará o aumento de seu

capital social, que será subscrito e integralizado pela cindida, mediante versão da parcela

patrimonial correspondente. Além disso, cabe à Assembleia a nomeação dos peritos que

avaliarão a parcela mencionada. Por sua vez, a sociedade a se cindir autorizará seus

administradores a praticarem os atos necessários à incorporação, mediante subscrição de

aumento do capital da incorporadora. Após a aprovação do laudo de avaliação por parte da

incorporadora, efetivada estará a incorporação. Por fim, os administradores das sociedades

envolvidas (cindidas e incorporadoras) deverão promover o arquivamento e publicação dos

atos da Cisão com Incorporação.

Conforme mencionado no capítulo acerca da Incorporação, apesar do procedimento

acima prever duas assembleias da incorporadora e outra da cindida, a prática acabou por

estabelecer a necessidade de apenas uma Assembleia Geral da incorporadora, sendo requisito

apenas a prévia elaboração do laudo de avaliação.

Os efeitos destacados por Bulhões Pedreira para a Cisão Total com Incorporação são

[...] a extinção da cindida e a absorção de parcelas do seu patrimônio por duas ou mais sociedades existentes; a subrogação das ações da cindida nas ações das sociedades que incorporarem parcelas de seu patrimônio; as sociedades que incorporarem parcelas do patrimônio da cindida sucederão a esta, nos direitos e

113 Op. Cit. Página 1808. 114 Conforme o entendimento de Bulhões Pedreira (op. cit. página 1810), além dos elementos de praxe, deverá o Protocolo conter os projetos de alterações estatutárias da incorporadora e da cindida, sendo indispensável a aprovação dos mesmos para a efetivação da operação.

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obrigações integrantes da parcela de patrimônio absorvida e, na proporção dos patrimônios líquidos transferidos, nos direitos e obrigações não relacionados (art. 229, § 1º); a consolidação no patrimônio ou patrimônios da incorporadora ou incorporadoras das parcelas de patrimônio da sociedade cindida e a modificação nos grupos sociais e nas organizações sociais das incorporadoras.115

Por sua vez, sendo a Cisão Parcial com Incorporação, teremos como efeitos

[...] a absorção pela incorporadora ou incorporadoras de parcela de patrimônio da cindida, que remanescerá com o restante do seu patrimônio; as ações da companhia cindida que se extinguirem serão subrogadas nas ações da incorporadora ou incorporadoras; e as sociedades incorporadoras responderão, solidariamente com a cindida, pelas obrigações desta anteriores à cisão; a consolidação no patrimônio da incorporadora da parcela de patrimônio da sociedade cindida e a modificação nos grupos sociais e nas organizações sociais das duas sociedades.116

Sobre o direito de retirada, cumpre destacar que como o artigo 229, §3º da LSA

determina que serão aplicadas as disposições acerca da Incorporação nos caso de negócio de

Cisão com Incorporação, farão jus ao exercício de tal direito aqueles acionistas que não forem

titulares de ações dotadas, cumulativamente, de liquidez (alínea a, inciso II, artigo 137) e

dispersão (alínea b, inciso II, artigo 137).

O quorum deliberativo na companhia a ser cindida será o qualificado, nos termos do

artigo 136, inciso IX da LSA. Por fim, na hipótese de Cisão com Incorporação, a sociedade

beneficiária deverá contar com a aprovação da maioria absoluta de seus membros (artigo 129

da LSA), já que o negócio corresponde apenas a um aumento do capital social da

incorporadora.

115 Op. Cit. Página 1810. 116 Op. Cit. Página 1811.

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VII - Considerações Sobre os Artigos 230 a 234 da Lei de Sociedades Anônimas e

Instrução CVM 319/1999

No âmbito das Incorporações, Fusões e Cisões podemos dividir os sujeitos afetados

em dois grupos. O primeiro, formado pelos acionistas (com destaque para os minoritários), é

protegido pelo conhecido direito de retirada (artigo 137 da LSA), que contém pontos

relevantes quanto à sua operacionalização no artigo 230 da lei societária. Além dele, aos

acionistas de companhias abertas aplica-se a Instrução CVM 319/1999, oportunamente

melhor exposta. Por sua vez, o segundo grupo materializa-se pelos credores, sendo estes

protegidos pelos artigos 231, 232, 233 e 234 do diploma das companhias.

Desde os tempos do Decreto-Lei 2627/1940 a proteção a tais grupos já tinha lugar. No

regime de então, era assegurado o direito de recesso ao acionista que não concordasse com a

operação de Incorporação ou Fusão a se desenvolver. Além disso, como bem lembra

Bulgarelli117, o legislador não proibiu o voto dos acionistas nas deliberações em que tivesse

interesses contrários aos da sociedade, contudo, responderia por perdas e danos na

eventualidade de seu voto determinar a maioria necessária. Com relação aos credores, estes

poderiam, no prazo decadencial de três meses, anular118 judicialmente a operação de

Incorporação ou Fusão.

Por fim, destacamos que a proteção justifica-se por um simples motivo: para que o

sistema societário funcione de maneira adequada, deve-se atrair tanto o capital interno

(acionistas) como o externo (credores). Desta forma, fundamental é que haja um conteúdo

mínimo de direitos e garantias, capaz de dar segurança jurídica aos envolvidos. Porém,

havendo um excesso de garantias e direitos aos acionistas e credores da companhia, afetar-se-

á diretamente a viabilidade das operações societárias, tornando-as extremamente rígidas e

custosas.

Dito isto, passemos à análise dos itens relacionados aos temas acima tratados.

A) Direito de Retirada (artigo 230 da LSA)

O mencionado artigo complementa o artigo 137, inciso II da LSA. Assim, define que o

prazo decadencial (30 dias, de acordo com o inciso IV do artigo 137) para exercício do direito

117 Op. Cit. Página 163. 118 Adotou-se o sistema de anulação posterior da operação, de inspiração alemã.

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de retirada decorrente de operações de Incorporação ou Fusão terá início com a publicação da

ata da Assembleia Geral que aprovou o Protocolo ou a Justificação.

Com relação aos pressupostos e requisitos para o exercício do direito de recesso,

seguindo a ideia de Carvalhosa119, temos que é indispensável que o acionista seja

contemporâneo ao Protocolo das operações, pouco importando seu comparecimento ou não na

Assembleia Geral que deliberou acerca do negócio.

Para as demais características relacionadas ao instituto, remetemos o leitor aos

Capítulos IV (Incorporação), V (Fusão) e VI (Cisão).

B) Direito dos Debenturistas (artigo 231 da LSA)

Segundo o caput do artigo, tendo a companhia emitido debêntures e estas estando em

circulação, deverão os debenturistas se reunir (Assembleia de debenturistas - artigo 71 da

LSA) a fim de aprovar previamente a Incorporação, Fusão ou Cisão que envolva tal

companhia.

Carvalhosa enxerga um claro "equívoco redacional do legislador, pois os credores não

têm competência para aprovar ou desaprovar negócios da alçada dos acionistas, que são

titulares do capital social e que, por isso, não podem submeter-se à vontade dos credores"120.

Desta maneira, na sistemática atual, a aprovação da operação por tais credores -

colocados em posição privilegiada pelo legislador121 - é condição indispensável para que os

acionistas possam dar início às deliberações relativas aos negócios de reorganização. Porém,

há uma exceção.

Nos termos do §1º, haverá dispensa de aprovação por parte dos titulares de debêntures

se for a eles assegurado o resgate delas122. O prazo para resgate não será inferior a seis meses,

contados a partir da data da publicação das atas das Assembleias relativas à Incorporação,

Fusão ou Cisão da Companhia.

119 Op. Cit. Página 319. 120 Op. Cit. Página 320. 121 Nesta linha, cabe o pensamento de Muniz (op. cit. página 184-185). Resumidamente, tal diferença no tratamento decorre na natureza dúplice das debêntures, vez que são títulos de crédito e valores mobiliários. Ou seja, são instrumentos de circulação de valores, indispensáveis à dinâmica das relações comerciais. Além disto, no caso de emissão pública há clara captação de poupança popular, não à toa sujeitando-se à regulação da CVM. 122 Conforme leciona Carvalhosa (op. cit. página 321), tal previsão de resgate deverá constar no Protocolo da operação.

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Por fim, em razão do §2º, no caso do mencionado resgate, a sociedade cindida, bem

como aquelas que absorverem as parcelas patrimoniais desta, passaram a responder

solidariamente pelo resgate das debêntures.

C) Direitos dos Credores na Incorporação ou Fusão (artigo 232 da LSA)

Nos casos específicos de Incorporação ou Fusão, os credores anteriores

prejudicados123 pela operação poderão pleitear judicialmente a anulação da mesma. Para isso,

é estabelecido o prazo decadencial de 60 dias, a ser contado da publicação dos atos relativos

ao negócio.

Da leitura dos §1º extrai-se que havendo consignação em pagamento promovida pela

sociedade incorporada ou resultante da fusão, restará prejudicada a anulação. Por força do §2º,

sendo ilíquida a dívida, a sociedade poderá garantir-lhe a execução, gerando com isso a

suspensão do processo de anulação.

Cumpre destacar que na eventualidade de falência da sucessora no período

correspondente ao prazo para anulação da operação (60 dias), os credores anteriores terão

direito de pedir que os patrimônios sejam separados, possibilitando que os créditos sejam

assumidos pelas respectivas massas (artigo 232, §3º da LSA).

D) Direitos dos Credores na Cisão (artigo 233 da LSA)

Através da leitura do artigo mencionado, percebe-se que há um tratamento distinto

daquele concedido aos credores na Incorporação e a Fusão.

Como bem observa Carvalhosa124, adotou-se o regime de oposição, afastando-se,

assim, ao menos em um primeiro momento, a possibilidade de anulação da operação pelo

credores.

A regra relacionada à operação é a mesma encontrada anteriormente, ou seja, há

sucessão universal, bem como solidariedade no caso de Cisão Total125. Por sua vez, na

123 Como bem nos traz Carvalhosa (op. cit. página 327): " [...] o conceito de prejuízo (credor prejudicado) implica, necessariamente, a noção de dano decorrente de ato ilícito da sociedade devedora por sucessão. Aplica-se à hipótese o art. 159 do Código Civil, no sentido amplo de ato ilícito, abrangendo atos culposos ou dolosos, decorrentes aqui do negócio de incorporação ou de fusão, ou ainda de práticas dos administradores das sociedades assim reorganizadas. O dano configura-se pela possível ou concreta diminuição do patrimônio do devedor representado pelo crédito agora junto à incorporadora o resultante da fusão. Esse dano pode ser efetivo (atual) ou potencial ou eventual." 124 Op. Cit. Página 331.

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hipótese de Cisão Parcial, é possível que tenha lugar a exclusão da solidariedade e da

limitação das obrigações assumidas. Para isso, nos termos do parágrafo único do artigo 233,

deverá o Protocolo da operação estipular a limitação da responsabilidade da companhia,

passando esta a responder apenas pelas obrigações que lhe forem transferidas, afastando-se a

solidariedade com a cindida. Porém, ao adotar tal medida, dá-se margem à oposição dos

credores, a ser exercida no prazo decadencial de 90 dias contados da data da publicação dos

atos relativos à Cisão.

A oposição em si guarda características bem peculiares, como se nota na lição de

Carvalhosa:

A oposição, portanto, faz-se por mero interesse, e não por defeito no negócio de sucessão legal com respeito ao crédito preconstituído. Sendo assim, o pressuposto da oposição é a validade da cláusula de exclusão da solidariedade. Se não houver esse pressuposto de ilicitude, o remédio será o pedido de anulação do negócio de cisão parcial. O primeiro remédio, portanto, não exclui o segundo. Apenas têm fundamentos diversos, respectivamente, de licitude e de ilicitude da sucessão, com respeito aos direitos do credor.

Portanto, o direito de oposição obedece ao critério de conveniência do credor. O direito de requerer a anulação origina-se da transferência defeituosa de seu crédito (art. 232).126

Com relação aos efeitos, para o mesmo autor haverá a suspensão da eficácia de todo o

negócio "até que se restabeleça a solidariedade plena, ou, então, seja o seu crédito

antecipadamente pago"127. Tal visão não é compartilhada por Muniz128. Segundo ele, o credor

fica impossibilitado de exigir o desfazimento da operação, podendo se opor apenas à

limitação da cláusula de responsabilidade. Além disso, observa que a regra de proteção ao

credor mediante responsabilidade (artigo 233 da LSA) somente terá lugar no caso da Cisão

Pura. Desta maneira, no caso de Cisão com Incorporação a regra ficaria afastada, em razão da

natureza da operação, prevalecendo as normas aplicáveis à Incorporação.

E) Averbação da Sucessão (artigo 234 da LSA)

Por meio de tal artigo, o legislador buscou reduzir o ritualismo presente na legislação

anterior. Assim, determinou que a certidão da Incorporação, Fusão ou Cisão é documento

suficiente para a averbação da sucessão havida por força das mencionadas operações. 125 Assim, de acordo com Muniz (op. cit. página 182): "[...]Sintetizando, o credor anterior à data de publicação da assembleia ou contrato social que deliberou a cisão poderá livremente escolher qual, dente as sociedades envolvidas no processo de cisão, irá quitar o passivo, seja a sociedade cindida, sejam quaisquer das sociedades sucessoras." 126 Op. Cit. Página 332. 127 Op. Cit. Página 333. 128 Op. Cit. Página 183-184.

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Note-se que é imprescindível que a certidão esteja devidamente passada pelo Registro

de Empresas Mercantis, a fim de adquirir o caráter formal minimamente necessário.

Conforme expõe Carvalhosa129, ainda que o legislador fale apenas em averbação, o

objeto do preceito é abrangente, de forma que o título do registro comercial tem pleno valor

para fins de translação de propriedade imobiliária ou mobiliária.

F) Instrução CVM 319/1999

A Instrução CVM 319/1999130 trata das operações de Incorporação, Fusão e Cisão que

envolvam companhia aberta, ou as sociedades a ela equiparadas (artigo 1º, §1º e §2º).

Conforme nos traz Muniz131, a edição de tal norma foi decorrência quase direta do

processo de privatização que ocorria à época. Grande parte das operações de Incorporação de

então tinham, resumidamente, duas finalidades:

[...](i) assegurar o benefício fiscal previsto no artigo 7º da Lei nº 9.532/97, que permite deduzir o prêmio pago na aquisição de um investimento; e (ii) dividir com os minoritários o custo do financiamento contraído para fins de adquirir o controle da pessoa jurídica privatizada132.

Desta forma, notou-se que as operações haviam se tornado uma espécie de artimanha

capaz de prejudicar de forma clara os acionistas minoritários. Assim, naquele período, notou a

CVM fortes indícios de abuso. Neste contexto, foi editado o normativo ora em estudo, com o

intuito de tutelar os minoritários das companhias abertas.

A norma em análise aborda os seguintes aspectos: (I) Divulgação de informações

(artigos 2º, 3º, 4º e 5º); (II) Aproveitamento econômico e tratamento contábil do ágio ou

deságio (artigos 6º, 7º e 8º); (III) Relação de Substituição das ações dos acionistas não

controladores, especificamente nas operações de Incorporação (artigos 9º, 10 e 11); (IV)

Obrigatoriedade de auditoria independente das demonstrações financeiras (artigos 12 e 13);

(V) Conteúdo do relatório da administração (artigo 14); (VI) Hipóteses de exercício abusivo

do poder de controle (artigo 15); (VII) Fluxo de dividendos dos acionistas não controladores

(artigo 16); e (VIII) Infrações Graves.

Em (I), as condições da Incorporação, Fusão ou Cisão deverão ser comunicadas à

CVM, às bolsas de valores ou entidades do mercado de balcão organizado nas quais os

129 Op. Cit. Página 334. 130 Instrução CVM nº 319, de 03 de dezembro de 1999. 131 Op. Cit. Página 321-322. 132 Op. Cit. Página 321.

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valores mobiliários da companhia sejam negociados, bem como divulgadas na imprensa

mediante publicação em jornais utilizados rotineiramente pela sociedade. O prazo para que se

efetive tal divulgação é de até 15 dias antes da data de realização da Assembleia Geral que

deliberará sobre o Protocolo e a Justificação da operação proposta.

O conteúdo mínimo da comunicação corresponde aos incisos I a XVII do §2º do

Artigo 2º.

Nos termos do artigo 3º, toda e qualquer informação, bem como os documentos que

tenham sido disponibilizados ao controlador hão de ser obrigatoriamente postos à disposição

de todos os acionistas desde a data de publicação das condições da operação.

Por sua vez, o artigo 4º impõe que os laudos definitivos deverão ser disponibilizados

aos acionistas tão logo sejam finalizados. Para que tal situação faça-se conhecer aos

acionistas, necessária será a publicação de aviso nos jornais habitualmente utilizados pela

companhia. O prazo para que o aviso seja publicado, por óbvio, não poderá ultrapassar a data

de publicação do anúncio de convocação da Assembleia Geral que deliberará sobre tais

documentos.

O artigo 5º trata das empresas e profissionais que prestaram qualquer tipo de serviço

relativo às operações de Incorporação, Fusão ou Cisão. Assim, tais envolvidos deverão deixar

esclarecido nos documentos que produzirem se possuem algum interesse direto ou indireto na

companhia ou na operação em particular, bem como se existe qualquer outra circunstância

que acabe por caracterizar conflito de interesses. Ainda, deverão informar se o controlador ou

os administradores da companhia direcionaram, limitaram, dificultaram ou praticaram

quaisquer atos que tenham ou possam ter comprometido, de qualquer maneira, o resultado das

conclusões apresentadas.

Ante o exposto, clara fica a política de full disclosure adotada pela autoridade

reguladora nacional, a CVM.

Ao seu turno, em (II) são abordados, nos dizeres de Bulhões Pedreira, os aspectos

relativos ao "tratamento contábil do ágio e do deságio, conforme o caso resultante da

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aquisição do controle da companhia aberta que vier a incorporar sua controladora, e do

benefício fiscal que a companhia vier a auferir em decorrência da amortização do ágio"133.

Em (III), principalmente, indica-se que nos casos de Incorporação de companhia

aberta por sua controladora, ou desta por companhia aberta controlada, bem como na hipótese

de Fusão de controladora com controlada, o cálculo da relação de substituição das ações dos

acionistas não controladores deverá excluir o saldo do ágio pago na aquisição da controlada.

No tópico (IV), fica estabelecido que as demonstrações financeiras deverão ser

elaboradas conforme as disposições da legislação societária e das normas da CVM. Ainda,

independentemente da forma societária da outra sociedade envolvida na operação, serão

adotados os mesmos critérios contábeis seguidos pela companhia aberta.

Por sua vez, em (V) fica determinado que no relatório da administração referente ao

exercício no qual tenha havido qualquer uma das operações já mencionadas, deverá constar

um capítulo ou parte específica, devidamente destacada, onde serão relacionados

pormenorizadamente todos os custos suportados pela companhia em razão da operação, bem

como a quantificação da economia e demais vantagens geradas pelo negócio. Além disto,

tanto este relatório como os dois seguintes deverão expor com detalhes as mudanças ocorridas

na administração e na condução dos negócios por força da operação havida.

Em (VI) há um rol de condutas a serem evitadas pelos controladores da companhia,

sob pena de serem entendidas como exercício abusivo do poder de controle.

No ponto (VII), há expressa vedação à diminuição - por meio do ágio amortizado a

cada exercício, dos dividendos atribuídos aos acionistas não controladores da companhia.

Por fim, em (VIII) são consideradas como infrações graves, para fins do artigo 11, §3º

da Lei 6.385/1976134 o descumprimento ao disposto nos artigos 170, 223, 224, 225, 226, 227,

228, 229, 230, 231 e 264 da LSA, bem como a não observação dos prazos e obrigações

constantes na ora analisada Instrução CVM 319/1999, adicionando-se os atos definidos como

abusivos no ponto (VII). Ficam sujeitos às penalidades tipificadas, a depender do caso

concreto, a companhia aberta, os membros do Conselho de Administração e Fiscal, e da

Diretoria, os integrantes de órgão técnicos ou consultivos, acrescentando-se também outras

133 Op. Cit. Página 1796. 134 Lei Federal nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976.

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pessoas naturais ou jurídicas que tenham concorrido para a infração (artigo 17, parágrafo

único).

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VIII - Aspectos Relativos às Operações de Fusão, Incorporação e Cisão de Sociedades

Anônimas nos Sistemas Societários do Reino Unido e dos Estados Unidos da América

(Estado do Delaware)

A comparação de legislações e sistemas jurídicos está longe de ser a tarefa mais

simples do Direito. Em alguns ramos, o estudo comparado é quase impossível, dada a

diversidade de conceitos e questões próprias encontradas em cada um dos sistemas jurídicos

analisados.

No Direito Societário a situação é mais favorável à comparação, haja vista que vários

institutos e conceitos foram por nós importados. Como se observou ao longo do presente

estudo, a influência do direito francês, italiano e alemão em nossa legislação societária é bem

clara. Modernamente, por força da crescente sofisticação das operações societárias nacionais,

passou-se a adotar alguns institutos e ideias provenientes do direito britânico e estadunidense,

principalmente.

Desta forma, nada mais natural do que o interesse em analisar com atenção especial a

legislação relativa às Incorporações, Fusões e Cisões no Reino Unido e nos Estados Unidos

da América (Estado do Delaware). Assim, justificamos a escolha de ambos em razão da

inegável tradição de tais nações em questões societárias, bem como por concentrarem as

maiores e mais complexas operações societárias do globo.

A) Reino Unido

A matéria alvo do presente estudo é regulada pelo Companies Act 2006 (CA 2006),

que trouxe consideráveis mudanças135 ao sistema societário britânico136. Além do CA 2006,

parte da matéria encontra suporte no Insolvency Act 1986 (IA 1986), conforme será

oportunamente explicado.

135 Para um panorama acerca das modificações ocorridas, consultar REISBERG, Arab. Corporate Law in the UK after Recent Reforms: The Good, the Bad and the Ugly. in Current Legal Problems. Oxford University Press, 2011. 136 Ao contrário do que muitos pensam, não há um sistema jurídico unificado no Reino Unido. Lá, existem três diferentes sistemas: o Inglês (Inglaterra e País de Gales), o Escocês e o Norte-Irlandês. Contudo, existem algumas matérias que não são afetadas por tal divisão, como os regramentos de direito comercial e societário. Assim, o Companies Act 2006 é um exemplo de diploma legal que é seguido de forma uniforme em todo o reino.

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Conforme nos traz Hudson137, podemos identificar seis formas principais de

reorganização societária no ordenamento britânico. Assim, temos as seguintes operações:

Mergers, Divisions, Takeovers, Reconstructions e Cross-Border Mergers.

As Mergers são dividas em duas espécies: (I) Mergers by Absorption138

(Fusão por

Absorção) e (II) Mergers by Formation of a New Company139 (Fusão por Formação de Nova

Companhia). No primeiro tipo, o instituto assemelha-se à Incorporação encontrada no direito

brasileiro. Assim, a Companhia adquirente, com a efetivação da operação, assumirá os

direitos e obrigações da adquirida. No segundo tipo, similar à Fusão da LSA, há a união de

duas ou mais Companhias, gerando-se uma única nova companhia, que assumirá os ativos e

passivos das fusionadas. Esse tipo de Merger também é chamado de Amalgamation.

As Divisions (também chamadas de Demergers ou Reconstructions) são similares aos

negócios de Cisão da lei brasileira, conforme se extrai por meio da leitura da Section 919 do

CA 2006. Para Hudson140, na mencionada operação ocorre a transferência de ativos para uma

ou mais Companhias, sendo estas criadas especificamente em razão da operação141 ou já

existentes. Cabe destacar que no caso de criação de nova sociedade, esta não precisará ser

obrigatoriamente uma Public Company142

, conforme o comando legal da Section 919 (1) (b).

As Takeovers assemelham-se às operações de incorporação de ações tratadas pela

LSA, fugindo, portanto, das operações-alvo do presente estudo. Apesar disto, cabe um

panorama acerca do assunto. Resumidamente, as Takeovers têm lugar quando não há nenhum

tipo de negociação entre os conselhos de administração das Companhia interessadas. Assim,

há a tentativa de tomada forçada do controle da Companhia alvo (target company) através da

compra de ações no mercado (raramente) ou de negociação direta entre os acionistas e a

Companhia ofertante (oferror company). A matéria é regulada pela Part 28 do CA 2006, bem

como pelo The City Code on Takeovers and Mergers Code (também chamado de "The City

Code" ou "Takeover Code"). A autoridade responsável pela regulação das atividades

mencionadas é o respeitadíssimo Takever Panel, órgão que agrega os representantes do

137 HUDSON, A.; FRISBY, S.; GIRVIN, S. Charlesworth's Company Law. 18th ed. London: Sweet & Maxwell, 2010 - página 761. 138 CA 2006, Section 904 (a). 139 CA 2006, Section 904 (b). 140 Op. Cit. Página762. 141 Portanto, compostas pela quase totalidade dos acionistas da cedente. 142Tal espécie societária aproxima-se bastante das sociedades anônimas de capital aberto. Afirma-se isso, principalmente, por duas características: (I) são as únicas Companhias admitidas a emitir valores mobiliários (securities) ao público em geral, estando autorizadas a fazer uso da Bolsa de Londres (London Stock Exchange); (II) A responsabilidade dos sócios é limitada por ações (shares).

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principais membros do mercado financeiro e de capitais britânico, em exemplo mais do que

claro de autorregulação.

Ao seu turno, as Reconstructions podem ser definidas como alterações na estrutura da

companhia. Conforme expõe Hudson143, na maioria das vezes haverá algum tipo de alteração

nos ativos pertencentes à Companhia ou grupo de Companhias, bem como mudanças na

divisão do capital e alterações em algumas rotinas administrativas. Em razão de tão

significativas mudanças, normalmente as Reconstructions acabam por resultar em uma

Merger ou Division, embora esses não sejam caminhos obrigatórios.

Por fim, existem as Cross-Border Mergers144. Tratam-se de operações de grande

interesse, principalmente no âmbito da União Europeia (UE). Segundo Hudson145, as

Companhias que estão sujeitas a diferentes jurisdições legais deverão firmar um

compromisso, que definirá a legislação a ser aplicada ao negócio, bem como quais direitos de

credores, acionistas e empregados serão reconhecidos ou mantidos, mesmo com a mudança

do regime jurídico. Contudo, para o mesmo autor146, a questão na maioria das vezes não é tão

simples, principalmente quando os negócios envolvem os sistemas do Commom Law e do

Civil Law. Para resolver a questão, foi editada a European Public Limited Liability Company

Regulations 2004. Em tal norma, fica determinado que a Companhia deverá se registrar em

um dos Estados-Membros da UE, devendo adotar a legislação relativa às Public Companies

do país selecionado. Em 2005, foi editada a Cross-Border Merger Directive 2005, que passou

a tratar de questões atinentes às operações envolvendo Limited Liability Companies em geral.

Como pré-condições para a aplicação da diretiva temos: (i) a legislação do país escolhido

deverá reconhecer a possibilidade de Mergers dos tipos societários envolvidos; e (ii) as

companhias seguirão os pontos mais importantes acerca da matéria nas respectivas legislações

de origem. Por fim, de forma resumida, o procedimento para a operação consiste na

elaboração conjunta e publicação de um Common Draft Term, que deverá conter alguns

elementos obrigatórios147. Os administradores das Companhias envolvidas deverão preparar

um relatório separado, a ser distribuído entre os acionistas, empregados e credores, que

conterá as explicações e justificativas econômicas da operação. Um mês antes da Assembleia

143 Op. Cit. Página 764. 144 Muitas vezes as Cross-Border Mergers acabam sendo deixadas de lado pelas Companhias britânicas, já que estas muitas vezes consideram mais proveitoso e dinâmico realizar uma Takeover para concluir o negócio. 145 Op. Cit. Página 762. 146 Op. Cit. Página 804- 810. 147 Artigo 5º da Cross-Border Merge Directive 2005.

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Geral deverá estar disponível a todos os acionistas o laudo elaborado por perito independente.

Uma vez aprovada a operação na Assembleia Geral, cada Estado-Membro da UE que estiver

representado na Companhia designará um Tribunal ou Notário ao qual será requerido que se

avalie a legalidade da Merger no âmbito da legislação local. Sendo constata a legalidade da

operação, haverá nova análise, desta vez por parte do órgão competente na jurisdição ao qual

a Companhia resultante está vinculada. Após esta etapa, todo o patrimônio das Companhias é

transferido para a nova, havendo também a migração dos acionistas e, consequentemente, a

extinção das Merged Companies.

Feita esta breve explanação acerca das principais operações de reorganização

societária do sistema britânico, é hora de analisarmos a procedimentalização das Mergers e

Divisions.

Basicamente, a negociação deverá ocorrer sob o manto dos Schemes of Arrangements.

Estes, conforme será visto logo abaixo, serão regulados ora pelo CA 2006 ora pelo IA 1986.

Na lição de Kershaw148, o Scheme of Arrangement pode ser encarado como a ferramenta

fundamental para reestruturação da Companhia, sendo dotado de considerável flexibilidade.

Graças a tal marca, bem como pelo fato de vincular obrigatoriamente os acionistas e credores

da Companhia, poderá ser utilizado em diversas situações, com destaque para os casos de

Mergers e Divisions, sem se afastar a tradicional hipótese de liquidação voluntária (winding

up) da Companhia.

Na situação dos Arrangements e Reconstructions do CA 2006 (Part 26), há

procedimento judicial específico a ser seguido. Nos termos da Section 896, deverá o Tribunal

competente marcar uma reunião de credores e acionistas (class meetings) da sociedade, que

deverão apreciar o plano apresentado pela Companhia149. Tais sujeitos deverão estar divididos

nas respectivas classes, ou seja, haverá um encontro de acionistas titulares de ações

ordinárias, outro dos acionistas preferenciais etc., ocorrendo o mesmo com relação aos

credores (credores com garantias, credores quirografários etc.). As votações serão realizadas

em separado, no âmbito de cada uma das classes existentes. Para que o plano seja aceito,

148 KERSHAW, David. Company Law in Context - Text and Materials. Oxford: Oxford University Press, 2009. Web Chapter A - Página 129. 149 Como bem destaca Hudson (op. cit. página 772), o conteúdo do Arrangement acabou por ser fixado pelos casos Savoy Hotel Ltd, Re [1981] Ch. 351; BTR Plc, Re [2000] 1 B.C.L.C. 740; T&N Ltd, Re [2006] 2

B.C.L.C. 374.

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serão necessários os votos da maioria dos credores (presentes ao meeting ou representados)

que representarem 3/4 dos créditos existentes, repetindo-se o mesmo para os acionistas150.

De acordo com a Section 897, uma vez marcado o encontro dos acionistas e/ou

credores, cada um deles receberá um statement contendo todos os pontos que serão discutidos

no encontro, bem como uma explicação sobre os efeitos do plano a ser apresentado. Cabe

destacar que o Tribunal não tem poder discricionário para excluir qualquer parte do conteúdo

do statement, conforme determinado no caso The Scottish Eastern, etc Trust Ltd,1966.

Não havendo nenhuma objeção, passa-se à fase seguinte (Section 899). Nesta, uma vez

aceito o plano, poderá o Tribunal, a requerimento da Companhia, bem como de qualquer dos

credores ou acionistas, aprovar o Arrangement. Contudo, antes disso, como bem destaca

Huson151, caberá à Corte analisar os seguintes pontos: (i) Cumprimento do estatuto da

sociedade; (ii) Se as classes de credores e/ou acionistas foram representadas corretamente,

bem como se as maiorias agiram com boa-fé, não prejudicando as minorias nos interesses

respectivos; e (iii) que o Arrangement é ao menos razoável, ou seja, se um homem médio de

negócios o aceitaria. Estes três itens são uma construção jurisprudencial, sendo estabelecidos

no caso Anglo-Continental Supply Co Ltd, Re [1922].

Uma vez aprovado e devidamente entregue a decisão ao Registrar (Notário)

competente152, todos os credores e/ou acionistas são compelidos a aceitar a negociação. Tal

posição gera bastante espanto, principalmente quando comparada com o encontrado no direito

brasileiro. Todavia, trata-se de situação mais do que pacificada no sistema britânico. Como

nos traz Hudson153, pensou-se na possibilidade de desrespeito ao conteúdo do artigo 1154 do

Primeiro Protocolo para a Convenção Europeia de Direitos Humanos (the First Protocol to

the European Convention on Human Rights), inserido no ordenamento do Reino Unido por

força do Human Rights Act 1998. Porém, no caso Equitable Life Assurance Society, Re

[2002], os argumentos no sentido da violação aos direitos humanos não foram aceitos, sendo

veementemente rechaçados em razão de: (I) não haver qualquer tipo de arbitrariedade ou

perda patrimonial injusta no contexto da Section 895; e (II) não se notar qualquer tipo de

150 Assim, o plano será aprovado pela maioria dos acionistas titulares de 3/4 do capital da sociedade. 151 Op. Cit. Página 777. 152 Section 899 (4) - CA 2006 . 153 Op. Cit. Página 778-779. 154 Resumidamente, tal artigo garante que nenhuma pessoa, seja natural ou jurídica, poderá ser privada de seu patrimônio, exceto no caso de interesse público ou nos casos previstos em lei ou nos princípios gerais do Direito Internacional.

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confisco patrimonial, vez que todo negócio acaba por envolver algum tipo de troca de direitos

entre as partes envolvidas.

Nos termos da Section 900, se o plano aprovado estiver no contexto de uma Merger

(na modalidade Amalgamation) ou Reconstruction, poderá o Tribunal, na lição de Wild e

Weinstein155, determinar (i) a transferência de ativos para a outra Companhia envolvida; (ii) a

atribuição de ações ou debêntures aos acionistas e debenturistas da antiga Companhia; (iii)

que os processos da antiga Companhia sejam assumidos pela outra envolvida; (iv) a

dissolução da Companhia sem que ocorra liquidação; e (v) outras medidas não previstas no

scheme com relação aos credores e/ou acionistas dissidentes.

Por sua vez, na Section 110 do IA 1986 existe outro tipo de situação a envolver as

Mergers e Divisions. Conforme leciona Hudson156, tal mecanismo é especificamente utilizado

no âmbito das operações que envolvam companhia em situação de liquidação voluntária

(voluntary winding up). Assim, sem a necessidade de autorização judicial (exceção feita aos

casos em que a liquidação voluntária seja de iniciativa dos credores), será possível a venda ou

transferência parcial ou total do negócio ou patrimônio para outra Companhia. Porém, há um

procedimento a ser seguido.

Como colocam Wild e Weinstein157, o procedimento mencionado consiste no seguinte:

(I) A Companhia autorizará a figura do Liquidante (Liquidator) a transferir os ativos da

mesma para a Companhia beneficiada, recebendo em troca ações desta. Cabe destacar que a

beneficiada poderá ser Companhia criada apenas em razão da operação ou uma já existente;

(II) Ocorrerá a distribuição das ações recebidas entre os acionistas da Companhia; (III) Os

acionistas que não concordarem com o negócio deverão se manifestar por escrito no prazo de

sete dias, tendo como destinatário o Liquidante. Este, terá duas opções: (i) não prosseguir com

o plano negocial ou (ii) comprar as ações dos dissidentes pelo preço definido por via de

acordo ou arbitragem. Esta segunda situação, no caso de existir um grande número de

membros descontentes com a operação, é extremamente custosa, pois a Companhia não

poderá ser liquidada até que a totalidade dos dissidentes seja paga. Cabe destacar que

qualquer tipo de limitação ao direito assegurado acima é anulável, por força do decidido no

caso Payne v The Cork Co Ltd [1900].

155 WILD, Charles; WEINSTEIN, Stuart. Smith and Keenan's Company Law. 15th ed. Essex: Pearson Education, 2011. Página 537. 156 Op. Cit. Página 768. 157 Op. Cit. Página 535.

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Até o presente momento temos o regramento aplicável às operações158 que envolvem

apenas Private Companies159. Contudo, havendo a participação de Public Companies, deverão

ser obsevados alguns pontos adicionais, previstos na Part 27160

do CA 2006, com destaque

para os a seguir expostos.

Primeiramente, o projeto de negócio deverá ser elaborado e adotado pelo Conselhos de

Administração de todas as Companhias envolvidas na operação161. No caso de Merger162

ou

Divisions163, os conselheiros/diretores de cada uma das envolvidas deverão entregar uma

cópia do projeto à Companies House (Registro de Companhias do Reino Unido).

Em momento posterior, ficam os conselheiros/diretores incumbidos de preparar um

relatório explicativo da operação, que deverá conter os fundamentos jurídicos e econômicos

da operação, com destaque para a relação de troca de ações164. Isto terá lugar tanto nos casos

de Mergers165

como de Divisions. Nestas últimas, também devem constar no relatório os

critérios que determinaram a atribuição de ações da companhia cedente para a cessionária, por

força da Section 923 do CA 2006. Nos termos da Section 915, na operação de Merger by

Absorption que envolver a incorporação de subsidiária integral (Wholly Owned Company)

pela controladora (Parent Company), fica dispensada a exigência do relatório explicativo,

bem como o laudo elaborado por perito, abaixo explicado.

Há a necessidade de produção de laudo pericial, a ser executado, via de regra, por cada

uma das Companhias interessadas166. Contudo, poderá haver a produção de um laudo único,

desde que autorizado pelo Tribunal.

O quorum para a aprovação da operação corresponde à maioria dos votos que

representarem 75% do valor de cada classe de ações existentes167. No caso de Merger by

158 Exceção feita nos casos de liquidação voluntária (winding up), pois nestes a Public Company fica sujeita ao regramento do Chapter 26. 159 As Private Companies são, resumidamente, aquelas que não poderão ser cotadas na Bolsa de Londres, justamente por serem proibidas de fazer ofertas públicas de seus valores mobiliários. Assim como exposto nas Public Companies, as divisão do capital social também será por ações (shares). Desta forma, guarda semelhança com as Sociedades Anônimas de Capital Fechado do direito brasileiro. 160 Conforme expõe Kershaw (op. cit. página 145), a aplicação da Section 27 poderá ser facilmente afastada, principalmente nos em que a Public Company opte por realizar a operação fazendo uso de uma subsidiária que adote a forma de Private Company. 161 Section 905 (Mergers) e Section 920 (Divisions) - CA 2006. 162 Section 906 CA 2006. 163 Section 921 CA 2006. 164 É possível notar uma espécie de junção do Protocolo e da Justificação encontrados no direito brasileiro. 165 Section 908 CA 2006. 166 Section 909 (Mergers) e 924 (Divisions) - CA 2006. 167 Section 907 (Mergers) e Section 922 (Divisions) - CA 2006.

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Absorption não será necessário a realização de qualquer tipo de Assembleia, desde que 90%

das ações da Companhia cedente pertençam à cessionária. Contudo, tal dispensa não é

absoluta, pois se 5% dos acionistas da beneficiada exigirem, a Assembleia volta a ter lugar168.

Assim, ainda que de forma geral, é possível visualizar como o ordenamento britânico

encara as operações de Incorporação, Fusão e Cisão.

B) Estados Unidos (Estado do Delaware)

Como bem se sabe, os Estados Unidos da América adotam o modelo federalista de

uma forma muito mais intensa do que o encontrado no Brasil, por exemplo. Isso fica bem

claro quando percebemos a grande quantidade de questões que são da competência legislativa

dos Estados-Federados. Desta forma, é muito diversa a quantidade (e qualidade) da legislação

societária estadunidense. Contudo, um pequeno Estado se destaca: Delaware.

Situado na costa leste, o Delaware possui o mais avançado sistema societário dos

EUA, tanto no âmbito do Judiciário (por força da Delaware's Court of Chancery) como do

Legislativo. A relevância fica nítida quando observamos que cerca de 3/5169 de todas as

Public Companies americanas escolhem ser regidas sob a legislação do Estado, situação que

se repete com mais de 60% das maiores empresas do país170 (Fortune 500).

Conforme nos trazem Armour, Black e Cheffins171, os principais fatores de atração das

Companhias ao Estado são: (i) os excelentes profissionais especializados nas diversas

operações societárias, tanto no setor privado como no público (com destaque para a Delaware

Division of Corporations); (ii) um Judiciário com notável capacidade técnica para as matérias

do Corporate Law, sendo as decisões e posicionamentos da já mencionada Delaware's Court

of Chancery referência tanto no plano nacional como internacional; e (iii) uma política

tributária bastante favorável às operações financeira e comerciais em geral, funcionando como

um verdadeiro Tax Haven quando comparado aos demais Estados do país.

Dito isso, passemos a analisar a legislação do Delaware no que diz respeito às

operações de Incorporação, Fusão e Cisão.

168 Section 917 - CA 2006. 169 ARMOUR, J.; BLACK, B.; CHEFFINS, B. Is Delaware Losing Its Cases?. University of Cambridge Faculty of Law - Legal Studies Research Paper Series - Paper NO.11/08 - Janeiro de 2011. 170 Segundo dados da Delaware Division of Corporations - Endereço eletrônico: corp.delaware.gov (acessado em 11 de março de 2012). 171 Op. Cit. Páginas 1-5.

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Os negócios de Incorporação (Merger) e Fusão (Consolidation) são previstos no

Subchapter IX (Merger, Consolidation or Conversion) do Chapter I (General Corporation

Law) do Title 8 (Corporations) do Delaware Code. Das espécies de negociação previstas em

tal diploma legal, interessam-nos quatro, a saber: (I) Merger or Consolidation of domestic

corporation; (II) Merger or Consolidation of domestic and foreign corporation; (III) Merger

of parent corporation and subsidiary or subsidiaries; (IV) Mergers or Consolidation of

domestic corporation and joint-stock or other association.

Na Section 251 temos a situação (I). Nesta, a operação de Merger ou Consolidation

envolverá apenas Corporations172

que tenham sido registradas sob a legislação do Delaware.

A materialização das negociações entre as Companhias interessadas acabará por resultar em

um Agreement of Merger or Consolidation. O conteúdo do Agreement não é totalmente livre,

devendo obrigatoriamente conter: (i) os termos e condições do negócio; (ii) o modo pelo qual

será realizada a operação; (iii) as especificações acerca das relações de troca de ações; e (iv)

no caso de Merger, as eventuais mudanças estatutárias decorrentes da operação; ou (vi) no

caso de Consolidation, o certificado de registro (Incorporation) deverá estar anexo ao

Agreement.

Em etapa seguinte, o acordo deverá ser aprovado pelo Conselho de Administração de

cada uma das sociedades envolvidas. Após, deverá ser submetido à votação em Assembleia

Geral, podendo haver convocação específica para tal ocasião. Em ambos os casos, os

acionistas deverão ser avisados com 20 dias - no mínimo - da data da Assembleia, recebendo

cópia do contrato ou um sumário da negociação.

Sendo obtida a maioria de votos das ações em circulação, o negócio estará aprovado,

devendo tal resultado ser registrado no Agreement. Posteriormente, deverá a Companhia

incorporadora ou a resultante arquivar o Certificado de Merger ou Consolidation.

Cabe destacar que o Agreement terá cláusula no sentido de possibilitar sua alteração

por parte do Conselho de Administração. Contudo, eventuais alterações, caso realizadas após

a aprovação do negócio pelos acionistas, estarão sujeitas às seguintes limitações: (i) não

mudarão a relação de troca de ações e valores mobiliários; (ii) não serão permitidas alterações

dos termos e condições do contrato no caso em que estas venham a afetar negativamente

172 As Corporations, para efeito de comparação, carregam consigo características muito próximas às Sociedades Anônimas de Capital Fechado do direito brasileiro, principalmente por se destinarem às grandes empreitadas comerciais, bem como por terem o capital social dividido em ações.

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qualquer dos membros da Companhia; e (iii) nenhum tipo de modificação, efetuada por força

da operação, no termo de registro da Companhia Incorporadora. Ainda, as alterações somente

são possíveis até o arquivamento do acordo.

Não é necessário o voto dos acionistas da Companhia constituinte (aquela que

"sobreviverá" à Merger [Incorporação], ou seja, a incorporadora) - ressalvando-se a hipótese

em que haja previsão em sentido contrário no Certificate of Incorporation - no seguinte

cenário: (i) Não tenha o Agreement aprovado pelo Conselho de Administração sofrido

qualquer tipo de emenda ou alteração; (ii) Na situação em que cada ação por saldar da

Companhia Constituinte em momento imediatamente anterior ao da Merger tenha parte

idêntica em circulação ou em tesouraria após o negócio; e (iii) Não sejam as ações ordinárias

ou valores mobiliários da Companhia emitidos por força do plano de Merger, ou sejam

afetadas as emissões autorizadas de ações ordinárias ou em tesouraria.

No mesmo sentido, ou seja, será dispensado o voto dos acionistas da Companhia

constituinte - com a ressalva feita ao disposto no Certificate of Incorporation, na hipótese de

operação de Merger de Subsidiária Integral (Wholly-Owned Subsidiary), desde que sejam

observadas as condições da Section 251(g).

Na Section 252 tem lugar a espécie (II), que versa acerca de operação envolvendo

domestic e foreign corporations. As foreign corporations são aquelas constituídas sob a

legislação de outros Estados do EUA ou do Distrito de Colúmbia (D.C.). Deve-se observar

que só será possível a realização do negócio se a lei do Estado ao qual esteja sujeita a

Companhia não obstar tal situação.

O conteúdo do Agreement é o mesmo da Section 251, aplicando-se também o mesmo

quorum acima mencionado para a aprovação do negócio.

Interessante expor que por força da Section 252(d), a Incorporadora ou a Companhia

Resultante, mesmo que regidas pela legislação de outro Estado ou do D.C., terão os conflitos

societários decorrentes da operação havida submetidos, obrigatoriamente, ao Judiciário do

Delaware.

A Section 253, que diz respeito ao ponto (III), traz consigo interessante disposição

aplicável no caso de Merger envolvendo a Companhia Matriz (Parent Corporation) e suas

subsidiárias.

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Na hipótese da Parent Corporation não ser titular da totalidade das ações em

circulação das subsidiárias envolvidas, a resolução do seu Conselho de Administração deverá

determinar os termos e condições do negócio, incluindo os valores mobiliários, quantias em

dinheiro, bens ou direitos a serem - respectivamente, emitidos, pagos, entregues ou

concedidos pela Incorporadora, mediante a entrega de cada ação da empresa subsidiária não

pertencente à "empresa-mãe", ou providenciar o cancelamento de parte ou da totalidade das

ações.

Com relação à Section 254, nosso ponto (IV), temos o regramento acerca de operações

que envolvam Joint-Stock Company173 ou outra Association

174. De forma geral, não se notam

grandes mudanças no procedimento, sendo as duas principais expostas abaixo.

Primeiro, a entidade "sobrevivente" ou "resultante" deverá se organizar sob forma

lucrativa ou não-lucrativa. Caso a "sobrevivente" ou "resultante" seja uma Corporation,

deverá se dividir em Stock Corporation ou Nonstock Corporation.

Segundo, com relação ao conteúdo do Agreement, inclui-se a forma, se houver, de

converter as ações do capital de cada Stock Corporation, nas ações finais da Companhia, caso

seja este o modelo final escolhido para o negócio.

Para todas as operações mencionadas aplica-se a Section 259, que determina que a

Incorporadora (ou Resultante) assume de forma total as obrigações das Incorporadas (ou

Fusionadas). Além disso, todos os direitos dos credores, bem como os ônus acerca de

qualquer propriedade das empresas constituintes serão preservados.

Por fim, nos casos (I)175, (II) e (IV) farão jus aos Appraisal Rights176

os acionistas que

não se enquadrarem em uma das seguintes hipóteses: (i) A Companhia seja listada em bolsa

de valores nacional; (ii) Tenha a Companhia mais de 2.000 acionistas ou detentores de

depositary receipts; ou (iii) Que tenha ocorrido a dispensa de Assembleia, nos termos da

Section 251.

Cabe destacar que o procedimento será judicial, perante a Court of Chancery, para a

apuração dos valores ligados aos Appraisal Rights. 173 Assemelham-se às Sociedades Anônimas de Capital Aberto encontradas na legislação brasileira. 174 Nesta categoria temos a Unincorporated Association e Trust, por exemplo. 175 Apenas na situação da Section 251(g). 176Trata-se de um direito que protege os acionistas dissidentes. Graças a ele, as empresas envolvidas nas operações de Mergers ou Consolidations, p.ex., ficam impedidas de pagar pelas ações dos dissidentes valores inferiores aos reais.

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Com relação à Cisão (Spinoff ou Split-up), pode esta ser conceituada como a criação

de uma nova companhia independente através da venda ou distribuição de novas ações de

uma divisão ou negócio existente na Parent Company.

Interessante notar que no caso IAC/Interactive Corp., 2008 vl2462767, a Delaware

Chancery Court decidiu no sentido que não é necessário a aprovação do acionista majoritário

da Companhia para a efetivação da operação, vez que a opção pela Cisão é considerada como

uma questão preponderantemente ligada à estratégia de gestão da sociedade.

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IX - Conclusão

As Incorporações, Fusões e Cisões inegavelmente desempenham um papel

fundamental no desenvolvimento da economia brasileira. Por meio de tais operações

societárias, as empresas ganham competitividade e eficiência, duas características

fundamentais no contexto socioeconômico que ora vivemos.

A regulação da matéria encontra-se consolidada em nosso ordenamento jurídico, tendo

como base a LSA. Contudo, apesar do crescente número de operações que acontecem em

nosso país, deve-se destacar que a Lei das Companhias, mesmo após 36 anos de sua edição,

continua a manter uma característica extremamente conservadora, principalmente quando

comparada aos diplomas legais do britânico e estadunidense (Delaware).

Nota-se claramente que o sistema societário nacional acaba por proteger em demasia o

acionista minoritário, notadamente por meio do direito de retirada. Muitas vezes, em razão de

tal postura, excelentes oportunidades negocias acabam por ser perdidas ou afastadas, pois o

negócio acaba por ficar excessivamente rígido e custoso. Como exemplo, imaginemos uma

situação de Fusão.

As Companhias A e B pretendem se fundir, gerando uma Companhia C. O negócio

afigura-se interessante, notadamente em razão do considerável porte das envolvidas. Na

ocasião da Assembleia Geral para votação da operação, os acionistas titulares de ações com

direito a voto que correspondem a 20% do capital social de A seguem em sentido contrário à

efetivação do negócio. Como se sabe, via de regra, a operação será aprovada, apesar de

considerável parcela de dissidentes. Contudo, caso a totalidade desses acionistas pretenda

exercer o direito de retirada, a Companhia verá seu capital social diminuir em pelo menos

20%, o que poderá impactar negativamente no projeto original do negócio, tornando-o

extremamente oneroso e desvantajoso.

Com relação a este ponto específico, útil é a solução presente no direito britânico e

estadunidense (Delaware). No primeiro, o Scheme of Arrangement devidamente aprovado tem

a característica de obrigar todos os acionistas (e credores) da Companhia, evitando-se assim o

esvaziamento do capital social da sociedade. No segundo, uma vez aprovado o Agreement, ao

acionista dissidente restará apenas o exercício do Apprasial Right, em situações extremamente

excepcionais.

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Assim, acaba-se por preservar a integridade do capital social da sociedade. Além

disso, em razão da dinâmica existente, surge com muito mais força a figura dos acordos de

acionistas, bem como um grande incentivo à negociação, muitas vezes exaustiva, entre os

acionistas das sociedades envolvidas.

Outro ponto a ser destacado trata do Conselho de Administração. Apesar de ser órgão

de extrema importância para a administração da Companhia, no ordenamento pátrio qualquer

tipo de deliberação da Companhia cabe à Assembleia Geral ou Extraordinária. Não se observa

o mesmo no âmbito da legislação do Delaware.

Em tal Estado, os Conselhos de Administração concentram grande quantidade de

poderes. Como visto anteriormente, o órgão poderá, com algumas restrições, realizar

mudanças nos Agreements, mesmo que estes já tenham sido aprovados em Assembleia.

Ainda, fica afastada a realização de Assembleia no âmbito da Companhia Incorporadora,

salvo determinação estatutária em sentido contrário e respeitadas algumas condições, para

aprovar a Merger, sendo tal decisão tomada exclusivamente pelo próprio Conselho. Cabe

destacar que o mesmo ocorre no caso de Incorporação de Subsidiária Integral.

No Brasil, tais situações são impraticáveis, vez que haveria clara extrapolação à

competência legalmente estabelecida ao Conselho de Administração. Contudo, as medidas

mencionadas acabam proporcionando uma dinamicidade negocial inquestionável.

Por óbvio, não defendemos, por ora, a adoção de modelos tão "radicais" como o

britânico ou o estadunidense (Delaware), até porque as Companhias e acionistas, apesar dos

notáveis avanços dos últimos tempos, não possuem a maturidade e o desenvolvimento

negocial compatíveis com tais modelos.

Todavia, entendemos que o legislador pátrio deve buscar medidas que tornem as

operações de Incorporação, Fusão e Cisão menos onerosas e simplificadas às Companhias.

Desta maneira, poderão os institutos ser muito mais eficientes e úteis, beneficiando

significativamente a economia e a sociedade brasileira, bem como proporcionando um

ambiente jurídico favorável ao investimento capitalista estrangeiro.

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