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Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico 2

Índice

Ficha Artística 2

O espetáculo 3

Alexandre Herculano por ele próprio 4

Alexandre Herculano cidadão e escritor 6

Bibliografia - Obras de Alexandre Herculano 12

Herculano visto por alguns homens do seu tempo 14

1810–1877: Herculano, Portugal e o Mundo 15

Romantismo 18

O romance histórico 22

Eurico, o Presbítero 27

Eurico. História de um livro 31

Heróis, romances e histórias: a propósito do Presbítero Eurico 35

Herculano e o teatro 40

Glossário. Eurico, o Presbítero 44

Tarefas a desenvolver com os alunos 46

Equipa Teatro Nacional D. Maria II 48

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Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico 3

1-18 dez 2011 | 4-29 jan 2012

SALA ESTÚDIO

4.ª a sáb. 21h15 dom. 16h15

Ficha artística

a partir de ALEXANDRE HERCULANO

dramaturgia e versão cénica ANA VAZ, CRISTINA CARVALHAL, GRAÇA P. CORRÊA,

INÊS ROSADO, PEDRO FILIPE MARQUES, SARA CARINHAS

coordenação projeto CRISTINA CARVALHAL

coordenação texto cénico GRAÇA P. CORRÊA

coordenação espaço cénico e figurinos ANA VAZ

desenho de luz JOSÉ ÁLVARO CORREIA

coordenação audiovisual PEDRO FILIPE MARQUES

com CRISTINA CARVALHAL, INÊS ROSADO, SARA CARINHAS

coprodução TNDM II e CAUSAS COMUNS

a classificar pela CCE

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Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico 4

O espetáculo

Eurico, guerreiro visigodo, enamorado de Hermengarda, que não pode desposar

por preconceitos de casta, abraça a vida religiosa e, na solitária paróquia de

Carteia, entrega-se à meditação, sublimando assim o desgosto da renúncia

amorosa. O que pensa é supremo e desesperado, fala do nada humano, da antiga

glória e inteireza dos Godos, das verdades do cristianismo, de solidão e de poesia.

A queda do império Godo às mãos dos árabes lembra-nos a falência dos

paradigmas organizadores das sociedades ocidentais do nosso tempo. À

semelhança de Eurico, o Presbítero, testemunhamos novas paixões religiosas,

guerreiras, líricas e amorosas.

“Eurico, Eurico, ó pálida figura,

Lastimoso, romântico levita,

Que nos cerros do Calpe em noite escura

Ergues as mãos à abobada infinita;

Rasga a página santa da Escritura;

O espírito de luz que em nós habita

Já não consente essa ideal loucura

Que faz do amor uma paixão maldita.

Deixa a solidão dos montes escalvados;

Não soltes mais os trenós inflamados,

Nem tenhas medo às garras do demónio.

Beija a Hermengarda, a tímida donzela.

E vai de braço dado tu e ela

Contrair civilmente o matrimónio.”

GUERRA JUNQUEIRO, A Velhice do Padre Eterno

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Alexandre Herculano por ele próprio

Retrato de Alexandre Herculano, por João Pedroso, 1877

“ALEXANDRE HERCULANO nasceu a 28 de Março de 1810, filho de Teodoro Cândido

de Araújo, recebedor da Junta dos Juros (actual Junta do Crédito Público).

Estudou as Humanidades nas aulas dos Congregados de S. Filipe Nery, com

destino para a Universidade. Não seguiu esse destino por ter seu pai cegado em

1827 e sido aposentado, faltando-lhe por isso os recursos para a continuação dos

estudos superiores.

Implicado numa tentativa de revolução em 1831, emigrou para Inglaterra, donde

passou à França.

Daí embarcou para a ilha Terceira, donde veio ao Porto em 1832, na expedição de

D. Pedro.

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Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico 6

Fez a campanha até quase ao fim da guerra civil, posto que nomeado em 1833

para segundo-bibliotecário da Biblioteca Pública do Porto, lugar que ocupou até

Setembro de 1836, em que pediu a sua demissão na conjuntura da revolução desse

ano. Publicou então os dois folhetos – A Voz do Profeta – os seus primeiros

escritos, depois de três ou quatro artigos no Repositório Literário, do Porto. Em

1839 foi nomeado espontaneamente por el-rei D. Fernando seu bibliotecário, e

encarregado da administração das duas Bibliotecas Reais da Ajuda e

Necessidades.

Eleito deputado pelo Porto em 1840, pertencia à oposição cartista, e retirou-se da

câmara no ano seguinte, para seguir exclusivamente a vida literária. Eleito sócio

da Academia em 1846, despediu-se dela por desgostos, tendo tornado a entrar por

nova eleição depois da reforma da mesma Academia em 1852.

Tinha sido eleito sócio da Academia de Turim em 1850, e da Academia da História

de Madrid em 1851. Não tem título honorífico, condecoração, ou distinção alguma, e

espera em Deus que nunca as terá.”

A Nação, n.º 9697, 22/09/1877

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Alexandre Herculano cidadão e escritor

Passos Manuel, Almeida Garrett, Alexandre Herculano e José Estevão de Magalhães,

por Columbano Bordalo Pinheiro, 1926.

Nascido em 28 de março de 1810, Alexandre Herculano estuda Humanidades no

colégio dos Oratorianos com vista à matrícula na Universidade, mas a cegueira do

pai força-o a abdicar desse projeto e a limitar-se a um curso prático de Comércio,

estudos de Diplomática (Paleografia) e de Línguas.

Desde muito jovem que a sua vocação para as letras se manifesta: lê e traduz

escritores românticos estrangeiros, como Schiller, Klopstock, ou Chateaubriand,

escreve poesia, conhece Castilho e frequenta os salões da Marquesa de Alorna.

Cedo atraído pelas ideias liberais,,,, participou em 1831 numa revolução contra o

absolutismo miguelista, sendo obrigado a breve mas duro exílio em Inglaterra e

França. Aqui, e mais concretamente na biblioteca de Rennes, Herculano dedica-se

ao estudo e inicia-se em Thierry, Guizot, Victor Hugo e Lamennais, autores que

influenciarão profundamente a sua obra.

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Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico 8

Em 1832, chega à ilha Terceira, nos Açores, integrado na expedição liberal liderada

por D. Pedro e responsável pelo cerco do Porto. Nesta cidade, e depois da vitória

liberal, é nomeado, em 1833, segundo-bibliotecário da Real Biblioteca Pública do

Porto. Aí reúne documentação provinda de arquivos monásticos, como os dos

Mosteiros de Santa Cruz de Coimbra e de Tibães.

Colabora com vários artigos no jornal da cidade, Repositório Literário (1834-1835),

dos quais se destacam dois que podem ser vistos como uma primeira teorização

portuguesa do Romantismo. O primeiro, “Qual é o estado da nossa literatura? Qual

o trilho que ela hoje deve seguir?”, apresenta um diagnóstico da literatura

portuguesa e avança uma solução para o seu estado de decadência: o

conhecimento das literaturas estrangeiras, principalmente da alemã, uma das

primeiras em que o Romantismo se implantou. No outro texto, “Poesia – Imitação –

Belo – Unidade”, Herculano sublinha a necessidade de a literatura portuguesa se

voltar para as suas origens e traduz uma consciência nacional e moral que limita a

visão da estética romântica europeia, condenando a “imoralidade” e a “irreligião”

que, em sua opinião, Byron representava. Esta consciência nacional e moral está

presente desde o início da sua poesia, através de um paralelismo estabelecido

entre religião e pátria, espécie de profissão de fé do poeta romântico, que

Herculano integrou numa visão liberal da sociedade, visível, por exemplo, em “A

Semana Santa” (1829).

O triunfo da Revolução de Setembro, em 1836, leva-o a demitir-se e a lançar-se na

vida pública em Lisboa. Reprovando o liberalismo avançado do novo regime,

publica um panfleto veemente contra o ‘setembrismo’ – A Voz do Profeta –, cujo

estilo lembra, pela grandiloquência bíblica, as Paroles d’un Croyant, de Lamennais

(havia pouco traduzidas por Castilho). No ano seguinte, funda e dirige O

Panorama, revista literária responsável pela divulgação da estética romântica, na

qual Herculano publica estudos eruditos e as suas primeiras narrativas históricas.

Em 1838, publica A Harpa do Crente, coleção das poesias mais importantes,

reeditada em 1850 com traduções/versões de Béranger (“O Canto do Cossaco”),

Bürger (“O Caçador Feroz”, “Leonor”), Delavigne (“O Cão do Louvre”), Lamartine

(“A Costureira e o Pintassilgo Morto”) e uma balada fantasmagórica ao gosto

inglês (“A Noiva do Sepulcro”). As poesias desta coletânea apresentam reflexões

sobre a morte, Deus, a liberdade, o contraste entre o inexorável fluir da vida

humana e a permanência do infinito. Normalmente, estas meditações têm por

testemunha uma paisagem, que impõe o sentimento da solidão e da infinitude, e

traduz uma marcada oposição entre a cidade e o campo (por exemplo, “A

Arrábida”). Está também presente um conjunto de poemas que se referem à

guerra civil e ao exílio, testemunhos poéticos da instauração do liberalismo e da

saudade do desterrado. Herculano tenta também dar voz à contemporaneidade

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através da poesia, à semelhança de Victor Hugo, atribuindo-lhe uma função

pública, doutrinária e intervencionista e tratando temas de interesse político,

social e religioso (“A Semana Santa”; “A Cruz Mutilada”; “O Mosteiro Deserto”; “A

Vitória e a Piedade”, por exemplo).

Em 1839, é nomeado por D. Fernando bibliotecário-mor das Reais Bibliotecas das

Necessidades e da Ajuda. Nesta altura, entrega-se a um sistemático trabalho de

pesquisa, influenciado pelos historiadores franceses Thierry e Guizot, de que

resulta a publicação, em 1842, na Revista Universal Lisbonense, das “Cartas sobre

a História de Portugal”. Estas constituem o ponto de partida para a História de

Portugal, cujo primeiro volume sai em 1846 (os três seguintes em 1847, 1849 e

1853) e origina uma acesa polémica com o clero porque nele é posto em causa o

“milagre de Ourique”; os textos desta polémica estão reunidos nos opúsculos Eu e

o Clero e Solemnia Verba, publicados em 1850. É encarregado pela Academia Real

das Ciências de recolher documentos antigos para a coletânea Portugaliae

Monumenta Historica e, por isso, percorre várias regiões do país. Dessas viagens

nasce Cenas de um Ano da Minha Vida e Apontamentos de Viagem (1853-1854). O

contacto direto com a realidade nacional reforça a sua convicção de que o país

necessitava de reformas a vários níveis: educativo, administrativo e económico.

Em termos políticos, Herculano identifica-se com a ala esquerda do Partido

Cartista. É eleito deputado pelo Porto em 1840, mas, após ter apresentado um

plano de ensino popular que não chega a ser posto em prática, desilude-se com a

atividade parlamentar e abandona o cargo em 1841. Adere, então, à moderada

Constituição de 1838, desaprova a restauração da Carta por Costa Cabral e

dedica-se à literatura e à pesquisa. Mais tarde, depois do golpe da Regeneração, o

escritor abandona a neutralidade política e colabora na formação do novo

governo. No entanto, acaba por se opor ao ministério de Rodrigo da Fonseca

Magalhães e Fontes Pereira de Melo. Funda os jornais O País (1851) e O Português

(1853), onde põe em prática uma intensa atividade polémica contra o progresso

meramente material preconizado pelo referido ministério.... Entre 1854 e 1859,

publica os três volumes de História da Origem e do Estabelecimento da Inquisição

em Portugal. É um dos fundadores do Partido Progressista Histórico, em 1856. No

ano seguinte, ataca vigorosamente a Concordata com a Santa Sé. Participa na

redação do primeiro Código Civil Português (1860-1865), tendo proposto a

introdução do casamento civil a par do religioso, o que originou uma nova

polémica com o clero, que se pode ler no volume Estudos sobre o Casamento Civil

(1866), logo colocado no Index romano.

Desiludido com a vida política, retira-se para uma quinta em Vale de Lobos,

arredores de Santarém, em 1867, comprada com o dinheiro ganho com a

publicação dos seus livros. Aí dedica-se à vida agrícola e à produção de azeite,

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juntamente com D. Mariana Hermínia Meira, namorada de juventude, com quem

casara em 1866, e que esperara pela realização da sua carreira literária. Neste seu

exílio voluntário, Herculano continua a trabalhar nos Portugaliae Monumenta

Historica, publica o primeiro volume dos Opúsculos (1872), intervém em polémicas,

como a nascida da proibição das Conferências do Casino (1871) e a respeitante à

emigração (1874), reúne os materiais para o quinto volume da História de Portugal

e mantém uma abundante correspondência com personalidades literárias e

políticas. Morre de pneumonia, depois de uma viagem a Lisboa, em 13 de setembro

de 1877.

Poeta, jornalista, político, polemista e historiador, é todavia como romancista que

Herculano será mais lembrado pelas gerações vindouras. As suas narrativas

históricas assinalam o nascimento de um novo género na literatura portuguesa, "o

romance histórico", no qual o autor pode pôr em prática as qualidades de

investigador do passado, principalmente da Idade Média, e os seus propósitos

pedagógicos.

Em 24 de março de 1838, publica n’ O Panorama a primeira narrativa histórica, O

Castelo de Faria, e em novembro Mestre Gil. Estas e outras composições,

publicadas também n’ A Ilustração, foram reunidas em dois volumes em 1851, sob o

título de Lendas e Narrativas. Os romances O Bobo (vindo a público n’ O

Panorama em 1843 e editado em volume em 1878), Eurico, o Presbítero (1844) e O

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Monge de Cister (1848), escritos à semelhança das obras do escocês Walter Scott,

considerado por Herculano como “modelo e desesperação de todos os

romancistas”, alcançaram um sucesso imediato e desencadearam uma onda de

imitações que transformou o romance histórico em moda literária nacional em

meados de oitocentos....

Nestas obras, o romancista cria cenários lúgubres e de dimensões trágicas, nos

quais se movimentam românticos heróis atormentados por paixões e mulheres-

anjo predestinadas para o sofrimento, sobrepostos a um pano de fundo histórico

minuciosamente reconstituído. Eurico, forçado a abdicar de um amor impossível

por Hermengarda, professa e transforma-se num sacerdote solitário, num poeta

inspirado pelo amor e pela religião, e num “cavaleiro negro” misterioso e heróico,

tingido por certas cores terríveis do romance negro. Dá voz à dor em cenários de

imensidão e à luz da lua, recitando longos poemas marcados por uma

grandiloquência solene, compondo hinos religiosos que ecoam nos templos da

Espanha visigótica, desafiando a superioridade dos adversários para salvar a

donzela amada, e, finalmente, entregando-se à morte num combate desigual,

única solução para o dilema que lhe dilacera a alma: ama Hermengarda, mas não

pode trair os votos que o prendem a Deus. Já Vasco, frade maldito de O Monge de

Cister, cujo sacerdócio não abranda o ódio que o consome, leva o seu desejo de

vingança ao extremo de negar a confissão ao homem que seduzira a irmã

inocente. N’ O Bobo, o protagonista, Egas, vê a amada sacrificar-se para o libertar,

mas perde-a para sempre quando assassina o rival com quem ela deveria casar.

Estes amores desesperados e estas personagens vítimas de uma fatalidade que as

ultrapassa são colocados em épocas remotas que o autor empreende retratar.

Assim, ganha especial relevo a reconstituição do ambiente, através da acumulação

de descrições de edifícios, monumentos, ou indumentárias, referências a costumes

e práticas, a formas de convivência social, e até à linguagem, numa tentativa de

criar a ilusão de total fidelidade a uma realidade pretérita. No entanto, e apesar

desta rigorosa encenação, nem sempre Herculano consegue esconder as suas

convicções. Por exemplo, a defesa do município, apresentada em O Monge de

Cister, tem por finalidade convencer os leitores do século XIX das virtudes desse

sistema administrativo, e não pode ser vista apenas como uma referência ao

sistema em uso no fim do século XIV. Neste, como noutros pontos da sua obra, os

caminhos do historiador e do romancista cruzam-se...

Com O Pároco de Aldeia, publicado n’ O Panorama em 1844 e em volume em 1851,

Herculano cria o romance campesino, que servirá de modelo a Júlio Dinis, e

apresenta como protagonista a figura do padre bondoso, protetor dos fracos e

amado pelas crianças. Nesta obra, apresenta-se um retrato da vida rural marcado

pela serenidade, e cujo ritmo é estabelecido pelo toque do sino e pelos rituais da

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igreja. Faz-se, assim, a apologia da superioridade do Catolicismo face ao

Protestantismo, graças aos rituais e símbolos visíveis que guiam a crença popular

e contribuem para a manutenção da moralidade pública.

Herculano herói do Liberalismo, guardião da moral e promotor da ideologia

romântica nacional, é indubitavelmente, ao lado de Almeida Garrett, a figura

fundadora do Romantismo português e a personalidade que de forma mais

completa o representa.

A partir de:

Ofélia Paiva Monteiro, “Alexandre Herculano”, Biblos, vol. 3, Lisboa, Verbo, 1995. Ana Maria dos Santos Marques, “Alexandre Herculano”, Centro Virtual Camões.

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Bibliografia Obras de Alexandre Herculano 1834 “Qual é o Estado da Nossa Literatura?” (Repositório Literário, 1-2) 1835 “Poesia. Imitação – Belo – Unidade” (Repositório Literário, 9-11) 1836 A Voz do Profeta (1.ª série) 1837 A Voz do Profeta (2.ª série) Crónica de El-Rei Sebastião 1838 A Harpa do Crente O Fronteiro de África 1840 Da Escola Politécnica e do Colégio dos Nobres 1842 Cartas sobre a História de Portugal (Revista Universal Lisbonense) Uma Sentença sobre Bens e Reguengos 1843 O Bobo (n’O Panorama) 1844 O Pároco de Aldeia Eurico, o Presbítero 1845 O Alcaide de Santarém O Galego (Vida, Ditos e Feitos de Lázaro Tomé) 1846 História de Portugal (1.º vol.) 1847 História de Portugal (2.º vol.)

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1848 O Monge de Cister 1849 História de Portugal (3.º vol.) 1850 Eu e o Clero e Solemnia Verba Poesias 1851 Lendas e Narrativas A Ciência Arábico-académica 1853 História de Portugal (4.º vol.) 1854 História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal (1.º vol.) 1855 História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal (2.º vol.) 1857 Do Estado dos Arquivos Eclesiásticos do Reino A Reacção Ultramontana em Portugal 1858 Do Estado das Classes Servas da Península Ao Partido Liberal Português, a Associação Promotora da Educação do Sexo Feminino 1860 Análise da Sentença Nada no Juízo da 1.ª Instância da Vila de Santarém As Heranças e os Institutos Pios 1866 Estudos sobre o Casamento Civil 1873 Opúsculos (tomos I e II) 1875 Da Existência ou não do Feudalismo em Portugal 1876 Opúsculos (tomo III) 1878 O Bobo (edição póstuma em volume)

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Herculano visto por alguns homens do seu tempo

“Alexandre Herculano é uma dessas figuras esculturais que, antes de

desaparecerem em pó, reaparecem em bronze. Ainda vivo, nos últimos anos,

adquiria na penumbra heróica do seu isolamento, como que a imobilidade

sagrada de uma estátua. Desde o dia em que, velho leão ensanguentado, se

retirou de uma luta sem tréguas que durara quarenta anos, para se escudar na

benigna e pacificante tranquilidade da natureza, desde esse dia em que para

quase todos começa o esquecimento, começou para Alexandre Herculano a

projecção gloriosa do seu génio – a imortalidade.”

GUERRA JUNQUEIRO cit. por João Medina, Herculano e a Geração de 70, Terra Livre, 1977: 15

“- Grande homem – sem orgulho ou vão enfeite,

que depois de escrever, fizeste azeite!...

apesar de te haverem sepultado

entre reis e rainhas de alto estado,

num túmulo tão gótico e tão rico,

- aí jazes, triste e só... como o Eurico!”

GOMES LEAL

cit. por João Medina, ob. cit.: 73

“Quem eram seus avós? – Pedreiros. – Efectivamente, no retrato, Herculano

descende de pedreiros e toda a sua obra é a de um homem que mói e lavra com

solenidade a pedra, a dum desses extraordinários montantes que metem o ferro

até à raiz da fraga, racham o penedo, afeiçoam a laje e acabam, enfim, por

construir a catedral. Herculano edificou no granito – e no granito abriu pacientes e

admiráveis lavores...”

OLIVEIRA MARTINS cit. por João Medina, ob. cit.: 66

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1810---1877: Herculano, Portugal e o Mundo 1810181018101810 Nasce, em Lisboa, Alexandre Herculano. Dá-se a 3.ª invasão francesa. Mme de Staël publica De L’Allemagne. 1812181218121812 Os Franceses iniciam a retirada. Decreto de extinção da Inquisição. 1815181518151815 Batalha de Waterloo. Queda de Napoleão. 1816181618161816 Filinto Elísio publica a epístola Da Arte Poética Portuguesa. Morre a rainha D. Maria I. O regente D. João é proclamado rei (D. João VI). Byron publica A Peregrinação de Childe Harold. 1818181818181818 Publicação em Paris das Obras Completas de Filinto Elísio, onde se tinha fixado por ter sido denunciado à Inquisição devido às suas ideias liberais. Filinto é um dos mais importantes poetas do Neoclassicismo português e será um arauto das tendências modernas. Condenação à morte de Gomes Freire, personagem de Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro. Fundação do Sinédrio. Chateaubriand publica o Génie du Christianisme. 1819181918191819 Morte de Filinto Elísio.

1820182018201820 Início, no Porto, da Revolução liberal. 1821182118211821 Garrett publica O Retrato de Vénus. Castilho publica Cartas de Eco a Narciso e A Primavera. 1822182218221822 Independência do Brasil. Proclamação da Constituição. 1823182318231823 Garrett parte para o exílio em Inglaterra. A “Abrilada”. 1824182418241824 Morte de Luís XVIII, rei de França. 1825182518251825 Garrett publica o poema Camões. Nasce Camilo Castelo Branco. D. Miguel exila-se em Viena. 1826182618261826 Garrett publica o poema D. Branca. Morte de D. João VI. 1827182718271827 D. Miguel é nomeado regente. 1828182818281828 Garrett publica o poema Adosinda e a Lírica de João Mínimo. Regresso de D. Miguel a Lisboa. Independência da Grécia. 1830183018301830 Morte de D. Carlota Joaquina. Revolução em França e reinado de Luís Filipe.

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1831183118311831 Herculano é obrigado a emigrar devido ao seu envolvimento na Revolta do 4 de Infantaria. D. Pedro abdica da coroa brasileira para tomar a chefia dos liberais. Victor Hugo publica Notre-Dame de Paris. 1832183218321832 Herculano regressa a Portugal na expedição de D. Pedro, desembarcando no Mindelo. Ajuda a organizar a Biblioteca Pública do Porto. 1834183418341834 Capitulação de D. Miguel em Évora Monte. 1836183618361836 Herculano publica A Voz do Profeta. Garrett é incumbido de traçar um plano para a fundação de um Teatro Nacional. Revolução de Setembro. 1837183718371837 Herculano publica a Harpa do Crente. Sai o primeiro número da revista Panorama. Herculano publica estudos sobre Origens do Teatro Moderno. 1838183818381838 Herculano adapta comédia de Scribe e Mélesville, Le sécrétaire et le cuisinier, a que põe o título Tinteiro não é Caçarola. Estreia no Teatro do Salitre a sua primeira peça original, o drama histórico O Fronteiro de África ou Três Noites Aziagas. Representação de Um Auto de Gil Vicente, de Garrett. Constituição de 1838. 1839183918391839 Herculano assume o cargo de redator do Diário do Governo e é nomeado diretor das bibliotecas reais das Necessidades e da Ajuda. Inicia a publicação (1839-44) das Lendas e Narrativas na revista Panorama. Morre a Marquesa de Alorna. Nasce Júlio Dinis. 1111840840840840 Herculano é eleito deputado cartista.

1841184118411841 Publica alguns capítulos de O Monge de Cister na revista Panorama. 1842184218421842 Escreve o drama lírico em um ato, Os Infantes em Ceuta. Garrett publica a peça O Alfageme de Santarém. Ditadura de Costa Cabral. 1843184318431843 Início da publicação do romance histórico O Bobo na revista Panorama. Primeira representação de Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett, na sociedade de amadores de teatro da Quinta do Pinheiro. 1844184418441844 Herculano publica Eurico, o Presbítero e O Pároco da Aldeia. Publicação da edição póstuma das Obras Poéticas da Marquesa de Alorna. Castilho publica A Noite do Castelo e Os Ciúmes do Bardo. 1845184518451845 Garrett publica O Arco de Sant’Ana e Flores sem Fruto. Nasce Eça de Queirós. Edgar Poe publica O Corvo. 1846184618461846 Herculano publica o 1.º vol. da História de Portugal. A publicação, em quatro volumes, estende-se até 1853. Movimento popular da Maria da Fonte. Queda do regime de Costa Cabral. 1848184818481848 Publica em volume O Monge de Cister. Publicação dos primeiros jornais republicanos: O Regenerador e a República. Marx e Engels publicam o Manifesto Comunista. 1849184918491849 Escreve a sua última composição poética, A Cruz Mutilada.

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1850185018501850 Publica os opúsculos Eu e o Clero, Considerações Pacíficas e Solemnia Verba. Funda-se o primeiro jornal socialista, O Eco dos Operários. Morte de Balzac. 1851185118511851 Publica em volume as Lendas e Narrativas. Colabora nos jornais O Paiz e O Português. Início do movimento da Regeneração. 1853185318531853 Funda o Partido Progressista Histórico; inicia a recolha dos Portugaliae Monumenta Historica (1853-73); inicia a publicação da História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal (1853-59). Garrett publica as Folhas Caídas. 1854185418541854 Morte de Almeida Garrett. 1857185718571857 Baudelaire publica Les Fleurs du Mal. Flaubert publica Madame Bovary. 1858185818581858 Recusa uma cadeira de História no Curso Superior de Letras, oferecida por D. Pedro V. 1859185918591859 Adquire a quinta de Vale de Lobos e dedica-se à agricultura. Darwin publica Da Origem das Espécies. 1860186018601860 Participa na redação do Código Civil Português (1860-1865). Morte de Soares de Passos. 1862186218621862 Camilo publica Amor de Perdição Início do reinado de D. Luís. Victor Hugo publica Les Misérables.

1865186518651865 Herculano publica estudos sobre o casamento civil. Início da ‘Questão Coimbrã’. 1866186618661866 Casamento de Alexandre Herculano. Camilo publica A Queda de um Anjo. Eça de Queirós escreve os folhetins Prosas Bárbaras. 1867186718671867 Júlio Dinis publica As Pupilas do Senhor Reitor. Abolição da pena de morte. Marx publica O Capital. 1868186818681868 Júlio Dinis publica Uma Família Inglesa e A Morgadinha dos Canaviais. 1871187118711871 Carta de Herculano sobre o encerramento das ‘Conferências do Casino’. Morte de Júlio Dinis. 1818181872727272 Herculano inicia a publicação dos Opúsculos (10 vols.). Antero de Quental publica Primaveras Românticas. Proclamação da III.ª República em França. 1873187318731873 Escreve Cartas sobre a Emigração. Guerra Junqueiro escreve A Morte de D. João. 1875187518751875 Redige o estudo Da Existência do Feudalismo nos Reinos de Leão, Castela e Portugal. Fundação do Partido Socialista Português. 1877187718771877 Morte de Alexandre Herculano. Manifestação nacional de luto.

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Romantismo "O termo Romantismo deriva, com mediações francesas, do adjectivo inglês

romantic, utilizado desde cerca de meados do século XVII com o significado de

'semelhante aos antigos romances' (em inglês, romance designa um género

narrativo caracterizado pela fantasia, pelo mistério e pela aventura). O adjectivo

romantic, ligado portanto originalmente a manifestações literárias, podia

qualificar uma paisagem, um monumento, etc., mas desde o início do último

quartel do século XVII, pelo menos, apresenta um significado inequivocamente

estético-literário, caracterizando, por exemplo, as obras de poetas como Pulci,

Boiardo e Ariosto, os quais, em virtude do papel nelas desempenhado pela fantasia

e pela efabulação romanesca, não obedeciam às normas clássicas da

verosimilhança.

Theodore Géricault, A Jangada da Medusa, 1818 (Museu do Louvre, Paris).

A morte: esta ideia, tremenda, indiferente ou formosa,

segundo a vida a risonha, pálida ou negra, veio suavizar o

martírio daquela alma atribulada, como em estilo ardente

as grossas águas da trovoada refrigeram a terra, que

estua sob os raios aprumados do Sol. Eurico, O Presbítero, Lisboa, Porto Editora,

Coleção Clássicos da Literatura Portuguesa/Biblioteca Digital: 145

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Na cultura racionalista do iluminismo, em consonância com a poética

intelectualista do neoclassicismo, a palavra romântico adquiriu significados

disfóricos ('quimérico', 'inacreditável', 'ridículo', 'absurdo'), mas na segunda

metade do século XVIII, em conformidade com a valorização crescente, na arte, na

cultura e na vida, do sentimento, da emoção e da imaginação, o vocábulo passou a

ser utilizado frequentemente com significados positivos, como naquele famoso

passo das Revêries d'un promeneur solitaire (1782) de Jean-Jacques Rousseau em

que se lê que 'as margens do lago Bienne são mais selvagens e românticas do que

as do lago de Genebra". Ao longo da segunda metade do século XVIII, em inglês,

em francês e em alemão, a palavra romântico apresenta muitas vezes um

inequívoco significado literário, designando e caracterizando certos tipos de

textos, certos autores (Ariosto, Tasso, Shakespeare, Cervantes) e determinadas

categorias estéticas. (...)

Quer numa perspectiva histórico-literária quer numa perspectiva tipológico-

literária, o termo romântico passou a ser utilizado com frequência crescente,

desde o início do século XIX, em contraposição com o termo clássico. (...)

Com significados que oscilam entre categorias histórico-literárias e categorias

tipológico-literárias, os termos romântico e Romantismo foram aplicados, por

diversos historiadores e críticos literários de finais do século XVIII e inícios do

século XIX, e autores como Dante, Tasse, Shakespeare, Cervantes e Calderón de la

Barca, tendo Friedrich Schlegel afirmado, no fragmento n.º 247 do Athenaeum, que

'a universalidade de Shakespeare é como que o centro da arte romântica'. É

elucidativo sublinhar que os escritores dos séculos XVI e XVII assim qualificados e

caracterizados como românticos são escritores que, no século XX, têm sido

estudados e caracterizados como autores maneiristas e barrocos, o que bem

revela como estas genealogias do Romantismo exprimem a consciência de uma

comum diferença em oposição aos princípios e valores do classicismo e do

neoclassicismo. (...)

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J. M. W. Turner, Snow Storm, 1842 (Tate Gallery, Londres).

O sopro gelado da noite não fazia confranger nossos avós

debaixo das armaduras. Lá, a neve era um leito como

outro qualquer, e o rugir do bosque, debatendo-se nas

asas da tempestade, era uma cantilena de repouso. (14 - 15)

As propostas de René Welleck têm inspirado, nas últimas décadas, os estudos mais

consistentes sobre o Romantismo, tendo ficado bem demonstrada a sua

capacidade heurística e a sua justeza. Torna-se indispensável, porém, ter sempre

em consideração as assincronias existentes entre as manifestações do

Romantismo em literaturas 'periféricas' como as de Portugal, de Espanha e dos

países da Europa Oriental e em literaturas 'centrais' como a inglesa, a alemã e a

francesa, bem como as peculiaridades de cada Romantismo, resultantes de

múltiplos factores de ordem literária, cultural, social e política. (...)

Tal como René Welleck, defendemos uma concepção histórico-literária do

Romantismo, mas não uma concepção restritivamente periodológica de um

Romantismo 'entalado' entre o neoclassicismo, por um lado, e o realismo, por outra

parte. O Romantismo é um megaperíodo que, à semelhança do Renascimento, se

tem projectado, em metamorfoses plurais, nas literaturas ocidentais ao longo dos

séculos XIX e XX, embora as suas manifestações originárias, mais homogéneas e

coerentes, se tenham verificado na primeira metade do século XIX. Não é apenas

o neo-Romantismo de finais do século XIX e inícios do século XX que constitui uma

ressurgência, aliás de tipo revivalista, do Romantismo. O simbolismo, o

surrealismo, o expressionismo e o existencialismo são impensáveis à margem do

megaperíodo do Romantismo.

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O Romantismo, tal como o Renascimento, não é apenas um estilo literário de

época. Existe uma música romântica, existe uma pintura romântica, existe uma

filosofia romântica, existe uma política romântica, etc. O Romantismo manifesta-se

em todos os domínios da cultura, da arte e do pensamento, porque representa, de

modo global e sistémico, uma revolta, uma contestação e uma refutação, em

relação à modernidade burguesa e capitalista. (...)

Esta aparente rede de contradições e antinomias clarifica-se e resolve-se, se o

Romantismo for pensado como a rejeição de uma concepção mecanicista do

mundo, de uma concepção burguesa, capitalista, utilitarista e instrumental da vida

económica e da organização social, bem como de uma concepção a-histórica,

atemporal e atópica da cultura e das artes. Em contraposição, o Romantismo

elabora uma concepção organicista do mundo, da natureza e da sociedade,

enraizada em ideias filosóficas e religiosas de matriz platónica e neoplatónica,

inspirada em formas de religiosidade panteística e em ideais mágico-religiosos. A

analogia e o símbolo desempenham um papel fulcral na mundividência, no

pensamento, na literatura e nas artes do Romantismo, porque constituem os meios

privilegiados de apreensão e expressão da alma da Natureza e de revelação das

secretas correspondências existentes entre o homem, os seres e as coisas. A

racionalidade científica e técnica, motor de progresso material da modernidade e

da acumulação da riqueza capitalista, não permite conhecer os signos viventes e

secretos da Natureza, as harmonias e as correspondências cósmicas, os anseios

profundos e os enigmas do homem. O Romantismo, ao exaltar a energia

demiúrgica da imaginação e do sonho, ao magnificar o dinamismo criador do eu,

ao proclamar a capacidade cognitiva, a dimensão profética e o poder órfico da

poesia, institui uma ruptura total e insuperável com a Razão do classicismo e do

iluminismo e gera uma modernidade estética que, ao longo dos séculos XIX e XX,

ou ignora a modernidade capitalista, burguesa, científico-tecnológica, ou com esta

entra em dissídio insanável. Se muitos românticos se exilam em 'torres de marfim'

e se comprazem na evasão quer no tempo quer no espaço, inscrevendo assim

negativamente na sua obra o seu conflito com a modernidade sociológica e

técnica, outros, inspirando-se muitas vezes nos valores do passado e da tradição

que o historicismo de Herder, dos irmãos Schlegel, de Carlyle, etc., ensinara a

conhecer e a admirar, assumem-se como hierofantes, profetas e vates de uma

sociedade utópica e de um mundo novo."

V. M. de Aguiar e Silva, "Romantismo", Dicionário do Romantismo Literário Português, coord.

Helena Carvalhão Buescu, Lisboa, Caminho, 1997: 487 - 492.

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O romance histórico

“(...) O Romantismo, fruto de uma época que se caracteriza por modificações

fundamentais a diversos níveis, não pode ficar alheio a uma estratificação

demasiado simplista dos géneros ou a uma rigidez a que é, por natureza, adverso.

O aparecimento do drama, mais flexível e natural do que a divisão antiga e

dicotómica entre tragédia e comédia, reflecte um espírito que se traduzirá em

múltiplos ingredientes como o aparecimento de personagens ambíguos e

contraditórios ou cenários afastados dos ideais clássicos. A definição que Alfred de

Musset dá de Romantismo justifica claramente a inexistência de géneros

totalmente fixos e favorece o aparecimento do romance como ‘um espelho

transportado por uma estrada’, no dizer de Stendhal. Vejamos a definição de

Musset: ‘O Romantismo, meu caro senhor? Não, não é nem o desprezo pelas

unidades, nem a combinação do trágico com o cómico, sem nada no mundo que

se possa expressar; em vão tentarão aprisionar a asa da borboleta; a poesia que a

colore lhe ficará nos dedos. O Romantismo é a estrela que plange, é o vento que

geme, é a noite que estremece, a flor que perfuma e o pássaro que voa; é o gesto

inesperado, é o êxtase enlanguescido, o poço sob as palmeiras, é a esperança

rubra e seus mil amores, o anjo e a pérola, a veste branca dos salgueiros; oh, que

bela coisa meu senhor! É o infinito e a estrela, o cálido, o quebrado, o despertado,

e contudo, ao mesmo tempo, o cheio e o redondo, o diametral, o piramidal, o

oriental, o nu ao vivo, o comprimido, o cingido, o impetuoso.’

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Joseph Vernet, O Naufrágio, 1777 (Museu Calvet, Avinhão).

Dir-se-ia que o cavaleiro estava habituado à conversação

do bramido dos mares revoltos e do rugir das ventanias

pelas fragas das serras; porque naquele grito, conjunto

inexplicável de cólera e de dor, havia uma semelhança,

uma harmonia com o gemido imenso da natureza quando

luta consigo mesma no passar da tempestade. (63)

Apesar de algum exagero, ou melhor, de um tom que parece excluir qualquer

caracterização apoiada científica e filosoficamente, a verdade é que a postura

que possibilita tal definição deverá repudiar uma normativização imposta e

independente da especificidade dos vários tipos de discurso. Garrett, em Memória

ao Conservatório Real, ainda, e apesar de colocar o seu Frei Luís de Sousa sob a

designação de drama, fala nas regras que o caracterizam, não conseguindo

afastar-se radicalmente de ditames exteriores ao texto. (...)

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Para o presente ensaio, interessa-nos o romance histórico, embora estejamos

conscientes de que esta designação uniforme não corresponde a um tipo de

textos semelhantes, o que nos levará a problematizar a classificação enquanto

distintivo genérico. Michel Vanoosthuye fala de uma ligação contra a natureza,

dado que os interesses do romance e da História deveriam à partida ser

diferentes, tendendo um para a ficção e outro para a representação do real. No

entanto, a verdade é que esta dicotomia é cada vez menos absoluta, do momento

em que a História tomou consciência da impossibilidade de produzir um discurso

único e definitivo sobre acontecimentos reais, dada a componente ideológica,

irremediavelmente presente. Agustina Bessa-Luís, sempre arguta na análise sobre

estes dois discursos, comenta que ‘A História se destina a comunicar o que o

tempo afastou de nós no sopro do silêncio eterno. É um roubo à Eternidade, (...)’,

porque ela ‘começa quando já não houver resquícios de egoísmo na maneira como

interpretamos as acções distantes e passadas. E acaba quando a literatura toma o

seu lugar, como usurpação talvez (...)’.

Hubert Robert, Vista Imaginária da Grande Galeria do Louvre em ruínas; esboço para o quadro do Salão de 1796 (Museu do Louvre, Paris).

Inquietos, também, pela sorte dos companheiros que

tinham deixado atrás de si, resolveram parar no meio

daquelas ruínas. (125)

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Esta percepção que leva autores como Michel Host a afirmar que ‘l’histoire n’est

que fiction et roman’ e que ‘L’Histoire, à mon sens, est le roman de l’Histoire, ou son

pré-roman’, já existia, mesmo se taciturnamente, nos autores do romance histórico

romântico, apesar de, e paralelamente, haver alguma ingenuidade na crença da

possibilidade de reconstituição fidedigna. O próprio Herculano tem a noção desse

facto e a ele alude directamente em textos como O Bispo Negro, em passagens de

O Bobo ou nas Notas a Eurico o Presbítero: ‘Sou eu o primeiro que não sei

classificar este livro; nem isso me aflige demasiado. Sem ambicionar para ele a

qualificação de poema em prosa – que não é por certo – também vejo, como todos

hão-de ver, que não é um romance histórico, ao menos conforme o criou o modelo

e a desesperação de todos os romancistas, o imortal Scott.’. A indecisão que se

nota nas linhas acima transcritas fragiliza uma tentativa de classificação unívoca,

até por que, e sobretudo na pós-modernidade, é muito nítida a interferência entre

os vários tipos de discurso e a relativização de toda e qualquer noção de

objectividade. (...)

François Gerard, Ossian evocando os Fantasmas ao som da sua harpa nas margens do Loira, 1805 (Kunsthulle, Hamburgo).

Os hinos tão suaves, tão cheios de unção, tão íntimos, que

os salmistas das catedrais de Espanha repetiam com

entusiasmo eram como o respirar tranquilo do sono da

madrugada que vem depois de arquejar e gemer de

pesadelo nocturno. (10-11)

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Demasiado próximas, as relações entre História e Literatura têm suscitado as mais

diversas interpretações, podendo-se até afirmar, com Rui Estrada, que ‘A história é

assim o limite da literatura (...) e que as âncoras interpretativas da história estão

sujeitas às mesmas dificuldades hermenêuticas inerentes aos textos literários.'”

Maria de Fátima Marinho, Um Poço sem Fundo, Porto, Campo das Letras, 2005: 12 – 16.

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Eurico, o Presbítero

Eurico, o Presbítero foi escrito em 1843, tendo alguns dos primeiros capítulos

aparecido num periódico nesse mesmo ano, e tendo surgido em volume em 1844.

Nas palavras com que antecede esta publicação, Herculano confessa a sua

perplexidade no tocante ao género a que o seu texto pertenceria, o que permitiu

aliás que este romance histórico tenha sido lido, nos quase 200 anos que se lhe

seguiram, de formas muito diferentes – e, curiosamente ou não, como um mote

reflexivo para cada um dos presentes vividos e dos futuros antecipados. Sendo

um expoente do romance de inspiração e cenário históricos, Eurico, o Presbítero

é-o também para a ficção com implicações sociais e alegóricas, como veremos,

permitindo olhar para a actualidade de acordo com os conflitos que o passado

também conheceu.

O romance situa-se no início do século VIII, no momento da agonia da monarquia

Visigótica na Península Ibérica, que abre caminho à invasão muçulmana e, na sua

sequência, à construção das nações medievais “modernas”. A perspectiva

escolhida por Herculano (que, como se sabe, era também historiador) acentua a

percepção de tal período como um momento de crise, em que transições, valores

e traições se apresentam como decisões estruturantes dos homens e das acções

em que se envolvem. Eurico é o solitário presbítero de Carteia, depois de ter sido

guerreiro e homem de corte, tendo decidido consagrar a sua vida a Deus na

sequência do que considera ter sido uma traição ao seu amor por Hermengarda.

Intuindo que a sua pátria está prestes a ser invadida e conquistada não apenas

por outra nação, mas também por outra religião, Eurico escolhe reaparecer na

vida pública, sob o manto do anonimato, transformando-se assim no herói solitário

(o Cavaleiro Negro) que apesar de tudo não consegue evitar a traição de que a

pátria será alvo, nem a sua subsequente destruição. Ao ser obrigado, pelas

circunstâncias, a salvar Hermengarda das mãos dos invasores, Eurico tem de

enfrentar a questão moral do celibato dos padres: morrerá num acto de auto-

sacrifício, que lhe surge como a única solução moralmente sustentável.

Hermengarda, por seu turno, tornar-se-á em mais um exemplo das mulheres

enlouquecidas pelos desajustes da vida, frequentes em narrativas românticas.

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Johann Heinrich Füssli, O Pesadelo, 1802 (Museu Goethe Frakfurt am Main).

A espécie de pesadelo em que se debatia desaparecera

com a realidade. O repentino impulso da sua alma foi

lançar-se nos braços de Eurico. (149)

O presente romance representa, para Herculano, muito mais do que o mero

desejo ou mesmo evocação de um passado (se bem que essa evocação faça parte

da sua constituição romanesca). Esse passado, em que o herói era ainda

transparente e apesar de tudo visível para todos, é também vista como a

fundação da esperança no futuro, um futuro que, por ser incerto e obscuro, não

deixa de ser possível (para isso está no romance a figura de Pelágio). Física e

moralmente, o herói é marcado por traços distintivos que acentuam a sua radical

diferença das “massas” que entretanto ele tão bem representa. Trata-se do drama

de uma elite que se concebe através do paradoxo de uma comunhão com uma

multidão de que também radicalmente diverge. É talvez por essa razão que

Eurico, como outros heróis de romances e contos herculanianos, é um ser

fundamentalmente rasgado pelas suas contradições interiores e pelo carácter

absoluto do seu ser moral, empenhado numa luta contra a morte que, ao mesmo

tempo que se projecta num mundo transcendente, encontra o seu palco dentro do

sujeito e da sua consciência.

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Jean Dominique Ingres, O Sonho de Ossian, 1813 (Museu Ingres, Montauban).

Desventurado, o seu coração de fogo queimou-lhe o viço

da existência ao despertar dos sonhos do amor que o

tinham embalado. (6)

Provavelmente por esta razão, Eurico imediatamente se torna o farol de toda uma

geração, a ponto de o crítico Vitorino Nemésio ter falado da existência de um

“complexo de Eurico”. Pela mesma razão se torna ainda no paradigma do poeta

romântico, ele cujos hinos eram cantados por toda a Península Ibérica. Neste herói,

guerreiro e poeta, encontramos o acto de auto-exclusão do mundo (emblemático

da atitude de Herculano e de vários outros autores românticos europeus), um

gesto tão simbólico quanto existencial. No início do romance, encontramos Eurico

prestes a reentrar no mundo, não através dos seus actos no mundo social da

corte, mas através da sua capacidade guerreira, que permanece, é claro, uma

outra forma de acção social, bem como mais uma metáfora para a relação

amorosa traçada e a impossibilidade de sua consumação. Entretanto, aquilo que

deve ser sublinhado nesta situação é o facto de que tal reentrada não pode deixar

de ser considerada como um simulacro. Por um lado, porque a nação Visigótica na

realidade já não existe no início do romance, mesmo quando ainda o aparenta (as

notas de Herculano são reveladoras a este respeito). Por outro lado, porque toda a

intriga romanesca repousa sobre a noção de traição, que é o simulacro

institucional. No final do romance, Eurico luta, não contra os muçulmanos, mas

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contra os Godos que traíram a sua pátria. Finalmente, o próprio Eurico, se bem

compreendido, também não existe: aquela parte de si mesmo que se transforma

no Cavaleiro Negro apenas ocupa a cena como uma máscara que oculta o

guerreiro que não tem sequer direito ao próprio nome. Nos mesmos anos, Garrett

criava também um fantasma histórico sem direito ao seu nome: Frei Luís de Sousa

foi, como Eurico, o Presbítero, escrito em 1843 e publicado em 1844. As

coincidências são, apesar de tudo, significativas.

Helena Carvalhão Buescu Texto escrito para a folha de sala de A Paixão segundo Eurico;

Este texto não foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

Jean Dominique Ingres, Roger libertando Angélica, 1819 (Museu do Louvre, Paris).

Hermengarda, Hermengarda, eu amava-te muito! Adorava-

te só no santuário do meu coração, enquanto precisava de

ajoelhar ante os altares para orar ao Senhor. Qual era o

melhor dos dois templos? (26)

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Eurico. História de um livro

“(...) O romantismo português luta e triunfa nas suas únicas obras-primas, a de

Garrett e a de Herculano: na deste pela força íntima e livre; na daquele por uma

sóbria e velada desesperança. ‘Mal do século’ formulado romanticamente no

Eurico como ‘aspiração ao formoso e enérgico viver de outrora’; resolvido no Frei

Luís de Sousa segundo o nosso messianismo e em regímen de compromisso entre

a tragédia clássica e o teatro romântico. Pacto cristão do amor português em

ambos – apelo à morte heróica, que sana a violação dos livres votos de Eurico;

apelo ao claustro, que redime a trágica bigamia de Madalena e a cega

cumplicidade adúltera de Manuel de Sousa. (...)

Uma circunstância formal reforça a originalidade portuguesa do livro de

Herculano: o seu lugar nos géneros. O próprio autor sente o híbrido que fez:

‘crónica-poema, lenda ou o que quer que seja’. Já havia hibridismo no romance

romântico do eu. A carta, o solilóquio, a confissão alternavam o esquema

efabulado da descendência francesa de Saint-Preux e de Werther. (...) Herculano,

que psicologiza pouco, embora filosofe muito, enxertou o caso do seu

desesperado alter ego ao mesmo tempo em dois troncos: numa ténue cepa épica

e trovadoresca, que o meu argumento pôde deixar pressentir (reminiscências de

Amadis, Roldão, e Romanceiro), e no robusto roble escocês de Walter Scott,

predilecto do seu paisagismo de historiador.

Atrás do romance romântico estava o romance tétrico. O Cavaleiro Negro e certa

tintura terrível esparsa por todo o Eurico aludem bem a ele. Ana Radcliff e o Lewis

d’O Monge andam por ali tàcitamente. Tão-pouco anda longe algum empreiteiro

europeu do genre troubadour (‘poetas moyen âges’) chamava Garrett aos nossos

homens de ponte levadiça e da teorba): Herculano gostou da ‘acção dos

templários cantando hinos a Deus no meio das chamas, e cuja morte Rainouart

pintou divinamente num só verso: ‘Il n’en était plus temps, les chants avaient

cessé’. E quem não vê aqui uma sugestão possível do coro das monjas mutiladas

no Mosteiro da Virgem Dolorosa? (...)

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Seja como for, o certo é que quando Herculano encontra em si a corda do

romance do eu, já está iniciado na técnica do romance histórico e convertido às

suas vantagens. (...)

Romance do eu, romântico de tom e de tempo, o Eurico transporta o problema

religioso de Herculano numa questão moral. Uma religiosidade consuetudinária e

profética, filha da ‘religião de nossos pais’, pedia a Herculano a liberdade da

meditação e a sinceridade do treno numa igreja instituída de acordo com o que

ele julgava ser a boa linhagem apostólica respeitosa da nação e da família.

Preocupado com a pureza e a perenidade do dogma, mas mais canonista do que

teólogo, buscara o que supunha ser os sinais delas ambas na linha conservadora

dos concílios e dos sínodos. O seu critério de historiador da nação portuguesa fá-

lo-ia investigador da comunidade peninsular cimentada pelo cristianismo. Cristão

livre, herdeiro do deus javético tornado pai de misericórdia (‘o Omnipotente’ do

Hino a Deus, ‘Sempiterno’, do Eurico), profetizou e orou na Harpa do Crente.

Cristão de confissão, pronunciou-se sobre os papiros e interesses do seu grémio

em toda a sua obra histórica e polémica. O Concílio do Vaticano, ferindo a sua

concepção plebiscitária da Igreja, acabou por fazê-lo velho-católico, sismático,

quase herege. (...)

Herculano achara a equação do seu eu com um herói de livro nos solilóquios,

cartas e desesperos de Eurico; curara o espinho do sacerdócio concebido como

estado ideal do homem religioso pondo-o em sério conflito com as paixões

mundanas legítimas. Aliara tudo isto num fundo entre histórico e lendário, em

obediência à vontade de mitificar as origens da sociedade cristã da Península e do

seu ramo português. Assim, o poeta e o psicólogo, tratadista do humano, davam a

mão ao épico e ao historiador. (...)

Fixados os principais objectivos da fábula, Herculano delineou-a com o pouco

vigor novelístico de que naturalmente dispunha, compensando-o, porém, com os

seus largos dons poéticos, o seu poder descritivo, a sua intuição das almas e dos

ambientes graves. Hermengarda é uma figura feminina de lírico, diáfana e

simbólica. Se nem sempre age na intriga como mulher de carne e osso, suporta

poeticamente a responsabilidade de média do sexo fraco; é a mulher-anjo,

romântica: ‘presa, de um lado, à humanidade pela fraqueza e pela morte, aos

espíritos puros pelo amor e pelo mistério’. (...)

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John Martin, O Bardo, 1817 (Laing Art Gallery)

O caminho que seguiam devia forçosamente trazê-los às

gargantas das serras. Colocados na entrada do vale, uma

parte dos cavaleiros oferecer-lhes-iam débil resistência,

cedendo pouco a pouco e retirando-se para o topo

daquela espécie de caldeira cortada nas montanhas. (139)

A voga de Eurico foi imensa. Resta documentar. Apesar de, uns quinze anos depois

de aparecido (1856), já se lerem em Portugal, segundo Ernesto Biester, todos os

estratos da ficção, desde Dickens e Dumas Pai a Musset e Gustavo Planche, as

lamentações do Presbítero e os seus ambientes supremos prendiam sempre a

atenção. Formara-se, digamos assim, o ‘complexo de Eurico’, uma espécie de

andaço de alma. (...) Desde logo, o nome do herói voou de norte a sul como

semente de asa. Era uma realidade, um ente. Um tal Fortinho, vizinho de

Herculano na Ajuda, emigrado para a América do Sul, fundou a revista o Sul do

Brasil no Rio Grande, vivendo disso e de folhetos que circulavam no Rio da Prata

sob o pseudónimo de ‘Eurico’. Na geração de 1870, Pinto Osório, amigo de Antero e

de Eça, deixou sob o nome de Pedro ‘Eurico’ um bom livro de memórias. Enfim,

fundada uma Sociedade Literária Alexandre Herculano – avis rara no culto

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português de autores canonizados -, o seu boletim tomou o título de Eurico,

publicando um número cheio de sonetos ao gardingo... E, embora

moderadamente, ‘Eurico’, como proenomen, entrava no registo paroquial e civil.

Se esta espécie de voga documenta sobretudo apegos pessoais e esporádicos,

vem uma outra que se insere mais directamente no romance e no seu consumo

geral. É o caso da ópera fastidiosa que Miguel Ângelo fez do Eurico, sobre libreto

de Pedro Lima, subida à cena em São Carlos a 23 de Fevereiro de 1870, e no São

João, do Porto, em Janeiro de 1874.”

Vitorino Nemésio (Introdução a) Eurico, o Presbítero, Lisboa, Livraria Bertrand, 1972.

Emile Jean Horace Vernet, A balada de Leonore, 1839 (Museu de Belas Artes de Nantes).

Hermengarda não tinha ouvido ainda ao cavaleiro negro

senão os sons quase inarticulados do seu grito de guerra:

agora, porém, estas palavras, proferidas em tom enérgico,

mas com voz trémula, troaram-lhe nos ouvidos,

semelhantes à voz de alguém que na vida conhecera e que

o sepulcro provavelmente tragara. (130)

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Heróis, romances e histórias: a propósito do Presbítero Eurico 1. Algumas questões a propósito do romance histórico. “Alexandre Herculano (1810-77) pode ser justamente considerado como um dos

pólos em torno dos quais o movimento romântico surge e se equaciona em

Portugal. Com créditos bem firmados em 1844, data do aparecimento da primeira

edição de Eurico o Presbítero, Herculano era nessa altura já tido como o

inaugurador e o mais legítimo representante, no nosso país, de uma das formas

narrativas típicas do Romantismo europeu: a ficção histórica.

Efectivamente, é ele quem faz despertar em Portugal o gosto (que em breve se

tornaria quase uma ‘mania’) por esse tipo de romance que, na Europa, conhecera

tanto e tão grande sucesso. E o presente romance, Eurico o Presbítero, pode ser

tido de algum modo como o expoente dos processos narrativos de outras obras,

que encontram aqui o seu parente arquetípico. (...)

É neste contexto que pode ser referido como significativo o título primitivo que

Herculano tinha pensado dar a esta obra: Eurico o Presbítero ou o Último poeta

Godo. A segunda parte do título, posteriormente elidida, apresenta desde logo um

motivo caro à ideologia romântica: o motivo do poeta primitivo como bardo

escolhido para falar da agonia de uma nação, fazendo assim aceder à memoria

colectiva, por intermédio do fazer poético, a própria existência dessa mesma

nação.

Diz Herculano nas palavras prévias com que antecede a primeira edição do

romance, a propósito da questão do celibato do sacerdócio (questão central,

como se sabe, à efabulação romanesca de Eurico):

A história das agonias íntimas geradas pela luta desta situação excepcional do clero com as tendências naturais do homem seria bem dolorosa e variada, se as fases do coração tivessem os seus anais como os têm as gerações e os povos (sublinhado meu).

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Ora, nestas palavras se poderá encontrar um dos objectivos da obra,

directamente relacionado com a questão do romance histórico: Herculano

pretende aqui dar testemunho dessa história íntima que considera possível,

embora saiba também que ela tem de ser feita sem o recurso aos documentos

oficiais que a instituição eclesiástica preserva.

Este romance é, pois, de algum modo, duplamente histórico: de forma literal,

porque responde aos padrões definidos pelo grande cultor do género, que foi

Walter Scott; mas também de forma transposta, ao aplicar esses mesmos

princípios à constituição da intimidade do sujeito – o que desde logo coloca a

questão da formulação do herói. (...)

2. Um momento histórico: a ‘época de transição’. Na primeira e extensa nota de Herculano ao texto do seu romance, diz o autor ter

pretendido ‘fixar a acção (...) numa época de transição – a da morte do Império

Gótico, e do nascimento das sociedades modernas da Península’. Assim se exprime

um dos vectores essenciais da constituição do quadro temporal em que decorre a

acção de Eurico - mas, repare-se, também de O Monge de Cister ou O Bobo, para

não referir algumas das Lendas e Narrativas. O conceito de ‘transição’ é fulcral

para o entendimento da ficção histórica de Herculano e, nomeadamente, do seu

carácter exemplar: porque nesse momento se delineiam, de forma inequívoca, as

convulsões e os desencontros históricos que têm o seu reflexo nas convulsões e

nos desencontros pessoais e íntimos que constituem e dilaceram o herói

romântico.

Ora, esta época de transição é por Herculano considerada como estrutural – não é

o nascimento de uma nova sociedade que determina a morte da anterior, mas o

contrário; é o facto de a primeira estar já moribunda e moralmente extinta que

por assim dizer ‘obriga’ ao aparecimento da outra. As causas dessa época de

transição são, desta perspectiva, endémicas e estruturais, não meramente

circunstanciais. A invasão dos Árabes tem sucesso porque é a própria sociedade

visigótica que se desmorona perante os olhos do observador-participante que

Eurico, como o confirma, para lá dos comentários do narrador e dos textos

escritos por Eurico, a epígrafe que indicia o primeiro capítulo da obra: ‘A um

tempo toda a raça goda, soltas as rédeas do governo, começou a inclinar o ânimo

para a lascívia e soberba” (Monge de Silos: Chronicon, C.2)’. A história da Nação

(seja ela qual for) é concebida, neste contexto, de uma forma estrutural, em que

acontece apenas o que tem de acontecer, ou seja, o que as características

nacionais e vivenciais de algum modo determinam e permitem que aconteça. A

conjuntura depende da estrutura, e não o inverso. O mesmo problema ocupa, aliás,

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por exemplo, o poema narrativo Camões (1825), de Garrett, e é condição para

repensar a questão, fundamental para o pensamento romântico, da identidade

nacional. Como refere Herculano, no capítulo I, a ‘dissolução política é gerada por

via da dissolução moral’. (...)

.

Caspar David Friedrich, A Abadia na Floresta, 1890 (Staatliche Museum, Berlim).

As árvores, na maior parte desfolhadas, deixavam o luar,

por entre os ramos despidos e tortuosos, desenhar no chão

figuras estranhas, que vacilavam indecisas: os robles

nodosos e calvos, misturados com os rochedos piramidais,

que se alevantavam irregulares e fantásticos nas arestas

das encostas íngremes, nas lombadas penhascosas das

serras, pareciam fileiras de demónios, caminhando de

roldão a despenharem-se nos vales ou dançando nos visos

das alturas. (117)

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3. Uma figura: o herói.

‘Eurico estava, enfim, só.’ (cap. XVII); esta frase do narrador pode ser considerada

como o emblema de toda a situação do herói e, até mesmo da sua evolução ao

longo do romance. Eurico é, com efeito, o herói revoltado e solitário que uma boa

parte da estética romântica erige como estandarte e representante. Todos os

laços mundanos, cabe pois ao romance mostrá-los inoperantes, um a um:

a) solidão familiar. Num romance onde os laços familiares se expõem e defendem,

onde há irmãos (Pelágio e Hermengarda, Atanagildo e Suíntila), pais e filhos, Eurico

aparece singularmente só, como se a ausência de referências explícitas aos seus

ascendentes tornasse ainda mais misteriosa a origem desse herói de negro. (...)

b) solidão amorosa. Núcleo da intriga mais restrita tecida em torno da

personagem, a solidão amorosa aparece, é claro, como consequência dos votos

que transformam Eurico, de gardingo, em sacerdote. Mas também aqui é

significativo – e o próprio herói a esse facto repetidamente se refere – que

nenhum laço possa alguma vez unir Eurico ao mundo exterior que lhe contempla a

acção. (...)

c) solidão guerreira. Teodemiro, recebendo de novo notícias do ex-gardingo

Eurico, oferece-lhe o lugar que antes lhe tinha pertencido – o de capitão das

hostes godas. Mas também aqui o herói se exclui de qualquer convívio, que é

estabelecimento de relações dentro do mundo. A luta, central para a elaboração

da personagem, concebe-a ele mais uma vez à margem de uma acção organizada

‘entre pessoas’; por isso opta por ‘aparecer’ quando se dá a batalha e

‘desaparecer’ sem deixar rasto quando ela é interrompida; por isso conserva o

anonimato, que é marginalidade (...). Na guerra como no amor, Eurico escolhe o

lugar da margem, também ela transição, onde as leis e a relatividade do mundo

não atingem a opção pela radicalidade, pelo absoluto. Eurico dita a sua própria lei:

nem a Pelágio revela, senão em última instância, a sua identidade.

d) solidão afectiva. O herói tem ainda, no início do romance, um elo, um laço que o

liga ao mundo: a amizade por Teodemiro. Este laço é representado, no texto, pela

troca de correspondência entre as duas personagens. Estas cartas são

funcionalmente tanto mais importantes quanto se notar o facto de que, com

excepção delas e do diálogo final (e necessário) entre Eurico e Hermengarda, o

herói recusa qualquer diálogo, ou seja, qualquer comunicação consistentemente

estruturada com o mundo exterior e as pessoas que nele habitam. (...)

Eurico, esse, é finalmente aquele que, de todo marginal, solitário e revoltado, pode

preparar-se para fazer uma última demonstração do seu desapego às coisas e

pessoas do mundo, enveredando por um caminho de que o sacrifício suicida torna

impossível o regresso.

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4. Uma estratégia: o empenhamento.

O tom heróico patente na organização discursiva do romance e que, aliás, é

comum a grande parte da obra, tanto lírica como narrativa, de Herculano,

‘redobra’ os eventos e os sucessos também ele heróicos (como pretendia o autor)

que aqui são narrados. Ora, tudo isto pode relacionar-se com alguns outros

elementos, que convém mencionar:

a) a posição empenhada do narrador na análise dos eventos – empenhamento

visível pela por vezes longa exposição preliminar que faz das suas condições e,

mesmo, pelos comentários avaliativos e valorativos que produz;

b) o pendor pedagógico-didáctico que o anima – o narrador também se ocupa em

congregar, em torno da sua história, uma movimentação colectiva, viabilizada

pelo despertar das consciências;

c) o carácter persuasivo de que dota a narrativa – um discurso fortemente

trabalhado do ponto de vista retórico torna-se central para este projecto, virado

para a capacidade da acção que visa atingir. (...)

Um género (movente): o romance histórico; um momento privilegiado: a transição;

uma figura: o herói; uma estratégia: o empenhamento – eis alguns dos elementos

em torno dos quais é possível reflectir de forma proveitosa a propósito de Eurico

o Presbítero. Com este romance cria Herculano o protótipo de uma das formas

possíveis de ser herói, propondo um modelo coerente da solidão e da revolta.

Modelo coerente e, mais uma vez, radical: porque apenas estas características

permitem ao herói defrontar-se com o absoluto por que escolhe compreender o

mundo, assumindo ao mesmo tempo a plenitude da sua acção – mesmo que ela

seja aquela que encontra o seu remate consequente apenas na morte, a

radicalidade absoluta."

Helena Carvalhão Buescu, A Lua, a Literatura e o Mundo, Lisboa, Edições Cosmos, 1995: 128-136.

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Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico 40

Herculano e o teatro

“Falar das relações que existiram entre Alexandre Herculano e o teatro (...) poderá

talvez dar a impressão dum acintoso propósito de diminuir a sua estatura literária,

de embaciar a sua imagem histórica. Sobretudo porque, ao fazê-lo, a comparação

com Garrett se tornará inevitável: e o que o nosso teatro deve ao autor do Frei

Luís de Sousa, a todos os níveis, que não apenas ao da criação dramatúrgica

propriamente dita, quase não deixa espaço para que, neste capítulo, a seu lado o

nome de Herculano possa inscrever-se. No entanto, se é certo que nele o novelista

e o poeta, o historiador e o polemista, relegam para um plano necessariamente

secundário o homem de teatro que aspirou a ser mais do que foi, não é menos

certo que os seus escritos sobre temas relacionados com a arte dramática

avultam de entre a produção crítica do seu tempo e ainda hoje podem ler-se com

proveito. (...)

Em 1836, triunfante a Revolução, a rainha incumbe Garrett de apresentar, ‘sem

perda de tempo’ um plano para a fundação e organização dum Teatro nacional

nesta capital, o qual, sendo uma escola de bom gosto, contribua para a civilização

e aperfeiçoamento moral da nação portuguesa e satisfaça aos outros fins de tão

úteis estabelecimentos’. O autor do Catão, em cujo ‘zelo e inteligência que são

próprios do seu patriotismo e reconhecidos talentos’ se depositava justificada

confiança, aceitou o encargo e desempenhou-se dele em pouco mais de um mês,

pois que a 12 de Novembro – a portaria régia, assinada por Passos Manuel, datava

de 28 de Setembro – entregava um projecto de lei que apenas três dias depois

era convertido em decreto. (...) Mas, enquanto se não edificava o Teatro Nacional –

o que, por variadas razões, políticas e outras, só viria a acontecer dez anos depois

-, duas companhias actuavam em velhos e desconjuntados pardieiros do século

anterior: o Teatro da Rua dos Condes (que Silva Abranches descrevera como ‘um

subterrâneo frigidíssimo e tenebroso’) e o Teatro do Salitre. Dirigia a primeira o

encenador francês Émile Doux, que em 1836 se deslocara a Lisboa integrado numa

troupe de actores franceses que deu a conhecer o moderno repertório romântico

(Victor Hugo, Dumas, Scribe) e aqui permaneceu; de seu lado, a Associação Gil

Vicente, que funcionava no Salitre, tinha por mentores Castilho, o italiano César

Perini – e Herculano. A atribuição de subsídios para a época teatral de 1838-39 deu

lugar a uma troca polémica de cartas entre Garrett e Herculano – que considerava

inaceitáveis (por inexequíveis) as condições do respectivo concurso. E o autor do

Eurico punha a questão nos seguintes termos dilemáticos: ‘... Deste concurso pode

vir, em vez da salvação, a morte do teatro português. Suponhamos que um dos

directores é de boa fé e o outro de má. O que for de boa fé não se apresentará ao

concurso, porque sabe que não pode cumprir de salto as condições: dá-se tudo ao

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Teatro Nacional D. Maria II 2011 | ‘‘A Paixão segundo Eurico’’ - Dossier Pedagógico 41

outro e ele fecha o teatro. O outro não cumpre, porque não pode; persegue-se

necessariamente, porque os contrários estão a la-mira e bradarão alto se não se

fizer justiça. O que se segue daí? É que este teatro cairá também, e ficaremos sem

nenhum...’2

Teatro do Salitre, na freguesia de São Mamede, inaugurado em 1783. O Teatro foi palco de diversas atividades políticas e culturais

Herculano, aliás, falando por si e por Castilho, avisara Garrett de que ‘se o Teatro

do Salitre acabar (e esta questão é para ele de vida ou de morte), para nós ambos

está acabada a carreira dramática, em que nada queremos ganhar senão o ter

contribuído do modo que pudermos para a restauração da cena portuguesa.’3

Brevíssima foi, porém, essa carreira, que se limitou a três obras, duas originais e

uma traduzida, num total de cinco actos apenas. A primeira, que se estreou em

Agosto de 1838 no Teatro do Salitre, era uma adaptação da comedia de Scribe e

Mélesville, Le Secrétaire et le Cuisinier, a que Herculano pôs o título de Tinteiro

não é Caçarola: comentando a sua apresentação, um jornal da época, A Atalaia

Nacional dos Teatros, manifestava pelas seguintes palavras a sua justificada

surpresa: ‘Depois de ter clamado em todos os tons que era preciso fazer teatro

português, começa a sua carreira pela tradução de uma farsa que já havia sido

representada neste mesmo teatro: eis o que decididamente não esperávamos!’

Três meses depois, a 3 de Novembro, e também no Salitre, subia à cena a sua

primeira peça original – o drama histórico O Fronteiro de África ou Três Noites

Aziagas, anonimamente anunciado como ‘um drama de grande espectáculo em

três actos, ou noites, composto por um dos nossos insignes Literatos Portugueses’

– cuja verdadeira identidade, aliás, ninguém ignorava. Herculano, que dizia tê-lo

‘escrito sobre o joelho, para satisfazer o Castilho’, acrescentando que ‘nunca fizera

conceito de semelhante frioleira’, não curou de o editar – muito embora ele viesse

a imprimir-se no Brasil em 1862, sem a sua autorização aliás. Seis anos iriam

2 Cartas, t. II, 4.ª ed., p.17. 3 Ibid., p.14. Castilho assinou, juntamente com Herculano, esta carta e a anterior.

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decorrer sem que Herculano abordasse de novo o teatro – o que só voltaria a

fazer através dum pequeno drama lírico em um acto, Os Infantes em Ceuta4, que,

com música do maestro António Luís Miró, se cantou pela primeira (e cremos que

única) vez na Academia Filarmónica de Lisboa, em 28 de Março de 1844. Dele

escreveu Andrée Crabbé Rocha que ‘confirmava a sua incapacidade de

dramaturgo’ (...). O Fronteiro de África estreou-se, como dissemos, a 3 de

Novembro de 1838; o Auto precedera-o de alguns meses, pois teve a sua primeira

representação a 15 de Agosto, no Teatro da Rua dos Condes. Só no ano seguinte

Mendes Leal daria a conhecer Os Dois Renegados, paradigma do género, e a partir

de então é que os palcos (e os prelos) de Lisboa seriam inundados pelos dramas

(ditos) históricos de Serpa Pimentel, Sousa Lobo, Morais Sarmento, Inácio Maria

Feijó, Silva Abranches, Pereira da Cunha, Corrêa de Lacerda, Costa Cascais... (...)

Herculano defendia assim, como condição essencial da vitalidade do drama

histórico, a inserção profunda da acção dramática, das situações em que esta se

desenvolve e das personagens que nela intervêm, no processo sociopolítico do

tempo que lhe serve de esteio. (...)

A ‘natureza e a verdade’, elementos básicos do drama moderno, estavam

completamente ausentes da produção nacional – e a ‘linguagem de cortiça e

ouropel’ que faz ‘arrepiar o senso comum’, posta na boca de personagens dotadas

duma existência puramente literária, ainda mais evidente tornava a sua intrínseca

falsidade. Contra esta dirigia pois Herculano acertadas – e aceradas – flechas (...).

A partir do fim da década de 40, o drama histórico começa a declinar – ele

tornara-se, na pitoresca frase de Andrade Ferreira, ‘o pesadelo das plateias e a

cabeça da Medusa dos críticos respeitadores das severas tradições da cena’ -,

substituindo-se-lhe nos palcos o que se designou por ‘drama de actualidade’ e que

um dos seus mais representativos cultores, Ernesto Biester, definiu como ‘a

reprodução verdadeira dos costumes contemporâneos, da vida do nosso tempo,

da sociedade actual’. (...)

O parecer sobre o drama D. Maria Teles, submetido ao Conservatório em 1842,

constitui o texto doutrinário mais importante de Herculano em matéria de crítica

teatral – mas não deve fazer-nos esquecer as suas restantes intervenções neste

sector: os estudos sobre as ‘Origens do Teatro Moderno’ publicados no Panorama

em 1837 e 1839, cujo esquematismo reflecte a escassez de informações históricas

de que então se dispunha; um parecer sobre a comédia A Casa de Gonçalo,

concorrente aos prémios do concurso aberto em 1840; um texto contra a censura

prévia (...) datado de 1841; nem as suas intervenções pontuais em diversas

questões de interesse público, como a polémica aberta em torno da construção e

4 O texto, editado pela primeira vez no próprio ano da sua representação, veio depois a ser incluído no Livro II (‘Poesias Várias’) das Poesias, 7.ª ed., pp.225-273.

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da estrutura administrativa do Teatro Nacional, que ele entendia dever ser um

Teatro do Estado, explorado por uma empresa pública e não por uma companhia

particular. Tudo isto se inseria no processo de reforma do nosso teatro, ‘em todas

as suas partes, que em todas dela carecia, sem exceptuar a dos espectadores,

que, bem como tudo o mais, é preciso criar de novo’: e também estas palavras

escritas por Herculano em 1839 conservam hoje inteira validade...”

Luiz Francisco Rebello, in Colóquio-Letras, n.º 37, Maio, 1977: 43-49.

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Glossário Eurico, o Presbítero

acicate espora comprida com uma só

ponta.

adarve muro de fortaleza.

ádito entrada, acesso.

albornoz manto de lã, com capuz,

usado pelos árabes.

alfange espada larga e curta.

alfaqui título dado pelos africanos

aos seus sacerdotes e sábios da lei.

alferezes porta-bandeiras do

exército.

aljufe o norte.

almatrá tapete, colchão.

almenaras fogueiras nocturnas.

almocadém guia dos almogaures.

almogaures corredores que vão

roubar o campo inimigo.

almogrebe o ocidente, poente.

alquibla o sul.

amículo manto usado pelas mulheres.

amir governador de tribo entre os

muçulmanos.

anafil trombeta usada pelos mouros.

arção parte da sela.

aripenes medida de extensão que

equivalia a dois palmos.

arnezes armaduras dos antigos

guerreiros.

axarquia oriental.

barria deserto do Norte.

beta mancha.

bipene acha de armas, de dois

gumes.

brejo pântano.

bucelário escudeiro.

cateia lança curta ou dardo.

capilhar peça de vestuário dos

mouros usada sobre a marlota.

centenário que dirigia uma centúria.

centúria companhia de cem homens.

cimitarra alfange curvo.

cimune vento do norte que sopra em

direção ao mar.

efípia sela de lã.

escabelo estrado que se coloca por

baixo dos pés.

esculcas sentinela.

estélio espécie de lagarto.

estringe túnica.

franquisque espécie de machadinha.

fundeiros atiradores de pedras com

fundas.

gardingo substituto do duque

(governador da cidade).

gorjal peça de armadura antiga com

que se defendia o pescoço.

lódão cajado.

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manguais paus compridos a que se

prendem pequenos toros atados pelo

meio.

marlota capote curto com capuz

usado pelos mouros.

nocturno uma das três partes das

matinas do ofício divino.

ostiário Ministro que abria e fechava

o templo.

pretória sala de julgamentos.

quadrelas lanço de muralhas.

quingentário capitão de quinhentos

homens.

reixa grade.

renques fileiras.

retíolo espécie de touca.

roble carvalho.

roqueiro semelhante na constituição

a rocha.

sarçal silvado.

sarças silvas.

ségure machadinha.

sicera bebida embriagante.

simum vento seco e quente que

sopra de sul para norte em África.

tiufadias corpo de mil homens do

exército godo.

tiufado comandante de uma tiufadia.

tingintano habitante de Tânger.

transfretanos africanos.

vális governador de província.

vicário governador da cidade.

xeique chefe da tribo, ancião.

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Tarefas a desenvolver com os alunos

ANALISARANALISARANALISARANALISAR Procure no excerto do capítulo XVI “O Castro romano” aspetos caraterísticos da

narrativa romântica, quer na descrição da paisagem, quer na composição da

personagem feminina, quer nas ações do herói, quer ainda nos temas da morte,

do terror, do sonho, do mistério e do fantástico.

DEBATERDEBATERDEBATERDEBATER A partir do poema de Guerra Junqueiro, que critica a paixão idealizada de Eurico

por Hemengarda, discuta-se em aula o que mudou e o que permanece no conceito

de Paixão. A paixão amorosa é a única que move o indivíduo?

ESCREVERESCREVERESCREVERESCREVER 1. Parta-se da descrição do mar feita no capítulo VII “A Visão” desde “Eram as

horas das trevas profundas” e aproxime-se este excerto de uma das pinturas

românticas incluidas neste dossier, reconhecendo alguns dos tópicos românticos

que ambas encerram.

2. Depois do debate feito na aula, peça-se aos alunos um ensaio de uma página

sobre “paixão e revolta” não circunscrito ao romance Eurico, mas apelando à

experiência e à capacidade de especulação dos alunos.

3. Promova-se a reescrita do excerto do capítulo VI que começa em “Os raios

derradeiros do sol desapareceram” em forma de monólogo dramático, isto é,

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imaginando a situação em que seria dito por um ator desempenhando a

personagem Eurico.

4. Crie-se a situação e o diálogo a partir da cena entre Eurico e Pelágio no capítulo

XIII desde “Os cavaleiros chegaram ao topo da subida. A caverna de Covadonga,

o palácio do Duque de Cantábria, estava patente” até ao fim da narrativa do velho

Aldefonso.

ESCUTARESCUTARESCUTARESCUTAR Dar a ouvir alguns excertos da Sinfonia Heróica de Beethoven e da Sinfonia

Fantástica Op. 14 de Berlioz, alguns dos Nocturnos de Chopin e excertos da ópera

La Sonnambula de Bellini.

DESENHARDESENHARDESENHARDESENHAR Escolha livre de uma cena do romance para a transpor em desenho ou BD.

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Equipa Teatro Nacional D. Maria II direção artística DIOGO INFANTE conselho de administração MARIA JOÃO BRILHANTE, MÓNICA ALMEIDA assessoria artística NATÁLIA LUIZA* assessoria de comunicação RUI CALAPEZ* secretariado CONCEIÇÃO LUCAS auxiliar administrativo LUÍS FREDERICO motorista RICARDO COSTA atores JOÃO GROSSO, JOSÉ NEVES, MANUEL COELHO, MARIA AMÉLIA MATTA, PAULA MORA direção de produção CARLA RUIZ, MANUELA SÁ PEREIRA, RITA FORJAZ direção de cena ANDRÉ PATO, CARLOS FREITAS, ISABEL INÁCIO, MANUEL GUICHO, PAULA MARTINS, PEDRO LEITE auxiliar de camarim PAULA MIRANDA, PATRÍCIA ANDRÉ pontos CRISTINA VIDAL, JOÃO COELHO guarda-roupa ELISABETE LEITE, GRAÇA CUNHA direção técnica JOSÉ CARLOS NASCIMENTO, ERIC DA COSTA, VERA AZEVEDO maquinaria e mecânica de cena VÍTOR GAMEIRO, JORGE AGUIAR, MARCO RIBEIRO, PAULO BRITO, NUNO COSTA, RUI CARVALHEIRA iluminação JJJJOÃO DE ALMEIDA, DANIEL VARELA, FELICIANO BRANCO, LUÍS LOPES, PEDRO ALVES som / audiovisual RUI DÂMASO, ANTÓNIO VENÂNCIO, PEDRO COSTA, SÉRGIO HENRIQUES manutenção técnica MANUEL BEITO, MIGUEL CARRETO adereços VIRGÍNIA RICO motorista CARLOS LUÍS direção de comunicação e imagem RAQUEL GUIMARÃES, TIAGO MANSILHA assessoria de imprensa JOÃO PEDRO AMARAL produção de conteúdos MMMMARGARIDA GIL DOS REIS* design gráfico JOÃO NUNO REPRESAS*, MARGARIDA KOL* direção administrativa e financeira JOÃO VALADAS, EULÁLIA RIBEIRO, IDALINA FIALHO, ISABEL ESTEVENS controlo de gestão MARGARIDA GUERREIRO tesouraria IVONE PAIVA E PONA recursos humanos ANTÓNIO MONTEIRO, MADALENA DOMINGUES direção de manutenção SUSANA COSTA, ALBERTINA PATRÍCIO manutenção geral CARLOS HENRIQUES, LUÍS SOUTA, RAUL REBELO, VÍTOR SILVA informática NUNO VIANA técnicas de limpeza ANA PAULA COSTA, CARLA TORRES, LUZIA MESQUITA, SOCORRO SILVA vigilância GRUPO8 **** direção de relações externas e frente de casa ANA ASCENSÃO, CARLOS MARTINS, DEOLINDA MENDES, FERNANDA LIMA bilheteira RUI JORGE, CARLA CEREJO, NUNO FERREIRA receção DELFINA PINTO, ISABEL CAMPOS, LURDES FONSECA, PAULA LEAL assistência de sala COMPLET’ARTE * direção de documentação e património CRISTINA FARIA livraria MARIA SOUSA, RICARDO CABAÇA biblioteca | arquivo ANA CATARINA PEREIRA, FERNANDA BASTOS * prestações de serviços

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Teatro Nacional D. Maria II*

Praça D. Pedro IV

1100-201 Lisboa

Tel.: +351 213 250 800

www.teatro-dmaria.pt

*Encerra à 2.ª

coprodução