25 a2008 poesia

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Tanto mar Chico Buarque Sei que estás em festa, pá Fico contente E enquanto estou ausente Guarda um cravo para mim Eu queria estar na festa, pá Com a tua gente E colher pessoalmente Uma flor do teu jardim Sei que há léguas a nos separar Tanto mar, tanto mar Sei também quanto é preciso, pá Navegar, navegar Lá faz primavera, pá Cá estou doente Manda urgentemente Algum cheirinho de alecrim Versão só editada em Portugal, em 1975 Foi bonita a festa, pá Fiquei contente E inda guardo, renitente Um velho cravo para mim Já murcharam tua festa, pá Mas certamente Esqueceram uma semente Nalgum canto do jardim Sei que há léguas a nos separar Tanto mar, tanto mar Sei também quanto é preciso, pá Navegar, navegar Canta a primavera, pá Cá estou carente Manda novamente Algum cheirinho de alecrim Versão de 1978 Esta canção foi feita em 1975 e saudava a Revolução, mas a censura brasileira não permitiu que o autor a tocasse ao vivo e obrigou-o a modificá-la. Vamos comparar as duas versões:

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Page 1: 25 a2008 poesia

Tanto mar Chico Buarque

Sei que estás em festa, páFico contenteE enquanto estou ausenteGuarda um cravo para mim

Eu queria estar na festa, páCom a tua genteE colher pessoalmenteUma flor do teu jardim

Sei que há léguas a nos separarTanto mar, tanto marSei também quanto é preciso, páNavegar, navegar

Lá faz primavera, páCá estou doenteManda urgentementeAlgum cheirinho de alecrim

Versão só editada em Portugal, em 1975

Foi bonita a festa, páFiquei contenteE inda guardo, renitenteUm velho cravo para mim

Já murcharam tua festa, páMas certamenteEsqueceram uma sementeNalgum canto do jardim

Sei que há léguas a nos separarTanto mar, tanto marSei também quanto é preciso, páNavegar, navegar

Canta a primavera, páCá estou carenteManda novamente

Algum cheirinho de alecrim Versão de 1978

Esta canção foi feita em 1975 e saudava a Revolução, mas a censura brasileira não permitiu que o autor a tocasse ao vivo e obrigou-o a modificá-la.

Vamos comparar as duas versões:

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A Rapariga do País de Abril

Habito o sol dentro de tidescubro a terra aprendo o marrio acima rio abaixo vou remandopor esse Tejo aberto no teu corpo.

E sou metade camponês metade marinheiroapascento meus sonhos iço as velassobre o teu corpo que de certo modoé um país marítimo com árvores no meio.

Tu és meu vinho. Tu és meu pão.Guitarra e fruta. Melodia.A mesma melodia destas noitesenlouquecidas pela brisa no País de Abril.

E eu procurava-te nas pontes da tristezacantava adivinhando-te cantavaquando o País de Abril se vestia de tie eu perguntava atónito quem eras.

Por ti cheguei ao longe aqui tão pertoe vi um chão puro: algarves de ternura.Qaundo vieste tudo ficou certoe achei achando-te o País de Abril.

Manuel Alegre

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Abril de Sim Abril de Não

Eu vi Abril por fora e Abril por dentrovi o Abril que foi e Abril de agoraeu vi Abril em festa e Abril lamentoAbril como quem ri como quem chora.

Eu vi chorar Abril e Abril partirvi o Abril de sim e Abril de nãoAbril que já não é Abril por vire como tudo o mais contradição.

Vi o Abril que ganha e Abril que perdeAbril que foi Abril e o que não foieu vi Abril de ser e de não ser.

Abril de Abril vestido (Abril tão verde)Abril de Abril despido (Abril que dói)

Abril já feito. E ainda por fazer.

Manuel Alegre

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FERNANDO TORDOMÚSICA: FERNANDO TORDOLETRA: JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS

TOURADAFestival da Canção de 1973

Não importa sol ou sombracamarotes ou barreirastoureamos ombro a ombro as feras.Ninguém nos leva ao enganotoureamos mano a mano.Só nos podem causar dano esperas.Entram guizos, chocas e capotese mantilhas pretasentram espadas, chifres e derrotese alguns poetas.Entram bravos, cravos e dixotesporque tudo o mais são tretas.Entram vacas depois dos forcadosque não pegam nada.Soam bravos e olés dos nabosque não pagam nada.E só ficam os peões de bregacuja profissão não pega.Com bandarilhas de esperançaafugentamos a feraestamos na praçada primavera.

Nós vamos pegar o mundopelos cornos da desgraçae fazemos da tristeza graça.Entram velhas doidas e turistasentram excursõesentram benefícios e cronistasentram aldrabõesentram marialvas e cronistasentram galifões de crista.Entram cavaleiros à garupado seu heroísmo.Entra aquela música malucado passodoblismo.Entra a aficcionada e a caducamais o snobismo... E cismo!Entram empresários moralistasentram frustraçõesentram antiquários e fadistase contradiçõese entra muito dólar, muita genteque dá lucro aos milhões.E diz o inteligenteque acabaramas canções

Podes ouvir emhttp://fes73.no.sapo.pt/

Esta canção, aparentemente uma visão humorística à tourada, é uma crítica à situação política.

Por exemplo, quando se refere à “praça da primavera” alude-se à

chamada Primavera Marcelista

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Quis saber quem souo que faço aquiquem me abandonoude quem me esqueciperguntei por mimquis saber de nósmas o marnão me traztua voz.Em silêncio, amorem tristeza e fimeu te sinto, em floreu te sofro, em mimeu te lembro, assimpartir é morrercomo amaré ganhare perder.

Tu viste em floreu te desfolheitu te deste em amoreu nada te deiem teu corpo, amoreu adormecimorri nelee ao morrerrenasci.E depois do amore depois de nóso dizer adeuso ficarmos sósteu lugar a maistua ausência em mimtua pazque perdiminha dorque aprendi.De novo vieste em florte desfolhei...E depois do amore depois de nóso adeuso ficarmos sós.

PAULO DE CARVALHOMÚSICA: JOSÉ CALVÁRIOLETRA: JOSÉ NIZA

Esta canção não teria grande importância no contexto do 25 de Abril não fosse o facto de ter sido uma das senhas escolhidas para dar sinal aos militares envolvidos nas operações de que podiam avançar.

E DEPOIS DO ADEUSFestival da Canção de 1974

Podes ouvir emhttp://fes74.no.sapo.pt/

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Da esquerda para a direita: José Barata Moura, Vitorino, José Jorge Letria, Fausto, Manuel Freire, Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira.

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Esta canção tornou-se famosa ao ser escolhida como senha para a revolução. Houve duas senhas: a primeira, às 23h, foi a música "E depois do adeus", de Paulo de Carvalho; Grândola, a segunda, passou no programa "Limite" da Rádio Renascença às 0.20h do dia 25. Foi o sinal para o arranque das tropas e a confirmação de que a revolução ganhava terreno.

Incluída no álbum "Cantigas do Maio", editado em Dezembro de 1971, com os arranjos e direcção musical de José Mário Branco e gravado em França.

Grândola, vila morenaTerra da fraternidade

O povo é quem mais ordenaDentro de ti, ó cidadeDentro de ti, ó cidade

O povo é quem mais ordenaTerra da fraternidadeGrândola, vila morena

Em cada esquina um amigoEm cada rosto igualdade

Grândola, vila morenaTerra da fraternidade

Terra da fraternidadeGrândola, vila morena

Em cada rosto igualdadeO povo é quem mais ordenaÀ sombra d’uma azinheiraQue já não sabia a idadeJurei ter por companheiraGrândola a tua vontadeGrândola a tua vontade

Jurei ter por companheiraÀ sombra duma azinheiraQue já não sabia a idade

GRÂNDOLA, VILA MORENAZeca Afonso

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Ei-los que partem novos e velhos buscando a sorte noutras paragens noutras aragens entre outros povos ei-los que partem velhos e novos

Ei-los que partem de olhos molhados coração triste e a saca às costas esperança em riste sonhos dourados ei-los que partem de olhos molhados

Virão um dia ricos ou não contando histórias de lá de longe onde o suor se fez em pão virão um dia ou não

Ei-los Que Partem

Manuel Freire

Livre (não há machado que corte)

(Não há machado que corte a raíz ao pensamento) [bis] (não há morte para o vento não há morte) [bis]

Se ao morrer o coração morresse a luz que lhe é querida sem razão seria a vida sem razão

Nada apaga a luz que vive num amor num pensamento porque é livre como o vento porque é livre

Poema: Carlos de Oliveira

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Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer

como esta pedra cinzenta em que me sento e descanso como este ribeiro manso em serenos sobressaltos

como estes pinheiros altos que em verde e oiro se agitam como estas árvores que gritam em bebedeiras de azul

eles não sabem que sonho é vinho, é espuma, é fermento bichinho alacre e sedento de focinho pontiagudo que fuça através de tudo em perpétuo movimento

Manuel Freire

Poema: António Gedeão

Eles não sabem que o sonho é tela é cor é pincel base, fuste, capitel que é retorta de alquimista

mapa do mundo distante Rosa dos Ventos Infante caravela quinhentista que é cabo da Boa-Esperança

Ouro, canela, marfim florete de espadachim bastidor, passo de dança Columbina e Arlequim

passarola voadora pára-raios, locomotiva barco de proa festiva alto-forno, geradora

cisão do átomo, radar ultra-som, televisão desembarque em foguetão na superfície lunar

Eles não sabem nem sonham que o sonho comanda a vida que sempre que o homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos duma criança

Pedra Filosofal

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Adriano Correia de Oliveira

Cantar de Emigração (este Parte, Aquele Parte)

Este parte, aquele parte e todos, todos se vão Galiza ficas sem homens que possam cortar teu pão

Tens em troca órfãos e órfãs tens campos de solidão tens mães que não têm filhos filhos que não têm pai

Coração que tens e sofre longas ausências mortais viúvas de vivos mortos

que ninguém consolará

Poema: Rosália de Castro

Menina dos Olhos tristes

Menina dos olhos tristeso que tanto a faz chorar o soldadinho não voltado outro lado do mar

Vamos senhor pensativoolhe o cachimbo a apagar o soldadinho não voltado outro lado do mar

Senhora de olhos cansadosporque a fatiga o tear o soldadinho não voltado outro lado do mar

Anda bem triste um amigouma carta o fez chorar o soldadinho não voltado outro lado do mar

A lua que é viajanteé que nos pode informar o soldadinho já voltaestá mesmo quase a chegar

Vem numa caixa de pinhodo outro lado do mar desta vez o soldadinhonunca mais se faz ao mar

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Morte que Mataste Lira

Morte que mataste Lira,Morte que mataste Lira,Morte que mataste Lira,

Mata-me a mim, que sou teu! Morte que mataste lira

Mata-me a mim que sou teu Mata-me com os mesmos ferros

Com que a lira morreu

A lira por ser ingrataTiranicamente morreu

A morte a mim não me mataFirme e constante sou eu Veio um pastor lá da serra

À minha porta bateu Veio me dar por notícia

Que a minha lira morreu

Adriano Correia de Oliveira

Erguem-se Muros

Erguem-se muros em volta do corpo quando nos damos

amor semeia a revolta que nesse instante calamos

Semeia a revolta e o dia cobrir-se-á de navios (bis) há que fazer-nos ao mar antes que sequem os rios

Secos os rios a noite tem os caminhos fechados (bis)

Há que fazer-nos ao mar ou ficaremos cercados

Amor semeia a revolta antes que sequem os rios...

Poema deAntónio Ferreira Guedes

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PorquePorque os outros se mascaram mas tu não Porque os outros usam a virtude Para comprar o que não tem perdão Porque os outros têm medo mas tu não

Porque os outros são os túmulos caiados Onde germina calada a podridão. Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem E os seus gestos dão sempre dividendo. Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos E tu vais de mãos dadas com os perigos.

Porque os outros calculam mas tu não.

Poema de Sofia de Melo Breyner Andressen

Adriano Correia de Oliveira

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José Carlos Ary dos Santos

poeta e declamadorAutor de mais de 600 letras para canções.

Poeta castrado não!

Serei tudo o que disserem por inveja ou negação: cabeçudo dromedário fogueira de exibição teorema corolário poema de mão em mão lãzudo publicitário malabarista cabrão. Serei tudo o que disserem: Poeta castrado não!

Os que entendem como eu as linhas com que me escrevo reconhecem o que é meu em tudo quanto lhes devo: ternura como já disse sempre que faço um poema; saudade que se partisse me alagaria de pena; e também uma alegria uma coragem serena em renegar a poesia quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu a força que tem um verso reconhecem o que é seu quando lhes mostro o reverso:

Da fome já não se fala - é tão vulgar que nos cansa - mas que dizer de uma bala num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história - a morte é branda e letal - mas que dizer da memória de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser o poema dia a dia? - Um bisturi a crescer nas coxas de uma judia; um filho que vai nascer parido por asfixia?! - Ah não me venham dizer que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem por temor ou negação: Demagogo mau profeta falso médico ladrão prostituta proxeneta espoleta televisão. Serei tudo o que disserem: Poeta castrado não!

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Cavalo à solta

Minha laranja amarga e doce meu poema feito de gomos de saudade minha pena pesada e leve secreta e pura minha passagem para o breve breve instante da loucura.

Minha ousadia meu galope minha rédea meu potro doido minha chama minha réstia de luz intensa de voz aberta minha denúncia do que pensa do que sente a gente certa.

Em ti respiro em ti eu provo por ti consigo esta força que de novo em ti persigo em ti percorro cavalo à solta pela margem do teu corpo.

Minha alegria minha amargura minha coragem de correr contra a ternura.

Por isso digo canção castigo amêndoa travo corpo alma amante amigo por isso canto por isso digo alpendre casa cama arca do meu trigo.

Meu desafio minha aventura

minha coragem de correr contra a ternura.

Ary dos Santos

Interpretado por Fernando Tordo no Festival RTP 1971

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Ary dos Santos

Auto-Retrato

Poeta é certo mas de cetineta fulgurante de mais para alguns olhos bom artesão na arte da proveta narciso de lombardas e repolhos.

Cozido à portuguesa mais as carnes suculentas da auto-importância com toicinho e talento ambas partes do meu caldo entornado na infância.

Nos olhos uma folha de hortelã que é verde como a esperança que amanhã amanheça de vez a desventura.

Poeta de combate disparate palavrão de machão no escaparate

porém morrendo aos poucos de ternura.

Cantiga de Amigo

Nem um poema nem um verso nem um canto tudo raso de ausência tudo liso de espanto e nem Camões Virgílio Shelley Dante --- o meu amigo está longe e a distância é bastante.

Nem um som nem um grito nem um ai tudo calado todos sem mãe nem pai Ah não Camões Virgílio Shelley Dante!

--- o meu amigo está longe e a tristeza é bastante.

Nada a não ser este silêncio tenso que faz do amor sozinho o amor imenso. Calai Camões Virgílio Shelley Dante: o meu amigo está longe

e a saudade é bastante!

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José Barata Moura

Professor de Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa, foi Reitor da Universidade.

É o autor de várias canções infantis que ficaram célebres em várias gerações, como “Joana come a papa”, “Olha a bola Manel” e o “Fungágá da Bicharada”.

Também fez canto de intervenção política, em 1970, no programa televisivo Zip Zip, e foi autor de canções revolucionárias.

Come a papa, Joana come a papaCome a papa,Joana come a papa,Joana come a papa

Um, dois, três,uma colher de cada vezQuatro, cinco, seis,era uma história de reisE uma colher de papa

Come a papa,...

Sete, oito, nove,ainda nada se resolveDez, onze, doze,á espera que a mosca pouseE uma colher de papa

Come a papa,...

Treze, catorze e meia,a coisa não está tão feiaDezesseis, dezassete,mais um pingo no babeteE uma colher de papa

Come a papa,...

O Manel tinha uma bola,que rolava pelo chãona calçada ela rebola, deu-lhe uma dentada um cão

[refrão]Olha a bola Manel,olha a bola Manel foi-se embora, fugiuolha a bola Manel,olha a bola Manelnunca mais ninguem a viu

O Manel tinha uma bola,mas por falta de atençãolá deixou ele ir a bolaentre os dentes de um cão

O Manel tinha uma bolamas agora não tem nãoe a gente a ver se o consola

vai cantar esta canção

canções infantis

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José Barata Moura canções de intervenção

Vamos brincar à caridadezinha Festa, canasta e boa comidinha Vamos brincar à caridadezinha

A senhora de não sei quem Que é de todos e de mais alguém Passa a tarde descansada Mastigando a torrada Com muita pena do pobre, Coitada

Vamos brincar à caridadezinha Festa, canasta e boa comidinha Vamos brincar à caridadezinha

Neste mundo de instituição Cataloga-se até o coração Paga botas e merenda Rouba muito mas dá prenda E ao peito terá Uma comenda

Vamos brincar à caridadezinha Festa, canasta e boa comidinha Vamos brincar à caridadezinha

O pobre no seu penar Habitua-se a rastejar E no campo ou na cidade Faz da sua infelicidade Algo para os desportistas Da caridade

Não vamos brincar à caridadezinha Festa, canasta e a falsa intençãozinha Não vamos brincar à caridadezinha

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Ermelinda Duarte : Somos livres (uma gaivota voava voava)

Ontem apenasfomos a voz sufocadadum povo a dizer não quero;fomos os bobos-do-reimastigando desespero.

Ontem apenasfomos o povo a chorarna sarjeta dos que, à força,ultrajaram e venderamesta terra, hoje nossa.

Uma gaivota voava, voava,assas de vento,coração de mar.Como ela, somos livres,somos livres de voar.

Uma papoila crescia, crescia,grito vermelhonum campo qualquer.Como ela somos livres,somos livres de crescer.

Uma criança dizia, dizia"quando for grandenão vou combater".Como ela, somos livres,somos livres de dizer.

Somos um povo que cerra fileiras,parte à conquistado pão e da paz.Somos livres, somos livres,

não voltaremos atrás.

Esta canção foi muitíssimo popular nos anos que se seguiram ao 25 de Abril.

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Menina estás à janelacom o teu cabelo à luanão me vou daqui emborasem levar uma prenda tua

sem levar uma prenda tuasem levar uma prenda delacom o teu cabelo à luamenina estás à janela

Os olhos requerem olhose os corações coraçõese os meus requerem os teusem todas as ocasiões

Menina estás à janelacom o teu cabelo à luanão me vou daqui emborasem levar uma prenda tua

sem levar uma prenda tuasem levar uma prenda delacom o teu cabelo à luamenina estás à janela

Menina estás à janelacom o teu cabelo à luanão me vou daqui emborasem levar uma prenda tua

sem levar uma prenda tuasem levar uma prenda delacom o teu cabelo à luamenina estás à janela.

Vitorino

Cantiga de Uma Greve de Verão

Seara madura de Junho Campos eternos sem fim

Abro o peito fecho o punho Quando te inclinas para mim

Minha vila não está quieta No tamanho do horizonte

Desconfia e fica alerta Do sorriso de boi manso Do morgado arrogante

Quando o trigo amadurece Chega-me a força cá dentro Como a da espiga pró grão Troco foice por espingarda Porque má paga é que não

Alentejanos prá frente O sol está do nosso lado Caçadeira atrás da porta

Queremos um Verão quente Para a herdade do morgado.

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Eu Vim de Longe

Quando o avião aqui chegouQuando o mês de maio começouEu olhei para tiEntão entendiFoi um sonho mau que já passouFoi um mau bocado que acabou

Tinha esta viola numa mãoUma flor vermelha na outra mãoTinha um grande amorMarcado pela dorE quando a fronteira me abraçouFoi esta bagagem que encontrou

Eu vim de longeDe muito longeO que eu andei pra aqui chegarEu vou pra longePra muito longeOnde nos vamos encontrarCom o que temos pra nos dar

E então olhei à minha voltaVi tanta esperança andar à soltaQue não hesiteiE os hinos canteiForam feitos do meu coraçãoFeitos de alegria e de paixão

Quando a nossa festa se estragouE o mês de Novembro se vingouEu olhei pra tiE então entendiFoi um sonho lindo que acabouHouve aqui alguém que se enganou

Tinha esta viola numa mãoCoisas começadas noutra mãoTinha um grande amorMarcado pela dorE quando a espingarda se virouFoi pra esta força que apontou

E então olhei à minha voltaVi tanta mentira andar à soltaQue me pergunteiSe os hinos que canteiEram só promessas e ilusõesQue nunca passaram de canções

Eu vim de longeDe muito longeO que eu andei pra aqui chegarEu vou pra longeP´ra muito longeOnde nos vamos encontrarCom o que temos pra nos dar

Quando eu finalmente eu quis saberSe ainda vale a pena tanto crerEu olhei para tiEntão eu entendiÉ um lindo sonho para viverQuando toda a gente assim quiser

Tenho esta viola numa mãoTenho a minha vida noutra mãoTenho um grande amorMarcado pela dorE sempre que Abril aqui passarDou-lhe este farnel para o ajudar

Eu vim de longeDe muito longeO que eu andei pra aqui chegarEu vou p´ra longeP´ra muito longeOnde nos vamos encontrarCom o que temos pra nos dar

E agora eu olho à minha voltaVejo tanta raiva andar a soltaQue já não hesitoOs hinos que repitoSão a parte que eu posso preverDo que a minha gente vai fazer

Eu vim de longeDe muito longeO que eu andei prá aqui chegarEu vou pra longeP´ra muito longeOnde nos vamos encontrarCom o que temos pra nos dar

José Mário Branco

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Capotes Brancos, Capotes Negros

Capote preto, capote branco Quem dá o flanco Nunca se defende bem

Capote branco, capote preto O Xico-esperto Usa a cor que lhe convém

Em tempos que já lá vão Vinham uns homens de mão A soldo da reacção Armar brigas e banzé Junto ao Palácio de Sebastião José Mas o Pombal, sabido Estava prevenido E tinha preparado O seu esquadrão privado

E não pisavam o risco No Bairro Alto os brigões de S Francisco Enquanto o povo assistia Às contradições que havia No seio da fidalguia Vinha a bófia endireitar O Bairro Alto que ela andava a entortar Os reaccionários, de um lado Capote preto, cruzado Do outro lado, os brancos Que os punham logo a fancos E não sei porque razão Quem se lixava era sempre o mexilhão

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Não me digas que não me compreendes quando os dias se tornam azedos não me digas que nunca sentiste uma força a crescer-te nos dedos e uma raiva a nascer-te nos dentes Não me digas que não me compreendes

Que força é essa que força é essa que trazes nos braços que só te serve para obedecer que só te manda obedecer Que força é essa, amigo que força é essa, amigo que te põe de bem com outros e de mal contigo Que força é essa, amigo Que força é essa, amigo Que força é essa, amigo Que força é essa, amigo

QUE FORÇA É ESSA

Vi-te a trabalhar o dia inteiro construir as cidades pr´ós outros carregar pedras, desperdiçar muita força p´ra pouco dinheiro Vi-te a trabalhar o dia inteiro Muita força p´ra pouco dinheiro

Que força é essa que força é essa que trazes nos braços que só te serve para obedecer que só te manda obedecer Que força é essa, amigo que força é essa, amigo que te põe de bem com outros e de mal contigo Que força é essa, amigo Que força é essa, amigo Que força é essa, amigo

Liberdade

Viemos com o peso do passado e da semente Esperar tantos anos torna tudo mais urgente e a sede de uma espera só se estanca na torrente e a sede de uma espera só se estanca na torrente Vivemos tantos anos a falar pela calada Só se pode querer tudo quando não se teve nada Só quer a vida cheia quem teve a vida parada Só quer a vida cheia quem teve a vida parada Só há liberdade a sério quando houver A paz, o pão habitação saúde, educação Só há liberdade a sério quando houver Liberdade de mudar e decidir quando pertencer ao povo o que o povo produzir quando pertencer ao povo o que o povo produzir

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Brigada Victor Jara (Coimbra)

Grupo de Acção Cultural

A cantiga é uma armaeu não sabiatudo depende da balae da pontariaTudo depende da raivae da alegriaa cantiga é uma armae eu não sabia

Há quem cante por interessehá quem cante por cantare há quem faça profissãode combater a cantare há quem cante de pantufasp'ra não perder o lugar

O faduncho choradinhode tavernas e salõessemeia só desalentomisticismo e ilusõescanto mole em letra duranunca fez revoluções(...)

Senhora do Almortão

Senhora, senhora do AlmortãoSenhora do AlmortãoÓ minha linda raianaVirai costas a CastelaNão queirais ser castelhana

Senhora, Senhora do AlmortãoSenhora do AlmortãoA vossa capela cheiraCheira a cravos cheira a rosasCheira a flôr de laranjeira

Senhora, senhora do Almortãosenhora do AlmortãoEu p'ró ano não prometoQue me morreu o amor

Ando vestida de preto

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A morteSaiu à ruaNum dia assimNaqueleLugar sem nomePra qualquer fim

UmaGota rubrasobre a calçadaCai

E um rioDe sangueDumPeito abertoSai

O ventoQue dá nas canasDo canavial

E a foiceDuma ceifeiraDe Portugal

E o somDa bigornaComoUm clarim do céu

Vão dizendoem toda a parteO pintor morreu

Teu sangue,Pintor, reclamaOutra morteIgual

Só olhoPor olho eDente por denteVale

À lei assassinaÀ morteQue te matou

Teu corpoPertence à terraQue te abraçou

AquiTe afirmamosDente por denteAssim

Que um diaRirá melhorQuem riráPor fim

Na curvaDa estradaHá covasFeitas no chão

E em todasFlorirão rosasDuma nação

A biografia de José Afonso: http://www.instituto-camoes.pt/cvc/poemasemana/05/03.html

AmigoMaior que o pensamentoPor essa estrada amigo vemNão percas tempo que o ventoƒÉ meu amigo também

Em terrasEm todas as fronteirasSeja benvindo quem vier por bemSe alguém houver que não queiraTrá-lo contigo também

AquelesAqueles que ficaram(Em toda a parte todo o mundo tem)Em sonhos me visitaramTraz outro amigo também

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No céu cinzento Sob o astro mudo Batendo as asas Pela noite caladaVem em bandosCom pés veludo Chupar o sangue Fresco da manada

Se alguém se enganaCom seu ar sisudo E lhes franqueia As portas à chegada Eles comem tudo Eles comem tudo Eles comem tudo E não deixam nada

A toda a parte Chegam os vampiros Poisam nos prédios Poisam nas calçadas Trazem no ventre Despojos antigos Mas nada os prende Às vidas acabadas

São os mordomosDo universo todo Senhores à força Mandadores sem lei Enchem as tulhas Bebem vinho novoDançam a rondaNo pinhal do rei

Eles comem tudoEles comem tudoEles comem tudoE não deixam nada

No chão do medoTombam os vencidosOuvem-se os gritosNa noite abafadaJazem nos fossosVítimas dum credoE não se esgotaO sangue da manada

se alguém se enganaCom seu ar sisudoE lhes franqueia As portas à chegadaEles comem tudoEles comem tudoEles comem tudoE não deixam nada

Eles comem tudoEles comem tudoEles comem tudoE não deixam nada

Vamos cantar as janeirasVamos cantar as janeirasPor esses quintais adentro vamosÀs raparigas solteiras

Vamos cantar orvalhadasVamos cantar orvalhadasPor esses quintais adentro vamosÀs raparigas casadas

Vira o vento e muda a sorteVira o vento e muda a sortePor aqueles olivais perdidosFoi-se embora o vento norte

Muita neve cai na serraMuita neve cai na serraSó se lembra dos caminhos velhosQuem tem saudades da terra

Quem tem a candeia acesaQuem tem a candeia acesaRabanadas pão e vinho novoMatava a fome à pobreza

Já nos cansa esta lonjuraJá nos cansa esta lonjuraSó se lembra dos caminhos velhosQuem anda à noite à ventura

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Pedro Barroso