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^ 235 15/08/96 ik Divaganão emOmegaville ik Cooperativas: os dois lados da moeda & Globalização aumenta pobreza ik Solidariedade e política *& A era das ff democraturas " ^ Itália as costas ao neoliberalismo Custo unitário desta edição: R$ 2,50

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235 15/08/96

ik Divaganão emOmegaville ik Cooperativas: os dois lados da moeda & Globalização aumenta pobreza ik Solidariedade e política *& A era das ffdemocraturas " ^ Itália dá as costas dá ao neoliberalismo

Custo unitário desta edição: R$ 2,50

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Quinzena N0 235 -15/08/96 02 Trabalhadores

Carta Capital - 29 de Maio/96 - N0 24

Divagando em Omegaville As pessoas acham que porque conhe-

cem um, também conhecem dois; na medida em que um mais um é igual a dois. Elas esquecem, porém, que a questão preponderante é saber o que significa "mais". Essa observação impertinente foi feita por Jean Luc Godard, em seu filme Alphaville, de 1967. Ele tem razão e a reflexão é das mais oportunas. De fato, em termos humanos, não há adição sim- ples que não envolva ao mesmo tempo uma dimensão qualitativa. A adição de dois irreverentes produz uma conspira- ção, a de dois amantes gera uma completitude, a de duas ambições deter- mina uma cumplicidade, a de dois inte- resses correspondentes induz a um con- trato e assim por diante. Ou seja, o "mais"a que se refere Godard invoca as implicações externas ao contexto lógico da adição

O cineasta estava chamando a aten- ção para a inclinação irresistível, toma- da quase uma segunda natureza para nós, de reduzir toda informação, em primeiro lugar, a um tratamento numérico. O fil- me enfocava a conjuntura do pós-guer- ra, em especial o boom do crescimento econômico que assinalou a emergèicia da atuai sociedade de consumo. Seus traços mais marcantes foram a massifica- ção, o planejamento e a tecnocracia. No fil- me, a sociedade que atingira o auge na aplicação desses processos era Alphaville, gerida pela implacável inte- ligência lógica do computador Alpha-60, em vias de impor sua hegemonia ao res- tante do mundo A cidade-Estado era for- mada por um complexo de prédios gigan- tescos, subdivididos em salas e corredo- res infinitos, sob iluminação fluores-

cente permanente, cercados de enormes estacionamentos, os quais por sua vez eram ligados a uma intrincada malha de autopistas de alta velocidade.

Godard fazia uma alusão direta ao modelo de urbanismo implantado sob a égide da guerra fria. Por razões ditas de segurança, os governos foram estimula- dos a criar complexas redes de ligação interurbana e interestadual, caizando e interiigando seus territórios de ponta a ponta. Foi a carta de alforria que levou á implantação da nossa atual civilização do carro. Com ela vieram a degradação das cidades, a vida em apartamentos, o sur- gimento dos condominios suburbanos fechados, dos shopping centers, dos hipermercados e do turismo compulsó- rio. Em sua critica pioneira, Godard apontava o que esse processo acarreta em perda de valores humanos: o individual se toma mais importante que o social, o privilégio prevalece sobre a equidade, os valores técnicos se sobrepõem aos cultu- rais e a exclusividade descarta a convi- vência e a partilha comunitária.

A evocação desse diretor antigo ocor- re-me em vista de estarmos vivendo um novo boom de autopistas, só que agora no território fluido do espaço virtual. A primeira reação, uma vez mais, só pode ser eufórica Criado e educado no clima repressivo da ditadura militar, eu me vejo de repente com acesso ás melhores bibli- otecas, arquivos e acervos do mundo. E não é só alcance, é também a rapidez as- sombrosa. Dai o jorro, mais quecompre- ensivel, de livros e matérias de imprensa altamente laudatórias á nova civilização da microeletrônica: Omegaville.

Não convém, porém, que a euforia

ofusque nossa sensibilidade. A presente transformação é de tal vulto que requer ponderação. Foi o que me trouxe á lem- brança a citação acima. A tentação no momento é reduzir toda expenência às categorias computáveis de dados ou in- formações. Mais que nunca é supor que conhecer um é conhecer dois. A massa de informações étamanha e imediatamai- te acessível, de tal modo que sua escala quantitativa tende a paralisar a agilidade do raciocínio e os vôos da imaginação. Por exemplo, um único índice da web, o Alta vista da Digital, concentra 11 bilhões de palavras em cerca de 22 milhões de sites da rede. Nem toda a vida de um ser humano permite percorrer esse deserto de grãos verbais. Vai-se aos saltos, captam- se fragmentos, recolhem-se detritos sol- tos. O que se ganha em volume, se perde em densidade, o que se amealha em ex- tensão carece de profundidade, colhe-se tudo fácil porque nada tem raiz.

Um outro poeta antigo, T. S. Eliot, perguntou-se "onde está todo o conheci- mento que perdemos com a informação9" Nem todo acúmulo é um ganho, nem todo poder enobrece. Picasso comentou que "os computadores não servem para nada, eles só dão respostas". Mais que tudo, parece ser o potencial inquisitivo da men- te que a escala astronômica da memória digital ameaça sufocar. Outro persona- gem antiquado, Jacques Lacan, dizia que "a função da linguagem não é informar, mas evocar. O que procuro na palavra é a resposta do outro. O que me constitui como sujeito é meu questionamento". Na distância, ao fundo, parece ecoar a sen- tença d'0 Corvo, de Edgar Allan Poe: Never more! "1

O Trabalho - 24 de Julho a 7 de Agosto/96 - N0 398

A desregulamentação questionada na FORD A flexibilização da jornada na FORD

começa a se we/ar como o caminho para amarrar o sindicato com a perda das conquistas dos trabalhadores.

A reestruturação da FORD (7.000 operários) é um modelo no ABC. A "mo- dernização", segundo a empresa, neces- sária para enfrentar a globalização com mais competitividade, é observada por todo o movimento sindical.

Os patrões também estão muito inte- ressados, pois no fundo é um caso de des-

regulamentação. Esse é um ataque da dita globalização, lançado contra todo o movimento operário, e por isso foi des- tacado para a próxima Conferência Mundial Aberta Pela Internacional Ope- rána - CMA.

Ele já está presente na luta cotidiana nas fábricas no Brasil. E por isso, vai ser objeto de uma contribuição de trabalha- dores da região para a Conferência Na- cional que, nos próximos dias 10 e 11, no auditório da Apeoesp (Praça da Repú-

blica, 282 - São Paulo), vai preparar a CMA

Em novembro passado, o sindicato dos metalúrgicos do ABC assinou com a FORD um acordo chamado de "flexibilização" da jomada de trabalho - variável de 38 a 44 horas - com a intro- dução de um "banco de horas": a dife- rença entre as horas trabalhadas na se- mana e a jomada média de 42 horas é acumulada no ano. Se for negativa, tra- balha-se quando a empresa precisar, sem

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Quinzena N0 235 -15/08/96 03 íííííííí: íííífí ííííí: íííí; ífiffff:

Trabalhadores

o pagamento da hora-extra devida. Se a empresa deixar acumular uma diferença positiva, o trabalhador tira em férias.

Sindicato assume interesse da empresa?

Na ocasião, a proposta foi aceita pelos trabalhadores, pois vinha embrulhada numa antecipação do cronograma de redução de

O Trabalho - Você aceita as 45 ho- ras em nome da competitividade?

Alfredinho (diretor do sindicato) - Não é em nome da competitividade. É por uma situação de momento. 480 com- panheiros estão ameaçados de perder os postos de trabalho, além de 300 aposen- tados. A questão é recuperar a produção para negociar a participação nos lucros.

Marcão - Não aceito. Tínhamos con- cordância em não ultrapassar as 44 ho- ras na flexibilização, que era posição da CUT e do sindicato. Hoje querem justi- ficar pela "conjuntura". Mas as empre- sas do setor, exceto a Mercedes, traba- lham 44 horas. E antes nós batíamos na Força Sindical que na GM em São Cae- tano aceitou flexibilizar até 46 horas!

Luciano - Não dá prá aceitar. É um retrocesso nas conquistas que não con- diz com a luta do sindicato. Com 45 ho- ras na FORD vamos puxar prá baixo toda a categona, pois na Volks não se trabalha isso, como explicou um compa- nheiro da comissão da Volks.

OT - Depois das 45 horas, o sindi- cato não vai ter que defender novas re- duções de direitos, pela "recuperação da produção"?

Ouvido na Assembléia A inclusão das 45 horas num novo

acordo de flexibilização está sendo dis- cutida em assembléias setoriais dentro da FORD, com os membros da Comissão de Fábrica. Numa delas, dia 23, se re- gistrou esse diálogo:

- Genivaldo, da Comissão: "Temos que recuperar a produção porque estamos competindo com os operários da FORD da Inglaterra e da Espanha. Senão, não vamos poder produzir os carros aqui".

- Um operário: "Mas aonde nós va- mos parar, cedendo conquista em conquis- ta?"

- Genivaldo: "Não sei, esse é um dile- ma do movimento sindical".

Quebrando a solidariedade internaci- onal de classe, ninguém sabe mesmo aon- de vai temiinar! Só que esse "dilema" está sendo imposto pelos patrões.

jomada conquistado na fábrica: de 44 ho- ras, já tinha passado para 43 horas e em outubro próximo cairia para 42 horas. A vigência das 42 horas foi antecipada para janeiro, porém numa jomada "flexível".

Depois de ter passado todo o semestre em marcha-lenta, reestruturando-se, ago- ra a FORD está trabalhando a todo va-

"45 horas é prostituição" Alfredinho - Na verdade criamos um

banco de horas que não serão pagas, são para descanso do trabalhador. Trabalha- mos 38 horas por vários meses. Agora, com 45 horas pagaremos o saldo negati- vo mais rápido. Não acredito que depois tenhamos que defender 46 horas. No fu- turo podemos retirar o banco. Esse ano foi emergencial, pois a empresa teve mes- mo problema de produção.

Marcão - Primeiro não são direitos - porque tem coisa na lei que não recebe- mos - mas sim conquistas, o que estamos perdendo. Aceitar 45 horas é começar a se prostituir por um pouco de dinheiro de complemento de participação nos lucros.

Luciano - Sim, porque a flexibiliza- ção já era uma concessão para manter os pos- tos de trabalho, mas ainda assim per-de- mos 560 com a transferàicia para Taubaté, para as obras de construção na nova fábri- ca e as demissões. Num total de 1.200 des- de o começo da reestrutura- ção. E agora tem ameaça de mais cortes. O Sindicato vai acabar colaborador do patrão.

OT- Que avaliação você faz do acor- do da flexibilização de 95?

Alfredinho - A avaliação é positiva. A produção praticamente parou, e se

por. E quer fazer os operários aceitarem a flexibilização até 45 horas, num acordo que inclue um complemento de participa- ção nos lucros. A discussão é muito viva, e coloca em questão se o sindicalismo as- sume o interesse da empresa e perde, por- tanto, a sua independência. Fomos ouvir três companheiros na fábnca.

não fosse a flexibilização podia ter tido ainda mais demissões e férias coletivas. Podia ser pior.

Marcão - Nem era flexibilização. A jomada passana a 42 horas em outubro, mas com a jomada média em 42 horas - de 38 a 44 horas - começou em janeiro. Tal- vez sem isso tivesse ido embora mais gen- te. Embora tenha havido demissões, muito voluntariado. A FORD ainda diz que estão sobrando 1.200. Ainda é cedo para avaliar a flexibilização. Mas não foram colocados todos os elementos para nós.

Luciano - É uma desregulamentação da jomada. Agora já falam de "folga co- letiva" - a empresa decide na 2;l feira que por problema técnico não trabalha na 4a, mas que trabalha no sábado, normal - isso, no mesmo "pacotão" das 45 horas. Justificam não ter prejuízo extra mas nunca nos dão o lucro extra. E uma tra- ma para diminuir o custo do trabalho nos ferrando. Esta questão é importante para todos sindicatos, inclusive sei que isso vai ser discutido numa Conferência Mundi- al (a 3a CMA). Junto com outros compa- nheiros, vamos tirar uma contribuição a esse respeito, com nossa experièicia, para a Conferência.

Conferência Mundial Na Ia Conferência Mundial Aberta

por uma Internacional Operária, realiza- da em 1991 em Barcelona (Espanha), foi fundado o Acordo Internacional dos Tra- balhadores (AcIT). E um quadro de dis- cussão e ação que reúne, em mais de 70 países, militantes, grupos e organizações de diferentes origens e tradições cujo de- nominador comum é a disposição de lu- tar pela organização independente dos trabalhadores em todo o mundo.

De 1991 até hoje, muitas foram as iniciativas promovidas pelo acordo, des- de campanhas como a realizada em defe- sa do Sutaur até eventos do porte do "Tri- bunal Internacional contra o Trabalho Infantil" e a Conferência Operária In

dependente de Banska Bystrica (Eslováquia).

Em Banska Bystrica, constituiu-se um comitê de preparação da 3a Confe- rência Mundial Aberta (3a CMA) que será realizada em Paris em 22, 23 e 24 de outubro de 1996. Ela terá como tema central a luta contra a desregulamentação do trabalho em todo o mundo. No Brasil, uma coordenação nacional, sediada no gabinete da vereadora Te- reza Lajolo, prepara o evento. Em várias cidades brasileiras se realiza- rão plenárias para a eleição de delega- dos à Conferência Nacional Preparató- ria que acontece em São Paulo nos dias 10 e 11 de agosto.

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Quinzena N0 235 -15/08/96 04 Trabalhadores

Reunião do G-7 dá a linha: modernizar é desregulamentar

Epara dar "dimensão humana" ao ajuste, é preciso integrar os sindicatos e os movimentos populares.

"Dar uma dimensão social à globalização da economia", foi a decla- ração de Michel Camdessus, chefe do FMI, na reunião da CIOSL (Confedera- ção Internacional dos Sindicatos Livres), em Bruxelas.

é preciso dar um sentido humano para o desenvolvimento" escreveu o ex-inte- lectual e atual presidente FHC sobre o relatório anual do PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento esta semana.

Para além do discurso, o FMI e FHC falam em "humanizar" os planos de ajuste - que um dita e outro aplica - sabendo que seu sucesso depaide da integração das entidades sindicais e populares á sua polí- tica, seja transformando sindicatos e enti- dades em ONGs ou incorporando centrais sindicais diretamente aos governos, como é o caso da CUT, no Brasil, que participa do Conselho Nacional do Trabalho.

A reunião do G-7 (Grupo dos 7 paí- ses mais ricos), realizada em Lyon (Fran- ça), em junho, contou, pela primeira vez com a presença da ONU, OMC, FMI e Banco Mundial. Suas resoluções não deixam margem a dúvidas: os tempos são de "modernização das legislações traba- lhistas, ou seja, da desregulamentação".

Na França (assim como no Brasil, vide artigo sobre a FORD) o governo tai- ta generalizar um acordo firmado no se-

tor metalúrgico que anualiza o tempo de trabalho e acaba, na prática, com a jor- nada de 8 horas.

Esta é a linha para todo o globo pois, segundo Michel Camdessus, "o ajuste é universal e permanente, enão apenas para os países em desenvolvimento". Enten- da-se aqui "ajuste" como pilhagem gene- ralizada das economias em nome da es- peculação financeira.

E para isto é que se destroe os direi- tos, precariza as relações de trabalho, acaba com os sistemas de proteção soci- al, entre outras medidas. Tudo isso con- tando sempre com as tais políticas soci- ais compensatórias, como a resposta de Programa de Renda Mínima, para fazer passar o "ajuste".

Aumenta a Miséria "Nos 15 anos de ajuste estrutural pro-

movido pelo Banco Mundial a distância entre os ricos epobres aumentou. Nos últi- mos 30 anos os 20% mais pobres tiveram sua participação na renda do planeta diminuída de 2.3% para 1.4% aiquanto que os 20% mais ricos aumaitaram sua parti- apação de 70% para 85%. A nqueza de 358 pessoas é igual à soma dos 45% mais pobres da população mundial, o que eqüi- vale a 2.3 bilhões de pessoas.

Estes dados foram publicados no relató- rio anual do PNUD, que indica a existâiaa de 1.3 bilhões de pobres, saído que mais da metade vive no sul da Ásia, a África e na Aménca Latina, regiões onde os planos de ajuste estruturais foram mais longe.

Marchar lado a lado Na reunião da CIOSL, Camdessus de-

clarou que "é preciso dar uma dimensão social à globalização da economia, com- plementar à da mão invisível do mercado e da regulamentação definida pelo Estado. E essas três mãos precisam agir sempre con- juntamente. Os sindicatos devem marchar lado a lado com os governos e mercados. Senão, ameaça, "os mercados serão impiedosos com quem não se adaptar".

Mas qual é a dimensão social? Anda segundo Camdessus, "étransferir os gan- hos dos ricos para os pobres. Neste caso, os que tem emprego versus aqueles sem emprego (!)". Isto quer dizer agora que os ricos são não aqueles 358 bilionános, mas os que têm emprego, aqueles com o exorbitante privilégio de trabalhar, ain- da que em tempo parcial, em horas-extra e por um salário de miséria.

O Brasil detém o último lugar no ranking de distribuição de renda, também segundo o PNUD. Os 20% mais ricos no Brasil tem renda 32 vezes maior que os 20% mais pobres.

Que fazer? "O conceito de desenvolvimento deve

ser ampliado" e, segundo FHC, "precisa ser sustentado por uma participação am- pla. A multiplicação das ONGs (Organi- zações Não Governamentais)".

Esse é o caminho para o pais propos- to pelo FMI e aplicado por FHC: a desregulamentação e a ONGuização das relações sociais. 3

Documento -19 de março de 1996 - CUT

Propostas para a geração de empregos Apresentação: O conjunto de Propostas para a Ge-

ração de Empregos que se segue tem como objetivo a sua discussão em todas as instâncias da CUT e a negociação jun- to ao empresariado, governos. Congres- so Nacional e sociedade em geral.

Vem crescendo de modo acentuado o desemprego no pais como um todo. Em 1994, o IBGE divulgou que, dos 64 mi- lhões de trabalhadores que compunham a população economicamente ativa

(PEA), apenas 40 milhões estavam em- pregados. Outros 20 milhões de traba- lhadores encontravam-se em situação de trabalho precário (nada recebiam ou ga- nhavam menos de um salário mínimo) ou encontravam-se sem trabalho. Estima-se que existem, hoje, mais de 10 milhões de desempregados no país.

Estes dados por si só refutam a tese governamental de que o desemprego no Brasil é baixo, de apenas 5%. Em reali- dade, esta estatística não capta o subem-

prego e o desemprego por desalento. Se- gundo o DIEESE, a taxa real de desem- prego, na Grande São Paulo, situa-se em tomo de 14%, com cerca de 1 milhão e cem mil desempregados.

Esta situação piorou desde os mea- dos de 1995 até agora. Segundo a FIESP, somente a indústria paulista demitiu 180.000 trabalhadores em 1995^(queda de 7,7% do nível de emprego).

As razões para o desemprego são de ordem conjuntural (desaquecimento eco-

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Quinzena N0 235 -15/08/96 05 Trabalhadores

nônuco, taxas dejuros elevados) e estru- tural (liberação desenfreada das impor- tações, terceirização e reestruturação pro- dutiva espúrias).

O ajuste neoliberal que está em curso no Brasil há algum tempo, e que vem saí- do aprofundado pelo governo FHC, tem jogado seus ônus sobre os trabalhadores. E o mesmo quadro que se verifica, por exemplo, no México e na Argentina, pa- íses em que a situação de empobrecimento e do desemprego está batendo recordes históricos.

O desemprego é a manifestação mais imediata e dramática desses custos soci- ais, como demonstram os indicadores acima. O governo alega que ele é efeito da reestmturação das empresas e que sua politica econômica nada tem a ver com o problema. De fato, a reestruturação pro- dutiva, quando não negociada com os Sindicatos (o que tem sido mais freqüen- te) tem eliminado empregos em vários setores. Contudo, deve ser, sim, papel do governo promover e estimular a negoci- ação da modernização das empresas; apoiar a redução da jornada e realizar uma política de formação profissional ampla.

Além disso, há pelo menos três fato- res, de responsabilidade também do go- verno FHC, que só fazem incentivar esse comportamento autoritário e predador do empresariado.

O primeiro é a ausência de políticas públicas de desenvolvimento e de incen- tivo ao investimento produtivo. O segun- do é a preservação do atraso em vários setores produtivos, e o maior exemplo é o da estrutura agrária, que produz mi- lhões de excluídos no campo e na cidade. O terceiro, é a opção pelo desaquecimaito econômico como política antnnflacioná- ria, através dos juros altos e do arrocho do crédito, destrói milhares de postos de trabalho. Agravam esse modelo a valori- zação cambial e a abertura indiscrimi- nada às importações, que provocaram o colapso de vários setores produtivos.

Outro aspecto importante, que asso- cia as políticas de FHC com o rumo das mudanças neoliberais na geração de de- sempregados, é a reforma do Estado, a privatização de várias empresas e a re- forma administrativa pretendida. Tudo isso tem jogado e continuará a jogar cada vez mais rapidamente milhões de traba- lhadores ao desemprego. Sem qualquer

perspectiva de requalificação profissio- nal e com o atual perfil do mercado de trabalho, esse contingente dificilmente será incorporado pelo setor privado.

A Central Única dos Trabalhadores re- afirma a necessidade de manutenção da estabilização, mas com desenvolvimaito econômico, geração de empregos e distri- buição de renda - única maneira de se com- bater de modo duradouro a inflação. Para isso, dispõe de várias propostas no campo da política industrial, da refomia agrária, da política agrícola, da política salarial, do desaivolvimaito regional, de reforma tri- butária e em todos os campos relacionados á qualidade de vida dos brasileiros.

São propostas baseadas na manutai- ção da estabilização, na distribuição de renda e na viabilização do desenvolvi- maito, visando a incorporação aos mer- cados de trabalho e consumo, e á condi- ção de cidadania e dignidade, a maioria da população. E isso só se faz de forma democrática e participativa, com os tra- balhadores desempaihando papel impor- tante na negociação e na viabilização daquelas propostas.

Jornada de trabalho 1 - Através de lei, redução da jornada

de trabalho, sem redução salarial, para o máximo de 40 horas semanais.

1.1 - Até a regulamentação da lei, adoção negociada da redução da jornada anual de trabalho, sem redução salarial, para 40 horas semanais médias, respei- tando-se os limites mínimo de 36 horas e máximo de 44 horas samanais para os acordos de reorganização do tempo de trabalho que possam ser realizados nas diversas categorias profissionais.

2 - Através de lei, fim das horas-ex- tras, permitidas apenas nos casos de ex- trema necessidade definidos em negocia- ção entre empresas e sindicatos.

2.1 - As horas-extras não serão pa- gas em dinheiro, e sim convertidas em horas de descanso, em dobro, com limi- tes negociados entre as partes.

2.2 - As horas de descanso deverão ser cumpridas necessariamente daitro de no máximo 30 dias.

2.3 - No caso de demissão, o paga- mento das horas trabalhadas será feito, em dobro, em dinheiro.

Serviço social para desempregados

3 - Negociar junto a Prefeituras, Go- vernos Estaduais e Governo Federal para

a seguinte lista de auxílio aos desempre- gados cujo último salário não seja supe- rior a 10 (dez) salários mínimos:

♦ concessão de transporte gratuito ♦ suspensão das contas de água

e luz ♦ moratória de IPTU ♦ suspensão do pagamento da pres-

tação da casa própria ♦ material escolar subsidiado

Impedimentos à

dispensa imotivada 4 - Acionar a proibição da dispensa

imotivada, que está inscrita na Consti- tuição e foi ratificada pelo Governo à OIT, através da Conveção 158, confor- me reivindicação da CUT apresentada ao governo Itamar Franco.

5 - Quando for efetuar quaisquer no- vas contratações, a empresa que houver demitido em massa deverá obrigatoria- mente dar prioridade aos trabalhadores anteriormente por ela demitidos.

Seguro-desemprego 6 - Ampliar para 12 meses o período

de pagamaito do seguro-desemprego. 7 - Alterar o valor do seguro-desem-

prego, adotando a seguinte sistemática: 7.1 - Durante os primeiros 6 meses, o

seguro-desemprego terá o piso de 1 (um) e o teto de 10 (dez) salários mínimos e variará entre 60% (para os maiores salá- rios) e 80% (para os menores salários) do último salário do segurado, conforme tabela a ser definida pelo Codefat.

7.2 - Durante os 6 meses seguintes, após avaliação do Codefat sobre sua raiovação, o seguro-desemprego terá o piso de 1 (um) e o teto de 5 (cinco) salános mínimos, e variará aitre 40% (para os maiores salári- os) e 60% para os maiores salários) do úl- timo salário do segurado, confonne tabela a ser definida pelo Codefat.

8 - Os recursos do FAT não poderão ser utilizados para qualquer outro fim que não os definidos pelo Codefat.

8.1 - Fim das medidas provisórias que renianejam os recursos do FAT para outros fins.

8.2 - Fim do remanejamaito de 27% dos recurso do FAT para o Fundo de Esta- bilização Fiscal (FEF), quedesvinculacerca de R$ 1,7 bilhões ao ano do FAT.

9 - Associar o pagamento do segu- ro-desemprego a um amplo programa público de treinamento e requahficação profissional.

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Quinzena N0 235 -15/08/96 06 Trabalhadores

9.1 - A forma deste programa públi- co de treinamento e requalifícação será acordado no âmbito do Conselho Deliberativo do FAT.

10 - Acelerar o pagamento do segu- ro-desemprego, de tal forma que a pri- meira parcela seja paga ao trabalhador em no máximo 30 dias a partir da data de inscrição do trabalhador em qualquer agência bancária oficial.

10.1 - Todos os bancos públicos esta- rão aptos a receber a inscrição do traba- lhador desempregado no sistema de se- guro-desemprego, e a realizar também o seu pagamento.

Encargos trabalhistas O que vem sendo definido sob o título

de "encargos trabalhistas", pode ser de- sagregado em 3 itais:

a) Direitos do trabalhador: referen- te aos valores recebidos diretamente pe- los trabalhadores, tais como 13° salário, o abono de 1/3 do salário nas férias, o FGTS e os demais rendimentos, como férias, feriados e descanso semanal re- munerado - DSR);

b) verbas fiscais: referentes aos va- lores apropriados pelo Estado, tais como INSS, saláno-educação, seguro contra acidentes no trabalho, e Incra;

c) contribuições parafiscais: que fi- nanciam organismos mantidos sob ges- tão de associações empresariais, como SENA1, SENAC, SESI, SENAR e SEBRAE

A partir dessa conceituação, e tendo em vista a premissa da preservação da arrecadação tributária e do financiamen- to dos programas sociais, propõe-se:

11- As verbas parafiscais deixarão de ser recolhidas sobre a folha de pagamen- tos. O chamado sistema "s" (Senai, Senac, Sesi e Senar) será financiado com recursos próprios das empresas, e geri- dos de modo tripartite, com participação dos empresários, trabalhadores e gover- no, no âmbito do Programa Público de Treinamento e Requalifícação.

11.1 - Os recursos destinados ao Sebrae deixarão de ser cobrados sobre a folha de pagamentos e serão financiados por contribuições voluntárias dos empre- sários, e por eles geridos.

12 - Das verbas fiscais, as contribuições para o saláno-educação, o seguro contra ad- dales no trabalho e o Incra daxarão de inadir sobre a folha de pagamentos e incidirão sobre o faturamento ou sobre a receita.

12.1 - A contribuição para o INSS continuará a ser recolhida com base na folha de pagamentos.

Formação profissional 13 - Estímulo à fonnação continua nos

programas governamentais de educação, desde o ensino básico e fundamental até a formação e a requalifícação profissio- nais para os trabalhadores empregados e desempregados.

14 - As empresas deverão, compulsó- riamente, no caso de demissão, increver os trabalhadores demitidos em cursos de requalifícação profissional e treinamen- to no âmbito do Programa Público refe- rido acima. Além da contribuição regu- lar, a empresa que demitir pagará taxa adicional a este Programa.

14.1 - Caso o sistema público não te- nha condições de atender ao desemprega- do dentro de um prazo mínimo de 30 dias, a anpresa deverá financiara requalifícação individual do trabalhador não atendido.

14.2 - Caso a empresa não cumpra o acordo em relação aos cursos, estará su- jeita às sanções penais a serem previa- mente estabelecidas.

15 - Concessão de financiamento pú- blico apaias para as empresas quetaiham programas de requalifícação profissional. Os respectivos Sindicatos acompanharão o cumprimento desta exigência.

16 - Cursos de formação profissional financiados 50% pela empresa e 50% pelo Estado (ou recursos vinculados ao siste- ma de formação), por ocasião do primei- ro emprego, durante período de 12 meses.

Política tributária e de financiamento

17 - Redução de impostos para as pe- quenas e microempresas, desde que asso- ciado á fonnalização dos contratos de tra- balho, a metas de emprego e eliminação da sonegação, incluindo sanções panais mais elevadas que as atualmaite existentes.

18 - Abertura de linha de financiamen- to no BNDES, com taxa de juro de até 12% ao ano e prazo de carência de 12 meses, para a expansão da produção e do emprego das pequenas e microempresas, desde que associada às condições estabelecidas no item anterior

19 - Redução em 50% nos impostos aplicados sobre os produtos exportados.

19.1 - Essa redução somente valerá nos casos das empresas que se compro- meterem com a expansão do valor e vo- lume físico das suas exportações.

19.2 - A empresa que tiver mais de 20% da sua produção destinada à expor- tação, somente poderá usufaiir da redu- ção desses impostos se expandir ou man- tiver o nivel de emprego.

20 - Estabecer percentual minimo obrigatório no orçamento dos bancos públicos e privados para a realização de empréstimos a empreendimentos produ- tivos que gerem emprego.

20.1 - Estes empréstimos teriam taxa de juros menores e prazos mais amplia- dos quanto maior o número de empregos gerados.

20.2 - A empresa tomadora terá que garantir o nivel de emprego até o paga- maito completo do empréstimo, e se com- prometer com metas de expansão do ní- vel de emprego.

20.3 - Os sindicatos poderão ter aces- so à lista de todas as empresas tomadoras de anpréstimos nestes bancos.

21 - Revisão do regulamaito sobre a re- tirada do FGTS, visando facilitar o acesso do trabalhador empregado e seus recursos, an casos específicos (como compra de ter- reno e matenal de constaição), confonne regulamaitação a ser negociada.

Política industrial e retomada das Câmaras Setoriais

22 - Estabelecer priondade, em tennos de recursos crediticios e tnbutános, aos setores industnais geradores de emprego (tais como contrução civil, setor naval, cal- çados, têxteis, bais de capital, equipamai- tos agrícolas, automotivo, quimico, side- mrgia, remédios, alimaitos, daitre outras).

23 - Retomar as câmaras setonais ten- do em vista sua experíâicia relevante no papel de geração de investimaitos, eleva- ção da produção e do emprego, ganhos sa- lariais e aumento da arrecadação. Estimu- lar, em particular, as câmaras em setores estratégicos tais como os citados acima.

24 - Dentre os principais objetivos das Câmaras Setoriais estão a melhoria das condições de salário e trabalho, a moder- nização das relações de trabalho, atra- vés do Contrato Coletivo e a negociação da reestruturação produtiva.

25 - Constituir, no âmbito das câma- ras setoriais ou em negociações por em- presa, o Fundo de Manutenção do Em- prego. No periodo de cnse de vendas e produção (conforme critério a .ser negoa- ado), o Fundo servirá para manter o an- prego com pagamento de salànos (segun- do detenninados tetos). Todos os critérios

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Quinzena N0 235 -15/08/96 07 Trabalhadores

que regerão este Fundo (inclusive percentuais, forma de gestão, etc.) serão livremente negociados entre Sindicato e empresários.

26 - Programa governamental de reto- mada dos investimentos para a reconstru- ção e expansão da infraestrutura econô- mica e social (educação, saúde, transpor- te de massa e de carga, malha viária, cons- trução civil, saneamento básico, comuni- cação e energia).

27 - Revisão, a partir de ampla negoci- ação aitre governo, empresános e traba- lhadores, da politica de abertura às impor- tações, visando deter os processos de sucateamento de diversos setores industn- ais, farto da liberalização indiscriminada e da politica de câmbio irrealista.

Não somos contra a abertura externa nem consideramos que o pais é capaz de garantir a totalidade do consumo indus- trial e da sociedade sem a contribuição do comércio exterior. Entretanto, o go- verno não pode através da abertura sem critérios, destruir o parque produtivo na- cional e gerar o desemprego de milhares de trabalhadores.

Mercosul 28-0 processo de integração não pode

representar a eliminação de direitos soci- ais, o rebaixamento salarial e a perda de postos de trabalho, tal como vem se venfi- cando. Esse processo deve orientar-se por um projeto de integração baseado na complemaitanedade produtiva (industrial, agrícola, comercial e financeira) e na defi- nição de uma Carta de Direitos Sociais, ca- pazes de estimular o desenvolvimento so- cial e solidário na região.

28.1 - Por conseguinte, propomos a imediata implementação do fórum econô- mico e social, e a criação de mecanismos de negociações da reestruturação em es- paço regional, tais como as Câmaras Setoriais Comunitárias e os comitês por empresa. Além disso, deve-se negociar com as Centrais Sindicais e suas estrutu- ras verticais a aplicação de políticas co- muns de geração de empregos.

Reforma agrária e Política Agrícola

29 - Realização da Reforma Agrária, associada a uma efetiva Politica de Desen- volvimento Agrícola. Esta reforma deve ser um instrumento de política agrária abrangaite, dentro de uma estratégia de desenvolvimento rural, que priorize o

fortalecimento do modelo familiar da agricultura, que incaitive o associativis- mo, o acesso á terra e a incorporação social e produtiva dos excluídos.

30 - Hoje, no quadro de extrema con- centração fundiária, existem cerca de 4 milhões de famílias que vivem em situa- ção miserável. A CUT defende o acesso dessas famílias à terra através da redistribuição da terra e o assentamento de, no mínimo, 2 milhões de famílias nos próximos quatro anos, sendo 500 mil a cada ano.

31 - Considerando que cada família assaltada emprega diretamente a força de trabalho de 3 pessoas, seriam criados 6 milhões de empregos diretos, 1,5 mi- lhão por ano. Os empregos indiretos po- dem chegar a, no mínimo, 2 para cada emprego direto, ou seja 12 milhões de empregos indiretos, 3 milhões a cada ano.

Não é possível falar em geração de emprego no Brasil sem falar em agri- cultura, em especial na agricultura fa- miliar. As "Atividades Agropecuárias" são responsáveis por 22% (14.180.519) da População Economicamente Ativa"(IBGE/PNAD, 1990). "Os Res- ponsáveis e Membros de Família não Remunerados", considerados como a base dos agricultores familiares, repre- sentavam em 1985 (Censo Agropecuário de 1985) 17.640.732 pessoas, ou 75% do "Pessoal ocupado na Agricultura".

32 - A geração de emprego e renda no meio airal deve estar ligada direta- mente a políticas para a manutenção e melhoria das condições dos agriculto- res familiares, aumento da produção e produtividade agrícola e, consequente- mente, melhorando a vida de todos os trabalhadores airais, entre os quais um grande número de famílias abaixo da li- nha de pobreza. Entre estas políticas públicas destacam-se: Crédito de inves- timento com juros subsidiados destina- do exclusivamente para os agricultores familiares; apoio à micro e pequenas agroindústrias situadas no meio rural e/ ou pequenas cidades, através de progra- mas especiais de crédito e de desburocratização de exigências para o funcionamento; Investimento em infraestrutura que atenda à população airal (escolas, hospitais, creches, arma- zéns, estradas, etc); Garantia de preços, através de uma política de estoques pú- blicos; Efetiva taxação de produtos agrí-

colas subsidiados nos países de origem; Revisão e elevação das alíquotas de im- portação de alguns produtos oriundos da agricultura familiar; Formação e capacitação profissional dos agricultores, associando-se com a assistência técnica e redução dos impostos incluídos direta- mente na produção de alimentos da cesta básica (são produzidos na sua maioria por agricultores familiares).

Trabalho escravo Pode-se estimar em mais de 100 mil os

trabalhadores escravos no Brasil, pessoas que participam da geração de riquezas sem contar com os mais elemaitares direitos de trabalho e de vida. A CUT propõe:

33 - Erradicar o trabalho escravo, e possibilitar que estes trabalhadores te- nham condições de vida através do tra- balho assalariado.

34 - Negociar no Congresso a apro- vação do projeto de lei que toma passí- veis de reforma agrária as terras onde haja trabalho escravo.

Trabalho infantil Hoje, existem no país cerca de 7,5 mi-

lhões de crianças e adolescentes trabalhan- do, muitos deles em condições insalubres, com jornadas às vezes superiores a doze horas diànas, com baixíssimos salános, e sem frequaitar escolas. A CUT propõe:

35 - Programas governamentais fede- ral, estaduais e municipais, de estímulo à permanência de crianças e adolescen- tes até 17 anos na escola, ampliando o exemplo do programa bolsa-escola do governo do Distrito Federal, que conce- de 1 salário mínimo para as famílias ca- rentes que tenham todos os filhos entre 7 e 14 anos matriculados em escolas pú- blicas, com renda mensal que não ultra- passe a 1/2 salário mínimo por pessoa da família.

36 - Combater o trabalho infantil, dentre outras formas, negociando com as empresas para que não adquiram produ- tos que, na cadeia produtiva, tenham sido fabricados com utilização de mão-de- obra infantil.

37 - Realizar campanhas nacional e internacional de denúncia do trabalho infantil, divulgando as empresas e seto- res que utilizam essa mão-de-obra.

Renda mínima 38 - Implantação do Programa de

Garantia de Renda Mínima nos termos do projeto de lei em tramitação no Con- giEaaDNacrxiaL n

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Quinzena N0 235-15/08/96 08 Trabalhadores

Repórter FECESP -Junho/96 - N0 93

Cooperativas: os dois lados da moeda As formas de trabalho cooperado criam polêmica sobre o futuro do

emprego no Brasil e as garantias sociais dos trabalhadores

Elas já existem há 152 anos. Demo- raram um pouco mais para chegar ao Brasil. Mas já estão regulamentadas aqui desde 1932. Apesar da idade, as coope- rativas de trabalho nunca chamaram tanto a ataição como agora. Já são 600 em todo o País. E as perspectivas são de que esse número deve aumentar nos próximos anos. Restam as perguntas: isso é bom para o Brasil? Bom para o trabalhador? Como ficam os sindicatos se essa tendên- cia se alastrar?

Além da atração pela própria circuns- tância do desemprego, crescendo em rit- mo vertiginoso, essa forma de prestação de serviço também tem atraído empresas pela facilidade criada com a inclusão de um parágrafo único no artigo 442 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Inclusão em 9/12/94, ele dispõe que "qualquer que seja o ramo de ativi- dade da sociedade cooperativa, não exis- te vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela".

Na verdade, muitas empresas tinham receio de contratar este tipo de serviço por temer complicações traballiistas caso os cooperados resolvessem requerer al- gum vínculo empregatício. Sem o adendo, a lei deixava brechas para essa possibili- dade. Incluso o parágrafo, as empresas passaram a se sentir mais' a vontade para contratar através das cooperativas e, as- sim, poderem pagar apenas pelo período em que precisarão do serviço. Se livram também dos encargos que lhes cabem em cada empregado registrado.

As cooperativas nasceram na Ingla- terra em 1844. Surgiram com um gaipo de tecelões que perdeu campo de traba- lho após a Revolução Industrial. O gai- po se reuniu, criou um estatuto e passou a prestar serviços às indústrias locais. A idéia se alastrou pelo mundo e chegou no Brasil atraindo, principalmente, o setor agrícola. Por muitos anos, só existiu esse tipo de cooperativa por aqui.

Dúvidas "O aspecto histórico da Revolução

Industrial se repete hoje. A revolução

Tais Fuoco

econômica pela competitividade também está fazendo com que sejam revistas to- das as relações trabalhistas", diz Carlos Alberto Ramos Soares de Queiroz, con- sultor em terceirização que considera as cooperativas a forma mais democrática de se racionalizar o trabalho.

Ao mesmo tempo em que se coloca como uma alternativa que reúna o contin- gente de desempregados do momento, essa idéia deixa muitas dúvidas no ar a respei- to da possível desintegração das categori- as, da perdamde sua representati- vidade, já que não estarão mais sob a proteção de seus sindicatos, e da falta de garantias sociais. Elas podem ser geradas daitro dos resultados financeiros da cooperativa, mas nem sempre é possível se prever se todas darão certo economicamaite.

Pesquisa realizada pelo Departamen- to Intersindical de Estatísticas e Estu- dos Soeioeconômícos (Dieese) com tra- balhadores de 40 empresas terceirizadas em 93, mostrou com respostas múltiplas, 2,5% afirmaram ter perdido benefícios sociais, 67,5% dizem ter ficado com seus salários rebaixados, 32,5% reclamaram ausência de equipamentos de proteção, falta de segurança e insalubridade, e 5% se queixaram da falta de representati vi- dade sindical.

No caso da Coomeha (Cooperativa Mista dos trabalhadores nas Indústrias Químicas e Fannacêutícas e de Fertilizan- tes da Baixada Santísta), no entanto, a pró- pria idealização do projeto foi do sindica- to, como explicou Antônio Gomes Barbo- sa, vice-presidente do Sindicato dos Quí- micos de Santos e hoje presidaite da coo- perativa por indicação de seus cooperados.

Ele explica que "desempregados ou dis- poníveis no mercado, os trabalhadores continuam associados ao sindicato atra- vés de cláusula previstas no regimento in- terno. Indepaidaite da nossa coordaiação como cooperativa, é facultado ao sindica- to o monítoramaito das atividades para que evitemos ocupar a atividade-fim da empresa para quem trabalhamos".

Como sócios na exploração da ativi- dade, os cooperados não têm direito a 13°

salário, férias ou depósitos de FGTS. "Mas os direitos trabalhistas são preser- vados em nossas planilhas de custos e adequações contratuais e repassados na forma de antecipação de resultados tri- mestralmente", afirma Barbosa. Todo cooperado é obrigatoríamaite inscrito no INSS como contribuinte autônomo, ga- rantíndo-se formalmente a contribuição previdencíária.

Quando ocorrem acidentes, é emiti- do o Controle do Acidente de Trabalho (CAT) e o cooperado é encaminhado ao posto médico e ao setor de benefícios. Isso é previsto na planilha de custos como uma reserva técnica. "Considero boa essa alternativa, gerenciada e ad- ministrada pelos próprios cooperados, objetivando melhor relação capital/tra- balho. Queremos preparar os trabalha- dores para o redimensionamento de suas atividades", diz.

Represália Na área rural as coisas não têm sido

tão fáceis como na química. Já existem cerca de 30 cooperativas no setor da citricultura, mas o fenômeno também já aivolve parte dos trabalhadores da cana- de-açúcar. Na citricultura as cooperati- vas já conseguiram reunir entre 40 e 50 mil trabalhadores no último ano, quando começaram a existir,

Mas a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo (Fetaesp) tem sérias acusações a fazer sobre a prática dessa forma de trabalho na colheita de laranja e corte de cana. Segundo Vídor Jorge Faita, presidente da aitidade, os empreiteiros estão organizan- do cooperativas sob o comando, nos bas- tidores, das próprias indústrias e de al- gumas usinas de açúcar, que chegam a investir dinheiro para instituições e as- sim se livrarem dos encargos sociais.

A Fetaesp e seus sindicatos filiados não foram chamados a participar do pro- cesso. Tudo começou com uma denúncia no CADÊ (Conselho de Administração do Desenvolvimento Econômico), feita pelos produtores da laranja, de que as indústrias de suco estariam formando

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Quinzena N0 235 -15/08/96 09 Trabalhadores

cartéis. Comprovada a denúncia, isso fechou algumas portas de lucros fáceis que eles tinham sob o produtor.

Como represália, os industriais dei- xaram de se encarregar da colheita e exi- giram que o produtor a fizesse. Estes, na maioria de pequeno porte, não tinham como se organizar para realizar mais esse trabalho. Os fabricantes, então, arregi- mentaram empreiteiros, investiram di- nheiro próprio e criaram as cooperativas.

Segundo a Federação, os trabalhado- res só tiveram prejuízo: perderam seus domingos remunerados, como previa a convenção coletiva da categoria, 13°, fé- rias, FGTS, os dias de chuva, em que não podiam realizar a colheita, mas recebi- am, conforme acordo firmado pelos sin- dicatos e o atendimento hospitalar tam- bém deixou de ser fornecido. Essas coo- perativas não recolhem INSS de seus cooperados, e os deixa completamente desassistidos no que se refere à sua saú- de e ao tempo que contará em sua apo- sentadoria.

As cooperativas, no entanto, estão

com todos os seus trâmites burocráticos em dia: possuem estatuto registrado na Junta Comercial e seus funcionários ad- ministrativos estão em situação regular. Mas com os trabalhadores a situação é diferente. "Numa cooperativa de verda- de, as assembléias decidem o método de trabalho, os horários e o que se vai fazer. No caso destas, as pessoas colocadas na direção da cooperativa não são eleitas pela assembléia e dão todas as ordens, criando uma nova situação de emprega- do e patrão", afirma Faita.

Segundo ele, essa não foi uma inicia- tiva dos trabalhadores. Foi algo impos- to. Nas folhas de pagamento de algumas indústrias figuravam, tempos atrás, os nomes das pessoas que hoje foram colo- cadas na presidência das entidades. "En- tramos com 5 mil processos trabalhistas para que os trabalhadores recuperem tudo o que perderam. E estamos ganhando to- das as causas. Na próxima época de co- lheita eles serão obrigados a readmitir os trabalhadores na forma antiga, com to- das as garantias trabalhistas. Caso não

Exemplo pioneiro AMiilticooper é uma das primeiras

cooperativas de trabalho de que se tem notícia. E também uma das maiores em relação às que existem hoje. Seu nasci- mento foi totalmente atípico: a cidade onde está situada. Campina do Monte Alegre (região de Sorocaba/SP), tinha acabado de se emancipar em 93. A nova prefeitura, junto aos servidores públi- cos que herdou da cidade-mãe (Angatuba), mais alguns desemprega- dos da cidade recém-fundada, optaram por terceirizar todo o serviço público.

Assim nasceu a cooperativa. De iní- cio, com 80 associados, a entidade ofi- cializou sua criação com estatuto e re- gistro na Junta Comerciai e, por um ano, prestou serviço apenas à prefeitura. Os trabalhos eram os mais variados: a coo- perativa fornecia copeiras, varredores de rua, faxineiros, dentistas, médicos, pro- fessores, advogados, enfim, todos os profissionais que a administração mu- nicipal precisasse, já que não há servi- dor público na cidade.

Mais tarde, a idéia foi sendo assimi- lada pela sociedade. Assim, a cooperati- va passou a executar trabalhos também para a iniciativa privada. Hoje, são qua- se 900 associados, das mais variadas

áreas, prestando serviço até para outras cidades. Já atuam em vigilância, limpe- za, manutenção, colheita e processamento de laranja e transportes.

Segundo Jocimar Amancio Ribeiro, diretor secretário da Multicooper, a maioria dos profissionais recebe duas vezes o piso de mercado, além de divi- direm os lucros da cooperativa ao fim de cada ano fiscal, após terem acom- panhado sua atuação nos balancetes mensais que recebem. A própria Multicooper se encarrega de debitar o valor do INSS do pagamento de seus cooperados e de fazer o recolhimento junto aos bancos.

As inscrições de trabalhadores que querem fazer parte da cooperativa são constantes. Há uma lista com pessoas aguardando oportunidade de trabalho que já beira os 400. Para ficar sócio, o trabalhador deve adquirir tantas co- tas quantas forem estabelecidas para sua função e pagá-las em até 3 meses. Cada cota custa R$ 3,00. Passado este prazo, ele já é um dos donos e pode até se candidatar a diretor. A diretoria tem um mandato de quatro anos, após os quais é substituída por outra eleita pelos cooperados. O

cumpram, a multa é de 5.000 Ufir por dia de não cumprimento", diz o presidente da Fetaesp.

Já aconteceram algumas rebeliões por parte dos trabalhadores, que estão come- çando a tomar consciência da si- tuação a que foram submetidos. Um gru- po deles quase incendiou a cooperativa de Monte Alto/SP pelos baixos salários pagos, fato que só não aconteceu por- que houve intervenção policial. Na ci- dade de Taquaritinga alguns lavradores prestaram serviços e, ao final, recebe- ram cheques sem fundo como pagamen- to. Os dirigentes da cooperativa fugiram com o dinheiro do trabalhador.

"Só que, enquanto tentamos concienti- zá-los contra essa situação, existe ao mes- mo tempo uma pressão muito forte e o apelo de um emprego para pessoas que às vezes estavam há muito tempo sem uma oportunidade. Muitos deles, quan- do lhes oferecem para prestar um servi- ço, assinam contratos que nem sabem o que contêm. Às vezes não sabem sequer quanto vão ganhar", diz Faita.

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Quinzena N0 235 -15/08/96 10 Trabalhadores

Documento - Brusque/SC - 19/Julho/96

Empresa alternativa de produção socializada

Introdução: Este pequeno informativo tem o obje-

tivo de socializar com grupos e pessoas nossa experiência de combinar a sobre- vivência econômica com mudança pes- soal e social. Sendo a sobrevivência eco- nômica uma expenência nova, onde bus- camos dignidade, participação e qualida- de de vida.

Afinal são dez anos de existência. História: BRUSCOR, é o nome comercial de

uma empresa alternativa de produção socializada. Esta experiência está acon- tecendo na cidade de Brusque - SC, onde um grupo de pessoas engajadas, militan- tes do movimento popular, sindical e po- litico, da PJ e da PO, deu inicio ao surgimento de uma fábrica de TELAS PARA PINTURA. Este grupo, sendo militante nos vários segmentos, teve al- gumas pessoas que tiveram problemas com seus empregos, foi então que os par- ticipantes destes grupos resolveram ini- ciar a FÁBRICA

O espirito do trabalho é AUTO-GES- TÀO. Que tudo seja em comum, não ha- vendo exploração da mão-de-obra. Um grupo de pessoas que estudavam a Bíblia, numa visão nova através da realidade "Bí- blia engajada", discutia a sociedade hoje ea sobrevivèicia econômica partilhada se inspirando no estudo da formação do povo de Deus e novo testamaito.

A idéia era produzir juntos, sobrevi- ver com dignidade e sem exploração, le- vantar elementos novos na relação de tra- balho e em geral para a sociedade.

Nossos sonhos eram muitos, tínhamos que colocar em prática.

Empreen dim ento: As telas rendiam somente o básico

para a sobrevivência, mas não havia pos- sibilidade de ampliar, foi então que sur- giu as máquinas de produção de cordas e cadarços para confecção e calçados. Adquirimos junto a um parente de um dos sócios, iniciou-se neste ramo sem muita experiência. No inicio desenvolviam-se as duas atividades num pequeno galpão junto com as telas, mais tarde ficou-se somente com a produção de cordas e ca-

darços para confecção. Devagar ganhou- se experiência, o trabalho foi desenvol- vendo, adquirindo maior prática, o mer- cado se abrindo e a clientela aumentan- do. Inicialmente, mesmo com resultados financeiros positivos, não era possível ter salário definido.

Os cinco sócios iniciais completavam o salário trabalhando como: dando aula, se desfazendo de carro, moto que possu- iam para fazer a proposta dar certo. Du- rante quatro anos era pago salário somen- te para um casal da proposta, neste tem- po também nasceu a filha do casal, que participou desde o começo desta experi- ência. O grupo inicial pensava que a empresa iria se resumir só aos cinco.

Após cinco anos do grupo e com o patrimônio adquirido todo pago, um dos integrantes desistiu do projeto e levou consigo cerca de 1/5 do patrimônio Foi um momento difícil, mas a proposta foi levada adiante O mercado forçava-os a trazer mais pessoas, adquirir mais má- quinas, senão corria-se o risco de perder para a concorrência. Hoje são dez anos contando o grupo com dezoito pessoas com uma média de idade de trinta anos.

Objetivos: ♦ Buscar qualidade de vida; ♦ Viver em grupo para constaiir no-

vas relações, um projeto de sobrevivência partilhada e de mudança da sociedade;

♦ Mostrar que a auto-gestão funci- ona e uma empresa com visão alternati- va é viável;

♦ Realizar um trabalho profissional sem exploração da mão-de-obra;

♦ Dar melhores condições para as pessoas contribuírem e participarem ati- vamente nos movimentos sociais, sem ris- co de perder o emprego;

♦ Gerar condições de trabalhos com igualdade e justiça para mais pessoas.

Os sócios: O grupo é composto por cinco mu-

lheres e treze homens no trabalho dire- to. Destes dezoito membros. Vai mi r é liberado em tempo integral, e Jocelino em meio periodo para o movimento sin- dical, estudantil e associações de mora

dores e movimaitos populares. Na com- posição do grupo temos uma vanação de treze profissões, que agora sejuntam num único objetivo: professores, pedreiro, bom- beiro, estofador, aifenneira, borracheiro, eletricitário, secretánas, metalúrgico, es- cnturário, têxtil e agricultor,

Em 1994, Jocelino foi liberado pelo gaipo para trabalhar junto a executiva estadual do Partido dos Trabalhadores, na área de finanças.

Em 1995 liberação da Idalina para assessoria do deputado Estadual Volnei Morastoni - Itajaí. Estas duas liberações não são financiadas pela Bruscor, mas com a garantia de retomo aos quadros da Bruscor quando quiserem retomar

Composição dos sócios: Os que iniciaram: Erasmo, Jocelino,

Ana, Valmir e Dirceu que saiu da pro- posta.

Hoje são membros: Erasmo, Ana, Valmir, Vidal, Toninho, Sueli, Nilton, Rosimar, Geraldo, Renildes, Tarcísio, José, Dalton, Idalina, Seigio, Elói e Salete

Com ofun cion a: A organização da fábrica acontece

assim: Na produção conforme a necessidade

há três turnos e a jornada de trabalho é de tnnta e cinco horas semanais. A expedição com três pessoas, o setor financeiro com uma pessoa, vaidas com uma pessoa.

Em 1995, com a grande expansão das vendas do inicio do ano e sabendo que o "Plano Real" provocaria em breve uma grande recessão o grupo decidiu em reu- nião extraordinária, contratar mão-de- obra por tempo determinado já que não seria possível manter todos como sócios no período de recessão. Os contratados tiveram salários iguais aos dos sócios, e participação nas decisões referentes a produção, horário e etc...

Hora extra: Quando há muitos pedidos, monta-se

turnos em média de quatro horas nos fi- nais de semana, onde a maioria das ve- zes é em conjunto com os membros da expedição, administração/vendas, que vão para a produção reforçá-la.

A hora extra não é remunerada, é uma

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Quinzena N0 235 -15/08/96 11 Trabalhadores

necessidade momentânea da firma que gera crescimento.

Férias: São tiradas dez dias coletivamente no

final do ano e os outros vinte individual- mente, dentro de uma programação mon- tada com todos.

Sistema de trabalho: Para que possa existir maior aprendi-

zado estabelecemos um rodízio de fun- ção, onde a cada ano os cargos ficam a disposição, podendo ser trocados, quase sempre, seguindo o critério de tempo que se está na função e a cada dois anos, é obrigatória a mudança.

Tem-se ressalva de cuidado para o se- tor financeiro, onde se tem que passar por um processo de preparação. Assim, oportunizamos o aprendizado dos mem- bros em todos os serviços e também para não haver dependência nos periodos de férias, licenças, ou desistências.

As comissões: Para agilizar soluções para os proble-

mas, foram criadas algumas comissões de trabalho:

Formação e Educação; Procurando pensar formação integral do grupo, com outros grupos, como também a forma- ção técnica dos membros e estimulo a educação escolar básica e superior. Em 1995 formou-se um grupo de estudo vi- sando preparação escolar para o vesti- bular, alguns membros do grupo partici- param de um curso de "Bioenergética", e realizou-se um curso em dois fins de se- mana com Milton Pomar onde discutiu- se a conjuntura política atual.

Patrimônio: Temos estudado ques- tões importantes como a herança, morte de algum membro, invalidez, etc.

Saúde: Temos o objetivo de preven- ção dos problemas e cuidados do corpo e mente. Optamos pelo tratamento homeo- pático com um médico para todos os membros.

Divulgação: Estamos estudando, es- crevendo e elaborando material mais completo sobre nossa história, para di- vulgação e estimulo a outros grupos.

Bom relacionamento e Lazer: Temos celebrações, jogos, danças, passeios, cantorias...

Outras comissões: Espaço Físico, Estatuto, Manutenção, Limpeza e Se- gurança.

Os membros destas comissões estu- dam os assuntos em questão, montam as

propostas e convocam todos os sócios para as reuniões deliberativas.

A partir de 1995 foram juntadas algu- mas comissões ficando desta forma: Saú- de e Lazer, Estatuto e Patrimônio, Limpe- za, conservação. Manutenção e Seguran- ça, Divulgação-Formação e Educação.

Os problemas: Quando surgem, são resolvidos nas reuniões. Temos o princi- pio da democracia, e quando há propos- tas divergentes decide-se por votação.

Aumentar a produção: Quando há necessidade, novas pessoas

são convidadas a integrarem o grupo. Em reunião geral do grupo todos podem indi- car os nomes que gostaria e justificá-los. O grupo avalia os nomes segundo os critérios que existe e define a pessoa que será convi- dada. O convidado trabalha por seis me- ses, tempo de adaptação e conhecimento detalhado da proposta. Neste período, caso não seja possível a continuidade, a pessoa recebe o salário e os direitos sociais, po- rém, não tem direito a participação no patrimônio. No fim dos seis meses é feito uma avaliação da pessoa com todo o gru- po, podendo o convidado expor o que sente e como vê a proposta. O grupo diz o que acha e como viu a pessoa neste período. A pessoa participa durante este período de todas as reuniões e atividades.

Os direitos: Vencidos os seis meses, o convidado

ficando no grupo, passa a ter direito do tratamento de saúde pago, educação e se toma sócio. Entra no contrato social com uma cota simbólica. Quanto ao patrimônio, a pessoa terá direito a parte do que ajudou a adquirir a partir do dia que entrou, somente depois de três anos.

Econômico: Em relação à questão econômica uma

porcentagem do faturamento é destinada aos gastos com pessoal (salário, saúde, formação, direitos sociais, etc), sendo o salário igual para todos independente da função que exerce.

Em época de crise como a observada em agosto, setembro e outubro de 1995 o salá- rio de cada um foi estipulado de acordo com sua necessidade, provocando uma redução no gasto com salários em valores, e uma diferenciação de salários entre o grupo.

O restante é destinado a despesas com capital de giro, ampliação do patrimônio, matéria prima, etc.

A empresa tem como princípio a di- visão de lucro, além do salário, já citado

acima, é feito ao final do ano quanto há sobra real de dinheiro, a divisão em for- ma de abono.

A produção: Em média a produção é de um milhão

de metros/mês, vendidos no sul do país. Nosso produto é de grande qualidade, pois sendo todos sócios, desejamos qua- lidade em todos os sentidos.

Pontos fortes: * Trabalho coletivo; * Salário igual para todos; * Tratamento de saúde alternativo:

(homeopatia e vivência utópicas); * Estímulo à formação; * Todas as decisões são tomadas em

conjunto; * Celebração da vida do grupo; * Escolha de novas pessoas para inte-

grar o grupo, é coletiva; * Ninguém é dono, somos todos sócios; * Os cargos são exercidos em rodízio; * Divisão das tarefas; * Solidariedade e ajuda mútua; * Solução coletiva para os problemas; * Planejamento conjunto; * Lazer em grupo; * Apoio aos movimentos populares. Desafios: * Instabilidade do mercado e econô-

mica do país; * Grandes concorrências; * Modernização da produção; * Falta de financiamento e incentivo

a pequenas empresas; * Expansão desta proposta, com ele-

mentos para discussão e surgimento de outros grupos;

* Combinar sobrevivência econômi- ca com a possibilidade de uma sociedade mais humana;

* Comunicação intema e externa; * Imposto diferenciado para pequena

empresa; * Redução da carga tributária. Esta é uma proposta de uma empresa

normal com todas as implicações gerais de uma empresa. As dificuldades foram e são muitas. A proposta se constrói a cada dia, não se tem a proposta pronta e acabada. Construindo com a força de acreditar que sobreviver economicamen- te, construir uma vida em grupo é possí- vel. Depois destas informações queremos mostrar que é viável a construção de um novo estilo de empresa, fora dos padrões romaisdasempiEÊasexJstHitES. O

Bruscor

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Quinzena N0 235 -15/08/96 12 Trabalhadores Via Operária - Agosto/96

Avaliação da (Não) greve gerall f Nie qu§remes aqui entrar na pelimi'

cs, falia por sinal, entre as Centrais Sin- dicais, imprensa e governo sobre o fato de ter havido ou não uma greve geral no pais no último dia 21/06, E, diga-se de passagem, o Índice de paralisação divul- gado pelo governo foi ligeiramente mai- or do que o apresentado pelas Centrais, Deixemos de lado essa briga e vamos ao que interessa, Para uma única pergunta, se existiu ou não a greve, podemos dar duas respostas: sim e não,

Quando respondemos que sim, estamos querendo dizer que houve uma mobilização e uma paralisação dentro do padrão desejado e almejado pelas centrais sindicais e o movimento sindical oficial, bem como os segmentos do capital que a incentivou,

Por que alguns setores do capi- tal incentivaram a greve?

Com a globalização, alguns setores da economia, diante da exposição à concor- rência internacional, de uma taxa cambi- al mantida artificialmente alta e taxa de juros também elevadas, viram-se na iminência de fecharem as portas ou, na melhor das hipóteses, fundirem-se ou se- rem incorporadas por grupos maiores (nacionais e internacionais). Não foi à toa que quem primeiro sugeriu uma "greve geral" foi a FIESP, convidando os seus "companheiros" de jornada, Vicentinho, Medeiros e consortes para a empreitada.

Esses senhores capitalistas viram-se acuados entre dois fogos: de um lado a política do governo que visa o sucateamento dos capitais menos com- petitivos (na maioria pequenas e médias empresas, mas também algumas consi- deradas grandes) para que, com a falên- cia dessas empresas, abram-se mais es- paços de mercado para os capitais mais robustos, que podem competir no merca- do internacional; por outro lado restava convocar às ruas os trabalhadores, com bandeiras que os sensibilizassem, para um movimento que fosse capaz de fazer o governo mudar alguns pontos "indese- jáveis" da política econômica.

Dái vem o perigo: como chamar os trabalhadores às ruas, em meio a uma crise como a atual, com arrocho dos sa- lários, desemprego e miséria generaliza- da sem correr o risco de perder o contro-

le de movimente e tomar tudo ainda pior diante de uma possível radicalização por parte destes trabalhadores?

Daí é que entendemos por que a "gre- ve geral" foi convocada para uma sexta- feira (véspera de um feriado em boa par- te do Nordeste), sem discussão e sem pre- paração efetiva na base, Ficou difícil até mesmo cumprir um outro objetivo da "greve geral" que era servir de palanque para candidatos a cargos eletivos de toda ordem, diante do pequeno número de pes- soas que comparecerem às ruas.

Portanto, a "greve geral" convocada e levada a efeito pelos sindicalistas ofici- ais não poderia ser muito diferente do fi- asco que todos assistimos. Afinal, alguns setores da FIESP, da CUT, CGT e Força Sindical podem até discordar de alguns aspectos da política do governo mas, to- dos eles concordam em um ponto: a ex- ploração do trabalho deve ser mantida e ampliada, afinal, todos são defensores do capitalismo.

Por que não houve a greve geral!

Quando respondemos que não existiu uma greve é porque entendemos que não seria uma paralisação de 24 horas, mes- mo que nela se enganjassem a grande maioria dos trabalhadores brasileiros, empregados e desempregados, que faria o governo e a buiguesia recuarem. Não se- ria o suficiente para abrirem mão do arro- cho salarial, da retirada de conquistas so- ciais - como no caso da previdência - di- minuírem a jornada de trabalho para criar mais empregos e, ainda por cima, conce- derem aumento real de salários.

Efetivamente, do ponto de vista das necessidades da classe que trabalha, esta greve não existiu. Os sindicatos oficiais não conseguem emplacar nem uma gre- ve geral que nasceu nas salas da FIESP. Aliás, como não poderia deixar de ser, diante da total consolidação dessas enti- dades enquanto sindicatos de Estado, ide- alizado e levado a cabo exatamente para evitar que os trabalhadores levassem adi- ante, de forma conseqüente, as suas lu- tas e demandas.

Sindicatos cada vez mais ricos e trabalhadores mais pobres, por que?

Mas, percebam a sutileza, éjustamen-

te ende parece residir a fraqueza de sin' dicalismo oficial ■ na sua incapacidade de mobilizar os trabalhadores - que se revela a sua verdadeira eficiência e ra- zão de existir. Diante do quadro de penú- ria e miséria generalizada pela qual pas- sa a classe trabalhadora, qual seria a res- posta natural e necessária desta classe? A organização, o enfrentamento, a dis- posição para a luta, No entanto, é a atu- ação dos sindicatos um fator a confun- dir, fragmentar, desorganizar, desmobili- zar e desgastar uma forma de luta histó- rica da classe trabalhadora: a GREVE,

Por isso mesmo, os sindicatos e cen- trais constituem uma peça da qual o Es- tado não quer e nem pode abrir mão - as críticas de lado a lado fazem parte do costumeiro jogo de cenas. Não é à toa que intelectuais da ordem como o arti- culista da Folha de São Paulo, Gilberto Dimenstein, coloca textualmente: "ruim com a CUT, pior sem ela". São por estas razões que este Estado tem interesse no enriquecimento e na burocratização dos sindicatos. Foi-se o tempo em que a sua tarefa era a mobilização dos trabalhado- res. Trata-se hoje do controle destes a serviço do Estado. O instrumento para isso? Uma instituição capitalista que cha- mamos de sindicato.

O saldo da greve

Uma "greve" que saiu por decreto, mais uma vez desrespeitando o trabalha- dor. Conseguiram expor na mídia, pou- sando como defensores dos trabalhado- res velhos e conhecidos espertalhões do quilate de Medeiros e de Vicentinho, as- sim como outros conhecidos apenas em âmbito regional e localizado.

Foi a combinação irresponsável e cúmplice das necessidades de um capital em dificuldades com a também necessi- dade das centrais de se colocarem aiquan- to defensores da classe trabalhadora. Foi a tentativa de darem uma injeção de credibilidade em seus líderes caducos. Mas nem nisso acertaram!

Sindicato oficial? O que é isso? Os sindicatos oficiais tomam-se a

cada dia uma das instituições mais im- portantes do Estado capitalista. Para um sindicato funcionar é preciso que o Esta- do (burguês, que tem a sua razão de exis- tir exatamente na manutenção da ordem

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Quinzena N0 235 -15/08/96 13 Trabalhadores

que permite a exploração do capital so- bre o trabalho) lhe conceda a "investidu- ra" através de uma Carta Sindical ao mesmo tempo em que legislam que em uma determinada base não pode existir outro sindicato. E assim mesmo que o Estado permite que os trabalhadores se organizem: impõem todas as regras, as cartilhas a serem seguidas e ainda têm o Ministério do Trabalho que fiscaliza o cumprimento ou não das leis. Cada pas- so tem que ser legalizado e justificado perante o Estado.

Este mesmo Estado arranca de todos os trabalhadores, independente de serem sindicalizados ou não, um dia de traba-

lho para sustentar toda uma gama de pa- rasitas que vão dos sindicalistas aos juizes togados e sem toga. Ainda, como conseqüência de ser parte integrante do Estado capitalista, é concedido aos Sin- dicatos o poder de tributar. E é exatamente isto que fazem os sindicatos quando defi- nem as chamadas taxas assisten- ciais que também são cobradas dos trabalhadores sindicalizados ou não. Assim, do ponto de vista financeiro, ou sindicatos, in- dependente de organizarem os trabalha- dores ou de não fazerem nada, de mo- bilizarem ou não, de lutar ou não pelos nossos direitos, não têm com o que se preocupar. O Estado lhes garante a boa

vida desde, é claro, que não venham a se tomar incômodos a este mesmo Estado (vide o exemplo das penalizações quan- do da última greve dos petroleiros).

Tudo isso sem falar da organização por categoria e das datas base que ser- vem para fragmentar no tempo e no es- paço as lutas dos trabalhadores. Certa- mente não serão estes sindicatos, nem as centrais sindicais e seus sindicalis- tas, que também vivem da exploração dos trabalhadores, que prepararão e le- varão adiante uma "greve geral" que, hoje, mais do que nunca, está colocada na ordem do dia para o conjunto da clas- se trabalhadora. □

Jornal do SINTUFRJ - 25 de junho/96 - l\r 221

Greve geral atinge todo o país Doze milhões de trabalhadores cru-

zaram os braços no dia 21. Com medo do movimento, o governo maquiou nú- mero de adesão do funcionalismo: ape- nas 3% dos 50 mil trabalhadores da Esplanada do Ministério aderiram. Só que ele considerou presentes ao trabalho os que ligaram para justificar a ausên- cia. A Confederação Nacional do Comér- cio registrou perda de R$ 500 milhões no comércio e prestação de serviços, 52% a menos no total diáno de negócios. Em São Paulo, como no Rio, o trânsito nas constantemente engarrafadas avenidas foi muito menor. Nos centros financei-

ros, as agências bancárias estavam vazi- as. No ABC, a paralisação foi quase to- tal. Apesar de não ter a mesma projeção, a greve afetou também outras importan- tes regiões industriais do pais.

Em Porto Alegre, a adesão foi grande, com conflitos entre grevistas e a Policia Militar. Segundo a imprensa, não foi a gre- ve, mas a chuva e o frio que fez com que os trabalhadores "aiforcassem" o trabalho.

Em Maceió, a greve foi um sucesso, com a paralisação de 90% dos trabalha- dores. Os transportes pararam e o comér- cio reduziu as atividades em 75%. Em For- taleza, professores, estudantes e setores

do funcionalismo adenram massivamaite. O "feriado", segundo os jornais, atingiu fortemente Recife e Salvador.

Lideranças avaliam que mais de 60%pararam

Para os dingentes a CUT, Força Sin- dical e CGT, a primeira greve geral do governo FHC foi bem-sucedida, alcan- çando seus objetivos. Segundo o Coman- do da Greve Geral do Rio, baseado em levantamento dos Sindicatos de cada ca- tegoria, mais de 1 milhão e 300 mil, cer- ca de 60% dos trabalhadores do estado, participaram do movimento convocado pelas três centrais.

Categoria Base Greve Parados

Urbanitários 40 mil 85% 34 mil Previdenciários 60 mil 50% 30 mil Metalúrgicos 60 mil 30% 18 mil Professores 245 mil 95% 233 mil Ferroviários 15 mil 100% 15 mil Univ. Federais 24 mil 100% 24 mil Asseio / Conservação 70 mil 100% 1 mil Bancários 54 mil 50% 32 mil Comerciários 450 mil 60% 270 mil Comerc. / Niterói 215 mil 70% 150 mil Construção Civil 60 mil 40% 24 mil

O Rio de Janeiro viveu um dia de sá- bado, em plena sexta-feira. Geralmente um dia tumultuado de intermináveis con- gestionamentos, a sexta-feira de 21 de junho foi diferente: a cidade estava va- zia. Enquanto economistas, cientistas políticos, historiadores e a imprensa no- vamente alardeam o "fracasso" da greve

geral de sexta-feita passada, o sociólogo Luís Wemeck Viana alerta para o "vigor do movimento" que mandou um recado muito claro para o governo: o desconten- tamento é geral.

Antes da greve, a imprensa dizia que o único a salvar a paralisação de um fracasso seria o setor de transporte. Nas

principais cidades, os ônibus circularam, porém, vazios. No Rio, os patrões foram generosamente agraciados com um ter- ceiro aumento (10%) das passagens e, em agradecimento, obrigaram até cobrado- res a dirigirem veículos, a maioria trafe- gando com motoristas sem uniforme.

No metrô, a mesma coisa: os bilhetei-

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Quinzena N0 235 -15/08/96 14 Trabalhadores

ros usavam roupas comuns, em um claro sinal de que não eram integrantes da cate- goria. O mesmo artifício não pode ser empregado com os ferroviários: eles ade- riram em peso à manifestação de protesto e os 173 trens, que transportam diariamen- te 370 mil passageiros, silenciaram. A Central do Brasil e a Leopoldina estavam vazias e pareciam estações fantasmas.

No centro da cidade, lojas e bancos estavam às moscas. Quase sem funcio- nários e clientes, os bancos operaram com portas fechadas. O único a enfrentar os grevistas foi o Excel-Econômico, banco, aliás, que deve muitos favores ao gover- no, depois do recebimento de dinheiro do Proer (Programa de auxílio a bancos que- brados). A tarde, o arrastão da greve, promovido pelo Sindicato dos Bancári-

os, entrou na instituição financeira para convencer os bancários a aderirem ao movimento grevista. Policiais militares tentaram impedir. Resultado: bancários e PMs tiveram um enfrentamento, no qual as armas dos grevistas eram apenas la- tas de lixo.

E a greve se espalhou nas escolas, universidades e estatais - Nenhuma das escolas públicas ou privadas funcionou. Embratel e Telerj fecharam suas portas. Na Telerj, apenas os funcionários con- tratados de empresas particulares fura- ram a greve, apesar de seus contratos de terceirização significarem apenas três meses de trabalho. Para não perder o emprego que, na verdade, não tem, um desses funcionários de aluguel chegou a pedir ajuda da PM para entrar na

sede da empresa, no centro da cidade. Nas universidades, o silêncio e o pro-

testo, foram gerais. Os técnicos-adminis- trativos da UFRJ pararam o trabalho, depois de terem enfrentado 45 dias de greve contra a política neoliberal de FHC e seus aliados. Professores e estudantes também aderiram ao movimento e trans- formaram o campus da Praia Vermelha em uma imensa praça deserta. A greve pode ter sido parcial, mas deu um alerta ao governo de FHC. Não há motivo para comemorar vitória. O veredicto do povo é claro: o governo vai mal. Não dá mais para o governo esconder que os preços sobem, só os salários continuam sem aumento e Plano Real se arrasta, levan- do os trabalhadores a um sofrimento inútil de deagnpiEgD e exdbsão. □

Pelejando - Julho/96 - N" 140

A participação das mulheres na direção sindical Aproximando-se da virada de século

e de milênio, o mundo tem mudado de maneira acelerada em todos os aspectos: social, econômico, político, cultural... Mas, apesar das mudanças, a mulher continua sendo vítima de opressão, desi- gualdade sexual, discriminação, até hoje.

Não é que estamos perdendo de vis- ta a luta, a coragem e resistência femi- nina... Com criatividade elas se esfor- çam para conquistar seus espaços, mas não é fácil...

O Pelejando fez uma rápida pesquisa em sindicatos da região metropolitana de Belo Horizonte e do interior, para saber como tem sido a participação das mulhe- res em suas direções. Alista dos sindica- tos pesquisados nos revela a diferença em números, entre homens e mulheres. A desvantagem feminina é grande. Quais seriam os motivos?

Ao questionarmos algumas lideranças sobre o porquê da predominância mas- culina, as respostas tiveram pontos em comuns. Vejamos:

Lideranças masculinas do Sintert, do Sindicato dos Metalúrgicos de Betim e Igarapé e também do Sindieletro (Sindi- cato que há 98 homens a mais do que mulheres), afirmam que a questão prin- cipal é o fato de que a mulher não conse- gue conciliar o trabalho de casa com a luta sindical. Um dos dirigentes do Sintert acredita que a mulher não quer se expor.

l Sindicato Mulheres Homens Sintert 2 29 Sindicato Jornalistas 9 26 Sindicato Bancários 11 39 Sinter 10 27 Sindieletro 4 98 Sintell 2 8 SindiUte (Contagem) 11 4 Sind. Metalúrgicos (Betim/Igarapé) 2 38 Sind. Metalúrgicos (Santa Luzia) 0 22 STR (Medina) 6 4 Fetaemg 4 12

pois, para ele, a luta sindical faz crescer, a perseguição por parte dos empresários e o receio de perder o emprego.

Na direção dos metalúrgicos de Betim e Igarapé há duas mulheres (só que na suplência), e isto é justificado por se tra- tar de uma categoria predominantemente masculina.

Um líder do Sintell avalia o fato de que a mulher taiha despertado tarde para a participação e que a presença do homem é maior em todo o mercado de trabalho; consequaitemente, nos sindicatos também. Já um membro da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de Santa Luzia, concor- da que há discriminação, mas o pior, é a resistência por parte do marido em "dei- xar" a sua mulher participar.

Uma diretora do Sinter, por sua vez, luta para garantir um espaço cada vez maior para mulheres em seu sindicato.

Para ela, reduzir a não participação da mulher à questões domésticas é mui- to pouco. Se falta tempo para participar é por causa de outros fatores...

A desigualdade sexual e a discriminação, que sem- pre fizeram parte da nossa cultura, somadas às dificul- dades da dupla jornada de trabalho e à cobrança da figura feminina no lar,

fragilizam a atuação da mulher. Mas, quando ela consegue romper com esta realidade e participar, aí sim, "o sexo frá- gil" mostra a sua garra, sua sensibilida- de e sensatez nas negociações e sua sa- bedoria...

A questão foi apenas levantada. Ela merece ter espaço nas nossas discussões dentro e fora dos sindicatos: na família, na Igreja, no mundo do trabalho. Con- verse com seus vizinhos e amigos...

1 - E aí, na sua região? Como aconte- ce a participação das mulheres nas dire- ções sindicais?

Escreva para nós, contando as expe- riências , as lutas e as vitórias...

Redação e Administração: Rua Eurita, 516/B Santa Tereza Belo Honzonte - MG Cep: 31010-210 n

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Quinzena N0 235 -15/08/96 15 Trabalhadores

Tortura Nunca Mais - Junho/Julho/96 - N" 13

"Nossa justiça está cheia de preconceitos" "O preconceito racial e social está

presente em nossa sociedade, de forma aberta ou disfarçada. A polícia, por exemplo, trata o negro de forma preconceituosa, acompanhando padrões que estão presentes em nossa sociedade", afirma o jurista Dalmo Dallari. Em sua palestra realizada na Faculdade de Di- reito da USP, dentro do Simpósio "O pre- conceito", organizado por diversas enti- dades no período de abril e junho deste ano, o professor afirmou que "o precon- ceito está muito presente no judiciário, onde se dá um tratamento diferenciado à elite e certas classes sociais considera- das baixas ou inferiores".

Em aibs/istaaDJomal Tortura nun- ca mais, o professor afirmou que a Im- prensa também contribui para reafirmar certos estereótipos sob a aparência de humor ou afetividade. Tal é o caso, por exemplo, ao se referir aos baianos ou cnolinhos. Entretanto, uma carga muito grande de preconceitos podem ser nota- dos, por exemplo, nos Tribunais Superi- ores. Recentemente, "o Tribunal Superi- or do Trabalho agiu com extremo pre- conceito de classe ao julgar a greve dos petroleiros. Baseou-se em pequenas fa- lhas formais para não reconhecer um acordo feito com o Governo Federal e ainda impôs pesada multa ao Sindicato".

Outro caso de preconceito lembrado pelo professor Dallari foi a prisão de

Palmo Dallari

Diolinda Alves de Souza, mulher de José Rainha, líder dos sem-terra. "A prisão de Diolinda tinha o claro objetivo de fazer Rainha se apresentar, o que é um crime de chantagem definido no Código Penal", lembra o jurista.

Para Dalmo Dallari, o massacre dos sem-terra no Pará mostrou o envolvi- mento dos três poderes, agindo em con- junto para garantir privilégios à elite. "Foi instaurado assim o antigo lema da Pri- meira República, - para os amigos tudo, para os inimigos, a lei".

Na opinião do jurista, o presidente Fernando Henrique Cardoso utiliza mui- to sua condição de antigo socialista para tomar certas medidas. "Na verdade, ele fugiu da luta pela democracia no Brasil. Muitos ficaram e aqui lutaram", diz. "Na verdade - considera o jurista - ele age com grande oportunismo como protetor das classes privilegiadas porque utilizam a noção de classes superiores e inferiores".

Para Dalmo Dallari, o combate ao pre- conceito pode ser ajudado pela legislação, mas depende de um despertar de consci- ências, através da educação, das denúnci- as, do exemplo. "E preciso estimular a so- ciedade a reconhecer que todas as pesso- as são essencialmente iguais e devem ser tratadas como iguais. E na prática, no dia a dia que se pode mudar, seja no trabalho, em casa, na escola... E não se deve desa- nimar, pois é isso que os privilegiados

querem, manter intactos os preconceitos". Na opinião do jurista, é importante que

a sociedade discuta o controle externo do Judiciário. "Percebe-seno Judiciário, uma reação maliciosa a essa idéia de controle externo. Afirmam que, com isso, os juizes perderiam sua independência. As Corregedorias não resolvem o problema, pois em nenhum estado brasileiro, a Corregedoria pode exercer controle sobre decisão de órgãos superiores". O profes- sor considerou um abuso que certos mi- nistros de Tribunais Superiores levem até 2 anos para redigir um acórdão. "Como não existe controle, ninguém cobra", afir- ma. Além disso, há no Poder Judiciário, falhas administrativas, desperdício de re- cursos (sedes luxuosas), nepotismo, pri- vilégios e mordomias", afirma Dallari. O jurista considerou uma forma de precon- ceito considerar que o juiz é infalível, que está acima do bem e do mal ou que é um ser superior aos danais mortais.

O jurista criticou, ainda, os tribunais especiais, que tratam de forma diferenci- ada as pessoas, como os tribunais mili- tares. "Quem cometeu crime definido no Código Penal, deve ser sujeito ao mesmo julgamento que as demais pessoas". Para o professor, a oligarquia é que mantém essa diferenciação, mas a sociedade deve lutar para conscientizar a Nação de que o preconceito é negativo e inimigo da democracia. "I

O Trecheiro - Julho/96 - N0 33

Frio: um pesadelo real Não é fácil dormir durante uma noite

fria. Aquecedores, cobertores e o calor humano daqueles que têm uma companhei- ra ou um companheiro ao seu lado são as melhores armas contra o gelo que é o in- verno. Mas, se para o cidadão(ã) comum fno nos pés é sinônimo de pesadelo; como será então o frio para os moradores de rua? Sem sistemas de aquecimento, sem casa, sem, até mesmo, um barraco na favela, a vida de quem está na rua, seja de noite ou de dia, dormindo ou acordado, é, com cer- teza, um pesadelo real.

Para Roberto Cririsóstomo, de Gar- ças, interior de São Paulo, encanador.

dois anos na rua "a noite na rua em épo- ca de frio é a coisa mais horrível".

A gente suporta porque é o seguinte: junta um, dois compram uma garrafa de cachaça e tomam pra esquecer um pou- co as coisas", conta. Francisco Pereira da Silva, 57, baiano, vidreiro, 10 anos na rua é redundante em sua colocação: "o frio é malignamente mal".

Junho, julho, agosto e setembro são os meses da Operação Inverno, nome dado pela prefeitura para um conjunto de atividades emergenciais que visam aten- der moradores de rua nos meses mais frios do ano. Entretanto nem todo mun-

do é atendido pela Operação Inverno, uns por desconhecerem os endereços, outros por completa falta de vagas e ou- tros ainda por não quererem saber de dormir em albergues. "O atendimaito nos albergues é mais ou menos, mas não gosto de cuspir no prato que como. Teve um albergue que eu não gostei, mas não vou referir aqui o nome dele, a administração de lá era muito mal", revela Ronaldo Monteiro de Carvalho, 51, baiano de Itapetínga há 5 meses vivendo na rua.

A verba mensal repassada pela pre- feitura para os albergues é de R$ 34,00 por pessoa. Ou seja, R$ 34,00 por mês

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Quinzena N0 235 -15/08/96 16 Trabalhadores

que devem pagar água, luz, café da ma- nhã e refeições de cada albergado. Isso sem felar n@§ eneaifei e §aláne§ d§§ f\niei0= náries, manutaiçlo de prédio, ete. O il» bergua AVIM (Asiodaçlo de Voluntári- os pela Integração do Migrante), locali- zado na baixada do Glicério é um dos 6 albergues conveniados com a Secretaria de Família e Bem-Estar Social (FABES) e que recebe esta verba. Questionada se os R$ 34,00 são suficiente para cobrir os gastos, Cecilia Abad Abude diretora do AVIM responde: "a gente faz o que pode".

Segundo a vereadora Aldaiza Sposati (PT), após visita aos albergues da cida- de, apesar dos esforços do AVIM o re- passe da prefeitura é insuficiente para um atendimento satisfatório. Autora de um Projeto de Lei (207/94), vetado (barrado) pelo prefeito, que garante uma série de atendimentos à população de rua, a vereadora diz que não existe uma políti- ca eficiente e correta à esta população. Mário Noda, vereador pelo PTB, tam- bém elaborou um Projeto de Lei para os moradores de rua. Seu projeto "permi- te a utilização de caixas de papelão na

"construção decasas" pra quem vivena rua". Perto do AVTM tem o albergue do

Oliiérie, adminiitrade pile Centre d§ Assiitàieia i Promeçle Soeial "Nosso Lar", o qual, segundo Cláudio Palermo, coordenador do albergue, não enfrenta dificuldades para garantir um serviço de qualidade, Para Palermo "a falta de co- laboração do homem de rua, que não gosta de atender as normas do albergue", é o problema que mais surge. Embora houvesse vagas, do lado de fora, cerca de 5 pessoas dormiam nos fundos do al- bergue. Resolvemos não acordá-las.

O Pedroso (o albergue se localiza den- tro do viaduto Pedroso), tem vagas para 150 pessoas, contudo o albergue e a Ope- ração Inverno se encontram lotados. Eliene Bispo, da AMAS (Associação Metodista de Assistência Social) explica que: "já houve noites em que atingimos nossa capacidade máxima, mas ainda não tivemos excedentes não abrigados". Isso sem que o inverno ainda tenha chegado com toda a sua força. A principal difi- culdade da Operação Inverno é "a aco- lhida das pessoas alcoolizadas. Algumas

apresentam-se agressivas e requerem atenção especial", conclui Eliene. Mas a grande quê§tãe nle é e fn© El§ é ap@na§ um dos milhares de problemas de povo da rua. O que se precisa responder, com urgência, é porque existe tanta gente na rua? E nesse sentido São Paulo, como a maior e mais rica cidade da América do Sul, tem o dever de tomar medidas con- cretas contra o aumento da miséria, por s<anp]o: 1) abrir um canal de diálogo com o povo da rua e as entidades, onde se discuta qualidade mínima de atendi- mento e como reintegrar socialmente a população em questão; 2) deixar de var- rer o dinheiro público para dentro dos túneis, viadutos, propagandas e direcioná-lo para as áreas sociais; e 3) pressionar os governos estadual e fede- ral para deixarem financiar o prejuízo dos banqueiros (R$ 30 bilhões "doados" para meia dúzia de bancos). Quando esses 3 itens se tornarem prioridades, São Paulo estará dando o exemplo de como uma cidade pode ser administra- da para o povo e em especial os que mais aDfiHn,opavDdarua. H

Documento - Julho/96 r

Epreciso defender a vida Como marxistas entedemos que o ho-

mem não nasce homem, toma-se homem e os elementos que permitem aos homens caminharem em direção de sua própria humanidade são o trabalho, a socializa- ção, a universalidade, a consciência e a liberdade.

Como no capitalismo o centro da ati- vidade produtiva está baseado na explo- ração do homem pelo homem, os meca- nismos de dominação social alienam os indivíduos de sua própria história. No Brasil, não bastasse este quadro genéri- co, assistimos um instante em que o pró- prio direito à vida é usurpado de milha- res seres humanos.

Hoje no Brasil, é preciso defender a vida. Como suportar a morte de mais de cem homens e mulheres que, depois de muito trabalhar e chegando ao outono da vida, são transformados em lixo humano ejogados nos porões do Santa Genoveva para apodrecerem? Não é possível!

Na periferia de São Paulo, principal- mente nos bairros completamente paupenzados da zona sul, morrem deze-

Carlos Bauer

nas de pessoas todos os dias. Em sua grande maioria são muito jovens. Os nú- meros são alarmantes, superam aqueles registrados na Bósnia ou no Oriente Mé- dio e os motivos de tamanha carnificina tão fúteis quanto idaitificadores do aban- dono em que se encontram legados am- plos setores da população.brasileira.

Em alguns bairros, preocupados em expulsar das redondezas aqueles que jul- gam como ladrões, os comerciantes cria- ram legiões de "justiceiros" que, rotinei- ramente, mergulham os arrebaldes da ci- dade em banhos de sangue. A mortes, incontáveis, lembram os piores horrores da guerra. Testemunhas ou sobreviven- tes dizem que as vítimas são prostradas no chão e cruelmente executadas com ti- ros na nuca, na cabeça...

Mas há outras situações igualmente taiebrosas. Em Pernambuco, na cidade de Caaiaai, perto de 40 pessoas já morre- ram e outras ainda podem perder a vida, por conta do descaso com que o tratamen- to médico dos seus nns foi realizado.

O horror parece não ter fim. Nos últi-

mos dias, novamente faito do descaso das "autoridades" e da ganância de. comerci- antes ínescrupulosos, uma ligação clan- destina de gás, num movimentado centro comercial, em Osasco (SP), fez explodir o prédio como se o mesmo fosse atingido por um míssel israelense no sul do Líba- no. Resultado: mais de 40 mortos, deze- nas de feridos e o jogo de empurra dos responsáveis que, como no caso do aban- dono das estradas e tantos outros simila- res, levara a impunidade destes crimino- sos de guerra.

As imagens da violência contra a po- pulação jovem e trabalhadora no Brasil podem formar um denso capitulo da his- tória dos horrores do século XX.

As imagens da violência contra os Sem Terra que, somente nos anos mais recentes, matou mais de 1000 trabalha- dores rurais, causam tanto impacto quan- to aquelas colhidas pelos cinegrafistas durante a Guerra do Golfo.

As imagens do cotidiano dos favelados brasileiros, constituída de fome, miséria absoluta, desocupações

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Quinzena N0 235 -15/08/96 17 Trabalhadores

violentas, incêndios criminosos, são tão aterrorizantes quanto aquelas que regis- tram agrii§õ§8 de E§tad© nert§=amêrÍG8= ne ae peve vietnamita,

É preciso defender a vida e denunciar e não aceitar a banalizaçlo e mercantilização da morte de velhos, jovens, crianças e tra- balhadores que se faz hoje no Brasil, Não é possível suportar tamanho descaso. Como socialistas, devemos impulsionar uma cam- panha democrática pelo direito à vida e con-

tra a opressão e a barbárie social que o capitalismo produz em nosso pais.

Dêfgndêr a vida, hoje no Brasil, pode paree§r poueo, mei diante da erueldade § desumanizaçâo que o capitalismo diutumamente produz, é preciso sair em defesa daqueles que são permanentemen- te esquecidos. d

Carlos Bauer, é professor e membro da Direção Nacional do PSTU.

CURTAS |.AMERICA LATINA

Conspiración de silencio. Las miicrles, lesiones y discapacidades relacionadas cun d embarazo son ei problema más de.satendido cn ei inundo, sefiala ei Fondo de las Naciones Unidas paia Ia Infância (UN1CEF) en su informe anual.

Por estas causas mueren diariamente l.(i()() mujeres en ei mundo. Io que representa dOO.OOO muertes ai ano.

«Hay una conspiración de silencio sobre este problema», afirma Peter Adam- son, editor dei reciente informe de Ia UNICEF titulailo «líl progreso de las n ac i o n e s >». UNíCE^ «AN ,PWCUE

Como en ei mundo, en América Latina las mujeres siguen muriendo por causas evitables.

Panamá i 55 Chile . 65 MORTALIDAD JF '

Uruguay gm 85 MATERNA EN W " ^k , Cuba P:..." \ "„ AMÉRICA LATINA C ^J Argentina '■ J 100 Colômbia i | |00 Af.

México j 1 110 Muertes de mujeres ^í Venezuela 1 1 120 por cada 100,000 'A

Ecuador r .„. I 150 nacidos vivos < Nicarágua I . "Til 160 A A Ài 0

Paraguay r~" ' ■ .'"l 160 ^^ * ^M \^\ Guatemala |; ' —~~1 200 Y i V N^W -JJ

Brasil I . I 220 í- |A -M S 5 Honduras [ "" ~\ 220 ^M^^^J JM z Pcrú m ' ' '' ■ " "~1 280 jn| W M ' El Salvador Z J 300 .^éÊÊÊW.* OiH

S Bolívia ! ■ .. ■ ■•-! 650 1000 l Haiti \ -1..:.,:.111.". ' '"^ ••••"• ■'■ "i """na

Borracheiros solidários com americanos

Em 12 de julho, os trabalhadores da Bndgestone / Firestone, de Santo André realizaram protesto na entrada dos turnos, em solidariedade aos 2.000 funcionários da empresa nos Estados Unidos, que fo- ram demitidos em janeiro do ano passa- do. O protesto aconteceu nos 19 países onde a empresa tem filial, aitre os quais Argentina, Venezuela e México.

As demissões aconteceram porque os trabalhadores não aceitaram as imposi- ções feitas pelos japoneses, que passa- ram a ser acionistas majoritários em 94. A empresa demitiu todos os trabalhado- res e contratou 2.300 novos funcionári- os, com salários reduzidos em 30%, corte de benefícios e aumento da jornada de trabalho de oito para 12 horas diárias.fl

A VENDA NO CPV

^i

"Dicionário Popular de Economia Política"

Preço: R$ 4,00

3RAVE - Sindiquimica 8 à 15 Julho/96-^524

ilMTfRJM Você sabia que... dos trabalhadores rurais que estão no Movimento dos Sem Terra,,,

86% Tem pai

Lavrador

78% Pretendem plantar

para vender

88% Acham desnecessário

o uso de armas de fogo

90% São analfabetos

ou não acabaram o

Io Grau

87% Estão acampados a

menos deum ano

76% São agricultores

ou lavradores

38% São Mulheres

53% Prefere a produção

particular

79% Nunca foram proprietários

de terra

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Quinzena N0 235 - 15/08/96 18 Economia

O Plantador -Julho/96 - N" 188

74 Mortos no campo durante o Governo FHC A violência contra trabalhadores ru-

rais está se tomando marca do governo Fernando Henrique Cardoso. Após um ano e meio de seu governo, o banco de dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) contabilizou 74 mortos e dois massacres - o de Corumbiara, em agosto de 95, e o de Eldorado do Carajás, em abril de 96. Só em 1996 já foram 33 mortos. Mais que em outros tempos, as Policias Militar e Civil - responsáveis pelos dois massacres - estão implicadas nessas mortes, várias vezes em conjunto com os pistoleiros.

Esta escalada da violência deveria preocupar o governo federal a ponto de tomar medidas efetivas para combatê-la. Porém, mais uma vez, tudo fica no dis- curso. O próprio presidente FHC, após o massacre de Eldorados dos Carajás, pro- meteu mobilizar sua bancada no Con- gresso Nacional para aprovar os proje- tos de lei sobre o rito sumário, o que li- mita o uso de liminares e o que propõe o

fim dos EPMs. No entanto, não são trans- formados em lei, porque a bancada go- vemista é contra e o governo não cum- pre o esforço prometido. Em relação ao CPMF e a reforma da Previdência, o pre- sidente mostrou que quando existe von- tade do Executivo, os projetos são apro- vados. Por que não há esta mesma von- tade em relação aos projetos citados?

O governo é generoso com os ban- queiros, liberando R$ 23,9 bilhões via Proer para cobrir os rombos dos ban- queiros, complascente com os fazendei- ros deixando de cobrar o ITR de 1995, e tolera que formem milícias privadas. Por outro lado, não libera recursos para a reforma agrária e incrimina os movi- mentos que lutam por ela.

Em maio o governo lançou o Plano Nacional de Direitos Humanos que, sem medidas concretas de efetivação, é mera "carta de intenções" para melhorar a ima- gem internacional do país. O meio mais eficaz de combater o desrespeito aos di-

reitos humanos e especificamente a vio- lência no campo, é acabar com a impu- nidade e implementar imediata e ampla reforma agrária que promova um desen- volvimento sustentável.

Nas recomendações feitas pela dele- gação da Pax Christi ao governo federal, após a sua visita ao Brasil, contidas no relatório que estamos lançando, são enfatizadas a urgência da realização da reforma agrária, a necessidade do con- trole externo do Judiciário e a aprovação dos projetos de lei tipificando e punindo a prática do trabalho escravo, e extinguin- do os IPMs.

A CPT entrega este relatório ao go- verno e à sociedade, manifesta sua preo- cupação com o cresamento da violência, tendo no Estado seu principal agente, e exige a adoção imediata de medidas con- sistentes que acabem com a violência e a impunidade. □

Brasília, 17 de Julho de 1996 Comissão Pastoral da Terra

Mundo Jovem - Agosto/96 - N0 272

Arrancaram o coração humano da economia

Para muitos, o mundo da globalização competitiva é o rumo natural da história. Esse modelo de organização do trabalho que hoje domina grande parte do mundo, parece inquestionável, se não olharmos seus futos, seus resultados.

Diante da crise profunda deste mode- lo, estão se abrindo possibilidades como nunca antes, especialmente nas formas novas de organizar o trabalho, onde o tra- balhador deixa de ser assalariado, escra- vizado pelo salário, para ser dono de seu próprio trabalho, que acontece na perspec- tiva cooperativa e associativa de organi- zação da produção. É o trabalhador se organizando, buscando em conjunto, de forma solidária, resolver seus problemas.

O mundo cooperativista tem cada vez mais vantagens sobre o inundo do capi- tal privado, na medida em que estabelece laços entre seus membros que não são apenas laços comerciais, de competição, mas laços humanos e solidários.

Para o trabalhador brasileiro, também está posta a possibilidade de organizar empresas diferentes, empresas coopera- tivas, buscando o bem-estar de seus mem- bros, a solidariedade produtiva e não a competitividade excludente que constituí a empresa capitalista.

O grande desafio está em organizar redes cooperativas que levam o espírito da solidariedade, que é também um espí- rito empreendedor. É preciso que haja milhões e milhões de micro-empreendí- mentos deste tipo, vinculados entre si, criando soluções cada vez mais coletivas, sem destruir a particularidade e a singu- laridade de cada micro empreendimaito, garantindo a autonomia e mantendo a interdependência em conexão, não ape- nas comercial, mas também solidária e cooperativada.

O mundo natural não é o mundo da competição e da exclusão social, e sim o mundo da colaboração e da solidarieda-

de. Para analisar este modelo econômico globalizador e competitivo, seus fiinda- maitos e suas consequâicias e as alterna- tivas frente a esta perspectiva, entrevista- mos Marcos Amida, economista, educa- dor do PACS (Instituto de Políticas Alter- nativas para o Cone Sul), Presidaite da Comissão de Desenvolvimento Sustentá- vel, com sede em Genebra, na Suíça.

Mundo Jovem: Qual é a lógica que norteia as economias nos dias de hoje?

Marcos Arruda: Nós estamos viven- do num mundo que é cheio de conflitos e paradoxos, de coisas difíceis de enten- der. Por um lado, estamos vivendo numa época de grande progresso tecnológico, onde a humanidade evoluiu até o mais alto grau em termos de progresso técni- co. Por outro lado, estamos vivendo uma época em que nunca teve tanta gente marginalizada, excluída, faminta, empobrecida no mundo O cálculo que fiz a partir de dados da ONU é que apro-

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Quinzena N0 235 - 15/08/96 19 Economia

ximadamente 4,2 bilhões de pessoas no mundo inteiro vivem com uma média de 700 reais por ano. Portanto, é gente que vive na pobreza. Como é que a gente pode aceitar que um mundo tão avançado no campo das máquinas, da riqueza que é criada pode ter tamanha pobreza lado a lado? Então, esse é um dos problemas que está na frente, na fachada dessa lógica.

MJ: Quem está impulsionando essa lógica no mundo?

Marcos: São vários, cada vez mais diversificados. São os grandes países do hemisfério norte, são os políticos, os gran- des empresários, os grandes banqueiros, os grandes donos de terras. São esses que controlam a riqueza. Também há os mi- litares que têm uma grande força, mes- mo quando não estão no poder. Eles se deram conta, até aqui no Brasil, de que não precisam ocupar o Estado para ter poder. O melhor exemplo disso são os Estados Unidos, onde os militares são responsáveis por 70% da investigação tecnológica que acontece no país. Isso significa que eles estão controlando a maior parte da investigação científica e da aplicação dela na criação de tecnologia e fazem isso com o dinheiro público. E o povo que financia esses investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Está aí um elemento da lógica domi- nante que é espantoso. A lógica do mili- tarismo. Ela toma todo o mundo como inimigo. Antes de conhecer, de tomar contato, já foram declarados inimigos e para isso vai dinheiro e mais dinheiro, que enriquece grandes empresas que pro- duzem armamento, que arrancam um monte de recursos do investimento para o bem-estar da humanidade, para o de- senvolvimento do ser humano, e colocam esses recursos na produção de armas e de guerra. É preciso lembrar essa coisa estranhíssima: para os governos, para os militares e para as armas, o mercado é a guerra, não é a paz. Quanto mais guerra, mais se vendem armas. Então, quem faz armas quer guerra, quer violência para ter mercado. Quem faz remédio, quer doença para poder vender seus remédi- os. Tudo isso faz parte dessa louca lógi- ca que predomina no mundo hoje.

MJ: O que fundamenta esta lógica dominante?

Marcos: A grande bandeira que foi lançada para o mundo, desde a segunda guerra mundial para cá, é a bandeira do

desenvolvimento econômico, do desen- volvimento reduzido à economia e os que lançam esta proposta têm essa concep- ção: desenvolvimento é igual a crescimen- to econômico. Então, crescendo a econo- mia, tudo se resolve. E se resolve como? Através do mercado: uns produzem e ofe- recem, outros demandam e compram. E esse é o jogo, vender e comprar, oferecer e demandar. Resolve o problema da ne- cessidade. Só que quanto mais o tempo passa, mais a gente vai vendo que não acontecem como o previsto. Em vez de haver cada vez mais produtores oferecen- do bens e serviços para os que precisam, existe um número cada vez menor de empresas cada vez maiores, controlando o mercado e manipulando os preços. En- tão, onde existe oligopólios e cartéis, cada vez são mais os ditadores dos preços para a sociedade. Os ditadores dos gostos da sociedade, os ditadores da tecnologia através do que decidem pesquisar e criar como tecnologia e produtos. Na verda- de, o mundo dessa lógica do lucro e da competição globalizada, tem transforma- do cada vez menos pessoas em mais po- derosas. Isso é o mais grave. Portanto, a tendência do mundo atual é para um cres- cente totalitarismo.

"Esse mundo e essa lógica da globalização personaliza- ram a riqueza e o dinheiro e aoisificaram o ser hmano".

MJ: Epossível afirmar que essa ló- gica é uma lógica anti-humana?

Marcos: Certamente. Veja só, nós estamos vivendo num mundo que tem como valor central o capital. Capital é o grande negócio, não é o ser humano que conta. As armas, a riqueza se mobiliza para proteger a riqueza, o capital, o di- nheiro. Então, a pergunta que devemos fazer é a seguinte: quem é que cria capi- tal, quem é que cria riqueza? E o traba- lho humano e o trabalhador. E o ser hu- mano. No entanto, o capital foi arranca- do do homem que ficou só aquela carca- ça, aquele esqueleto que é o valor que todo o mundo adora, como um "bezerro de ouro". Tudo o que é riqueza, bens materiais, parece que ganharam vida pró- pria. Eles se personalizaram e o ser hu- mano perdeu a sua humanidade e virou fator de produção, virou coisa, foi coisifícado. Então, esse mundo e essa

lógica personalizaram a riqueza e o di- nheiro e coisificaram o ser humano. E por isso que o ser humano está do jeito que está. Às vezes, para sobreviver, uma jo- vem é obrigada a se prostituir, porque ela vai ganhar 100 vezes o que ganharia se fosse se empregar numa casa de família, numa fábrica, para ganhar salário míni- mo. Então, ela escolhe se desumanizar na prostituição porque vai ganhar mais: é o rei dinheiro dominando a vida do ser humano e assim mil outros exemplos.

MJ: Qual é a face dessa lógica no Brasil?

Marcos: O que nós vemos hoje no Bra- sil também é um lamentável quadro, onde o governo tomou o poder com uma pro- posta, no papel, como social-democrata, que quer dizer, um governo que concentrar seus recursos, suas pnoridades com gastos sodais, nas necessidades da população, das maiorias. Para isso, vai recolher riquezas, dividir riquezas, vai fazer a reforma agrá- ria, vai demarcar as terras indígenas, vai fazer tudo o que é preciso para colocar o social acima do econômico. Um ano e meio depois, a gaite fazendo o balanço, vê que aconteceu, mais uma vez, o contráno. O que o Governo FHC fez foi dar total prio- ridade aos empresários, aos banqueiros às custas dos trabalhadores. Então, aí vão 5,5 bilhões de dólares de benefícios aos usineiros da cana-de-açúcar que estão nes- te momento sonegando o álcool para pres- sionar o aumento do preço. A vão 5 bi- lhões de dólares para os responsáveis da quebra do Banco Nacional, para tirá-lo do buraco. A vão 3,5 bilhões de dólares para os que vão comprar o Banco Econômico. Então, quando a gaite pega toda a história de um ano e meio de escândalos do Gover- no Federal, nós perguntamos que lógica esse governo está seguindo? E a mesma lógica global, dessa globalização competitiva, desumanizante que nós falamos. Só que ainda é mais grave porque, no caso do Bra- sil, o que o governo está fazendo é seguin- do os conselhos do Banco Mundial e do FMI, que manda o capital funcionar livre- maite em todos os mercados do país. Para isso estão privatizando, aceleradamaite e san critérios adequados, as empresas esta- tais, entregando a preço de banana o patrimônio público para o setor privado, facilitando que anpresas estrangaras as comprem, abrindo os mercados do país para a competição estrangara, defonna não pla- nificada. Aceitam que as importações te-

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Quinzena N° 235 -15/08/96 20 Economia

nham taxas e tarifas inferiores e com isso as importações invadem os mercados do país, de uma forma tão sem planejamento, que rapidamente empresas brasileiras vão à falência, pedem concordata e jogam na rua milhares e milhares de trabalhadores. E ainda criam um desemprego para aque- les que antes se dedicavam a produzir pro- dutos que hoje não podem mais competir por causa das importações.

MJ: Diante dessa tragédia, quais as apostas, as esperanças que podem sus- tentar a juventude brasileira?

Marcos: Com toda essa tragédia que a gente vive no mundo civilizado de hoje, nós dizemos ou ouvimos dizer: a humanidade é naturalmente agressiva; o ser humano é naturalmente lobo do ser humano; o ser humano é naturalmente competitivo e ini- migo do outro ser humano. Daí que o con- selho é que cada um tome conta de si pró- prio, cada um se vire de qualquer maneira e com qualquer meio, e se não fizer isso, o outro faz em cima de você; pisa no outro, saião o outro vai pisar em você. Essa lógi- ca tem justificado tudo o que nós estamos vivendo, tudo o que a gente falou agora.

"O mundo coqperativado tem cada vez mais vantagens scbre o nundo do capital privado"

Mas, os antropólogos, os geólogos, os biólogos que têm estudado a evolução da humanidade a partir da evolução da vida, chegaram a uma conclusão interessantíssi- ma: essa história de 5 mil anos de proprie- dade privada, de agricultura sedaitária e de gana de controlar e possuir cada vez mais as coisas às custas de outros que não pos- suem nada, foi antecedida por cerca de três milhões e quinhentos mil anos de uma his- tória em que a humanidade em evolução, até chegar ao que somos hoje, só conse- guiu chegar aqui devido à sua natureza colaborativa, cooperativa e solidána.

Nós éramos e ainda somos os animais mais vulneráveis, mais indefesos e desprotegidos de todo o mundo da natu- reza. Foi nos unindo, enfrentando coo- perati vãmente os problemas, que nós che- gamos aonde estamos. Conclusão disso: a nossa bandeira de democracia participativa, participação popular, de solidariedade, de cooperação, de fraterni-

dade e irmandade, de igualdade, de apoio mútuo, essas bandeiras é que são as ban- deiras naturais da nossa evolução. São elas que correspondem a nossa mais produnda natureza e o mundo fragmen- tado, dividido, transformado em mundo de guerras, inimizades e opressões, esse é o mundo anti-natural. São eles que de- fendem esse mundo que estão nadando contra a correnteza da evolução e nós é que estamos defendendo o sentido verda- deiro da evolução. Isso aí nos dá muita força porque agora a gente se sente alia- do à própria natureza que levou a vida até o grau de evolução onde nos encon- tramos e vai continuar, com o ser huma- no ou sem o ser humano. E o que a natu- reza pede, ela como nossa mãe, material e física, é que a gente colabore com ela para que essa evolução vá adiante e não voltar para trás.

Isso aí nos traz muita força nesta convicção de sonhar com um mundo que na verdade é o mundo mais natu- ral, mais real. Esse mundo louco de violência, de divisão que existe, é o mundo anti -natural. O

Opinião Socialista - 26/07 à 02/08/96 - N" 8

Globalização aumenta pobreza no planeta Relatório da ONU revela crescimento da desigualdade social

Wilsdii II. da Silva

O Relatório de Desenvolvimento Hu- mano, um documento de 230 páginas preparado pela Organização das Nações Unidas (ONU) a partir de pesquisas rea- lizadas em 174 países e divulgado no dia 16 de julho, nos permite tirar duas con- clusões categóricas: 1) nos últimos quin- ze anos houve um monstaioso aumento no abismo que separa ricos e pobres; 2) esse aumento foi provocado pelos "pla- nos de ajuste" e o chamado processo de globalização que segue o receituário do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O relatório afinna que nas últimas três décadas o mundo registrou um crescimen- to econômico sem precedentes. O comér- cio mundial, por exemplo, triplicou en- tre 1%5 e 1990. Mas, por trás desses números se esconde uma caiei realidade.

Segundo o relatório, em 1993, a ri- queza mundial era calculada em US$ 23 trilhões. De todo esse dinheiro, apenas US$ 5 trilhões circularam nos chamados países em desenvolvimento, onde reside

Alto desenvolvimento humano

Adultos alfabetizados (em%)

PIB real "per capita" (em US$)

Índice de desenvolvimento humano

1) Canadá 99,00 20.950,00 0,951

30) Argentina 96,00 8.350,00 0,885

32) Uruguai 97,00 6.550,00 0,883

33) Chile 94,70 8.900,00 0,882

Médio desenvolvimento humeno

Adultos alfabetizados (em%)

PIB real "per capita" (emUS$)

índice de desenvolvimento humano

58) Brasil 82,40 5.500,00 0,796

64)Equador 89,00 4.400,00 0,764

85) Paraguai 91,50 3.340,00 0,704

91) Peru 87,80 3.320,00 0,694

80% da população. Ou seja, cerca de 78% da renda mundial está nas mãos das prin- cipais potências industriais. Mas isso não

é tudo. Há 30 anos, os 20% mais pobres da população mundial detinham 2,4% da renda produzida no mundo; hoje esse se-

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-ii: íííííííí; :íí:

Quinzena N0 235 -15/08/96 21 Economia

tor só detém 1,4% dessa renda. Já entre os 20% mais ricos, a concentração da ri- queza saltou de 70% para 85% da renda mundial.

Outra expressão desse absurdo grau de desigualdades existente no mundo é que os bens concentrados nas mãos de 358 multibilionários são maiores do que a renda anual de 45% dos habitantes do planeta, Em outras palavras, 358 hiper- ricos têm mais dinheiro que 2,3 bilhões de superpobres.

Esse abismo entre ricos e pobres pode ser verificado ainda pela diferença entre a renda per capita nos "países em desen- volvimento" e os industrializados. Entre os 20% mais pobres, que vivem na Amé- rica Latina, Ásia e África, a média é de US$ 564. Esse valor corresponde a 10,5% da média dos mais ricos, que é de US$ 5.370.

Devido a isto, hoje, 33% da popula- ção dos paises em desenvolvimento - aproximadamente 1,3 bilhão de pessoas - vive abaixo do nível de pobreza (cujo critério é determinado por pessoas que ganham menos de um dólar por dia), E mais, o relatório da ONU caracteriza que quase um bilhão de pessoas vive numa situação chamada de "privação de capa- cidade", ou seja, não têm as condições mínimas de saúde, educação ou renda que lhes permita sair da miséria, São os cha- mados miseráveis crônicos.

As consequàicias disso são dramáticas. Só para citar alguns exemplos, basta dizer que cerca de 17 milhões de pessoas mor- rem dianamente de infecções e doenças causadas por parasitas; 405 milhões de cri- anças estão fora da escola e 500 milhões de pessoas são cronicamente desnutridas.

Esses números demonstram que o pro- cesso de globalização do capital para os trabalhadores significa a mundialização da pobreza.

Miséria chega às grandes potências

O relatório da ONU não deixa de ser um belo exemplo de hipocrisia. Em suas conclusões, os técnicos das Nações Uni- das afirmam que na raiz das enormes desigualdades existentes no mundo es- tão os "planos de ajuste" promovidos pelo FMI.

Segundo o relatório, o processo de globalização, apesar de ter promovido o

crescimento econômico em escala mun- dial é "um fenômeno concentrador de ren- da e que tem, nos últimos anos, aumen- tado o desemprego no mundo" (Gazeta Meroantil, 16/07/96),

As conseqüências disso podem ser fácil e tragicamente verificadas nos paí- ses pobres, Mas mesmo entre os ricos, a situação não é diferente. Sabe-se, por exemplo, que em 40% dos 46 paises que apresentaram uma alta taxa de crescimen- to econômico nos últimos dez anos, hou- ve um aumento do desemprego,

Para dar um exemplo do significado disso, basta dizer que somente nos países industrializados, há 35 milhões de desem- pregados e, na União Européia, o desem- prego não pára de crescer desde 1974, ten- do atingido uma média de 11%, em 1995,

A globalização, os planos de ajuste do FMI e a reestruturação produtiva são as formas selvagens com que o capitalis- mo tenta superar sua crise e aumentar a margem dos seus lucros às custas de uma brutal superexploração dos trabalhado- res em todos os cantos do planeta.

Brasil é campeão de desigualdade

O relatório da ONU classificou todos os países pesquisados de acordo com um índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado a partir da expectativa de vida, do nível educacional e do rendi- mento real da população. De acordo com o IDH, o Brasil está em 58° lugar, atrás de paises como Colômbia e a Malásia, Nosso país, ainda, tem a pior distribui- ção de renda da América Latina e, junta- mente com a Guatemala e o Panamá, a pior do mundo.

Números indicam hiper-exploracâo

No Brasil, os 20% mais ricos têm uma renda anual 32 vezes maior do que os 20% mais pobres. Cerca de 38% da po- pulação vive abaixo do nível de pobreza. Apenas 4,6 do Produto Nacional Bruto (PNB) é destinado à educação (na Venezuela o mesmo setor recebe 5,3%, na Malásia, 5,5% e no Quênia, 5,4%.

Para a saúde são destinados míseros 2,8% do PNB (no Chile, nesta área, são destinados 3,4% e na Nicarágua 6,7%). Apesar do país ter um nível de alfabeti- zação razoavelmente alto (82,4%), o percentual de crianças e jovens matricu-

lados em todo o sistema educacional não passa de 50% do total.

O blá-blá-blá hipócrita de FHC

Em um texto publicado no Relitorio do Desenvolvimento Humano da ONU, o presidente Fernando Henrique defende uma globalização que "atinja uma dimen- são humana" e assegure a igualdade atra- vés da conquista de "utopias parciais", Se não bastasse o fato de que as "belas" palavras do letrado presidente são com- pletamente vazias, é bom lembrar que é o próprio FHC o primeiro a defender o receítuário do FMI, o principal respon- sável pela miséria nada "humana" do país, Mas justiça seja feita, há setores sociais que já foram agraciados com as "utopias parciais" de FHC: os banquei- ros e os usineiros por exemplo, H

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Quinzena N0 235 -15/08/96 22 Economia

ADUFFSSind - ANDES - Junho/96 - N» 9

Plano real completa dois anos com a marca do desemprego

O Plano Real está completando dois anos no dia 1° de julho. Para comemo- rar, o governo anuncia uma campanha, junto com o comércio e a indústria , pela qual, durante um mês, fíreços e tarifas voltam aos patamares de julho de 1994. Mas para o consumidor de renda média e trabalhadores assalariados, fica uma pergunta: há de fato o que comemorar? Nestes dois anos, as taxas de desempre- go vêm vêm se agravando e atingindo índices preocupantes: em cinco regiões metropolitanas, os desempregados já pas- sam de 2 milhões de pessoas, um total maior que a população de muitos países. Só na grande São Paulo, há registro de 1.363.000 pessoas sem trabalho, segun- do dados da Pesquisa de Emprego e De- semprego, realizada pela Fundação Seade e pelo Dieese.

Na outra ponta do novelo, há o fenô- meno pelo desindustrialização, provoca- do pelo desaquecimento da economia, que acaba gerando o fechamento de fábricas ou a desaceleração da produção. Além disso, não se pode esquecer que, antes do lançamento do plano de estabilização, os preços subiram assustadoramente, dei- xando para trás, de longe, os salários. Passada a euforia inicial pela estabiliza- ção dos preços no início do real, a classe média começa a constatar uma inegável queda do seu poder aquisitivo, com a desindexação dos salários, que pôs fim aos reajustes periódicos. Ainda segundo o Dieese, até março de 1995 os trabalha- dores com rendimentos mensal acima de R$ 1.600,00 acumulavam uma perda de 6,1% no poder aquisitivo. Em junho de 1995, o quadro era bem diferente, com um ganho de 12,6%.

Estabilização - O economista Ademir Figueiredo, do escritório do Dieese no Rio, reconhece que o Plano Real tem um dado positivo, que é o da estabilização dos preços. Num sistema inflacionário, por mais que o trabalhador crie mecanis- mos de defesa de salários, ele está sem- pre correndo atrás da inflação, que é um sistema de expropriação de renda violen- to. "Mas a estabilização não pode ser um fim em si mesmo" - ressalva. "E preciso

que haja melhoria nas condições de vida da população".

E aí que aparecem os pontos negati- vos do Plano Real, já que o remédio para acabar com a inflação passa pelo desem- prego. "A política econômica que dá sus- tentação à estabilidade tem uma âncora cambial que está levando a uma sobrevalorização do real, que, associada a uma abertura da economia, faz com que a atividade industrial seja paralisada, le- vando até a uma desindustrialização de certos setores, provocando desemprego industrial" - explica o economista Ademir Figueiredo. A isso se junta o desempre- go estrutural histórico e outros tipos de desemprego promovidos pelas novas for- mas de gestão ou de processos de produ- ção, na medida em que as empresas pas- sam a se referir a um mercado internaci- onal, que promove a competitividade eco- nômica, privilegiando o enxugamento da mão-de-obra.

Ademir Figueiredo esclarece ainda que esse modelo está centrado numa bus- ca de financiamento externo, que vem elevando a dívida externa (151 bilhões de reais no final de maio). Esse endividamento faz com que o governo mantenha muito elevadas as taxas de ju- ros, restringindo o próprio crescimento da economia. Ademir aponta ainda como outro ponto vulnerável do modelo eco- nômico em curso a questão da sobera- nia. "Esses capitais do mercado interna- cional chamado voláteis não têm nenhum compromisso social ou com desenvolvi- mento, só visam o ganho imediato. Isso faz com que todo o financiamento desse modelo fique vulnerável a decisões toma- das fora do país, o que, muitas vezes, gera problemas, como já ocorreu no México e na Argentina".

Funcionalismo - Uma das categorias mais prejudicadas com o advento do Pla- no Real foi, sem dúvida, o funcionalis- mo público. Documento do Ministério da Fazenda, de junho deste ano, denomina- do "Avaliação de 24 Meses do Plano Real", ao avaliar o desempenho fiscal aponta um aumento de 25% nas despe- sas do governo em 1995. Segundo o es-

tudo, este aumento sena decorrente da elevação de gastos com pessoal, encar- gos sociais e benefícios previdenciários. "Mas se o funcionalismo está com o sa- lário congelado há 17 meses e as vagas abertas com aposentadorias não estão sendo repostas, o que justifica essa asso- ciação?" - indaga Ademir.

"A estabilização de fato teve um efei- to imediato nas faixas da população que têm seus gastos quase todos voltados para a alimentação, mas o preço pago por isso foi alto e o governo esquece que, antes de entrarmos na era do real, os preços dispararam violentamente" - reage. "O governo acaba tomando como referência apenas o período do real, como se o perí- odo anterior não existisse". Neste senti- do, até a melhoria dessa parcela mais pobre da população é muito relativa.

Fim da data-base - A partir de julho, de acordo com a medida provisória da desindexação, acaba o repasse da infla- ção aos salários, passando a vigorar a livre-negociação entre patrões e empre- gados. No caso dos servidores, o gover- no já anunciou que não dará aumento, apenas pretende estudar a correção de alguns casos que considera defasados. Com a MP da desindexação, as anteci- pações salariais e a reposição anual da inflação estarão, agora, cada vez mais distantes da realidade do trabalhador.

Na ótica do governo, a redução da inflação não justificaria os aumentos sa- lariais. Estes ocorreriam espontaneamen- te à medida que a inflação baixar. De posse deste argumento, o governo já pla- neja acabar com a data-base. O primeiro laboratório experimental aconteceu em janeiro, quando o governo ignorou sole- nemente a data-base do funcionalismo público federal, que há 18 meses não tem reajuste salarial.

Taxas de desemprego - Segundo o documento Dados Sobre a Situação dos Trabalhadores no Brasil - Subsídios á Greve Geral de 21/06/96, do Dieese, "o desemprego vem atin^ÍTdo nívRs expres- sivos neste ano, invariavelmente superi- ores aos de um ano atrás. Em abril, a taxa de desemprego bateu todos os re-

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Quinzena N0 235 -15/08/96 23 Economia

cordes no Distrito Federal - revela o do- cumento, acrescentando que apenas em cinco regiões metropolitanas, mais de 2 milhões de pessoas estão desempregadas. Abaixo, reproduzimos tabela sobre de- semprego divulgada pelo Dieese:

Veja tabela ao lado.

Meses Brasília Belo Horizonte Curitiba Porto Alegre São Paulo

Julho/94 K8 N/D N/D 12.9 14,5

Abril/95 15,3 N/D 10,5 9.8 13.5

Jimeiro/96 16,8 11,8 11.9 10.8 13.1

Fevere(ro/96 16,7 12,7 12,6 11.3 13,8

Março/96 17.2 13,5 13,5 13,1 15,0

Abril/96 17,6 13,9 13.2 13,8 15,9

Fonte: DtoaMSotKMpafdec/Codeptan/FJP/FEE/SacratariM do Tiabotw. PED» - Psiquisat da Emprego* Onaavrago

Novos Tempos - Junho/96 - N" 90

Brasileiros chacinam brasileiros! A crise do neo-liberalismo entra em parafuso - Os sinistros da Globalização

e da Privatização -As tragédias do desemprego A crise do capitalismo a nivel mun-

dial assume proporções perigosas nesse primeiro semestre de 1^96, o que obri- ga ao presidente Clinton a sair de visita aos seus aliados (os atuais governos do Japão e da Rússia) a fim de garantir a permanência deles na órbita do imperi- alismo norte-americano. A restauração da antiga União Soviética (já que os co- munistas voltaram ao poder na Polônia, Hungria, Bulgária, Lituânia, etc.) com a eleição já assegurada de um governo marxista em Moscou, é o que mais apa- vora os Estados Unidos. Mais do que isso, apavoram-lhes as últimas eleições italianas nas quais os comunistas saíram vitoriosos, apesar de lá se assentar o Vaticano

E que, com a euforia surgida da der- rubada do Muro de Berlim, os escribas do imperialismo decretaram o fim da História, a morte do marxismo. O fim do comunismo e da "guerra fria". Pura ilusão! A "guerra fria" (que foi uma in- venção do capitalismo contra o socialis- mo) continua no Oriente Médio, em vias de genocídios como o que foi feito pe- los Estados Unidos e seus aliados no Iraque, no Panamá e no Haiti. Continu- am eles com o criminoso cerco a Cuba, as suas ameaças á Líbia e Irã e seu estí- mulo ás matanças de Israel no Líbano e na Palestina; da Turquia no Kurdistão; da Chechênia na Rússia e da OTAN nos Bálcãs; dos ingleses na Irlanda, da Indonésia no Timor e as matanças de Fujimori, no Peru, e de Samper na Co- lômbia, etc.

A globalização e a privatização

Com a concentração dos capitais na transformação dos grandes bancos inter- nacionais em monopolistas do capital fi-

nanceiro (comandado pelo Banco Mun- dial e os Bancos de Rockfeller e dos Morgans, todos avalizados pelo Fundo Monetário Internacional, o famigerado FMI), e com a informatização das co- municações a nível planetário, o dinhei- ro se tomou volátil: pode estar agora em São Paulo e minutos depois se mudar para Tóquio, Berlim, Nova Iorque, por- que o neo-liberalismo (a democracia que os gringos tratam de inculcar nos brasi- leiros) é contra fronteiras nacionais e acha que as riquezas dos povos podem escorrer para onde o capitalismo sentir sede de dinheiro, de armas ou de sangue dos soldados a seu serviço.

Para aumentar o caudal de capitais volatizados e enfraquecer a soberania dos povos, o neo-liberalismo ímperialis- ta busca impor em todo o mundo a privatização das grandes empresas estra- tégicas que sustentam a independência econômica dos países, como a Petrobrás, Petróleo Mexicano, Vale do Rio Doce, Yacimientos Físcales na Argentina, etc. E haja meter na cabeça dos analfabetos em economia política a falácia do êxito capitalista: " competitividade do produ- to, diversificação dos investimentos e pique tecnológico". A União Soviética, de país atrasado chegou a ser a potência mundial, montada sobre outras premis- sas: "o anti-caos nos investimentos, me- diante famosos Planos Qüinqüenais co- erentes com o Cálculo Econômico; a Emulação e o pique tecnológico tão alto em algumas áreas que chegou a mandar o primeio homem, (gagarin), ao espaço; mandou robôs á Lua e a Vênus e cons- truiu a única Estação Espacial, hoje parasitada pelos Estados Unidos e ou- tros países capitalistas, porque a técnica competitiva" deles não alcançou para

igualar-se à emulação tecnológica espa- cial dos soviéticos. E tudo isso foi feito sem fome, sem pedintes, sem drogas, com pleno emprego, com educação e medicina gratuitas para todos os seus cidadãos.

A guerra do desemprego

As conseguências que advêm da si- nistra influência do neoliberalismo no Brasil responsável pelo agravamento da crise estrutural do emprego estão levan- do-nos a uma verdadeira guerra fraticida. Segundo a Folha de São Paulo, o número de assassinatos em São Paulo este ano alcançará a dez mil vítimas, no que supe- rará o Rio de Janeiro, onde se registrou uma média de 30 homicídios por dia.

Segundo a mesma fonte, de cada dois dias ocorrem no Brasil uma chacina de favelados, ou de presos ou de campone- ses, ou de operários ou de "meninos de rua", etc; em nosso país, em cada se- mana eclodem uma rebelião, nos esta- belecimentos penais, já tão absurdamen- te lotados de delinqüentes, a maioria dos quais vítimas do desemprego, cada dia mais crescente.

Os salános dos trabalhadores e as apo- saitadorias entram em estertor. Ora, com o empobrecimento das grandes massas, incrementa-se a matação na indústria (fa- zaido surgir a indústria de pé de escada, de fundo de quintal, a "sulanca") e a "Síndrome da Sulanca" (da matação) al- cança os serviços médicos e provocando a "matança" da Hemodiálise de Caruaru.

Como se não bastasse as bilionárias e criminosas dívidas dos nossos capitalis- tas à Previdâicia, o Governo desloca bi- lhões de reais para fechar os rombos dos ladrões dos bancos em falâicia, como o do Agnelo Calmou de Sá na Bahia.

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Quinzena N0 235 -15/08/96 24 Nacional

Além dos vergonhosos despojos da Pre- vidência, o neoliberalismo propõe ainda a sua reforma, a fim de entregar os trabalha- dores e fundonários à sanha dos capitalis- tas nacionais e do capital financeiro mun- dial volátil, assegurando nos "paraísos fis- cais" que os imperialismos do Grupo dos Sete necessitam para subjugar os outros paises, a fim de se livrar da avalanche do desemprego que os avassala. Na Espanha, por exemplo, um quarto da população eco- nomicamente ativa está desempregada.

Para evitar o agravamento da guerra civil do desemprego o nosso Exército interviu no Rio de de Janeiro e, agora, no Pará, onde os policiais, aliados aos trafi- cantes e aos latifundiários promovem ma- tanças de desempregados: o do Rio que, para sobreviver, vendem drogas e os do Pará (igual ao de Rondônia no ano passa- do) para matar a fome dos seus filhos tra- tam de recuperar as terras que os latifun- diários monopolizam e mantêm SEM

cultivos ou tratam de buscar a sobrevi- vência nos garimpos.

O neo-liberalismo, como se pode ver, está conduzindo o Mundo todo a catástro- fes, a holocaustos, pela via do desempre- go galopante que suas próprias teses ge- ram. E é por essa razão que das guerras civis do desemprego que o neo-liberalis- mo provoca não escapará o Brasil, a me- nos que o País ingresse logo no inevitável processo de transformações estruturais encabeçado pelos trabalhadores organiza- dos das adades e do campo.

Retrato do Brasil - os números do atraso

No Brasil, 41,9 milhões de pessoas são consideradas pobres, o que eqüivale a 26,8% da população. Do total de po- bres, 16,6 milhões são indigentes, saí- do 42,5% da área rural. A parcela mais rica da população (1%) fica com 13,9% da renda gerada no país. A parcela mais pobre (50%) só tem 12,1% da renda do

país. Existem no País 20,2 milhões de analfabetos com 10 ou mais anos de ida- de. Entre os trabalhadores, 52% ganham menos de 2 salários mínimos. Entre crian- ças de 10 a 14 anos, 16,9% já trabalham. Entre os idosos, 3,1 milhões ou o equiva- lente a 31 % do total não recebem auxílio da seguridade social. A esperança de vida é de 49 a 65 anos. Na área airal, apenas 12% da população dispõe de instalações sanitárias. Morrem 51,6 cnanças de cada mil que nascem. No sul do país, a mortali- dade infantil é de 26,7 por mil nascidos vivos. No nordeste, a mortalidade é de 88,2 por cnanças nasadas vivas. De todas as crianças, 4 milhões não freqüentam a es- cola. Apenas 34% dos que ingressam no ensino básico conseguem concluí-lo. Fo- ram criados 18 milhões de empregos entre 1980 e 1992, mas o salário real médio sofreu uma redução de 14%. G

Fonte: Relatório do Itamaraty (Cor- reio Brasiliense, 09.03.95)

Jornal do SINTTEL-RJ - Julho/96 - N0 540

Breve dicionário brasileiro Reengenharia significa dar ré naqui-

lo que a engenharia abriga em seus pré- dios de escritórios e firmas. O que avan- ça a acumulação do capital. Trata-se da geometria da qualificação de recursos humanos, pela qual cria-se uma aristo- cracia tecnológica submetida à paranóia do desemprego. Quem vestia a camisa da empresa deve agora, vestir a pele.

Globalização é o processo semânti- co pelo qual se induz que é bom para o Brasil o que não é bom para o Primeiro Mundo, como a privatização acelerada de empresas públicas lucrativas tipo Vale do Rio Doce e Petrobrás. Assim, arredonda-se o espírito despojado de qualquer respeito á soberania nacional, dilapidando o patrimônio público que, privatizado, é amealhado por empresas públicas estrangeiras, como ocorreu com a Light, agora propriedade de uma esta- tal francesa.

Custo Brasil é o que se paga em mi- séria e desemprego para sustentar a es- tabilidade do Real, mormente em ano eleitoral. E o paradoxo entre o governo rico de uma nação pobre. Nos cofres públicos, a poupança de cerca de R$ 50 bilhões. Nas áreas da Saúde e da Educa- ção, a indigência material, moral e cultu-

Frei lletto

ral. Aplica-se também a quem exclama: "Custo-me crer no que o governo anda desfazendo".

Questão social é a que rege os sócios do governo. "Tupi and not to be". Tro- car dívidas por votos e apoios eleitorais por cargos. Enquanto a maioria da po- pulação desce pelo elevador de serviço (o desemprego obriga muitos a rolarem escada abaixo), o governo, cortando fun- cionários e arrochando salários, sobe rápido pelo elevador social. Agora, em vez de "tudo pelo social", o lema é "tudo pelo eleitoral".

Dívida pública é o calote oficial nos credores. Assumida, porém, pelo consu- midor obrigado a arcar com juros extorsivos, abusivos, explosivos de qual- quer orçamento doméstico.

Congresso Nacional é um expressivo edifício em forma de duas cuias vazias, uma de boca para baixo e, outra, de boca para cima. Ali abriga-se o senatório e o deputódromo, onde homens de mulheres desfilam revestidos de mandatos popula- res, sobretudo quando se acendem os re- fletores de TV. Alguns agem, primeiro, em função de seus próprios interesses, embo- ra haja louváveis exceções, que quase nun- ca merecem destaque na mídia.

Estabilização é a capacidade de esta- cionar o progresso do país em índices afri- canos, e ao mesmo tempo, tomar estável no poder o grupo que o governa. Quem já foi príncipe sempre sonha ser rei.

Reforma é um conjunto de projetos que o governo remete ao Congresso para ver-se livre da nação. É como se você reformasse a casa ampliando sua suíte graças "a supressão dos quartos dos fi- lhos. No conjunto de reformas estão ex- cluídas a agrária, a urbana, a tributária e a educacional. Enfim, tudo que ameace privilégios de classe e de casta.

Medida provisória é uma decisão que, ao arrepio do parlamento, o gover- no toma como definitiva. Quando quer governar, o presidente lança mão de medidas provisórias. Quando quer bar- ganhar, envia projetos ao deputódromo e ao senatório.

Privatização é tomar privado o inte- resse público. E fazer na vida pública o mesmo que se faz na privada. Pela privatização, o governo toma-se coisa privada de coligação direita-direitíssima; o Banco Central socorre bancos priva- dos com dinheiro público; e os minis- tros suprimem os serviços públicos em benefício de empresas privadas - das

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Quinzena N0 235-15/08/96 25 Nacional

quais já foram ou serão altos executivos. Bem previu Caminha, "neste pais em se plantando, colhe-se".

Emprego é um vocábulo que, na An- tigüidade, significa ocupação digna e

estável pela qual se obtinha o sustento familiar. Hoje, é uma questão de sorte.

Brasil deriva de pau-brasil, nome de vegetal do qual se extrai a tintura avermelhada outrora utilizada em teci-

dos, pinturas e iluminuras de manuscritos. É a única piada de português na qual os brasileiros não acham a menor graça. Cl

Frei Betto é escritor.

Questão de Ordem - PCdoB/SP - 01 a 15 de Julho/96

Globalização, neolíberalismo epoder local Às vésperas das eleições municipais,

quando serão eleitos prefeitos e verea- dores em todas as cidades do Brasil, é importante refletirmos sobre a questão do poder local num contexto social e econômico marcado cada vez mais pelo fenômeno da globalização.

A globalização, termo emprestado do mundo das finanças e inicialmente utilizado para qualificar o aprofunda- mento do processo de internacionaliza- ção dos capitais facilitado pela desregu- lamentação dos mercados e pelas ino- vações tecnológicas nas áreas de informática e telecomunicações, ga- nhou um significado e conteúdo mais amplo. Por globalização entende-se hoje o aprofundamento sem preceden- tes do processo de aiptura dos limites nacionais nos campos das finanças, da produção, do comércio, da cultura e das relações políticas.

A globalização, assim entendida, tor- na obsoletas as estaituras tradicionais de intermediação entre o indivíduo e o mun- do. É o salto mortal do micro para o macro, do local para o global, dispen- sando intermediações. É a empresa de-

Aldo Rebelo*

cidindo sua estratégia competitiva ten- do como pano de fundo nada menos que o mundo. E indivíduo pingado numa rede mundial de computadores, onde se conversa simultaneamente com pessoas da Austrália, do Japão e da Europa como se fosse aquele velho papo no buteco da esquina no fim do expediente.

Paradoxalmente, num mundo globa- lizado, o indivíduo surge como o centro de tudo. Daí a afinidade entre o pensamai- to neoliberal, que valoriza acima de tudo a ação individual em busca do interesse pró- prio como princípio estruturante da soci- edade, e a idéia de globalização.

A globalização não aponta, como a palavra poderia levar a supor, para ne- nhum processo estruturante, articulado. Aponta para a fragmentação, para a im- possibilidade de análises globalizantes que dêem conta do todo.

A ênfase no indivíduo transporta para o plano espacial, transfonna-se na ênfase na questão local. A ma, o bairro, quando muito as cidades passam a ser considera- das a unidade política relevante para efei- to do exercício efetivo da democracia, uma vez que ultrapassado esse limite lo-

cal vem o mundo sobre o qual não existe possibilidade efetiva de governa- bilidade e portanto de exercício da cidadania.

Não é a toa, portanto, quem num mundo cada vez mais globalizado, se va- lorize cada vez mais as ações locais, dis- persas, fragmentadas. O global e o local não se contrapõem. São as duas faces da mesma moeda.

É preciso cuidado para não cair nes- sa armadilha. Ajusta e correta ênfase na questão do poder local como local privilegiado no exercício da cidadania não pode resvalar para o perigoso ca- minho de considerar-se a dimensão lo- cal, como o último reduto da democra- cia e desistir da possibilidade de pen- sar a nação como um todo.

Assim como rejeitamos o princípio liberal de que o bem comum surge natu- ralmente na busca individual do lucro também temos que estar atentos para não cair na esparrela de achar que da busca isolada dos interesses locais será construída uma nação solidária. 3

* Jornalista e deputado federal pelo PCdoB/SP.

Vida Pastoral - Setembro/Outubro/96 - N0 190

Solidariedade e política A Campanha da Fraternidade deste

ano teve, como tema "Fraternidade e Po- lítica". O tema não poderia ter sido mais oportuno, neste ano em que vão ser rea- lizadas as eleições municipais. Teremos a oportunidade de eleger prefeitos e ve- readores comprometidos com um pro- jeto de justiça social, de melhoria das condições de vida das classes populares, de investimento em saneamento básico, em infra-estrutura, de reforço e aprofundamento da democracia. Neste artigo, vamos fazer uma análise do con- texto internacional, do governo Fernando Hairique Cardoso e, finalmente, abordar a questão do governo municipal e de nos-

Ivo Leshatipin

sa responsabilidade neste ano eleitoral. 1 - Contexto internacional:

o neoliberalismo Nos últimos anos vem se difundin-

do, com extraordinária rapidez, a idéia de que a causa da crise econômica se si- tua no Estado, no setor público; de que a solução se encontra na iniciativa priva- da e, portanto, na privatização das em- presas públicas; de que as políticas so- ciais (saúde, educação, habitação, em- prego) devem ser transferidas para a res- ponsabilidade do indivíduo e não do Estado ou, em outras palavras, para o mercado. O mercado tomou-se o "deus salvador" da humanidade: se todos se

entregarem a ele, se os governantes dei- xarem de procurar regular a economia, tudo será melhor.

Essas idéias são defendidas explicita e implicitamente em jornais, revistas, na mídia especializada ou não, nas análises dos comentaristas econômicos e políti- cos das TVs, nos jornais nacionais de todos os dias. Os comentários são una- nimes, não há nenhuma dúvida, só cer- tezas. A quem ousa discordar, não se lhe permite argumentar, discutir, oferecer alternativas: é imediatamente desquali- ficado como "atrasado", representante do "passado", oposto à "modernidade". Já os que defendem aquelas medidas

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Quinzena N0 235 -15/08/96 26 Nacional

supracitadas são considerados "moder- nos", "avançados", capazes de levar o Brasil ao Primeiro Mundo; e o maior argumento para provar que estão certos é afirmar que "isto é o que está sendo feito nos países desenvolvidos".

Essas medidas salvadoras da econo- mia e da humanidade são a receita neoliberal para o mundo. Apresentadas como novas, com o poder de nos levar ao futuro, são, na verdade, bastante an- tigas: já foram postas em prática no sé- culo passado, no tempo em que o capi- talismo era "selvagem", ou seja, só bus- cava o lucro e não importava com as pessoas. O Estado não intervinha na eco- nomia, deixava o mercado livre. Os tra- balhadores não tinham sindicatos para se defender diante do poder dos empre- sários, não havia legislação social, não havia regulamentação trabalhista, vivia- se em plena era da "flexibilidade".

O resultado do domínio absoluto do mercado, nós o conhecemos: a concentra- ção da riqueza nas mãos de uma minona e a pobreza e a miséria para a maioria. No decorrer do tempo, a luta dos trabalhado- res, sua organização e o aifrentamento dos seus opressores tomou possível o reconhe- cimento dos direitos sociais, a aceitação dos sindicatos, a conquista da jornada de 8 horas de trabalho, a regulamentação do trabalho da mulher e do maior, o saláno mínimo. Com o tempo, os Estados nacio- nais foram percebendo que a exclusão da maioria da participação da riqueza levana à mina dos países, ao desastre econômico. Surgiram já nos anos 30 os pnmórdios do Estado de Bem-Estar, cujo plaio desen- volvimento se deu na Europa ocidaital e na Aménca do Norte.

O Estado de Bem-Estar era a solu- ção encontrada pelo capitalismo para superar as sucessivas crises econômicas em que se enredava Durante 30 anos, pelo menos, nos países ricos, os traba- lhadores puderam participar dos benefí- cios da riqueza que produziram. Seus direitos eram cada vez mais reconheci- dos. As políticas sociais atendiam ás necessidades crescentes da população.

Até que se deu o primeiro "choque" do petróleo (lc)73). Seguiu-se, pouco depois, o segundo "choque" (1979). Na nova, situação econômica mundial, os capitalistas perceberam que não era mais possível manter o mesmo nível de lu- cros que vinham obtendo se se manti- vesse o Estado de Bem-Estar. O sobres- salto dos capitalistas foi suficientemen- te forte para provocar uma radical alte- ração de rota. Do fundo do baú foi recu- perado o velho credo liberal, agora cha- mado neoliberal: voltou a fé nas virtu-

des do mercado desregulado. Esconde- ram-se os seus malefícios debaixo do tapete, iluminaram-se seus benefícios: a competitividade tomou-se o grande ob- jetivo a ser atingido, custe o que custar (desemprego, baixos salários, empregos precários, trabalho informal, temporário, parcial...).

A política neoliberal foi primeiro adotada pela Inglaterra de Thatcher (1979) e pelos Estados Unidos de Reagan (1980). A Espanha adotou a po- lítica neoliberal a partir de 1982 (Felipe González). Na América Latina, o primei- ro a seguir esse caminho foi o Chile de Pinochet e, depois o México e a Argen- tina. O Brasil aderiu a partir do governo Collor (1990). Com a diminuição do in- vestimento público em políticas sociais, os problemas sociais se agravaram: nos Estados Unidos, a população abaixo da linha da pobreza passou de 24 a 32 mi- lhões entre 1980 e 1988 (governos Reagan) e hoje está na faixa de 39 mi- lhões. Além disso, a concentração de renda aumentou (1). Na Inglaterra, os problemas sociais se agravaram enorme- mente, voltando a surgir um fenômeno desaparecido desde meados do século: a população de ma. A desigualdade so- cial que havia diminuído entre 1949 e 1979, voltou a crescer: entre 1979, iní- cio dogovemo Thatcher, e 1986, os 10% mais ricos, que detinham 22,6% da ren- da nacional, passaram a deter 26%; en- quanto os 50% mais pobres caíram de 27,6% para 24,9% (cf. D1EESE, 1995). Em ambos os países, muitas indústrias faliram e o desemprego aumentou de forma descomunal. O número de desem- pregados na Comunidade Européia é de 18 milhões. Na Espanha, depois de doze anos de política neoliberal, o resultado foi o seguinte: a participação industrial do PIB espanhol caiu de 32,9% para 24,2%; a participação salarial no PIB caiu de 51,2% (1980) para 46,1 % (1991); a taxa de desemprego que era de 15% passou para 24% da população econo- micamente ativa (PEA) e chega a 37,9% entre os jovens com menos de 25 anos de idade.

O trabalho, antes um direito de to- dos, que o Estado tinha obrigação de garantir, está se tomando cada dia mais difícil e precário. Para assegurar a com- petitividade das empresas, o trabalho deixa de ser unicamente em tempo inte- gral, passando a ser também em tempo parcial. Desenvolve-se o trabalho tem- porário: empresas contratam serviços por apenas um período e depois dispen- sam. Com a terceirização, reaparece o trabalho doméstico (há muito desapare-

cido): pessoas que trabalham em casa, preparando produtos para empresas. O trabalho informal cresqe em todos os países que adotaram políticas neolibe- rais. O salário dos trabalhadores, em média, perde valor. O futuro, ao invés de se apresentar como promissor, adqui- re aspecto de decadência, redução de possibilidades, rebaixamento de salári- os, condições piores de trabalho para a maioria. Apenas uma minoria passa a se beneficiar das medidas que estão sendo tomadas.

Para possibilitar a rápida adaptação das empresas, é preciso que o trabalha- dor fique disponível, sem leis e normas inibidoras: daí a preocupação com a "desregulamentação", a "flexibilização" dos direitos trabalhistas. Na verdade, tra- ta-se de supressão ou da diminuição des- ses direitos. O que está de fato ocorren- do é a eliminação dos chamados direi- tos sociais - direito á saúde, à educação, á moradia, ao emprego - das declarações de direitos humanos. A saúde será ga- rantida àquele que tiver meios para pa- gar (planos de saúde etc). A aposenta- doria será boa para aquele que pagar pla- nos de aponsentadona, seguros etc. O emprego não será mais obrigação de nenhum Estado garantir E as medidas econômicas que o Estado vem adotando têm produzido mais desemprego.

Os ideólogos neolíberais reconhecem que só haverá lugar ao sol para uma par- te da população; uma outra parte sobre- viverá graças a ingentes esforços; final- mente, uma última parte não terá lugar - estes são os verdadeiros "excluidos"(2). Nada está previsto nem reservado para eles, nem mesmo o meio pelo qual pos- sam sobreviver: alguma forma de traba- lho, formal ou informal, decente ou pre- cário. Uma parte dessa população exclu- ída se toma vítima fácil da tentação da criminalidade Crescerá a idéia de que esta população excluída é potencialmen- te perigosa - os meninos e meninas de rua, os sem-terra, os sem-teto. E perfei- tamente possível se pensar que a elimi- nação física será um recurso cada vez mais admitido pela sociedade incluída para lidar com setores dessa população excluída(3).

2 - A política neoliberal do governo FHC

Como é possível convencer a maio- ria a apoiar um projeto de sociedade que é nocivo á maioria9 Através da mistifi- cação da ilusão, da falsificação. A con- dição para fazer a maioria dos eleitores aprovar um projeto que, segundo seus próprios teóricos, será benéfico para o capitalismo e para as elites, mas preju-

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dicial à maioria, é afirmar que esse pro- jeto será benéfico para todos. Em pri- meiro lugar, é preciso longo periodo de inflação alta, de tal modo que a popula- ção aceite e até mesmo anseie por um plano de austeridade (qualquer que seja o seu custo social). Com isso, a preocu- pação principal da população passa a ser a estabilidade. E, com o argumento da estabilidade, pode-se justificar tudo: que o desemprego é fruto do combate à in- flação, que não é possivel aplicar recur- sos na saúde por causa do combate ao déficit, que não é possível melhorar as estradas porque o Estado não tem dinhei- ro, que é preciso privatizar as estradas, a saúde, o petróleo, os minérios, tudo enfim. Por outro lado, as medidas de ajuste, as famosas reformas constituci- onais, devem ser feitas a toque de cai- xa, evitando pleno conhecimento do que está ocorrendo. Nunca se mentiu tanto nos últimos anos como para aprovar essas reformas. Assim, por exemplo, em todas as discussões sobre a quebra dos monopólios estatais das telecomu- nicações e do petróleo, em momento algum a mídia se preocupou em mos- trar as conseqüências das quebras de monopólios estatais em outros paises. Uma das afirmações mais comuns da propaganda era de que a privatização dessas empresas produziria baixa nos preços dos serviços e nas taxas. Ora, a privatização da telefonia na Argentina, ocorrida há três anos, provocou efeti- vamente tal elevação nas tarifas telefô- nicas que boa parte dos usuários teve de devolver seus telefones. Na Alema- nha, a propaganda dizia que o mono- pólio estatal era um mal que devia aca- bar, porque não permitia a concorrên- cia. As telecomunicações deixaram de ser monopólio estatal para se tornar monopólio privado. E a mídia se calou.

Como é possivel enganar tão bem, se os meios de comunicação são livres? Poucas vezes se viu, neste pais, uma unanimidade tão grande na mídia, fazen- do quase em uníssono o discurso gover- nista - a primeira vez foi no primeiro ano do governo Collor: aparece o que inte- ressa ao governo, o que não interessa é ignorado ou omitido, como verdadeira cortina de fumaça.

Na verdade, contrariamente ao que vem dizendo certa imprensa, não estamos vivendo um período mais de- mocrático do que os anteriores na histó- ria do Brasil (4). Alguns dos princípios democráticos fundamentais estão sendo atingidos, com a cumplicidade ou omis- são de boa parte da imprensa: em pri- meiro lugar, uma parte dos próprios

meios de comunicação está se tomando veículo do pensamento oficial, do pen- samento do governo, novos "Pravda" dos tempos modernos. Neles, não há lugar para opiniões e idéias discordantes, não há espaço para críticas e alternativas. O govemo e essa parte da imprensa tratam a oposição como se não devesse existir, como se devesse ser mera extensão do próprio govemo. Ora, qualquer pessoa bem-informada sabe que não existe de- mocracia onde não há oposição, que a ausâicia de oposição é o primeiro sinto- ma de uma ditadura. Ademais, uma de- mocracia exige três poderes distintos e autônomos, de tal modo que um possa controlar os outros: o executivo, o legislativo e o judiciário. Ora, o legislati- vo tem sofrido permanentemente a in- tervenção do executivo, através da edi- ção de medidas provisórias - mais do que nos governos anteriores -, através da pressão direta ou indireta sobre os par- lamentares a cada projeto do govemo que é votado; através da compra explí- cita e/ou velada dos votos dos parlamen- tares, com cargos, recursos para obras, dispensa de tributação, acordos espúri- os. O congresso, hoje em dia, não vota livremente, vota sob pressão e - não raro - sob corrupção. Alguns órgãos do judi- ciário são extensões do govemo; outros são um pouco mais independentes, mas comumente votam de acordo com os in- teresses do govemo. Além disso, há tam- bém interferência do govemo no proces- so eleitoral, com recursos, propaganda e facilidades para os candidatos que lhe interessam.

Outra evidência de regressão da de- mocracia é o comportamento do execu- tivo diante das reivindicações dos tra- balhadores. Desde o início do govemo, este tem se mostrado extremamente compreensivo diante das reivindicações dos setores da elite - empresários, ban- queiros, comerciantes, latifundiários - e inflexível quando se trata de demandas trabalhistas; a começar pelo veto ao sa- lário mínimo no primeiro mês de gover- no, ao mesmo tempo em que sanciona- va a anistia ao senador H. Lucena. A ati- tude do govemo ante a greve dos petro- leiros, em maio de 1995, foi tão dura quanto a dos governos militares em seu período mais repressivo - no mesmo mês em que fazia enormes concessões aos ruralistas. A negação dos direitos dos trabalhadores e de suas organizações é algo típico do neoliberalismo tão bem expresso pela Sra . Thatcher.

Entre os elementos de restrição da democracia está o esforço por quebrar a organização sindical dos trabalhadores.

Para desregulamentar e flexibilizar as relações trabalhistas, com prejuízo para as massas dos trabalhadores, o Estado precisa obter a sua submissão. E isso só é possível pela anulação do poder dos sindicatos. Algumas medidas nesse sen- tido foram tomadas pelo tribunal supe- rior do trabalho durante a greve dos pe- troleiros. Por exemplo, cobrando mul- tas impossíveis de ser pagas pelos sindi- catos. (Essa multa foi recentemente anis- tiada pelo congresso, mas o presidente da República vetou). A campanha de propaganda veiculada àquela época (maio/95) - e que volta regularmente - identifica o sindicato como parte de uma ordem ultrapassada que precisa ser su- perada. Segundo sua concepção, o tra- balhador se defenderá melhor diante dos patrões quando não houver mais a intermediação dos sindicatos, nem das centrais sindicais. Em outras palavras, o que os neoliberais querem é a volta ao estatuto do trabalhador vigente na pri- meira metade do século XIX, quando não havia o direito de associação ou de organização dos trabalhadores - o tem- po do capitalismo "selvagem".

Em suma, isso significa a eliminação dos direitos sociais (direito ao trabalho, à saúde, á educação, a um padrão de vida digno). As primeiras declarações de di- reitos do homem (tanto a da Revolução Francesa quanto a Declaração de Inde- pendência Americana) afirmavam ape- nas os direitos individuais, contra a opressão e a tirania. Os direitos sociais foram sendo conquistados no decorrer do século XIX, a partir da luta dos tra- balhadores para que o Estado garantisse o seu direito à existência e ao usufruto dos demais direitos. A Declaração Uni- versal dos Direitos Humanos (1948) vai, finalmente, colocar os direitos sociais ao lado dos direitos individuais (5). O que a política neoliberal pretende é tirar do Estado a responsabilidade de garantir esses direitos. O indivíduo é que deverá buscá-los, por sua conta e risco. O Esta- do não pretende ser mais responsável pela saúde, nem pela educação, oferta de trabalho ou moradia para todos. Como tudo isso produz déficit público, deve ser eliminado.

Para atingir esses fins, valem todos os meios. O que quer dizer: política sem ética. Nos últimos anos, no Brasil, vi- mos crescer um movimento pelo fim da corrupção no trato da coisa pública, pela exigência de ética no exercício da polí- tica. Esse movimento derrubou o presi- dente Collor, propiciou duas CPIs - a do PC e a do Orçamento, que atingiu depu- tados corruptos -, permitiu a prisão de

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bicheiros no Rio de Janeiro, de advoga- dos ligados a fraudes no INSS, e obri- gou os partidos, nas últimas eleições, a procurar indicar candidatos não-mancha- dos pela acusação de corrupção.

O objetivo de dar continuidade à po- lítica neoliberal levou o atual presidente a fazer alianças com partidos e políticos não preocupados com a ética. O "fisiologismo", motivo alegado para o PSDB desligar-se do PMDB, passou a ter freqüente prática de governo. Seus adeptos deixaram de criticar a corrupção ou os políticos corruptos. Isso se tomou secundário ante o principal. Para eles, não se trata mais de "ética na política" e, sim, de "os fins justificam os meios".

Há um ponto em que tanto a impren- sa oficial quanto a oposição concordam: o governo nada faz pelo social. Poder- se-ia argumentar que o simples controle da inflação é o maior beneficio social que o governo pode fazer. Não há dúvi- da de que o fim da inflação tem um va- lor inestimável. Mas não basta. Nós so- mos o país de maior desigualdade social do mundo, estamos em situação pior que a da índia ou a da Botsuana. Os 10% mais ricos abocanham quase metade da renda nacional (48,1%), enquanto os 50% mais pobres ficam com apenas 12,1%. O nosso salário mínimo é um dos mais baixos do mundo. O aumento ofe- recido em maio ficou abaixo da inflação e, no entanto, o Brasil está entre as dez primeiras economias industriais do pla- neta. A saúde pública está se deterioran- do a olhos vistos e também nos dados oficiais. Só na grande São Paulo, segun- do a fundação SEADE, nos últimos cin- co anos, a população pobre aumentou em 46%. O governo argumenta falta de ver- bas; mas não faltam verbas privadas para bancos privados falidos, para ruralístas, para bancadas aliadas.

3 - Governo municipal e democracia

E há uma realidade que contrasta com a omissão do governo federal na ques- tão social: no Brasil existem alguns go- vernos municipais que têm conseguido, com verbas escassas, realizar profunda transformação no panorama social de seus municípios. Aí, nesses municípios, houve inversão de prioridades: o social está em primeiro lugar. Suas prefeituras têm investido o pouco que têm em saú- de, educação, saneamento básico e sis- tema viário. O resultado logo se fez sen- tir: as taxas de mortalidade infantil es- tão caindo, as crianças estão na escola, a água não mata mais, a merenda escolar garante a alimentação dos escolares. Para dar apenas alguns exemplos: em

Cacaulândia, interior de Rondônia, em menos de três anos, o prefeito conseguiu reequipar 14 escolas que antes estavam quase caindo. Em Campinas, foi monta- do um programa de renda mínima, atra- vés do qual todas as famílias que têm filhos em idade escolar e cuja renda fa- miliar é até um salário mínimo, recebem um reforço de renda desde que assumam o compromisso de manter os filhos na escola. Esse programa está sendo reali- zado também em Brasília, em Salvador e em algumas outras localidades.

Em Diadema (SP), em três gestões sucessivas do mesmo partido, os investi- mentos no saneamento básico e na saúde permitiram fazer a taxa de mortalidade infantil baixar de 90 por 1000 para 23 por 1000. Em Icapuí (CE), todas as crianças em idade escolar estão na escola; todas as gestantes são acompanhadas mensal- mente por agentes de saúde; todas as cri- anças têm uma caderneta de saúde - pela qual se pode acompanhar as doenças e tratamentos feitos e vacinas aplicadas. Existem também programas para garan- tir o trabalho dos pescadores e para gerar emprego e renda para outras categorias. Em Santos (SP), a prefeitura conseguiu, em maios de quatro anos, despoluir as praias e tomá-las novamente disponíveis para os banhistas. Em Porto Alegre (RS), o orçamento não é mais feito apenas pelo prefeito e por sua equipe, mas é discuti- do durante o ano inteiro em todos os bair- ros, com os moradores, que elegem dele- gados para a Comissão Municipal de Or- çamento Participativo. A cidade inteira decide onde vão ser aplicados os recur- sos da prefeitura, quais as melhorias que vão receber prioridade. Com isso, bair- ros antes ignorados e abandonados pelas autoridades têm recebido toda a atenção que seus moradores merecem. Está ha- vendo democratização dos recursos pú- blicos. E isso graças à democratização do processo de decisões. O mesmo tem ocor- rido em Vitória (ES), em Angra dos Reis (RJ) e em Belo Horizonte (MG). Pode-se dizer que, nesses casos, trata-se não ape- nas de governos para o povo, mas igual- dade de govemos exercidos pelo povo.

Os exemplos poderiam continuar, pois várias prefeituras, por todo o nosso país, inverteram as prioridades, colocan- do as necessidades da população - espe- cialmente da menos atendida - em pri- meiro lugar. No conjunto de quase 5000 municípios do Brasil, essas prefeituras são ainda minoria, mas minoria signifi- cativa, constituída de cidades grandes, médias e pequenas, do Sul e do Norte, do interior e das capitais, mostrando que é possível mudar o quadro social e go-

vernar para o bem do povo. Mesmo com poucos recursos, pois, pela Constituição atual - que é melhor que a legislação anterior -, as prefeituras ficam com ape- nas 15% dos impostos, o restante vai para o govemo federal e para os estaduais.

0 que permite realizar todo esse tra- balho é a opção do govemo. Esses go- vemos decidiram colocar a prefeitura a serviço de todos e não a serviço dos em- preiteiros e dos grandes de sempre.

As eleições municipais deste ano são a grande oportunidade para mudar - onde isso ainda não ocorreu -, para eleger go- vemos e vereadores comprometidos com o público e não com o atendimento de interesses privados, comprometidos com a justiça social enão com o clientelismo, comprometidos com a melhoria das con- dições de vida da população e não com o enriquecimento de uma minoria privi- legiada, fl

1 - Edward N. Luttwak, cientista polí- tico e historiador romeno, naturalizado norte-americano, entusiasta do capitalismo e membro influente do Pentágono, afirma, numa entrevista publicada pela revista Veja: "Os Estados Unidos estão deixando aumentar certas distorções sociais que só existem em países do Terceiro Mundo. O produto interno bruto americano dobrou nos últimos trinta anos, mas toda a rique- za produzida foi parar nas mãos de apenas 1% da população. Temos uma classe mé- dia que encolhe a cada dia. Os segmentos que crescem são o dos muito ricos e o dos muito pobres. (...) Desde os anos 70 até os dias de hoje, o salário pago ao trabalhador urbano americano vem sendo reduzido sis- tematicamente" (Veja, 14/06/95). Luttwak publicou o livro onde expõe seus receios: Le Rêve américain en danger. Paris, Odile Jacob, 1995.

2 - As idéias aqui expostas sobre os "ex- cluídos" são de Elimar Nascimento, apre- sentadas numa exposição sobre o tema no seminário sobre "Sujeitos sociais, valores e configurações culturais: elementos para reflexão das políticas sociais no Brasil" (organizado por Ivete Ribeiro e Ana Clara Torres Ribeiro e promovido pelo Centro João XXIII-1BRADES em 21-23/09/95); todavia, ele não é responsável pela maneira como coloquei suas idéias neste artigo. Ver também, do mesmo autor: "Hipóteses so- bre a nova exclusão social: dos excluídos necessários aos excluídos desnecessários". Cadernos do CRH, Salvador, (21): 29-47, jul.-dez./94.

3 - Talvez a "normalização da chacina" a que estamos assistindo nos últimos anos - Matupá, Carandiru, Vigário Geral, Candelária, Coaimbiara, Morro doTurano,

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Eldorado de Carajás... - seja uma evidência disso. A idéia de "normalização da chacina" foi sugerida por Adair Rocha no referido seminário.

4 - Vários autores têm chamado a aten- ção sobre isto, dos quais destacamos: Erik

Hobsbawm, Renato Janine Ribeiro, José Luís Fiori, Emir Sader e Maria Sylvia de Carva- lho Franco.

5-0 art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma no seu pará- grafo 1: "Todo homem tem direito ao tra-

balho, á livre escolha do emprego, a condi- ções justas e favoráveis de trabalho e à pro- teção contra o desemprego". E o parágrafo 23: "Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses".

Sem Fronteiras - Agosto/96 - N" 243

A era das "democraduras " Os arautos do neoiiberalismo na

América Latina enchem a boca para fa- lar em democracia, mas aplicam um modelo que deu seus primeiros passos, na região, pelas botas dos militares chi- lenos, durante a ditadura do general Augusto Pinochet.

Os sociólogos são unânimes em ad- mitir que só a repressão feroz tomou possível ao regime implantado no Chile em 1973 impor à população o pesado custo social da receita importada da In- glaterra de Margareth Thatcher.

Também no México, outro pioneiro da receita neoliberal, o regime autoritá- rio do PR1 (Partido Revolucionário Institucional), há 67 anos no poder, é que viabilizou a implantação da cartilha neoliberal. Resistência pra valer só sur- giu muito depois, com o levante zapatísta de janeiro de 1994.

Chile e México não são casos isola- dos. O que se nota, por trás da fachada democrática da América Latina de hoje, é uma tendência cada vez maior ao uso da força corno instrumento de governo, para levar adiante a aplicação de um modelo econômico crescentemente im- popular. É a era das "democraduras", como alguns analistas chamam esse novo monstrengo institucional: demo- cracia de fachada, ditadura na essência.

Na Bolívia, o presidente Sanchez de

leor Fuser

Lozada recorre com freqüência ao esta- do de sítio para silenciar o protesto da população diante do desemprego e do arrocho salarial. No ano passado, o go- verno chegou a colocar na ilegalidade a Central Operária Boliviana, durante uma greve geral, e a confinar seus líderes em lugares remotos do país.

O caso mais grave ocorreu no Peru, em 1992, quando o presidente Alberto Fujimori dissolveu o Legislativo e o Ju- diciário, no famoso "autogolpe". Com os partidos desmantelados, Fujimori não teve dificuldades em se reeleger na pre- sidência, depois que um Congresso fan- toche mudou a Constituição de modo a permitir um novo mandato presidencial.

Também na Argentina o presidente Carlos Menem mudou a lei para conse- guir a reeleição. Tanto no Peru quanto na Argentina, as eleições se deram num contexto político extremamente rarefei- to, marcado pela ameaça - aberta ou ve- lada - de sabotagem econômica caso o candidato (re)eleito não fosse aquele do agrado dos grandes tubarões das finan- ças, os chamados "mercados".

O eleitor, nesse tipo de situação, é supostamente livre para votar em quem quiser - sabendo, de antemão, que se a oposição chegar ao governo os banquei- ros nacionais e internacionais deixarão o país sem dinheiro, provocando a ban-

carrota da economia. Menem, em sua campanha eleitoral, fez questão de dei- xar bem clara a margem de escolha dos argentinos: "Eu ou o caos".

Linguagem parecida já começa a ser utilizada até mesmo no Brasil, governa- do por um presidente com um impecá- vel currículo democrático. Uma vez no poder, Fernando Henrique Cardoso or- denou a ocupação militar das refinarias durante a greve dos petroleiros e, diante das resistências legítimas do Congresso ao seu projeto de reformas neoliberais, manda seus auxiliares acenarem com o espantalho do "caos".

A história do Brasil mostra, com cla- reza, que quando alguém fala em perigo de anarquia está, na realidade, fazendo uma ameaça de golpe.

A chantagem política também está presente, sob outra forma, na argumen- tação em defesa de um novo mandato para FHC. Sem a reeleição do atual pre- sidente, alega-se, a tão falada estabili- dade "iria para o brejo" - uma tese reveladora da própria fragilidade do Pla- no Real. Afinal, se a economia brasilei- ra estivesse tão estável como dizem, para que reeleição? □ Igor Fuser, é jornalista, editor de as- suntos internacionais da re\'ista " Veja " e autor do livro México em transe (Scritta, 1995).

Revés do Avesso - Junho/96 - N0 6

(Continuação da matéria publicada no Quinzena anterior)

Itália dá as costas ao neoiiberalismo RECONSTRUÇÃO - O pós-guerra

será o tempo da reconstrução, do plano Marshall. Época da convocação do povo para escolher os candidatos a repensar o pais, suas instituições e os fundamentos constitucionais. Será o tempo do refe- rendum monarquia versus república, será a organização sindical unitária que vai se impor como força representativa dos trabalhadores e pôr um paradeiro à in- flação galopante, que, tem breve dura-

ção. A Democracia Cristã, chefiada por Alcide De Gaspen, ganha as eleições de 1948 e o Partido Comunista, liderado por Palmino Togliatti, será o clique que im- pedirá a debandada à direita. Os EUA, por outro lado, não permitem que a Itá- lia rompa com o Ocidente. Tudo foi pre- visto em Yalta. Nos primeiros dez anos pode-se observar o salto qualitativo que a reconstrução do país permitiu. A de- mocracia cristã, visando manter-se no

poder, tem que se abrir à esquerda. En- tra no arco governamental o partido so- cialista a partir de 1958. Dizia um polí- tico inglês: o poder corrompe. E a de- mocracia cristã no poder inicia com os socialistas práticas de corrupções. As velhas gerações de políticos idealistas que vinham da resistência iam desapa- recendo. As novas safras estavam ganan- ciosamente interessadas no poder pelo poder. A década de 60 será um período

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Quinzena N0 235 -15/08/96 30 Internacional

de grande turbulência. Aparecem grupos políticos que pedem ética na política; do movimento estudantil vão nascer as bri- gadas vermelhas e outros movimentos que radicalizam a situação. Quando a de- mocracia cristã, com Aldo Moro, perce- be que não é mais possível governar sem o partido comunista, tenta organizar uma ponte, chamada de compromisso histó- rico com o PCI de Enrico Berlinguer. Em março de 78, no dia que o Congresso devia se reunir para selar este pacto his- tónco, as brigadas vermelhas seqüestram o presidente da democracia cristã, Aldo Moro. Na Itália o panorama político se precipita. Os democratas cristãs que es- tão no governo decidem não fazer con- cessões aos brigadistas. A conclusão será trágica: Moro será executado. Durante o cativeiro ele releva muitas coisas que serão devidamente registradas. Muitos segredos de estado e de políticos, do sis- tema de corrupção e assim por diante. Tudo isso será revelado anos depois quando os juizes de Milão começarão a instaurar procedimentos penais contra a coraipção.

O chefe do partido socialista, Betino Craxi, foge como um malandro para não ser preso. Também o homem que por 50 anos ficou sempre no poder pela demo- cracia cristã, Giulio Andreotti, será acu- sado de ser mandatário da morte de um jornalista e de ter ligação com a máfia. A partir do fim do muro de Berlim, tam- bém os partidos tradicionais se dissol- vem ou mudam, buscando raízes ideo- lógicas diferentes das que inspiraram o socialismo real. Assim, o partido comu- nista se toma partido democrático da esquerda (PDS), a democracia cristã se divide em três gaipos. O maior núcleo retoma o nome - Partido Popular - com que foi batizado quando nasceu em 1918, fundado pelo sacerdote Luigi Sturzo.

Em 1994, apresentando-se ás elei- ções, divididos e sob o impacto do novo televisivo Berlusconi, os grupos tradici- onais de centro-esquerda perdem. Neste contexto na região norte da Itália nasce um grupo político que deseja dividir o país em três regiões: norte, centro e sul.

A liga de Bossi desfruta de uma boa maioria porém insuficiente para realizar seu desejo de rever a constituição e cons- truir assim uma federação de estados ou de regiões.

Silvio Berlusconi tentou dinamitar

o estado social, seguindo receita do FMI. As eleições deste ano o apearam do poder e deram o governo, pela pri- meira vez na história republicana, à coligação de centro-esquerda.

Em março de 1978 o presidente da Democracia Cristã tentou com o secre- tário geral do Partido Comunista, Enrico Berlinguer, selar o acordo do chamado "compromisso histórico". O seqüestro de Aldo Moro pelas "brigadas vermelhas" mostrou claramente que não era possí- vel a realização desse acordo, devido a interferência da União Soviética e dos Estados Unidos. Ninguém então previa a queda do muro de Berlim, o fim dos tratados de Yalta, o desmoronamento da União Soviética, enfim a decomposição das estruturas que se tinham organizado com o fim da segunda guerra mundial. Na época, a OTAN e o Pacto de Varsó- via moldavam a estrutura militar do mundo capitalista e do mundo comunis- ta, os pactos secretos e as estaituras pa- ramilitares de controle da opinião públi- ca. Tudo isso veio à tona e de repente tudo desmoronou. Também as estrutu- ras dos partidos que sustentavam o go- verno caíram por duas razões: a primei- ra, o esvaziamento da participação dos militantes. Os partidos se burocratiza- vam e eram conduzidos por profissio- nais da política sem mais ter que respon- der á opinião pública. Segunda razão: as barganhas de poder que fizeram os par- tidos todos coniventes com os favores, com a corrupção para continuar cada qual mandando no seu pedaço.

Quando o "pool" dos juizes de Milão começou a dinamitar a coraipção que tinha tomado conta do país, os partidos tradicionais se desfizeram. Toda a clas- se dingente praticamente foi incrimina- da, com exceções, claro, mas foi um grande trauma que o país viveu.

Daí núcleos de poder pessoal, que viviam há tanto tempo na sombra do poder, começaram a pleitear espaço. A população cansada de tanta mutreta e corrupção, e também influenciada pela performance televisiva, acreditou nesta nova safra de gente. Em pouco tempo, porém, todos se aperceberam que ela era igual aos velhos, sem escaipulos, pron- tos a ocupar os mesmos lugares e a reto- mar as mesmas relações mafiosas.

Nasce a liga norte com tanta virulên- cia, a ponto de querer se separar do cen-

tro-sul da Itália. Passado algum tempo, demonstra toda a demagogia e toda a gana de poder de seus dirigentes que são também flagrados aceitando favores, como os velhos partidos.

Todos querem mudar tudo para não mexer realmente com o poder que fica com os de sempre. Mil e uma fórmulas institucionais aparecem. Presidencialis- mo à sulamérica, semipresidencialismo à francesa e assim por diante. Em práti- ca as eleições de abril de 1996 mostra- ram a tendência a bipolarização. Daí os dois grandes grupos: o Polo da liberdade, de direita, e o Oliveira, de centro-esquer- da. Mais de centro que de esquerda.

Assim, em abril deste ano, as elei- ções gerais deram a vitória à coligação da "Oliveira", levando á chefia do go- verno o católico Romano Prodi, um pro- fessor de economia, ex-militante da Ve- lha Democracia Cristã.

Coligação de centro-esquerda com a participação, pela primeira vez na his- tória italiana, dos ex-comunistas Estas eleições significaram para os italianos a superação do medo de voltar a ter nova- mente um governo de baixa demagogia direitista, como o que se tinha formado em 1994 quando ganhou a coligação do chamado "polo da liberdade" que tam- bém, pela primeira vez depois do fim da segunda guerra mundial, conduziu os fascistas ao governo, sob a liderança do empresário "telecrático" Silvio Berlusconi. Este queria, de imediato, desmantelar os mecanismos institucio- nais que se fundamentavam na consti- tuição antifacista nascida no pós-guer- ra. Ganhou em primeiro lugar a cultura da legalidade.

Silvio Berlusconi se elegeu po um partido chamado "força Itália", contan- do com a rede da empresa "Fininvest", de sua propriedade, que operava em todo o país. Em apenas três meses foram or- ganizados diretórios do partido em todo o território nacional. Apoiado pelos fas- cistas, Berlusconi tentou eliminar os mecanismos institucionais: a Itália se tor- naria um estado presidencialista, o Parla- maito sena esvaziado tomando-se peça decorativa e, finalmente, novos mecanis- mos dariam a faculdade ao governo de desmontar o "estado social", maior con- quista do povo italiano realizada ao lon- go deste meio século. Silvio Berlusconi, o telecrático homem de negócio, prome-

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Quinzena N0 235 -15/08/96 31 Internacional

teu, se eleito, um milhão de lugares de trabalho afirmando que governaria o pais como até então tinha administrado suas empresas, demonstrando assim todo o subdesenvolvimento cultural que o carac- teriza e toda a pobreza intelectual que o alimenta, além dos mafiosos negócios que apareceram, descobertos pelos juizes de "mãos limpas". Seria isso o modo de go- vernar o pais?

Bipolarismo: A vitória da coligação de centro-esquerda, partido da "Oliveira", significou de fato a afirmação do bipolarismo dentro do sistema parlamen- tarista. De fato, a direita perdeu eleitoral- maite, não numericamente. A Itália é um pais conservador. Até no intenor da coli- gação da "Oliveira" a direita está bem representada por dois ex-primeiros minis- tros, Ciampi (agora ministro da Fazenda) e Dini (relações extenores). Ambos liga- dos á instituições financeiras internacio- nais. O peso da esquerda é representado na coligação pelos seus 30% de votos que, diga-se de passagem, é o quoaim mais baixo de toda a sua história.

D'Alemã, o secretário geral do ex- partido comunista hoje chamado "Parti- do da Esquerda", que no governo ficou com 9 dos 21 ministérios, está denunci- ando os "poteriforti" (os "fortes pode- res") que desde já tentam inviabilizar a coligação, que espera ficar no poder 5 anos, o tempo integral da legislatura. Seria um milagre na história italiana.

Agora, não temos dúvida de que co- meçou uma nova experiência na Itália, o que Aldo Moro queria em 1978. Este governo de centro-esquerda, composição úni- ca no Ocidente, nasce como reação e defesa á onda direitista. Certamente com todas suas limitações é uma grande e esperançosa novidade. Do outro lado, abre-se uma nova estação política, em- bora ainda precária e frágil, que se espe- ra mudar a prática de governar. Com sua base parlamentar o governo de Romano Prodi poderá ter capacidade de inciati vas políticas. Claro, os tempos são difíceis, as orientações a longo e a médio prazo que saem do programa exposto na Câ- mara e no Senado são bastante ambíguas e cheias de incertezas. Percebem-se duas tendências: os que estão preocupados com a lógica orçamentária e os que es- tão preocupados com suas políticas so- ciais e culturais. E uma reação contra a tendência de um crescimento que não cria trabalho e que afeta a população em decorrência da falta de recursos.

Os "fortes interesses" interferem e podem bloquear o programa da "Olivei- ra". Então o problema não é tentar exor- cizar, maldizer ou gritar contra os "for- tes interesses". Será necessário, dizem os partidos de centro-esquerda, criar movimentos para mudar a sociedade, organizando instituições, partidos, sin- dicatos, associações de vários tipos, em suma, grupos que agem nas relações de

forças. O governo de centro-esquerda poderá cair, não pela intransigência da esquerda radical, mas se não realizar o programa compactuado.

Muitos italianos, entenderam o que estava em jogo na última eleição: O Es- tado social. O problema das aposenta- dorias, o problema da saúde igual para todos. O problema da educação em to- dos os níveis e sobretudo o problema do trabalho. O desemprego é hoje, junta- mente com a forte imigração, o proble- ma principal da Itália.

O "polo da liberdade", com seu lí- der Sílvio Berlusconi, estava alicerçado não na solidariedade de um estado so- cial, algo diferente de uma empresa bus- cando lucro mas numa competição afoita e vulgar, sórdida e de baixo ego- ísmo Antívalores que empurram a po- pulação a buscar segurança e a propor reformas constitucionais em sentido autoritário.

Com a vitória da coligação da Olivei- ra criaram-se as condições para iniciar um processo que reverte e interrompe uma perigosa regressão política. Processo que vai reafirmar o fundamaito cultural da hístóna destes últimos 50 anos que agora faz parte fundamaital e determinante da condução do Estado. Isso vai mudar a prática de governar. Vai poder construir outra ordem de prioridade, contestar a atual visão do mundo: vai se tornar a fiança oÜHàedstaitE. "1

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Quinzena N0 235 -15/08/96 32 Cultura

Ânsia de espera No entra e sai desta porta No andar de sala em sala Esperando uma resposta Uma angústia me abala E nosso destino em jogo Em proporção de escala

Uma liminar a cumprir Com prazo determinado Trezentos de cinqüenta famílias Prestes a serem despejadas Esperamos resposta do Banco Para levar para os acampados

Então se vir o despejo Como fica a situação? Onde então vamos ficar? Queremos a condução Lonas para os acampados Remédios e alimentação

A Fazenda liberada Pelo Banco do Brasil Falta interesse do INCRA Todo mundo isso já viu Não sobrou ao bolso deles Negociação não saiu

Enquanto não sair nossa terra Não iremos nos aquietar Sairemos da Recreio Outra iremos ocupar Essa luta é de todos E assim não pode parar...

Autor: Tadeu de Morais Delgado

O autor faz parte do MS T/MS, acampado numa área do Banco do Brasil Fazenda Recreio - Município de São Gabriel D 'oeste - MS

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