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31 h i s t ó r i a 2.3. Informe histórico da Igreja Nossa Senhora do Rosário Foi no largo do comércio onde se tem notícias da primeira possível construção da Igreja do Rosário, iniciada em 1876 e concluída em 1888 (Pereira, 1996: 26). Em 1891 foi transferida para a atual praça Rui Barbosa, onde está até hoje (Teixeira, 1970: 45 e Silva, 2001: 88). A primeira capela do Rosário na praça Rui Barbosa foi demolida e, no mesmo local, a partir de 1928, foi construída uma nova capela com projeto de autoria do arquiteto Thomaz Hovanez. Em 1931, a Capela Nossa Senhora do Rosário foi reinaugurada, transferindo a sua porta principal para a direção norte, acompanhando o movimento urbano, e assim está até hoje. Em 1985 a Capela de Nossa Senhora do Rosário foi tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal (lei nº 4263, de 9 de setembro) e foi restaurada pela Secretaria de Cultura do Município com apoio do IEPHA/MG, através de um projeto realizado pela própria Irmandade do Rosário no ano de 2006.

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h istória

2.3. Informe histórico da Igreja NossaSenhora do Rosário

Foi no largo do comércio onde se tem notícias da primeira possível

construção da Igreja do Rosário, iniciada em 1876 e concluída em

1888 (Pereira, 1996: 26). Em 1891 foi transferida para a atual praça

Rui Barbosa, onde está até hoje (Teixeira, 1970: 45 e Silva, 2001: 88).

A primeira capela do Rosário na praça Rui Barbosa foi demolida

e, no mesmo local, a partir de 1928, foi construída uma nova capela

com projeto de autoria do arquiteto Thomaz Hovanez. Em 1931, a

Capela Nossa Senhora do Rosário foi reinaugurada, transferindo a sua

porta principal para a direção norte, acompanhando o movimento

urbano, e assim está até hoje.

Em 1985 a Capela de Nossa Senhora do Rosário foi tombada

pelo Patrimônio Histórico Municipal (lei nº 4263, de 9 de setembro) e

foi restaurada pela Secretaria de Cultura do Município com apoio do

IEPHA/MG, através de um projeto realizado pela própria Irmandade

do Rosário no ano de 2006.

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Secretaria Municipal de Cultura

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3.1. Interação social

Geraldo Miguel, conhecido como

Charqueada, morreu no começo da madrugada

de ontem, no Hospital Santa Marta, em

decorrência de uma parada cardíaca, aos 106

anos. Segundo um de seus filhos, Luiz Miguel,

ele havia percorrido o caminho até Romaria na

semana passada de bicicleta e em jejum. O

sepultamento está marcado para as 9h de hoje,

no Cemitério Bom Pastor. Trecho do Jornal O

Correio de Uberlândia 20 de agosto de 2007.

Nascido em Cruzeiro da Fortaleza, Charqueada

era o representante vivo mais antigo do Congado

de Uberlândia, começou no grupo de

Moçambique do senhor Tom Mix, depois passou

para o terno Princesa Isabel e ontem era o

comandante, ao lado de seus filhos, do terno Pena Branca. Marcar a interação social dos congadeiros

com a sociedade civil em geral, a partir do Sr. Charqueada, é criar um símbolo forte de síntese de uma

relação bastante complexa. Os congadeiros fazem parte de uma comunidade unida por semelhanças e

diferenças de tradições. No dia a dia se encontram para dar continuidade ao Congado, mas também para

tratarem das questões de trabalho, como ferreiros, pedreiros, carpinteiros, donas de casa, secretárias,

professores, funcionários públicos, vereadores e etc..., portanto, ocupam e constroem a cidade. Apesar

de exercerem ofícios diferentes, em diferentes níveis financeiros e sociais, ainda são na grande maioria

pessoas simples que enfrentam muitas barreiras para alcançar um status financeiro estável. A corda

bamba por onde andam os congadeiros representa o antigo paradoxo entre aqueles que fazem e os que

dizem que fazem. Como Sr. Charqueada, muitos congadeiros se sobressaem na sociedade civil por

razões culturais, sendo lembrados como praticantes do Congado, Carnaval, Folias de Reis, Pagode. São

pessoas que fazem política por vias que eles mesmos abrem através da afirmação cultural de sua identidade.

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c ontext ualiza ção

constantemente pelos congadeiros. Quando observa-se os rituais de

fora para dentro pode-se ver esse movimento de construção do futuro,

a partir do olhar do presente para o passado. A classificação das

culturas populares como folclore retira o sentido político dessa prática.

Estar perto dos afazeres cotidianos anteriores à festa do Congado

possibilita enxergar as astúcias dessa comunidade necessárias para

a realização da festa, muitas vezes tratada preconceituosamente por

aqueles que desconhecem a importância da cultura popular para a

identidade de um povo.

Nesse sentido, os personagens descritos pelos folcloristas não

são representantes de papéis teatrais, mas sim atores sociais. De

qualquer forma a pesquisa etnográfica dos folcloristas sobre o Congado

em mais de uma região brasileira apontam aspectos do rito como as

aproximações estéticas, musicais, dramáticas entre as diferentes

localidades que são importantes fontes pesquisa para compreender

a força da identidade desse povo.

Mário de Andrade identifica o Congado de São Paulo com o

Maracatu de Pernambuco, pelo fato de nos dois ritos existir a coroação

dos Reis e Rainhas (Andrade,1982). Outros, como Moraes Filho

3.2. Congado:Cultura popular

Diferente das análises dos

folcloristas que vêem as tradições

que compõem o Congado como

uma representação do passado,

presos a uma memória

cristal izada, que tende a

desaparecer quando em contato

com a modernidade, a visão que

pretende-se registrar nesse

trabalho é de uma expressão

cultural centenária e viva e em

constante adaptação ao tempo

presente. Essa memória não é

cristalizada, pois é uma herança

imaterial das gerações anteriores

deixadas às gerações atuais e por

essas últimas salvaguardadas. A

geração de praticantes utiliza-se

da tradição como identidade e,

assim, os rituais são tratados

como maneiras de perpetuar -se

no tempo cotidiano. A ordem do

tempo presente na qual o

Congado é perpetuado não deixa

com que ocorra o emolduramento

do ritual, que é então adaptado

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(Moraes, 1979) e Rabaçal (Rabaçal,1976:102-108), em séculos

distintos lembram das danças de Quicumbi, Cacumbi, Cucumbi e

Ticumbi quando analisam o Congado no sudeste brasileiro. Nas fotos

a seguir pode ser vista a semelhança entre as indumentárias da festa

em Uberlândia e da festa de Ticumbi, no Espírito Santo:

Câmara Cascudo acredita que essa dramatização entre

embaixadas reais são reminiscências da rainha Njinga Mbandi de

Angola (1663). Noutras regiões, o príncipe vencido é morto e

ressuscitado pelo feiticeiro, e tudo acaba em dança (Cascudo, 1980:

45). Araújo pensa a encenação da luta como um embate entre

guerreiros mouros e cristãos, baseada na poesia francesa e provençal

que nos legaram a Canção de Rolando (Araújo,s/d.:218).

Nem luta entre mouros e cristãos, nem aquela entre as

embaixadas ocorrem em Uberlândia. No município, o que ocorre é

uma disputa entre ternos de Moçambiques que disputam o Rei e a

Rainha, esse momento chama-se Reinado. A constante dos reis e

rainhas e também dos santos negros se mantém na prática atual e

nos textos dos folcloristas. Os relatos dos folcloristas são repletos de

indícios que podem ajudar a

recompor a história desse povo;

no entanto, são as situações

vividas no cotidiano de cada

região, na experiência cotidiana,

que se pode

observar as

h e r a n ç a s

imateriais dos

a f r o -

descendentes

s e n d o

reinventadas a

cada dia.

Entender como

se dá a festa do Congado de

Uberlândia internamente

necessita pensar os papéis

assumidos pelos praticantes ao

fazer a festa. Ou seja, como

pessoas aparentemente comuns,

na verdade, carregam consigo a

memória de seus ancestrais

africanos revivendo-a em rituais

adaptados às circunstâncias

locais. Situações de convívio que

fazem dos personagens da festa

atores sociais.

Moçambique Princesa Isabel. Uberlândia/MG. 2002. Foto: Mara Porto.

Ticumbis. Itaúnas/ES.2002. Foto: FláviaPenedo

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c ontext ualiza ção

em outro menos, às situações da vida urbana moderna. A

questão da descendência africana é elemento de prestígio, é

o elo unificador de todos esses espaços culturais. A circulação

das pessoas nos diversos ambientes culturais é acompanhada

pela circulação dos símbolos de um espaço cultural para outro.

3.3.1. Carnaval

Brija (Waldomiro dos Reis) passa do ambiente do carnaval

para o ambiente do Congado como se estivesse falando da

mesma coisa. Ensino,

sou diretor de bateria faz

30 anos. Tudo que se

você pensa de percussão

eu sei toca, começa de

triângulo até cuíca. (...)

Uai, se for num congado,

nois dá um chucalho pra

ele, ai ele fala que não

gostou do chucalho, nos

vamô dá um surdo pra ele

e ensiná umas pancadas

para ele. Ele foi capitão do

terno Catupé Nossa

Senhora do Rosário do

Mart ins, a lém de ter

dançado no terno Santa If igênia e no antigo terno de Congo

Beira Mar; ele é também diretor de bateria da escola de samba

Garotos do Samba.

3.3. Congadeirose as outrasculturaspopulares doMunicípio

Os congadeiros de

Uberlândia são, no seu cotidiano,

trabalhadores comuns, no seu dia-

a-dia zelam de seus ofícios, para

garantir o sustento. Ir do trabalho

para casa, da casa para o trabalho

é a rotina de todo dia. Porém, os

três meses de campanha de

Congado, os três dias de festa e

umas quatro viagens no ano para

as festas das cidades vizinhas

mudam bastante essa rotina. Por

isso, rotina não é bem apropriado

para a vida dos congadeiros. Além

de seus compromissos com o

Congado, o interesse cultural do

praticante envolve outros espaços

sociais, como o carnaval, a folia

de reis, o pagode e axé, o terreiro

de umbanda e candomblé, onde

mantém sua sociabil idade

acomodando suas práticas

africanas, em alguns locais mais

“Uai, se for num congado,

nois dá um chucalho pra

ele, ai ele fala que não

gostou do chucalho, nos

vamô dá um surdo pra

ele e ensiná umas panca-

das para ele”

O surdo da Escola de Samba Tabajarasdançando como caixa no Congado.

Uberlândia. 2003.Foto:Larissa Gabarra

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afro-descendente que se projeta

em mais de um espaço cultural.

É dona de centro de umbanda,

além de participar da folia de

Reis, ela também já desfilou no

carnaval de Princesa Izabel na

escola de samba Unidos do

Chatão. Ali, o pai Nego, que é

dono de uma escola de samba.

Ali é irmandade grande, são

preto mesmo, por isso que

chama Chatão.

No depoimento do Sr.

Charqueada é possível

vislumbrar essa mistura de

práticas culturais populares por

onde o negro se representa. Ele

cantava cantigas do Congado e

lembrou-se de outras práticas

culturais, como o samba e a folia

de Reis. ‘Na casa rica cheira

graviola, nossa senhora cheira

graviola.’ E salve essas coiseira,

não é tanto que eu gosto, sabe

escola de samba, mas os

Santos Reis, ué, agora vem dia

25: ‘25 de dezembro menino de

pedido a Deus, 25 de dezembro

quando menino Jesus nasceu.’

O mesmo trânsito que ocorre com as palavras, ocorre com os

corpos e com os instrumentos que carregam, sejam imateriais ou

materiais.

No intuito de agrupar mais argumentos para a questão da

ocupação de vários espaços culturais pela comunidade de

congadeiro, perguntou-se a Rubico e a Tatinha, em uma das inúmeras

visitas: - Do povo da escola de samba do Patrimônio, quem entre

eles também é do Congado? A resposta foi pronta: - Todo mundo,

uai! A resposta poderia se repetir se perguntasse: quem do terno

do Catupé dança na escola de samba Garotos do Samba ou, ainda,

quem do terno Camisa Verde dança na Unidos do Chatão. Quem do

Moçambique de Belém dança no bloco Axé?

Esse intercâmbio de afro-descendentes em vários espaços

culturais não é coisa de agora. Dona Maria do Rosário Arantes

(conversa na Tenda de Coração Jesus, 2002), lembrando-se dos

ternos de antigamente, em Uberlândia, cita a família Cambão do

Patrimônio. Tinha Moçambique lá do Patrimônio, que era o pai do

Manoel Cambão. Cambão do Congado tocava na banda de Chico;

Cambão e Chico andam com Lotinho que fundou a Escola de Samba

Tabajaras (Julio Oliveira: 2000).

3.3.2. Fo lia de reis:

A folia de Reis, que aparentemente não mostra características

africanas tem muito dos afro-descendentes do congado que a

praticam. Dona Sebastiana (Madrinha do terno Moçambique Estrela

Guia) diz que a mãe era de folia, depois é que fomos pro Congado.

Nós fomos rainha da folia de Reis do Sr. Brechô, que hoje tá no

moçambique do Oriente. Ela é mais uma entre as pessoas da tradição

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Os três Reis foram lá visitá

quando Jesus nasceu e

levaram: milho, ouro, incenso.

Em poucas palavras, o

Congado tornou-se carnaval, e

o próprio carnaval, junto com

o Congado tornou-se Santos

Reis.

3.3.3. Terreiro de

Umbanda e Candomblé

A família de Irene Rosa

também participa da

multiplicidade de espaços em

que está inserido o Congado.

Maria Irene, mãe de santo do

Centro de Umbanda conta que

seu pai era capitão de folia de

Reis, ai minha vó fundou esse terno, aqui. Então aqui em casa foi

muito assim, tudo que é de cultura. Eu Tenho centro que minha vó

que fundou em 1945, também.

Existe uma transferência de personagens de uma cultura para

a outra, em um momento o indivíduo atua como folião, em outro ele

pode estar atuando como médium no terreiro. Essa mobilidade

cultural atinge também os símbolos de cada uma dessas culturas.

Um objeto importante no terreiro pode aparecer no Congado, com

significado diferente, ou talvez igual.

Tim, congadeiro, algumas vezes Rei “Festeiro” e ex-funcionário

da Pasta Afro da Secretária da Cultura de Uberlândia, dá ênfase

para a relação terno e terreiro, colocando a especificidade da atuação

dos congadeiros que se utilizam de estratégias aprendidas nos

centros de religiosidade de matriz africana nos rituais do Congado.

Todo terno, seja ele de congado, marujo, marinheiro ou moçambique,

sempre tem alguém ou pai de Santo ou a mãe de Santo, sempre

ensina essas orações, se não ensina pelo menos estão

acompanhando ali na hora exatamente pra pode quebrá demanda

que existe.

c ontext ualiza ção

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O universo cultural do congadeiro não se restringe ao Congado.

Nesse sentido, a história que essas pessoas constroem parece,

num primeiro momento, desconexa: história do carnaval, história do

congado, história da folia, história do pagode, história do negro.

Quando verificadas de perto, descobre-se que são as mesmas

pessoas que exercem papéis diferenciados em cada uma dessas

histórias. Essa circulação das mesmas pessoas em vários espaços

culturais, primeiramente apresenta a força da matriz africana como

identidade da comunidade; e em segundo lugar, a compreensão de

uma rede de comunidades baseadas na mesma matriz, que se

entrecruzam através de alguns personagens e, assim, amplia a

atuação dessas pessoas como sujeitos históricos na construção da

sociabilidade urbana.