217945260 a procura da verdade pdf

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  • ANGELA MARIA LA SALA BAT

    PROCURA DA VERDADE

    Traduode

    Nair Lacerda

    EDITORA PENSAMENTO SSo Paulo

  • Ttulo do original: Alla Ricerca delia Verit

    1972 - Casa Editrice BABAJ1 Via XX Settembre 58/A - 00187 Roma

    dio

    XEdio Ano

    fc4-5-6-7-8-9 93

    Direitos reservados.EDITORA PENSAMENTO

    R. D. Mrio Vicente, 374 - 04270 Slo Paulo, SP------------- Ir----- ------------- -------------- -------------------------------------------------------------------------

    Impresso em nossas oficinas grficas.

  • O Senhor Buda disse:

    Ensinei-vos a n o crer simplemente porque ouvistes, mas porque, em vossa conscincia, acreditais no que ouvistes; agi, ento, de conformidade com aquilo em que credes, e copiosamente".

    Dou trina Secreta, III, 401.

  • NDICE

    Apresentao de Giorgio Furlan 9Prefcio 11

    I 0 Homem e a Procura da Verdade 13II Desenvolvimento da Intuio 21

    III Aparncia e Realidade 29IV Esprito e Matria 39V O Problema da Dor 49

    VI O Significado da Morte 57VII A Lei da Evoluo 65

    VIII A Lei dos Ciclos 73IX A Lei da Harmonia 81X A Lei da Atrao 89

    XI A Lei da Compensao 97XII A Lei da Analogia 105

    XIII A Lei do Sacrifcio 113XIV A Lei do Servio 121 XV O Destino do Homem 129

    n

  • A PR ESEN TA O

    A autora deste livro, Doutora Angela Maria La Sala Bat, dedicou sua vida, por mais de vinte e cinco anos, aos estudos espirituais, seguindo um impulso interior espontneo, que sempre a impeliu para a busca do verdadeiro significado da vida e para o exame profundo das vrias doutrinas esotricas, mas, principalmente, para dar a outros, com a palavra e com os escritos, o que podia ser de auxlio e de incitamento sobre o caminho da realizao de si prprios.

    Esta publicao a sexta de carter esotrico-psicol- gico, escrita pela Autora, que, conhecidssima que nos ambientes esotricos, oferece seus poderosos dons, suas preciosas faculdades, e suas grandes energias, para a difuso da lei do amor, da harmonia e da unidade.

    De maneira simples, e sem excessos de erudio e de intelectualismo, a Autora apresenta o fruto dessas suas pesquisas e meditaes interiores, que tm, acima de tudo, a vantagem de ser autnticas e sentidas, e de revelarem a sinceridade desse impulso.

    Modesta e esquiva por natureza, a autora no pretende ensinar teorias novas, ou introduzir novos mtodos, mas pretende oferecer aos outros, com palavras simples, aquele tanto de verdade que ela soube entrever, e que parte, acima de tudo,

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  • de seu corao e de sua intuio, esperando que isso possa dar aos leitores um pouco de ajuda e de luz ao longo do difcil caminho do despertar da inconscincia para o pleno conhecimento.

    GIORGIO FURLAN

  • PR EF C IO

    Ao apresentar este livro aos leitores, sinto a necessidade de explicar como me veio a idia de escrev-lo.

    O problema do conhecimento e da busca do significado da vida um daqueles problemas que sempre atraram a minha mente e foi objeto de reflexo e meditao, de minha parte, durante longos anos.

    Algumas profundas convices formaram-se em mim como resultado dessas meditaes, e, entre todas, uma emergiu mais claramente e mais forte do que as outras: A Verdade , na realidade, simples. Ns a buscamos em teorias abstrusas, em complexos esquemas filosficos... Pensamos que seja difcil de alcanar e bem distante de ns. Ao invs disso, ela simples. Consiste na simplificao, e est muitssimo perto de ns, est dentro de ns.

    s vezes lemos em certos livros esotricos que o Absoluto uma sntese do Todo. E o que quer dizer sntese? No quer dizer, talvez, simplificao?

    0 segredo do significado da vida esconde-se no poder de simplificar , de reduzir unidade.

    Tentei, dentro dos limites de minhas modestas capacidades, dar esse carter ao que escrevi: o senso da unidade e da simplicidade, entendidas como sntese do todo, procurando

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  • unir todos os conceitos, todas as doutrinas, em um todo harmnico, do macrocosmo ao microcosmo.

    Desculpo*me, pois, se aquilo que exponho neste livro puder parecer ou incompleto ou demasiadamente sinttico, ou, ainda, muito subjetivo.

    Quero apenas poder transmitir minha aspirao no sentido de ajudar a sair da obscuridade, a buscar a Verdade, a desembaraar-se da inconscincia, causa contnua de dor e de angstia.

    Portanto, tudo que virem escrito nas pginas deste livro no tem a finalidade de aumentar a bagagem intelectual dos leitores e de incit-los a elucubraes mentais, mas tem, sim, a finalidade de habitu-los a fugir, pouco a pouco, da identificao com o relativo, com o particular, orientando-os para que reflitam em termos de sntese e de idias universais, simplificando ao mximo os conceitos. Isso poder ter, sobre ns, dois efeitos:

    1) nos ajudar, sem que o percebamos, a deslocar o enfoque da nossa conscincia.

    2) nos oferecer estmulos paia o despertar da intuio latente em ns.

    Por conseqncia, se soubermos nos manter na atitude exata, a nossa Realidade Profunda, a Conscincia do Eu, que ainda est adormecida, pouco a pouco despertar.

    12

  • IO HOMEM E A PR O C U R A DA V E R D A D E

    Qual de ns no perguntou a si mesmo, ao menos uma vez na vida: Quem somos? Por que vivemos? Por que sofremos? Para onde vamos?.

    Quem pode dizer que jamais estacou momentaneamente, perplexo e atnito, diante dos mistrios da natureza e da vida, e que no procurou compreender o segredo da existncia?

    Na verdade, o homem tem dentro de si a exigncia inata de compreender o significado da vida, porque o nico entre os seres viventes que tem conscincia de que existe, o senso do eu individual, e a faculdade de pensar e de fazer perguntas a si mesmo.

    Mesmo que por longo tempo essa exigncia permanea inconsciente e latente, a ponto (como se observa entre a massa) de no fazer sentir a sua presena, entretanto ali est, como fora em potencial que, cedo ou tarde, explode na conscincia e, inexoravelmente, impele o homem para a busca da Verdade.

    No fcil, contudo, encontrar resposta para todas as interrogaes da vida, e chega quase a parecer que esteja proibido ao homem o conhecimento completo da realidade. S furtivamente, e nos momentos de maior iluminao, ele consegue captar algum fragmento da verdade, algum vislumbre de luz, que logo desaparece, deixando-o mais incerto e perplexo do que antes.

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  • Por isso que muitos estudiosos e filsofos, atravs dos tempos, chegaram a afirmar, de modo pessimista, que talvez o homem jamais possa conhecer inteiramente a realidade.

    Mas, se isso fosse verdade, por que existiria dentro de ns essa profunda e inata exigncia de saber, essa sede de procura, essa nsia do Absoluto?

    Por que, chegando a um certo ponto da vida, temos uma sensao de vazio, de insatisfao, quase de infelicidade, e sentimos que a nossa existncia intil, se no conseguirmos compreender o seu segredo?

    A razo de tudo isso esconde-se no fato de que em ns deve haver qualquer coisa que transcende a nossa humanidade, um qu misterioso, mas real e potente, uma centelha divina que revela sua presena exatamente nessa aspirao de subir, de progredir, de conhecer o Absoluto, de auto-realizar-se plenamente.

    O homem tem em si, verdade, muitos obstculos e limitaes que parecem impedi-lo de ter contato com a realidade, mas tambm tem em si a semente da espiritualidade, o seu Eu profundo, que contm a imagem de Deus.

    Estas palavras no so apenas poticas, que expressam uma aspirao mstica, mas, como procuraremos demonstrar no decorrer deste livro, so palavras que expressam uma profunda realidade, aquela que, por assim dizer, a base sobre a qual podemos construir e apoiar qualquer outro conhecimento.

    exatamente essa centelha divina que existe em ns, que nos d a possibilidade de conhecer a verdade, como tambm experiment-la. Na verdade, como diz Van Der Leeuw, O mistrio da vida no um problema a resolver, mas uma realidade a experimentar .

    Da, a primeira coisa a fazer reconhecer que as nossas limitaes sobre o caminho do conhecimento devem-se ao fato de que no somos plenamente conscientes, de que ainda

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  • estamos imersos na obscuridade e na ignorncia, prisioneiros de iluses e de falsas identificaes com aspectos relativos e limitados da realidade.

    No devemos esquecer que, enquanto usarmos meios que pertencem ao mundo do relativo para conhecer a Verdade e o Absoluto, obteremos resultados relativos e parciais.

    importante ter sempre presente a ordem da observao . Em outras palavras, no devemos esquecer de que ponto, e com que sistema de referncia observamos e estudamos uma coisa, seja ela um fenmeno fsico ou um problema metafsico.

    Ns, seres humanos, prisioneiros da forma material, conscientes apenas de um breve segmento de tempo, ignorantes d causa que nos produziu, inconscientes da meta para a qual nos movemos, temos apenas a viso de um fragmento mnimo do grande quadro da Vida Universal, que, tomado assim separadamente, e no inserido no todo, parece sem significao, quando n o distorcido pelas nossas interpretaes errneas.

    Todas as coisas tomadas muito de perto e separadas do resto do total, parecem incompreensveis e prestam-se a explicaes parciais ou falsas.

    Se, por exemplo, nos vssemos diante de um grande mosaico que representasse uma figura humana, e quisssemos examin-lo bem de perto, dirigindo nossa observao apenas a uma parte dele, que iramos ver? Somente algumas pedrinhas coloridas, mas o quadro geral, a figura humana representada, teria desaparecido. Do nosso campo de observao, ela no existiria.

    Podemos dizer, portanto, que do ponto de vista do homem, o campo de observao que cria o fenmeno. De cada vez que mudamos a escala de observao, ou observamos um fato qualquer de um ponto de vista diferente, encontramos novos fenmenos.

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  • E assim acontece em todos os campos, e seja qual for a pesquisa. Se nos esforarmos para compreender um problema, uma verdade, qualquer manifestao da vida que seja, examinando os detalhes isoladamente e de forma pouco analtica, se- par'ando-os de todo o relacionamento e unio que lhes so conexos, jamais chegaremos a uma concluso ou interpretao exata, mas sempre parcial e ilusria.

    Devemos, assim, procurar obter a capacidade de viso total, a faculdade de sntese, subindo sempre alm do particular e do relativo para descobrir o universal, tentando sempre enquadrar todos os fenmenos, tanto quanto possvel, em um todo maior.

    Isso no fcil, mas no impossvel, porque na mente do homem existe tanto a faculdade da sntese, como a faculdade da anlise.

    Uma outra coisa que nos pode ajudar muito no caminho atravs do qual buscamos a Verdade, procurar fazer o exame e o estudo do instrumento de que nos servimos para conhecer, isto , a nossa mente.

    Dizia Stendhal, com preciso e argcia: Vemos as coisas tal como se afiguram nossa cabea. Portanto, precisamos conhecer a nossa cabea .

    Se nos detivermos um pouco na anlise do funcionamento da nossa mente, perceberemos, imediatamente, duas coisas: a primeira, que muito difcil termos pensamentos claros, ordenados, conseqentes, obedientes direo imposta pela nossa vontade; a segunda, que a nossa mente gosta de girar em tomo de coisas, dispersar-se em raciocnios sem fim, em elucubraes dialticas, aparentemente lgicas, e quase se compraz consigo mesma, com seu incessante movimento. Ento, temos a sensao precisa de que o intelecto, embora sendo uma faculdade maravilhosa, pode tomar-se, em certas ocasies, antes um obstculo do que um auxlio, no caminho do conhecimento. Talvez isso cause certo desencorajamento e

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  • nos leve a pensar, como Kant, que o homem jamais poder conhecer a verdade por meio da razo.

    Todavia, se conseguirmos nos adiantar um pouco mais em profundidade na anlise da nossa mente, veremos que s vezes aflora nela uma outra faculdade, que lhe d um senso de clareza, de lucidez, de segurana, o que lhe permite conhecer com presteza e sem necessidade de racionalizar.

    Tal coisa acontece por que nossa mente possui, como diz Bergson, duas maneiras profundamente diferentes de conhecer uma coisa. A primeira implica que se d voltas em tomo da coisa a conhecer; a segunda quando se entra nela... Do primeiro conhecimento se dir que se detm no relativo, e do segundo, tanto quanto possvel, que alcana o Absoluto . {Introduo Metafsica.)

    Essa faculdade do intelecto, esse conhecimento direto, a intuio, que existe em todos os homens, em estado mais ou menos desenvolvido.

    Todavia, exatamente porque a intuio, embora sendo, agora, uma faculdade humana reconhecida e aceita, no est ainda plenamente desenvolvida em todos os homens, ainda h muitos que duvidam da sua existncia, e se debatem na incerteza e na dvida, no podendo usar os meios exatos de conhecimento que lhes permitiriam entrar no corao da verdade .

    E, realmente, apenas aqueles que, por meio da intuio, experimentaram o significado da existncia, e tiveram o conhecimento direto do que est por trs das aparncias feno- mnicas, podem dizer que sabem qual o verdadeiro e real escopo da vida.

    Ento, perguntamos, estamos destinados a nos debater no escuro e a no poder encontrar resposta s nossas jnter- rogaes ansiosas, enquanto nossa mente no se abrir intuio?

    Devemos resignarmo-nos a esperar, impotentes, e talvez rebelados, que a luz venha do alto? Uma luz da qual, imersos como estamos na inconscincia e na iluso, podemos at duvidar?

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  • Devemos somente esperar uma revelao hipottica e longnqua, e nada fazer nesse entretempo?

    Devemos continuar a lutar e a sofrer, sem saber o porqu?

    No, positivamente.O homem no foi feito para a passividade, para a inrcia,

    para a espera esttica. O homem foi feito para lutar, para crescer, para procurar, e a verdade no lhe pode vir ao encontro se ele no caminhar em direo dela.

    Assim, embora reconheamos que no temos ainda o dom do conhecimento imediato e intuitivo, devemos mesmo procurar, observar e perguntar, examinando, com a mente livre e aberta, tudo que possa ajudar nessa procura: os pensamentos dos grandes filsofos, os resultados da cincia, as doutrinas religiosas e espiritualistas, as revelaes dos msticos, as investigaes sobre a psique humana... Mas tudo isso deve ser feito, conforme j o disse, com a mente livre de preconceitos, de idias preconcebidas, de conceitos cristalizados, de fanatismo e de apego.

    A procura deve ser empreendida com corao humilde e intelecto livre, com pureza de inteno e com sincera sede de verdade e, sobretudo, com um af profundo e autntico que expresse a prpria voz da nossa alma, a aspirao ardente e insupervel da nossa mais verdadeira essncia.

    Diz Van Der Leeuw em seu livro A Conquista da Iluso : Enquanto no indagarmos de ns mesmos com todo o nosso ser, com todo o nosso corao, e com toda nossa alma e mente, enquanto a sede de conhecimento no nos impea de comer, beber e dormir, enquanto a vida, para ns, no mais valer ser vivida sem a experincia da verdade viva, no estaremos altura de consegui-la (p. 166).

    Se assim for nossa atitude interior na procura do conhecimento, veremos que, pouco a pouco, do aparentemente intrincado emaranhado de idias, de problemas, de dvidas, do

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  • complicado e confuso amontoado de conceitos, opinies, doutrinas, emergir um fio sutil, que parecer reunir, de forma invisvel e inadvertida, todas as tendncias, todas as solues mais dspares, num ponto alto de sntese e de unidade. Emergir um qu comum a todas as linhas de procura e de investigao, que no se havia manifestado primeira observao, mas existia, como um veio de ouro puro em meio a minerais brutos.

    Essa concordncia, essa unidade existente sob multiplicidade e diversidade aparentes, talvez seja a descoberta mais importante e fundamental da nossa procura, porque levar, quase que inadvertidamente, a novas e construtivas orientaes, a profundas modificaes de perspectiva, e a uma expanso de conscincia que ir influenciar, mesmo que no o percebamos, toda a nossa maneira de ser e de pensar.

    O sentir que existe uma unidade, no apenas no sentido material e biolgico, mas tambm no sentido mais profundo da conscincia e das aspiraes ntimas do homem , realmente, uma fora de que nos podemos servir como uma alavanca para subir mais alto e para fazer descobertas ulteriores sobre o caminho da procura da verdade.

    Compreenderemos, pouco a pouco, que a resposta aos quesitos fundamentais da vida no pode ser encontrada no mundo do relativo, que se apresenta enganador, ilusrio, e continuamente cambiante, mas sim num plano mais elevado, em um nvel de conscincia superior, ao qual todos podemos ascender, porque o mundo do Real, que potencialmente j possumos.

    Na realidade, trata-se de deslocar nosso centro de conscincia, o enfoque de nossa ateno, e fazer tomar-se consciente o que inconsciente, pois, definitivamente, a descoberta da verdade uma passagem lenta e gradual da obscuridade da inconscincia, que nos leva a nos identificar com o que ilusrio e irreal, luz da plena Conscincia.

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  • Para dar, assim, certa ordem e certa concretizao ao fio das nossas reflexes, oportuno que se faa um quadro bem preciso dos pontos que tomaremos em considerao.

    Antes de tudo, lanaremos os olhos para alguns argumentos gerais, mas de fundamental importncia, que serviro para preparar e esclarecer aqueles que em seguida sero tratados, na segunda parte deste livro, isto : as grandes Leis Universais, que regulamentam as manifestaes do microcosmo ao macrocosmo, do relativo ao Absoluto, do homem a Deus, e que mantm a harmonia e o equilbrio da Vida Una.

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  • II

    DESENVOLVIM ENTO DA INTU I O

    ... o conhecimento do Uno no vem por meio da cincia e do pensamento... mas atravs de uma presena imediata, superior cincia. Plotino, Enneades, VI.

    Para colocar nossa mente na atitude apropriada para refletir sobre os argumentos que sero tratados no desenvolvimento deste livro, oportuno nos determos a falar, embora rapidamente, da intuio, uma vez que, se quisermos passar do relativo ao Absoluto, do particular ao universal, e conhecer o verdadeiro significado da vida e as leis que regulam a manifestao, devemos procurar desenvolver e usar essa faculdade.

    Como fizemos sentir no captulo precedente, a intuio uma qualidade inata da mente humana, e tambm (como diz Jung) uma das quatro funes psicolgicas fundamentais do homem (sensao, sentimento, intelecto, intuio).

    Realmente, medida que evolumos, que amadurecemos, ela comea a manifestar-se espontaneamente, e a fazer sentir sua presena de vrias maneiras, de incio veladamente, quase timidamente, depois sempre mais clara e luminosamente.

    s vezes, de incio, somos ns prprios que no a reconhecemos, ou que no queremos reconhec-la, pois hesitamos em atribuir-lhe a dignidade e o valor de qualidade intelectual.

    7 \

  • 0 homem orgulhoso da sua mente, da sua inteligncia, do seu poder de raciocnio lgico, baseado sobre dados concretos e tangveis e no quer admitir que exista uma faculdade mais exata e mais segura do que a mente racional, que foge ao domnio do seu intelecto e que a faculdade da intuio.

    Acontece, estranhamente, que tal intuio, que uma forma de conhecer sinttica, imediata e irracional, de incio no inspira confiana, pois no parece oferecer bases seguras e, acima de tudo, afigura-se no demonstrvel, e ento a repelimos quando aflora, quase nos envergonhamos dela, julgando-a inferior lgica e a razo concreta.

    Na realidade, os momentos nos quais a intuio faz sentir sua presena, embora furtivos, so mais freqentes do que se acredita, e permeiam continuamente nossa vida, embora nem sempre percebamos isso.

    Quantas vezes, por exemplo, aconteceu ter havido um imprevisto relmpago de intuio, uma inspirao inesperada em certos momentos particulares da nossa vida, e no o termos seguido, preferindo, ao invs disso, obedecer aparente solidez e credibilidade da lgica, que em seguida demonstrou estar errada.

    E ento nos arrependemos de ter preferido seguir a segurana da razo, ao invs da orientao segura e luminosa da nossa intuio.

    como se tivssemos receio daquela faculdade, por ser inslita, desconhecida, misteriosa, e nos pr em contato com um mundo ignoto, o mundo da Realidade. Entretanto, ela acompanha sempre a nossa vida e chega para todos o momento de conhec-la, como atesta a vida de muitos grandes homens, (filsofos, cientistas etc.), que sempre foram ajudados em sua procura da verdade mais pela inspirao do que pela razo e pela lgica.

    Diz Van Der Leeuw: ... sempre o relmpago da intui*

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  • o que nos mostra a verdade e coordena o nosso materiaJ intelectual laboriosamente recolhido .

    Essa atitude de desconfiana, de dvida, a propsito da intuio, depende de dois fatores: o primeiro a raridade e a novidade de tal modo de conhecer, que o faz parecer incerto, estranho e ilusrio; o segundo a ignorncia em relao estrutura e funcionamento da nossa mente.

    Todos os que observaram e estudaram as funes inte- lectivas do homem compreenderam que na mente humana esto presentes duas formas diversas de pensar e de conhecer: uma delas analtica, discursiva, lgica, e a outra sinttica, irracional, globalmente direta, por assim dizer.

    Tambm Spinoza, por exemplo, distingue o conhecimento intelectual do conhecimento afetivo, que um conhecimento experimentado, vivido, um contacto ntimo, uma identificao com o objeto a conhecer. Ele diz que tal conhecimento afetivo muito diferente do intelectual, porque s esse capaz de produzir no homem o desenvolvimento da conscincia, das modificaes e de transformar a teoria em realizao.

    Bergson, em seguida, define a intuio como uma espcie de simpatia intelectual, que nos transporta, de repente, para a intimidade sinttica do real .

    Essas definies nos fazem pensar que a intuio, embora sendo uma faculdade da mente, arrasta consigo tambm o lado afetivo e emotivo do homem, pois se reveste de calor e de amor para com o objeto a conhecer.

    Como poderia, de outro modo, o rido e frio intelecto tomar-se capaz de identificao, de unio com a coisa, sendo, por sua natureza, crtico, seletivo e separativo?

    A intuio, portanto, embora fazendo parte do aparelha- mento intelectivo do homem, de certa maneira o transcende, vai alm dele, e participa da vida e da expresso do Eu, cuja natureza Amor.

    O I

  • No livro de A. A. Bailey, A Iluso como Problema Mundial, l-se, a propsito da intuio:

    Os trs termos, Iluminao, Compreenso e Amor, resumem as trs qualidades e os trs aspectos da intuio, e podem ser sintetizados na palavra universalidade, ou senso da Unidade Universal.

    Nossa mente, portanto, deve ser considerada como ponte entre a personalidade e o Eu, j que participa contemporaneamente do mundo objetivo e do mundo subjetivo, do concreto e do abstrato. O seu smbolo , de fato, um Janos bifronte, com uma face voltada para o exterior e a outra para o interior, representando as duas faculdades cognoscitivas do intelecto: a racional, concreta, voltada para o mundo objetivo, e a sinttica, intuitiva, voltada para o mundo interior, o mundo das causas.

    O nome Janos (em latim: Janus) deriva da palavra latina janua que quer dizer porta, pois na verdade o deus Janos era considerado o protetor da casa, sendo colocado perto da soleira da habitao.

    E no poderia ser, a intuio, a chave para abrir essa porta e levar-nos a entrar (como, de resto, diz a palavra intus- ire) nesse mundo onde est a verdadeira essncia das coisas?

    Todos os que tiveram a experincia do conhecimento intuitivo afirmam que, com efeito, assim.

    Portanto, se quisermos realmente compreender os significados que esto por trs das formas e conhecer a realidade, devemos favorecer o desenvolvimento da intuio.

    Quais so as preparaes e os meios para consegui-lo?Um dos meios principais o estudo dos smbolos. Tal

    mtodo era muito seguido na antiga escola iniciadora. Na verdade, a cada discpulo era dado um smbolo para interpretar com^o auxlio nico da meditao. Ele no podia abandonar a meditao sobre aquele smbolo enquanto na sua mente no surgisse o relampejar da intuio do seu verdadeiro significado esotrico.

    24

  • Hoje, tal mtodo caiu um pouco em desuso, mas quem realmente quer desenvolver sua faculdade intuitiva no pode ignor-lo.

    Conforme diz A. A. Bailey: Os smbolos so as formas externas e visveis da Realidade espiritual interior e, quando se obtm a faculdade de descobrir facilmente a realidade que est por trs de cada forma, isso , exatamente, o indicio do despertar da intuio . {Op. cit.)

    Se levarmos em considerao (como j foi dito) que, na realidade, tudo smbolo, aquele mtodo poderia ser conti- nuadamente aplicado, a qualquer momento do dia, em todos os acontecimentos da nossa vida.

    Trata-se, afinal, de assumir uma atitude particular da conscincia para com o mundo exterior e tudo quanto nele acontece; uma posio de observao desapegada , de espera e de escuta, como diante de um mistrio a resolver, de um enigma a solucionar. preciso no nos mostrarmos precipitados dando interpretaes e opinies com a nossa mente lgica, no nos determos nas aparncias e explicaes mais evidentes, e sim procurar seguir em profundidade em busca das causas, daquilo que est por trs.

    Essa atitude no , talvez, a mesma do cientista e do psiclogo, cautelosos no dar opinies, lentos na interpretao, e sensveis a cada mnimo matiz, a cada pequeno fenmeno que possa fornecer a chave para descobrir a origem e o que est sob o fundo daquilo que aparece na superfcie?

    E no parece estranha essa proximidade do psiclogo e do cientista, embora um investigue os fenmenos psquicos e outro os fenmenos fsicos, porque ambos, se realmente so pesquisadores da verdade, fazem uso da intuio, embora sem o saberem.

    A cincia, que julgada pela maior parte das pessoas como a mais concreta, a mais racional das manifestaes da mente humana, , contudo, pelo menos. em cinqenta por

  • cento, baseada nas intuies, nas inspiraes, nas hipteses, enquanto as demonstraes lgicas vm depois.

    preciso dizer, porm, que nem todos os cientistas so intuitivos, mas s os que tm a mente genial, j que o gnio um produto do Esprito, uma expresso da parte divina do homem: o Eu.

    Se procurarmos cultivar essa atitude do investigador sensvel, aberto intuio, iluminado, desejoso de seguir em profundidade sem se deter diante da aparncia das coisas, conquistaremos aquela faculdade que Patanjali chama leitura espiritual, e que a capacidade de ler atravs das formas, dos acontecimentos e das coisas, a Realidade Espiritual e os significados profundos.

    Para quem est habituado a observar apenas a exterioridade, a emitir opinies, a formular conceitos, a se deixar levar pela exatido e segurana da mente racional, essa atitude poder parecer repleta de perigos e de fceis iluses. Ter receio de cair no ardil da imaginao e da poesia, ou, pior ainda, da exaltao pseudomstica dos fanticos e dos que fogem realidade da vida...

    Esses temores so infundados, pois ser a prpria vida, com as suas provas, com as suas dolorosas experincias, com as suas dificuldades e com os seus problemas aparentemente insolveis, que o convencer, por fim, de que a mente concreta insuficiente para nos dar a explicao do segredo da existncia, e nos far compreender que deve haver uma outra forma de saber, um outro modo de interpretar as coisas, que vai alm da razo, alm da lgica, alm do intelecto.

    proporo que a aspirao de conhecer a verdade aumenta, torna-se- uma exigncia sempre mais urgente, uma necessidade de vida. Nossa mente sentir uma transformao, uma orientao nova e, quase sem que o percebamos e de uma forma espontnea, comear a manifestar-se o seu aspecto mais alto: o intuitivo.

    26

  • Ento, gradativamente, todos os problemas sero resolvidos, toda a aparente incoerncia da vida parecer clara, sentiremos a maravilhosa unidade que existe por trs da multiplicidade e todo o nosso ser ficar repleto de Alegria, de Luz e da Sabedoria do Esprito.

  • III

    APARNCIA E R EA LID A D E

    A natureza um templo... e o homem por ali passa atravs de florestas de smbolos familiares. Baudelaire.

    Se tomarmos como ponto de partida para a nossa procura da verdade o pressuposto fundamental, seja mesmo hipottico, de que existe uma unidade essencial por trs da multiplicidade, da diversidade que aparece nas manifestaes de todos os nveis, unidade que para ser vlida deve, certamente, ser regulada por um conjunto de leis justas e de perfeita harmonia, lgico chegarmos concluso de que aquilo que vemos, que experimentamos no plano do relativo, e que pode parecer sem sentido, injusto, catico, no seja a Realidade, mas uma aparncia (de realidade), um reflexo, uma distoro, um fragmento de uma imensa e justa Realidade, que est alm da nossa atual compreenso.

    Desde que surgiu o primeiro pensamento especulativo, o homem se deu conta de que devia haver uma Realidade profunda das coisas , com a qual, porm, lhe era difcil entrar em contato, e a multido de investigadores, filsofos e estudiosos, convencida de que vivemos em um mundo de aparncias ilusrias, sempre foi numerosssima.

    Vivemos numa espcie de cenrio artificial , afinnavam eles, que esconde a verdadeira natureza das coisas, e a verdade

  • ser sempre inalcanvel para o homem, porque os meios de que ele dispe, isto , os sentidos e a mente, so limitados e ilusrios.

    Todavia, outros investigadores, tambm numerosssimos, em todos os tempos, compreenderam que est no homem a possibilidade de entender a realidade, no com os sentidos ou com as indagaes mentais, mas por meio da intuio e do desenvolvimento da conscincia.

    Esta segunda posio a mais exata, j que focaliza o problema do conhecimento e esclarece que o obstculo na percepo da realidade das coisas reside no fato de que usamos meios limitados e incompletos, que nunca podero levar-nos verdade, pois no podem, por si mesmos, ir alm de um certo limite de percepo.

    A prpria cincia hodierna est convicta de que a aparncia preponderante em nossa vida habitual, e de que os sentidos no recebem a impresso exata da realidade das coisas.

    Basta tomar como exemplo a impresso de solidez da matria. Isso uma iluso, j que hoje sabido que a idia de compacidade dos corpos, considerados slidos, o resultado do movimento incessante dos tomos que os compem, quando, na realidade, h mais espaos vazios do que zonas compactas.

    Tambm no caso do som e da luz, sabemos muito bem que nossos ouvidos e nossos olhos s podem perceber um nmero limitado de vibraes, e que existem sons e cores, que jamais podero ser recebidos pelos nossos rgos de audio e de viso.

    Do ponto de vista fsico, portanto, percebemos apenas uma verdade fragmentada e incompleta.

    Assim, se analisarmos a outra forma de conhecimento que possumos, e que a investigao mental, veremos que mesmo essa forma pode nos induzir ao erro, porque, geral

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  • mente, nossa mente baseia seu raciocnio na percepo que lhe vem atravs dos sentidos, sendo levada a observar e analisar tudo quanto sensorialmente perceptvel e pertencente ao mundo dos fenmenos.

    verdade que a mente, alm do poder da anlise, tem tambm o da sntese, mas este ltimo se desenvolver quando deixarmos de dirigir nossa pesquisa intelectual para o exterior, baseando-a apenas em dados concretos, e a volvermos, ao invs disso, para o interior, para o mundo das causas e dos significados, colocando-a em posio de espera e de escuta, porque os verdadeiros pensamentos e as verdadeiras idias provm, no do mundo das formas, mas daquele nvel onde vibra a Mente Universal.

    Portanto, a mente, com o seu movimento, com as suas dvidas, com o seu poder de fragmentar, de dividir, de duvidar, pode ser mais ilusria do que os sentidos.

    Assim, se aspirarmos realmente conhecer qual a Realidade, devemos evitar nos basearmos apenas sobre impresses sensoriais e de fazer especulaes apenas racionalmente, mas sim, dedicar-nos ao desenvolvimento das duas formas de conhecimento mais verdadeiras e exatas, latentes em ns, e que so a intuio e a conscincia.

    O primeiro passo para esse desenvolvimento o de procurar fazer experincias em nossa vida cotidiana, observando e analisando continuamente o nosso modo de viver e sentir, colocando-nos na posio de observador desapegado e objetivo. Essa posio necessria para nos ajudar a sair da identificao com a forma, com o relativo, e para despertar o senso da sntese, que a base da percepo correta.

    Uma das primeiras observaes que podemos fazer sobre ns prprios a constatao de que estamos imersos numa sensao de dualidade entre o mundo subjetivo e o mundo objetivo, e que oscilamos continuamente entre os dois plos dessa dualidade, ora projetando-nos para o exterior e imer

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  • gindo no mundo objetivo, acreditando que s ele real, ora retirando-nos para o interior, na introspeco que nos leva quase que a uma rejeio e a uma negao do mundo exterior.

    A essa altura camos na confuso e 110 conflito, porque no sabemos se mais real aquilo que podemos experimentar atravs dos sentidos, com a atividade, com a vida extrovertida, ou o que sentimos, pensamos e vivemos no mundo da nossa conscincia.

    De certa forma cada um de ns revive, em si prprio, a histria da procura humana no campo filosfico, porque, atravs do tempo, duas tm sido as posies principais dos investigadores da verdade: a que considerava como real apenas 0 mundo sensvel, negando a realidade da conscincia, e a que s considerava real o mundo subjetivo da conscincia, tendo como ilusrio e artificial o mundo exterior.

    Ambas essas posies esto erradas e, se realmente alcanamos 0 momento da nossa vida no qual a aspirao da verdade se tomou uma exigncia profunda, uma necessidade vital, que parte da nossa essncia mais autntica, intumos que preciso encontrar uma terceira soluo. Na verdade, a soluo exata est no superamento da dualidade em uma sntese uni* tria superior, que pe fim s oscilaes dos dois plos, recompondo-os em uma nica realidade.

    Esse o segredo que est oculto por trs das aparncias, por trs de tudo quanto acontece, de tudo quanto experimentamos. Mas no basta reconhecer isso com a mente, estar convencido intelectualmente. preciso senti-lo , experiment-lo , para poder dizer: verdade. Eu o vivi .

    O conhecimento no vlido se no se transforma em conscincia.

    No fcil nem simples, naturalmente, chegar a essa experincia, a essa realizao. necessrio um longo caminho evolutivo e uma srie de amadurecimentos, para que a nossa personalidade humana acorde para a sensibilidade

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  • do real, e saiba discernir a unidade por trs da dualidade.Todavia, embora o caminho ainda seja longo, esto em

    ns os meios para chegar a tal realizao, pois tudo o que experimentamos, tudo o que vivemos, nos leva, paulatinamente, para uma sensibilizao subjetiva, para um despertar gradual da conscincia, que agora est adormecida, capsulada como uma semente enterrada na terra escura, mas que ver a luz, mais cedo ou mais tarde.

    Embora ainda no estejamos despertos e perfeitamente conscientes, e no tenhamos ainda intuio, no importa. O importante saber disso, e no cair no erro da presuno e da auto-iluso, mais perniciosas do que a ignorncia, porque se fecham em um crculo de separao, dentro de uma casca dura e cristalizada.

    Saber ver-se nas justas propores e ter conscincia dos prprios limites, assim como das prprias qualidades, j uma grande realizao, se isso for unido tambm certeza de que tais limites so temporrios e podero ser superados.

    Realmente, a chave que poder abrir para ns a porta do longo caminho da realizao interior que nos conduzir ao mundo da Realidade a certeza, a firme confiana no prprio Eu interior.

    Agora chegou o momento de nos perguntarmos: mas onde , e o que vem a ser o Mundo da Realidade?

    Usando a palavra mundo , poderemos cair no erro de crer que se trate de um lugar, de um nvel distante de ns.

    O mundo da Realidade, ao invs disso, um estado de conhecimento completo e total, que provm da realizao do verdadeiro Eu interior, realizao essa que poder ser conseguida quando tivermos deslocado nosso centro habitual de identificao com o eu comum e ilusrio, para a identificao com o Eu espiritual, e quando tivermos desenvolvido a intuio, que o modo de ter conhecimento do Eu.

    Portanto, o mundo da Realidade est aqui. Est, por

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  • assim dizer, dentro de ns, em uma dimenso sem espao e sem tempo, onde tudo vive em sua essncia real: na Unidade.

    Estas palavras podem parecer sem sentido, agora, porque estamos imersos na dimenso espao-temporal, identificados com a forma externa, e habituados a conhecer tudo atravs dos sentidos. Entretanto, s vezes acontece, talvez por um breve instante, fugidio como um relmpago, sentirmos que isso pode ser verdade. So aqueles instantes em que toca, a cada um de ns, experimentar um estado de conscincia diferente do comum, estranho e indefinvel, mas peculiarssimo; um estado que, paradoxalmente, vem a ser chamado senso de irrealidade , pois enquanto perdura, todos os objetos familiares, as pessoas, e at ns prprios, parecemos irreais, estranhos e absurdos. Tudo assume um aspecto de estranheza, de distanciamento, de absurdidade. Tanto, que comeamos a indagar de ns mesmos: Mas onde estou? Por que me encontro aqui? Que so estes objetos que vejo? Quem sou eu?

    No fcil descrever com palavras esse estado de conscincia estranho, que parece nos manter supensos entre o mundo usual, de sbito tomado ignoto e estranho, e um novo mundo que ainda nos desconhecido. Todavia, quem passou por isso sabe quanto intenso e verdadeiro, embora brevssimo, e como, ao findar, deixa uma sensao aguda de saudade e de perda, como se tivssemos sido levados ao limiar de uma descoberta, ao limite de uma dimenso misteriosa e vibrante de luz e de vida.

    Esses instantes, porm, so apenas um vislumbre, um reflexo longnquo do que o mundo da Realidade.

    Mas ento assim difcil penetrar nesse mundo?De onde vm os obstculos para alcan-lo?O principal obstculo est no fato de vivermos na dua

    lidade e de no conseguirmos superar a oposio, falsa e ilusria, entre o subjetivo e o objetivo.

    Por outro lado, o senso de dualidade necessrio ao

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  • desenvolvimento da conscincia, porque, sem o atrito entre os dois plos o verdadeiro conhecimento n o despertar.

    No acontece, de fato, continuamente, em nossa prpria experincia, haver necessidade do oposto para nos tornarmos conscientes de alguma coisa? No nos apercebemos da luz, se n o pusermos a escurido contra ela; no sentimos a felicidade, se no tivermos sentido o sofrimento e no podemos ser conscientes do eu se no lhe opusermos o no-eu...

    Todas as doutrinas espiritualistas dizem que a conscincia um produto da unio do Esprito com a Matria, que o Pai e a Me csmicos tiveram de unir-se para dar vida ao Filho. Em sentido individual, tambm o nosso Eu, a centelha divina, foi envolvido pela matria, fechou-se em uma forma, perdendo o sentido da Unidade primignia, para que se formasse a autoconscincia.

    Encerrando-nos na priso da forma, perdemos contato com a totalidade a que antes pertencamos inconscientemente, e agora devemos reconquistar esse contato, mas em plena conscincia.

    Todas as faculdades que esto em ns, em todos os n veis, do fsico ao mental, so, na realidade, meios de contato que se foram desenvolvendo aos poucos, sob o impulso do Eu, desejoso de sair do Ovo Negro em que est aprisionado.

    Diz Sri Aurobindo: Ns... inventamos olhos, mos, sentidos, mente, para podermos nos reunir ao que havamos excludo do nosso Grande Ser .

    Assim, o nosso estado de inconscincia e de separao que nos leva a considerar a manifestao como uma dualidade composta de aparncia e realidade, enquanto tal dualidade, com efeito, no existe.

    Tudo isto poder parecer absurdo a quem ler estas linhas usando a mente concreta, habituada a provas slidas e tangveis.

    E essa atitude compreensvel.

  • Todavia, possvel ter provas para tudo que ficou dito acima, pois vir o momento em que poderemos experimentar, por ns prprios, qual a realidade e constatar, pessoalmente, a exatido ou a inexatido destas afirmaes.

    Devemos, assim, contnua e constantemente, evitar a especulao apenas intelectual e de forma abstrata, mas, ao contrrio, tentar fazer a experincia, realiz-la o mais que pudermos, em todos os momentos da nossa vida cotidiana.

    Cada experincia, dizem realmente as doutrinas espiritualistas, um experimento que se deve transformar em expresso do Eu.

    E como se pode agir assim? necessrio, antes de mais nada, procurar viver e agir

    em pleno conhecimento, no criando compartimentos separados entre a vida subjetiva e a vida objetiva, entre o pensamento e a ao, entre a Alma e o corpo, mas tentar unir os dois plos da nossa dualidade fundamental com a ponte da conscincia.

    Geralmente, as pessoas comuns, ainda imaturas, no sabem unir esses dois plos, embora comeando a adquirir conhecimento, e, quando vivem o plo da vida objetiva, perdem completamente o contato com o plo da vida subjetiva, imergindo totalmente na exterioridade.

    Vemos, com efeito, como so numerosos aqueles que quando agem e vivem a vida exterior deixam-se viver, movidos por impulsos inconscientes, condicionados pela influncia ex- tema, escravos de hbitos e de automatismos... At o seu pensamento condicionado, suas opinies no se fazem frutos de reflexes pessoais, suas decises dependem de sugestes provenientes do exterior, seus estados de nimo so criados pela identificao inconsciente com o ambiente que os circunda, suas idias morais nascem do medo, impresses absorvidas desde a infncia. Assim, eles acreditam estar agindo segundo uma escolha livre, pensam ter uma vontade indepen-

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  • dente e, ao invs disso, so como que autmatos movidos por fios invisveis.

    E, alm disso, vivem na iluso, tomando as aparncias como realidade, porque ainda no sabem entender o significado profundo oculto por trs das formas, e no so cnscios da vida e da energia que vibra em nveis mais sutis do que o fsico, identificados que esto com a forma externa, mais cristalizada, e se debatem num mundo de sombras, sofrendo e lutando, sem encontrar caminho de sada.

    E tudo isso acontece porque, enquanto a verdadeira conscincia no desperta, o homem no nasceu, verdadeiramente. Est ainda imerso na inconscincia pr-natal, dormindo na matriz obscura da personalidade, que o nutre, sem que ele se d conta disso.

    O nosso Eu ainda embrionrio, a Criana Eterna, a Conscincia, alimenta-se e cresce por meio das experincias, das provas, das lutas, dos sofrimentos que lhe transmitem estmulos contnuos atravs da Me, da personalidade, at que esteja pronta para vir luz da Vida.

    E que devemos fazer, ento, enquanto esperamos esse nascimento?

    Devemos nos colocar, como j disse, na posio prpria para favorecer esse crescimento, transformando cada experincia em alimento para a conscincia. E isso significa tentar unir os dois plos. Assim, recobraremos gradualmente o senso da totalidade, da Unidade perdida, pois conhecer , realmente, um recordar, e ns devemos nos tornar aquilo que j somos .

    Toda a vida um esforo para nos tomarmos conscientes da nica Essncia, e para reunir em um todo, palpitante de energia e de luz, aparncia e substncia, Matria e Esprito.

  • IV

    ESPIR ITO E M A T R IA

    Quando o nico se torna Dois, ento pode ser qualificado com o Esprito e Matria. H. P. Blavatsky, Doutrina Secreta, Vol. II, 32.

    Para primeiro poder compreender, e depois auxiliar a superao da dualidade da nossa existncia, necessrio que voltemos origem de todas as dualidades existentes na manifestao, Causa Primeira que as produziu. Dessa forma, poderemos tentar intuir o significado e o escopo evolutivo da polaridade, que parece ser a caracterstica fundamental do mundo manifestado.

    Na verdade, a dualidade uma realidade universal, que se encontra em todos os nveis do macrocosmo ao microcosmo, do infinitamente grande ao infinitamente pequeno, entrete- cendo a vida sob as mais variadas formas do jogo misterioso dos opostos.

    Do tomo Divindade, duas foras parecem conservar em equilbrio, mantendo-se em etema anttese, toda a Criao.

    Positivo e negativo, ativo e passivo, macho e femea, luz e sombra, consciente e inconsciente, vida e m orte... Sempre o oposto voltando, e no existe ser, aspecto ou manifestao, que no tenha sua metade escura .

    Podemos dizer, portanto, que a dualidade, ou polari-

  • dade, constitui o problema-chave na procura da verdade.Qual a causa, qual a origem disso?Para responder a essa pergunta devemos, inevitavel

    mente, voltar s revelaes e s intuies das Antigas Doutrinas orientais e ocidentais, segundo as quais existe um Ser Transcendente, Absoluto, lmanifesto, que a Causa primeira de toda a manifestao. Ele o Uno do qual tudo provm. Ele o Princpio de tudo que existe, a Causa sem causa; Ele a Vida Una, Infinita, a nica Essncia.

    Quando esse Princpio sai do seu estado de perfeito repouso para manifestar-se e criar o Universo, tem incio a dualidade. Tal dualidade, porm forma-se no prprio seio do nico, pois Nele se manifestar a Vontade positiva princpio expansivo como Esprito, e a Vontade negativa princpio restritivo como matria, as duas colunas do Templo Universal (Chevrier, Doutrina Oculta).

    Com efeito, o Uno, ao manifestar-se, automaticamente se autolimita: essa limitao, entretanto, essa restrio, refere- se apenas a um aspecto de si mesmo, que Dele dimana, e no sua totalidade.

    Tendo permeado com uma parte de Mim Mesmo todo o Universo, Eu permaneo - diz o poema sagrado hindu, o Bhaghavad Gita.

    Assim, a dualidade Esprito e Matria forma-se no seio do prprio Absoluto e o primeiro par de opostos do qual iro derivar todos os outros opostos da manifestao, os quais, em realidade, no passam dos mltiplos reflexos desse duplo aspecto da Vontade criadora.

    Tal dualidade fundamental, portanto, compreendida num sentido horizontal, isto , explica dois plos, positivo um, negativo outro, com um terceiro elemento, que os transcende e que os contm a ambos: o Uno.

    bom ter isso presente para no cair em equvocos e confuses, j que s vezes alguns estudiosos entendem, com a

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  • palavra Esprito, o elemento transcendente que est acima de todo o par de opostos.

    At o pensamento chins considera a dualidade fundamental em sentido horizontal: Tao, o Indivisvel, o Grande Uno, d origem a dois princpios opostos da realidade, Sombra e Luz, a Yin e a Yang..

    Esses dois princpios opostos so duas grandes correntes de energia que permeiam todo o universo em todos os nveis, da Divindade ao tomo, e no homem se encontram e lutam, de incio, at encontrarem o equilbrio e a harmonia que produzem o nascimento da Flor de Ouro, isto , do Eu, que a expresso da Unidade, da totalidade alcanada.

    Jung retoma essa concepo do antigo pensamento chins, j que afirma que no ser humano h dois princpios opostos que tendem sntese da qual emergir o verdadeiro indivduo, o Selbst (o Eu) que o Homem auto-realizado em sua inteireza.

    Nos sonhos dos seus pacientes ele pde constatar, um nmero infinito de vezes, como o Eu muitas vezes se apresentava sob smbolos, expressando a unio dos contrrios , isto , o Hermafrodita, a Cruz de quatro braos etc.

    Tambm os antigos alquimistas acreditavam que o Homem Real, plenamente realizado, resultava da unio dos plos opostos, positivo e negativo, da misteriosa conjuno de Sol e Lua.

    Esse modo de considerar a dualidade Esprito-Matria como os dois plos, positivo um, negativo outro, de uma Realidade Superior, parece exercer uma estranha atrao sobre ns e, em geral, intuitivamente aceito, porque responde a qualquer coisa de profundo e real que sentimos. E, talvez, isso nos convena mais do que qualquer teoria ou doutrina esotrica, porque, conforme tivemos antes a ocasio de dizer, o conhecimento interior que nos pode dar a certeza de uma verdade enunciada, e no o conhecimento intelectual.

  • 0 homem tem em si a possibilidade de fazer a experincia direta da unidade essencial do Esprito e Matria, que est oculta atrs da transitria e aparente dualidade, porque ele o microcosmo que reflete em si todo o macrocosmo, e , tambm, a imagem e o smbolo da Divindade manifestada.

    Nele se repete o processo da manifestao com as suas vrias vicissitudes e os seus ciclos. Toda verdade poderia ser lida no homem, se ao menos soubssemos decifrar e compreender o significado oculto em sua natureza complexa e misteriosa, e soubssemos, realmente, tomar conscincia dos processos que se do dentro dele.

    No que se refere ao problema enunciado da unidade na dualidade, o homem, geralmente, passa atravs de um processo interior de gradual tomada de conscincia de tal realidade, que constitudo de quatro fases principais:

    1. Fase materialista de identificao com a forma mais densa, o corpo fsico, durante a qual a matria considerada como nica realidade, pois pode ser conhecida por meio dos cinco sentidos fsicos, aos quais se atribui o mximo valor probatrio. Tal fase pode perdurar muito mais tempo do que se pensa, pois o posicionamento materialista chega a subsistir mesmo ao lado de uma cultura notvel e de um grande desenvolvimento intelectual, que no impedem, entretanto, que o eu se identifique com o corpo fsico, e que a conscincia, permanea encerrada nele.

    2. Fase de dualismo, durante a qual o homem comea a tomar-se sensvel a estados de conscincia mais sutis, a sentir a presena do seu mundo psquico, subjetivo e, em conseqncia, principia a sentir a anttese entre o eu e o no-eu, entre o mundo interior e o mundo exterior.

    Estas uma fase muito importante e muito longa, que pode ter acontecimentos alternados, crises e conflitos, e tem, por assim dizer, vrios graus, porque vai do momento em que se desperta a sensibilidade psicolgica at o momento em que

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  • tem incio a aspirao a qualquer coisa de espiritual e divino.3. Fase mstica e asctica, que se inicia, exatamente, por

    uma aspirao fervente para o plo espiritual, sentido como um poderoso m que atrai, enquanto o plo da matria vai perdendo cada vez mais seu imprio. Durante essa fase, por efeito da aspirao, da renncia e da elevao para o Divino, o homem comea a ter os primeiros vislumbres de uma conscincia espiritual, e ento tende a identificar-se completamente com essa conscincia, que constitui o plo positivo, com conseqente rejeio e desprezo pela forma e pelo corpo fsico.

    A matria considerada a origem do mal, pois vista apenas como um impedimento, um obstculo.

    4. Fase de realizao, depois da revelao da conscincia espiritual e o contato consciente com o Divino, que aconteceu por efeito da aspirao mstica e elevao das emoes, o homem d incio ao trabalho de unificao dos dois plos, j que no momento da sua iluminao compreendeu o verdadeiro escopo da forma e o segredo oculto na matria, que ele tanto desprezava. Sente, finalmente, que deve reconstituir a unidade em sua conscincia, pois a dualidade era apenas aparente, e no real. Essa fase talvez seja a mais difcil e mais longa, porque requer a gradual e total transformao e sublimao 1 da matria da personalidade, que deve passar do estado de energia condensada e inerte para o estado de energia vibrante, viva e consciente.

    Ao relacionar essas quatro fases, tivemos a necessidade de ser sintticos e demos apenas indcios de todo o processo de maturao que se passa no homem que, entre outras coisas, nem sempre procede de maneira ordenada e gradual, mas segue

    1. O termo sublimao no deve ser tomado em sentido psica- naltico, mas no sentido esotrico de transformao e refinamento da energia.

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  • alternativas, crises, revelaes e recadas, fluxos e refluxos, oscilaes e conflitos. Perodos de misticismo podem ser seguidos de perodos de renovado materialismo, de retomo ao dualismo, e de identificao com o corpo fsico, enquanto o homem no se estabiliza no centro do seu Ser, no Eu, que tem o poder de equilibrar os opostos e de dar sentido completao.

    Portanto, somente quando se alcana essa completao, essa unidade, e sente-se que o corpo fsico, com a matria de que composto, o Templo do Senhor , energia divina condensada, s ento possvel aceitar a verdade que diz serem Esprito e Matria s Um, representando uma dualidade necessria ao processo evolutivo, pois, se no os sentssemos como opostos, no se despertaria a conscincia adormecida.

    Fizemos sentir, no captulo precedente, que a conscincia nasce do encontro do Esprito com a Matria: que o Pai e a Me csmicos, unindo-se, do vida conscincia csmica. este o drama simblico que se repete continuamente pelo encontro das duas grandes energias universais emanadas do Absoluto, drama que se repete tambm no homem, para dar vida conscincia espiritual individualizada.

    o atrito repetido, o trabalho dessa longa luta entre os dois plos, que vai, finalmente, produzir o nascimento da Criana Divina . a matria, atormentada pelo Esprito, que aprisiona a fora nessa emboscada, e a transforma em conscincia .

    A matria no , pois, a priso do Esprito, mas seu bero, a matriz , a Me, que alimenta, e que faz nascer o Filho, a Conscincia. Como a semente tem necessidade da terra para amadurecer e crescer, a vida tem necessidade da matria para poder realizar-se em autoconscincia.

    Mas como poderia um elemento espiritual tomar vida e fora de um elemento no espiritual?

    Se isso acontece quer dizer que a matria formada,

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  • tambm, da mesma essncia do Esprito, apenas em nvel vibratrio diferente.

    Os antigos alquimistas tinham intudo esse segredo escondido na matria, quando tentavam extrair ouro puro, com a pedra filosofal, da matria bruta.

    A divisa dos alquimistas era, com efeito: Em cima como embaixo, embaixo como em cima, pois intuam que deveria haver um misterioso relacionamento, mas real, entre o segredo oculto na profundeza da matria e a energia universal e espiritual.

    Seria, portanto, de importncia primordial para quem procura a verdade, estudar e compreender a verdadeira natureza da matria do ponto de vista esotrico.

    A cincia modema, com a descoberta de que a matria n o , em realidade, nada mais do que energia condensada, se vai avizinhando da Verdade.

    Nestes ltimos tempos, a fsica parece orientar sempre mais para uma gradual desubstancializao da matria, e tanto isso verdade que o tomo chamado inconcebvel porque, para os fsicos, ele no onda nem corpsculo, mas pura funo de probabilidade .

    O trabalho da cincia muito mais espiritual do que se pensa, embora parea basear-se apenas em fenmenos concretos. Com efeito, como diz Meyerson, o epistemologista, o trabalho intelectual do cientista um esforo de identificao tendente a fazer com que aparea, sob as diferenas do Universo, a identidade fundamental que elas dissimulam, e que fazem com que um efeito seja sempre semelhante, no fundo, causa da qual parece emanar .

    O cientista esclarecido sempre dotado de intuio, levado sntese e universalidade e, com suas descobertas, constri a ponte entre o fenmeno e a causa, entre a matria e o Esprito.

    A Cincia, em um futuro que, esperamos, no esteja

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  • longnquo, dar, ento, a confirmao da Verdade enunciada pela Sabedoria Antiga?

    Deixemos essa hiptese em suspenso, por ora.Temos certeza de que as descobertas sobre a constitui

    o da matria e da energia atmica abriram o caminho para infinitas possibilidades e para imprevisveis conseqncias.

    preciso, alm disso, que tenhamos presente o fato de que hoje o conceito de energia se expandiu muito, encontrando-se at mesmo no campo psicolgico. Realmente, agora comum vermos a expresso energia psquica indicando as manifestaes do mundo psquico do homem, como as emoes, os sentimentos,' os pensamentos, os instintos... E essa expresso usada no por simples analogia, mas porque se foi aos poucos compreendendo que tais aspectos psquicos so verdadeiramente foras, isto , estados dinmicos, ativos, que tm seu preciso comportamento e suas leis especficas.

    Eis, pois, que gradativamente delineia-se a verdade de que tudo energia , isto , que tudo vibrao e vida. Em outras palavras: tudo Espirito, tudo composto de uma nica Essncia vivente: a Vida nica.

    Tambm a Sabedoria Antiga da ndia fala de um Princpio csmico energtico, Agni (o fogo) que permeia todo o universo e que a prpria substncia do cosmos.

    Agni, porm, est sempre unido a Chit, a conscincia.Chit-Agni, conscincia-fora, , portanto, a Essncia

    nica: O Universo inteiro, de alto a baixo, feito de uma s substncia, de conscincia-fora divina, o aspecto fora ou energia da conscincia Agni... (Satprem, >1 Aventura da Conscincia, p. 224).

    Existe tambm Agni na matria, ultimo estgio da energia densificada e convertida em matria .

    O dualismo Esprito-Matria , portanto, na realidade, ilusrio, uma condio transitria, criada pelo nosso estado de inconscincia e de limitao, mas , tambm, uma condio

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  • necessria e inevitvel para o desenvolvimento da conscincia, pois o prprio jogo dos opostos, o atrito entre dois plos, que produz, pouco a pouco, o despertar daquele centro que , ao mesmo tempo, ponto e circunferncia, que a totalidade e a plenitude do ser: o Eu.

  • VO PROBLEM A DA DOR

    A dor a luta para subir atravs da matria; . . .a dor o esboroar-se da forma para que o fogo interior possa arder. A. A. Bailey: Tratado de Magia Branca.

    Chegando a este ponto de nossas reflexes, necessrio que nos detenhamos para falar, embora com brevidade, daquilo que podemos chamar o problema central da vida humana: o problema da dor.

    O ponto de interrogao criado pelo problema do sofrimento, que parece ser a pesada herana do homem, a condenao da qual no se pode libertar, poderia ser um grande obstculo objetividade e tranqilidade da nossa procura.

    Eis por que, antes de seguir adiante e examinar outros assuntos de carter mais universal, devemos dedicar algumas pginas tentativa de acalmar e tranqilizar essa parte da nossa mente humana, dubitativa, sempre necessitada de explicaes precisas, e que talvez j se tenha perguntado ao ler tudo quanto at aqui foi dito: para que servem todas essas palavras sobre realidade, sobre o Uno, sobre a dualidade, se elas no oferecem a nica explicao de que o homem realmente necessita, e que a do porqu da angstia, do sofrimento, da sua contnua luta e de seu contnuo tormento?

    justo, pois, que se tente responder a essas perguntas.

  • Dissemos que o atrito entre os dois plos do Esprito e da matria que produz o nascimento da conscincia, da Criana Divina, o nosso Eu.

    Mas esse atrito, essa luta, que significam, realmente? Por que acontecem?

    Acontecem porque o homem, identificado com a forma e inconsciente da sua verdadeira natureza, ope-se fora espiritual que provm do seu Eu mais alto, que deseja conduzi- lo em direo luz. E essa oposio insciente a causa do sofrimento.

    Na verdade, se j fssemos conscientes e despertados, colaboraramos com o processo evolutivo, e no interpretaramos como renncia e sacrifcio os desapegos e superaes exigidos por essa transformao gradual.

    Todavia, se o homem no se opusesse, e se no existisse o trabalho e a dor, a conscincia no poderia despertar.

    Esse um ponto importantssimo, sobre o qual devemos nos deter a meditar, a fim de compreender o verdadeiro significado e o escopo real daquilo que chamamos sofrimento.

    A dor necessria, pois o meio indispensvel para o nosso aperfeioamento e para o despertar do nosso verdadeiro Eu.

    Essa afirmao poder parecer absurda e cruel para muitos, e suscitar neles um senso de rebelio, mas essa afirmao contm em si o segredo da verdadeira paz e da alegria, que o homem alcanar quando a tiver compreendido.

    Na realidade, a dor no um fato objetivo, uma espcie de condenao ou de castigo que o homem deve suportar, mas, ao invs disso, um acontecimento subjetivo criado por ele prprio, de forma inconsciente, devido sua ignorncia em relao a si mesmo, ao seu verdadeiro destino, e sua real natureza.

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  • As palavras de Buda a propsito do sofrimento podem ajudar a compreender melhor essa verdade:

    Diz o Senhor Buda:Qual a causa pela qual o mundo sofre?A ignorncia.De qu?Das quatro nobres verdades:1) A existncia da dor.2) A origem da dor.3) A cessao da dor.4) O caminho que conduz cessao da dor.A primeira nobre verdade nos exorta a reconhecer a

    evidncia da dor sobre a terra, sua inevitabilidade, e a afrontar com coragem a realidade das coisas.

    um fato evidente, com efeito, que sobre a terra existe a dor, sob os seus mil aspectos. Ela no pode ser evitada e no h uma s pessoa no mundo que no a tenha sentido, de uma forma ou de outra. Parece quase ser a nota predominante da histria da humanidade, que desde a sua origem teve de lutar, sofrer, sentir o golpe da calamidade, da adversidade, e ser atormentada pelas crises e pelas angstias interiores.

    A dor um problema coletivo e no s individual, e pode parecer uma inexorvel condenao do homem.

    Por isso, a primeira nobre verdade nos exorta a reconhecer a universalidade e a inevitabilidade da dor, olhando a realidade de frente, corajosamente. sempre indcio de maturidade interior saber enfrentar, sem medo, a verdade dos fatos, sem vs e inteis rebelies, e igualmente inteis negaes.

    Sim, verdade. Sobre o planeta Terra existem a dor, o mal, a luta, a morte, a cada passo do nosso caminho evolutivo, e a cada curva da estrada, sob infinitas formas, sob mil diversos matizes.

    intil neg-lo. vo rebelar-se diante dessa verdade.

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  • Quais as conseqncias que derivam desse corajoso e sereno reconhecimento?

    No, com certeza, o desespero, o abatimento, a passiva resignao, mas a profunda exigncia de compreender o por que disso, e a ardente aspirao, mesmo a urgente necessidade, de encontrar os meios para sair de tal crculo de inexorabi- lidade.

    Perguntamos a ns mesmos, de fato: Qual , ento, a causa deste sofrimento? De onde provm essa lei inexorvel da dor?.

    aqui que se delineia a segunda nobre verdade de Buda: a origem da dor.

    A dor tem origem no fato de no sermos conscientes da nossa verdadeira natureza, do nosso Eu.

    O sofrimento, na realidade, no seno o sintoma da ciso que existe em nossa conscincia, entre o Eu e o no-eu. a prova de que nos identificamos com o no-eu e nos sentimos alienados, divididos em nossa autenticidade, abandonados e distantes da nascente da Vida.

    Em ns existem duas exigncias igualmente fortes, que nos despedaam: a dos nossos impulsos instintivos, provenientes da identificao com a forma material e a da nossa natureza espiritual.

    A primeira nos impele a procurar a felicidade na satisfao dos desejos, a outra nos impele a superar a natureza inferior para dar realizao conscincia espiritual latente.

    a luta contnua entre essas duas exigncias que produz o sofrimento, mesmo que estejamos inconscientes dessa luta e acreditemos que a dor vem de fora, das circunstncias, dos acontecimentos, das pessoas, da vida.

    Podemos dizer que no existem acontecimentos dolo- rosos em si mesmos, mas existe uma reao subjetiva de dor e de sofrimento diante deles, e que diferente de indivduo para indivduo.

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  • Realmente, nem todos sofrem pelas mesmas causas, e nem todos reagem do mesmo modo, e isso vem da diversidade do nvel evolutivo, do grau de desenvolvimento da conscincia, da maior ou menor identificao com a forma.

    Portanto, fazendo um paralelo com a dor fsica, que considerada pelos mdicos como um sinal de alarma, um sintoma que revela uma disfuno, um perigo no organismo do homem, tambm a dor moral , na realidade, sinal revelador de desarmonia, de um mal oculto na psique do indivduo.

    Em outras palavras, no poderia a dor indicar em ns a existncia de uma atitude errada, de uma imaturidade, de um estado de obscuridade, de um apego que nos impedem de progredir?

    E no poderemos ns, estudando a natureza daquele sintoma , daquele sinal revelador, descobrir a verdadeira causa de tal coisa e reparar no real problema evolutivo, que est na raiz daquela dor?

    s vezes mesmo uma certa prova dolorosa, repetida e persistente, que retorna ciclicamente em nossa vida, pondo a descoberto nossos pontos fracos, o mal oculto, e nos indica com clareza, se soubermos interpret-la, o que ainda devemos superar e transformar.

    Faz-nos compreender qual o obstculo mais radicado em nosso ser, qual a dificuldade principal da nossa natureza, que sempre a mais latente e insciente, e por isso mesmo, a mais dura e difcil de superar.

    Estranhamente, ela faz parte de ns mesmos, e est de tal forma amalgamada em ns, que muito difcil descobri-la.

    , de uma certa forma, o avesso de ns mesmos, a evidncia da dualidade da nossa natureza, pois observamos, ao tomarmos cincia disso, que ela corresponde perfeitamente nossa mais alta qualidade, mas em sentido inverso.

    Podemos descobrir, por exemplo, como causa repetida de sofrimento, de desiluso e de conflito, a ambio, a sede de

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  • poder, que nos toma egostas, tirnicos, discriminadorcs e cruis. Pois bem: que h na raiz da ambio e no instinto de poder? A vontade, que uma qualidade positiva, e que deriva diretamente do Esprito: todavia, quando ela se toma prisioneira do eu egostico, torna-se fora destrutiva e perniciosa.

    Assim o Amor, o senso de Unidade, de Fraternidade, pode degradar-se , e inverter-se, passando a ser possessivi- dade, apego egostico, fraqueza, e incapacidade de autonomia...

    o nosso defeito principal, aquele que nos induz continuamente a cometer erros, dando-nos sofrimento e trabalho, a chave das nossas mais altas possibilidades.

    Quanto mais o defeito, o obstculo que est em ns, forte, enraizado e obstinado, mais ele significativo, importante e essencial, pois contm o segredo da nossa verdadeira natureza, a condensao da qualidade fundamental da nossa Alma, porm encerrada em cpsula, invertida, degradada; o Deus inversus que est em ns, o plo oposto do Esprito, que, entretanto, feito da sua mesma essncia.

    Quando sofremos porque somos atingidos sempre naquilo a que mais nos apegamos, no devemos nos rebelar, mas, de uma vez para sempre, compreender e aceitar a renncia e o sacrifcio que nos so exigidos, porque, em realidade, essa mesma renncia que libertar o fogo do Esprito.

    No queremos renunciar porque acreditamos dever destruir, anular, deixar morrer alguma coisa de ns prprios, que essencial, e sem a qual no podemos viver: com efeito, nada morre e nada se destri, mas tudo se sublima e se transforma.

    Cada parte da nossa natureza no tem como escopo final qualquer coisa que lhe seja totalmente estranha, e da qual deriva a necessidade da sua extino, mas qualquer coisa de Supremo, na qual transcende e reencontra o seu absoluto, o seu infinito, a sua harmonia, para alm de qualquer limite humano . (Sri AurobindoM Sntese da Yoga, p. 14.)

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  • Esta a prova que atrs da aparente dualidade da nossa natureza a Unidade, que devemos, porm, reconstruir, encontrando a identidade das origens dos dois plos.

    Devemos reconhecer a luz nas trevas, o bem no mal, o Esprito na matria, para que o Uno possa nascer.

    Vir, talvez, o dia da cessao da dor , como diz a terceira nobre verdade de Buda, quando o homem compreender a verdadeira funo do sofrimento e a sua verdadeira causa, ao invs de opor-se a ele, tomando-o mais spero e penoso, e ir transform-lo em mtodo consciente de purificao e sublimao.

    Tambm podemos estar imersos no trabalho sem sofrer, podemos voluntariamente aceitar a crucificao , sem sentir tormento e angstia, quando se sabe que est havendo em ns a maravilhosa obra de transformao do nosso ser, a preparao para o novo nascimento , que nos deixar livres, conscientes e em harmonia com o Divino.

    O caminho que conduz cessao da dor , quarta nobre verdade de Buda, , pois, a da aceitao consciente, o abandono ativo fora evolutiva e o fim da rebelio e da luta...

    Diz Annie Besant: Com a cessao da luta, cessa tambm a dor, porque ela deriva do desacordo, do atrito, dos movimentos antagnicos; e, onde a natureza inteira atua em perfeita harmonia, no se confrontam as condies que do origem dor ...

    (.A Sabedoria Antigay cap. X, p. 313.)Se ns, a cada vez que somos atingidos por uma prova

    dolorosa, ao invs de nos projetarmos ao exterior a fim de observar a causa objetiva daquela desventura, nos recolhssemos em ns prprios, e tentssemos observar nossa reao subjetiva, nosso modo de sofrer, talvez consegussemos, aos poucos, viv-lo de forma a extrair dele a-significao educativa, sublimatria e formadora, que a dor esconde em si.

  • No devemos esquecer que ns mesmos somos o crisol onde se fez a nossa transformao, ns mesmo somos o campo de batalha onde os dois opostos se encontram pela primeira vez, para depois fundirem-se e harmonizarem-se, libertando a luz e a conscincia.

    No foi por acaso que a terra foi chamada o Planeta do sofrimento libertador e da Dor purificadora .

    Todavia, um dia vir no qual o homem estar completamente livre do sofrimento, porque o seu destino o de encontrar a perfeita paz, a perfeita beatitude dada pela conscincia do nosso verdadeiro Eu.

    E compreenderemos como so verdadeiras as antigas palavras do Upanixade:

    Da alegria todos estes seres nasceram, para a alegria existem e crescem, alegria retomam .

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  • VI

    O SIG N IFIC A D O DA M O RTE

    A vida continuam ente um estado antes embrional, uma preparao para a vida. Um hom em no nasceu inteiram ente seno depois que passou para alm da morte. Benjamin Franklin.

    O problema da morte est estreitamente ligado ao problema da dor, j que a morte uma das causas mais difundidas de sofrimento, de medo, e de angstia para a humanidade.

    Em geral, o homem comum evita o pensamento da morte, vive como se jamais devesse morrer, e prefere no enfrentar esse problema que faz nascer nele uma sensao de mal- estar, de repulsa e de angstia.

    Ao invs disso, a busca de compreenso para o significado profundo desse evento universal, e, finalmente, o alcanar-se uma posio serena e iluminada em relao a ele, representa uma etapa decisiva no caminho da procura da verdade. De fato, aquele que compreendeu o verdadeiro e profundo significado do acontecimento misterioso a que chamamos m orte , compreendeu, tambm, o significado da vida, pois vida e morte fazem parte do mesmo processo; vir e partir pertencem a uma s realidade.

    Todavia, como dissemos antes, o homem, em geral, no s deixou de compreender a verdade que se oculta por trs

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  • desse acontecimento, como evita concentrar o pensamento nele, quase como se, n o pensando, esperasse afast-lo, ou at mesmo anul-lo.

    Esse o maior obstculo que se interpe resoluo desse problema, ofuscando a nitidez da viso e a objetividade com a qual deveria ser examinado e compreendido o assunto da morte.

    Isso acontece porque a prpria palavra morte est associada (desde tempos imemoriais) a imagens ttricas e ame- drontadoras, e com a idia de fun, de anulao e desagregao, e muito difcil superar essa associao e substitu-la pela idia mais serena, mais consoladora e, sobretudo, mais verdadeira, de transformao , de liberao , de novo nascimento . Todas as palavras agora usadas so as que correspondem, efetivamente, ao real significado daquele processo a que chamamos morte, e do um sentido de continuidade, de evoluo e de vida.

    Em primeiro lugar devemos pensar que a morte um processo universal, encontrado em todos os reinos da natureza, em todos os nveis, e no apenas no plano fsico, mas tambm no psquico, pois que a vida, sob todos os aspectos, est em contnuo crescimento e transformao, renovando-se ciclicamente, abandonando um velha forma por uma nova e passando de um estado para o outro.

    A morte, entendida como fim e como anulao, na realidade no existe, j que nada pode terminar, mas tudo se transforma e se renova.

    Talvez o homem, sem o saber, leve dentro de si mesmo a prova natural da imortalidade, j que h algo em seu ntimo que se rebela, inconscientemente, com a idia do fim. A mente humana repele como inconcebvel e absurdo o pensamento da cessao completa da vida. Talvez o prprio medo da morte oculte em si essa sensao inata, porm insciente, de continuidade, de imortalidade, que est oculta profundamente em ns prprios.

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  • Dizia Goethe: Para o ser pensante deveras impossvel pensar em si prprio como no existente quando o pensa* mento e a vida cessam; assim, cada qual leva consigo, profundamente, a prova da imortalidade, espontaneam ente... .

    Jung pde observar, analisando pessoas idosas e quase a morrer, que a psique inconsciente faz pouqussimo caso da m orte .

    E escreve: necessrio, pois, que a morte seja alguma coisa relativamente no essencial... A essncia da psique estende-se na obscuridade muito alm da nossas categorias intelectuais .

    O Mestre de Zurique, com essas palavras, queria dizer que h alguma coisa no fundo de ns mesmos, que no s sabe que no pode morrer, mas tambm sabe que se move em direo a uma meta diferente da do nosso corpo fsico, meta mais real, mais ampla, mais luminosa, que se estende e se expande bem alm dos limites da vida material.

    A morte do corpo fsico no tem, portanto, importncia alguma para essa conscincia mais profunda que est em ns, j que tal morte no considerada como um fim, mas antes como uma passagem, o incio de um novo ciclo de vida em outra dimenso.

    Isto uma verdade, afirmada por todas as grandes religies, e intuitivamente aceita por muitos grandes homens, j que, como dizia Emerson, h, em nosso esprito, uma f natural na imortalidade, na continuidade da vida. E escreve, mesmo, em seu ensaio sobre a Imortalidade: O primeiro fato que se observa o nosso sentimento de prazer pela continuidade. Todas as grandes naturezas so amantes da estabilidade, da continuidade, como imagem da Eternidade .

    Para se poder alcanar, porm, esse posicionamento iluminado e compreensivo diante da idia da m orte, necessrio que libertemos nossa mente das antigas formas de medo, de

  • preconceito, de superstio e de apego, e que, pouco a pouco, ganhemos a conscincia de sermos algo que pode existir independentemente do corpo, e nos convenamos de que existem tambm formas de vida fora da vida material.

    A primeira coisa a fazer seria aprofundar nossa compreenso do processo da morte, no s compreendida como desagregao do corpo fsico, mas tambm, e sobretudo, como processo de transformao em todos os campos, em todos os nveis (fsicos e psquicos) processo que tem a fmalidade de favorecer o progresso e a evoluo da conscincia do homem.

    Vista sob esse aspecto, a morte um fato que se repete continuamente, mesmo dentro de ns, em sentido psicolgico. Realmente, assim como do ponto de vista biolgico, as clulas do nosso corpo morrem e se renovam continuamente, tambm do ponto de vista psquico ns morremos e renascemos repetidamente, durante o curso da vida, para que possamos crescer, progredir e passar a estados sempre mais altos.

    As coisas passadas, as velhas formas, nas quais, inconscientemente nos cristalizamos, devem ser destrudas, devem morrer, para que a nossa conscincia evolua e amadurea.

    Cada crise interior da nossa vida, que assinala a passagem de um estado para outro, oculta em si a morte de alguma coisa, para que outra coisa possa nascer.

    Uma nova vida no pode nascer sem que antes morra a velha , diz Jung.

    A semente sepultada na terra apodrece e morre, para que da sua morte possa nascer uma nova vida.

    Assim, a morte do corpo fsico, a desagregao da forma material, necessria para que o homem possa nascer em outro nvel de vida. E isso depende do fato da matria do corpo fsico ainda no estar transformada , no ter sido ainda sublimada e redimida. Podemos aventurar a hiptese de que o dia em que tivermos convertido completamente a

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  • matria em conscincia, e unido os dois plos de corpo e Alma, talvez a morte no seja mais necessria.

    No ponto evolutivo em que estamos hoje, todavia, prematuro falar disso.

    De um ponto de vista prtico, por enquanto, devemos concentrar toda a nossa aspirao sobretudo no desenvolvimento da conscincia de ser e de existir independentemente do corpo fsico. S assim a idia da imortalidade e o senso de continuidade da vida podero tomar-se uma certeza ntima, uma realidade subjetiva, que nada poder ofuscar e anular, pois surgiro de um amadurecimento verdadeiro e pessoal, de um deslocamento da conscincia do nosso eu comum da identificao com o veculo material, para a identificao com aquela parte de ns que no morre, porque a nossa verdadeira essncia, o verdadeiro Homem, o Eu Espiritual.

    Para chegar a isso preciso conseguir, pouco a pouco, com exerccios graduais e com um lento processo de interioriza- o, desidentificar-nos primeiro com o corpo fsico, objetivando-o, e depois tambm com estados emotivos e mentais, at que sintamos emergir na prpria conscincia interior, uma presena, um centro estvel e lcido, consciente e vivo, independentemente dos processos fisiolgicos e das funes psquicas.

    0 fato de que no somos nem o nosso corpo, nem os nossos estados psquicos e mentais, pode parecer uma coisa bvia e j aceita, mas, na prtica, no assim, porque o ter conscincia de ser um Eu separado da personalidade representa uma obteno, fruto de gradual maturao interior e contnua vigilncia subjetiva. O homem, em geral, sabendo ou no sabendo intelectualmente que o Eu no o corpo, identifica-se com o seu veculo fsico, e se deixa prender s suas exigncias, s suas fraquezas e s suas limitaes. Isso acontece especialmente aos indivduos extrovertidos e dados a uma vida ativa, porque todas as suas energias esto focalizadas no mundo material e prtico.

  • Os temperamentos introvertidos, ao invs disso, tm, de maneira espontnea, um sentido de interioridade e sentem a realidade do mundo psquico, porque esto polarizados nele, e assim lhes fcil objetivarem o corpo fsico e sentirem a conscincia do eu desidentificado com os processos fisiolgicos.

    Esses conseguem sentir uma certa desidentificao com o fsico quando em certos momentos particulares de dor ou de doena, ou de enfraquecimento da vitalidade, ou de recolhimento interior. Em tais momentos, eles podem sentir a realidade do mundo subjetivo e a conscincia do eu, porque neles emerge um senso de dualidade entre o corpo fsico que sofre, que fraco, sem vitalidade, e a vida interior consciente, lcida, viva, completa e rica, que continua a desenvolver-se independentemente do estado em que se encontra o veculo material.

    nesses momentos que alguns tm a certeza de que a morte no existe, porque adquiriram o conhecimento de que existe uma vida, no verdadeiro sentido da palavra, que no , de nenhuma forma, tocada ou alterada pelas condies do corpo: esteja este vivo ou esteja morto, aquela vida continua.

    Os iogues orientais, muito sabiamente, ensinam a seus discpulos, desde a infncia, desenvolverem a conscincia do eu separado do corpo, com exerccios oportunos e graduais de desidentificao que, pouco a pouco, levam o indivduo a reconhecer, no s que no o veculo fsico, mas que qualquer coisa de eterno, de incorruptvel, de imortal.

    Uma outra coisa que pode ajudar a conquistar a certeza da continuidade da vida para alm da morte do corpo aprender a conquistar a faculdade de ficar consciente durante o sono.

    O sono muito semelhante morte, pois tambm ele representa*fima passagem a um outro estado de conscincia, enquanto o corpo jaz abandonado apenas s suas funes vege- tativas.

    Em geral imagina-se que o sono seja apenas um estado de

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  • repouso, necessrio para retemperar as foras. Na realidade, ele um deslocamento para um outro estado de conscincia, que chamamos inconscincia , j que ainda no estamos bastante evoludos para conservar a lucidez e o conhecimento quando estamos fora do veculo fsico.

    Portanto, seria muito til habituar-se, com previses e treinos especficos, a adquirir a continuidade da conscincia entre viglia e sono, e exercitar-se para considerar o estado de sono e, em conseqncia, os sonhos, uma experincia verdadeira e peculiar, em outra dimenso da conscincia.1

    Pode bem compreender-se, ento, como um posicionamento sereno, iluminado e sbio diante da morte seja fruto de verdadeira e apropriada maturao interior e represente um degrau importante e fundamental na escada evolutiva.

    Na verdade, de tudo quanto foi dito, conclui-se, claramente, que o homem, para chegar a compreender o verdadeiro significado da morte, deve ter compreendido, tambm, o significado da vida, e ter alcanado um certo grau de desenvolvimento da conscincia, liberta da iluso da forma, pois no se trata de adquirir uma certeza intelectual e terica, mas uma capacidade prtica de sentir que existimos, seja quando estamos no corpo fsico, seja quando dele somos privados. E essa capacidade s se pode alcanar se, enquanto ainda estamos na forma fsica, nos tornamos sensveis realidade interior, e se, gradualmente, sairmos do nosso estado de inconscincia que nos leva a viver como seres semi-adormecidos e imersos na iluso.

    Isso importantssimo. a finalidade real da vida, pois que, como diz Aurobindo, se somos inconscientes em nossa vida, o seremos tambm nos outros estados: a morte ser verdadeiramente a morte e o sono um entorpecimento , ao passo que quando nos tomarmos verdadeiramente conscientes

    1. aconselhvel ler o cap. IX de A Aventura da Conscincia, de Satprem.

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  • de ns mesmos passaremos sem interrupo e sem vcuo de conscincia, da vida para o sono da morte; ou, mais exatamente, no mais haver morte, nem sono, como agora os entendemos, mas maneiras diferentes de continuamente perceber a Realidade total .

    Quando algum chega a esse estado de conscincia reconhece que a vida no plano fsico apenas um perodo de experincia, de preparao, de treino, que tem a finalidade de fazer emergir a conscincia do verdadeiro Eu das nvoas da inscons- cincia, e de libertar o Homem verdadeiro da identificao com a matria, compreendendo que nascimento e morte, viver e morrer, nada mais so do que aspectos da Vida.

    O homem bastante evoludo deveria reconhecer essa profunda verdade, e, acima de tudo na idade madura, quando a curva da vida biolgica comea a declinar e quando se tem os primeiros sintomas de decadncia fsica, deveria comear a preparar-se para a morte com serenidade, no a compreendendo como fim ou anulao, mas antes como um novo nascimento, o incio de um outro perodo de vida, mais frutfero e mais rico.

    A forma fsica, ento velha e gasta, no mais pode servir ao Esprito, que sempre jovem e voltado para novas aquisies, portanto deve ser abandonada.

    Diz Jung: Na segunda metade da existncia, s permanece vivo quem com a vida deseja tambm morrer, pois o que acontece na hora secreta do meio-dia da vida a inverso da parbola: o nascimento da morte .

    Quem no quer aceitar essa realidade e permanece apegado ao passado, iludindo-se em parar o tempo, impede que as foras vitais, voltadas para o futuro, progridam para a sua meta, que o desenvolvimento da conscincia, meta que vai alm dos umbrais da morte, dirigindo-se ao mundo onde no existe nem tempo nem espao, e onde somos realmente ns mesmos.

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  • VII

    A LEI DA EVOLUO

    .. . uma outra raa deve nascer entre ns, um Homem com pleto ,,. Sri Aurobindo.

    Dor e morte, os dois principais problemas do homem, revelam o seu verdadeiro significado e a sua real finalidade, apenas se foram enquadrados no grande esquema da Lei da Evoluo, porque esses so, realmente, os dois meios evolutivos fundamentais que ajudam o homem a se tomar conhecedor de sua verdadeira natureza, a desapegar-se da identificao com a forma e a passar a um novo reino, o quinto, o reino espiritual.

    muito importante, pois, ter uma idia bem clara da Lei da Evoluo, naquilo que diz respeito, sobretudo, ao homem, no qual tal lei se torna o despertar e a ampliao gradual da conscincia.

    No me detenho a falar em evoluo no reino subumano, que agora reconhecida e aceita como verdade cientfica, embora os pareceres ainda discordem quanto ao seu fim. Todavia, o nmero dos estudiosos que aceitam, seja como simples hiptese, uma telefmalidade da evoluo, vai sempre aumentando e seria absurdo negar que a ascenso da vida parece ter culminado no homem, o ser mais completo e mais perfeito da terra, do ponto de vista morfolgico; realmente no

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  • parece que a Natureza tenha criado novas espcies animais ou vegetais desde que o homem ocupa a crista evolutiva.

    Por outro lado, o aparecimento do homem no assinala o fim da evoluo, e sim o incio de uma nova fase da evoluo mesma, isto , o progresso no mais exclusivamente biolgico e morfolgico, mas sobretudo moral, psicolgico, interior e espiritual: o desenvolvimento da conscincia.

    Essa nova evoluo, que parece ser o resultado da evoluo orgnica, porm, essencialmente diferente, porque algo com o qual o homem colabora: de fato s o homem, entre todos os organismos, sabe que evolui, e s ele est em condies de dirigir a sua evoluo. (G. G. Simpson, O Significado da Evoluo, p. 365.)

    Isto acontece porque a evoluo, no plano humano, no apenas coletiva, mas tambm, e sobretudo, individual: no homem, realmente, verificou-se alguma coisa nova e de importncia decisiva: o nascimento da autoconscincia.

    O homem sabe que evolui, porque consciente do seu eu, porque sabe que existe , e est em condies de pensar, de querer, de escolher e de determinar.

    Diz Annie Besant: ... proporo que ascendemos, vemos aparecer uma liberdade sempre maior, at que no homem se manifesta uma energia espontnea, uma liberdade de escolha, que , verdadeiramente, a aurora da manifestao de Deus, do Eu, que comea a revelar-se no homem .

    Eis por que a evoluo, no reino humano, profundamente diferente da que tem lugar nos outros reinos da natureza. No mais a forma que evolui, mas a conscincia, e isso significa que o progresso humano um fenmeno de ordem essencialmente interior e psicolgico, que ter efeito tambm no exterior, no campo social, moral, cultural e espiritual, mas apenas como projeo objetiva da maturidade subjetiva alcanada.

    Portanto, para compreender a evoluo do homem, s a cincia no o bastante, porque ela apenas estuda a matria,

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  • os seus fenmenos e as suas leis, e no estuda as manifestaes do comportamento psicolgico, moral e espiritual do homem total, que no somente matria, mas tambm intelecto, vontade, sentimento e esprito.

    Para enfrentar o assunto da evoluo humana necessrio, portanto, apelar tambm para a filosofia, para a psicologia e para as doutrinas religiosas e espirituais.

    O homem estudado em seu conjunto, que um complexo de muitos fatores, e com muita razo diz Alexis Carell, autor do notvel livro 0 Homem, esse desconhecido , que o homem uma sntese total dos processos fisiolgicos, mentais e espirituais.

    necessrio, pois, ter bem claro na mente esse fato, ao observar a humanidade do ngulo visual da lei de evoluo e s assim poderemos discernir, em meio aparente desordem, incoerncia e confuso que parecem reinar sobre a terra, o harmnico, ordenado e luminoso funcionamento da fora evolutiva e da lenta ascenso constante (embora s vezes fatigante) da conscincia humana em direo do Esprito.

    No reino humano, como j foi dito, a evoluo individual, isto , depende do progresso de cada um. O melhoramento do indivduo influencia a evoluo coletiva da humanidade, ou, antes, produz essa evoluo, porque cada homem gera influncia, seja no sentido exterior, no seu ambiente, na sociedade etc., com sua maneira de comportar-se, de pensar, de sentir, seja no sentido interior, na psique coletiva da humanidade com a qual seu mundo psquico est ligado. Embora no tenhamos conscincia disso, somos todos ligados por fios invisveis, e a separao, a incomunicabilidade, so iluses, pois h sempre uma contnua interao entre os homens, uma incessante permuta de correntes de pensamento, de emoes, de energias psquicas... Portanto, se se quisesse julgar o n vel evolutivo alcanado pela humanidade, tomada em seu con

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  • junto, a concluso seria que ele o resultado da mdia do grau evolutivo de cada um.

    A todo momento do caminho evolutivo da humanidade existem, contemporaneamente, muitos desnveis de desenvolvimento entre os homens. Existem, ao mesmo tempo, os selvagens, os brutos, os instintivos, e existem tambm os heris, os santos, os gnios. Ao lado de um Gandhi, de um Einstein, ou de um Albert Schweitzer, tm estado o selvagem da Papusia, ou o ser instintivo ainda identificado com a sua natureza animal.

    O nvel evolutivo da humanidade, em sentido coletivo, n o pode ser julgado tendo presente os seres menos evoludos de um dado perodo, nem